Responsabilidade Penal Nos Trans Tor Nos Mentais
Responsabilidade Penal Nos Trans Tor Nos Mentais
Responsabilidade Penal Nos Trans Tor Nos Mentais
Alexandre Martins Valena, Miguel Chalub, Mauro Vitor Mendlowicz, Ktia Mecler e Antonio Egidio Nardi
Resumo
Objetivo: Estudar a responsabilidade penal de indivduos com transtornos mentais. Mtodos: Realizamos uma reviso crtica sobre o tema, consultando autores especialistas na rea de psiquiatria forense. Resultados: A presena de transtornos mentais pode reduzir ou abolir a responsabilidade penal. Concluses: A avaliao da responsabilidade penal de extrema importncia para que se possa aplicar, a cada caso, medidas de segurana e sanes penais e correcionais adequadas. Palavras-chave: Transtorno mental, responsabilidade penal, medida de segurana, psiquiatria forense
Abstract
Objective: To study the penal imputability of individuals with mental disorders. Methods: We performed a critical review about this subject, consulting expert authors in the forensic psychiatry field. Results: The presence of a mental disorder may diminish or abolish the penal imputability. Conclusions: The evaluation of penal imputability is extremely important in order to apply, in each case, safety measures and correctional and penal sanctions. Key words: Mental disorder, penal imputability, safety measure, forensic psychiatry.
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ) (Valena AM, Chalub M, Mendlowicz MV, Nardi AE) Departamento de Psiquiatria e Sade Mental da Universidade Federal Fluminense (MSM/UFF) (Valena AM, Mendlowicz MV) Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) (Chalub M) Manicmio Judicirio Heitor Carrilho-RJ (Valena AM, Chalub M, Mecler K)
Correspondncia para: Alexandre Martins Valena Av. Venceslau Brs, 71 fundos Botafogo 22290-000 Rio de Janeiro e-mail: [email protected]
Introduo
Em direito penal, para que algum seja responsvel penalmente por um determinado delito, so necessrias trs condies bsicas: ter praticado o delito, poca do delito ter entendimento do carter criminoso da ao e ter sido livre para escolher entre pratic-la e no pratic-la (Palomba, 2003). O Cdigo Penal (CP) Brasileiro (1984) (Lei Substantiva Penal), em seu Ttulo III (Da Imputabilidade Penal), trata dos casos de inimputabilidade, ou seja, daqueles que, embora tenham cometido um crime, no podem ser responsveis por ele ou o so parcialmente, tendo, destarte, sua imputabilidade abolida, no primeiro caso, ou diminuda, no segundo. Alm dos menores, que recebem outro tratamento jurdico em legislao especial, a lei declara isentos de pena, sob certas condies, os que cometem ao ou omisso e apresentam transtornos mentais. Ela prev ainda, tambm sob certas condies especiais, a reduo da pena respectiva para algumas formas de transtorno mental (Chalub, 2004). Ao referir-se a doena mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, perturbao da sade mental, o cdigo identifica os requisitos de ordens biolgica (doena mental e desenvolvimento mental retardado) e psicolgica (desenvolvimento mental incompleto, perturbao da sade mental), bem como as alteraes psicolgicas que acompanham a doena mental. Quando se refere a entender o carter ilcito do fato, pressupe o aspecto cognitivo, e quando menciona determinarse de acordo com este entendimento, pressupe o exerccio do livre arbtrio (vontade). Assim, o imputvel sob o ponto de vista da higidez mental seria aquele que conhece, que valora e que age de acordo com tal entendimento e valorao. A par disso, delimita o CP o perodo em que o transtorno mental deva estar caracterizado ao tempo da ao ou da omisso para propiciar a iseno da pena (Hungria, 1949).
De acordo com Moraes (1993), a nova lei penal, em relao ao sexo, tem os artigos 123 e 124. O primeiro trata de infanticdio praticado pela mulher sob a influncia de estado puerperal durante o parto ou logo aps, havendo atenuao da pena. O segundo trata do aborto realizado em si mesma ou consentido para que outro o pratique. H igualmente reduo de pena. Alguns autores admitem que certos estados fisiolgicos como gravidez, menstruao e menopausa podem ter influncia na capacidade de entendimento, interferindo, assim, como modificador da responsabilidade penal. Entre esses autores destaca-se Bugallo Sanches, apud Veloso de Frana (1998), que escreveu o livro La Responsabilidad Atenuada de la Delincuente Menstruante. importante salientar a menor criminalidade da mulher. Para cada mil crimes cometidos por delinqentes masculinos, menos de cem so perpetrados por mulheres (Veloso de Frana, 1998).
Sexo
Sonambulismo
No sonambulismo h um estado especial de conscincia, caracterstico do sono, e o embotamento de alguns sentidos, porm com preservao da atividade motora. O sonmbulo capaz de cometer atos criminosos espontaneamente ou por sugesto (Moraes, 1993). Os atos realizados durante um estado de sonambulismo so caracterizados por total ausncia de entendimento e determinao. importante fazer um diagnstico diferencial com epilepsia e outros elementos (idade, estados de depresso ou ansiedade) capazes de explicar a ocorrncia. Certamente o perito deve estar muito atento para a possibilidade de simulao.
Surdimutismo
Idade
A lei penal brasileira rotula os menores de 18 anos como totalmente imunes sano penal, ficando apenas sujeitos s consideraes do Estatuto da Criana e do Adolescente. Os menores de 14 anos no respondem a processo penal de nenhuma espcie, cabendo ao Estado dar-lhes tratamento mdico e educacional. Dos 14 aos 18 anos os infratores sofrero processo especial, sendo submetidos ao tratamento indicado e pelo tempo necessrio. Dos 18 aos 21 anos, apesar de o indivduo ser considerado responsvel do ponto de vista penal, nosso Diploma Legal concede aos infratores a atenuao da pena e a regalia de no permanecerem em prises comuns juntamente com delinqentes adultos. O CP tambm considera atenuante ser o agente maior de 70 anos poca da sentena.
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O indivduo incapaz de ouvir fica absolutamente restringido em suas aquisies de idias e conhecimentos. Sem falar no pode se comunicar com as pessoas, sendo um isolado na vida. Desta forma, a tendncia que permaneam subdesenvolvidos, ainda que recebam educao. De acordo com Palomba (2003), a Lei Penal resguarda o surdo-mudo, ao qual aplica-se a inimputabilidade, se for do tipo hipoacusia pura e grave, quer seja o indivduo educado ou no, se o delito praticado tiver nexo de causalidade com a deficincia de que portador. J os casos de hipoacusia moderada vo, via de regra, para a semi-imputabilidade se houver comprometimento da capacidade de entendimento e determinao em relao ao ato praticado. A hipoacusia leve, por si s, no compromete a capacidade de entendimento e determinao, caindo, portanto, na responsabilidade plena.
Civilizao
A civilizao fator fundamental no desenvolvimento cultural, contribuindo decididamente para a conduta, o carter, as idias e os instintos dos indivduos. O silvcola puro possui maneira de pensar, de agir e de sentir prprias de sua comunidade, profundamente diferentes do homem civilizado. Os silvcolas puros no podem ser dados como portadores de responsabilidade penal, j que lhes falta a identidade social. Por no saber viver de acordo com as leis, os costumes, os valores tico-morais da civilizao, ter grandes limitaes em sua capacidade de entendimento, da a inimputabilidade nesses casos.
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Alguns silvcolas que sofreram processo de aculturao, mas no se tornaram totalmente civilizados, caem na semi-imputabilidade penal (Moraes, 1993).
Emoo e paixo
Para Hungria (1949), emoo um estado de nimo ou de conscincia caracterizado por uma viva excitao do sentimento. uma forte e transitria perturbao da afetividade a que esto ligadas certas variaes somticas, as quais representam uma conseqncia do estado afetivo. A emoo uma descarga nervosa sbita, de curta durao. A paixo, ao contrrio, uma emoo em estado crnico, perdurando como um sentimento profundo e monopolizador (amor, dio, vingana, fanatismo, despeito, avareza, cime). Para Moraes (1993) no h diferena qualitativa entre emoo e paixo. O que as distingue o tempo, rpido na emoo; duradouro na paixo. O CP em vigor no exclui a responsabilidade por estes estados, mas d carter atenuante ao delito cometido sob o domnio da paixo ou da violenta emoo, seguidas de injusta provocao da vtima, porque no anula a inteligncia ou a vontade. Desta forma, se o agente comete o crime (homicdio ou leses corporais) sob o domnio de violenta emoo logo em seguida a injusta provocao da vtima, o juiz pode reduzir a pena em um sexto a um tero. Por mais fortes que sejam as emoes referidas, no nos tiram elas o controle completo dos nossos atos, nem nos impedem de recordar depois tudo que se sucedera. Elas no anulam os motivos da conscincia ou o poder de inibio do homem normal. H persistncia do autocontrole, se no integralmente, pelo menos de modo a que as maiores excitaes emotivas lhe so permeveis e, sob influncia normalizadora, podem deixar de traduzir-se em aberraes da conduta. Hungria (1949) afirma que, antes do momento agudo da descarga ou raptus emocional, h um instante decisivo em que ainda se pode obedecer ao influxo da atividade psquica frenadora. Assim, desde que no se ligue a doena ou retardo mental, desde que seja precisamente um sintoma, a emoo no exclui, nos crimes praticados sob seu influxo ou domnio, um agente responsvel e punvel.
culposa ou dolosa e, em tal situao, comete o delito. De acordo com a teoria do actio libera in causa, o agente ou procurou o resultado voluntariamente, ou, ao ingerir a droga, assumiu o risco de se embriagar, sendo, portanto, responsabilizado pelo que de seu comportamento advier. Considera-se que o agente foi, em momento inicial, livre para agir, e, em assim atuando, responder pelos seus atos e conseqncias. Para Veloso de Frana (1998), transferiu-se o princpio da imputabilidade do momento da ao ou omisso para o da ingesto da bebida. O crime estaria no fato de algum se colocar deliberadamente em estado de embriaguez e neste estado praticar um ato ilcito.
Embriaguez
Vrias so as formas de embriaguez reconhecidas pelo CP. De acordo com Vargas (1990), compreende-se por no-acidental a embriaguez culposa (quando o agente ingere o lcool sem inteno de embriagar-se), e por voluntria quando o agente bebe com a finalidade de embriagar-se. A embriaguez acidental pode ser proveniente de dois casos: fortuita, quando o agente ingere o lcool sem conhecer, por exemplo, o seu coeficiente txico, ou daqueles que se intoxicam por trabalharem com lcool ou substncias txicas. A embriaguez por fora maior quando o agente coagido a ingerir substncia txica. Quando voluntria ou culposa, a embriaguez, ainda que plena, no isenta da responsabilidade e o agente responder pelo crime. Se foi preordenada, responder o agente a ttulo de dolo, com pena agravada (Hungria, 1949). Somente a embriaguez plena e acidental (devida a caso fortuito ou fora maior) autoriza a iseno de pena, e, ainda assim, se o agente, no momento do crime, em razo dela, estava inteiramente privado da capacidade de entendimento ou de livre determinao. Nossa lei substantiva penal considera ser imputvel quem se colocou em condies de inconscincia ou descontrole de forma
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De acordo com Taborda (2001), dentro do sistema de justia criminal no Brasil, trs fases devem ser distinguidas: o inqurito, os procedimentos judicirios e a execuo do julgamento. Durante a primeira fase, o delito ser investigado detalhadamente pela autoridade policial. Sero colhidas evidncias materiais e testemunhais, realizando-se todos os procedimentos de anlise tcnica. Em seguida, essas informaes sero enviadas para o judicirio, com uma descrio explicando como o ato criminoso possivelmente ocorreu e indicando o possvel autor. Durante a fase de procedimento judicial, o departamento de justia avalia a denncia e indica como deseja prosseguir. durante essa fase que o exame de imputabilidade penal (incidente de insanidade mental) ou exame de dependncia de drogas (laudo de exame de dependncia de substncia entorpecente ou anloga) acontece, por solicitao das partes ou por instruo judiciria espontnea. Nesse caso o processo ento interrompido at a realizao do exame psiquitrico. Posteriormente recomea seu curso, independentemente da concluso do exame, ou seja, mesmo se o acusado considerado doente mental. Esse estgio termina com a sentena criminal, que se apresenta com trs possibilidades: condenao (com ou sem substituio por medida de segurana), absolvio (aps demonstrao da inocncia do agente) e absolvio baseada na inimputabilidade do agente, que, nesse caso, ir cumprir uma medida de segurana (internao em manicmio judicirio ou tratamento ambulatorial). O incidente de insanidade mental substanciado pela percia psiquitrico-forense realizada por dois peritos oficiais do Estado, um relator e um revisor. importante salientar que a avaliao pericial ser de natureza retrospectiva, procurando identificar o funcionamento mental do autor do crime no momento que esse crime ocorreu. No exame psiquitrico-forense constam os seguintes elementos: identificao: nome completo do acusado, sexo, cor, data de nascimento, naturalidade, nome dos genitores, estado civil, grau de instruo, profisso, procedncia; histria criminal, composta por trs aspectos: denncia: acusao que consta contra o periciando, presente no processo criminal; elementos colhidos nos autos: boletim de ocorrncia policial e outras informaes adicionais sobre fatos ocorridos na denncia, depoimento da vtima e de testemunhas, outras percias realizadas que constem no processo, etc. aqui que o perito vai pesquisar fatores criminognicos (a motivao do delito) e criminodinmicos (como se deu o delito);
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verso do acusado aos peritos: relato dos fatos por parte do periciando a partir da sua narrativa. importante destacar que neste item o perito no tem compromisso com a verdade, apenas descrevendo aquilo que narrado na perspectiva do periciando. Por este motivo, procuram-se utilizar expresses como relata o periciando, ou afirma o periciando, ou de acordo com o periciando, etc. A verso do acusado aos peritos, somada aos exames psiquitrico e psicopatolgico, tem a importante funo de ajudar a estabelecer um nexo de causalidade entre o delito e o agente, ou seja, o que liga ou associa um ao outro. No primeiro caso psiquitrico-forense citado, por exemplo, a motivao do delito foi um estado psictico da conscincia; anamnese: composta por itens bsicos, como histria da doena atual (se houver), antecedentes pessoais, familiares e psicossociais; exame fsico e neurolgico; exames complementares: eletroencefalograma, avaliao neuropsicolgica (exame de funes cognitivas como ateno, memria, inteligncia, raciocnio abstrato, etc., atravs de testes padronizados), testes psicolgicos de personalidade, etc., quando forem necessrios.
jurdico, contendo o raciocnio e a contribuio final dos peritos. Nesse item os peritos vo fundamentar o diagnstico psiquitrico com base no destaque das principais alteraes psicopatolgicas apontadas no exame psiquitrico, avaliar a influncia da doena mental na capacidade de entendimento e determinao poca do delito e, finalmente, estabelecer se h um nexo de causalidade entre a doena e o delito cometido (critrio biopsicolgico).
Respondero os peritos aos quesitos do Ministrio Pblico e da defesa a respeito da sanidade mental do periciando, utilizando preferencialmente respostas objetivas, do tipo sim ou no.
Tentaremos agora dar uma viso panormica da responsabilidade penal relacionada a transtornos mentais, desenvolvimento mental retardado e perturbao da sade mental.
Retardo mental
Exame psiquitrico
Examinaro os peritos as diversas funes psquicas do periciando no momento da avaliao: atitude geral e apresentao, fala e linguagem, pensamento e juzo de realidade, conscincia, ateno, orientao, memria, sensopercepo, inteligncia, humor, afetividade, vontade e pragmatismo. Essa uma etapa de extrema importncia na percia psiquitrico-forense, j que podem ser encontradas alteraes psicopatolgicas indicativas de doena mental (delrios ou alucinaes, por exemplo) ou desenvolvimento mental retardado (deficincia de inteligncia). Vale salientar que a ausncia de psicopatologia no momento desse exame no descarta a existncia de doena mental. possvel, por exemplo, que, na ocasio do delito, um indivduo tenha apresentado um rebaixamento de conscincia e que no momento do exame psiquitrico tal alterao no esteja mais presente. Assim, como j foi afirmado, a percia psiquitrico-forense retrospectiva, ou seja, cabe-lhe informar autoridade judicial o estado mental poca relacionada aos fatos (delito). Certamente os peritos vo obter esta concluso atravs de um conjunto de dados, fornecidos pelos autos do processo criminal, verso do acusado aos peritos, anamnese com todos os seus itens e estado mental atual do periciando.
No retardo mental grave a delinqncia normalmente baixa, j que em geral esses indivduos esto institucionalizados ou sob controle da famlia, entretanto os delitos sexuais so relativamente comuns, freqentemente contra pessoas ou crianas da prpria famlia. No caso do retardo mental grave, a incapacidade de reconhecer a ilicitude dos atos total, sendo enquadrado no caput do artigo 26 do CP. A periculosidade dos indivduos com retardo mental moderado e leve envolve questes mais complexas. Por serem facilmente sugestionveis, eles podem servir de laranjas ou ser levados criminalidade por pessoas inescrupulosas. Em geral o retardo mental moderado cai na inimputabilidade, enquanto o leve cai na semi-imputabilidade (pargrafo nico do art. 26 do CP) ou imputabilidade (caput do art. 26 do CP).
A freqncia de comportamento criminoso nesses indivduos baixa, j que em geral esto gravemente doentes e hospitalizados. De importncia o delirium tremens relacionado ao alcoolismo, cujo rebaixamento de conscincia pode ser acompanhado de comportamento agitado e heteroagressivo. Quando h um rebaixamento da conscincia, sendo essa uma funo integradora das demais funes psquicas, h total incapacidade de entendimento e determinao. Havendo nexo de causalidade entre o delito e o estado mental, a inimputabilidade se impe.
Esquizofrenia
Na esquizofrenia, o indivduo passa a viver em funo de suas idias delirantes, falsas interpretaes que, somadas aos transtornos da esfera da afetividade, podem faz-lo agir com extrema violncia. A maioria dos crimes cometidos pelos esquizofrnicos ocorre no ambiente familiar e na fase inicial da doena. Na fase onde j se observa deteriorao da personalidade, os atos delituosos so, geralmente, sbitos e imotivados. A forma de esquizofrenia mais comum em percias criminais a paranide. Movidos pela sintomatologia psictica (idias deli331
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rantes persecutrias e alucinaes audioverbais), estes indivduos podem agir com violncia. Mesmo quando planejado, o delito do esquizofrnico em geral motivado por juzos delirantes. Dessa forma, seus crimes enquadram-se no caput do art. 26 do CP, sendo, portanto, inimputveis (Vargas, 1990). No sistema de justia criminal do Brasil, uma pessoa que comete um crime, porm se enquadra no caput do artigo 26 do CP, ser absolvida. Entretanto, por conta de outros artigos da lei penal, receber aplicao compulsria de medida de segurana (Taborda, 2001).
impulsividade acentuada (prejuzo na capacidade de deliberao), caracterizando uma perturbao da sade mental. Nesse ltimo caso, havendo nexo de causalidade entre o delito e as alteraes de personalidade, podem ser considerados semi-imputveis (pargrafo nico do art. 26 do CP).
Demncias
O transtorno esquizofreniforme (quadro psictico agudo semelhante esquizofrenia, porm com tempo de durao menor que um ms) e o transtorno esquizoafetivo (associao de sintomas esquizofrnicos com depresso ou exaltao do humor) em geral levam inimputabilidade, j que so quadros psicopatolgicos graves. No transtorno delirante (conhecido, na classificao antiga, como parania), revestem-se de interesse os tipos persecutrio e de cime. Nesse caso os indivduos, movidos por idias delirantes sistematizadas (de perseguio ou cime), podem cometer atos violentos. Havendo nexo de causalidade entre o delito e o estado mental, caem no caput do art. 26 do CP.
Nos estados demenciais, qualquer que seja a causa, esto presentes dficits cognitivos importantes de funes psquicas como memria, raciocnio, capacidade de abstrao e simbolizao mentais e juzo de realidade, levando a uma incapacidade de entendimento tico-jurdico. Dessa forma, as demncias so enquadradas no caput do art. 26 do CP como causadoras de inimputabilidade plena.
Transtornos do humor
Os estados de mania acompanhados por sintomas psicticos, muitas vezes de feitio paranide, acompanhados de grande excitao e agitao psicomotora, podem propiciar a realizao de atos violentos. Nesse caso caem na inimputabilidade (art. 26 do CP). Na depresso psictica, o indivduo, por considerar, de forma delirante, que ele e algum familiar vo sofrer para sempre ou sero condenados, pode planejar o homicdio desse familiar seguido de tentativa de suicdio. Freqentemente encontramos casos em que apenas o homicdio foi cometido, tendo o indivduo apenas se ferido aps ser impedido de dar continuidade ao seu ato por outros. Certamente esses casos tambm caem na inimputabilidade. A hipomania e a depresso moderada podem trazer prejuzo para a capacidade de entendimento e determinao, o que pode apontar para a semi-imputabilidade (pargrafo nico do art. 26 do CP).
Diante desses casos a percia psiquitrico-forense deve estabelecer se h dependncia e qual o seu grau. O usurio recreativo ou habitual, mesmo consumindo a droga de forma nociva, no dependente. Assim, tem responsabilidade plena. Se a dependncia moderada, apenas com componentes psquicos, como compulso ou fissura pela substncia (desejo intenso de consumir a substncia a maior parte do tempo) e sintomas psquicos de abstinncia, como insnia, ansiedade, sintomas depressivos e alteraes do apetite, havendo nexo de causalidade entre o delito e essa dependncia, o perito pode optar pela semi-imputabilidade (pargrafo nico do art. 19). Na dependncia grave, relacionada a substncias como lcool, barbitricos e opiceos, o indivduo vai apresentar caractersticas de fissura pela substncia, tolerncia (necessidade do aumento progressivo do consumo) e sndrome de abstinncia (conjunto de sinais e sintomas fsicos e psquicos decorrentes da diminuio ou interrupo do consumo da substncia), alm de histria de grande consumo da substncia (Kaplan et al., 1997). Nessa forma de dependncia o indivduo capaz de entender ou no o carter ilcito do delito, mas incapaz de determinar-se (debilidade da vontade relacionada dependncia). Assim, cabe nesses casos a inimputabilidade (caput do art. 19) se houver nexo de causalidade entre a dependncia da substncia e o delito.
Epilepsias
Ao contrrio do que se pensava anos atrs, a criminalidade entre os epilpticos semelhante encontrada na populao geral (Jozef, 1997). A responsabilidade penal do epilptico vai depender do seu estado clnico no momento da execuo de atos ilcitos. Na forma neurolgica da epilepsia, em que o indivduo apenas apresenta crises convulsivas, em geral controladas com uso de medicao anticonvulsivante, a responsabilidade pode ser considerada plena. A epilepsia associada a quadros psicticos, cursando com rebaixamento da conscincia (estado crepuscular epilptico ou estado de ps-icto) ou fenmenos delirantes e alucinatrios (psicose epilptica), cai na inimputabilidade (caput do art. 26 do CP). Alguns autores (Faulk, 1994) consideram que, em virtude do dano neurolgico provocado pelas crises convulsivas, esses indivduos poderiam apresentar traos de personalidade agressivos e
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Transtornos de personalidade
O transtorno de personalidade considerado uma perturbao da sade mental. Hungria (1949) afirma que os transtornos de personalidade representam uma variao mrbida da norma, e esses indivduos so responsveis, mas com menor culpabilidade, em virtude de sua inferioridade biotico-sociolgica, isto , de sua menor capacidade de discernimento tico-social ou de auto-inibio ao impulso criminoso. Quando enquadrados no pargrafo nico do artigo 26, os indivduos com transtornos de personalidade podem ter reduo da pena (de um tero a dois teros) ou esta pode ser substituda por medida de segurana. O artigo 98 do CP dispe que necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituda por internao ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mnimo de um a trs anos.
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Sem dvida, recomenda-se bastante prudncia ao juiz na opo do que mais necessrio ao condenado, diante de suas condies atuais: imposio de pena reduzida ou, alternativamente, internao em hospital de custdia e tratamento psiquitrico (se o crime era punvel com recluso) ou tratamento ambulatorial (se era prevista pena de deteno). Essa escolha pode representar um dilema em virtude da precariedade de nossos sistemas carcerrios e psiquitricos. De acordo com Lutz (1941), a defesa da sociedade quando so aplicadas medidas de segurana (nos transtornos de personalidade) ampla, porque a medida de segurana s suspensa com a verificao de que cessou a periculosidade. De acordo com Garcia (1958), os transtornos de personalidade ocupam a zona limtrofe entre a doena mental e a normalidade psquica, j que, embora tenham compreenso da criminalidade de seu atos, no tm a necessria capacidade de inibio ou autodeterminao, devendo ser enquadrados no pargrafo nico do artigo 26.
Gomes (1993) afirma que essencial estabelecer a diferena entre o psicopata genuno e a personalidade anormal ou desajustada. Segundo esse autor, a personalidade psicoptica um anormal biolgico, nasceu assim; o desajustado, um anormal social, tornou-se assim. A habitualidade criminal no um critrio seguro para estabelecer essa diferena, porque tanto pode derivar de causas biopsicolgicas puras, como de influncias ambientais desfavorveis. Para esse autor as personalidades psicopticas devem ser enquadradas no pargrafo nico do artigo 26 do CP.
Concluso
A questo da responsabilidade penal dos indivduos com transtornos mentais desafiadora para a justia criminal, a psiquiatria e a sociedade. A avaliao da responsabilidade penal de extrema importncia para que se possa ajustar, em cada caso, a aplicao de medidas de segurana e de sanes penais e correcionais adequadas.
Referncias
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