Glauco Mattoso - Tripé Do Tripudio

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TRIP� DO TRIP�DIO E OUTROS CONTOS HEDIONDOS

SUM�RIO

ABUSADORES E ACUSADORES, por Pedro Ulysses Campos


[1] O DESOCUPADO
[2] O APRENDIZADO
[3] DOMINA��O NO CONDOM�NIO
[4] PROVA��O E REPROVA��O
[5] DIAL�TICA DIUR�TICA
[6] C�RCERE PRIV�
[7] TRIP� DO TRIP�DIO
[8] O MICH� BICHADO
[9] O SEXAGEN�RIO SEDENT�RIO
[10] ESTATURA DA CRIAN�A E DO ADOLESCENTE
[11] PAPEL ANTI-HIGI�NICO
[12] O MASSAGISTA MASOQUISTA
[13] A NOITE DO PORTEIRO
[14] A SEMENTE SEMITA
[15] O QUICHUTE DO QUICHUA
[16] LI��O DE CASA
[17] CANIL ESTUDANTIL
[18] O ZELADOR FELADOR
[19] A CHANCA E A CANCHA
[20] HIST�RIA ORAL
[21] AS SAND�LIAS DA HUMILDADE
[22] JUGO CONJUGAL
[23] DINHEIRO SUADO
[24] O INCOMODADO QUE N�O SE MUDOU
[25] O ROTO E O ESFARRAPADO

ABUSADORES E ACUSADORES

V�tima de abuso sexual em sua inf�ncia, Glauco Mattoso tem desabafado


exaustivamente seu trauma nos sonetos que lhe deram a fama de "poeta da
Crueldade", mas faz quest�o de enfatizar que seus abusadores eram
meninos da sua idade ou pouco mais velhos, descaracterizando assim o
estere�tipo pedof�lico convencionado pela sociedade politicamente
correta. Avan�ando o olhar nesse horizonte tenebroso, as freq�entes
ocorr�ncias de crimes b�rbaros praticados por menores contra adultos
sinalizariam na dire��o inversa � da meninice desamparada e indefesa.

Tal � o panorama de fundo nos contos mattosianos, que, por tr�s duma
aparentemente inconseq�ente fantasia masturbat�ria, de vi�s
sadomasoquista ou fetichista, p�e o dedo na ferida psicol�gica ou
social, mais profundamente do que p�e um ded�o na boca ou um p�nis no
�nus. Mattoso n�o se limita ao plano autobiogr�fico, por�m, tampouco �
esfera infantil ou juvenil, e incursiona no degenerado mundo adulto, ou
submundo, como querem os acusadores moralistas: h� contos, neste volume,
que devassam a degradante privacidade duma sociedade hipocritamente
humanista e humanit�ria, mas domesticamente animalesca.

Nesta edi��o, s�o apenas doze os contos, selecionados numa safra mais
volumosa j� veiculada na rede virtual, nas revistas alternativas como a
cearense "Literatura" ou em antologias como aquela "Sadomasoquista" que
o pr�prio Mattoso organizou em colabora��o com o professor e escritor
Antonio Vicente Seraphim Pietroforte. � guisa de fio condutor
alinhavando esta amostragem, a sele��o do autor sugere que a hediondez
n�o est� no maior ou menor grau de perversidade ou de pervers�o, nem na
maior ou menor faixa et�ria, mas na pr�pria natureza humana e na
deteriorada civiliza��o que a humanidade edifica e a animalidade
infiltra, corr�i e solapa. Depois da leitura, e do eventual orgasmo
inconfess�vel, cada leitor avaliar� o n�vel de pasmo, asco ou fastio
provocado por esta est�tica ficcion�stica que nada tem de antiss�ptica.

PEDRO ULYSSES CAMPOS, agosto/2008

///

[1] O DESOCUPADO

O soneto 583 me veio quando lembrei dum cara que morava no meu pr�dio,
n�o este onde moro, mas no mesmo bairro, defronte � padaria da rua E�a
de Queiroz. O sujeito era bem novo (tinha uns dez anos a menos que eu,
nos meus trinta), mas n�o andava enturmado. Quase n�o sa�a, talvez
porque n�o tivesse grana, talvez porque n�o tivesse amigos, ou uma coisa
por causa da outra. Ficava o tempo todo zanzando pelo quarteir�o, da
portaria do pr�dio � esquina, da esquina para a padoca. Ali batia ponto
e papo com outros habituais fazedores de hora e, eventualmente, filava
uns comes ou, sobretudo, uns bebes que algu�m pagasse. Namorada n�o
tinha, ou melhor, vivia rodeando as vizinhas mais abertas � conversa, e
por algum tempo foi visto sentado no jardim com a filha do zelador, mas
logo a menina dividiu o banco com o manobrista da garagem, e nosso her�i
voltou a zanzar com cara de quem n�o comeu e n�o gostou.

A mim o que chamava aten��o era a sand�lia havaiana que ele n�o tirava
do p�. Na �poca eu era banc�rio e costumava me vestir sobriamente: n�o
se usava mais terno e gravata, mas camisa, cal�a e sapato tinham que ser
sociais. A molecada, por outro lado, exibia na rua suas roupas folgadas
e coloridas, seus t�nis colossais e chamativos. Mas o cara n�o
acompanhava moda alguma: vestia-se com desleixo, parecia usar sempre a
mesma camiseta e o mesmo cal��o. As havaianas eu tinha certeza de que
eram as mesmas. Nunca fui muito atra�do por chinelo ou sand�lia: as
botas (especialmente coturnos) e os t�nis me sugeriam as cenas tribais
de ent�o: hippie ou punk, rockabilly ou skinhead. Sexo e poder marchavam
juntos, simbolizados, para mim, nas solas pisando caras, de prefer�ncia
a minha cara.

Mas se a sand�lia de dedo n�o me seduzia, o ded�o exposto sim: era mais
curto que o segundo artelho, e o p� espalhado e chato, formato que me
fazia viajar de volta � meninice, quando fui abusado por moleques de
periferia, um dos quais tinha p� assim e me pisou na boca, obrigando-me
a lamber, antes que os demais me currassem. A reminisc�ncia, que me
perseguiu pelo resto da vida, voltava naqueles momentos em que eu
cruzava com o marmanjo no sagu�o do condom�nio ou na cal�ada, mas ele
era t�o desligado que nem reparava em meu olhar fixo no ch�o, fascinado
por aquela prancha descal�a e apoiada numa palmilha gasta e encardida.

Na verdade ele s� aparentava ser sonso, pois bem que me manjava, apesar
da minha discri��o no relacionamento com os vizinhos. N�o que eu n�o
fosse assumido: �quela altura j� tinha participado do grupo SOMOS e
colaborado no LAMPI�O, e minha poesia francamente er�tica e
sadomasoquista circulava impressa. S� que, no pr�dio como no banco, eu
preferia n�o dar muita bandeira e achava melhor preservar minha
privacidade. Sempre que recebi visitas de "amigas" mais "pintosas" ou
"fechativas" (como se dizia na g�ria camp da �poca), contudo, l� estava
o rapaz de olho, parado como que por acaso na escadaria da entrada,
enquanto eu as acompanhava at� o port�o ou sa�a junto.

N�o tardou para que o gelo se quebrasse. Uma manh� fui xerocar um artigo
do LAMPI�O e ele aguardava, no balc�o da papelaria, enquanto o
balconista me atendia. N�o me perturbei quando o vi ali ao lado, mas n�o
pude disfar�ar a olhadela que dei para conferir se aquele pez�o cal�ava
as indefect�veis havaianas. Na sa�da, ele me encarou com aquela
express�o de folgado e riu triunfalmente, escancarando os bei��es, como
se tivesse flagrado uma ninfeta tomando sol sem suti� na piscina do
edif�cio ao lado. Apontou para o tabl�ide na minha m�o e perguntou com
for�ada intimidade:

-- Voc� l� esse jornal? N�o � s� bicha que l� isso?

Resolvi dar trela, mas sem perder o cacoete da milit�ncia:

-- N�o s� leio como escrevo nele.

-- Ah, ent�o voc� tamb�m �?

-- Entre outras coisas.

Respondi j� me pondo a caminho, para o caso de que ele reagisse com


hostilidade: se me desfeiteasse, ficaria falando sozinho. Mas ele passou
a caminhar a meu lado, insistindo no papo, e continuei jogando verde:

-- E voc�? Tamb�m j� leu, n�o foi?

-- N���o! S� tinha visto na banca! E voc� escreve o que a�?

-- Poesia.

-- Poesia?

-- De sacanagem.

-- Ah! E que tipo de sacanagem?

-- Tudo o que voc� pode imaginar.

-- Vem c�: � verdade que todo viado adora chupar rola?

Olhei para os lados, achando que estariam nos ouvindo, mas a cal�ada n�o
estava muito movimentada e j� cheg�vamos ao pr�dio. Entramos e segui
direto para o sof� do sagu�o, sentando-me e esperando que ele me
imitasse. N�o hesitou, interessado que estava na continuidade do
di�logo. Fui bem did�tico e objetivo:

-- Nem todo mundo gosta de tudo. Que eu saiba, a maioria dos gays curte
chupada e nem todos d�o o cu. E tem gay que curte outras coisas, como
eu.

-- Que outras coisas?

-- Chupar p�, por exemplo.


E mirei o olhar no pez�o. Ele fez o mesmo, at� ergueu a perna cruzada,
ostentando as unhas mal cuidadas:

-- S�rio? Voc� chuparia um p� de macho?

-- Com o maior capricho.

-- Mesmo sujo, suado?

-- Principalmente.

-- Mas s� o p�? Mais nada?

-- O resto depende.

-- Depende do qu�?

-- Do que eu for mandado fazer.

-- E se fosse eu que mandasse?

-- Eu chupava seu p� e o que voc� quisesse.

-- Chupava agora?

-- S� n�o chupo aqui porque n�o quero plat�ia.

-- No seu ap�?

-- Claro!

Quando ele se levantou percebi o pau duro sob o cal��o. Subimos e, assim
que ele bateu o olho no meu barzinho, esqueceu momentaneamente o tes�o,
magnetizado pela cole��o de decantadores de cristal que se perfilavam na
prateleira, cada um contendo uma tonalidade de licor. Claro que ia
pedir, mas n�o esperei e ofereci. Ele se acomodou numa poltrona,
servi-lhe o drinque, e dali a pouco, fingindo ou n�o, o cara estava
suficientemente "anestesiado" para, se fosse o caso, esquecer tudo o que
se passaria no apartamento do banc�rio solit�rio. Mas n�o foi o caso,
pois ele percebeu que a situa��o poderia se repetir da forma mais
conveniente: ele interfonava e subia quase todo dia, mas j� n�o pela
manh�, quando eu me preparava para sair ao trabalho. Ficou combinado que
ele podia me chamar depois das oito da noite, sempre que quisesse, e eu
s� n�o o receberia se estivesse muito ocupado ou se tivesse compromisso
fora. A partir da�, o cara me freq�entou sem a menor cerim�nia e se
serviu sozinho de seus drinques, enquanto eu lhe prestava o servi�o no
p�.

-- Tive uma cadelinha que fazia isso mesmo na minha sola!

-- E isso? Fazia tamb�m?

-- Ah, isso n�o! Cachorro n�o chupa! Cachorro s� fica passando a


l�ngua... Faz de novo, engole o ded�o! T� cheirando muito forte?

-- T�.

-- Mas � isso que voc� quer, n�o �? Ent�o g�enta, uai!


N�o, ele n�o era mineiro, era do norte do estado, perto da divisa do
Tri�ngulo. Estava morando apenas temporariamente com a av�, mas voltaria
dali a meses para sua cidade. Enquanto p�de, se esbaldou na minha
poltrona. Como gostava de me ver ajoelhado entre suas coxas! Com que
satisfa��o comandava cada lambida minha em seu caralho torto e sebento!
Com que naturalidade apoiava os p�s no bra�o da poltrona, para que eu
lhes lavasse a sola chata com a l�ngua! E como esporrava abundantemente,
uma porra grossa e ardida, quando o caralho sentia a l�ngua deslizando
por baixo da chapeleta! Ao perceber que ele delirava com esse movimento,
tratei de repeti-lo com o m�ximo de suavidade e lentid�o, para ouvir o
cara murmurando t�o baixinho que parecia estar falando de si para si,
talvez recapitulando suas pr�prias fantasias solit�rias:

-- Chupa gostoso, chupa gostoso! Chupa chul�! Chupa mijo! Chupa,


porquinho! Ah! Porquinho!

Fiquei com aquela palavra, porquinho, na cabe�a. De vez em quando, na


punheta, cochicho comigo essa palavra e gozo feito doido, imaginando que
hoje em dia, com esse desemprego todo, deve haver muito mais neguinho
desocupado andando de havaiana por a�... S� que nem todos t�m p� chato e
ded�o mais curto.

///

[2] O APRENDIZADO

O soneto 653 me veio quando, atrav�s dum amigo americano, fui


apresentado a outro usu�rio de computador falante que, como eu, est�
totalmente cego e se sente abusado pelos caras que enxergam.
Compartilh�vamos ambos os mesmos obst�culos materiais e sociais; a ele
pesavam, por�m, dois problemas adicionais: obesidade e inaptid�o para
chupar. Morando nos States, tinha a seu alcance o diversificado card�pio
de prefer�ncias sexuais oferecido por grupos gays, clubes, associa��es e
ag�ncias de classificados er�ticos, inclusive s�tios especializados em
deficientes f�sicos, como o www.bentvoices.org -- mas, assim como eu j�
constatara ao visitar portais an�logos em portugu�s, como o
http://scegos.planetaclix.pt, tamb�m ele percebeu qu�o palp�vel continua
sendo a situa��o de estar discriminado como gay entre os cegos e como
cego entre os gays. Mais ainda, no caso dele: discriminado como cego gay
entre os gordos.

J� no primeiro "emeio" que trocamos, Bob transcreveu os termos em que se


dirigiu ao colunista virtual que assinava a se��o de aconselhamento dum
daqueles s�tios: "I am a totally blind, very heavy guy. My problem is
that, when I find guys interested in being with me, I run into a
roadblock because I don't like to suck cock. I have tried, and I find it
really unpleasant. I am good with my hands, and can usually make a guy
come easily, especially if I use a bit of oil. But many (probably most)
guys want someone who can suck, and I just don't enjoy doing this."

O colunista, como de praxe entre americanos, foi bem direto ao ressalvar


que a chupeta n�o era a �nica maneira de satisfazer um parceiro: "If the
oral thing doesn't work for you, don't worry. Go on to something else
that you are expert at. Tit play, foot play, anal probing, masturbation,
verbal, fantasy; it all depends on finding out what gets your man going
and using that knowledge to your mutual advantage." Mas dava a entender
que, se Bob abrisse m�o do pr�prio prazer, ficaria mais f�cil achar a
quem satisfazer: "Yes, I am happy to say that there are guys out there
who are more concerned with getting their partners off than gratifying
themselves. There are even men for whom orgasm is irrelevant." E sugeria
que Bob tentasse aprender a chupar como o beb� aprende a mamar: "As far
as teaching cocksucking goes, I think most guys would say that once
exposed to one, the art of sucking comes as naturally as feeding does to
a baby." Resumindo: se n�o gosta de chupar, fa�a o sacrif�cio e encare-o
masoquisticamente como gratificante pelo simples fato de que o parceiro
est� gozando.

Bob relutou antes de ceder � realidade de que, inferiorizado pela


limita��o f�sica, n�o lhe restava muita escolha. Mas o aprendizado n�o
era t�o espont�neo quanto afirmava o colunista, e meu balofo
correspondente s� conseguiu vencer a repugn�ncia e dominar a "arte"
depois que contatou, numa sala de bate-papo, um parceiro disposto a
gui�-lo, comandando cada movimento.

Esse mestre era um t�pico "nerd": adolescente de seus dezessete, muito


dentu�o, espigado e pesco�udo, p�s e m�os t�o descomunais quanto os
�culos, rockeiro viciado no som dos Ramones, punheteiro desbragado,
apreciador de "snuff movies" e jogador de "games" politicamente
incorretos, tipo campo de concentra��o ou cativeiro de seq�estro. O
molec�o j� tinha deixado v�rias bichas chuparem sua bengala branca e
sabia muito bem de que jeito queria ser servido, mas a perspectiva de
v�-la na boca dum cego gordo e desajeitado arrancou-lhe a autom�tica
exclama��o: "Uau! Cobaia nova!"

Foi, do Bronx, ao encontro de Bob, em Manhattan. A "cobaia", inteirada


das manias do marmanjo, palpitou: "J� sei: voc� acha que os deficientes
s�o assim porque Deus quer e que, por isso, ningu�m precisa ter
sentimento de culpa se, pra dar prazer, o deficiente tiver que sofrer
mais um pouquinho, certo?"

O "nerd" foi reciprocamente c�nico: "Errou. N�o estou nem a� se Deus


quer ou deixa de querer. Pra mim n�o � Deus que conta, � a natureza. Se
algu�m nasce defeituoso ou sofre um acidente, a natureza n�o d� colher
de ch�: ou se vira ou � um micr�bio a menos na poeira do universo. Por
isso � que n�o sinto remorso, sacou? Voc� est� a� pra chupar e eu estou
aqui pra fazer voc� chupar. Trate de dar o melhor de si, s� isso."
Falava sem parar de mascar seu chiclete, com aquela indiferen�a
caracter�stica dos "teenagers" metidos a intelectuais.

O gordo fez o melhor que p�de. O pau do moleque aumentou-lhe o volume


das bochechas, embargou-lhe a voz, dobrou-lhe a l�ngua e sujou-lhe o
paladar com sabores de odores de mict�rio, que o cego j� reconhecera em
sua pr�pria cueca na hora de ser lavada. Bob trabalhou sem desanimar,
mesmo quando as gargalhadas do cara tiravam-lhe a concentra��o, pois
estava determinado a dar-lhe gozo como ningu�m antes dera, como nenhuma
dessas bichas de rua, escrachadas e escrotas. Ele, Bob, mostraria a esse
varapau pretensioso que um cego gordo � capaz de felar melhor que uma
puta rampeira.

"Tem que ir arrega�ando devagarinho! Assim! Passa a l�ngua na volta


toda! Isso! Que tal o gosto do queijo? Hem? Tem que saborear cada
floquinho! Vamos l�, quero ver, na pontinha da l�ngua! Estica e mostra!
Isso! Agora vai lambendo at� tirar tudo! Sem pressa! Por que essa cara
de nojo? Vamos l�, quero ver mais alegria! Agora melhorou! Tem que fazer
cara de leit�ozinho feliz!" Os grunhidos de Bob, a cada comando do
jovem, corroboravam a imagem do porquinho glut�o refocilando no caralho
babado. O estudante imita o tom de voz do mais fod�o dos seus
professores. Quando o pau bombeia at� o fundo da goela, cortando o
f�lego do gordo, a voz engrossa mais um pouco: "Engole mais! Tem que
ag�entar! Se vomitar vai ter que limpar com a l�ngua! Quer apanhar na
cara? Vamos l�, de novo! Engole, porra!"

Esfor�ou-se, mas da primeira vez levou quinau daquele professor com cara
de colegial: o gordo n�o controlara sua ansiedade, fora com muita sede
ao pote, e sua afoba��o fez a porra jorrar antes da hora. O moleque
queria prolongar a sess�o, coisa que rolou mais naturalmente nos
encontros seguintes. Bob teve de admitir -- e sinto-lhe a sinceridade
nas mensagens intern�uticas -- que havia muito a aprender, e engoliu,
juntamente com o orgulho de adulto deficiente mas auto-suficiente, um
caralho imaturo mas convencido da superioridade de quem tem vis�o
normal, ainda que corrigida pelos �culos fundo-de-garrafa do nerd�o.

N�o tenho muitos detalhes sobre o fim que levou esse benem�rito fodedor
de bocas. Parece que come�ou a sair com a mais fodona de suas
professoras e, vendo que dava certo com as mulheres, esqueceu-se do cego
obeso, como das bichas de rua. Outros mestres apareceram, prontos a
treinar um perseverante aprendiz.

Continuamos trocando "emeios", eu e Bob, at� hoje, e fui obrigado, por


minha vez, a confessar que tenho bons motivos para invej�-lo, n�o pelo
sobrepeso, mas pelo fato de estar num pa�s onde os adolescentes s�o mais
desinibidos que a t�mida molecada daqui, que, quando tem coragem de
contatar, n�o tem para ensinar nem para aprender.

///

[3] DOMINA��O NO CONDOM�NIO

Sonetos como aqueles dois "do (con)dom�nio" (817 e 818) me vieram quando
o zelador do meu pr�dio, ao cruzar comigo no sagu�o, disse ter revisto
na rua o tal Rolando, j� nos seus vinte e poucos, andando de esqueite
como se ainda estivesse nos treze e fumando como se fosse adulto.
Rolando n�o morou neste condom�nio, mas foi o garoto mais famoso do
quarteir�o, e todos os zeladores, porteiros e vizinhos o conheciam. A
fama � que n�o era nada boa: aprontou com crian�as e adultos. Seus
pr�prios pais, ao que se sabe, preferiam fazer de conta que o diabrete
era um anjo a ter de enquadr�-lo, e simplesmente ignoravam quaisquer
reclama��es. N�o sei se houve alguma ocorr�ncia policial, mas imagino
que a conduta do moleque deu bons motivos para tanto.

Na �poca, quem me contou foi um amigo que morava no mesmo pr�dio de


Rolando. Havia j� certo tempo que Diego (o referido amigo) vinha
atentando para as tend�ncias s�dicas do menino, as quais, somadas ao
natural esp�rito de lideran�a, faziam dele �dolo da turminha na faixa
dos onze a doze. Outro moleque se destacava nessa gangue: Nelinho, fosse
pelo porte f�sico mais avantajado que a m�dia (dando-lhe apar�ncia de
maior idade), fosse pela sexualidade indom�vel que escoiceava num corpo
quase adulto atropelando a mentalidade infantil, fosse pelo sadismo
compar�vel ao de Rolando. Nelinho s� n�o era l�der porque lhe faltava a
intelig�ncia: estava, digamos, mais atrasadinho nos estudos que seu
coleguinha de travessuras.

Foi quando veio morar ali uma fam�lia de angolanos refugiados da


viol�ncia das guerrilhas africanas. Fam�lia ac�fala, j� que o pai
morrera por l�, v�tima dalguma mina terrestre. S� a m�e e o casal de
filhos habitavam o apartamento de tr�s quartos, cujo aluguel era pago
sabe-se l� como e por quem. A menina, gordinha e esperta, era quem
tomava conta do irm�o, embora este tivesse um ano a mais que ela.
Acontece que o menino, muito d�cil e ing�nuo, caiu logo na mira da
gangue de Rolando e, quando a irm� n�o estava por perto para estrilar e
pedir socorro � m�e ou a qualquer adulto, Noel acabava levado pelos
capetas a algum canto, onde o "zoavam" � vontade.

Coisa que pouca gente sabia: Rolando se encarni�ou no sadismo incitado


pelo irm�o mais velho, ent�o beirando os dezoito e prestes a ingressar
na faculdade de medicina. Certa vez, Diego vinha entrando no edif�cio
quando, ao transpor o port�o, avistou, no topo da escada de acesso �
portaria, dois garotos atracados no ch�o, como se brincassem de lutar.
Ao lado, em p�, o irm�o de Rolando apenas observava. Diego n�o deu
import�ncia � cena banal entre crian�as, mas notou que o rapaz mais
velho instru�a os garotos e, ao ver que Diego subia os degraus,
afastou-se e saiu, deixando os menores brincarem livremente. Ao passar
por eles, Diego ouviu a pergunta de Rolando dirigida a Noel, que, de
quatro, deixava-se cavalgar pelo mais forte:

-- Ent�o? Vai ser meu escravo?

-- N�o! -- gemia o negrinho, mas continuava debaixo das pernas de


Rolando, sem esbo�ar rea��o f�sica.

-- Ah, vai sim! Vai ser meu escravo! -- e Rolando chamava a aten��o do
porteiro que, de dentro da cabine, assistia � cena sem ousar intervir,
quem sabe at� curtindo o espet�culo:

-- Olha s�, Man�, olha s� quem virou meu cavalo!

Diego, que j� se encaminhava para o sagu�o do elevador, n�o resistiu �


curiosidade e voltou-se a tempo de presenciar a prostra��o de Noel
diante dos p�s de Rolando, que lhe ordenava:

-- Beija o ch�o! Agora beija meu t�nis! Isso!

Para n�o cortar o barato dos meninos, Diego fingiu que esperava o
elevador sem prestar aten��o ao jogo, mas Rolando, empolgado pela emo��o
da nova brincadeira, arrastou Noel para o p�tio de tr�s e ambos
perderam-se de vista.

Algum tempo depois, Diego comprovou que Noel se convertera em gato e


sapato de toda a galera. A gorducha, que finalmente encontrara suas
pr�prias amiguinhas, desistiu de bancar a guarda-costas do pobre
maninho, e j� n�o se lhe ouviam os berros cada vez que Rolando e seus
capangas se acercavam de Noel com o fatal risinho maquiav�lico a
sinalizar novas humilha��es, al�m das habituais ordens para ajoelhar,
rastejar, deixar-se pisar no rosto e servir de capacho, descal�ar t�nis
com a boca, imitar bichos dom�sticos e selvagens. Passo a palavra a
Diego para que ele mesmo relate:

"Duas coisas, Glauco, de que n�o tenho d�vida: a molecada pegou o


negrinho pra Cristo n�o s� por causa da cor (mais comum nos filhos de
faxineiras que de inquilinas), mas principalmente por ser forasteiro e
�rf�o de pai; de sua parte, Noel n�o oferecia resist�ncia n�o s� porque
Rolando estivesse enturmado, mas tamb�m porque o algoz tinha cobertura
do irm�o 'instrutor', o qual maquinava o jogo e ficava de camarote.
Uma vez eu lia no jardim quando, no banco ao lado, sentou-se o instrutor
e, na grama, rolavam Rolando e Noel. Sem se importar com minha presen�a
(ou at� fazendo quest�o que eu presenciasse), o instrutor advertia Noel
para que se deixasse cavalgar por Rolando, ou seria pior. Assim que o
cavaleiro trepava �s costas do quadr�pede, o pr�prio instrutor
comentava:

-- Xi, ele montou! E agora?

A leitura da frase n�o podia ser mais ir�nica: Por que ser� que o
bobinho n�o revida? Por medo ou porque reconhece a inferioridade?

Meses mais tarde, a coisa j� amadurecia. Do meu habitual ponto de


observa��o, onde eu fingia estar concentrado no livro, acompanhei o
trote que, sob as vistas do instrutor, toda a gangue aplicava em Noel.
Molharam-no inteiro, jogaram farinha por cima, obrigaram-no a assobiar o
hino nacional marchando de joelhos. Nelinho, radiante de alegria, ria
at� n�o poder mais e, virando para o instrutor, sugeria:

-- Faz ele chupar seu pau!

-- Faz voc�! -- ria de volta o man�o de Rolando.

-- Ah, eu fa�o mesmo!

N�o fizeram ali, � vista de quem passasse, mas fiquei sabendo que
fizeram no topo do pr�dio, entre os muros que cercavam o terra�o da laje
superior, um esconderijo ao qual s� tinha acesso quem fazia manuten��o
de instala��es hidr�ulicas, mas cuja porta Rolando dera jeito de abrir.
Parece que freq�entavam o antro com regularidade, a julgar pela profus�o
de picha��es e pelo cheiro de maconha que vazava para as escadarias do
bloco. Ali�s, a molecada adorava descer pela escada, sempre em
desabalada carreira e tocando todas as campainhas dos apartamentos, isso
quando n�o se optava por apostar corrida entre o elevador social e o de
servi�o, a segunda e divertida alternativa.

No ano seguinte, o irm�o de Rolando foi estudar no interior e a fam�lia


de Noel se mudou para o Rio. Nosso sossego n�o aumentou com a aus�ncia
do mentor e do escravo, pois Rolando e Nelinho continuavam vandalizando
nas �reas comuns e fazendo lenda nas redondezas. Mas a partir de ent�o
eu parei de ouvir, de dentro da minha sala, a voz estridente de Nelinho
a chamar, l� de baixo, at� que Noel aparecesse na janela, alguns andares
acima do meu:

-- Noel! Desce aqui! J�! � uma ordem!

Certa tarde, quando eu lia com mais tranq�ilidade naquele recanto


ajardinado, vejo Rolando cercado pelos amiguinhos, mostrando-lhes a
carta que acabava de abrir.

-- � do Noel! -- gabava-se Rolando.

-- Ele escreveu pra voc�? -- admirava-se Nelinho.

-- Ah, mas � s� pra mim! N�o deixo ningu�m ler!

E correu para casa, enquanto os companheiros trocavam sorrisos de


curiosidade. Matutei comigo sobre quais insond�veis motivos levariam o
negrinho a manter correspond�ncia com seu carrasco, um gesto tanto mais
inusitado quando sabemos da ojeriza que moleques dessa idade t�m ao
texto escrito e ao h�bito da leitura. A carta era, evidentemente, um
trof�u para a vaidade de Rolando, mas at� que ponto chegaram as rela��es
de Noel com ele era o que me intrigava. Algum esclarecimento s� obtive
depois que o pr�prio Rolando se mudou, com os pais, para outro bairro.
Nelinho, que parecia ter ficado mais bob�o sem a companhia do �dolo,
amansou seu �mpeto predador � medida que assumia contornos de marmanjo
balofo, e aos poucos fui me aproximando dele no papo. Um dia peguei-o de
jeito e interroguei-o longamente. O di�logo rolou mais ou menos como vai
abaixo.

-- U�, cad� a molecada? N�o vejo mais voc�s aprontando... S� porque o


Rolando mudou voc� ficou mais quieto?

-- Ah, antes era mais gostoso!

-- Por qu�? Tinha mais escravo pra ser zoado?

-- Ah, se tinha! Tinha o Noel... o Serginho... o Cac�... mas todo mundo


t� mudando!

-- Mas quem era mais gostoso de zoar?

-- Ah, o Noel, claro!

-- Por qu�?

-- Ele obedecia tudo, sem chiar. Os outros s� queriam escapar, a gente


tinha que ficar segurando na marra.

-- Segurar pra qu�?

-- V�rias coisas... cuspida na cara, dentro da boca... uns tapas... uns


chutes...

-- Que mais?

-- Uns boquetes... de vez em quando.

-- Todos eles tinham que pagar boquete?

-- N�o, boquete s� o Noel pagava. Primeiro pagava pro Rolando, depois o


Rolando me emprestava o escravo e eu tirava minha casquinha...

-- Emprestava s� pra voc�?

-- S�. Ele achava que era dono do Noel, mas pra mim ele emprestava
porque gostava de ver o Noel me chupando.

-- No ap� de quem?

-- De ningu�m. A gente ia l� pro terra�o, quando dava.

-- Nunca pegaram voc�s?

-- N�o dava tempo. Se viesse algu�m a gente parava. S� podiam mandar a


gente descer de l�.

-- Mas e se n�o aparecesse ningu�m pra atrapalhar? Que acontecia?


-- Ah, a� a gente tirava um sarro legal. O Noel tinha que chupar o
Rolando at� ele gozar. Depois era minha vez.

-- E o Noel chupava direitinho?

-- Tinha que chupar. No come�o ele enjoava com a pica do Rolando, mas
foi acostumando e j� engolia quase inteira.

-- E com a sua, ele acostumou?

-- Demorou mais, porque a minha � maior... n�o cabe toda. Eu fazia ele
lamber bastante, depois ele tinha que me punhetar enquanto eu metia a
cabe�a at� onde dava.

-- Ele ag�entava numa boa?

-- N�o, mas a gente n�o dava moleza. Enquanto n�o fizesse o que a gente
mandava, n�o podia se livrar. Eu catava ele pela orelha e metia bronca.

-- E a porra? Ele engolia?

-- Ele que experimentasse n�o engolir! At� mijo ele teve que engolir!

-- Quem mijou? O Rolando?

-- Eu que tive a id�ia, mas acho que ele bebeu o mijo do Rolando quando
ficavam sozinhos.

-- E o Rolando? Preferia ficar sozinho com ele ou gostava mais quando


voc� estava olhando?

-- Acho que gostava igual. Tudo era legal. Eu tamb�m peguei o Noel
sozinho, mas o Rolando n�o sabia, sen�o n�o deixava...

-- Ele queria ser o dono do Noel?

-- �, ele achava que o Noel era escravo particular dele, e s� emprestava


quando queria assistir o carinha me chupando.

-- Por que voc� acha que ele gostava de assistir?

-- Ele falava que queria ver se minha rola ia caber na boca do Noel. Uma
vez ele mediu at� onde entrou.

-- E entrou at� onde?

-- Ah, at� a metade...

-- E depois que o Noel mudou? Quem ficou chupando voc�s no lugar dele?

-- Ningu�m. Mas a� a gente ficou conhecendo aquelas minas do corti�o...


A� virou festa!

-- Quer dizer ent�o que o Noel faz alguma falta...

-- Fez mais pro Rolando. O pau do Rolando ele mamava com gosto, mesmo.
Parece at� que o cara nasceu pra ser escravo, e que o Rolando s� queria
gozar na boca dele. Era que nem um t�nis, tem que ser nosso n�mero,
sen�o n�o serve, n�?

-- E as meninas? Chupam bem que nem o Noel?

-- Nem todas. A maioria tem nojo, n�o gosta do cheiro, fala que tem
sebinho... um saco! Mas como elas t�m buraco at� de sobra, a gente goza,
dum jeito ou de outro...

-- Mas boquete igual ao do Noel...

-- Ah, � dif�cil! O Rolando falava que s� bicha velha � capaz de chupar


assim...

-- Bicha velha? Da minha idade?

A resposta � �ltima quest�o � um segredo que fica entre mim e


Nelinho..."

Diego saiu-se bem, mas fico me perguntando por onde anda Rolando, e como
rola sua rola... Quanto a Noel, o que eu queria era ter o "emeio" dele
pra fazer minhas pr�prias perguntas acerca do p� de Rolando, que suponho
ser chato e ter chul�, e cujo ded�o imagino mais curto, at� um
cent�metro a menos que o artelho vizinho...

///

[4] PROVA��O E REPROVA��O

Um soneto como aquele "Reprovado" (585) me veio quando um amigo hetero


de longa data finalmente criou coragem para confidenciar-me seu �nico
epis�dio homo, ou antes, bi. Claro que n�o revelo os verdadeiros nomes e
s� revelo os fatos porque, sob esta condi��o, ele me autorizou.

Tudo veio � tona durante uma visita que, ainda quando enxergava, fiz a
seu est�dio de grava��o, onde eram produzidos os discos de muitas bandas
punks nos 80. Enquanto escolh�amos algumas fotos que ilustrariam meu
pr�ximo artigo sobre rock tribal, Marc�o mostrou-me um �lbum pessoal
cujo destaque era uma figura feminina bastante provocante: loira,
vestida de motoqueira e sorrindo com arrog�ncia atrav�s dum batom
vampiresco muito bem desenhado nos l�bios desdenhosos.

-- Rockeira inglesa? -- perguntei, sem reconhec�-la entre as imitadoras


de Beki Bondage, a c�lebre vocalista do Vice Squad.

-- Que nada! Minha ex-namorada, a V�nia M�nia.

-- S�rio? Que gata, hem? Faz tempo que se separaram?

-- Dois anos. Foi morar nos States. Ela adorava as HD e queria se juntar
a uma gangue de "bikers". N�o sei se conseguiu, mas levava jeito...

-- Voc�s tinham moto?

-- N�o. Quem me v�, com esse meu jeit�o de Rambo, pensa que sou um
Hell's Angel, mas n�o me equilibro nem na bicicleta. Foi por causa disso
que ela me corneou.

-- Como assim? S� porque voc� n�o sabia pilotar uma motoca?


-- Uma coisa puxa outra. Fica entre n�s, certo? Ela sempre me curtiu
como homem e eu sei que satisfiz a feminilidade dela. Foi a mulher mais
quente que j� tive, e tenho certeza que fui o tipo de macho ideal que
ela fantasiava. S� que aquele tes�o por moto fez a V�nia conhecer um
moleque bem mais novo, que trabalhava de boy na firma onde ela era
funcion�ria. O cara dava carona pra ela e come�ou a freq�entar nossa
casa. Quando percebi que ele estava muito � vontade, desconfiei e avisei
a ela que n�o ia com a cara daquele folgado. Pra minha surpresa, ela
respondeu que ia continuar andando com ele, mesmo que eu n�o
concordasse.

-- Ah, foi ent�o que voc� mandou ela passear...

-- Antes fosse! Teve bate-boca, quase saiu porrada, mas engoli o ci�me e
fingi indiferen�a. Pra ver se ela tentava me reconquistar, fiz que n�o
me importava e deixei que continuasse saindo com o motoboy, mas no fundo
ainda achava que ela sentia tes�o por mim e que n�o me trocaria por um
pivete metido. Sei l� o que ela falou de mim pro cara, mas ele me olhava
como se eu fosse o cachorrinho dela.

-- Por que voc� n�o quebrou logo a cara dele? J� vi voc� perder a
esportiva com gente mais barra-pesada por muito menos!

-- A� � que t�. Nunca levei desaforo nem transei com homem, voc� me
conhece. Mas tenho que confessar que com ela minha rela��o era mais de
mandado que de mand�o. Eu me excitava quando ela me usava como objeto
sexual e me programava como um rob�, entende? Meu pau subia por controle
remoto: era s� ela empinar aquele narizinho e p�r a linguinha pra fora
que nem serpente tentadora. Quanto mais garanh�o eu ficava, mais ela me
tratava como um cavalo domado, entende?

-- Voc� chegou a servir de escravo? Tipo lamber bota, ficar de quatro...

-- Cheguei. Mas ningu�m tinha combinado nada. Ela sabia que podia mandar
em mim na cama, mas n�o sabia quais eram meus limites. Estava a fim de
testar. Quando saquei que ela e o motoboy estavam de acordo a fim de me
sacanear, pensei na vingan�a, mas alguma coisa estranha me impediu de
reagir.

-- Um impulso masoquista? Se foi isso, n�o acho estranho...

-- Voc� eu sei que n�o acha, mas em mim era uma tenta��o de experimentar
coisa diferente. Comecei a reparar melhor na pinta do motoboy: o tal de
Al� n�o passava dum magrela com boca de sapo e convencido que era o rei
da selva s� porque uma gostosa lhe dava bola. Achei aquele comportamento
t�o abusado que fiquei me imaginando rebaixado na frente dele. N�o me
pergunte o motivo, mas eu queria passar por aquilo, mesmo que fosse pra
me vacinar duma vez por todas e nunca mais entrar numa arapuca igual.
Queria ir at� o fim pra saber at� que ponto pode chegar um corno manso.

-- Um corno amestrado, voc� quer dizer...

-- Falou tudo. Foi uma esp�cie de teste de resist�ncia pra mim. Um


enduro.

-- E o cara, sacava o seu conflito ou era babaca demais pra entender?

-- N�o sei. Nunca tive papo com ele, nem quis. S� encontrava com ele
quando a V�nia estava junto. Uma noite eles chegaram em casa bem tarde,
voltando do cinema. Eu quis dar uma de tolerante e, em vez de ficar na
minha, vendo v�deo ou curtindo som no fone, como fazia sempre, resolvi
beber e papear com eles, como se a coisa nem fosse comigo. V�nia
aproveitou a deixa e levou o papo pro ponto cr�tico: mandou que eu
servisse a bebida e preparasse um lanche pro Al�, que ele tava com fome.
Ficaram os dois sentad�es na sala e eu fui pra cozinha. Na hora me veio
vontade de virar a mesa, mas ela falou com tamanha autoridade e ele me
olhou rindo dum jeito t�o c�nico que levei uma esp�cie de choque
el�trico e comecei a funcionar como um rob� que tivesse sido ligado
naquele momento. Da cozinha escutei o papo deles, as risadas, como se
tudo j� estivesse ensaiado. Servi os copos e pratos na mesinha de
centro, enquanto a TV passava v�deos montados pela V�nia, clipes
intercalando cenas de sexo, moto e rock numa colagem bem "hardcore".
Imagine o quadro, Glauco: eu pondo as coisas no meio da mesa e eles
apoiando os p�s nas beiradas, cada um dum lado. Eu me abaixava pra
servir e s� via sola em volta... Voc� ia delirar, na certa!

-- Que d�vida! Os dois estavam de bota?

-- S�. A V�nia gostava de usar sempre e o Al� precisava usar por causa
da moto.

-- Eram muito diferentes, as dela e as dele?

-- Totalmente. As dela eram de bico fino e salto alto, feitas de couro


macio, e estavam sempre brilhando, at� porque era eu que engraxava... As
dele, muito maiores, eram pesadas e sujas, a sola quase t�o grossa
quanto a destes coturnos que estou cal�ando, olha s�. Coisa refor�ada,
feita mesmo pra ralar.

-- E voc� notou que eles puseram o p� na mesa de prop�sito pra humilhar?

-- Pior: ficavam balan�ando a perna cruzada e conversando sem tomar


conhecimento da minha presen�a, como se eu fosse um gar�om de bar. Mesmo
quando eu sentei no sof� pra participar do papo e do fumo, eles s� me
davam aten��o na hora de mandar buscar alguma coisa a mais na cozinha. A
V�nia come�ou a contar pra ele tudo que me mandava fazer, as coisas mais
sujas, tipo lamber no ch�o o cuspe que ela escarrava e pisava em cima.
Enquanto ela me desmoralizava e ele ria com cara de desprezo, eu ficava
ali, sem gra�a, sem responder nada, sem moral pra desmentir cada vexame
que ela detalhava pra satisfazer a curiosidade do moleque. De repente o
Al� vira pra ela e pergunta: "Por que ele n�o aproveita pra tirar minha
bota? Estou com o p� doendo de tanto ficar cal�ando isto o dia inteiro!"
E ela simplesmente olhou pra mim e levantou o queixo, como quem diz:
"Que est� esperando?" Eu nem olhei pra cara dele. Passado de vergonha,
mas vivendo uma emo��o forte que nunca tinha provado, me ajoelhei e
descalcei o cara.

-- Aposto que o chul� era bravo.

-- Do jeito que voc� imagina. Por isso � que n�o resisto a lhe contar o
neg�cio todo.

-- N�o vai me dizer que voc� teve de lamber o p� dele...

-- Infelizmente pra voc�, n�o recebi essa ordem. Mas a pr�pria V�nia,
assim que eu tirei as botas dele, mandou que eu tirasse tamb�m as meias
e fizesse uma massagem igual � que eu fazia no pezinho dela. Ainda posso
sentir aquele cheiro na minha m�o, que parecia n�o sair nem no dia
seguinte, com sabonete perfumado e tudo.

-- Foi demorada essa massagem?

-- Ah, acho que quase meia hora.

-- E a rea��o dele durante a sess�o?

-- Ficou olhando pro teto, soprando a fuma�a e apoiando a nuca no


encosto da poltrona. De vez em quando trocava uma palavra com a V�nia,
que assistia � tela, mas o sil�ncio daqueles minutos dava id�ia de como
ele relaxava, talvez planejando o final da noitada...

-- Pelo jeito o programa ainda ia render...

-- Mais pra eles que pra mim, l�gico. Pra completar, ela fez ao Al� uma
demonstra��o de como eu sabia lustrar uma bota com a l�ngua. V�nia
chegou a pisar num prato de fritas enquanto eu babava no cano alto
daquela botinha preta de dominadora, Glauco! Adivinha se eu tive que
abocanhar os farelinhos das batatinhas esmigalhadas pelo salto! N�o deu
tempo de massagear tamb�m o p� dela, porque o Al� queria tomar banho
antes de ir pra cama.

-- Pra cama? Que cama?

-- A minha e da V�nia, claro. Ele se refestelou no quarto com ela e me


trancaram no outro quarto, onde tinha uma cama pra h�spedes. Passei o
resto da noite tentando escutar as vozes deles, os barulhos, mas s� deu
pra distinguir as risadas mais altas. Depois acabei me acalmando, quer
dizer, depois que me punhetei e gozei de tanto remoer o que vi e o que
devia estar rolando entre eles.

-- Fa�o id�ia! Mas voc� ainda conseguiu gozar, apesar de tudo?

-- Gozei, e voc� nem adivinha como! Sabe o que a V�nia fez antes de me
mandar pro quarto? Me entregou o par de botas do Al� e falou: "Leva isso
e trata de engraxar bem engraxado. Amanh� de manh� o Al� quer ver esse
couro brilhando, n�, Al�?" E o cara j� me dava as costas quando
respondeu: "Brilhando que nem a sua vai ser dif�cil, mas ele que se
vire, que rale a l�ngua!"

-- Brincou! Uma humilha��o dessas � coisa que rola uma vez na vida e
outra na morte! E que tal a sensa��o de lamber uma bota de motoqueiro?

-- Pra mim o que machucou n�o foi a l�ngua, foi saber que o dono da bota
tava trepando com a V�nia enquanto eu lambia!

-- Mas lambeu...

-- Pra falar a verdade, n�o dava vontade, n�o: era muita poeira e muita
zoeira prum cara como eu, que s� tinha praticado essas coisas com a
V�nia e entre quatro paredes. Mas pensei na bota dela, que lambi tantas
vezes, pensei na submiss�o que podia ser a �ltima, j� que ela parecia
estar decidida a me trocar pelo Al�, pensei em tragar o gosto daquilo
at� o fundo do copo. S� lhe digo uma coisa, Glauco: comecei a lamber com
nojo, mas depois do primeiro orgasmo o trabalho virou uma rotina que
atravessou a madrugada, com algumas pausas pra relaxar e me excitar de
novo. De manh� minha porra e minha l�ngua estavam secas, mas a bota nem
parecia a mesma.

-- Voc� cheirou por dentro do cano?

-- Cheirei at� a meia, que estava l�, encardida de suor.

-- E depois? Como te trataram?

-- S� vieram me destrancar depois que ela fez o caf� dele e j� tinham


levantado da mesa. O Al� estava usando meu chinelo e veio buscar as
botas meio apressado, de olho no rel�gio. V�nia aproveitou pra tirar
mais um sarro: "Que tal, Al�, ficou brilhando que nem a minha?" O
sujeitinho examinou um p� de bota com cara de patr�o exigente e
desdenhou meu trabalho sem a menor cerim�nia: "T� reprovado. Tem muito
que praticar pra merecer meu OK. Como massagista at� que leva jeito, mas
como engraxate precisa se esfor�ar mais..."

-- Poxa, que esculacho! Voc� gastou sua saliva e o sujeito nem


reconhece! -- ironizei, assimilando a impress�o que Marc�o quisera me
provocar -- E voc� teve oportunidade de praticar mais?

-- Mesmo que tivesse n�o praticaria! Aquilo foi dose. V�nia precipitou
as coisas porque j� tinha planos de ir embora do pa�s. Nossa rela��o
estava no limite, e s� dava pra manter se eu virasse rob� em tempo
integral, coisa que nem de longe cabia na minha personalidade.
Simplesmente deixei que ela fizesse as malas e nos despedimos numa boa.

-- E o Al�? Que fim levou?

-- N�o sei direito, mas parece que est� preso por tr�fico.

-- E a V�nia? Deixou saudade?

-- Saudade todas deixam. Mas hoje s� namoro mina submissa. Nada de me


escravizar, elas � que t�m de me servir. Agora estou com a Leila, que �
uma verdadeira gueixa, mesmo sem ser oriental.

-- Voc� tem c�pia destas fotos da V�nia? Posso tirar uma?

-- Pode levar esta. Que vai fazer com ela?

-- Acho que vou p�r num quadro.

-- Na sua galeria de s�dicos ilustres? -- brinca Marc�o.

-- Talvez na galeria de botas lustrosas... j� que n�o temos foto da bota


do Al�.

-- Ah, mas essa bota da V�nia tem um desenho personalizado. A do Al�


voc� v� no p� de qualquer motoqueiro, nem vale a pena fotografar...

� mesmo, pensei eu, a mem�ria olfativa e gustativa marca mais que a


mem�ria visual.

///

[5] DIAL�TICA DIUR�TICA


Um soneto como aquele "Consueturin�rio" (511) me veio quando reexaminei
alguns textos sadomasoquistas acerca daquilo que se convencionou chamar
de "golden shower", ou seja, a urolagnia como foco central do jogo
escravizador -- textos cuja contrapartida ver�dica encontra embasamento
em s�rios estudos acad�micos, a come�ar pela antropologia e pelo
folclore. Torturas escatol�gicas t�m desfilado com garbo ao longo da
hist�ria b�lica da humanidade, como tempero a apimentar o card�pio de
requintes de crueldade entre vencedores e vencidos. J� referi em prosa e
verso a tradi��o nordestina, documentada at� por C�mara Cascudo, como
demonstra��o de poder do opressor que obriga o oprimido a beber-lhe a
urina.

Ap�s ter lido no meu s�tio v�rios sonetos como este, um ex-boleiro de
v�rzea a quem fui apresentado contou-me seu caso. O papo que levamos vai
reportado com a maior fidelidade poss�vel numa vers�o escrita:

-- Ent�o voc� curte poesia?

-- Nem toda. A sua eu curto por causa dessa baixaria escancarada.

-- Voc� disse que certos temas lhe interessam mais de perto. Sua
experi�ncia tem a ver com eles?

-- Vivi uma situa��o de quem leva a melhor... Quer dizer, quem mijou fui
eu.

-- Ah, �? E quem foi mijado?

-- Meu padrasto. Foi assim: eu tinha dezesseis quando meu pai morreu.
�ramos muito apegados, eu e o velho. Ele me incentivou a jogar bola na
mesma posi��o dele, zagueiro.

-- Ele morreu de qu�?

-- Assassinado. Ajuste de contas por causa de droga, foi o que falaram.


Mam�e e eu tamb�m est�vamos jurados, por isso ela se mudou pra c�.
Acabou casando de novo, com um cara divorciado, dono de lot�rica,
sujeito metido a comer sardinha e arrotar caviar.

-- Sua m�e ainda est� com ele?

-- Est�. Eu � que sa� fora. Pra ela a vida melhorou quando conheceu o
Cl�vis, mas pra mim foi uma fase de maior revolta. � verdade que eu j�
era revoltado contra tudo e naquela idade a gente quer que o mundo se
foda. Mas o Cl�vis queria ser mais severo comigo do que meu pai tinha
sido e, quanto mais ele me cobrava uma ocupa��o ou um diploma, mais
vagabundo eu ia ficando. Parei de estudar e, quando n�o estava jogando
bola, estava dormindo ou lendo gibi.

-- Sua m�e ficava mais do lado de quem?

-- Dele, mas n�o por vontade pr�pria. Ela se sentia uma escrava sexual
do cara. N�o ia me contar, mas sei que ele tratava a coitada como puta
na cama e como empregada na cozinha. Ela se sujeitava porque n�o queria
perder a vaga, mas acho que at� gostava de ficar por baixo. Acontece que
eu s� podia ficar com mais bronca dele por causa disso, n�?

-- Voc� chegou a ter algum atrito mais s�rio com ele?


-- N�o, porque tamb�m n�o estava preparado pra ganhar a vida sozinho.
Enquanto o ano se arrastava, fui levando e, quando ele amea�ava me
expulsar, mam�e acalmava a crise, mas o pre�o dessas negocia��es era
mais submiss�o dela �s vontades do patr�o. Resumindo: eu me sentia t�o
impotente que a �nica desforra era vadiar descaradamente. Fiquei t�o
in�til que nem descarga na privada eu dava. T�nis, meia, cueca, tudo eu
largava no lugar onde tirava. Quando mam�e percebia, tratava de recolher
antes que o Cl�vis visse, mas, se ele flagrava primeiro, era aquela
chiadeira: "Ser� poss�vel? Esse moleque continua desleixado! Vai ver a
zona que ele deixou no banheiro! Aquele t�nis fede que nem carni�a!
Aquela meia j� t� podre! E ele ainda larga jogada pelo ch�o! Assim n�o
d�!" No meu quarto ele nem entrava, porque j� sabia que ali era meu
mando de campo e s� se podia esperar bagun�a. J� o banheiro era campo
neutro e cada um catimbava em toda bola dividida, pra usar uma figura do
futebol...

-- Voc� acha que era relaxado assim de prop�sito ou pela displic�ncia


natural da idade?

-- As duas coisas. Quando me toquei que aquilo irritava o Cl�vis, passei


a provocar as cenas. A maior implic�ncia dele era com a privada fedendo.
Eu ia mijar e j� ficava imaginando a cara de raiva dele quando entrasse
no banheiro e sentisse o cheiro. N�o dava outra: ele sa�a espumando que
nem minha mijada, me chamando de porco pra baixo.

-- Sua m�e n�o conseguia vigiar voc� pra evitar esses flagras?

-- Ela tinha muitas ocupa��es, precisava at� ajudar no balc�o da


lot�rica. Foi numa dessas visitinhas dele ao banheiro que a coisa teve
uma reviravolta. Dessa vez fui eu que flagrei o Cl�vis.

-- Como assim?

-- Ele pensou que eu n�o estava em casa, mas eu tinha ido procurar uns
gibis velhos empilhados na �rea de servi�o. Ali fiquei distra�do,
relendo aquelas rel�quias, quando escutei a voz do Cl�vis resmungando:
"Moleque filho da puta!" A janelinha do banheiro dava pra �rea, e sem
fazer barulho espiei pelo vitral aberto. N�o � que o Cl�vis tava
ajoelhado na frente da privada?

-- N�o vai dizer que ele batia punheta!

-- Na hora n�o deu pra ver, mas a cara dele quase encostava no meu mijo.
Ele respirava fundo e ficava repetindo: "Moleque sem-vergonha! Parasita
duma figa! Porco safado!" Antes que ele percebesse a minha presen�a,
tirei a cara da janela e me escondi at� que tivesse sa�do. A partir dali
comecei a espionar a rotina dele quando mam�e estava fora. V�rias vezes
peguei o Cl�vis cafungando no meu mijo e, como ele ficava t�o empolgado
que n�o escutava nem o telefone tocar, pude assistir melhor � cena sem
ser descoberto.

-- Que � que ele ficava fazendo? S� cheirando? Tirava o pau pra fora?
Chegava a gozar?

-- Gozava! Mas antes lambia a beira da privada, mergulhava a boca na


�gua parada, xingava o tempo todo, o desgra�ado! Ah, n�o tive d�vida:
comecei a mijar pra fora, formando pocinhas no ladrilho e molhando
bastante o assento do vaso, na volta toda. Ele ficava alucinado, Glauco!
Esfregava a l�ngua naquilo como se fosse um pano de ch�o! Imagine o
gostinho de vingan�a que eu n�o sentia! Enquanto ele enxugava meu mijo
frio, eu pensava: "A�, seu verme, emporcalha essa boca de fossa! Mostra
pra que serve essa l�ngua de papel higi�nico! Ainda fa�o voc� comer
minha merda, seu esgoto humano!"

-- Cara, que cena forte! E voc�, n�o gozava tamb�m?

-- Nas minhas bronhas eu bem que imaginava a boca dele aberta na frente
do meu pau ou debaixo do meu cu... Mas eu preferia outras fantasias. Eu
queria que minhas namoradas gemessem de dor quando eu comesse o cuzinho
delas, do mesmo jeito que mam�e gemia quando estava com ele no quarto...

-- Estou vendo que voc� n�o tem nenhum bloqueio pra falar na sexualidade
da sua m�e. Voc� se sente traumatizado?

-- L�gico. Mas n�o vou ficar posando de criancinha carente nem guardando
pudores. Sen�o nem teria por que estar dialogando com voc� agora.

-- Tamb�m acho. Mas voltando �quela cena forte: isso se repetiu muito?

-- At� a hora em que resolvi mostrar pra ele que eu sabia de tudo. S�
que bolei um castigo daqueles que ningu�m esquece. Em vez de encostar o
sujeito na parede e jogar a verdade na cara dele, preferi preparar uma
armadilha. Mijei num copo e deixei em cima do vaso tampado, como se a
t�bua fosse uma mesa e o copo estivesse cheio de cerveja. Caso mam�e
entrasse em casa, dava tempo de ir l� e tirar o copo, mas quem chegou
foi ele, no mesmo hor�rio de sempre, achando que eu tinha ido jogar
bola.

-- E voc�, ficou de tocaia no observat�rio do costume?

-- N�o, desta vez fiquei no meu quarto at� ter certeza de que ele tinha
entrado no banheiro e trancado a porta, afobado e ansioso como sempre.
S� ent�o liguei o som e deixei rolar o rock dos Cramps como trilha
sonora.

-- Ent�o n�o dava pra presenciar a rea��o dele quando deu de cara com o
copo de mijo...

-- Pois �, Glauco, mas ele n�o saiu l� de dentro logo que foi pego de
surpresa, n�o. Em vez de xingar e vir atr�s de mim pra tirar
satisfa��es, ficou um temp�o trancado, sem fazer barulho, curtindo sei
l� o qu�! Quem sabe um pouco de p�nico, um pouco de �dio, um pouco de
tes�o e um pouco de rock... sem falar no sabor do mijo, que com certeza
ainda tava morno.

-- Voc� acha que ele bebeu tudo, mesmo naquele apuro?

-- Tudo, n�o sei, mas que provou, provou. Disfar�ou, fingiu que estava
cagando, demorou, deu a descarga e acabou abrindo a porta e saindo com o
copo na m�o, vazio e lavado. Nem me chamou pra conversar, nem olhou pra
minha cara.

-- Imagino. Mas e depois, o ambiente n�o ficou insuport�vel?

-- Pelo contr�rio, melhorou da �gua pro vinho, ou do mijo pro chope, se


voc� prefere. Mam�e n�o entendeu direito por que diabo ele parou de
pegar no meu p� e ficou mais tranq�ilo quando est�vamos os tr�s frente a
frente. Ela pensava que o Cl�vis tinha cansado de me cobrar ju�zo e que
j� n�o tava nem a�. Mas eu sei que na cama ele descontava nela a
humilha��o que passava por minha causa. Ningu�m tocava no assunto quando
eu e ele nos encontr�vamos. Ele s� procurava evitar os encontros. Mas
continuou freq�entando o banheiro, e eu continuei zoando e me vingando,
mijando e deixando o copo ali, pra que ele se servisse...

-- Voc� n�o teve outras chances de assistir pela janela?

-- N�o, ele fechava o vitral, que era fosco, e sem a fresta aberta n�o
dava pra distinguir nada l� dentro. Mas ele ficava bem quieto, sabendo
que eu ria da cara dele aqui fora. Um dia variei e fiz outra surpresa:
um prato bem cheio, com um cagalh�o daqueles! Parecia um quibe tamanho
fam�lia!

-- S�rio? Ser� que ele comeu?

-- Pelo menos cheirou, isso eu garanto! Aquilo fedia, Glauco! No dia


seguinte o Cl�vis n�o sabia onde enfiar a cara! Ou melhor, sabia muito
bem!

-- E o prato, foi repetido que nem o copo?

-- N�o, porque era mais c�modo mijar no copo. Mas tamb�m n�o deu pra
repetir muito, porque eu logo dei um jeito de me mudar pra casa duns
tios no interior, com a desculpa de que ia ter chance de jogar num time
profissional. At� cheguei a impressionar uns olheiros, mas acabei
arrumando trampo como entregador de pizza... e tudo acabou em guaran�...

Parece que nosso boleiro rev� a m�e de tempos em tempos, mas, agora que
est� casado, os sogros lhe d�o o amparo familiar que o padrasto sonegou.
Hoje em dia, pelo jeito, o molec�o j� tem motivo para dar a descarga e
ainda jogar um pouco de desinfetante no vaso...

///

[6] C�RCERE PRIV�

O soneto 707 me veio ap�s ter recapitulado perante alguns amigos as


bissextas performances que desempenhei em p�blico. P�blico interno,
diga-se, j� que o SM � dom�nio privado. Clubes do tipo sempre existiram,
mas s�o como as pizzarias: quando est�o perto, n�o servem nosso prato
predileto; quando servem, ficam longe; quando atendem a domic�lio,
cobram caro. No meu caso deu-se o inverso do habitual: em vez de
procurar, fui procurado por um clube, mas s� duas vezes na vida. Uma
quando ainda enxergava, ocasi�o em que fui dominador. Outra quando j�
estava cego e, nem que quisesse, n�o poderia assumir postura diferente
da posi��o submissa. Desta vez o clube era o Santo Of�cio, dirigido pela
not�ria Beatrix Danteska, conhecida no meio como dominadora radical,
isto �, que n�o usa imita��es de chicote e costuma tirar sangue quando
castiga seus servos. Beatrix � minha leitora desde quando publiquei a
primeira edi��o do MANUAL DO POD�LATRA AMADOR, nos anos 80, mas s� me
chamou quando o Santo Of�cio passou a funcionar em novo endere�o, mais
espa�oso e c�modo, aproveitando as instala��es duma casa noturna que,
durante a semana, reservava uma noite para receber os s�cios em sess�es
fechadas.

-- A Beatrix n�o � aquela que assinava uma coluna nas revistas


masculinas? -- lembrou um dos amigos.
-- Ela mesma. Ao contr�rio da Wilma Azevedo, que fazia quest�o de
preservar o lado afetivo e o m�tuo consentimento, a Bia sempre se
declarou a favor da impiedade e contra o escr�pulo.

-- E voc� n�o teve receio de aceitar um convite dela? -- indagou outro


amigo.

-- N�o, porque ela me garantiu que eu n�o seria usado como escravo de
amarras nem de surras e que meu papel se limitaria a servir de escabelo.
E o que a Bia determina ningu�m desautoriza. Ela sabe se impor. Por isso
mesmo � que a pr�pria Wilma, quando visitou o clube, se sentiu
desrespeitada pela atitude arrogante da Bia. Mas ela � assim com todo
mundo, at� com as colegas mais veteranas... Faz parte da imagem que
construiu.

-- Escabelo? Que neg�cio � esse? -- inquiriu outro amigo.

-- Uma esp�cie de banqueta pra apoiar os p�s. Vou explicar: o clube


funcionava num recinto grande, mas cada �ngulo formava um ambiente e de
todos eles dava pra assistir o que rolava no palco central, junto �
pista de dan�a e aos lugares da plat�ia. Era onde se destacava o
pelourinho dos a�oites. Em volta do pelourinho pendiam do teto umas
correntes e correias pra pendurar v�rias pessoas ao mesmo tempo, em
diferentes posi��es. Num dos cantos estava o bar, noutro uma mesa de
reuni�es, noutro os div�s e poltronas cativas, noutro o "meu" canto,
mobiliado como sala de estar, com um sof� semicircular, mesinhas de
m�rmore aqui e ali, pain�is medievais e paredes de castelo contrastando
com futuristas telas suspensas. Na frente do sof� tinha um pufe bem
grande, forrado do mesmo couro roxo-funer�rio que coloria toda a
mob�lia. Fui colocado bem ali, junto do pufe, tendo que ficar de quatro
o tempo todo, parad�o, como se fosse um prolongamento do pufe. Pra
caracterizar ainda mais minha fun��o, me vestiram com camiseta e cal��o
da mesma cor dos estofados e almofadas. Fiquei ali � disposi��o de quem
quisesse descansar os p�s em cima.

-- N�o encapuzaram voc�?

-- Nem capuz, nem venda, nem m�scara, nada. S� tive que raspar a careca
com navalha, pra ficar bem lisa contra a luz. Alguns escravos eram
vendados, mas no programa da casa eu j� estava catalogado como "cego
aproveit�vel" e destinado a "relaxar ou engraxar p�s e cal�ados" dos
freq�entadores. O programa explicava que, como cego, eu j� estava
permanentemente sob castigo e privado da liberdade pela venda "natural"
da cegueira.

-- Esse programa especificava as fun��es de todo mundo?

-- Exato. Cada mestre ou mestra, cada servo ou serva, cada performance,


cada leil�o de escravos, cada aula de tortura e cada palestra, tudo
estava previsto e constava do programa. A Bia sempre foi muito
organizada.

-- Mas voc� s� serviu de escabelo, mais nada?

-- N�o ficou nisso, n�o: eu estava programado pra suportar os p�s de


quem sentasse no sof�, mas se algu�m pusesse o p� no pufe ou na minha
cara, eu tinha que lamber at� que mandassem parar. Quando tinha gente
apoiando o p� nas minhas costas, eu ficava reto, com joelhos e cotovelos
no carpete. Quando as costas estavam livres eu podia apoiar as m�os no
ch�o e esticar os bra�os. Assim, mesmo continuando ajoelhado e sem tirar
as m�os do ch�o, minha cabe�a podia alcan�ar o p� de quem estivesse
usando o pufe. Quando eram v�rias pessoas que se acomodavam, uma punha
os p�s na altura das omoplatas, outra na regi�o dos rins, e uma terceira
podia esticar as pernas de modo que os p�s ficassem no ch�o, bem debaixo
da minha cara. Era s� p�r a l�ngua pra fora e executar o servi�o.
Enquanto rolava a programa��o e os ru�dos iam variando, desde o estalo
das chibatadas, gritos e ordens, papos e risos, at� os copos tilintando,
eu permanecia ali, s� escutando e trabalhando.

-- Voc� n�o podia falar nada?

-- S� responder, se algu�m me perguntasse.

-- E perguntavam? Que tipo de pergunta?

-- Quase nada. O pessoal ia e vinha, sentava e levantava, e eu s� sentia


o peso no lombo, um bico de bota me levantando o queixo, um salto alto
me cutucando a nuca, uma sola empurrando a bochecha, um peito
pressionando a boca... e s� me restava esticar a l�ngua e ag�entar as
risadinhas, principalmente das mulheres, tanto as dominadoras quanto as
pr�prias submissas, que aproveitavam pra curtir uma pausa de descanso.
Mas de vez em quando algu�m puxava papo, geralmente pra dar ordens, tipo
"Lambe o v�o dos dedos! Chupa o ded�o! Massageia a sola!" (se o p�
estava descal�o) ou "Lustra a�, engraxate! Capricha!" (se estava
cal�ado)... De vez em quando pintava uma pergunta pra satisfazer a
curiosidade de quem curte a desgra�a alheia.

-- Lembra de alguma pergunta em particular?

-- Lembro de dois sujeitos mais interessados na minha condi��o de cego.


Um tinha cargo em Bras�lia, era assessor parlamentar ou coisa assim, e
mantinha v�rias escravas, que a�oitava e leiloava no clube. Uma hora ele
passou um intervalo inteiro refestelado no sof�, bebendo, fumando,
papeando com amigos. Usava bota sem cadar�o, e esticou o pez�o em cima
do pufe, depois de me chutar de leve a orelha. Quando comecei a passar a
l�ngua no couro fino, ele resolveu me interrogar: "E a�, ceguinho, como
vai a vida? Deve ser uma merda ser cego e n�o poder apreciar o show, n�
mesmo? Voc� n�o fica com inveja at� das escravas que est�o amarradas l�
na frente? Elas pelo menos conseguem ver a cara de gozo da plat�ia na
hora de serem flageladas... Voc� s� pode se contentar em ter essa
utilidade, n� mesmo? Que chato, n� mesmo? O jeito � se esfor�ar, nada de
moleza, hem? N�o esquece de limpar bem a sola, hem?" E eu s� respondia
"Pois �, patr�o! O jeito � me conformar, n�, patr�o?" E ele ria, que se
divertia, com a minha paci�ncia de penitente. Entre uma pergunta e
outra, repetia: "Vai, ceguinho, mostra a� sua alegria de viver! Lambe
com vontade!"

-- Nada sarc�stico, o cara! E o outro, falou no mesmo tom?

-- Quase. Era um ex-vigilante de banco que passou a trabalhar como


seguran�a duma loirona "emergente", a Condessa Vanessa, que era mestra
habitu� no clube. Ele usava botas grosseiras, de cadar�o, tipo coturno,
e pisou for�ando minha cabe�a at� o ch�o antes de acomodar as pernas no
pufe e ordenar a engraxada. Mal comecei a espalhar a saliva pelo couro
gasto, e ele me crivou de perguntas aparentemente humanas: "Voc� � cego
de nascen�a? Ah, n�o? � recente? J� tava preparado pra perder a vis�o?
Conseguiu se adaptar? Acha que algum dia vai superar o trauma?" De
repente, parecia esquecer qualquer preocupa��o com o drama dum
deficiente e comandava secamente: "Continua engraxando!" Eu me calava,
sem gra�a, e voltava a lamber o botin�o, de cima a baixo. A� ele
retomava as perguntas no mesmo tom compreensivo: "Como voc� se sente
agora? Pensa na cegueira o tempo todo? Voc� se acha injusti�ado?" E logo
vinha a ordem: "Vai, limpa a�! Quero ver essa sola lavadinha, certo?
Quero ver sua capacidade de ag�entar essa barra!" Eu punha outra vez a
l�ngua pra funcionar, enquanto ele comentava, meio que pensando em voz
alta: "Porra, ainda bem que uma zica dessas n�o aconteceu comigo! Deve
ser um inferno ficar nessa situa��o, sendo obrigado a se rebaixar assim
s� pra ter uma chance de se consolar no masoquismo! Eu n�o queria estar
no seu lugar, cara! Vai, faz o que foi reservado pra voc�! Capricha
nessa faxina a�!" As perguntas ele fazia com voz mansa, e as ordens e
coment�rios com acento grave, como um sargento instruindo seus recrutas.

-- E como voc� sabia quem era quem? Quem foi que lhe contou?

-- Um amigo da Bia, que ela encarregou de ficar por perto, vigiando pra
que nenhum doido fora de controle aparecesse pra me agredir. O Gustavo
ficou de guarda sei l� quanto tempo, e de vez em quando vinha saber se
eu ainda estava firme na posi��o. Na hora em que me dei por fatigado e
dolorido, ele me ajudou a caminhar at� o camarim da Bia, onde me
recuperei e vesti roupa normal.

-- Ent�o a Beatrix at� que foi bem legal com voc�! Nem sacrificou tanto
quanto seria de esperar...

-- Ela tem seu lado carinhoso. A hist�ria da Beatrix Danteska � um caso


� parte e vale recordar. Enquanto esteve casada com um publicit�rio bem
cotado, foi caseira e recatada. Quando descobriu que o cara era um dubl�
de marqueteiro e Torquemada, daqueles que de dia criam torturas e de
noite torturam crias, a Bia se transfigurou. Ela me contou que lia
minhas coisas meio escondido, pra que n�o pensassem que era uma tarada
inveterada. Mal sabia que o marido praticava o que ela fantasiava!
Depois da separa��o ela decidiu que s� namoraria o macho que fosse capaz
de humilhar sua f�mea mais duramente do que ela pr�pria humilhava seus
escravos.

-- E ela encontrou esse prod�gio da masculinidade contempor�nea?

-- Encontrou, mas da maneira mais curiosa. Primeiro ela se anunciou


disposta a amestrar candidatos a escravo. De cada novato que aparecia
ela exigia que, como parte do treinamento, ele se deixasse castigar pelo
escravo anteriormente iniciado, e assim sucessivamente. Caso o calouro
concordasse, seria descartado logo depois da sess�o em que o veterano
aplicasse o trote na frente dela. Caso o calouro se recusasse a receber
trote de outro homem, entraria pra confraria dos amestrados. Depois ela
come�ou a aceitar escravas, mas cada novata tinha que trotear um dos
veteranos. Se o veterano se submetesse, tamb�m era descartado. Se a
novata se recusasse a trotear, seria reprovada. Com esse jogo a Bia foi
depurando seu curral, at� que sobrassem s� escravos "machistas" e
escravas "feministas", por assim dizer. Ent�o ela inverteu os pap�is,
fazendo dos rapazes dominadores das meninas. Quem n�o topasse estava
fora. Acabou ficando s� um casal, e a essa altura o cara tinha pegado o
gosto de dominar e j� n�o queria se submeter �s vontades da Bia, s�
queria brincar com a escrava restante. Foi a� que a Bia deu o xeque-mate
e perguntou ao rapaz qual das duas ele preferia escravizar. O cara se
sentiu t�o vaidoso com a tenta��o de conquistar maior superioridade, que
escolheu ficar com a Bia.
-- Caramba, que triagem complicada! E ela ainda est� com esse
vira-casaca?

-- N�o, porque at� esse acabou fugindo com outra mestra. Ningu�m �
perfeito. Nem a pr�pria Bia, que j� me confessou ter experimentado na
pele o chicote do tal assessor parlamentar... e este, por sua vez, n�o
resistiu aos encantos da Condessa e j� lambeu as botas dela pelo menos
uma vez, segundo me revelou o Gustavo.

-- Ent�o n�o escapa ningu�m! Quer dizer que n�o existe o s�dico puro e o
masoquista puro? Todo mundo � vers�til e at� ecl�tico?

-- Se algu�m fosse puro, n�o seria sadomasoquista, seria santo. Falando


nisso, at� eu tirei minha casquinha l� no Santo Of�cio...

-- Tirou, Glauco? De quem?

-- Do Gustavo. Ele me implorou de joelhos pra que eu deixasse chupar meu


pau. Garanto a voc�s que fazia tempo que um cego n�o gozava t�o forte na
boca dum olheiro...

///

[7] TRIP� DO TRIP�DIO

Um soneto como aquele "Tripudiado" (569) me veio por antecipa��o da


ofensiva de Bush no Iraque, sendo a imagem do bigode obviamente alusiva
a Saddam Hussein, extensiva a qualquer iraquiano � merc� do ex�rcito
vencedor -- cena que se confirmou, depois dos epis�dios verificados na
pris�o de Abu Ghraib, bem mais explicitamente do que eu podia prefigurar
no momento de compor os versos.

Mas a barba me remete, inevitavelmente, � fisionomia que durante anos


mantive enquanto enxergava. Est�vamos na d�cada da redemocratiza��o,
quando as diversas "especificidades" reivindicavam espa�o: mulheres,
negros, homossexuais, deficientes... e todos estes componentes integram
o flagrante autobiogr�fico aqui resgatado. Minha defici�ncia visual
ainda n�o era impeditiva das atividades liter�rias, ao passo que minha
homossexualidade foi determinante num caso envolvendo um negro e uma
mulher, completando-se destarte o quadro "pluralista" t�pico daqueles
anos.

Foi assim: junto a um grupo de poetas "marginais", participava eu dum


evento perform�tico no Bixiga. O bar era freq�entado pelos carnavalescos
da escola cuja quadra ficava na mesma rua. A batucada rolava ali como
num ensaio rotineiro, e os poetas aproveitavam os intervalos para
improvisar seu recital no mais espont�neo estilo "coloquialista". Tendo
conclu�do meu n�mero, tomei lugar numa das mesas vagas, para molhar a
garganta e acompanhar o samba. Um colega de caneta veio se sentar
comigo, mas logo saiu para conversar com alguma poetisa, que ent�o
gostava de ser qualificada como "uma poeta". Voltei a ficar na minha,
atento aos batuqueiros e ao som, quando me toquei que uma das mulatas da
plat�ia n�o tirava os olhos (e que olhos!) de cima de mim. No ato passei
mentalmente em revista a cara que meu espelho tinha registrado na hora
de sair de casa: barba e cabelo cheios, �culos min�sculos de arma��o
quadradinha, camisa vermelha xadrez e corrente no pesco�o -- assim era a
ef�gie sob a qual apare�o nas fotos daquela �poca, em que a moda entre
intelectuais se identificava com o perfil dum urbanizado ex-guerrilheiro
que, por sua vez, podia ser confundido com um politizado ex-hippie.

Se � noite todos os gatos s�o pardos, ali a maioria era parda no duro,
inclusive as gatas. E se eu n�o seria o �nico branco, talvez fosse o
mais longil�neo e hirsuto. O fato � que a mulatona me olhava e sorria (e
que boca!): sorri de volta, gentilmente, e, t�o logo outro amigo ocupou
e desocupou a cadeira � minha frente, ela veio puxar papo.

-- Posso sentar aqui?

-- � vontade!

-- Voc� declamou bem! Esses livros s�o seus? Posso ver?

Ao dar com o desenho f�lico numa das capas, ela se assanhou.

-- Nem li e j� gostei! (acho que era uma antrop�faga oswaldiana) Queria


conhecer melhor. A obra e o autor.

-- Mas � bom n�o misturar as duas coisas.

-- Onde tem mais sacanagem? No livro ou no poeta?

-- O livro � mais sacana, mas o poeta � mais gay.

-- Ah, �? (como se dissesse: "Que pena!")

N�o reparei que, de longe, um crioulo de cara fechada e l�bios


gross�ssimos nos observava; nem deu para concluir se a mulata sabia que
o rapaz estava de olho.

-- Voc� t� vendendo o livro? Eu queria um...

-- N�o, eu trouxe poucos. Mas pode ficar com esse.

-- Presente? Oba! Posso pagar com um beijo?

Sem esperar que eu aceitasse, ela se levantou, beijou-me quase na boca e


se despediu, saindo r�pido ao encontro dum grupinho que se dirigia para
a quadra. O crioulo n�o teve d�vidas: chegou, abancou-se quase pulando
na cadeira e foi direto ao ponto.

-- Aquela que tava sentada aqui � namorada minha, sabia?

Senti o bafo e o drama, mas meu trunfo estava no papo, valendo o


trocadilho. Confiei no astral e arrisquei as fichas.

-- Se voc� pensou que eu tava paquerando ela, se enganou.

-- N�o, eu sei que ela � que tava paquerando. Toda vez que a gente briga
ela faz assim, pra me deixar com raiva. Como voc� n�o � daqui (entendi
que dizia: "Voc� n�o tem nossa cor!") � bom ficar esperto, cara.

-- Pode ficar descansado. Comigo voc� n�o tem motivo pra se preocupar.
Eu sou gay.

-- T� me gozando? Voc� n�o tem jeito de gay...


-- Falo s�rio. Sou t�o franco que, pra abrir o jogo duma vez, confesso
que queria estar no lugar dela pra poder chupar seu pau.

O neg�o me encarou como se fosse me esmurrar, mas sua corda vaidosa


vibrou com tanta intensidade que ele n�o p�de conter um risinho de
orgulho. Ainda quis confirmar minha sinceridade na inveja:

-- Se voc� estiver de goza��o vai se arrepender, cara!

-- Pode acreditar! Eu chuparia seu pau agora, se voc� quisesse! E digo


mais: seria a chupeta mais caprichada que eu faria na vida!

Eu praticamente cochichava, mas minhas palavras pareciam gritar no


ouvido do rapag�o. Ele custava a crer que um branco literato se
dispusesse a pagar tal tributo � sua masculinidade ofendida.

-- Agora voc� me provocou. E se eu quiser que voc� chupe mesmo?

-- A hora que voc� quiser. Eu estou � sua disposi��o.

S� ent�o me dei conta de que o pau dele podia estar t�o duro quanto o
meu. Ele parecia decidido:

-- Moro aqui do lado. Vamos pra l�... (a retic�ncia tanto podia ser uma
interroga��o como uma exclama��o imperativa)

-- Tudo bem. S� vou avisar uns amigos que volto logo. J� venho.

Deixei o recado e acompanhei o crioulo at� o corti�o vizinho, onde ele


tinha um quarto. At� que n�o era t�o prec�rio aquele alojamento: al�m da
cama desarrumada e do guarda-roupa velho e pesad�o, sobrava espa�o para
um banco de carro � guisa de sof� e para umas prateleiras onde se
amontoavam tralhas de tudo quanto era tipo, exceto livros. Mal entrei, e
meu nariz tentou distinguir algum chul� no ar abafado, mas outros
cheiros se fundiam, frustrando minha expectativa. Mesmo assim n�o me
escapou � vista o par de t�nis, junto com os chinelos, piscando para mim
debaixo da cama.

Antes de chegarmos ao quarto, passamos pelo banheiro coletivo, onde ele


teve que parar para aliviar a bexiga. Ficou meio sem gra�a por n�o ter
conseguido segurar o aperto, talvez achando que eu pudesse ter algum
nojo, mas tratei de tranq�iliz�-lo:

-- N�o precisa nem balan�ar. Deixa que eu limpo o resto.

Ele caiu na gargalhada, descontra�do e definitivamente triunfante. Dali


para diante ficou bem � vontade. Fez quest�o de permanecer em p�, para
que eu tivesse de ajoelhar, e nem se deu ao trabalho de baixar as
cal�as. O cacete que sa�a pela braguilha desabotoada j� era
suficientemente longo e grosso para que minha l�ngua tivesse bastante
trabalho, sem ter que cuidar do saco e das virilhas.

Concentrei-me, ent�o, em mostrar ao mach�o ciumento que minha palavra de


homem valia alguma coisa. Segurei naquele ling�i��o torto com respeitosa
delicadeza. Fui arrega�ando a cabe�orra e me assustei com a quantidade
de esmegma que dormia sob o prep�cio. Seria poss�vel que uma tal mulata
assanhada se sujeitasse a lamber aquilo? S� se ela fosse t�o masoca
quanto eu me sentia na cena! Ele s� esperava para ver se eu assumiria a
responsabilidade da tarefa. Quando sentiu que minha l�ngua aparava as
�ltimas gotas de urina e come�ava a remover a crosta de sebo, soltou um
"Ah!" bem fundo e passou a verbalizar abusos que eram m�sica aos meus
ouvidos �vidos:

-- A�, seu trouxa! E agora? T� sentindo o gosto? Agora vai ter que dar
conta! T� pensando o qu�? Mulher minha n�o sai por a� beijando macho,
n�o! Ela t� pensando que beija e fica por isso mesmo? Agora voc� � que
vai beijar no biquinho, seu trouxa! Ainda fa�o aquela cadela chupar sem
reclamar! Vai, chupa, quero ver seu capricho agora!

Vendo que seria imposs�vel satisfazer-lhe o anseio de penetrar como numa


vagina ou num reto, j� que minha boca s� comportava a grande glande,
recorri a um estratagema que, calculei por intui��o, a mulata n�o
praticava, pois provavelmente chupava com sofreguid�o: mamei com a maior
suavidade, esfregando de leve os l�bios e passando a l�ngua debaixo do
meato a cada movimento de vai-vem, salivando abundantemente a fim de
amaciar ao m�ximo a suc��o. O resultado foi autom�tico: nem bem ele
gemeu mais acelerado, tirei o pau da boca e conservei os l�bios abertos,
fazendo com a l�ngua uma ponte sob a glande, para que ele pudesse
contemplar as golfadas saindo da uretra e entrando na garganta, o jato
formando compridos canudinhos brancos que desapareciam dentro da
cavidade oral. Aquilo deve ter sido um espet�culo que o crioulo jamais
esquecer�. No final ainda limpei tudo com a l�ngua e terminei de secar a
poder de beijos na volta toda da chapeleta. O rapaz ainda resfolegava
entre risos convulsos quando me abaixei e depositei-lhe um �ltimo beijo
no bico do sapato. Voltei � posi��o genuflexa e ergui o olhar at� seu
rosto radiante e triunfal. Ele me contemplou de cima e tripudiou:

-- Viu s�? Agora voc� sabe por que a Zoraide n�o me troca por ningu�m!
Ela briga mas volta!

Voltamos ao bar, onde meus amigos me aguardavam para a saideira do


sarau. J� na porta, na hora em que nos prepar�vamos para deixar o local,
avistei o crioulo contando vantagem para um dos batuqueiros junto ao
balc�o, e fui ter com ele a fim de oferecer um exemplar do outro livro,
n�o daquele com que a Zoraide havia sido brindada. Meio surpreso, o
rapaz se disse muito agradecido e, depois que eu j� tinha virado as
costas, veio atr�s de mim e bateu-me no ombro apenas para dizer:

-- Ah, s� mais uma coisa: gostei daquele beijo que voc� deu no meu p�!

Nunca mais tive oportunidade de render a outro crioulo a homenagem que


com tamanha desinibi��o dediquei �quele enciumado caralho, mas em
compensa��o n�o costuma ser t�o raro que um invasor seja recha�ado numa
guerra de conquista. Est�o l� o Iraque e o Vietnam para me respaldar...

///

[8] O MICH� BICHADO

O soneto 505 me veio ao lembrar dum raro epis�dio entre mim e um rapaz
de aluguel. No come�o dos 80 ainda n�o grassava a paran�ia da AIDS ou da
criminalidade, de sorte que se podia perambular � noite pelas avenidas
do centro velho, coisa que eu costumava fazer nas adjac�ncias da pra�a
da Rep�blica, entre os restaurantes do Arouche e os teatros da
Roosevelt. Nos fundos do col�gio Caetano de Campos, onde come�a a rua
S�o Lu�s, a cal�ada fronteira a uns pr�dios neocl�ssicos � bem larga e
ali ficava um ponto que n�o era s� de �nibus: a maioria dos que
esperavam estava era no aguardo dum outro tipo de t�xi, ou seja, o
taxi-boy.

Mesmo sem tantos riscos de cont�gio ou viol�ncia, sempre tive ojeriza a


sair com mich�s, fosse pelo bolso, fosse pelo gozo duvidoso. At� que a
id�ia de poder cheirar e lamber � vontade uns t�nis e p�s fedidos era
coisa tentadora, mas a fantasia logo broxava diante da certeza de que
tudo no rapaz era fingimento, at� o chul�, que podia ser lavado ou
deslavado conforme a prefer�ncia do cliente.

Naquela noite perdi um pouco da preven��o contra a classe dos


prostitutos. Fiquei parado no ponto, como de h�bito, apenas observando a
"pega��o" dos outros. Nunca tive cara de pau suficiente para abordar um
estranho na cal�ada ou para ser receptivo a uma abordagem, pois meu
ambiente de encontros era a palavra escrita antes de qualquer papo ao
vivo. Mas ver e ouvir a transa��o dos transeuntes tornava-se uma atra��o
� parte, que me instigava a curiosidade -- e eu ficava por mais de hora
ali, encostado � fachada do pr�dio, enquanto bichas e mich�s se
misturavam aos espor�dicos passantes e passageiros que embarcavam e
desembarcavam, lotando coletivos cada vez mais demorados, � medida que a
noite avan�ava.

Um rapaz de aspecto suburbano parou do meu lado, trocou uns olhares e


puxou conversa. Respondi com indiferen�a, para mostrar desinteresse, e
ele foi abordar um tipo grisalho que fingia esperar condu��o junto ao
meio-fio. De onde estava pude ouvir o papo, j� que o mich� falava alto o
bastante para que sua propaganda fosse aproveitada por mais de um
consumidor ao mesmo tempo. Digo propaganda porque o carinha apregoava
seu peixe como um camel�, repetindo os mesmos bord�es: que queria saber
as horas, que j� passava do prazo toler�vel para o encontro marcado
entre ele e uma hipot�tica mulher, que aquela puta iria ver s�, que ele
ia faz�-la chupar gostoso, que lhe comeria o cu e a buceta, que meteria
pela frente, por tr�s e tamb�m na boca, que mandaria lamber-lhe os
p�s...

Quando escutei voz de "lamber meu p�", fiquei ouri�ado. Apurei o ouvido
e, como o tipo grisalho n�o deu trela ao garoto, este voltou na minha
dire��o. Desta vez sorri convidativamente, de modo que ele se sentiu
animado a repetir seu repert�rio: a mulher que o deixara na m�o pagaria
caro, seria fodida em todos os buracos, porque ele gostava de foder de
todas as maneiras, mas agora j� passava da hora e ela n�o viria mais...

-- Escutei voc� dizendo que ia fazer aquela cadela lamber seu p�. Voc�
j� fez isso?

-- Ah, se fiz! Teve que lamber no v�o dos dedos, teve que chupar o
ded�o...

E mostrava a bota surrada, aproveitando para lembrar que precisava


comprar uma nova mas estava sem grana. Nesse instante ocorreu-me a id�ia
de convid�-lo para jantar. Assim eu poderia, sem necessidade de tratar
transas, usufruir maiores pormenores daquele mercador de desejos.
Cansado de bater perna, frustrado pela escassez de clientes e esfomeado
havia horas, o michezinho topou de cara. Fomos a uma lanchonete,
paguei-lhe um apetitoso prato de fritada regado a chope escuro com
direito a bis, e Jair desembuchou algumas historinhas dentre as quais
pincei a que me pareceu menos fantasiosa e mais biogr�fica.

-- E quando foi a �ltima vez que voc� fez um cara lamber seu p�?
-- Ah, n�o faz muito tempo. Acho que foi m�s passado. Era um alem�o
enorme, que passou de carro no Trianon.

-- Alem�o mesmo?

-- Tinha cara, mas n�o tinha sotaque de gringo. Me levou pro hotel, ali
na Augusta. Pagou s� pra tirar meu t�nis com a boca e chupar meu p�...

-- Mas j� rolou alguma cena igual com algu�m que n�o tivesse pedido
isso?

-- Bom... Teve um lance quando eu tava come�ando nessa vida, logo que
cheguei do interior. Eu era office-boy dum despachante e fui entregar
documentos na casa dum jornalista. Um colega de escrit�rio j� tinha me
contado que o cara era gay e pagava pra chupar rola grande. Eu tava
ganhando mal, devia pra uns e outros e precisava me virar. No interior
eu j� tinha transado por pouco troco, com um padre e um professor, mas
sem acostumar. Dessa vez a oportunidade era mais profissional, a� me
ofereci pro jornalista. Quando viu o tamanho do neg�cio ele ficou
fregu�s. Eu ia l� todo s�bado. O cara chupava feito um desesperado, at�
perdia o f�lego na hora que levava minha porra na goela, e gozava junto
comigo. Nunca reclamou do cheiro da minha rola, nem quando tava mal
lavada. Uma vez fez at� quest�o de chupar logo depois que eu tinha
mijado. Mas n�o � que o cara implicava com o cheiro do meu p�?

-- Voc� tinha chul� forte?

-- S�! Tamb�m, andando de t�nis o dia inteiro! Ele me fazia descal�ar na


varanda e passar no chuveiro antes de transar. Queria que eu lavasse bem
o p� mas n�o fazia quest�o do pau limpo, o safado! Um dia, quando eu j�
tinha outros clientes e tava de saco cheio daquela mania dele, dei um
chega-pra-l�: ou ele parava de pegar no meu p�, ou eu n�o voltava mais.
A� ele quis engrossar, disse que meu chul� era insuport�vel, que exigia
higiene... Ent�o eu fiz p� firme e falei: "� pegar ou largar! Pra chupar
meu pau voc� vai ter que cheirar meu p�! Quer saber? Vai ter que CHUPAR
meu p�!"

-- E ele cedeu f�cil?

-- Quis endurecer o jogo mas, quando eu j� tava na porta pra sair, ele
pediu por favor. A� eu montei em cima. Teve que tirar meu t�nis e a
meia, cheirou na marra e chupou cada dedo. Ainda levou uma solada na
cara e, depois que gozei na boca dele, mandei cal�ar e amarrar o t�nis.
Dali em diante ele teve que cumprir aquela obriga��o toda vez que eu
aparecia l�!

-- E ele acostumou? Parou de reclamar?

-- N�o deu tempo, porque larguei dele logo em seguida. Apareceu quem
pagasse mais e cobrasse menos. O mais engra�ado foi que ele chorou no
telefone quando eu falei que n�o ia voltar. Disse que eu podia n�o
acreditar, mas ele tava me amando...

-- E voc�, n�o sentia nada por ele?

-- At� senti, pra falar a verdade, mas nunca dei bandeira pra n�o perder
moral. S� depois de ter cortado o compromisso � que me deu um pouco de
saudade, mas a� eu j� tava em outra. A vida continua, n�?
-- Cada um sabe onde lhe aperta o sapato. E hoje, voc� ainda tem o mesmo
chulezinho?

-- N�o, agora uso aquele talco azedo. Mas se o fregu�s pede, paro de
usar e fico sem trocar de meia...

-- Perguntei por perguntar. Faz de conta que eu n�o curto chul�, certo?

-- C� que sabe. -- e ele baixou os olhos no prato, dando-se por


satisfeito com a saliva gasta na comida e na conversa.

Pelo visto, Jair tornou-se mais d�cil e cordato a fim de ganhar a


clientela. Afinal, birra e pirra�a s�o coisas de crian�a, e ele j�
come�ava a perder aquele ar de garoto desamparado que os mich�s
habitualmente ostentam. J� adquiria, ent�o, um ar de marmanjo
desamparado, coisa bem mais grave e deprimente. Quanto ao tal
jornalista, por um momento cheguei a me comparar com o cara, mas afastei
da mente a sugest�o de pagar, seja para cheirar chul�, seja para amar a
presta��o. A rela��o custo-benef�cio n�o compensa o investimento
monet�rio e emocional. Parece que o amor � como bicho de p�: incomoda,
atrapalha a vida, precisa ser extirpado e, mesmo depois, continua
co�ando.

///

[9] O SEXAGEN�RIO SEDENT�RIO

Um soneto como aquele "Dessedentado" (738) me veio ap�s um epis�dio


recente, porque tudo que me sucedeu depois de ter perdido a vis�o parece
recente, uma vez que ainda n�o me adaptei � nova e crua realidade.
Dediquei o soneto ao poeta potiguar Paulo Augusto, meu companheiro de
gera��o na literatura e na milit�ncia gay, mas o poema alude a um
personagem mais pr�ximo, embora nada �ntimo. Trata-se dum vizinho de
quarteir�o, o doutor Tolentino, como � conhecido, que vive sozinho num
amplo ap� de tr�s quartos naquele pr�dio de sacadas onde sempre desejei
morar mas nunca tive grana suficiente para sonhar com a compra de algum
dos ap�s que vagam ali.

N�o me adaptei, mas hoje convivo com a cegueira mais pacificamente que
nos anos noventa, quando o impacto da desgra�a me levou a sonetar
desesperadamente, como no soneto "Perp�tuo", em que me considero
prisioneiro e condenado a chupar o pau do primeiro carcereiro (leia-se
qualquer visita) que aparecesse. Com o passar do tempo, consegui me
virar na vida pr�tica, e o fantasma da solid�o deixou de ser um p�nico
meramente material para se concentrar na car�ncia afetiva. J� n�o era a
incapacidade que me assustava, e sim a ociosidade, que a punheta talvez
n�o fosse bastante para preencher.

Mas fui me punhetando e fantasiando as cenas com algum visitante


ocasional. Na falta de companhia para dar uma volta na rua e passar na
padaria ou no mercadinho, eu dependia quase sempre do entregador a
domic�lio. E para n�o fazer pedidos a toda hora, eu tinha de estocar os
mantimentos de consumo mais freq�ente. Houve �poca em que bebi mais
cerveja de lata. Em outras fases consumi suco de caixinha. Naquele
momento minha bebida favorita era a �gua mineral, que eu comprava em
garrafinhas, umas dez a cada pedido. A adega mandava a encomenda por um
molec�o que vinha de bicicleta e nem sempre era o mesmo, j� que nos
corti�os da redondeza sobravam jovens desempregados e havia grande
rotatividade nesse tipo de bico tempor�rio.

Tocava o interfone e, como n�o havia ningu�m comigo, pronto a descer at�
a portaria, o zelador estava prevenido para deixar subir o rapaz que
trazia a �gua. Eu j� tinha o dinheiro contado no bolso, e recebia o
entregador pela porta da cozinha. Nem sempre o menino percebia que
lidava com um cego. Quando eu avisava que n�o podia v�-lo, ele ficava
meio sem jeito, a menos que n�o fosse sua primeira entrega comigo. Mas
aconteceu que um desses garot�es, ao inv�s de se constranger e balbuciar
qualquer desculpa, riu quase gargalhando assim que me ouviu falar da
defici�ncia. Fiz que interpretei seu gesto como um desembara�ado
embara�o e procurei agir com naturalidade.

-- Pode colocar aqui nesta mesa.

O molec�o depositou a caixa de papel�o sobre a toalha e eu apalpei com a


ponta dos dedos para conferir a quantidade de garrafinhas tocando nas
tampas. Eu podia adivinhar o sorriso do moleque me avaliando e seu olhar
devassando o ambiente. Mas nem precisava adivinhar que ele estava suado,
pois o cheiro era ardido.

-- Pode conferir. O troco voc� guarda.

Ele pegou o dinheiro da minha m�o, e senti seus dedos grossos e �speros.
Logo imaginei um crioul�o forte.

-- Obrigado. Posso usar seu banheiro?

-- Claro. � aquela primeira porta, ali.

Apontei na dire��o da �rea de servi�o. Ele entrou no banheirinho de


empregada e nem encostou a porta. Escutei o jato de urina caindo no
vaso. Jato grosso, que fazia o barulh�o duma torneira aberta enchendo um
balde. Demorou at� que o menin�o esvaziasse a bexiga, e ele parecia n�o
ter pressa. Deixava sair pausadamente as �ltimas golfadas, depois as
�ltimas gotas... E eu podia adivinhar aquela rola enorme sendo
balan�ada, arrega�ada, manuseada, acariciada... e guardada dentro do
cal��o, manchando a cueca. Ou ser� que ele voltava � cozinha ainda
segurando o pau para fora da braguilha? N�o sei se era eu quem mais
desejava esta �ltima hip�tese ou se o cara estava me transmitindo seu
pensamento. Engoli em seco, mas ele telepaticamente entendeu meu
sil�ncio como uma oportunidade para pedir um pouco d'�gua.

-- Posso tomar da sua torneira?

-- N�o prefere gelada?

-- N�o, n�o. Da torneira mesmo. Vou pegar um copo daqui, t�?

-- � vontade. O escorredor � � direita.

Eu apontava para a pia, mas ele ria porque j� tinha avistado os copos e
mexia neles antes que eu terminasse de falar. Encheu duas vezes, bebeu e
deixou o copo sobre o m�rmore.

-- Quando quiser � s� pedir, t�?

Era ele quem falava, referindo-se � pr�xima encomenda, mas eu ia ficando


agoniado por dentro, tentando me convencer de que aquela frase
resfolegante e sorridente podia ter duplo sentido. Pela posi��o da minha
cabe�a ele podia, por sua vez, imaginar que, caso ainda enxergasse, eu
estaria olhando fixamente para seus t�nis imundos e deformados de tanto
pedalar. Mas o tempo se escoava e, como ele tinha outras entregas a
fazer, acabou o papo que mal havia come�ado e poderia ter um desfecho
diferente. Quando ouvi a porta do elevador batendo e passei a chave na
fechadura da entrada de servi�o, senti o cheiro que vinha da privada. O
danado n�o tinha dado a descarga! Fui at� l� e, antes de apertar a
v�lvula, n�o pude resistir e me ajoelhei na frente do vaso, para aspirar
mais de perto aquele odor de mict�rio, sempre visualizando a rola
gotejante e, quem sabe, semi-ereta. A minha estava totalmente dura, mas
segurei a punheta at� que matasse minha pr�pria sede e fosse para o
outro banheiro, onde confortavelmente tomaria uma ducha depois de gozar.
Nisso apalpei na pia o copo deixado pelo marmanjo. Levei-o ao nariz.
Ainda guardava o h�lito de dente podre. Cheirei de novo antes de lamber
a beira do copo. Depois me saciei na torneira e fui aliviar o tes�o no
chuveiro.

Quando voltei a encomendar �gua mineral, j� n�o era aquele o entregador,


e a cena n�o teve seq��ncia. Bom tempo depois, conversando com o
balconista da farm�cia (que tamb�m � gay e com quem troco umas
fofoquinhas picantes), toquei no assunto e Daniel reagiu sem surpresa:

-- Ah, j� sei! Era o Alem�o!

-- Alem�o? O moleque n�o � crioulo?

-- Se for quem eu t� pensando, n�o. � um loir�o safado, que ri por


qualquer motivo, n�?

-- Bom, rir ele ria mesmo. Achei que tava at� tirando sarro do
ceguinho...

-- � ele mesmo. O cara n�o perdoa nada. Sabe o doutor Tolentino, aquele
sessent�o?

-- Aquela "tia" que mora no pr�dio chique?

-- O pr�prio. Pois esse Alem�o fez gato e sapato dele!

-- Jura? Quem contou?

-- O Tolentino mesmo, ora! N�o v� que eu sou o padre confessor da


bicharada aqui no peda�o?

-- Quase me esquecia... Mas ent�o desembuche, viado de Deus! Quero saber


tudo!

-- Pois ent�o! O velho tamb�m encomenda da adega e, quando viu a cara e


o corp�o do novo entregador, ficou com �gua na boca, sem trocadilho.
Sabe que o moleque � t�o safado que, mal deu de cara com o velho, sacou
que era devoto da santa causa?

-- E precisa ter mal�cia pra perceber a bichice do Tolentino?

-- Dependendo da pessoa, ele sabe disfar�ar. Mas nesse caso deu a maior
bandeira, e o bofinho, ali�s bof�o, n�o se fez de rogado. Pediu pra usar
o banheiro, do mesmo jeito que fez com voc�, deixando a porta aberta. O
Tolentino ficou espiando ele mijar e, quando acabou, o Alem�o virou de
frente pro velho e balan�ou a rola sem parar de rir. Tolentino n�o se
ag�entou: perguntou se o cara queria ganhar uma gorjeta especial. "Que
que eu tenho de fazer?", perguntou o Alem�o. "S� deixar que eu fa�a...",
respondeu o velho, todo bab�o. "Ent�o fa�a!", disse o moleque, pondo as
m�os na cintura e deixando o pau pendurado pra fora da cal�a. O velho
nem piscou: ajoelhou na frente do chouri�o e bebericou as gotinhas na
ponta da cabe�a, depois beijou de l�ngua na pele meio arrega�ada (ele me
contou que a pele era t�o carnuda que parecia um l�bio), depois punhetou
o garoto com a boca at� jorrar mingau pra encher meio prato. Tolentino
falou que o pau nem tava muito duro, mas era t�o comprido que, mesmo
durante o boquete, continuou dobrado pra baixo, e era t�o grosso que o
bei�o do velho ficou dolorido, de tanto que esticou...

-- Coitado do Tolentino! Quanto sacrif�cio, n�?

-- Ai, me deu pena! A gente bem que podia fazer uma vaquinha pra ajudar
a pagar a gorjeta do Alem�o, n�o acha, Glauco?

-- Mas ele continua indo l� no ap� do velho? Na adega eu sei que n�o
trabalha mais...

-- N�o, sumiu. Diz o Tolentino que viu o moleque l� no supermercado,


descarregando aquelas caixonas pesadas. Ser� que l� as gorjetas s�o
maiores?

-- Vai ver que sim... Talvez at� uma gratifica��o do gerente...

-- Mas o Tolentino n�o perde tempo. Outro dia vi o velho cumprimentando


na rua um entregador de pizza, que passava de moto acenando. Parece que
a popularidade do velho continua em alta...

-- Olha, Daniel, pode at� ser. Mas n�o � que ele seja t�o popular: a
gente � que deixa passar a chance de ficar famoso...

E voltei para casa pensando na pr�xima punheta, cuja fantasia agora


seria completa, j� que eu podia imaginar o que ficou faltando na punheta
anterior.

///

[10] ESTATURA DA CRIAN�A E DO ADOLESCENTE

Um soneto como aquele "da cena cortada" (771) me veio depois dum papo
com Daniel, o balconista da farm�cia, com quem me ponho a par das
fofocas do quarteir�o. Foi ele quem me contou por que o neto da
jornaleira anda sumido: esteve preso e passou uma temporada na FEBEM.
N�o nego que a not�cia me pegou de surpresa.

-- S�rio? O moleque at� que tinha um sotaque meio malaco, mas eu achava
que era modismo da nova gera��o... Quer dizer que ele � mesmo
bandidinho?

-- Bandid�o! Voc� n�o sabe o tamanho dele! Se a periculosidade fosse t�o


alta quanto a estatura...

-- Outro dia ainda brincava com a molecadinha...


-- Pois �, Glauco, parece que os adolescentes est�o crescendo mais
r�pido que o nosso pau...

-- Ora, Daniel, n�o seja autocr�tico! Vamos, que foi que o menino fez
pra ser internado?

-- Come�ou roubando a pr�pria av�. Voc� sabe que a Zefa � vi�va faz
tempo, n�? O marido n�o deixou nada, a velha s� tem aquela banquinha pra
sobreviver. Revista sai pouco, de modo que � quase que s� jornal o que
ela vende. Ela costumava deixar o Vaguinho tomando conta da banca
enquanto ia entregar jornal nos pr�dios do quarteir�o, e acabou
descobrindo que volta e meia faltava algum trocado. Pra ela cada moeda
faz falta, e na hora de fazer as contas dava uma diferencinha cada vez
maior, sempre que o Vaguinho tinha estado na fun��o de caixa...

-- Quando foi isso?

-- Ah, tem uns anos, o Vaguinho inda cal�ava uns trinta e nove. Hoje
deve estar cal�ando quarenta e tr�s, quase quarenta e quatro, pra usar
seu m�todo de c�lculo...

-- Tava demorando pra voc� me provocar, n�? S� falta voc� me contar que
o pivete tem p� chato e o ded�o mais curto... Mas n�o vamos mudar de
assunto, pelo menos por enquanto. Continuando o caso do Vaguinho, ali�s
Vag�o...

-- Ent�o: vivia passando a m�o nos trocados da Zefa e, linguaruda como


ela �, toda hora se escutava o maior bate-boca ali na esquina da padoca,
antes de fechar a banca. Ela xingando ele de ladr�o e ele xingando ela
de m�o-de-vaca. Uma vez peguei quando ela sa�a pra entregar jornal e
avisava o Vaguinho: "Veja l� se n�o vai pegar dinheiro de novo, hem?" O
respond�o n�o deixou por menos: "Agora � que eu pego mesmo!" E na cara
dela tirou da gaveta uma nota de cinco e enfiou no bolso. A velha ficou
tiririca! Partiu pra cima do moleque e foi tapa daqui, empurr�o dali...
jornal ca�do no ch�o... o pessoal da padoca tendo que sair pra
apartar... um sururu! Dali a uns dias j� n�o vi mais o Vaguinho
trabalhando na banca. O Nestor, aquele crioulo aposentado que vendia
bilhete de loteria, estava ali dando uma m�ozinha pra Zefa enquanto ela
sa�a. Ela vive se queixando da vida com todo mundo, de modo que ningu�m
ligou muito quando ela falava que o Vaguinho andava com os malacos do
corti��o, que tava mexendo com droga, que ainda ia acabar preso ou
morto. A gente achava que ela exagerava tudo, s� pra impressionar...

-- N�o era ela quem tinha espalhado que o Tolentino foi pego chupando o
pau do vigia daquele pr�dio em constru��o?

-- � mesmo, foi ela que me contou...

-- No fim foi o pr�prio velho que confirmou tudo pra voc�, n�o foi? O
Tolentino se faz de senhor respeit�vel mas � t�o escroto como... eu ou
voc�, certo? Ent�o acho que a Zefa nunca exagerou. O problema � que ela
dramatiza muito e a gente acaba enjoando da novela...

-- O fato � que o Vaguinho tava mesmo metido com sujeira. Sabe como a
Zefa tomou conhecimento da pris�o dele? No pr�prio jornal que ela mais
vendia! Tava l�, na primeira p�gina: Wagner de Tal, detido por
participar dum arrast�o...

-- Como assim? O jornal n�o pode dar nome de menor...


-- Mas deu, porque pensaram que ele j� tinha dezoito, um rolo que a Zefa
n�o soube explicar. Quando apuraram a idade dele, levaram pra FEBEM e
ficaram transferindo de c� pra l�, de modo que a velha j� nem sabia mais
em qual unidade ele estava. Passa mais um tempo, e de repente quem me
aparece aqui na farm�cia procurando uns comprimidinhos fortes? Quem? O
Wagner de Tal, agora sim, mais maior do que nunca, ou, como diria voc�,
cal�ando quarenta e quatro.

-- Voc� � que t� falando, Daniel. Eu nunca tive a chance de medir o


pez�o do menino, infelizmente. Mas e a�? O Vaguinho confirmou a vers�o
da Zefa?

-- N�o s� confirmou como detalhou coisas da FEBEM que a pr�pria Zefa n�o
contaria, se soubesse. Imagine, Glauco, que puseram o moleque numa cela
t�o lotada que n�o tinha espa�o pra todo mundo dormir! De noite a
molecada repartia os poucos colchonetes que cobriam o ch�o. Dormir �
modo de dizer, porque ningu�m descansa direito naquela aglomera��o,
muito menos do jeito que ficavam deitados. Como n�o tinha colch�o nem
espa�o suficiente, em cada cama cabiam dois e at� tr�s pivetes, em
posi��o de valete. Aqui � que a coisa fica curiosa pra voc�, Glauco! J�
pensou? Aquela molecada suada de jogar bola no sol durante o dia, sem
banho, tirando o t�nis na hora de dormir e deitando, um com o p� na cara
do outro?

-- Vou deixar pra pensar em casa. Agora conte o resto, seu torturador
s�dico!

-- Acontece que o Vaguinho j� me conhecia, sabia que sou gay, at� j�


tinha me provocado, mas, como sei que ele queria grana pra transar, fiz
que n�o tenho tes�o por garoto. Mesmo assim ele sempre se abriu comigo
nesses assuntos. Foi por isso que me animei a perguntar desses detalhes.
Ele confessou que dividiu a cama com um assassino perigoso e teve de
jurar que obedecia pra evitar problema. Sabe o que o marginal mandava
fazer? Al�m do pau, Vaguinho teve que chupar o p� do cara!

-- Na frente dos outros?

-- A� � que t�: o pau ele chupou de dia, fora da cela, num canto
escondido qualquer, mas o p� era ali no colchonete. Disse que, por causa
da posi��o, mal podiam se mexer, mas rolava muita chupa��o de p�s. Uns
faziam por gosto, outros na marra, mas o chul� era igual pra todos...

-- Daniel, voc� n�o est� inventando...

-- Se algu�m inventou foi o Vaguinho. Disse at� que tinha gente que
vivia carregando os t�nis dos mais mand�es pra todo lado. Amarravam os
dois p�s pelo cadar�o e penduravam no pesco�o, andando com aquele
charmoso cachecol pra l� e pra c�, enquanto o dono do t�nis tava de
chinelo ou descal�o, �s vezes praticando algum esporte, ou usando outro
pisante. Sei l�. Mas que o Vaguinho encarou a lancha, encarou. Disse que
o outro gozava, �s vezes na punheta, �s vezes na m�o do pr�prio
Vaguinho, conforme a vontade do momento.

-- Ningu�m reagia? Ningu�m recusava?

-- Alguma briga sempre rola, mas os monitores entram logo no meio se


escutarem barulho, e a� o castigo � geral. Por isso eles evitam qualquer
acerto de contas no dormit�rio. O p� na cara j� � um aviso pra n�o
reagir, dependendo da for�a ou do poder do outro. Acho que � um tipo de
acordo t�cito, um pacto de sil�ncio noturno, vamos dizer.

-- Mas o Vaguinho n�o tinha for�a pra se impor? Ou era s� tamanho?

-- Sabe, Glauco, o menino tem jeito de bruto mas s� � valente com a av�.
Acho at� que tem tend�ncia pra virar um gay t�o passivo ou t�o enrustido
como qualquer um de n�s... Sempre a velha hist�ria, n�? Menino �rf�o...
Algu�m vai dizer que � car�ncia, m�s companhias, falta de escola, de
acompanhamento psicol�gico, coisa e tal... S� que na pr�tica o corp�o
n�o evitava que o moleque fosse abusado.

-- E o p� do Vaguinho? Tamb�m n�o ficava na cara do outro?

-- Aqui � que entra o lado mais curioso. Vaguinho acabou abrindo o jogo.
Contou que o cara fingia que n�o gostava, que desviava o rosto, e tal,
mas bem que ficava relando o nariz quando achava que o Vaguinho tinha
pegado no sono. At� que, uma vez, mandou que o Vaguinho ficasse quieto
enquanto ele lambia no v�o dos dedos. Vaguinho disse que sentiu c�cegas
mas deixou, porque o outro mandava...

-- Por que n�o reconhece que deixou porque tava gostoso? Que mania de
n�o dar o bra�o a torcer! Quer dizer, o p�...

-- E voc�, Glauco, torceria o pez�o dele?

-- Se ele n�o me deixasse lamber eu mordia!

Sa� da farm�cia mordido de desejo e fui bengalando, lentamente, at�


dobrar a esquina da padaria e alcan�ar a grade do meu pr�dio, onde o
porteiro me avistou e veio ajudar a subir os degraus da entrada. Daniel
sempre se oferecia para me acompanhar, mas eu preferia percorrer sozinho
aquela curta dist�ncia, a fim de n�o desaprender a usar a bengala. No
caminho, passei pela banca da Zefa, que naquele momento se despedia dum
fregu�s, e cumprimentei:

-- Boa tarde, dona Zefa! Tudo indo?

-- Indo mal, n�, meu filho?

-- Eu que o diga! E o Vaguinho? Nunca mais apareceu?

-- Ele que nem apare�a, que me faz um favor! O que tem de tamanho tem de
malandragem! Se voc� soubesse...

-- Outra hora a senhora me conta, t�? Tenho que fazer uma coisa urgente!

-- Vai com Deus, meu filho!

Zefa riu descontra�da, pensando que meu aperto era talvez intestinal.
Coitada da velhinha! Parece t�o maliciosa mas � t�o ing�nua... Ou ser�
que o inocente aqui sou eu?

///

[11] PAPEL ANTI-HIGI�NICO

Um soneto como aquele "Higi�nico" (143) me veio na mesma noite em que,


conversando com Carlos Carneiro Lobo, a monotonia dos contos er�ticos
foi a pauta central. Coment�vamos que, no caso da literatura gay, sempre
houve pouca vanguarda e muita retaguarda, e o magistral ficcionista de
HIST�RIAS NATURAIS e de GEOGRAFIAS HUMANAS, que costumeiramente me
visitava, expunha ent�o sua pr�pria teoria a respeito: a arquet�pica
estrutura narrativa na base do come�o-meio-e-fim, contest�vel ou n�o,
fica reduzida, no homoerotismo, � mera seq��ncia
ere��o-penetra��o-ejacula��o, que, j� pouco criativa por si mesma,
resulta ainda mais burocr�tica por estar presa a falsos clich�s como o
mito do pau grande e o v�cio do coito anal. "Parece (dizia ele naquela
noite) que os gays n�o conseguem escapar do c�rculo vicioso entre a
fela��o ativa e a sodomia passiva... e quando escapam limitam-se a
inverter os termos do dilema, comendo o cu e deixando-se foder na boca.
A reciprocidade, em qualquer caso, s� confirma a falta de escapat�ria."

-- Tem raz�o, Carlos. Qualquer mexida nas pe�as bagun�a o tabuleiro


dessas cabecinhas prim�rias. Veja, por exemplo, como � dif�cil pro
contista gay trabalhar com a posi��o boca-no-cu. Na id�ia dele o ato
anilingual, quando ocorre, s� serve pra lubrificar o cu que vai ser
fatalmente enrabado. N�o se enfatiza o cunete com a carga psicol�gica
que caberia nessa comunh�o t�o delicada...

-- Bem lembrado. Sei dum caso que ilustra perfeitamente essa carga que
voc� acha importante.

-- Isso me interessa. Quer contar?

-- Pode ser. O novelo n�o tem nada de enrolado. Numa ponta est� um
deficiente f�sico, na mesma situa��o em que voc� ficou. N�o falo da
cegueira, mas da inferioridade. O cara � cadeirante, amputado nas duas
pernas e na m�o esquerda.

-- Que coincid�ncia! Ontem mesmo estive lendo o testemunho dum


cadeirante americano que tirei daquele s�tio de gays deficientes... Est�
salvo aqui, vou mostrar.

Aproveitei que o computador falante estava ligado e sa� da pasta onde


arquivo meus poemas para entrar na dos depoimentos sobre sexo oral.
Localizei um relato publicado no www.bentvoices.org do qual Carlos leu
na tela os seguintes trechos:

"When I became a wheelchair user years ago, after a drinking and driving
accident, I had no idea how drastically my life would change. I had once
been a cutie, but now I was sitting in a chair. How could I still be
attractive to other men? While trying to figure out the answer to that
question, I discovered that people can and do make me feel like a
second-class citizen by the way they treat me, talk to me, stare at me.
I am tired of people talking to me like I'm stupid. They see me using a
wheelchair and automatically start speaking slowly and clearly. I'm a
crip, not an idiot! If I live to be 100 years old it will never cease to
amaze me how many stupid fuckin' people there are in this world. I live
an independent life. I work. I play. I clean my house. I shop for food.
And I live alone. Despite all that, too many people see me as
less-than-a-whole person -- someone who will require nothing but
caretaking. I try to dispel myths like that by example, by commanding
respect wherever I go. I'm a powerful man and I'm diligent about
maintaining the power I get. But there's one time when I feel more
powerful than others. Let me explain. I'm very much into anonymous Sex.
Sure, some people will criticize, but I don't give a shit. I'm a big boy
and I do what I want. I always play it safe so there's not much I need
to worry about. My specialty is cocksucking. That's right. I'm an
expert. There's nobody better and I have the letters of recommendation
to prove it! My friends call me 'whore,' 'slut,' and a bunch of other
names, but I just write it off as jealousy, pure jealousy. [...] I do it
better than anybody. My mouth is made for cock. While any size will do,
the bigger the better. For me, there's no better feeling than having my
mouth crammed with somebody's big dick. I use my mouth unlike anyone
else. When I apply a certain pressure, devote my attention to a certain
spot, well, I can make a man blow his load in record time. My disability
has prompted me to perfect my technique. In the past I could spend hours
kneeling at a glory hole. Now I have to sit to give it all my attention
and concentration. And when you suck cock you've got to concentrate if
you want to be the best. Now what's this power I speak of? Well, let me
just tell you. Take a big, strapping guy -- a guy you wouldn't want to
meet in the proverbial dark alley if he was intent on ripping you off.
But put this same guy in a sex club or my house with his dick in my
mouth and he becomes a babbling, moaning baby -- defenseless and
vulnerable, just the way I want him. I find it amazing that someone with
such strength can become a 'husk of his former self' just by inserting
one particular body part (a BIG part, I hope) in my mouth. [seguia-se
uma s�rie de situa��es nas quais o cadeirante compensava a defici�ncia
com sua habilidade na fela��o, gabando-se de ter feito com que os
mach�es mais abrutalhados gozassem em sua boca e, totalmente relaxados,
revelassem fragilidade] So now you see how it works. When society makes
me feel weak and powerless, I suck dick! There's no better way to boost
my self-esteem."

-- Ah, Glauco, o caso dele � bem diferente. Esses "freaks" americanos


t�m sua auto-estima bem incentivada. Por aqui o buraco � mais em baixo.
O cadeirante que conhe�o n�o � masoca declarado como voc�, mas passou
por humilha��o que voc� talvez n�o encarasse...

-- Ser�?

-- Veja s�: o sujeito � jovem, ainda t� no vigor dos trinta. Vou chamar
o cara de Aleixo. Sempre se considerou gay, mas pros amigos gays dizia
ser bi e pra fam�lia aparecia at� com namorada, daquelas que est�o mais
pra noiva que pra esposa. Na fam�lia era ele o �nico com curso superior,
algum desses diplomas na �rea empresarial, mas que n�o lhe dava a fun��o
de alto executivo que ele ambicionava. Mesmo assim tinha emprego melhor
que o das duas irm�s mais novas e que o do pai, metal�rgico quase
aposentado. Antes de se acidentarem, viviam todos na mesma casa no ABC
paulista. Depois do acidente s� ele sobreviveu.

-- Que acidente?

-- De �nibus. Desciam pra praia num feriad�o e o motorista perdeu o


freio numa curva da Anchieta. O despenhadeiro nem era t�o fundo, mas
pouca gente se salvou, alguns bem mutilados. Aleixo teve sorte de perder
s� as duas pernas e metade dum bra�o, mas depois achou que foi azar n�o
ter ido com os outros. Custou a se recuperar. Caiu na depr�, ficou sem
namorada, saiu da firma onde trabalhava e n�o p�de bancar o aluguel da
casa. Acabou tendo que morar de favor na casa duns primos. Favor � modo
de dizer, porque pouco tempo antes eram esses primos que estavam na
pior, desempregados e doentes, e tinha sido a fam�lia de Aleixo quem
socorreu os dois, com rem�dios comprados pelo pr�prio Aleixo, fora
outras despesas, tipo di�ria de hospital, contas atrasadas e at� o arroz
com feij�o, j� que ali era todo mundo adulto e o leite das crian�as n�o
fazia parte do planejamento familiar... O fato � que Aleixo arcou com o
�nus de cabe�a erguida, nariz pro alto e o ego l� em cima.

-- Quanto prov�rbio! A desgra�a pouca, o mundo dando voltas, uma m�o


lavando a outra...

-- Mas tamb�m teve cuspida no prato. Os g�meos Valdir e Valmir (vamos


chamar assim) dividiam um sobradinho em Osasco. Valmir e sua companheira
j� tinham arrumado servi�o. Valdir continuava solteiro e desocupado,
pensando s� em muscula��o e artes marciais. Imagine o conflito de brios
e melindres, Glauco: enquanto era saud�vel e qualificado, Aleixo at� se
orgulhava de sustentar a maior parte do or�amento dom�stico e ainda dava
li��o de moral socorrendo os primos "irrespons�veis". De repente, se v�
na depend�ncia duma retribui��o... que no come�o foi espont�nea, mas
logo acabou gerando atritos. Aleixo se julgava t�o incapacitado que
depositou as �ltimas reservas financeiras na m�o dos primos, deu
procura��o pra cuidarem de seus direitos, mas ao mesmo tempo acreditava
ter ainda alguma autoridade pra cobrar deles mais "ju�zo",
particularmente do Valdir, que tinha recebido a maior parcela de aux�lio
e devia, na opini�o do acidentado, "reconhecer" a generosidade e
"corresponder" com igual dedica��o. N�o demorou pra que a roupa suja
fosse lavada em bate-bocas cada vez mais freq�entes, principalmente
entre Aleixo e Valdir, j� que o casal passava quase todo o tempo fora.
Um jogava na cara do outro os respectivos podres, Aleixo xingando o
primo de "ingrato", "vagabundo" e "aproveitador", Valdir apelando pra
ignor�ncia e chamando o cadeirante de "inv�lido", "in�til" e... (tava
demorando) "viad�o escroto" ou "bichona de merda"...

-- Claro, na hora da baixaria, nada como comprometer a honra do macho...

-- Exato. Aleixo sabia que os familiares e parentes sempre desconfiaram,


mas nunca admitiu que um dia algu�m fosse tocar no assunto, porque,
afinal de contas, sempre deu exemplo de rapaz certinho. Como � que, de
repente, vem um mal-agradecido sem-vergonha desrespeitar sua
"desabilidade" e ainda por cima sua sexualidade? O pior � que, at� o
momento da discuss�o mais acirrada, era justamente o Valdir quem dava
assist�ncia a Aleixo dentro de casa, j� que este quase nem sa�a. Como
n�o podia subir escada, o deficiente dormia na ed�cula do quintal e s�
se locomovia da sala pra cozinha e dali pro quartinho ou pra privada ao
lado. Uma vez por dia, Valdir carregava o primo nas costas at� o andar
de cima, onde ficava o banheiro que tinha box, e ali Aleixo se lavava.
Depois era de novo carregado at� o t�rreo e voltava pra cadeira de rodas
ou pro sof�. No dia do rompante a coisa come�ou bem na hora em que
Aleixo sa�a do banho. Como demorava pra se enxugar, Valdir entrou no
banheiro sem bater na porta e mandou que ele se apressasse, pois n�o ia
ficar o resto do dia � disposi��o dum peso-morto. Ah, pra qu�! Aleixo
jogou os cachorros pra cima do primo e levou na cara o famoso "viadinho
de merda" que desencadeou as vias de fato. Aleixo tentou ofender no
mesmo n�vel: "Voc� � que � um bosta! Ao menos eu limpo meu cu sozinho!
Voc� n�o limpa o seu porque n�o quer, porco nojento!" Valdir deu o
troco: "N�o limpo mesmo! E da�? N�o limpo e fa�o voc� limpar, se eu
quiser, seu chupa-rola!" "Ah, faz? Ent�o fa�a! Quero ver sua valentia,
seu cag�o!" Aleixo duvidava que o outro fosse capaz de passar dos
limites da viol�ncia verbal, mas Valdir p�s pra fora todos os dem�nios e
partiu pra cima dele. Aleixo foi jogado de bru�os no ch�o e teve o bra�o
torcido at� o ponto m�ximo da dor e m�nimo do amor-pr�prio. Foi t�o
f�cil pro Valdir quebrar a resist�ncia dum cara corpulento mas indefeso,
que ele at� esqueceu a raiva pra achar gra�a nos gritos do coitado. "E
agora? T� vendo quem manda aqui?" E for�ava o bra�o torcido pra provocar
mais gemidos e pedidos de "Pelo amor de Deus!"... Foi ent�o que o corpo
nu do mutilado despertou os baixos instintos que Valdir guardava em
segredo e s� liberava nas punhetas. "Seu viado de merda! Quero ver voc�
engolir tudo que falou! Vou jogar voc� da escada! Vai quebrar a espinha
e ficar paral�tico duma vez!" E refor�ava as amea�as com pux�es e
empurr�es, sem soltar o bra�o torturado. "N�o vou mais carregar nenhum
esquartejado pra cima e pra baixo! Voc� vai ter que rastejar! Eu vou
ficar s� olhando e rindo!" Aleixo continuava implorando e a empolga��o
de Valdir aumentando. "Ent�o? Vai limpar meu cu ou n�o vai?" "P�ra! Me
solta!" "Vai limpar? N�o responde?" "Eu limpo! Me larga!" "Mas vai
limpar com a l�ngua! N�o vai?" "Isso n�o! Ai! P�ra! Eu limpo, eu limpo!"
"Com a l�ngua?" "Limpo!" "E depois inda vai pedir pra chupar minha rola,
n�o vai, seu boca de penico?" Desta vez a resposta de Aleixo saiu menos
relutante: "Vou! Eu chupo, eu fa�o o que voc� quiser, mas me deixa sen�o
meu bra�o vai... Ai!" Valdir deu tr�gua e Aleixo virou de cara pra cima,
lacrimejando de dor. Antes que recobrasse as for�as, Valdir tinha
arriado as cal�as e se acocorava sobre aquele rosto assustado,
encaixando o rego entre o nariz e o queixo do deficiente. Mesmo sem
estar imobilizado, Aleixo j� n�o oferecia resist�ncia, fosse porque
sabia que o primo era capaz de cumprir o que amea�ava, fosse porque seu
jejum de sexo j� durava meses. A primeira rea��o foi de n�usea, mas o
cheiro n�o era t�o fecal quanto Aleixo imaginava, e a l�ngua come�ou a
explorar a abertura que ia se afrouxando, se alargando, at� que um bafo
quente invadiu as narinas do derrotado com fedor sufocante. Valdir
for�ou outros peidos, mas os estalos j� n�o foram acompanhados de muito
g�s. "Anda, continua!" E a l�ngua recome�ava a faxina, esquadrinhando
cada dobra em busca daquilo que o papel higi�nico n�o tivesse
encontrado, vasculhando cada pelinho em volta � procura da badalhoca
que, feliz ou infelizmente, n�o estava ali. Na posi��o em que tinha se
agachado, com o saco na testa de Aleixo, o vencedor n�o podia ver como o
pau do vencido dava pulos e se remexia tanto quanto os cotos das pernas,
ao contr�rio do bra�o dolorido, que repousava no ladrilho frio do
banheiro. � verdade que, ao carregar o primo nas costas, Valdir tinha
percebido que a mutila��o n�o interferia nas fun��es sexuais do membro
que parecia se avolumar, mas sempre fingiu n�o ter notado o
constrangedor detalhe anat�mico. Agora, excitado pelo contato macio da
l�ngua, mais macio que o do seu pr�prio dedo, Valdir se deixou
escorregar pra tr�s de modo que seu saco fosse tamb�m lambido, e em
seguida o pau. N�o foi preciso que Aleixo recebesse a ordem de chupar.
Quando a l�ngua deslizou at� alcan�ar a cabe�a, o resto foi autom�tico,
e Valdir ficou s� observando aquele marmanjo musculoso a mamar feito um
beb� chor�o, sem resistir nem reclamar, fazendo esfor�o pra levantar a
cabe�a e poder abocanhar mais fundo. Ia atirar algumas outras palavras
humilhantes nas fu�as do castigado, mas a cena j� era bastante pra
satisfazer qualquer gostinho de tripudiar, e Valdir se deu ao luxo de
apreciar os movimentos da cabe�a fodida enquanto o pau bombava, sem
pressa, pra n�o acabar logo, pra prolongar o sabor da vit�ria e prelibar
um futuro de superioridade e deleite. Sim, porque Valdir j� se dava
conta de que aquilo era apenas o come�o duma nova fase e que a mamata
iria durar pelo menos at� quando Valmir tamb�m cobrasse mais
responsabilidade e ele tivesse que se definir, arranjando trampo e
juntando os trapos com sua pr�pria companheira, coisa que n�o podia
tardar... N�o vou dizer que este cadeirante virou um felador t�o
habilidoso quanto aquele americano. Mas que aprendeu a chupar do jeito
que Valdir gostava, aprendeu. Mesmo porque j� tinha alguma, digamos,
experi�ncia anterior. Agora, o que esse cara desempenhou mesmo, at�
ganhar pr�tica, foi o papel do papel...

-- Sem asco nem fiasco, eu diria. Mas como voc� ficou sabendo disso
tudo?

-- Digamos que eu sei perguntar... e digamos que a cunhada do Valdir �


minha funcion�ria.

-- No sebo?

-- Pois �. Contratei a mo�a ano passado, e t� se saindo bem. Adora ler,


principalmente aqueles cl�ssicos porn�s que eu vendo como raridades.
Conversa vai, conversa vem, ela me confidenciou esse caso e alguns
outros, que j� aproveitei como mat�ria-prima pro meu livro.

-- E quem contou pra ela? O marido ou o cunhado?

-- O cunhado. Hoje em dia ela tem mais intimidade com o Valdir que com o
Valmir...

-- Entendo. Basta a meia palavra. Mas me diga uma coisa: por que voc�
ainda n�o usou este caso num conto?

-- Deixo pra voc�. Esse departamento homo n�o � bem o meu, voc� sabe.

-- Ent�o voc� fica com os adult�rios das cunhadas que eu fico com as
bissexualidades dos primos. Combinado?

Carlos deu uma gargalhada gostosa e desliguei o computador. Assim que


ele se despediu, corri � privada para aliviar o intestino. Enquanto
evacuava, fiz de conta que cada tolete que passava pelo esf�ncter
equivalia a uma lambida. O teatro funcionou e meu pau aplaudiu de p�.

///

[12] O MASSAGISTA MASOQUISTA

Os sonetos "Subempregado" #3 e #4 me vieram dez anos depois que a


cegueira completava seu estrago no olho em que, at� ent�o (1993) ainda
havia vis�o residual. Naquele momento meu estado de �nimo era o pior que
se possa imaginar, e fazer sonetos (como de resto qualquer atividade
intelectual) seria algo fora de quest�o. Mesmo assim, meu tes�o
continuava vivo e esperneando, talvez at� para compensar tanta ang�stia,
e minhas tend�ncias masoquistas j� buscavam justificativa na iminente
condi��o de "inv�lido" que me estava reservada. E j� que ainda me
achavam espirituoso, tratei de concentrar essa teimosa presen�a de
esp�rito nos papos entre amigos e parentes, a fim de sondar neles alguma
potencial tend�ncia s�dica. Digo "amigos e parentes" porque, �quela
altura, a defici�ncia visual n�o me animava a aventuras sexuais com
estranhos, mantendo-me preso aos c�rculos mais �ntimos. Nesses c�rculos
sempre havia algu�m casado com uma nissei ou um sansei, de maneira que
os almo�os domingueiros, as churrascadas ou as festas em fam�lia
acabavam reunindo algumas ocasionais e adicionais presen�as nip�nicas.
Numa daquelas tardes me achei, depois de esvaziados os pratos, em
companhia de dois japas quarent�es como eu, enquanto o resto dos
convidados formava outras rodinhas de papo pelo vasto jardim da casa,
que ficava num condom�nio fechado. Conversa vai, conversa vem, veio a
cegueira � berlinda e despertou a inevit�vel curiosidade deles em saber
como eu estava me virando, se j� usava bengala ou se j� aprendera a ler
com os dedos. Um deles, o Minoru, mais reservado, constrangia-se ao
perguntar sobre minha solit�ria e sedent�ria rotina caseira, mas o
outro, Sadao, parecia � vontade para tocar nos detalhes mais
melindrosos.

-- E j� saiu sua aposentadoria? -- fala Minoru.

-- J�, fui aposentado por invalidez.

-- Sorte sua ter esse direito! -- fala Sadao -- Na sua situa��o muita
gente fica desamparada s� porque n�o prestou um concurso p�blico.

-- Tudo � relativo, n�? Tem quem diga que � melhor mendigar no Brasil
que ser escravo na �sia. Voc�s j� ouviram falar como � dura a vida dum
cego l� na Tail�ndia ou na Indon�sia? Me contaram que eles viram
massagistas cativos pra terem o que comer, sem direito a recusar nem
reclamar nada...

-- No Jap�o a coisa � mais humana... -- fala Minoru -- Tem muito cego


massagista, mas a profiss�o l� tem dignidade, � bem respeitada.

-- Se eu vivesse no Jap�o na certa ia ser massagista por op��o, mas na


Indon�sia eu seria na marra. Dizem que pra tudo existe uma capacidade de
adapta��o no ser humano. � como a prostitui��o nas cadeias, n�?

Neste ponto Minoru acha um pretexto para ir pegar mais cerveja e acaba
entretido num papo mais palat�vel com umas primas. Sadao vai fazer o
mesmo mas volta trazendo uma garrafa gelada. Enche meu copo e retoma o
tema. Parece que mordeu a isca, ou acha que eu � que vou morder.

-- Mas "Gurauko", voc� n�o acha humilhante esse neg�cio de massagear sem
enxergar nem poder recusar qualquer tipo de massagem? L� no Jap�o tamb�m
tem algumas coisas que um cego n�o se sujeitaria a fazer. S� faria se
quisesse. N�o � s� quest�o de adapta��o ou de necessidade...

-- Mas acho que eu faria. A cegueira ensina a gente a ser humilde. Al�m
do mais, sempre acreditei que os japoneses t�m raz�o de se considerarem
superiores. Um "gaijin" j� � naturalmente inferior, quanto mais sendo
cego! Em pouco tempo eu acabava me dando por honrado em trabalhar pra
dar prazer a um "nihonjin", tenho certeza.

Sadao n�o reprime uma gargalhada curta e grossa, t�pica do macho


nip�nico, que pode rir alto, ao contr�rio da risada feminina, que s�
consegue ser timidamente baixinha e fininha.

-- Olha que o japon�s � muito exigente, hem "Gurauko"? Voc� ia ter que
satisfazer um gosto meio extravagante...

-- Eu sei disso. Usar s� a m�o n�o seria suficiente, n�? Eu teria que
estar preparado pra trabalhar com a boca, e teria que me acostumar com
cheiros e gostos bem variados, certo?

Sadao solta outra daquelas gargalhadas escrotas, mas logo silencia ante
a aproxima��o de vozes femininas. Chega a mulher dele com uma amiga,
comentando que na certa est�vamos contando as tais "piadas de homem",
mas como elas s� tinham vindo trazer umas frutas at� a mesa � qual nos
sent�vamos, somos novamente deixados a s�s e o papo prossegue.

-- Como � que voc� sabe dessas coisas, "Gurauko"? Por acaso j� praticou?

-- Quase. Um amigo meu j� passou por isso. Ele � cego de nascen�a e at�
fez curso de massagem, de reflexologia, de shiatsu, do-in, essas coisas
todas. Mas na hora do vamos ver o que funcionou mesmo foi a l�ngua. Ele
costumava massagear a domic�lio, sabia bengalar e tomar �nibus sozinho.
Quer dizer: tinha boca pra tudo, n�o s� pra ir a Roma. Um dia teve que
atender um "oji-san" no escrit�rio, depois do expediente. Tinha sido
recomendado pelo filho do cara, outro que gostava de tirar uma casquinha
do cego. Chegou l�, quando os funcion�rios do cara j� estavam de sa�da,
e, quando perguntou se um div� estava preparado, o cara disse que n�o
precisava de div� pro tipo de massagem que o cego ia fazer. "Come�a pelo
p�", falou o "oji-san", e se acomodou numa poltrona, apoiando os p�s num
pufe. "Quero primeiro com a m�o, depois com a l�ngua!" O cego nem
estranhou, porque j� estava prevenido pra situa��es do tipo. Tratou de
se agachar e foi descal�ando as meias do fregu�s, que j� estava sem
sapato. Manipulou direitinho, de acordo com o tal "mapa hol�stico" da
sola, e logo passou a lamber. L�gico que deu pra notar, ou melhor, pra
sentir a bela frieira que o sujeito tinha nos dois mindinhos...

Sadao corta com sua risada gostosa e rapidinha.

-- ...mas o massagista provou que sabia encarar com coragem as


dificuldades da vida, o que deixou o patr�o todo cheio de si. Quando a
l�ngua chegou no ponto onde o cheiro � t�o salgado quanto o da frieira,
o ego do japon�s j� estava l� em cima, escorrendo de alegria. Foi s�
abocanhar e deixar entrar fundo, bem devagar, de modo que o patr�o
avaliasse com calma a qualidade do servi�o, o capricho no acabamento, a
aten��o em cada detalhe, o cuidado em n�o deixar nada sujo, nada pingado
no ch�o, nem uma gota perdida, nem um s� floquinho de sebo sem ser
recolhido. O prazer do "oji-san" foi completo, f�sico e psicol�gico,
vendo que o cego dependia da aprova��o dele quanto ao desempenho da
tarefa. E tanto dependia, que o massagista s� se deu por aliviado quando
o cliente abriu aquele sorriso descansado, de total satisfa��o, e falou:
"Muuuito gostoso, n�?" A prova de que o cego tinha trabalhado a contento
foi ter sido chamado outras vezes a comparecer no gabinete do chef�o
daquela empresa. Esse amigo chegou a me recomendar pra um teste, mas n�o
houve tempo, j� que o pai teve que acompanhar o filho numa viagem ao
Jap�o. Acho que est�o l� at� agora...

-- Quer dizer que voc� ainda n�o sabe se passaria no teste...

-- Certeza n�o tenho, mas posso garantir que ia me esfor�ar ao m�ximo.

-- Quem sabe eu quebre o seu galho, hem, "Gurauko"? Sou bastante


exigente, mas posso dar uma colher de ch� sabendo que voc� n�o tem tanta
pr�tica quanto esse outro ceguinho... Que � que voc� me diz?

-- Estou pronto pro sacrif�cio. � s� me avisar com anteced�ncia pra dar


tempo de fazer uns exerc�cios de maxilar e uns gargarejos, e minha boca
topa qualquer parada, at� bexiga cheia e intestino solto!

-- Assim � que se fala, ceguinho! Ligo pra voc� amanh� e marcamos a


sess�o, combinado?

O mais engra�ado n�o foi o acesso de riso -- muito mais longo e


estrepitoso que o habitual -- que Sadao me jogou na cara assim que o fiz
gozar pela primeira vez em minha garganta, mas sim a insist�ncia de
Minoru em querer saber do primo o que foi que ele fizera comigo a partir
daquela tarde.

-- Levei ele pra uma pescaria.


-- S�rio? Que � que ele foi fazer l� se n�o enxerga?

-- Foi me ajudar a colocar minhoca no anzol...

-- N�o brinca! Voc�s foram mesmo pescar?

-- Claro! Ele at� pensou que s� ia pegar lambari, e acabou levando uma
carpa... (e tome risada)

-- Voc� � muito gozador, Sadao! Vai, conta a�! Que foi que voc� aprontou
com ele?

-- Nada de mais. S� dei a ele uma boa hist�ria de pescador pra contar. O
mais gostoso de tudo � que nem precisei desembolsar num pesque-pague!
Vai por mim, Minoru: a melhor higiene mental � quando voc� d� a um
deficiente a chance de ser �til pra sua higiene corporal...

E desatou a rir, daquele seu jeit�o tipicamente nipo-machista.


Desnecess�rio dizer que as respectivas esposas nem desconfiavam do teor
destes di�logos, ou antes, intu�am mas faziam de conta que tudo n�o
passava de "piada de homem"...

///

[13] A NOITE DO PORTEIRO

O soneto 914 me veio quando, num papo com outro pod�latra, confessei que
nunca havia encontrado em macho adulto um chul� t�o forte quanto aqueles
de que me lembro enquanto ainda estudava num col�gio de bairro e vivia
fu�ando escondido no vesti�rio dos alunos de educa��o f�sica, onde
alguns p�s de t�nis ou chuteira, negligentemente largados, me deixavam
chapado a ponto de gozar na cueca sem sequer tocar uma bronha. Nelo, que
se gabava de ter degustado mais p�s que qualquer outro retifista, deu
sua risadinha desdenhosa:

-- Faz sentido: chul� de adolescente costuma ser t�o gritante quanto o


tom de voz deles. Mas voc� precisava provar o vaporzinho do t�nis que um
porteiro do meu pr�dio usava!

-- Ah, voc� j� se entregou aos caprichos dum porteiro, �? S� falta ser


um porteiro da noite, daqueles bem carrascos...

-- E era mesmo. N�o nazista como aquele do filme, mas rancoroso o


bastante pra descontar em mim toda a humilha��o que sofreu e remoeu...

-- Essa voc� tem que me contar em detalhe!

-- Aquilo � que era chul�, Glauco! Acontece que isso rolou ainda nos 70,
quando os condom�nios obrigavam os funcion�rios a usar uniforme, lembra?

-- Claro. Mas no pr�dio onde morei o uniforme s� inclu�a sapato, ningu�m


podia trabalhar de t�nis, pelo menos na portaria...

-- A� � que t�! Esse porteiro era novo no emprego, pouco experiente e


pouco acostumado a receber ordens ou instru��es. Achou que no turno da
noite a coisa n�o era t�o rigorosa e come�ou a vir de t�nis, daqueles
bem brancos, que pegam sujeira com a maior facilidade e chamam a aten��o
de qualquer jeito, limpos ou sujos. Coincidiu que eu entrava no pr�dio
bem na hora em que a s�ndica dava uma bronca no rapaz. Era uma perua
insuport�vel, cheia dos fricotes, que comia mortadela e arrotava
fiambre. O coitado ficou com a cara no ch�o. Pra ser mais exato, a cara
dele s� faltou servir de capacho pro salto agulha da madaminha. Nem sei
se a vergonha maior foi ter sido esculachado por uma mulher ou ter
passado por aquilo na minha frente. Mesmo que eu fosse discreto e minha
fama n�o estivesse espalhada no pr�dio, algum funcion�rio j� tinha
notado que as minhas visitas nunca eram femininas, e os coment�rios
sempre passam pela portaria.

-- Voc� morava sozinho?

-- Pois �. Mam�e passava �s vezes pra me levar um doce de batata-doce,


mas quase sempre quem aparecia era um namorado meio firme que tive
naquela �poca. Ent�o, depois daquela cena passei uma vez pelos fundos do
pr�dio, porque o elevador da entrada social estava quebrado. Ao lado do
elevador de servi�o ficava um quartinho que servia de vesti�rio pros
funcion�rios. Dois deles, que tinham trocado de roupa e j� estavam de
sa�da, comentavam qualquer coisa sobre o novo porteiro. Enquanto
esperava o elevador, apurei o ouvido e escutei: "Porra, isso fede que
nem cachorro!" "Cachorro morto!" (falava o colega) "De quem � isso, do
Odair?" "Ele tem que dar um jeito de guardar esse t�nis noutro lugar!"
Ah, n�o tive d�vida: esperei eles se afastarem e entrei no quartinho.
Glauco... aquele chulezinho defumado tinha tomado conta do ambiente.
Mesmo quem t� acostumado percebe que � fora do comum. N�o resisti:
passei a m�o naquele par de quedes, enfiei na sacola de compras que
trazia comigo e subi correndo pro ap�. Deixo voc� imaginar quantas vezes
gozei. S� lhe digo que aspirei tanto aquele chul� que at� gastou. No dia
seguinte tinha diminu�do...

-- E o Odair? Foi pra casa de sapato?

-- Deve ter ficado ainda mais puto, achando que at� os colegas estavam
de persegui��o contra ele. Mas, pra n�o deixar o cara no preju, dei uma
lavada no t�nis e tratei de colocar no mesmo lugar, dois dias depois.

-- Me fala do t�nis! Quero mais detalhe, Nelo!

-- Ah, n�o era novo nem velho. Comum, de pano, desses de amarrar. Era
branco mas estava encardido. Por dentro � que o bicho pegava: a palmilha
tinha virado uma po�a de suor acumulado, estava marrom de sujeira.
Depois que cansei de lamber ficou cor de caf� com leite...

-- E o gosto?

-- De toucinho, que nem o cheiro. Divino, Glauco!

-- �, Nelo, estou vendo que, cada vez que batemos papo, aumentam meus
motivos pra invejar voc�...

-- Ent�o se prepare pra ter um motivo a mais: eu n�o degustei s� o t�nis


do Odair...

-- Ah, eu sabia! Estava demorando...

-- Tamb�m achei que demorou, porque eu n�o tinha jeito de chegar nele,
sabendo como estava no veneno. Por ironia, justamente porque o veneno se
agravou � que eu consegui. Foi assim: naquela �poca n�o tinha tanta
inseguran�a, a gente podia deixar uma c�pia da chave na portaria, pro
caso dalguma emerg�ncia ou pra que uma empregada fosse trabalhar na
aus�ncia dos patr�es. Pra minha chave a instru��o era que s� fosse
entregue � faxineira durante o dia e ao L�cio (meu namorado), que
costumava vir tarde da noite. Mam�e s� vinha quando eu estava, mas uma
noite ela apareceu de surpresa, trazendo um curau, e, como eu tinha
sa�do, pediu a chave. Odair, que estava de plant�o, reconheceu a velha e
entregou. A� foi minha vez de perder a paci�ncia com ele. Esqueci do
t�nis, do chul� m�gico, de tudo, porque mam�e entrou no ap� quando n�o
podia ter entrado: muita coisa estava fora do lugar, revistas, fotos,
v�deos, um monte de material comprometedor... Resultado: mais um
esculacho no Odair. Quando foi mais tarde, o edif�cio todo j� sem
movimento, n�o � que ele deu uma subida at� meu ap� s� pra tirar
satisfa��o?

-- Como assim? Saiu do s�rio? Abandonou o posto?

-- Acho que pediu pro garagista ficar no lugar dele enquanto ia no


banheiro. Eu ainda n�o estava dormindo quando tocou a campainha. Pensei
que era o vizinho do lado, com quem trocava receitas de pudim, e dei com
o Odair parado no corredor, cara transtornada de raiva, suando e
gaguejando. Falou meio no atropelo, mas entendi umas coisas tipo "Voc�
deixa qualquer um entrar e pra sua m�e n�o pode dar a chave? Eu � que
tenho de pagar o pato se voc� recebe um amiguinho mas n�o deixa sua m�e
entrar?" N�o me lembro se algum xingamento tipo "bicha" ou "viado" se
engrolou no meio, mas fiquei t�o surpreso com a atitude dele que nem
tive rea��o. Ele ali�s nem esperou e me deixou plantado na porta,
enquanto voltava r�pido pro elevador. Fechei a porta e fiquei meditando
um pouco, recostado na poltrona onde ouvia meu som no fone. Aquilo tinha
sido um descontrole moment�neo, n�o era natural nele, a n�o ser pelo
bafinho de cacha�a que senti enquanto ele desabafava. Muita press�o, e o
cara perde o senso do limite. Pensei: se eu reclamo pra s�ndica ele t�
na rua. Mas se eu n�o reclamo, passo por banana. De repente me vem a
sa�da: tirar proveito da situa��o...

-- De que jeito?

-- Veja s�: espero at� o dia seguinte e, quando ele t� distra�do lendo a
manchete de estupro no jornal descartado por um cond�mino, chego de
supet�o na cabine e vou direto ao ponto. Digo: "Pode ficar sossegado.
N�o vou dar queixa de voc�, Odair. Voc� sabe que se um morador faz uma
reclama��o dessas � demiss�o na certa. Mas eu sei que voc� tem motivo
pra ficar com raiva, e n�o � s� de mim. Estou disposto a fazer uma
coisa: eu � que vou pedir desculpa pra voc�. Mas vou pedir dum jeito bem
humilde, saca?" Odair passou do susto ao espanto. "Fica s� entre n�s,
certo? Eu vou me ajoelhar pra voc�, vou me colocar debaixo do seu p�.
Mas debaixo mesmo, com a boca, t� entendendo?" A bei�ola dele se
arreganhou numa esp�cie de risada misturada com careta de nojo,
desprezo, al�vio, desforra, pressentimento do gozo, tudo junto. Mas o
que importa � que ele percebeu que eu queria compensar humilha��o moral
com humilha��o oral. Antes que respondesse, deixei bem claro: "Amanh�
voc� chega mais cedo e sobe direto pro meu ap�. Sem tirar o t�nis,
certo? Quem vai tirar sou eu. E nada de passar desodorante no p�, hem?
Aqueles produtos ardem muito na l�ngua..." Minha risadinha terminou de
descontrair o cara. No olho dele dava pra perceber que tinha entendido.
Pude ver o brilho da vingan�a naquele olhar, Glauco!

-- E ele foi?
-- Que d�vida! Al�m de n�o ter escolha, estava era louco pra descontar o
que tinha engolido. Quem ia engolir agora era eu, depois de lamber at�
que o suor secasse junto com a saliva. Chupei uma rola quase t�o fedida
quanto o pez�o, mas acho que maior que o orgasmo dele foi o prazer
psicol�gico de me ver no ch�o, agachado na frente da poltrona, da minha
pr�pria poltrona, enquanto ele se refestelava e nem se dava ao trabalho
de desamarrar o t�nis. O cadar�o eu desatei com o dente, a biqueira eu
abocanhei at� descal�ar cada p�, a meia eu tirei com a l�ngua, com uma
ajudinha dos dedos na hora de soltar do calcanhar... mas o espet�culo do
cheiro sendo absorvido era invis�vel, Glauco, s� na imagina��o dava pra
notar aquela nuvem de fuma�a se afunilando e sendo tragada pelo meu
nariz, pela minha boca... como se fosse um ralo escoando uma banheira
cheia de �gua podre...

-- Que imagem, Nelo! At� parece que voc� � que � o poeta!

-- Que nada! Nesse ponto sou eu que tenho motivo pra invejar voc�.
Aposto que vai escrever um soneto contando a cena como se fosse
acontecida com voc�.

-- Talvez. Mas sempre faz mais efeito quando a gente conta a verdade,
n�?

Nelo n�o teve o que responder. Est�vamos os dois de pau duro s� de


comentar o fato. Isso bastava pra dispensar qualquer argumento.

///

[14] A SEMENTE SEMITA

O soneto 118 me veio quando reencontrei o bruxo argentino Alessandro


Melasor, que voltava a morar no Brasil ap�s uma temporada em Turim, onde
vivem seus pais. Na verdade Melasor n�o � argentino nem italiano, j� que
se considera um judeu errante. Al�m da cabala e outras especialidades
ocultistas, cultiva a fotografia como arte e como "investimento", visto
que, segundo ele, suas fotos podem ter boa cota��o no mercado futuro.
Fazia bom tempo que n�o nos fal�vamos. A �ltima vez tinha sido l� pelos
oitenta, nem me lembro o ano. O que lembro bem � das fotos que me
mostrou, pois naquela ocasi�o eu enxergava o suficiente para gravar na
mem�ria qualquer cena de humilha��o flagrada em detalhe. No caso, as
fotos n�o foram tiradas por Alessandro, mas por um colega israelense
chamado Samuel Kaptor, que lhas presenteara quando o bruxo o visitava em
Jerusal�m. Recordo o papo que tivemos enquanto eu estava sob o impacto
daquelas fotos:

-- Al�, eu nem acredito no que estou vendo! N�o me diga que o Kaptor
teve coragem de expor isso, e logo em Jerusal�m!

-- Nem todas. Esta e esta, por exemplo, n�o estavam na exposi��o. Esta
aqui saiu na imprensa pelo mundo todo. At� a VEJA usou pra ilustrar uma
mat�ria sobre prisioneiros palestinos torturados pela pol�cia
israelense, mas o agente do Shin Bet s� aparece do p� at� o ombro. A
revista corta a foto na altura do pesco�o, pra n�o mostrar a cara dele
rindo. Voc� chegou a ver?

-- Eu at� guardei aquela p�gina no meu arquivo de recortes, a cena n�o


ia me escapar. Mas voc� disse agente do qu�?
-- Shin Bet. � um servi�o de seguran�a, uma esp�cie de pol�cia secreta.
Voc� v� que o sujeito n�o usa farda, t� de roupa bem esportiva. A cara
dele n�o � mostrada justamente pra que a identidade do agente ficasse
preservada, mas tamb�m pra escapar do esc�ndalo...

Na foto, um robusto rapaz � paisana posa orgulhosamente pisando no


pesco�o dum adolescente palestino prostrado, cujo rosto est� voltado
para a c�mera. Percebe-se, pela cara de medo e pela posi��o da cabe�a,
que a v�tima recebe ordens, mandada olhar para c� ou para l�, ficar
nesta ou naquela posi��o, enquanto o p� do policial a subjuga e a
m�quina vai registrando. A m�o do moleque tenta impedir que o enorme
t�nis pressione seu rosto, mas nas demais fotos a sola cobre-lhe a boca,
deixando aparecer apenas os olhos assustados, ou ent�o, noutro
flagrante, a boca s� � focada quando a l�ngua se projeta para fora,
for�ada a lamber o t�nis agressor.

-- Isso deve ter aumentado a revolta dos palestinos, hem Al�? Como � que
o Kaptor se posiciona nesse conflito?

-- Ele n�o t� nem a�. Voc� n�o leu na VEJA o que ele falou? "Se voc�
quer viver seguro dominando um milh�o e meio de �rabes, algu�m tem que
fazer o servi�o sujo", alguma coisa assim. Esse neg�cio j� vem fedendo e
n�o � de agora. Pros palestinos o Shin Bet � uma verdadeira Gestapo,
essas fotos s�o s� um detalhe da orienta��o que os agentes recebem. Eles
sempre p�em o p� na cara de quem � pego nesses patrulhamentos noturnos.

-- Como assim? As instru��es s�o pra pisar de prop�sito? Quem foi que
disse?

-- O Samuel. O agente que posava contou pra ele. Acontece que na cultura
isl�mica a sola ofende muito mais que na nossa. At� sentar mostrando a
sola do sapato � um gesto ofensivo, quanto mais pisar na cara de algu�m!

-- Mas por qu� os israelenses t�m interesse em humilhar tanto? Isso n�o
serve s� pra agravar o �dio?

-- Ah, mas e a demonstra��o de for�a? E o efeito psicol�gico? Imagine a


vergonha desses palestinos depois de serem pisados, e imagine o medo de
quem ainda n�o foi pisado...

-- Ent�o ser fotografado � a vergonha das vergonhas! Foi bem cruel o


Kaptor nessa sess�o, hem Al�? O moleque ficou sem saber onde enfiar a
cara, agora que o mundo inteiro ficou sabendo onde teve que enfiar...

-- O Samuel se diverte � be�a, e ainda por cima fatura com as fotos. At�
j� comentei com ele aquela profecia do Isa�as sobre o dom�nio de
Israel... mas ele acha aquilo tudo um sarro, diz que n�o leva a s�rio.

-- Qual profecia? Aquela que localizei no Velho Testamento?

-- Isso. Onde foi mesmo?

-- Isa�as, cap�tulo 49, vers�culo 23. Li tantas vezes que at� decorei:
"...Reis ser�o os teus aios, e rainhas as tuas amas; diante de ti se
inclinar�o com o rosto em terra e lamber�o o p� dos teus p�s..." N�o sei
das vers�es hebraicas, mas acho que entram em mais pormenores...

-- Pode apostar. Sabe, Glauco, acho que eu e o Samuel somos daqueles


poucos judeus que n�o gostam de ficar posando de coitadinhos da
humanidade, de perseguidos, de escapos do genoc�dio... Pra mim a voca��o
do judeu � de dominar mesmo, e n�o tem conversa. Entre n�s se assume
isso e se pratica, mas em p�blico a maioria finge que se preocupa com a
igualdade racial, com os direitos humanos, e tal. Eu n�o preciso salvar
as apar�ncias, meu neg�cio � desvendar os poderes ocultos, voc� me
conhece, Glauco. E nesse campo n�o tem demagogia, os iluminados s�o os
reis que t�m um olho e est�o por cima da ral� cega, voc� sabe.

-- Se sei! O sadomasoquismo pode ser um jogo de livre arb�trio e m�tuo


consentimento, onde cabe at� a troca de pap�is, mas diante dum judeu n�o
resta qualquer d�vida: quando foi ele a v�tima, estava no papel errado;
quando for ele o carrasco, sempre vai estar no seu verdadeiro papel.
Pogrom, Holocausto, Intifada, � tudo acidente de percurso -- desastre de
percurso, pra ser mais exato. Mas a profecia de Isa�as � a corre��o da
rota, o rumo certo, o destino final e fatal.

-- Voc� reconhece isso porque � um masoca incorrig�vel, Glauco, mas n�o


d� pra comentar abertamente a coisa, j� que a humanidade n�o t�
preparada pra se conformar sem esc�ndalo, nem a cultura judaica pra se
aproveitar sem escr�pulo. Isso leva tempo. Mas por falar nesse seu
masoquismo, voc� j� chegou a cumprir a profecia, Glauco?

-- S� uma vez. Lambi o p� do p� dum judeu, se � isso que voc� pergunta.

-- E como foi?

-- Era um colega de trabalho. Funcion�rio novo na tesouraria, sem


experi�ncia. Fui encarregado de passar o servi�o pra ele e supervisionar
at� que pegasse pr�tica. Ele chegava a suar de nervoso quando contava
dinheiro vivo e fazia somas na calculadora. No fim do expediente, quando
o saldo batia, virava pra mim com aquele olho azul�ssimo brilhando e
abria um sorris�o de al�vio, quase babando de gosto. Antes de completar
uma semana, o fechamento dele deu diferen�a. N�o era o maior dos
desfalques, mas, pra quem ainda nem recebeu o primeiro sal�rio, d�i na
carteira. Que fiz eu? Cobri do meu bolso e disse a ele que n�o tivesse
pressa em me pagar. Claro que ele nunca mais tocou no assunto, at� que,
meses depois, perguntei se as contas estavam batendo. Ele me olhou feio
e desconversei, convidando prum jantar na cantina mais pr�xima. Por
minha conta, l�gico. Entre a salada e a massa, levantamos os copos e fiz
um brinde ao futuro dele, ao sucesso no emprego e ao azul da conta
banc�ria. A� falei:

"Um dia voc� vai ser meu patr�o, Nata, e pra mim vai ser uma honra se eu
puder engraxar seu sapato..."

"Ah, Glauco, quando eu contratar voc� n�o vai ser pra isso..."

"Eu sei. Pra isso eu nem tenho que ser pago. Fa�o por obriga��o, n�?"

"Voc� � que t� dizendo. Obriga��o por qu�?"

"Porque n�o sou judeu."

"N�o topo brincadeira com essas coisas, Glauco. Se voc� � gay n�o pode
ser racista..."

"E se voc� n�o � gay pode se dar ao luxo de ser racista, Nata. S� que o
inferior aqui sou eu, pra que negar?"
"Eu me considero seu amigo, s� isso. Mas se voc� quiser se humilhar o
problema � seu."

"Voc� n�o teria coragem de me humilhar?"

"N�o s� teria coragem como n�o teria culpa. J� humilhei outros viados,
mas n�o eram amigos."

"E se eu dissesse que sonho com isso?"

"Nesse caso vai ter sua chance de provar que sabe ficar por baixo."

-- E o Natanael abriu aquele sorris�o baboso de menino mimado, t�o doce,


t�o magn�tico, que at� disfar�ava o narig�o e desviava por um momento a
atra��o que o azul dos olhos dele causava na gente. Dali fomos pro meu
ap� e brindamos de novo, desta vez a todo o povo judeu espalhado pelo
mundo. Depois ele se recostou no sof�, meio tonto pelo vinho e pelo
licor, e ficou olhando com aquele olh�o azul enquanto eu me sentava no
tapete, segurava a perna dele e apoiava seu sapato no meu joelho, bem na
altura da boca. Deixei que ele apreciasse a engraxada e fiquei lustrando
o couro com a l�ngua, sem pressa, abrindo os olhos de vez em quando pra
conferir a express�o dele, o sorriso, o azul brilhando. Um �xtase que
permaneceu nos l�bios e nas pupilas do Natanael o tempo todo, at� depois
que eu j� tinha engolido a porra que flu�a daquela glande t�o bem
circuncidada. Enquanto passava a l�ngua na volta toda, sentindo a pele
lisinha como se o prep�cio nunca tivesse existido, n�o pude deixar de me
comparar e me desmerecer. At� minha circuncis�o n�o tinha uma tal
perfei��o, meu pau trazia a cicatriz irregular da cirurgia apressada,
feita junto com uma opera��o de varicocele, pra aproveitar a
anestesia... Quando ele se despedia, ainda achei palavras pra dizer que
sua porra era mais preciosa que o licor ou o vinho, j� que a chance de
repetir a dose seria m�nima.

"Nem tanto, Glauco, se voc� n�o for insistente. Deixa que eu decido
quando vou querer, e voc� vai ter outras oportunidades, certo?"

"Como voc� quiser... patr�o."

Ele arreganhou o sorris�o. Ser chamado a s�rio de "patr�o" era um sonho


que muito breve se realizaria na vida do Natanael. O meu j� estava
realizado. Por um momento, fiquei no lucro. Ao contabilizar esse balan�o
no papo com Alessandro, ganhei tamb�m um sorris�o do bruxo:

-- Se voc� fosse judeu, Glauco, os s�bios de Si�o que se cuidassem!


Teriam que lhe pedir licen�a...

E ca�mos os dois na gargalhada.

///

[15] O QUICHUTE DO QUICHUA

O soneto 926 me veio depois que peguei o Nelo de veneta e cobrei dele o
caso que me pisa no calo desde crian�a: saber se mais algu�m sente
atra��o por um p� chato igual �quele do moleque que abusara de mim
quando eu tinha meus nove anos e a turminha dele uns onze. N�o um mero
p� chato, claro, mas um daquele tipo espalhado, cujo ded�o � bem
separado do segundo artelho, e bem mais curto. J� vi tal formato sendo
chamado de "grego" ou de "eg�pcio", mas o r�tulo se refere ao menor
comprimento do ded�o, n�o necessariamente ao arco ca�do. Os pod�logos,
podiatras e ortopedistas ainda me devem uma nomenclatura que enquadre
especificamente a chatura combinada com o ded�o an�o e o largo v�o. Mas
se venho procurando um p� desses desde que fui seviciado por aquele
pivete, mais curioso fico em descobrir se outros pod�latras tiveram mais
chance que eu de cruzar com algo t�o raro na anatomia do brasileiro.
Dizem que os anglo-sax�es s�o mais propensos a ter p�s assim, mas meu
contato � com os pod�latras daqui, dos quais Nelo � sem d�vida o mais
experiente e -- por que n�o dizer? -- calejado.

-- Ah, Glauco, voc� sabe muito bem que p� chato n�o � "my cup of tea",
como diriam l� na Inglaterra. Mas j� pensei no seu caso. N�o � a
primeira vez que voc� me pergunta. Eu j� n�o lhe contei a respeito
daquele peruano?

-- Peruano? Voc� me disse uma vez que tinha "feito" um p� como eu quero,
mas s� falou por alto, ficou devendo a hist�ria. N�o falou de peruano
nenhum, mas agora n�o me escapa.

-- Deixe eu ver... S�o tantos casos... Ah, � verdade, foi um lance bem
do seu gosto, Glauco. Enquanto for contando vou me lembrando... Isso j�
tem uns oito anos, foi quando eu morava no Bixiga. Bem atr�s do meu
pr�dio ficava um corti��o que dava pra rua de baixo. Meu ap� era no
segundo andar e da janela dava pra ver e ouvir tudo que rolasse no
quintal do corti�o. Toda hora tinha marmanjo aproveitando o sol pra se
esticar, mostrando a solona descal�a. Muitas punhetas matinais eu toquei
assim, lambendo de longe aqueles pez�es desocupados e desperdi�ados...

-- Tinha muito p� chato?

-- Voc� tem raz�o, Glauco, de dizer que brasileiro n�o costuma ter p�
chato. Meu olho � cl�nico e de longe pego os detalhes. Quase sempre o p�
da rapaziada era arqueado e o ded�o mais comprido que os outros dedos,
mais "batatudo". J� os p�s grand�es, do jeito que eu gosto, sempre
apareciam, ainda que p� grande tamb�m n�o seja o forte do brasileiro.

-- Tamanho tamb�m � documento, bem lembrado. Gilberto Freyre que o diga.


Ele foi quem mais estudou nosso p� pequeno...

-- Mas n�o fez a pesquisa de campo que nem n�s, n� Glauco? Por falar em
sociologia, � aqui que entra o peruano. Ele me chamou a aten��o, antes
que eu visse seu p�, por causa do papo que levava com outro malaco, bem
na hora em que cheguei na janela. Estavam os dois sentados no p�tio, de
frente pra mim, de modo que tive que me esconder atr�s da cortina. Mesmo
assim deu pra escutar tudo direitinho. Ou eles se achavam impunes ou
eram muito desligados, j� que deviam ter mais cuidado pra comentar
aquelas coisas...

-- Que coisas?

-- Roubo de carro. Ele e o outro eram dum bando especializado em


arrombar qualquer coisa estacionada e repassar pros desmanches. Pois n�o
� que o peruano me viu espiando?

-- Mas voc� n�o tinha se protegido?

-- Sim, mas quando eles se calaram pensei que tinham ido pra dentro e
apareci na janela. Dei com ele me olhando direto, enquanto o outro j� ia
saindo. Nunca esque�o aquela cara de �ndio me secando, aquele cabelo
preto escorrido, a pele morenona, a boca de sapo e o olho meio puxado. A
franja at� dava um ar de moleque, mas o rosto maltratado e raivoso
mostrava que o cara tinha perdido a meninice antes do tempo. Sorrir pra
ele s� fez que me encarasse com mais desconfian�a. Vi que n�o ia dar
aproxima��o e sa� da janela. Mais tarde, quando voltei a me debru�ar pra
regar as plantas, o quintal tava ocupado pela molecada mais
descontra�da. Esqueci do �ndio, passaram uns dias, e de repente cruzo
com ele na cal�ada. O cara vinha na minha dire��o, meio mancando, parou,
como quem estivesse na d�vida se me reconhecia, mas me tra� quando sorri
de novo, automaticamente. A� ele chegou perto e fez que me conhecia.

"Ol�! 'Todo' bem?" (Ainda tinha um pouco de sotaque.)

"Tudo bem, vizinho, meu nome � Nelo, e o seu?" (Estendi a m�o e ele
apertou, sempre na defensiva.)

"Pablo. Voc� mora nesse edif�cio a�?"

"Isso mesmo. Vi voc� da janela, lembra?"

"Sim. Me 'escuch�' tamb�m, n�o?"

"Escutei, mas nem prestei aten��o. O que eu queria era olhar..." (Ele
percebeu que eu n�o tirava o olho do seu p�. Cal�ava botina de el�stico,
j� deformada de tanto bater. Parece que tinha o p� largo demais, porque
o couro tava torto pros lados, ainda que o tamanho fosse bastante pra
caber um quarenta e quatro folgado no comprimento.)

"Melhor pra voc� n�o ter 'escuchado'. Mas... que � que olhava?"

"Agora estou vendo mais de perto. Acho que voc� t� precisando de sapato
novo. Quer ganhar um par de t�nis?"

"Por qu�? Voc� tem sobrando? Mas n�o cal�a meu n�mero..." (Pelo jeito
ele tamb�m reparava no detalhe, apesar de que qualquer um perceberia que
meu p� era bem menor.)

"N�o, eu compro um novinho pra voc�, que tal? Em troca s� quero uma
coisa."

"J� sei, voc� gosta dum 'carajo', n�o gosta?" (A boca de sapo se abriu
num riso sacana, mostrando a dentu�a falhada e manchada de fumo.)

"Se for na boca, gosto. Mas o que mais quero � sua botina. Troca por uma
nova, ou prefere t�nis?"

-- Ele fez cara de quem come�ava a entender. Pra ter certeza provocou:

"Vai ter que tirar voc� mesmo. Tem coragem?"

"Tenho at� pra ag�entar as conseq��ncias, no nariz e na boca. E voc�, j�


experimentou essa coceguinha?"

"No p� nunca. Mas voc� faz aqui tamb�m, sen�o nada feito." (Deu uma
co�ada na braguilha da cal�a de jeans.)

"Fechado. Garanto que voc� n�o vai esquecer da minha boca, Pablo."
-- Toda a conversa rolou ali, quase na entrada do meu pr�dio. Marcamos a
hora e no fim da tarde ele tocava o interfone. Era daqueles pr�dios sem
porteiro, bastava comandar de dentro e a porta da rua destrancava
sozinha.

-- Voc� n�o achou arriscado abrir sua porta prum ladr�o?

-- Claro. Mas era um risco calculado. S� quest�o de cumplicidade,


Glauco. Ele chegou trazendo alguma coisa numa sacola de supermercado e
foi logo perguntando o que � que eu tinha escutado, e fui logo
respondendo:

"Olha, Pablo, eu sei que voc� � puxador, mas n�o tenho nada com isso. Se
voc� n�o estranha meu v�cio, eu n�o estranho seu neg�cio, e tamos
conversados."

-- Ele repuxou a boca de sapo e, vendo que eu reparava na sacola, tirou


de dentro um par de chuteiras e explicou que, sem a botina, s� sobrava
aquilo pra cal�ar at� que ganhasse o pisante novo. Aproveitou pra dizer
que preferia levar a grana e comprar ele mesmo, no que concordei. A
partir da� foi s� hora do recreio. Acomodei o mesti�o naquela poltrona
capitonada que faz conjunto com a banqueta, uma que voc� j� experimentou
l� em casa, e avisei que o ritual levava um tempo, at� que eu tivesse
curtido todo o cheiro e saboreado todo o gosto. Ele n�o dizia nada, s�
entortava o bei�o pra mostrar a dentu�a banguela. Escarrapachou as
pernas na banqueta, cada p� numa beirada, e comecei pelo esquerdo. A
botina custou a sair, porque a meia tava grudada pelo suor. Glauco, voc�
ia delirar com o chulezinho! Parecia uma lata de lixo destampada. Pablo
usava meia de futebol, toda furada, que lembrava um trapo de ch�o.
Descolei aquilo com a l�ngua, depois de puxar com a m�o, bem devagar, da
canela at� o calcanhar. S� ent�o percebi por que ele mancava: o pez�o
era largo demais pra f�rma da bota, o calo e a unha encravada tinham
virado parte da anatomia. Ah, precisava ver a cara de deleite dele
enquanto eu dava um trato naqueles pontos doloridos! A sola tamb�m tava
cheia de malacas, mas nunca vi uma t�bua de bater carne t�o plana como
aquilo... Minha l�ngua parecia uma esponja, esfregando pra l� e pra c�,
at� remover a camada toda de umidade e a crosta de sujeira. Banho � o
termo certo pro que dei naquele p�, principalmente no meio dos dedos.
Acho que o ded�o tinha uns dois cent�metros a menos que o "fura-bolo",
era do jeito que voc� fantasia, Glauco. Claro que deixei aquele
"mata-piolho" pra ser chupado por �ltimo, assim que a frieira do
mindinho e as gel�ias de cada v�o estivessem bem "higienizadas"... e
quando meti na boca at� achei que o ded�o n�o era t�o grande pro tamanho
do p�. A explica��o era aquela mesma: curto demais, diferente das
batatonas que estou acostumado a mamar. E por falar em mamada, ser� que
preciso entrar no departamento dos cheiros e queijos de pica?

-- N�o, Nelo, nem fa�o quest�o. S� quero ficar viajando nessa lancha, me
mordendo de inveja...

-- Ent�o s� falta falar um pouco da chuteira que Pablo tinha trazido.


Era bem detonada, tamb�m, j� que ele usava desde quando chegou no
Brasil, sonhando ser jogador. Com aquele p� de pato, logo viu que a
carreira esportiva tava fora de cogita��o, mas a chuteira ficou
guardada. Toda preta, lembrava aquelas de sola de borracha que a gente
conhecia como "quichute", lembra?

-- E como? Eu vivia lambendo com os olhos as dos moleques que brincavam


no campinho perto de casa... Mas essa � outra hist�ria. E as botinas do
Pablo? Foram bem aproveitadas?

-- Renderam pra mais de m�s de punheta, daquele jeito que mais curto:
uma no pau e outra na boca. Depois perderam o cheiro, o sinal de vida, e
tamb�m a gra�a. Foram direto pro lixo, onde j� deviam estar faz tempo.
As meias tamb�m. Dei ao Pablo um par das minhas, fiquei com aquele mei�o
pra ir cafungando nele durante as punhetas, mas a ess�ncia logo se
evaporou, que nem alegria de pobre...

-- Nelo, se voc� encontrar de novo com o Pablo, tem que me fazer um


favor...

-- Nem precisa dizer. Claro que eu recomendaria seus pr�stimos. Mas vai
ser dif�cil, tanto tempo depois que me mudei. Nem imagino se o cara
ainda t� no Brasil, nem se t� vivo. Calcule, Glauco, essa malandragem �
muito n�made, s� tem endere�o fixo quando passa uma temporada na
cadeia...

-- Eu sei, s� estou devaneando. N�o � proibido torcer, n�?

-- S� n�o d� pra torcer pelo Pablo vestindo camisa dalgum time.

-- D� sim, desde que eu fosse o massagista...

Nelo fez bilu-tet�ia na minha bochecha e recomendou que eu chupasse meu


pr�prio polegar. Da m�o, bem entendido.

///

[16] LI��O DE CASA

Um soneto como aquele "Escarmentado" (1002) me veio ap�s uma visita de


Carlos Carneiro Lobo, a quem costumo mostrar na estante os t�tulos que
mais freq�entemente me inspiram, pedindo-lhe que mos releia nas p�ginas
assinaladas com apontamentos � margem. Compuls�vamos os volumes da s�rie
que Winston Leyland editara na Gay Sunshine Press sob t�tulos variados
mas mantendo o subt�tulo de TRUE HOMOSEXUAL EXPERIENCES, nos quais foram
recolhidos os depoimentos e as entrevistas que sa�am no magazine STH
(STRAIGHT TO HELL) de Boyd McDonald. O que estava em pauta era
justamente a autenticidade de tais relatos. O fidedigno contista de
HIST�RIAS NATURAIS e de GEOGRAFIAS HUMANAS era cauteloso:

-- N�o sei, Glauco, � complicado separar o que seriam confiss�es �ntimas


e o que n�o passaria de fantasia masturbat�ria.

-- Mesmo assim, parto do princ�pio de que a mera probabilidade de ser


veross�mil tudo que � ver�dico (e vice-versa) j� basta pra que toda
punheta seja satisfat�ria a partir dessas leituras.

-- Nesse ponto n�o tenho o que discordar. Mas o estoque de pervers�es �


t�o variado (ou t�o repetitivo, dependendo do ponto de vista) que at� o
leitor experiente pode ficar meio perdido quando se trata de distinguir
a parcela mais �bvia das hist�rias fantasiosas.

-- Ah, mas d� pra pegar quando a coisa � meio for�ada... Quer ver?
Confira a� no primeiro volume aquele depoimento do pod�latra lambedor de
t�nis. Um que t� marcado em vermelho.
Carlos foi folheando at� achar. Leu em voz alta e num tom afetado de
locutor comercial: "Here is my true story of when I attended a mid-Texas
university and was a sneaker slave to a basketball player. In my last
year at the university I was fortunate enough to have as a roommate a
tall basketball jock. At first I was afraid to approach him but finally
told him I 'loved' his big Converse sneakers. After some small talk I
asked him if I could tongue wash his sneaks. He said, 'Get to it freak.'
He stretched out on a chair while I got on my belly and cleaned his big
size 14s clean. He was not much of a basketball player, had average
looks but big feet. I of course cleaned his sneakers anytime after that.
His friend was in the R.O.T.C. and brought his boots and shoes to me to
be spit shined every 2 weeks. This guy was all military & demanded
nothing but the best. Often he told me they were not done good enough
and I had to spend many long hours servicing his boots & shoes. I of
course did without a whimper. They did not ask for any sex, except two
times, when they came in the room a bit tipsy & the military guy ordered
me to 'blow me you fag', while the basketball jock would jack off. I
really miss that place. I still have a pair of his size 14 sneakers
which I begged him to give me before I left school. Since then I have
had to lick hustlers" sneakers." (85)

-- Reparou, Carlos, que tudo parece fiel aos fatos? E por qu�? Porque
nem tudo corre como o depoente quer, e tudo ocorre no m�ximo a tr�s. Uma
das pistas pra detectar se o cara exagera ou inventa � a quantidade de
personagens ou de orgasmos. Muita gente ou muito gozo j� d� pra
desconfiar, ainda que o caso em si tenha fundamento. Agora leia um que
n�o me convence muito. Aquele que tem um cart�o marcando a p�gina, a
hist�ria do professor que foi vendido como escravo.

Carlos recolocou uma brochura na estante, pegou outra, abriu, pigarreou,


imprimiu mais comicidade ao timbre met�lico dum narrador de radionovela
e leu: "Two rough-looking H/D riders saw me standing in the station and
offered me a ride. I was roared down the highway to a garage-like
stable, stripped, blindfolded with a rubber section over which a gas
mask was placed with a tube going into my mouth. My hands were chained
to beams overhead, and I was whipped with belts on my back and butt and
felt liquid pouring down the nozzle into my mouth. I realized it was
piss and voices told me many more bikers were now present. Leather and
chains with weights were attached to my sex parts, and I felt hands
pulling the hair under my arms, around my cock and rectum. Then an
intense tingling heat made me realize my hair was being burned off.
Several times my legs was raised, and I was fucked. I must have had
several quarts of beer piss forced into my mouth. A sharp pain shot
through my ears as they were pierced and rings inserted. My tits were
pierced and rings put in and thumb tacks studded my ass prior to intense
beating with studded belts. I awakened next morning to find a fine
looking boy ready to take me to L. A. on his H/D. Only later did I see
the words MALE and WHORE on each side of my butt. When he dropped me
off, he said, 'We know your name, address and employer, and we have
pictures of last night, so don't try anything ever against us.' The
brand gradually wore away and my tits healed. From time to time I am
sold for sex by one or the other of the several who send someone through
town. An odd experience for a Phi Beta Kappa who had planned to be a
priest and is a sedate college professor! But I am advertised by these
guys as a supreme peace of ass. At least six have sold me at times. One
has made over $1,000 on me. For a full professor to be sold to anyone at
any time is degrading, yet exciting."

-- Ent�o, Carlos, sentiu a diferen�a? Mesmo sabendo que os americanos


levam a s�rio a cena sadomasoquista e que as gangues de motoqueiros t�m
seus rituais de orgia, fica dif�cil acreditar que um professor
universit�rio sa�do dum ambiente t�o conservador se preste a tal papel.
Sem falar que ele n�o perde a chance de lembrar que o motoqueiro era
bem-apessoado, pra n�o dizer um gat�o. Ora, ao menos confessasse que os
caras eram todos feios, sujos e malvados! Quem sabe assim a coisa
pareceria mais plaus�vel, hem?

-- Voc� t� observando bem, Glauco, mas o fato em si n�o � t�o absurdo,


n�o. Aqui mesmo sei dum caso parecido.

-- De motoqueiros raptando um professor? Onde?

-- N�o de motoqueiros, mas dum professor que foi seq�estrado pela gangue
dum ex-aluno. N�o lhe conto em detalhe porque quem sabe de tudo � o cara
que me falou disso por alto. Se quiser ponho voc� em contato com ele.

Claro que eu quis, mas o contato foi s� por fone. Recomendado pelo
contista, meu nome foi digno da confian�a de Jorj�o, hoje pai de
fam�lia, que na adolesc�ncia tinha participado da gangue. Aos poucos o
sujeito foi se abrindo e logo se imbuiu do meu esp�rito l�dico e c�nico
no trato desses assuntos submundanos. Digamos que a hist�ria pudesse ser
desfiada numa �nica liga��o e fa�amos de conta que o papo tenha rolado
assim:

-- Voc� tava no grupo desde o come�o?

-- Isso. Primeiro era s� o Davidinho, o irm�o dele, Dami�o, e mais dois


caras, o Caval�o e o Bugre, mas quando deram o nome de SATANAZI eu j�
tinha entrado junto com mais uns cinco.

-- Todos da mesma escola?

-- N�o, uns eram ex-alunos, outros nem tavam estudando.

-- Quem tinha id�ias mais sat�nicas? Quem era nazista?

-- Tudo era da cabe�a do Davidinho. A gente at� brincava que ele � que
devia ter o nome do irm�o: Dami�o. Por causa do Damien, aquele filho do
Diabo no filme A PROFECIA, saca? Mas o Dami�o acabou saindo logo da
turma, porque n�o tava a fim de barbarizar nem de vandalizar. Acabou
entrando pra aeron�utica, agora deve ser piloto. J� o David foi parar l�
pras bandas da fronteira paraguaia, acho que entrou pra pistolagem. Ele
sempre foi maluco e revoltado, com mania de vingan�a. Tudo pra ele era
acerto de conta, desforra, lei de Tali�o, essas coisas. Ele queria rir
por �ltimo em tudo e ainda comprar a briga dos outros. Sempre se achou
um justiceiro, mas a lei dele era a crueldade, n�o tinha nada de
positivo.

-- E por que voc� acha que ele ficou assim?

-- Sei l�, vai ver que � porque ele era mais raqu�tico que a gente. O
que tinha de mi�do tinha de ruim. Parece que apanhou bastante quando era
crian�a, em casa e na escola. Naquela �poca era meio bobinho, todo mundo
pensava que era marica. At� ganhou apelido de "Daviadinho". Tinha que
ag�entar goza��o e pancada, porque ningu�m aceitava o cara em nenhuma
turma e ele n�o podia se defender sozinho. Acho que dar o cu ele n�o
deu, porque no fundo ele n�o tinha tend�ncia pra ser bicha, saca? S� era
mesmo zoado, ningu�m deixava em paz um pirralho daquele. Se reagia,
apanhava porque reagia; se n�o ligava, apanhava pra se ligar. S�
conseguia tr�gua quando desenhava pros colegas.

-- Desenhava? Pra qu�?

-- Aula de educa��o art�stica. Ele tinha que fazer o trabalho dos outros
pra ser poupado. Era o �nico que tinha queda pra essas coisas, mas
depois deixou pra l� porque n�o achou incentivo. Quando passou dos dez e
mudou de escola, come�ou a ficar mais esperto e j� liderava uma turminha
da pesada. Percebeu que tinha intelig�ncia pra mais arte que a do
desenho, saca? Juntou uns caras mais troncudos e mais burros que ele e
passou a infernizar s� com a influ�ncia que tinha. Qualquer coisinha, e
ele mandava os capangas fazerem um "servicinho" nos inimigos. A partir
da� come�ou a bolar o grupo de sadistas e a escolher as v�timas.

-- Voc� se considerava menos inteligente que o Davidinho?

-- N�o, Glauco, eu n�o era s� m�sculo, n�o, nem os outros membros do


SATANAZI, mas quem tinha as id�ias primeiro e quem pensava em tudo era
ele. Imposs�vel querer discutir com ele a respeito de m�todos de
tortura, de atrocidades de guerra, de crimes hediondos ou de taras
esquisitas. Ele j� tinha lido tudo que se podia achar em livro, jornal,
filme, gibi...

-- E quem eram as v�timas? Que acontecia com elas?

--Quase sempre algu�m das outras turmas. Mas tamb�m tinha algum namorado
novo duma menina que dispensou colega nosso, ou algum irm�o que tentasse
proteger a irm� caso ela fosse currada pelo grupo ou escolhida como
garota dum de n�s. O �nico adulto bem mais velho que ficou cativo nosso
foi mesmo o professor Haroldo. Os moleques a gente segurava s� umas
horas e torturava, mas o Haroldo ficou em nosso poder a noite inteira e
depois mais vezes.

-- Como eram as torturas?

-- Ah, a gente sempre amarrava. O Davidinho tinha verdadeira fascina��o


por corda e corrente. Descolou at� algema e morda�a. A gente campanava a
v�tima at� tocaiar sozinha no caminho. A �rea era muito descampada, como
toda periferia braba. Lev�vamos o cara pruma f�brica abandonada na beira
do rio, onde o capim era t�o alto que, al�m de n�s, ningu�m chegava
perto, s� de medo das aranhas. Ali�s, a gente usava at� as aranhas na
tortura. Tinha que ver, Glauco, que del�cia assistir o desespero do
moleque amarrado quando sentia aquelas bichonas peludas e pernudas
andando no corpo pelado e amarrado! Us�vamos tamb�m cobra, centop�ia...
e teve neguinho que saiu picado, precisando de socorro e de ant�doto...

-- Mas e as torturas sexuais? Rolava muita coisa?

-- S�! Chupar rola e ser enrabado era rotina. Melhor ainda quando o cara
era obrigado a beber mijo e comer merda. O Davidinho fazia quest�o de
"cantar o jogo" antes, durante e depois, escolhendo quem ia cagar na
boca de quem. Ficava assistindo e dando as instru��es. S� no caso do
professor fez quest�o de fazer tudo pessoalmente.

-- Que foi que o sujeito fez pra merecer esse tratamento privilegiado do
Davidinho?

-- Reprovou o cara. S� isso. Ele dava aula de matem�tica, e o Davidinho


odiava matem�tica. Haroldo quis bancar o dur�o e n�o deu colher de ch�
pra ningu�m da classe. Corria a fama de que naquela sala estavam os
piores elementos do col�gio e o Haroldo achou que ia dar exemplo de
disciplina s� porque controlava as notas duma mat�ria dif�cil...
Coitado, n�o sabia com quem tava mexendo! A vingan�a foi tramada com
bastante anteced�ncia, porque nosso grupo nem tava formado ainda. S�
dali a dois anos foi que conseguimos armar uma cilada pro Haroldo e
capturar o bich�o. Foi assim: Davidinho descobriu que o sacana tava a
fim duma aluna. Era uma menina mais velha que as outras, mais atrasada
no curso, mas muito gostosa. Haroldo facilitava as coisas pra ela. Tudo
n�o ia passar dum casinho de prote��o e de cama se a gente n�o entrasse
no meio. Enquadramos a Gisela e ela n�o teve escolha: ou nos ajudava a
castigar o Haroldo, ou a currada seria ela. Pra falar a verdade at� que
ela j� tinha passado pela cama do Davidinho, mas alguma coisa n�o
encaixou, o neg�cio n�o foi pra frente, e isso s� aumentava o gostinho
dele em dar um corretivo no Haroldo. Assim, quando o professor achou que
a Gisela ca�a na rede, era ele quem ca�a na nossa. Gisela aceitou passar
um feriad�o com ele mas sugeriu uma casa de praia que era da tia dela e
vivia fechada. Desceram pra Mongagu� no carro dele e, quando chegaram,
n�s j� est�vamos na casa. Haroldo nem teve tempo de desconfiar. A casa
era meio afastada, sem movimento por perto, e ficamos bem quietos l�
dentro at� que os dois entrassem. S� quando o Haroldo viu meu trezoit�o
� que entendeu tudo, mas a� j� era tarde. Levado pro quarto, foi
amarrado e jogado num colchonete no ch�o. A gente j� tava comemorando a
cara de pavor dele quando o Davidinho pegou todo mundo de surpresa
dizendo que "Agora � s� eu e ele. Voc�s v�o dar um rol� por a� e voltam
daqui a duas horas. Depois eu deixo quem quiser tirar uma casquinha
dele." Fiquei s� eu na sala, montando guarda, e a turma saiu com a
Gisela na perua do Haroldo. Dali escutei a voz do Davidinho dando ordens
pro Haroldo e rindo. Haroldo nem falava, porque a primeira ordem foi
manter bico calado pra n�o apanhar ainda mais. Davidinho n�o quis
amorda�ar porque "precisava da boca dele livre pra trabalhar". Haroldo
s� ficou escutando e obedecendo: "E a�, v�io? Meu p� t� pesado? Cala a
boca, n�o mandei responder! E n�o quero grito! Tem que ag�entar quieto,
sen�o n�o sai daqui vivo! N�o vira a cara, olha bem pro meu p�! T�
doendo? Beleza, assim que eu quero! Agora beija! Eu chuto e voc� beija,
isso! Agora lambe! Anda, passa essa l�ngua na sola! N�o t� vendo como
esse t�nis t� sujo? Trata de limpar! Agora chupa o bico! Engole tudo,
que meu p� cabe na sua boca!" Dali a pouco dava pra ouvir o Haroldo
engasgando com o mijo do Davidinho. "Tem que engolir! Se cuspir apanha!
Agora vai passando a l�ngua na cabe�a! At� limpar tudo! Isso... isso...
Babaca! Quem pensa que �, o gostos�o do peda�o? Sente o gosto da rola!
Chupa fundo! E a�? Acha pequeno agora? Quero ver achar pequeno agora!"
Parecia que o Davidinho tava montado na cara dele, porque o cara s�
resmungava abafado. Davidinho gozava dando gargalhada, era um cacoete
dele. Riu � be�a, depois foi aquele sil�ncio e a voz do Davidinho falava
mais baixo: "Isso, limpa bem! Hoje o papel higi�nico tava no fim e n�o
deu pra limpar tudo... Voc� completa o servi�o, vai! Mais fundo! Mexe
essa l�ngua, porra! A�, agora senti firmeza!" Mais um tempo, e Haroldo
gemia de novo. Estalavam uns tapas, umas soladas, e os gemidos paravam.
Quando Davidinho abriu a porta e me deixou ver o Haroldo, o corpo dele
tava todo marcado, queimado com ponta de cigarro, arranhado pela areia
do t�nis, fedendo de mijo. Dava vontade de cuspir de nojo. Cuspi bem na
cara dele. "Faz que nem eu", disse o Davidinho, "Escarra dentro da boca
e manda engolir!" Quando os outros voltaram, eu e Davidinho lanch�vamos
na cozinha e o Haroldo estava amorda�ado no quarto, todo mijado e
machucado. Risada geral, at� da Gisela, e tome mais porrada. Passamos o
resto da tarde e da noite assim, entre a praia e a casa, entre foder a
Gisela e zoar o Haroldo. Na manh� seguinte subimos a serra e deixamos o
cara l�, s� meio amarrado. Ficou avisado pra nem pensar em entregar a
gente, sen�o a pr�xima sess�o teria um cad�ver amarrado e mijado em vez
dum professor de matem�tica vivo e saud�vel, pronto pra outra. Se o cara
aproveitou a li��o, n�o sei. S� sei que, passado um tempo, cruzou com o
Davidinho, que riu na cara dele e falou: "E a�, v�io? T� com saudade do
gostinho? Da pr�xima vez minha sola vai estar menos suja, t� legal? Vou
lhe dar um refresco. Como voc� n�o deu queixa e ficou na sua, daqui pra
frente vai apanhar menos e vai sair um pouco mais limpo. Que tal? N�o
acha que sou bonzinho?" David me contou que o sangue subiu na cara do
Haroldo, mas mesmo vermelho de vergonha e raiva ele n�o disse um "a",
nem reagiu quando, uma semana depois, Davidinho e eu esperamos no port�o
do col�gio at� que ele sa�sse. Teve que nos acompanhar, de "livre e
espont�nea vontade", at� a quadra coberta onde os alunos praticavam
esporte. Naquela hora da noite quase ningu�m ficava por l�, e Davidinho
p�de se trancar com Haroldo no vesti�rio enquanto eu e o Bugre d�vamos
cobertura do lado de fora. Davidinho contou que dessa vez Haroldo tava
bem mais manso e "colaborou" em tudo, recebendo o castigo sem
estrebuchar nem resmungar. Acho que foi justamente por isso, pelo
conformismo do Haroldo, que Davidinho perdeu o gosto em castigar depois
da terceira ou quarta sess�o. Sorte do professor, que recuperou aquele
seu pique pra dar as aulas. A alunada j� vinha notando que o Harold�o
andava meio abatido, parecia adoentado, mas logo sentiram que "sarou" e
voltou � antiga forma, dur�o como sempre. Pelo jeito, todo mundo ficou
mais calejado com aquele exerc�cio de humildade, hem, Glauco? At� o
Davidinho dava impress�o de estar menos revoltado, mais tolerante com
todo mundo... Engra�ado, n�?

-- Olha, Jorj�o, voc� tocou num ponto bem curioso. Por que ser� que o
ser humano gosta de se comparar pra ver quem sofre menos ou quem goza
mais? Parece que o gozo n�o funciona sozinho, s� quando leva vantagem em
cima da concorr�ncia, n�o acha?

-- Pois �, Glauc�o, e se n�o fosse assim o grupo SATANAZI nem teria


existido...

///

[17] CANIL ESTUDANTIL

Sonetos como aqueles, "Amestrado", "Doutrinado" e "Domesticado" (647 a


649) me vieram na �poca em que o contista Carlos Carneiro Lobo relia em
voz alta, durante suas semanais visitas, trechos das TRUE HOMOSEXUAL
EXPERIENCES editadas por Winston Leyland na Gay Sunshine Press,
reaproveitando o material recolhido pelo fanzineiro Boyd McDonald entre
os leitores de seu zine STRAIGHT TO HELL. Quando as sess�es de leitura
chegaram ao volume que cont�m depoimentos sobre trote de calouros nas
universidades norte-americanas, lembrei que j� os tinha transcrito no
ensaio hist�rico O CALV�RIO DOS CARECAS. Dois daqueles relatos detiveram
a aten��o do autor de HIST�RIAS NATURAIS e de GEOGRAFIAS HUMANAS:

-- Voc� reparou, Glauco, como os casos americanos parecem bem mais


fortes que os brasileiros inclu�dos no seu livro? Estes dois contam
coisas que s� s�o parecidas com o que acontecia em Piracicaba, mas voc�
quase n�o fala da Luiz de Queiroz...

-- N�o falo porque n�o consegui os detalhes. Eu sabia que na ESALQ a


calourada era troteada com mais dureza que em qualquer outra faculdade,
mas ningu�m atendeu quando contatei as rep�blicas pedindo depoimentos...
-- D� pra entender: ningu�m quer se expor. Mas posso lhe garantir que as
rep�blicas da ESALQ s�o o cen�rio mais parecido com o duma "fraternity"
americana. O mesmo ambiente de ma�onaria, os mesmos rituais secretos, e
ao mesmo tempo aquele clima de farra, de orgia, t�pico da molecada
universit�ria que n�o leva a s�rio essas formalidades.

-- Voc� soube de algum caso igual aos americanos?

-- Sei de um que me lembra estes aqui...

-- Quais? N�o quer reler?

-- Tem este do gay enrustido que entrou pruma confraria s� pra poder ser
currado sem se comprometer:

"In 1965, I desperately wanted to join a college fraternity just for the
opportunity to be disciplined, humiliated and put through 'Hell Week.'
My interest in bondage/discipline as well as my homosexual interests
could both be explored without appearing to be gay. I had heared lurid
rumors of hazing and degradation during the '7 Days of Hell' and I
wanted very much to be dominated. The fraternity was made up of 25
actives and 5 pledges. As a pledge, I was assigned to 5 actives. I was
to do their bidding for the whole semester, provided that I passed Hell
Week. During Hell Week the house was off-limits for outsiders; the
actives had no dates or social outings. Instead, they played out their
sexual fantasies on the 'slave' pledges. And indeed we were their slaves
for the week. Blindfolds were issued and our clothes stripped. We were
not allowed to stand and quite often our hands were tied. Only three
hours of sleep was permitted each night. We could not use our hands when
eating but were issued food in a bowl on the floor. Breakfast was always
the same -- we knelt at the urinals which had our breakfast, consisting
of a pile of corn flakes liberally soaked with piss. The foul odor of
the actives' early morning piss made us almost throw up. Paddling was
administered until we finished. It was an unbelievable experience.
Today, I still welcome that experience. The actives cut loose with loads
of foul piss onto the corn flakes when our blindfolds were in place. We
had 30 minutes to clean up every morcel of cereal and EVERY drop of
piss. Verbal abuse also accompanied breakfast. Hell Week was long and
tiresome. Our asses were red and sore. The final evening, Saturday, each
pledge was put over a sawhorse and securely fastened. The blindfolds
were put on again. A liberal amount of Vaseline was rubbed in each of
the 5 assholes. I felt pressure on my asshole and just as I was ready to
yell a cock was stuck down my throat. In an instant, I was being fucked
by two of my brothers. As each climaxed and withdrew, another active
took his place. After an hour we were released and with a formal ritual
we were accepted into the fraternity. I had to do the bidding the
remaining part of the semester for my 5 actives. But it was generally
light chores, laundry, etc., with paddling once a week. No further
sexual abuse was conducted. I never knew whose cocks fucked me during
the initiations."

-- N�o me diga que em Piracicaba rolava coisa desse tipo!

-- N�o chegava a tanto, Glauco, mas n�o � a suruba final que conta aqui,
� a comida servida no ch�o e os bichos comendo sem usar as m�os, fora o
abuso sexual, �bvio. Repare agora neste outro caso, como a coisa se
concentra na implic�ncia entre um veterano e um calouro em particular:
"I am glad there is a publication which gives me the chance to tell of
an experience I had as a pledge to a fraternity at Brown University.
Before initiation we all had to spend some free hours each week working
at the frat house -- serving meals, cleaning and generally catering to
the whims of Brothers. For any mistake we would 'assume the position' --
bent over to get our asses whacked with the paddle. None of the members
but one would paddle us on the bare ass so we wore heavy pants and
several pairs of undershorts and the beatings were not so bad. But the
one guy, Randy, was a mean bastard and would make us drop our pants and
shorts and beat our naked tails till we yelled. He seemed to pick on me
especially because I was taller than the others and than him. One night
I was supposed to clean up supper dishes while everybody went out to
some bash. When I thought they were all gone I grabbed a beer, which was
forbidden, and sat down to watch television. Suddenly Randy came back.
He caught me red-handed, called me a 'fucking sneak,' and told me to
fetch the paddle. As I walked from the room he almost lifted me off the
floor with the hardest kick in the ass I ever got. When I came back with
the paddle I was scared shit. He told me to bare my ass and bend over.
Then, did he ever blister my hind end with that paddle, I screamed and
cried, begging for mercy. But he wouldn't stop. My ass went from pain to
numbness, till I couldn't stand it and jumped away. We argued and he
told me if I was chickenshit I could get the hell out and forget about
the fraternity. I didn't want that or for him to get the best of me so I
apologized and decided to take anything he dished out. He made me strip
altogether and then marched me bareass upstairs, smacking my already
sore behind all the way up. He tied me hand and foot on a bed and lit a
candle. First he teased the soles of my feet with the flame, threatening
to really burn them. They did burn once or twice and I let out a howl.
He ran the lighted candle up my legs to my groin and set my cock hair on
fire. He would put it out when the flames grew big but by the time he
finished practically all my manly hair was singed to stubble. He turned
me over and I thought he was going to tan my ass some more but instead
he spread my hind cheeks and started dropping hot wax from the candle on
my asshole. Many didn't hurt but a couple of real hot drops hit my
sensitive tail pipe right on target and made me jump. At last he asked
if I was ready to obey and I said yes so he untied me and made me get on
my knees and take his cock in my mouth and suck on it. I was never so
humiliated in my life. There were tears running down my face as he
ground his hips and dug his prick deep into my throat. All the time he
was calling me 'Cocksucker' and 'Fag' and saying 'Suck it, Mary.' The
only thing I was spared was his coming in my mouth because I choked and
gagged and turned red so he slapped my face and told me to get
downstairs, put on my clothes and get back to work. On the way
downstairs he booted my ass again and almost sent me sprawling. The
initiation that came some weeks later was also a pretty bad time."

-- Que � que voc� v� de comum nesses dois casos? Neste aqui a sess�o de
tortura e de sexo n�o � coletiva nem an�nima como a bacanal da outra
confraria.

-- S�o detalhes, Glauco. Repare na obriga��o de trabalhar como criado,


lavando lou�a, fazendo faxina, e ao mesmo tempo a posi��o de animal, de
quatro.

-- Que � que tem? Isso � constante, os calouros sempre s�o tratados como
bichos e t�m que servir de escravos, n�o s� na hora do sexo ou da
brincadeira.

-- � que foi justamente essa coincid�ncia o ponto que marcou o trote


daquele estudante da ESALQ. Ele entrou na agronomia na d�cada de 70, em
plena �poca da ditadura. Voc� mesmo observa no livro que o regime
militar incentivava a arbitrariedade e a impunidade dos veteranos. Pois
o caso dele d� mesmo essa impress�o, de que n�o adiantava reagir nem
denunciar.

-- Voc� tem todos os detalhes? D� pra lembrar?

-- D�, sim. Foi o pr�prio aluno quem me contou, e n�o escondeu nada. Vou
tentar ser fiel. A rep�blica se chamava Agrurapura. Voc� sabe que l�
todas as rep�blicas t�m nome e fama: uma � a Kantagalo, outra a
Jacarepagu�, outra a Sobrad�o, e assim por diante. A Agrurapura tinha,
como as outras, a tradi��o de "ralar" os bichos no auge do trote, quando
come�ava o ano letivo, mas no dia-a-dia do meio do ano ningu�m de fora
imaginava como era a vida do calouro. Pois bem: o Ot�vio chegou a
Piracicaba sabendo do folclore em torno dos trotes inaugurais, mas
ignorando a rotina interna das rep�blicas. Estava preparado pra passar
pela fase pesada, igual �quela "semana infernal" das "fraternities", mas
achava que o sacrif�cio acabava ali. Quis logo se enturmar com os
"doutores" (como os veteranos querem ser chamados), e esse foi seu erro.
Ot�vio vinha duma cidade menor, onde tinha morado com os pais numa casa
enorme, com muitos cachorros no quintalz�o. O casar�o da Agrurapura
tamb�m era espa�oso, com quintal, mas ningu�m tinha tempo pra cuidar de
cachorro. Ot�vio caiu na asneira de sugerir que a rep�blica adotasse um
mascote, que ele se prontificava a criar. Ah, pra qu�? Os veteranos
simplesmente responderam: "Boa id�ia! O cachorro vai ser voc� mesmo!" E
a partir daquele dia o novato teve que se comportar como c�o. S� na hora
do estudo ou quando tivesse que sair ele podia ficar vestido como gente,
andando e falando normalmente. Nas horas vagas, quando n�o estava
escalado pra algum servi�o dom�stico, era obrigado a ficar de quatro, s�
de cueca e camiseta, �s vezes sem nada, engatinhando pela casa ou
amarrado por uma coleira, comendo no ch�o e s� latindo em vez de falar.
Esse tipo de "condicionamento" n�o era nenhuma novidade, j� que todos os
bichos passam por algo parecido durante os trotes, principalmente na
hora das refei��es. Como toda rep�blica, aquela tinha uma mesa tamanho
fam�lia na sala de jantar e, quando os "doutores" se sentavam pra comer,
sempre tinha um ou mais calouros servindo e outros de quatro no ch�o,
catando com a boca os nacos que algu�m jogasse. O mais comum era a
"mastiguinha". Sabe o que �?

-- Sei. O veterano enche a boca, �s vezes mistura a comida com p�o, com
bebida, mas n�o engole: cospe a massa no ch�o e o bicho tem que
abocanhar, terminar de mastigar e engolir. J� ouvi at� meninas
entrevistadas na TV, reclamando que aquilo era muito "escatol�gico"...

-- Coitadas! Aquilo era o de menos. O nojo dos calouros era testado com
coisas bem mais dif�ceis de p�r na boca... Mas vou chegar l�. Pois bem:
o Ot�vio j� tinha rastejado junto com outros bichos por baixo da mesa e
j� tinha saboreado todo tipo de "mastiguinha". Acontece que ele era bem
mais corpulento que o resto da calourada, e de quatro parecia um fila
comparado aos bass�s. Quem mais implicava com isso era um veterano
chamado de S�rgio Sergipano, sujeito baixinho e atarracado. S�rgio n�o
tinha nada a ver com o estere�tipo de "cabe�a chata" que os maldosos
atribuem ao nordestino, mas parece que se ressentia de n�o ter porte
atl�tico, coisa que sobrava no f�sico do Ot�vio. Desde o come�o passou a
abusar dele com mais insist�ncia. Suas "mastiguinhas" pro Ot�vio eram
mais freq�entes, mais nojentas, mais volumosas, e sempre pisadas, pra
que Ot�vio tivesse que abocanhar quase debaixo do chinelo do S�rgio.
Ora, quando o garot�o foi transformado em cachorro, S�rgio era quem mais
"treinava" o mascote, fazendo latir no tom certo, abanar o rabo
direitinho, apanhar coisas que ele jogava longe e trazer na boca, ir
buscar chinelos ou t�nis... tudo levando chutes e pis�es, claro. Na
frente dos outros "doutores" a coisa n�o ia muito al�m disso, at� porque
os outros tamb�m queriam brincar. Mas na primeira oportunidade em que
ficaram a s�s, S�rgio resolveu descontar no Ot�vio umas coisas que
estavam guardadas. Foi assim: Ot�vio tinha aproveitado uma hora em que
n�o ficava ningu�m na casa, e tentava estudar um pouco, quando S�rgio
chegou de surpresa e de prop�sito. Ouvindo a porta, deu tempo pra que
Ot�vio voltasse correndo � posi��o de cachorro e ao seu lugar no canto
da sala, mas o veterano estava decidido a castigar com ou sem motivo.
Parou na entrada, estalando o dedo, e esperou que o cachorro viesse
fazer festa. Ot�vio foi at� ele, desajeitado, engatinhando e rebolando
ao mesmo tempo, pra mostrar que j� sabia abanar o rabo. Levou um pontap�
na testa e teve que ganir, enquanto S�rgio ria. "J�! Buscar meu
chinelo!" Quando Ot�vio volta com os dois chinelos balan�ando entre os
dentes, S�rgio est� sentado no sof�. "Tira meu t�nis!" Ot�vio come�a a
morder o cadar�o, tentando desamarrar. "Que foi? T� dif�cil? Anda logo,
meu p� t� doendo, quero me aliviar!" O t�nis acaba saindo e, como S�rgio
n�o usa meia, o p� suado pegou sujeira. "Lambe a�!" S�rgio ap�ia o p� na
mesinha de centro e Ot�vio faz de conta que aquilo � igual a outras
coisas nojentas e fedidas que os bichos t�m de encarar. Sabe que � sua
�nica justificativa pra suportar as baixarias sexuais que amea�am
acontecer, mas ainda espera, ingenuamente, que n�o v�o passar da l�ngua
no v�o dos dedos ou da chupada no ded�o. "Que foi? O chul� t� forte?
Anda, trata de lamber! Quero esse banho de l�ngua bem dado!" Ot�vio
obedece quieto, s� se escuta sua respira��o ofegante debaixo das risadas
do veterano. "Agora vem c�! Lambe aqui!" Ot�vio olha e v� que o pau do
S�rgio sai pra fora da cueca, completamente duro. Tenta recuar e
recusar, mas, antes que diga "Isso n�o!" ou coisa parecida, S�rgio
avisa: "Olha aqui, bicho, nada de macheza pro meu lado, t� legal? Ou faz
o que eu mando e faz bem gostoso, ou espalho sua fama na escola toda. Ou
me chupa de verdade aqui dentro ou vai ser tratado como chupador l� fora
e vai ter que procurar outra rep�blica! Quero s� ver voc� encarar essa!
E a�? Anda, come�a a lamber!" Ot�vio se lembra das brincadeiras de
crian�a com outros moleques, do troca-troca com o priminho, e se deixa
levar na viagem mental. Enquanto esfrega a l�ngua na chapeleta
arrega�ada e sente o gosto do sebinho, compara e conclui que,
contrastando com o tamanho do corpo, o pau do S�rgio parece at� maior
que o seu, e muito, muito maior que o do priminho. Mas dessa conclus�o
S�rgio nunca vai ficar sabendo, muito menos saberiam as namoradas que
Ot�vio coleciona, garotas que, ali�s, nunca reclamaram do tamanho de seu
pau.

-- Mas o Ot�vio contou isso numa boa?

-- Pois �, diz ele que a experi�ncia n�o interferiu na sexualidade


"normal", tanto assim que o cara at� j� � av�. Mas tem outra coisa que
ele disse e acho que esclarece bastante. Toda vez que os "doutores"
brincavam com o "cachorro", rolava muita farra e muita risada. Zoavam
com ele de todo jeito, mandando correr, pular, latir, pegar tudo quanto
� porcaria com a boca, lamber escarros e ranhos assoados no assoalho.
Passavam o p� na cara, chutavam e pisavam at� que os ganidos soassem
convincentes... mas o que n�o d� pra esquecer � disto: a risada dos
outros era diferente da risada do S�rgio. O Sergipano ria direto no olho
do Ot�vio, com uma inten��o maliciosa que pra ele queria dizer coisas do
tipo: "Voc� sabe o que vai acontecer quando estivermos s� n�s dois, n�o
sabe? Voc� pode at� achar que sente prazer no gosto do meu cuspe, do meu
chul�, do meu sebinho ou da minha porra, mas vai ter que guardar esse
segredo s� pra voc�, nem pra mim vai confessar, n�o � mesmo?" Agora, �
dif�cil dizer se era o Ot�vio quem lia isso nos l�bios do Sergipano ou
se o veterano tinha mesmo toda essa sutileza na express�o do riso.

-- T� a� uma coisa que a fic��o n�o pode resolver, nem qualquer outra
forma de arte, por mais c�nica que seja... Mas e o amestramento do
mascote, teve seq��ncia?

-- Com Ot�vio parece que ficou naquilo: farra coletiva e sarro a dois, e
o caralho do veterano sendo chupado durante aquele ano. Mas a moda pegou
e outros mascotes foram "adotados" e amestrados nas rep�blicas, fora os
que eram tratados como animais diversos. Na mesma �poca tamb�m foi moda
fazer os bichos comerem grama como se fosse capim...

-- Ah, disso eu me lembro. Deu at� num jornal que os veteranos mijavam
na grama que ia servir de pasto, e at� pisavam na nuca dos bichos
enquanto eles "gramavam"... Mas a� j� � outro departamento da zootecnia,
n�? Nada disso entrou nos seus contos?

-- N�o, Glauco, j� tenho tara demais pra explorar. Deixo pra voc�.

-- Legal. J� que n�o tive a chance de estudar agronomia, vou ter que
imaginar como seria minha vida dom�stica de cachorrinho piracicabano
adotivo...

///

[18] O ZELADOR FELADOR

O soneto 685 me veio no dia seguinte a um sarau porn�, para o qual cada
um dos participantes havia levado alguns poemas de pr�pria lavra acerca
do tema orogenital. Aproveitando o clima, os poetas comentavam o ato
felativo ou cunilingual � luz de tratadistas t�o diversos quanto
Vatsyayana (nos KAMA SUTRA), Paul Ableman (em A BOCA SENSUAL) ou Gershon
Legman (em O BEIJO MAIS �NTIMO).

-- V� l� que o cap�tulo do "Auparishtaka" nos KAMA SUTRA seja um


festival de filigranas artificiais com cara de misticismo. Mas os
contempor�neos tamb�m s�o posti�os e n�o conseguem dar cara de
cientificismo a suas fantasias pessoais. (ressalva o mineiro Jos� Maria
Travassos)

-- Que tudo � fantasia pra sofisticar uma coisa das mais simples, n�o
resta d�vida. Mas deixem que eu puxe uma brasinha pro meu peixe: naquele
mesmo texto sobre o "Auparishtaka" sobra um lembretezinho final a
respeito da possibilidade de que a fela��o seja praticada entre homens,
pelo servo no seu superior, na falta de solu��o mais convencional...
Pelo menos o KAMA SUTRA n�o descarta a rela��o homo, como faz o
"moderninho" Legman...

-- Moderninho? (interv�m o goiano Agesilau Ararigboya) Esse cara � de um


machismo troglodita! Algu�m leu o que ele fala da posi��o da mulher na
chupada?

-- Aquele papo da irruma��o em vez da fela��o?

-- Exato. Quando ele diz que na fela��o o homem fica passivo e a mulher
ativa, d� pra entender que ele sinta falta de bombar e controlar a
penetra��o. Mas quando ele insiste que o macho � quem tem de foder a
boca da f�mea, n�o consegue disfar�ar a brutalidade. Bem que ele tenta
dar uma de "cavalheiro": alerta que ningu�m precisa dar porrada na
coitada nem estuprar a boca dela. Basta segurar firme pelo cabelo ou
pela orelha, pra mostrar "delicadamente" o que ela "deve" fazer... Muito
"gentil", mesmo...

-- A quest�o toda se resume no seguinte: nenhum tipo de sexo oral


"enobrece" quem abre a boca. Esse neg�cio de "chupar com ternura" ou de
"ser cavalheiro" � conversa mole prum neg�cio duro. A verdade pura e
simples � que a chupeta animaliza quem chupa, emporcalha o ser humano,
e, n�o fosse isso, nem teria gra�a! (concluo eu)

-- Ali�s, o poema do Glauco toca justamente nesse ponto. Posso reler?

Suspende-se o debate enquanto o paulistano Pl�nio de Azevedo Camargo


emposta a voz para me paparicar:

SONETO OROER�TICO (ou OROTE�RICO)

Segundo especialistas, a chupeta


depende da atitude do chupado:
se o pau recebe tudo, acomodado,
ou fode a boca feito uma boceta.

Pratica "irruma��o" o pau que meta


e foda a boca at� ter esporrado;
Pratica "fela��o" se for mamado
e a boca executar uma punheta.

Em ambos casos, mesma conclus�o.


O esperma ejaculado na garganta
destino certo tem: degluti��o.

Segunda conclus�o: de nada adianta


negar que a boca sofra humilha��o,
pois, s� de pensar nisso, o pau levanta.

-- Vejam bem (insisto) que, al�m dessa quest�o de quem seria ativo ou
passivo, dominador ou dominado, o que importa � o lado sujo do sexo
oral. Nesse ponto o Ableman � bem categ�rico: n�o se pode exigir muita
assepsia, e um pouco de falta de higiene faz parte da natureza e at� da
sa�de humana, j� que, quanto mais limpo, mais vulner�vel fica nosso
organismo.

-- O Glauco sempre vendendo o peixe podre dele! (brinca o Agesilau) O


Legman tamb�m tende a aceitar essa tese do "ajoelhou, tem de rezar" e de
que a sujeira faz parte do jogo, mas pra livrar a cara e manter sua
postura "t�cnica" transcreve um manual "pr�tico" atribu�do a um
porn�grafo franc�s, onde as mulheres s�o instru�das a superar o nojo
mesmo que o macho n�o seja muito chegado a um asseio. At� releio os
trechos exatos...

Agesilau abre o livro O BEIJO MAIS �NTIMO no ponto previamente marcado e


refresca nossa mem�ria: "a mulher passa a l�ngua agilmente mas com
firmeza em torno de toda a coroa da glande do p�nis. Assim fazendo, n�o
dar� aten��o a qualquer secre��o preliminar do fluido pr�-coital do
homem, nem a quaisquer part�culas poss�veis do esmegma por acaso
presentes sob o prep�cio. Isso ser� lament�vel, sem d�vida, mas..." "O
leitor deve ter observado que at� agora n�o houve refer�ncia a lavagens
ou ablu��es de qualquer esp�cie. Isso � intencional. O apreciador da
fela��o � em geral muito refinado para permitir que as mais nobres e
mais preciosas partes de sua pessoa sejam contaminadas pela sujeira.
Deve-se presumir que a limpeza habitual do homem est� acima de qualquer
d�vida. Se esse n�o for, por�m, o caso, n�o se pode negar que se trata
de uma circunst�ncia desagrad�vel, mas � qual a mulher -- e �
precisamente aqui que se faz necess�ria a tend�ncia filos�fica do seu
car�ter -- n�o deve dar a menor import�ncia." Fecha a brochura e nos
questiona:

-- Agora pergunto: n�o � uma demonstra��o cabal do mais politicamente


incorreto dos machismos?

-- E eu pergunto: e da�? N�o � porque sou gay que descarto esse


componente sadomasoquista na dose de sujeira que o felador ou a felatriz
tem de suportar. Pelo contr�rio: isso s� refor�a o fasc�nio do tabu.
Quanto menos puro, mais sublime.

-- O Glauco adora um paradoxo! Voc� devia ter conhecido um cara que


trabalhou no meu pr�dio, Glauco. O caso dele ilustra bem essa sua
teoria. (acode o baiano Jurandir Palmeira, que at� ent�o n�o abrira a
boca)

-- Por que voc� n�o aproveita e participa mais? Esmiuce a coisa! (sugiro
logo, antes que os outros desviem o papo para vias mais vaginais)

-- A hist�ria � a seguinte: o s�ndico do meu condom�nio tava pra ser


reeleito quando anunciou que ia se mudar. A mulher dele tava gr�vida do
terceiro filho e a fam�lia j� precisava dum ap� maior. Ainda nem tinha
candidato pro lugar do Osvaldo quando ele chegou pra mim e sugeriu que
eu me habilitasse ao cargo. Minha mulher achava que seria um abacaxi,
mas resolvi topar, mesmo porque o mandato era curto e, se estivesse de
saco cheio, eu tamb�m podia abrir m�o da reelei��o. Logo depois da
assembl�ia que me empossou, procurei o Osvaldo e pedi a ele que me
passasse os macetes da fun��o, tanto dos pr�s como dos contras. Osvaldo
foi bem mais franco do que eu esperava: abriu o jogo e deu todas as
dicas. Foi quando veio � pauta a situa��o do zelador. Eu tava em d�vida
se o Odorico devia ser mantido. O cara me parecia meio turr�o, dizem que
maltratava at� a esposa, com quem morava no apezinho de cobertura no
bloco do fundo. Mas o ex-s�ndico me tranq�ilizou: "Vai por mim,
Jurandir. O Odorico � o cara certo no lugar certo. Pode ser bronco, mas
conhece bem o pr�dio e sabe fazer de tudo." A� deu uma risadinha
maliciosa. "Quando eu digo 'de tudo' � porque ele faz o que a gente
quiser. � s� saber mandar." P�s a m�o no meu ombro e quase cochichou:
"Vou lhe revelar um segredinho profissional. Fa�a ele chupar seu pau, e
voc� vai ganhar total dedica��o do cara..." Pensei que Osvaldo falava no
sentido figurado, e ri como quem tinha entendido, mas ele esclareceu
logo: "N�o digo s� que Odorico seja puxa-saco, n�o. Ele chupa de
verdade. A chupeta mais caprichada que voc� pode imaginar. Quem v� o
cara n�o diz que aquele abrutalhado engula uma rola com tamanha
capacidade!" Ainda achei que Osvaldo tava brincando, mas ele assegurou:
"Seja bem autorit�rio: logo de cara chame o Odorico e mande chupar. Voc�
vai ter um cachorro fiel pro resto da vida, pode acreditar!" Osvaldo s�
me contava aquilo porque nos d�vamos bem e eu seria seu sucessor. Pensei
em deixar pra l�, mas a id�ia ficou minhocando e na primeira
oportunidade chamei o Odorico ao meu ap�, numa hora em que minha mulher
tava fora, e, aproveitando os v�rios assuntos de servi�o, sondei o
zelador: "O Osvaldo me falou que eu podia confiar em voc� pra tudo, e
disse que voc� tem umas habilidades especiais..."

"Ent�o o senhor t� sabendo?"

"Estou. Por isso mesmo � que resolvi que voc� vai continuar trabalhando
pra n�s."

"Nesse caso o senhor pode ter certeza de que vou fazer o servi�o
direitinho, do jeito que fiz pro doutor Osvaldo."

"Assim � que se fala. Que tal come�ar a partir de j�?"

-- E fiz um gesto de quem vai desapertar o cinto depois do almo�o. A


senha funcionou como um bot�o de controle remoto. Odorico se abaixou
como se fosse amarrar o sapato e olhou direto na dire��o do meu pau.
Vendo que a coisa era pra valer, abaixei as cal�as e me sentei na
poltrona mais pr�xima, enquanto o zelador se ajoelhava na minha frente
sem me encarar. Olhei pruns quadros na parede e senti meu pau sendo
envolvido por uma sensa��o incr�vel. Era como se uma esponja ensaboada e
macia me punhetasse bem de leve, provocando uma onda de deleite. Dava
pra sentir a porra subindo l� do fundo at� escorrer no meio daquela
saliva pegajosa. Foi um orgasmo t�o r�pido que mal acreditei. Quando
baixei a vista, deparei com aquela cabe�a de carapinha encaixada no meio
das minhas virilhas, o pau ainda dentro da boca, terminando de esguichar
uma esporrada que parecia n�o ter fim. Nunca ningu�m tinha me chupado
com tanta efici�ncia nem causado um prazer t�o forte. N�o sei dizer se
foi com a l�ngua que ele fez aquilo, ou s� com uma suc��o muito suave,
ou tudo junto. De repente ele se levantou, fez de novo aquela cara
fechada de bicho do mato e perguntou: "O senhor t� satisfeito? Ent�o d�
licen�a, j� vou indo." Antes que eu respondesse, concluiu: "Quando
precisar, doutor, estou sempre �s ordens." Fiquei mais surpreso ainda
quando verifiquei que minha pica tava praticamente seca, ao contr�rio do
que eu imaginava. Toda aquela baba tinha sido engolida junto com a
porra, como se fosse a �gua que sai pelo ralo depois que o ch�o t�
lavado. Repeti a dose uma por��o de vezes, mas entre uma e outra corria
um tempo em que eu me punha a matutar que raio de impulso levava um
sujeito como Odorico a praticar um ato t�o pouco m�sculo, sendo que tudo
nele era rude. S� fui perguntar perto da �poca em que ele deixou o
emprego. A resposta dele manteve a coisa meio enigm�tica, mas de certa
forma corrobora a hip�tese levantada pelo Glauco: "Ah, doutor, meu pai
me ensinou que todo servi�o tem que ser bem feito. Por maior porcaria
que seja, a gente tem que dar tudo e fazer o melhor poss�vel. Quanto
mais duro, mais a gente tem que provar que d� conta. Aprendi que um
emprego garantido depende disso." Indaguei qual a profiss�o do pai dele.
"Era faxineiro, mas fez um pouco de tudo." Odorico aproveitou a
oportunidade pra me pedir que continuasse guardando segredo daquele bico
que me prestava. "S� pro novo s�ndico o senhor conta, quando chegar a
hora, t� bem, doutor?" Pena que o cargo do Odorico n�o fosse t�o est�vel
como ele esperava. N�o tive chance de repassar o segredo ao pr�ximo
s�ndico, j� que Odorico criou caso com uns moradores que o achavam
malcriado e respond�o, e acabou se demitindo antes que eu mesmo tivesse
que tomar qualquer provid�ncia... At� hoje, quando lembro do cara, fico
me perguntando se por acaso conseguiu coloca��o num servi�o melhor ou se
continua fazendo bico pra se manter...

Depois do depoimento do Jurandir, tive de admitir -- e nenhum dos outros


poetas contestou -- que a explica��o do Odorico n�o esgotava o assunto,
mas que dispensava um monte de literatura especializada, dispensava.

///

[19] A CHANCA E A CANCHA

O soneto 949 me veio, bem como v�rios outros sobre futebol, depois que
conheci Deliberaldo Braga, ex-artilheiro de v�rzea que hoje ganha a vida
como radialista, apresentando um programa de m�sica sertaneja para
caminhoneiros fora do hor�rio nobre. Antes de se firmar numa emissora
interiorana, Deliberaldo tentou a carreira de comentarista, mas foi
banido da cr�nica esportiva porque ia direto ao ponto, sem enrola��o,
mas sobretudo porque dava nome aos bois, aos vaqueiros, aos capatazes e
aos fazendeiros, coisa inadmiss�vel nesse territ�rio da "pol�mica" e da
"crise" posti�as, seja entre os cerebrais (como Juca ou Fl�vio), seja
entre os passionais (como Chico ou Jorge), seja entre os "malas" (como
Milton ou Orlando). Na curta fase de respons�vel pela narra��o ou pela
"an�lise" das partidas locais, Dibre (seu nome de guerra dentro e fora
do campo) ficou sabendo de pelo menos o dobro das coisas que p�de
comentar no ar, fofocas chamadas "de bastidor" que acabaram hibernando
numa gaveta, anotadas em diversos cadernos, � espera de serem
aproveitadas num livro "revelador" que nunca sair�. Mas o que me
interessei em saber do Dibre n�o foi nada a respeito da bichice ou da
viadagem deste ou daquele craque ou perna-de-pau, coisa que j� sei de
outras fontes. Minha curiosidade era de ouvi-lo contar alguns dos casos
mais escabrosos desse acidentado terreno dos gramados varzeanos. Uma
noite peguei-o de veneta na casa do Z� Maria. Aproveitando uma sa�da,
mais ou menos demorada, do hospitaleiro poeta para buscar maconha, puxei
papo com o Dibre, retomando um fio de meada desplugado:

-- Mas diga l�, Dibr�o, j� terminou de escrever aquele cap�tulo da


hist�ria das torcidas organizadas?

-- Que nada! Aquilo � um saco sem fundo! Cada dia tiro mais coisa do
ba�...

-- Se deixar de fora as barbaridades mais perif�ricas, talvez caiba tudo


num livro. Aquele epis�dio do ABC, na sucursal da Mancha Verde, � um
exemplo do que podia ser descartado, n�?

-- T� falando daqueles dois que foram zoados pelos palmeirenses?

-- Isso. Aqueles dois s�o-paulinos. Acho que eram primos, n�o me lembro
bem.

-- S� um era s�o-paulino, mas a camiseta do S�o Paulo tava por baixo


duma comum. Mesmo assim foi muita ingenuidade querer comprar os
ingressos justo na sede da Mancha, e logo prum cl�ssico t�o nervoso como
aquele do Verd�o com o Tricolor...

-- O que acho estranho � ningu�m ter escutado nem visto nada depois que
os dois foram levados pra dentro da casa. Ser� que foi medo de
denunciar?

-- Parece que ligaram o som bem alto pra que nenhum grito fosse ouvido
de fora.

-- Pelo jeito o som animou a festa, j� que at� molequinho novo


participou da sess�o de esculacho...

-- N�o s� pivetes como as namoradas dos mais velhos, que assistiram �


cena sem o menor constrangimento. Os dois carinhas foram bastante
judiados: andaram de quatro, rastejaram, levaram muito chute, pis�o na
cara, limparam o ch�o com a camisa tricolor, beberam mijo dos
palmeirenses e at� foram for�ados a transar entre si, um tendo que
chupar o pau do outro. Tudo na frente da molecadinha e das garotas, pra
aumentar o vexame... Sa�ram com a cara meio inchada das porradas, mas o
que doeu mais foi o arranh�o na honra...

-- Algu�m saiu punido depois que os dois tiveram coragem de dar queixa?

-- Aconteceram algumas pris�es, acusa��es, declara��es, indigna��es, mas


tudo provis�rio. Depois n�o acompanhei, n�o fiquei sabendo nem se
fecharam a sede local da Mancha, como foi anunciado.

-- Pois �, se at� um caso t�o repercutido acaba esquecido, imagine as


coisas mais pesadas que nem chegam aos jornais! Adiantaria incluir num
livro?

-- Adiantaria pra punheta dos leitores m�rbidos que nem voc�, Glauco.
Sei de situa��es muito piores que essa da Mancha, mas s� os tarados iam
querer ler esse tipo de material.

-- Que tipo de situa��o? Lembra de alguma?

-- Ah, l� na minha terra rolaram v�rias! Uma do seu gosto � a do goleiro


Reba, que jogou por pouco tempo no meu time, o Capim Seco. No pr�prio
apelido dele t� toda a raz�o da hist�ria. Ele nunca gostou de ser
chamado assim, queria ficar conhecido pelo verdadeiro nome, Ren�. Mas
brigava com quem lembrasse que "Reba" era uma abrevia��o de
"Rebaixadinha", que por sua vez era uma deturpa��o de "Embaixadinha".
Foi como chamaram o Ren� logo depois duma partida com nosso maior rival,
o Cap�o de Baixo. Muito retranqueiro, esse time s� vivia dos
contra-ataques. Uma hora o centro-avante deles escapou sozinho
carregando a bola e ficou frente a frente com o Reba, que conseguiu
defender miraculosamente um chute � queima-roupa mas n�o evitou o
choque. Ca�do, foi pisado pelo Frediney. Aproveitando que o goleiro
continuava de bru�os, meio zonzo e sem for�a pra ficar de p�, Frediney
levantou o queixo dele com o bico da chuteira e ensaiou umas embaixadas
na cabe�a do capinista. Sabe como � a embaixada, n�? Teve gente que viu
a cara do Reba dando pulinhos com a boca em cima do p� do Frediney, mas
o juiz disse que n�o viu por causa do bolo de jogadores que se formava
em volta. Depois do quebra-pau generalizado que se seguiu, alguns de
cada lado foram expulsos, inclusive o Reba, mas o Frediney continuou em
campo e o jogo ficou no zero a zero. Imagine a revolta da torcida! E
como, pouco depois, Reba e Frediney pararam de jogar por falta de forma,
toda a revolta ficou mesmo na mem�ria do torcedor, j� que os dois
continuavam indo aos jogos, um assistindo do lado dos capinistas, outro
dos caponenses. A coisa voltou � tona no dia em que os dois se cruzaram
e Frediney gozou da cara do Reba, perguntando se ele j� tinha esquecido
do gosto da chuteira. Reba partiu pra cima e se atracaram. Quem tava
perto apartou, s� que Frediney saiu mais machucado, prometendo vingan�a.
A� foi a vez do Reba rir da raiva do outro. Mas foi por pouco tempo,
porque o Frediney era muito enturmado com a torcida do Cap�o, enquanto o
Reba costumava andar mais desacompanhado. N�o demorou pra que cercassem
o cara: sa�a do supermercado pro estacionamento quando, antes de entrar
no carro, viu o rev�lver na m�o do Z�io e teve de embarcar numa perua
onde o Frediney esperava com mais dois. Rodaram at� a represa e, numa
�rea gramada onde os caponenses treinavam, Reba teve que servir de bola,
chutado pra l� e pra c�. Amarrado, n�o reagiria nem que quisesse.
Frediney cal�ava a mesma chuteira usada naquela fat�dica partida,
guardada com carinho no mesmo estado em que tinha cutucado a boca do
Reba no lance da defesa espetacular: j� bem surrada. Reba, virado de
cara pra cima, viu as travas do solado gasto quase furando seus olhos e
escutou a ordem do Frediney debaixo da risada do Z�io: "A�, frangueiro,
que tal lamber? Que tal limpar antes que a chanca fique suja de sangue?
Hem? Que tal essa linguinha de viado se ralando no pez�o do matador,
hem?" Reba s� queria berrar "Filha da puta! Voc� me paga! Isso n�o fica
assim!" mas o instinto de sobreviv�ncia falou mais alto e, depois duns
momentos de suspense, a l�ngua come�ou a sair pra fora e a se esfregar
no meio das travas, disputando espa�o com a sujeira do campinho. Z�io e
os outros soltavam hurras e ol�s como se comemorassem uma goleada.
"Agora levanta! Fica de joelho!" Pra se certificar de que tinha de
obedecer, Reba foi incentivado pelos pontap�s do Z�io. Ajoelhado, cheio
de barro e mato grudando pelo corpo, Reba deu de cara com o pau do
Frediney pra fora do cal��o. "Quer chupar? Hem? Ou quer cair amarrado na
represa? Hem? Tem de responder!" Reba quis responder "Vai se foder!
Morro mas n�o me rebaixo assim!" mas o que Frediney ouviu foi "Eu chupo,
eu chupo..." e o que o Z�io viu foi a boca do Reba se entortando pra
deixar entrar s� a cabe�a da rola inimiga, que era tudo o que cabia, de
t�o rechonchuda. "Quero sentir a l�ngua! T� esperando o qu�? Ah, agora
sim! Passa na volta toda! Isso! Continua, vai mamando! C� gosta mesmo de
engolir um peru, n�o gosta?" Enquanto Reba torce pra que o jogo acabe
logo, Frediney vira pro lado e comenta: "T� vendo, Z�io? N�o falei que
ele inda ia beber minha porra? Depois da minha inda vai beber a sua!" Os
outros reclamaram que tamb�m queriam gozar na boca do goleiro, e pra
contentar a galera Reba fez um sacrif�cio a mais. Suou a camisa, fez
milagre com a l�ngua, se superou nas suas limita��es bucais, mostrando
que sua maior voca��o n�o era mesmo a de guarda-metas da masculinidade
ultrajada. Mas antes do apito final ainda teve for�as pra implorar que
n�o fosse jogado no lago sem que estivesse de m�os desamarradas. Teve
que nadar, pegou uma gripe violenta, mas sarou.

-- E ficou nisso? A vergonha passou como se fosse uma febre alta?

-- Exato. Pra torcida do Capim ele contou que tinha levado uma surra e
um banho. Pra torcida do Cap�o a hist�ria que rolou foi a vers�o do
Frediney, mas como entre rivais s� vale a fanfarronada, ningu�m podia
garantir se o Reba tinha felado no duro. De qualquer maneira, a revanche
foi planejada. S� n�o se consumou porque Z�io foi trabalhar em Bauru e
Frediney veio estudar em S�o Paulo.

-- Ent�o quem foi que lhe confirmou a veracidade das baz�fias do


Frediney?

-- O Trivela. Ele era um dos outros dois caponenses que foderam a boca
do Reba mas que se livraram da repres�lia capinista porque Reba s�
reconhecia o Frediney e o Z�io. Hoje o Trivela nem usa esse apelido, � o
doutor Linhares. Se formou em direito e defende gente de periculosidade
muito maior que a do Z�io ou do Frediney... Mas sempre na maior
"dignidade", sem apelar pro baixo cal�o, s� pras inst�ncias superiores,
sabe como �?

Eu ia responder com uma pilh�ria quando Z� Maria voltou trazendo o


bagulho, e n�o se falou mais em segredos de justi�a nem de injusti�a. J�
que n�o fumo, Z� Maria me serviu uma travessa de brigadeiros regados a
licor imitando absinto. Um cavalheiro, esse poeta.

///

[20] HIST�RIA ORAL

Os tr�s sonetos do ciclo 641/643 me vieram quando abriu uma gibiteria no


quarteir�o e a molecada do bairro ganhou mais um ponto de encontro, al�m
da lanchonete �rabe e do caf� cibern�tico. J� cego h� dez anos, eu nada
teria a fazer ali, mas dei uma passada, acompanhado de Daniel, s� para
deixar em consigna��o alguns exemplares do �lbum AVENTURAS DE GLAUCOMIX
que o quadrinhista Marcatti desenhou, baseado no meu romance
autobiogr�fico MANUAL DO POD�LATRA AMADOR. Daniel � aquele balconista da
farm�cia que costumo freq�entar, menos para comprar rem�dio que para
atualizar as fofocas em torno da bichice alheia, para n�o falar da
nossa. Enquanto Daniel pegava o recibo do material posto � venda, fiquei
de ouvido ligado no papo de dois "teens" que escolhiam na estante um
�lbum de Guido Crepax.

-- Leva esse aqui. Tem mais putaria, foi feito em cima do marqu�s de
Sade...

-- Esses eu j� tenho. Ali�s, prefiro este. Tem aquela cena da puta


chupando o gord�o...

-- Ah, c� j� se identificou, n�, safado?

Fiquei na d�vida se o cara se sentiria no lugar do gordo ou da puta, mas


n�o tive tempo de matar a curiosidade, j� que Daniel me puxava pelo
bra�o. Caminhei com ele de volta � farm�cia, onde repassei a conversa
dos adolescentes.

-- Ah, Glauco, t� explicado! Um dos moleques � o Gilberto. N�o conhe�o


ningu�m mais gordo aqui na redondeza. E o que tem de gordo tem de
sacana...

-- Voc� j� transou com ele?

-- N�o. Nem ele gosta de viado, nem eu de leit�o. S�o as


incompatibilidades da fauna...

-- Mas bem que o menino tem algo de comum conosco: conhece gibi de arte.
E prefere justamente meu �lbum favorito: a HIST�RIA DE O do Crepax.

-- Ah, do Crepax eu curto tudo. At� prefiro a JUSTINE do Sade ou a V�NUS


do Masoch... Por que voc� gosta mais da HIST�RIA DE O?

-- Cenas expl�citas de lambe��o de bota. No livro a escraviza��o da


mulher n�o inclui esse detalhe, mas Crepax foi mais longe (ou mais
perto) e fez a fulana lamber a sola dos carrascos, entre uma sess�o e
outra de chicote. Mas minha cena predileta, por ironia, n�o � nenhum
quadro pod�latra: � quando o marido "empresta" a boca dela pra chupar um
gord�o de terno listrado que o casal encontra no restaurante. O cara
deixa a mulher sozinha com o gordo na sala privada, e ela tem que se
ajoelhar, tirar o pau do gordo pra fora e chupar at� engolir a porra,
enquanto o gordo s� fica l�, sentad�o de perna aberta. Mesmo cego h�
tanto tempo, n�o me esque�o da cara safada do gordo nem da fulana
engasgando com a rola. No livro o chupado nem era gordo, pelo que me
lembro...

-- Isso me lembra a mulher que chupou o Gilberto. Acho que foi por isso
que ele se ligou tanto naquela mesma cena que voc� lembra.

-- Que mulher � essa?

-- A Of�lia, m�e do Valmor.

-- Aquele viadinho que trabalha na floricultura?

-- Ele mesmo. Foi quem me contou tudo.

-- Ent�o me reconte, que dessa eu tava por fora.

-- Simples: o Valmor vive cantando tudo quanto � bofinho, voc� sabe, mas
nunca consegue quem ele quer. Acabou dando em cima at� do Gilberto, que
nenhuma bicha digna cobi�aria. Pois sabe o que o gordinho prop�s pra
ele? Deixaria ele chupar s� depois que a Of�lia chupasse!

-- Mas que id�ia! Por que voc� acha que a m�e do Valmor faria uma coisa
dessas? Ela tem filho viado mas n�o � puta, que eu saiba. N�o �
costureira?

-- T� mal informado, Glauco. Pra come�ar, o Valmor � s� filho adotivo, e


a Of�lia nunca escondeu isso dele. Desde que enviuvou, a costureira faz
bico bicando pica. Quando n�o recebe o fregu�s em casa, atende a
domic�lio, aproveitando a viagem pra entregar outras encomendas, mas
sempre vaza uma gotinha de porra no ouvido da gente, sabe como �...

-- Mas o Valmor nunca comenta nada... Por que foi confessar justo pra
voc�?

-- Porque foi a �nica vez que ele presenciou, e n�o tinha ningu�m mais
interessado que eu pra ouvir coisas excepcionais... De mais a mais, quem
resiste ao meu faro investigativo? O "Dani Daninho" aqui sabe perguntar,
meu querido! Se perco o emprego na farm�cia, viro rep�rter ou detetive,
pode apostar!

-- E o que foi que a "Bicha do Sapato Branco" apurou?

-- Sabe o que �, Glauco? O Valmor pode ser a bichinha mais sem-vergonha,


mas tem vergonha da m�e e faz de conta que n�o sabe do tipo de roupa que
ela costura pra fora. S� que, no caso do Gilberto, ficou t�o tentado
pela proposta que resolveu assistir escondido. Ele n�o mora com a m�e
mas vai l� todo dia e tem a chave, pro caso de levar uns bolos e pudins
quando a Of�lia n�o est�. Que fez ele? Deu o fone da m�e pro Gilberto
mas disse pra n�o contar que a coisa tinha partido dele, como se ele nem
soubesse. No dia que Gilberto marcou com a Of�lia, Valmor chegou antes
que ela e se escondeu no s�t�o. Sabe aquela casa geminada ali na vila,
n�? Tem aquele telhado com janelinha, n�o tem? Pois a Of�lia morava l�
nessa �poca. Do s�t�o ele tinha toda a vis�o do quarto por causa dum v�o
na t�bua do teto. Ele sabia desse ponto de observa��o desde que tinha
subido ali pra consertar umas telhas quebradas, mas s� ent�o achou outra
utilidade praquele esconderijo...

-- Eu nem sabia dessas habilidades masculinas no Valmor. Pensei que ele


s� soubesse mexer com flor...
-- Ah, aquela bicha � pau pra toda obra! Ou melhor, obra pra todo pau...
Mas foi assim que ele me contou, n�o sei se inventou alguma coisa. Disse
que o Gilberto chegou logo depois da Of�lia e, onde sentou, ficou. Gordo
daquele jeito, ele tem uma pregui�a desgra�ada de se mexer. Ser chupado
vinha a calhar, j� que n�o dava trabalho nem de tirar a roupa ou
descal�ar o t�nis. Ele s� desabotoou toda a braguilha e baixou a cueca,
pra deixar os bagos bem livres e a rola � vontade. A Of�lia p�s uma
almofada no soalho e sentou no meio das coxas do molec�o, que tava
escarrapachado na poltrona, fumando um daqueles reservados pras ocasi�es
especiais. Parece que o Gilberto tinha alguma dificuldade na ere��o, mas
o engra�ado � que nem se inibia com isso. S� explicava que ela ia ter
que se esfor�ar pra deixar aquele pau durinho no ponto, e que o problema
era dela se demorasse. Acha o Valmor que o cara goza at� de pau meio
mole, mas o neg�cio � t�o grosso e curto que nem faz muita diferen�a no
meio daquela banha toda. O fato � que a Of�lia n�o tava acostumada com
tanta carne e teve um trabalh�o pra lubrificar cada dobrinha com a
l�ngua. "Voc� n�o tem nojo, tem?", falava o gordinho. "Ent�o vai
arrega�ando devagar e passando a l�ngua na cabe�a... Tem menina que n�o
topa o cheiro nem o gosto, mas voc� j� t� calejada, n�?" E ria no maior
relaxo, sem se incomodar com o sacrif�cio da Of�lia pra ensaboar de
saliva aquele puta gomo de paio. Ela fez de conta que a carne era a
coisa mais limpa e saborosa do mundo. S� se escutava o barulhinho de
pele molhada e de respira��o ofegante, at� que Gilberto come�ou a falar
mais r�pido e bufando: "Isso, mete tudo na boca! Mete mais! Ag�enta
firme! Falta pouco, j� vai sair! Agora! T� saindo! T� sentindo? Espera
sair tudinho! Ah, que del�cia! Que tes�o! Que boca!" Of�lia s� ia
fazendo que concordava, falando s� "Hum-hum!" sem tirar o paio de
dentro, at� que tossiu e teve que desengolir o caralho pra poder engolir
aquele mont�o de l�quido que tinha se acumulado depois de v�rias
golfadas. A impress�o era de que Gilberto juntava porra at� n�o caber
mais e quando gozava dava pra encher um copo...

-- Poxa, Daniel, esse moleque precisava ter tido mais chances de


descarregar tanta energia estocada! E o Valmor, teve chance de ajudar o
gordinho a se aliviar?

-- Diz ele que sim, mas n�o entra em detalhe. Acho que o Gilberto n�o se
excita mesmo com viado... Deve ter sido uma experi�ncia meio
frustrante... At� porque foi o Valmor quem deu ao Gilberto a grana pra
pagar a m�e. Pra ela tamb�m n�o foi boa a coisa, porque n�o quis saber
de repetir a dose...

Dali em diante fiquei atento aos buchichos da molecada, at� flagrar


outra vez o Gilberto na gibiteria. N�o escutei nenhuma confiss�o
bomb�stica, mas foi suficiente o papo dele com outro man�aco por
quadrinhos, di�logo que consegui acompanhar pela metade no momento em
que chegava � loja para ver se o GLAUCOMIX estava tendo sa�da:

-- Esse do Pichard � forte! Pode levar que voc� vai gostar! (dizia o
outro)

-- J� conhe�o. Prefiro o Crepax. Acho legal isso tudo que fazem com a
freira, mas o Crepax � mais realista nas cenas de chupada, a mulher se
rebaixa mais...

-- Voc� acha? Achei que voc� ia curtir mais as torturas na freira...

-- Mais legal � a tortura psicol�gica, meu. Quando a mulher t� chupando,


n�o precisa apanhar pra sentir que t� por baixo. Eu, quando fodo a boca
da mina, j� torturo ela s� fazendo engolir at� engasgar... Nem tem
necessidade de chicote: � s� mandar e ter autoridade, meu. N�o tem nada
mais torturante que levar uma rola grossa na boca, meu!

Gilberto falava s�rio, mas quando tocou na "rola grossa" riu da pr�pria
express�o. Pensei comigo que era mesmo uma pena aquela indiferen�a da
juventude para com a agonia dos deficientes visuais, que poderiam ser
t�o �teis aos gordinhos em dificuldades er�teis, mas como desta vez n�o
era Daniel quem me acompanhava, tive que guardar para mim o coment�rio
que quis fazer sobre esse desperd�cio de oportunidades. E j� que minha
boca n�o estaria na cogita��o dos Gilbert�es da vida, nem me dei ao
trabalho de elucubrar como seria o p� descal�o dum gordinho desses na
minha l�ngua...

///

[21] AS SAND�LIAS DA HUMILDADE

Um soneto como aquele "Podolatrado" (739) me veio quando fui apresentado


a um poeta mineiro chamado Jos� Maria Travassos, que tinha sido criado
no Tri�ngulo e costumava contar casos interessantes de v�cio vivido.
Numa de suas visitas, enquanto Z� Maria ia fazendo um reconhecimento das
lombadas na minha biblioteca, o assunto enveredou para a voca��o
pederasta dos padres, talvez porque ele passasse os olhos pela cole��o
do E�a de Queiroz.

-- Ent�o, Glauco? Voc�, que coleciona essas hist�rias de podolatria, j�


fez um estudo comparativo com a pedofilia dos padres?

-- Ainda n�o juntei material suficiente. Mas meu interesse aumentou


depois daquela onda de den�ncias nos States. Lembro de pelo menos tr�s
casos em que o rapaz acusava o padre de ter acariciado seus p�s antes de
chupar a rola. Achei curioso como o detalhe da car�cia marcou at� mais
que a pr�pria chupada... Mas senti falta duma descri��o mais concreta.

-- Pra isso nem precisa ir longe: aqui mesmo rola coisa bem mais
expl�cita.

-- Inclusive coisa j� bem registrada na literatura. Quer ver? Pegue


nesta prateleira um romance do Jo�o Silv�rio Trevisan chamado EM NOME DO
DESEJO. Achou?

-- Achei.

-- Abra na p�gina marcada e leia o trecho anotado na margem.

Z� Maria leu no seu tom pausado e manso: "Quanto � masturba��o, que


continuava rigorosamente controlada, o Reitor assim se manifestava, em
suas vistorias: 'Deixa eu ver os peitos. Eta, peito inchado. Masturba��o
demais, rapaz. V� se toma jeito. Peito inchado em homem � feio.' J� o
Diretor Espiritual era diferente: relacionava-se e cuidava dos seus
Menores como se levitasse desde o in�cio e os chamasse para o alto,
consigo. Usava estratagemas po�ticos: no caso da masturba��o, amarrava
fitinhas de v�rias cores no membro genital dos meninos mais
reincidentes. As v�rias cores correspondiam � gravidade das fases
masturbat�rias. Para um controle que ele fazia pessoalmente e com rigor,
obrigava os garotos a dar um n� na fitinha, a cada nova masturba��o.
Assim, acompanhava de perto a atividade pecaminosa dos pequenos, com
muita imagina��o. E se os punia, era para elevar-lhes o esp�rito. Se
chegava a fazer car�cias em seus orientados, tomava cuidado para n�o
desassosseg�-los interiormente. Apertava a m�o de um, afagava o rosto de
outro e at�, vez por outra, chegava a toques que pareciam mais ousados.
Nesses casos, tranq�ilizava-os imediatamente com explica��es
convincentes. Aludia � frase que fizera inscrever no alto de sua porta:
UBI CARITAS ET AMOR, DEUS IBI EST ('Onde houver caridade e amor, Deus a�
estar�'). Ou ent�o colocava o menino recostado sobre seu joelho e lhe
explicava com o jeito mais doce: 'Se existir verdadeira caridade entre
n�s dois, Deus estar� conosco.' Quando, durante a dire��o espiritual, os
garotos lhe contavam coisas escabrosas, colocava-os de joelhos em cima
da cadeira ('para que, elevando-se, melhor pe�am perd�o a Deus'); e,
enquanto rezavam, ele ia lhes tocando os p�s com os l�bios,
delicadamente. E explicava: '� em nome da miseric�rdia ao pecado que se
repete aqui o gesto de amor de Cristo, na �ltima Ceia.' Aos poucos,
esses seus toques labiais iam configurando beijos expl�citos e jamais
carentes de ternura, com os quais banhava os p�s dos pequenos
penitentes. A qualidade de suas rela��es com os orientados
diversificava-se ainda mais daquelas do Reitor quando se considera certo
teor francamente l�dico que as compunha."

-- Que tal? Quem foi seminarista sabe que essas coisas rolam mesmo, com
maior ou menor grau de fantasia.

-- Acho isto at� po�tico, Glauco. A hist�ria que eu ia lhe contar � um


pouco diferente, mas tem a ver. Que � aut�ntica eu garanto, porque
participei dos fatos.

-- N�o me diga que voc� tamb�m foi menino do padre!

-- Voc� sabe que n�o fui santo. Teve �poca em que precisei fugir de
Uberl�ndia pra n�o ser preso. Mas na adolesc�ncia toda a minha turma j�
tinha passado pela m�o do padre T�lio, ou antes, o padre T�lio j� tinha
passado a m�o na cabe�a de n�s todos.

-- Com que idade?

-- A molecada variava dos dez aos quinze. O padre era daqueles com mania
de "Vinde a mim..." e a crian�ada vivia rodeando o cara. Minha turma era
mais barra-pesada e o T�lio n�o se arriscava a tentar alguma intimidade
maior com a gente. Preferia os mais p�-de-arroz, que os pais obrigavam a
freq�entar a missa, fazer primeira comunh�o, ter aula de catecismo, e
tal. A gente sabia, pelos buchichos no meio da molecada, que o T�lio se
metia com este ou aquele, mas nem o Abobr�o, que liderava minha gangue,
sabia dizer com certeza qual era a do padre, j� que ningu�m tinha
flagrado ningu�m no ato.

-- Como assim? N�o sabiam quem chupava quem?

-- Pois �. Tinha quem jurasse que o T�lio chupava. Outros achavam que os
preferidos dele eram justamente os mais delicadinhos, mais f�ceis de
serem fodidos.

-- E se fossem as duas coisas?

-- Seria o mais prov�vel. Mas o que deixava o Abobr�o invocado era o


jeito como o T�lio mimava o Beto. A gente chamava o moleque de Beto
Beato porque era o queridinho da par�quia. Mesmo sem ser coroinha nem
nada, n�o sa�a da igreja e tava sempre dando uma m�ozinha pro padre.
Talvez um pezinho tamb�m. Um dia o Abobr�o juntou a patota e falou que
ia tirar a limpo aquela hist�ria. Resolvemos dar uma prensa no Beto e
ficamos vigiando os passos dele. At� que cercamos o danadinho quando
voltava da casa paroquial. Cortamos o caminho dele quando passava pelo
predi�o em constru��o. Beto quis correr, mas segurei por tr�s e o
Abobr�o mostrou aquele canivete de cabo de osso que era seu xod�. "Se
n�o quiser sair furado, n�o abre a boca e vem com a gente." Levamos o
Beto pro por�o do pr�dio. A obra tava parada e ningu�m descia l�. Beto
fez cara de choro e foi avisado: "Nada de frescura. A gente s� vai
terminar de fazer o que o padre come�ou, t� sabendo? Mas antes voc� vai
ter que contar o que foi que o T�lio j� fez..." Beto quis enrolar,
repetiu aquela conversa do padre a respeito do lava-p�s, da humildade de
Jesus dando o exemplo e beijando o p� dos ap�stolos, da Madalena lavando
o p� de Jesus, e tal. Levou um tap�o na orelha. "E a outra face? O T�lio
n�o te ensinou a dar a outra face?" Beto pedia pelo amor de Deus. "Vai
ter que ajoelhar! Que neg�cio � esse de implorar em p�?" Beto caiu de
joelho e ficou de m�os postas como quem reza. Todo mundo riu da cena,
mas o Abobr�o curtia demais: "Conta a�, que foi que o T�lio fez com
voc�? Vai falando!" "Beijou meu p�..." "Beijou como?" "Sentei no banco e
ele deitou no ch�o..." "Que mais?" "Depois foi subindo e me chupou..."
"E voc� gozou?" "Gozei..." "E ele engoliu?" "Antes mostrou na l�ngua.
Disse que pra ele era que nem h�stia..." "E voc�, recebeu a h�stia,
tamb�m?" "N�o. Ele sempre falou que tava dando prova de humildade, que
era ele que tinha que se humilhar..." Quando Abobr�o achou que j� sabia
o bastante, lascou outro tapa na cara do Beto e a gente caiu de novo na
risada, vendo o moleque ali de joelho, sem desfazer a pose de ora��o,
mesmo levando porrada. A� o Abobr�o mandou: "Agora quem vai dar prova de
humildade � voc�! Vamos ver se aprendeu direitinho a li��o do padre!
Come�a beijando meu p�!" Abobr�o usava aquela sand�lia de dedo, tipo
havaiana, o p� vivia encardido. Beto teve que desjuntar as m�os pra se
apoiar no ch�o. Quando come�ou a beijar, recebeu ordem pra lamber, pra
chupar os dedos, enquanto n�s �amos pisando nas costas dele, dando chute
na bunda. Depois que sujou bastante a l�ngua na poeira do p� da turma,
teve que levar rola na boca. Glauco, acho que em todas as missas o Beto
n�o comungou tanto quanto a porra que engoliu naquela tarde!

-- E nas outras tardes?

-- N�o precisou. O Abobr�o achou que a li��o tava de bom tamanho. Ali�s,
o Beto nunca mais andou sozinho em lugar deserto. N�o sei se contou
alguma coisa pro T�lio, mas se contou foi mais um segredinho que ficou
entre os dois. A gente at� espalhou o caso, mas a molecada j� tava
acostumada com os buchichos e deu desconto, como pra qualquer boato. J�
o Beato n�o perdeu nem ganhou fama, mais do que j� tinha...

-- Se fosse hoje, talvez esse padre T�lio passasse por um pequeno


calv�rio...

-- Pode crer!

E passamos, Z� Maria e eu, o resto da noite lendo e comentando acerca da


impunidade dos sacerdotes sacanas no tempo do Sade e do Bocage,
comparado aos quais o padre T�lio bem que poderia ser canonizado.

///

[22] JUGO CONJUGAL


Sonetos como aqueles, "Conjugal", "Conjugado" e "C�njuge" (247 a 249) me
vieram depois duns saraus de que participei, cujo tema era o manique�smo
na literatura e a dupla personalidade dos personagens. Claro que o ponto
de partida foi O ESTRANHO CASO DO DR. JEKYLL E MR. HYDE de Robert Louis
Stevenson, novela mais conhecida como O M�DICO E O MONSTRO, mas o ponto
de chegada podia ser a obra de cada um dos participantes. A certa altura
o papo enveredou pelos tri�ngulos amorosos e pelo car�ter pirandeliano
de certos tipos. Mas nem o contista paulista Carlos Carneiro Lobo,
engenhoso autor das HIST�RIAS NATURAIS e das GEOGRAFIAS HUMANAS, nem o
poeta mineiro Jos� Maria Travassos, vivido coadjuvante de escabrosos
casos er�ticos, nem qualquer outro literato presente exemplificou a
pauta com um relato mais ilustrativo da relatividade das reputa��es que
o testemunho de Daniel, balconista da farm�cia ao lado e meu confidente
mais ciente das fofocas venenosas do quarteir�o. Enquanto ainda
enaltec�amos o mestre dos pretextos e das apar�ncias que enganam, Daniel
pediu modestamente a palavra:

-- N�o discuto que Pirandello seja genial, mas tem muito personagem
procurando autor e que n�o foi procurado pelo Pirandello.

-- Aqui no bairro mesmo, aposto...

-- Claro, Glauco! T� ironizando por qu�? Voc� sabe que a arte n�o
consegue imitar a vida quando o neg�cio � sadismo ou sacanagem, n�o
sabe? Nenhum escritor retrataria certas realidades, e se retratasse
seria acusado de invencionice.

-- Tem algum exemplo que o ceguinho aqui ainda n�o conhe�a?

-- Tenho. Querem ouvir?

Todos se dispuseram, e mais uma vez sabatinei o Dani Daninho para que
fosse aprovado com distin��o e louvor:

-- Lembra, Glauco, daquele vendedor de loteria que passava aqui na rua?

-- T� falando do Nestor?

-- N�o, falo dum branc�o que trabalhou na �rea antes dele. Um tal de
Oleg�rio, acho que voc� n�o conheceu. Mas enquanto ainda n�o vendia
bilhete, esse cara esteve bem melhor de vida. Recolhia dinheiro do bicho
nos v�rios pontos, contabilizava tudo e repassava pro chef�o do
territ�rio, que na �poca era o Guilherme Taveira.

-- Desse eu j� ouvi falar. Sujeito sinistro, com fama de sanguin�rio. �


verdade que foi torturador do DOI-CODI?

-- Pelo menos � o que falavam. Mas o fato � que, al�m de v�rios outros
departamentos da jogatina e do cambismo, o Oleg�rio tava na equipe do
Taveira e faturava bem. At� comprou ap� naquele pr�dio chique com
sacada, que voc� tanto cobi�a...

-- Aquele onde mora o Tolentino?

-- Ali mesmo. E a sorte do cara n�o parou nisso: conseguiu casar com uma
doninha que era o sonho er�tico de muito gal� garanh�o por a�: a Din�,
que o pessoal da padoca chamava de Din� Angor�.

-- Acho que j� vi essa fulana na �poca em que trabalhei no banco. Quando


ela entrava na ag�ncia, os colegas e clientes at� paravam o que estavam
fazendo s� pra olhar os movimentos dela... Tinha uns cabelos bem pretos
e uns olhos pintados que chamavam mesmo a aten��o, sem falar nas
ancas... At� comentei com um amigo que, se fosse hetero, eu ia ter
fantasias masturbat�rias com ela... S� pode ser a mesma Din�, nossa
correntista "preferencial"... Mas do marido ningu�m sabia, nunca vi o
cara.

-- Ele era bem discreto, incapaz de qualquer baixaria. Podia ser


trambiqueiro, mas n�o era adepto da viol�ncia. Por ironia, foi esse o
motivo de n�o ter reagido quando cobi�avam a Din�, mas tamb�m por isso
sobreviveu pra se manter com as loterias... Foi uma puta decad�ncia, mas
pelo menos saiu inteiro da jogada.

-- Mas qualquer um cobi�ava a Din�. Reagir de que jeito? S� se o cara


sa�sse matando a torto e a direito.

-- Cobi�ar de longe � uma coisa. Tomar na marra � bem diferente. No caso


da Din�, n�o foi uma coisa nem outra: foi confiscada pra resgatar uma
d�vida.

-- Como assim? A mulher tava penhorada?

-- N�o tava, mas acabou servindo de moeda. Foi assim: o padr�o de vida
do Oleg�rio ia subindo, os gastos aumentando, e teve uma hora que ele
lan�ou m�o da grana a ser entregue pro Taveira. Durante um tempo a coisa
foi tratada como "empr�stimo", mas o Taveira n�o era homem de muita
paci�ncia e logo encostou o Oleg�rio na parede: ou paga ou... A� Taveira
foi criativo. Em vez de eliminar o devedor como qualquer rato de esgoto,
ofereceu ao rato uma chance: caso n�o tivesse a grana devida dentro do
prazo extra, entregaria sua gata pro cachorr�o. S� que a entrega n�o
seria uma simples transfer�ncia de patrim�nio, teria que ser uma
cerim�nia particular onde o rato ia chafurdar ainda mais no esgoto e a
gata ia virar cadela, um na frente do outro. Ou Oleg�rio topava aquela
animalidade, ou deixava o conv�vio dos humanos. E voc� que � cego sabe,
Glauco, como o ser humano � capaz de se adaptar a qualquer fen�meno da
natureza, n�o sabe?

-- Se sei! Mas que foi que o Oleg�rio fez de t�o fenomenal?

-- Uma pequena invers�o fisiol�gica nos h�bitos alimentares. O pre�o foi


comer a merda e beber o mijo do Taveira, na mesma sess�o em que a Din�
fosse fodida pelo bicheiro. E tudo considerado como um favor especial,
um privil�gio que o Taveira tava concedendo! A primeira atitude do casal
foi tentar escapar, sumir de circula��o, viajar sem paradeiro, largar
tudo. Mas foi s� perceber que seus passos estavam sendo vigiados por
capangas do Taveira, e Oleg�rio se convenceu de que era in�til querer
passar a perna naquela m�fia. Pra surpresa dele, foi a pr�pria Din� quem
tomou a iniciativa de aceitar o sacrif�cio, coisa de que Oleg�rio queria
poup�-la a todo custo. Ele preferia se encontrar a s�s com o Taveira, se
sujeitar � baixaria sem a presen�a dela, pra que seu vexame fosse menor
e mais suport�vel. Faria de tudo, pediria novo prazo, venderia o ap�,
trabalharia de gra�a... Mas cad� que o banqueiro do bicho abriria m�o
daquela buceta e daquela boquinha de p�tala de rosa? N�o, a boca do
Oleg�rio ia servir de penico, mas a da Din� era indispens�vel como
punheta. Vencido o prazo, sa�ram os dois escoltados por tr�s
guarda-costas e foram levados pra fortaleza do Taveira em Atibaia. Antes
de perder a Din� pro chef�o, Oleg�rio teve de aguardar at� a hora em que
Taveira costumava ir � privada. Em vez de fazer no vaso, o cara fez numa
bandeja de prata especialmente preparada. O cocoz�o foi servido ainda
quentinho, na sala, e, enquanto Din� se sentava ao lado de Taveira,
Oleg�rio recebeu ordem pra ajoelhar na frente da mesa de centro e comer
com garfo e faca, como se fosse uma cafta... Voc� acredita que, quando o
Taveira come�ou a dar gargalhada da cara de nojo do Oleg�rio, a Din�
tamb�m caiu na risada? Ficaram os dois se divertindo com o sufoco do
coitado! Ele chegava a boca perto do tolete, via o "molho" da "ling�i�a"
formando aquela pocinha em volta, sentia o cheiro e recuava. "Vamos l�,
coragem, homem! Que � isso? N�o vai me dizer que a merda do patr�o n�o
lhe apetece!", brincava o Taveira, e o subalterno prendia a respira��o,
partia mais uma fatiazinha com a faca, espetava o naco no garfo e levava
� boca, tremendo at� quase derrubar no ch�o. Fechava os olhos na hora de
empurrar a rodela pra dentro dos l�bios, e depois se contra�a todo,
querendo engolir r�pido, mas o chefe interrompia a concentra��o dele:
"Calma, sem pressa! Mastiga bem! Mostra a l�ngua, deixa eu ver! Isso,
nada de engolir inteiro, que faz mal! Vamos l�, de novo! Mais um
pedacinho!" E Din� soltava sua risadinha estridente, acompanhando o dono
da festa. Quando Oleg�rio come�ou a tossir e bater no peito, Taveira
achou que era hora da bebida pra ajudar a descer a refei��o. Levantou do
sof�, pegou a jarra de cristal de cima da mesa e, tirando o pau da
braguilha, mijou dentro. Recolocou na bandeja e mandou que Oleg�rio
enchesse o c�lice e ainda brindasse ao chefe e � esposa antes de beber.
Sei l�, Glauco, mas, pra quem acaba de engolir merda a seco, um gole de
mijo ainda espumando at� que n�o parece o pior dos refrescos, hem? O
Taveira nem se deu ao trabalho de p�r o pau pra dentro: Din� teve que
come�ar a chupar ali mesmo, enquanto o marido terminava de tomar o mijo,
bebericando bem devagarinho, esvaziando o c�lice e enchendo de novo,
v�rias vezes. Pra ela foi at� um al�vio ter de mamar naquela rola ainda
pingando em vez de repartir a janta com o corno. Tratou de puxar o saco
do chefe e deu o m�ximo de si, j� convencida de que n�o ia mais fazer
aquilo no pr�prio Oleg�rio. E n�o deu outra: o marido foi levado de
volta ao ap� (que logo depois seria vendido pra pagar outras d�vidas),
enquanto a Din� ia curtir umas f�rias com Taveira na praia. Na volta,
ela s� passou no bairro pra se despedir do coitado. Sabe o que a danada
falou na cara dele? "Olha, Ol�, o Guilherme me disse que fez aquilo s�
porque teve pena de voc�..."

-- Pena? Porra, imagine se n�o tivesse!

-- Mas foi isso mesmo, Glauco! O Taveira n�o dava colher de ch� pra
ningu�m, mas como o Oleg�rio tinha sido um funcion�rio leal durante
tanto tempo, o jeito foi improvisar um castigo diferente, s� pra n�o
parecer bonzinho demais perante a m�fia toda. Foi a solu��o mais
"moral", de acordo com as palavras do bicheiro, que Din� repetiu ao j�
ex-marido. Mais cruel ainda foi a explica��o da pr�pria Din� pra ter
colaborado t�o descontra�da com as vontades do Taveira: "Mas meu bem,
que queria que eu fizesse? N�o v� que salvei sua vida? Se n�o fosse por
bem, eu iria na marra e voc� ia pro saco! Tive que facilitar as coisas,
e continuo tendo, j� que agora estou � disposi��o dele... Voc�, n�o:
comeu coc�, bebeu xixi, mas j� gargarejou e agora s� lembra do gosto se
quiser..."

-- E o Oleg�rio? Qual foi a desculpa que arranjou pra livrar a cara


daquela bosta toda?

-- Tamb�m acha que evitou um duplo assassinato, naquela de "v�o-se os


an�is...", mas a gente sabe que nada apaga um borr�o desses na
reputa��o, mesmo que o cara fa�a de tudo pra manter o caso em segredo
ou, pelo menos, no terreno do boato sem fundamento.
-- E como foi que voc� descobriu que o boato tinha fundo? N�o pode ter
sido o Oleg�rio quem lhe contou...

-- L�gico que n�o. Foi um capanga do Taveira, um dos guarda-costas que


ficaram de vigia na varanda da mans�o na hora em que o rato mastigava e
a gata lambia.

Carlos e Z� Maria, que, como os demais, ouviram o caso sem apartear,


concordaram no final que pra tudo existe justificativa quando nenhuma
apar�ncia tem qualquer salva��o. E voltamos todos aos contos mais amenos
de Pirandello, enquanto nos serv�amos dum bolo de chocolate regado a
suco de maracuj�.

///

[23] DINHEIRO SUADO

Os sonetos 600 e 700 me vieram, em diferentes ocasi�es, quando fui


interpelado a respeito dum artigo que publiquei no gibi CHICLETE COM
BANANA, editado por Angeli na d�cada de oitenta. Minha postura punk e
minha poesia escatol�gica eram j� bem manjadas, mas a molecada ficava
intrigada quanto � veracidade dos tais campeonatos de t�nis podres nos
Estados Unidos e, sobretudo, da minha participa��o neles como jurado.
Mas o que pouca gente sabe � que aqui no Brasil j� fizeram coisa
semelhante, e justamente por causa da minha mat�ria na revista. Claro
que, na �poca, eu ainda n�o tinha perdido totalmente a vis�o, raz�o pela
qual n�o gravei na mem�ria apenas as impress�es olfativas e gustativas.

Tudo come�ou quando a banda Punkadaria me pediu letra para um som que
deveria ser inclu�do no segundo disco, ainda em vinil. Escrevi uma
intitulada "A mulher que se disputa" e, no dia em que o vocalista
Maskar�o veio buscar a encomenda, viu o gibi do Angeli na pilha de
zines.

-- "DOGRAS"? Que porra � essa? (e apontava para a capa da revista)

-- � "DROGAS", mas o Angeli gosta de trocar umas letrinhas pra encher o


saco dos leitores que mais sacam...

-- Falar em letra, cad� a nossa parceria?

-- T� aqui. Bati � m�quina e tirei c�pias pra facilitar.

Maskar�o bebeu meio copo de coca, arrotou estrondosamente (de prop�sito,


a fim de impressionar quem n�o estivesse acostumado) e leu em voz alta:

Ela � mina de fam�lia,


Dizem que � uma grande filha!
� beata que se preza
E quando ajoelha, reza!
Sempre foi compenetrada,
J� virou mulher letrada!
Nem de frente nem por tr�s,
Nunca entrou nenhum rapaz
No seu quarto de solteira
Pra sentar na sua cadeira!
Nunca teve o menor v�cio:
Mas que puta desperd�cio!
Todo mundo lhe cobi�a
O cu que nunca viu pi�a,
A bu�a que tem bigode,
A boca que ningu�m fode!
Mas eu � que sou feliz,
Porque tenho o seu nariz,
J� que a mina � dependente
Dum prazer bem diferente:
Cheirar droga inda mais fina
Que rap� ou coca�na,
Mais vulgar que a pior cola:
Algo que arde em minha sola!
Na hora que tiro o t�nis,
A melhor das higienes
� ver meu chul� podr�o
Encher todo o seu pulm�o!

-- Vai dar um trabalhinho pra decorar, mas bate com a base mel�dica que
voc�s tinham me passado.

-- N�o, Glauc�o, � isso mesmo! Eu n�o queria uma letrinha de dois versos
e um refr�o. Disso a gente j� gravou um monte. Eu queria um tro�o assim,
mais elaborado, mesmo. Voc� pegou bem o esp�rito da coisa.

E leu de novo, cantarolando no ritmo, pra testar a m�trica em


redondilha. Enquanto fui ligar o som pra mostrar ao Maskar�o um LP dos
Ruts do qual costumo falar maravilhas, o rockeiro pegou o gibi de cima
da pilha e ficou folheando. Quando suspendemos a audi��o, ele abriu na
p�gina daquele meu artigo e fez quest�o de reler algumas passagens deste
texto:

"C�s querem saber? Eu n�o ag�ento mais ouvir falar no vedetismo de


fulano que ganhou palma de ouro alhures, ou do estrelismo de sicrano que
venceu a bienal de n�o sei onde, ou da tietagem em volta de beltrano que
foi traduzido na puta que o pariu & premiado na casa do caralho. Eu,
Glauco Mattoso, lhes digo: tamb�m tenho minha fama no exterior, que s�
n�o foi reconhecida aqui porque, gra�as ao nosso habitual atraso, ainda
n�o promovemos o tipo de evento que me consagrou. Trata-se dos
campeonatos de chul�, que acontecem anualmente em v�rias cidades
norte-americanas, como Hartville (Ohio) ou Montpelier (Vermont), e que
j� t�m alcance mundial, atraindo competidores de v�rios pa�ses. Os
vencedores entram pro Hall of Fumes, � semelhan�a do Hall of Fame, a
c�lebre galeria dos astros da m�sica country em Nashville. Pois fiquem
sabendo que j� venci o International Rotten Sneaker Contest (Campeonato
Internacional de T�nis Podres) com um p� nas costas. Simples: pedi
emprestado um par do Pedro o Podre, j� bem curtido, calcei e me mandei
pros States. Isso foi em 1980, quando o concurso s� existia havia cinco
anos. De l� pra c� voltei a participar em outras ocasi�es, desta vez
como juiz, j� que minha experi�ncia de apreciador de chul� deixou os
americanos boquiabertos. Agora todo ano os organizadores insistem em me
convidar com tudo pago, mas quase sempre sou obrigado a recusar, pra n�o
desgastar a imagem e me fazer de dif�cil. Na verdade, dif�cil mesmo �
julgar tantos concorrentes, cada vez mais jovens & chulepentos. No ano
passado, em Newburyport (Massachusetts), aceitei ser 'juiz de t�nis'
(stinky-sneaker judge) no torneio local de t�nis fedidos (Smelly Sneaker
Contest) que valeu como semifinal pro 15� Campeonato Internacional
realizado em Montpelier. O ganhador foi um moleque de 13 anos vindo de
Salisbury, cujos t�nis tive que reconhecer como 'uglier and more
disgusting than all the rest'. Na minha s�mula acrescentei: 'They (os
pisantes) were filthy, rotten, dirty, full of holes, and they stunk
really bad'. O garoto havia encardido & 'defumado' os t�nis andando de
bicicleta. Meus colegas de comiss�o julgadora foram: uma m�e, um
professor de educa��o f�sica e um cachorro treinado. Todos concordaram
com a pontua��o que dei pro garoto, inclusive o 'corporate sponsor'
(patrocinador) do evento, ligado � ind�stria de desodorantes e aos
laborat�rios universit�rios de microbiologia. O garoto cal�ava um cano
alto de lona, tipo favorito ao apodrecimento mais tresandante (e bota
andante nisso), mas isso n�o quer dizer que os de couro ou nylon fiquem
em inferioridade: num torneio regional do meio-oeste (First Midwest
Regional Rotten Sneakers Contest) ocorrido em Hartville na mesma
temporada, um skatista de 15 anos residente em Uniontown foi s�rio
candidato � vit�ria usando um cano alto de couro branco, ou melhor,
ex-branco -- embora o 1� lugar tenha ido pruma garota de 12 anos com um
par de lona recuperado duas vezes da lata de lixo � revelia da tia, que
acabou se conformando quando soube que a sobrinha tinha conquistado o
direito de defender sua cidade na final internacional. Ali em Hartville
os ju�zes foram cinco: uma m�e, um farmac�utico, um professor de
educa��o f�sica, um convidado de honra e um cachorro. Pra ser um bom
'odor-eater', como eles chamam os 'ju�zes de t�nis', n�o basta saber
aplicar os crit�rios de avalia��o que mensuram quanto um t�nis t� gasto,
sujo, suado e chulepento; tem que ter sensibilidade pra discernir os
chul�s mais salgados no meio de outros odores altamente concentrados na
narina, j� que o t�nis � cheirado por dentro e por fora, em v�rias
dist�ncias, cal�ado e descal�ado. Como declarei � imprensa americana,
costumo dizer que 'I'll be on the look out for sneakers that satisfy my
10-foot formula. If I can smell them from 10 feet away, they're in the
running; 20 feet, a definite contender; 30 feet, a ferocious shoe-in'.
Em termos pouco aproximados, uso a 'f�rmula m�trica': se consigo sentir
o chul� a um metro de dist�ncia, o cara t� classificado; a dois metros,
� finalista; a tr�s metros, favorito ao 1� pr�mio. Isso vale n�o s� pro
pisante, mas pro pr�prio p�, pois tamb�m fui jurado em testes de meias e
p�s descal�os, an�logos aos de t�nis podres. Enfim, posso n�o ter ganho
nenhuma palma de ouro, mas uma sola de ouro eu bem que merecia. Que c�s
t�o pensando? N�o sou pouca porcaria!"

-- Cara, c� se liga mesmo nessa de p� fedido, hem?

-- Digamos que n�o � o �nico, mas um dos meus temas prediletos.

-- Mas voc� esteve mesmo nos States?

-- Como concorrente, n�o. Falei s� pra criar clima. Mas fiz parte duma
comiss�o julgadora, sim, levado por um poeta underground que me hospedou
l� e sabia da minha fama de fetichista.

-- Glauco, vou te falar uma coisa: os punks de l� eu n�o sei, mas os


daqui iam abiscoitar tudo quanto � pr�mio se algu�m promovesse um
torneio desses! Nosso baterista mesmo seria s�rio candidato, cara!

-- Quanto desperd�cio! Bem que algum louco podia copiar essa moda
americana, n�? Copiam tanta coisa careta e brega...

-- Em vez de ficar perguntando, por que n�o damos uma resposta? Que tal
um concurso desses aproveitando o show de lan�amento do nosso LP? Voc�
toparia ser juiz?

-- S�! Mas quem vai organizar?


-- Deixa comigo. Se n�o descolar patrocinador oficial, eu arranjo um
alternativo, nem que seja pra avacalhar a f�rmula.

-- E se o baterista se classificar? V�o dizer que foi marmelada...

-- Ele pode ser "hors-concours". N�o � assim que se fala?

Maskar�o levou avante a id�ia e, tr�s meses depois, a gravadora


conseguiu patroc�nio duma marca de artigos esportivos e convidou, al�m
de mim, um t�cnico de basquete universit�rio e um veterano vice-campe�o
de skate. O concerto foi no Projeto SP, na Barra Funda, tendo sido a
final�ssima encaixada no intervalo entre a apresenta��o da banda que
abriu a noite (os Inadimplentes) e o show da Punkadaria. Mas n�o foi
essa premia��o final (vencida por um carteiro) que me propiciou material
para este conto, e sim as sess�es classificat�rias, que tiveram lugar
dias antes no gin�sio dum time de basquete.

Quase oitenta volunt�rios compareceram, atendendo � convoca��o veiculada


no r�dio e numa revista de rock. Uma triagem sum�ria bastou para
eliminar os que se acreditavam o terror da classe mas trocavam de meia �
primeira reclama��o da professora ou da namorada. Sobraram apenas vinte
fortes concorrentes, dos quais sairiam os cinco finalistas. S� eu me
encarreguei dessa etapa qualificat�ria, e um �nico candidato foi quem
teve cara de pau para se descontrair comigo al�m das habituais piadinhas
em torno do poder "dopante" do chul� e do perigo da "depend�ncia" entre
soldados, office-boys ou motoqueiros. Chegada sua vez, o extrovertido
molec�o se sentou na cadeira de bra�os ao lado da mesa onde eu fazia as
anota��es. A posi��o da cadeira permitia que o ocupante erguesse a perna
e comodamente apoiasse o p� direito na beira da mesa.

-- S� deixa o t�nis desamarrado. Afrouxa a ling�eta. Isso. Agora p�e o


p� aqui e deixa que eu tiro. Tem que ser com calma pra ir sentindo aos
poucos...

-- J� saquei, Glauc�o, c� n�o quer perder nem um bafinho, n�? T� viciado


s� no cheiro? Ou no gostinho tamb�m?

Desviei o olho do papel e do pez�o, e encarei o garoto. Sorria com o


mais desinibido dos cinismos. Meio surpreso, adiei o assunto:

-- Antes tenho que ver se o cheiro merece resposta.

La�rcio j� tinha dado nome, idade (19), profiss�o (balconista numa loja
de discos), n�mero do sapato (42) e marca preferida (All Star
importado). Naquela oportunidade cal�ava um Converse azul de cano alto,
que fui puxando devagar, sem aproximar o nariz. Mesmo antes de solt�-lo
do calcanhar, foi poss�vel distinguir a exala��o da meia branca.
Retirado do p�, segurei o t�nis de acordo com o procedimento-padr�o dos
ju�zes americanos: a palma da m�o sob o solado, o bico do cal�ado
voltado para o pulso, de modo a encaixar o cano no nariz como se fosse
uma m�scara de oxig�nio, calcanhar virado para cima. Desse modo a narina
absorve mais diretamente as emana��es que sobem do interior do t�nis,
oriundas do ponto cr�tico onde se acomodam os artelhos e onde o chul�
atinge seu teor mais elevado. O impacto foi sensacional. Inalei
longamente aquele vapor morno e concentrado, fechando os olhos para
melhor apreciar as nuances odor�feras durante a passagem do ar pelas
fossas nasais. Ao afastar o pisante da cara, deparei com o pez�o ainda
apoiado no mesmo lugar, a meia empapada de suor, escurecida por baixo, a
mancha de umidade formando o contorno da sola, enquanto La�rcio mexia os
dedos provocativamente.

-- Que tal, Glauc�o? N�o acha que j� ganhei?

-- Classificado c� j� t�. A chance � grande.

-- E se voc� provar o gosto? Ser� que aumenta a chance?

Como os demais candidatos aguardavam do lado de fora da sala, dava para


levar um papo particular, ainda que r�pido. Contei com a sorte, j� que a
garota do Maskar�o (que atuava como empres�ria da banda) podia entrar e
sair a qualquer momento, n�o para me patrulhar, mas para passar a todos
a sensa��o de que aquilo n�o era putaria disfar�ada. Vendo que o carinha
dava a deixa, fui objetivo:

-- N�o posso garantir porque n�o vou julgar sozinho. Mas se voc� n�o
vencer lhe dou um pr�mio de consola��o bem mais valioso, que tal? Um
pr�mio s� pelo gosto, sem contar o cheiro.

-- Pr�mio em dinheiro?

-- Se voc� quiser.

-- T� topado. Quer uma amostra gr�tis?

Antes que ele tirasse a meia, eu mesmo acompanhei seu gesto de m�o e
desnudei aquele pez�o branquelo. N�o era de dias a gel�ia que se
acumulava entre os dedos magros e compridos: era simplesmente o
resultado dum �nico expediente de trabalho ap�s um banho matinal e a
troca de meia, mas o suficiente para reativar uma verdadeira usina
bacteriana e impregnar o pano e a palmilha. Para n�o protelar demais a
sess�o, ca� de boca no mindinho e chupei-o at� o v�o, passando
repetidamente a l�ngua em volta. Fiz o mesmo em cada dedo, mas do ded�o
s� dei um beijo na ponta. La�rcio abriu ainda mais seu sorriso
descarado:

-- Vai deixar o melhor pra chupar depois, n�? E de outros cheiros, c�


tamb�m gosta?

-- Se forem assim t�o fortes...

-- Dependendo do pr�mio, concorro em v�rias categorias, cara!

-- Ent�o vamos deixar em aberto. Na hora a gente v�.

Trocamos telefones e, quando ele se levantou para dar lugar ao pr�ximo


candidato, pude notar o volume sob o z�per dos jeans. O meu ele n�o
podia conferir porque a mesa me dava cobertura, mas La�rcio sabia, pelo
calor da minha l�ngua, que aquela seria, disparado, minha maior ere��o
do dia e minha principal punheta por muitas noites.

///

[24] O INCOMODADO QUE N�O SE MUDOU

Sonetos como aqueles, "Primeirizado", "Segundizado" e "Terceirizado"


(634 a 636) me vieram na �poca em que, pela rede virtual, travei contato
com outro cego solit�rio disposto ao auto-sacrif�cio sexual. At� ent�o
eu me julgava um rar�ssimo caso de masoquismo gay legitimado pela
defici�ncia visual, e pensava ser praticamente o �nico exemplo de
cidad�o que, enquanto implica com a vizinhan�a barulhenta, suplica a
Zeus uma chance de ser fisicamente espezinhado pelo mais incivil dos
vizinhos. De repente me defronto com outro gato-sapato das
metropolitanas cr�nicas condominiais, e caio de quatro quando Anacleto,
ao "ler" no computador falante meus sonetos mais despudorados, confessa
ter passado iguais bocados na m�o de outro morador do pr�dio. N�o o meu
edif�cio, claro, pois seria coincid�ncia demais. Mesmo assim acho
incr�vel a semelhan�a de nossas experi�ncias. Por fone Anacleto foi me
contando como rolou a coisa:

-- Tamb�m uso o Dos Vox, Glauco, mas n�o tenho um s�tio como voc�. S�
mesmo o "emeio". Acontece que fiz uma coisa que voc� ainda n�o se animou
a fazer: pus um classificado me oferecendo como chupeteiro.

-- Pra mim seria perda de tempo. Quem vai querer um cego chupador de p�
de macho? Nem tem se��o de classificados onde eu pudesse anunciar na
rede...

-- Isso � o que voc� pensa, Glauco. Tem portal pra tudo, e quem tem dedo
pra digitar tem com que ocupar a boca, pode estar certo.

-- Mas voc� teve muito retorno pro an�ncio?

-- N�o tanto quanto uma puta com olho de lim�o, cabelo de milho e l�bio
de morango, mas que pingavam uns gatos, pingavam.

-- Mas vem c�: voc� tinha coragem de receber um estranho em casa, e


ainda por cima sem poder ver a cara do sujeito?

-- A� � que t�: quase nunca aconteceu. Ficava mesmo s� no sexo virtual,


na troca de... digamos, "cartas de inten��o". Pra falar a verdade, o tal
vizinho foi o primeiro que eu deixei vir. Mas juro que eu n�o sabia que
era ele.

-- Por que deixou, ent�o? Justo ele?

-- Simples: insistiu muito, mais que os outros, pra me conhecer


pessoalmente. E n�o insistiu pedindo, n�o: insistiu mandando, impondo
como condi��o pra continuar o contato.

-- E o cara tinha mesmo esse poder de persuas�o? Ou era voc� que tava
carente demais?

-- As duas coisas. Mas resisti � tenta��o de encontrar outros caralhos,


e aquele me venceu pela voz de comando. Acontece que o cara era t�o
folgado como interlocutor internauta quanto era como vizinho.

-- E voc� n�o desconfiou que podia ser a mesma pessoa?

-- Nada! E voc� acredita, Glauco, que mesmo tendo falado com ele por
fone, n�o me toquei que era a voz do Jamil do ap� de cima? T� certo que
at� ali pouco t�nhamos conversado, mas sendo ele t�o folgado, rindo e
cantando alto dentro e fora de casa, n�o d� pra entender como n�o
reconheci aquele vozeir�o de feirante...

-- Por que voc� tinha queixa dele? S� barulho?


-- E voc� acha pouco? Sem vis�o qualquer barulhinho incomoda, voc� sabe.
Seu sono n�o � leve, Glauco? Ent�o! O meu tamb�m. Pois o Jamil chegava
de madrugada, batia porta, pisava duro no soalho de t�bua, arrastava
m�vel, ligava som, conversava com visita, tudo na hora em que eu queria
dormir! N�o sei como os outros vizinhos n�o se perturbavam! S� se tinham
medo do "turco" e n�o queriam reclamar! Mas eu perdi a paci�ncia.
Primeiro tentei falar com ele, resolver tudo de maneira civilizada. Foi
pior. Jamil respondeu com quatro pedras na m�o, e dali em diante n�o deu
mais nem boa tarde, nem ele nem a mulher. Quando eu entrava no elevador,
qualquer vizinho cumprimentava, perguntava se eu queria ajuda, apertava
o bot�o do meu andar... Quando tinha gente no elevador mas ningu�m
respondia, era certeza ser ele. E a barulheira s� piorou, parece que ele
passou a fazer de prop�sito, pelo jeito como ria, cada vez mais alto. O
engra�ado � que isso costumava acontecer quando a mulher viajava... Em
vez de aproveitar o sossego, a� � que o Jamil ficava mais agitado.

-- Voc� n�o reclamou pro s�ndico?

-- E adiantava? Eu j� tava vendo a hora em que ia ter de tomar outras


provid�ncias, mas essa hora foi atropelada pelo computador. Bem que eu
percebi que os ru�dos paravam no meio da madrugada, mas n�o era porque
ele tivesse ido dormir: ficava conectado, quem sabe navegando na putaria
digital...

-- Como ser� que ele chegou at� o seu an�ncio?

-- Sei l�. Disse ele que foi pelo buscador. Depois de ter se divertido
sapateando no quarto, bem em cima da minha cabe�a, lembrou da minha
cegueira e resolveu pesquisar p�ginas de cegos pra ver como reagiam aos
desrespeitos e �s ofensas. No meio de muita "dignidade" e "cidadania"
achou minha confiss�o de fraqueza e minha proposta de "servi�o"
compat�vel com minha posi��o inferiorizada, ou seja, chupar rola. Ah,
imediatamente come�ou a me mandar "emeios".

-- Como soube que era voc�? Pelo nome?

-- N�o, eu usava um codinome, mas na troca de mensagens fui dando pistas


de onde morava, detalhes do bairro, da rua, do pr�dio. S� dei telefone
depois duns dias, mas nem foi preciso citar n�mero do pr�dio ou do ap�,
que ele j� tinha sacado rapidinho.

-- Ele mudou de conversa quando viu que era voc�?

-- Mudou, mas s� pra ficar ainda mais abusado. Primeiro escrevia que
tava a fim de me foder a garganta at� sufocar; depois que pegou meu fone
avisou que ia me usar como mict�rio...

-- E voc� sem saber que tava falando com o vizinho de cima?

-- Pois �! No telefone ele baixava a voz, engrossava, falava mais


devagar, com uma calma que o Jamil nunca tinha quando papeava sobre
futebol nas mesinhas da padaria ou quando discutia com a mulher. S�
mesmo pessoalmente foi que ele se identificou, mas a� j� era tarde, ele
tava dentro da minha sala, sentado no meu sof�, bebendo minha cerveja e
rindo da minha cara... N�o tive outra alternativa a n�o ser engolir em
seco e responder que tava pronto pra come�ar a trabalhar...

-- Que situa��o, hem? Cair numa armadilha dessas! S� mesmo a internet


pra aproximar pessoas t�o pr�ximas mas t�o incomunic�veis! Agora me
diga: foi dif�cil satisfazer o Jamil?

-- At� que n�o, porque na hora cr�tica a gente parece que entra em
transe e s� se concentra naquilo... Mas deixei que ele pensasse que tava
me arrasando ao m�ximo, me reduzindo a lixo...

-- Ele foi violento?

-- Porrada n�o chegou a dar, mas amea�ava cada vez que dava uma ordem.
Duro mesmo foi s� ag�entar a rola quando ele metia fundo e bombava.
Ficava sentado, de perna bem aberta, e eu ajoelhado no tapete. De vez em
quando ele chegava a passar as coxas por cima dos meus ombros, cruzando
os p�s nas minhas costas. Eu era fodido como um bicho, Glauco, minha
boca parecia buceta de cadela. Eu suava, sentia meu nariz escorrendo,
mas tinha que continuar at� que ele resolvesse mudar de posi��o e
mandasse lamber o talo ou o saco...

-- Ele fedia?

-- O normal. Achei que ia ser mais forte, mas o cheiro era de cueca
suja, como qualquer um antes do banho. S� depois de gozar � que o bicho
pegava, porque ele n�o deixava tirar da boca e acabava aliviando a
bexiga depois de esporrar...

-- Dava pra engolir tudo?

-- Dava porque era s� um restinho. A mijada maior ele sempre soltava


antes, na minha privada. O detalhe � que nunca dava a descarga. Deixava
fedendo, porque eu j� tinha dito que iria l� cheirar depois que ele
tivesse sa�do. S� uma vez me fez cheirar na frente dele, mas a� tive que
debru�ar no vaso at� encostar a boca na �gua. Fiquei com medo que ele
empurrasse minha cabe�a pra dentro, mas ele s� ficou rindo e mandando:
"A�, ceguinho, beija o mijo! Molha a cara! T� sentindo, meu? Voc� n�o
passa disso, um buraco de descarga!"

-- Cena forte, hem? Isso se repetiu?

-- A chupeta sim, muitas vezes, mas n�s dois no banheiro foi s� aquela
vez.

-- Ningu�m no pr�dio percebia que voc�s se encontravam?

-- Acho que n�o. A comunica��o nunca era pelo interfone. Ele sempre
avisava antes de vir, e pra que n�o tocasse a campainha eu deixava a
porta s� encostada.

-- E as sess�es, eram demoradas?

-- N�o, cada vez mais r�pidas. At� que ele acabou enjoando. Ficou tudo
f�cil demais, perdeu a gra�a de me ver sem jeito, passado de vergonha,
como das primeiras vezes. A coisa foi ficando indiferente, eu aprendi a
controlar a �nsia, a beber os jatinhos de mijo sem babar, tudo
funcionava sem trauma. De repente at� a mulher dele parou de viajar. Era
jornalista, sempre pautada pra cobrir o que rolava em tudo quanto era
lugar. Parece que promoveram a fulana e ela j� n�o precisava ficar
saindo de S�o Paulo. Com ela em casa, o Jamil falava menos, sa�a menos,
enchia menos o saco dos vizinhos... e enchia menos minha boca, tamb�m.
-- A coisa morreu assim, sem mais nem menos?

-- Pois �, Glauco, n�o teve desfecho de cinema. Depois dum tempo, o


Jamil at� fazia de conta que nem me conhecia. Ele e a mulher cruzavam
comigo no elevador, no sagu�o, e passavam conversando, simplesmente
ignorando a minha presen�a. Fui como uma camisinha ou um peda�o de papel
higi�nico, que a gente usa e descarta.

-- Antes assim do que um Jamil definitivo na sua sala ou na sua privada,


n�o acha?

-- E antes assim que um barulho definitivo no meu teto! Que diminuiu,


n�o resta d�vida. Ou vai ver que fui eu que me acostumei...? Sei l�,
Glauco, prefiro n�o tirar nenhuma conclus�o.

-- "Durma-se com um barulho desses!", como diria um leitor que duvida da


veracidade dos meus sonetos...

///

[25] O ROTO E O ESFARRAPADO

O soneto 663 me veio quando, conversando com um amigo sobre incesto,


contava-me ele o que um primo lhe confidenciara. O assunto surgiu
naturalmente, j� que nem eu nem Agenor temos reservas morais ou
politicamente corretas. Agenor chega a ressalvar que entende toda a
carga condenat�ria que pesa sobre o sexo incestuoso, mas acha que s� no
temor da gravidez residiria alguma justificativa para o tabu. Fora
disso, nada obstaria, por exemplo, uma experi�ncia entre irm�os homens,
coisa que, segundo ele, � muito mais freq�ente do que se sup�e.

-- Principalmente na adolesc�ncia, Glauco. Voc� mesmo n�o me mostrou


outro dia uns livros americanos que colecionam casos de sexo bizarro?
Lembra daquele onde o mais novo � abusado pelo mais velho?

-- Lembro, claro. Mas n�o custa reler pra refrescar.

Fomos at� a estante e Agenor abriu um dos volumes das TRUE HOMOSEXUAL
EXPERIENCES em que o editor da Gay Sunshine Press re�ne os depoimentos
que sa�am no incorret�ssimo fanzine STRAIGHT TO HELL de Boyd McDonald. O
relato relido por Agenor era o dum leitor que testemunhava: "I've been
sucking cock since I was a boy, when my older brother and I used to
sleep together. I remember how funky his groin smelled and how big his
dick seemed. It took some effort, but I was able to open my mouth wide
enough to insert the smooth cut head of his prick and about 2" of his
shaft. He never wasted any time with 'fag romancing' (as he called it);
he just pulled me over to him in the middle of the night, pushed my head
under the covers to his already hard cock and used my mouth as a
receptacle for his somewhat sweet cum. Since I lived in fear of my big
brother (he was the oldest in a family of 5 boys and 3 girls), he was
pretty certain that I wouldn't squeal on him and his shocking
activities. I really hated him, but he was usually in charge of
baby-sitting me when our parents were out and he would regularly beat
the shit out of me so I knew better than to say anything to our parents.
He is now a big wheel in law enforcement in Northern Michigan. As time
went on he used to order me to suck his balls (the hairs from those
balls were forever getting caught in my teeth), lick around his smelly
asshole and lick his dick like it was a big hot lollipop. He loved to
straddle me while I was laying on my back, stick his prick in my mouth
and then pull it out when he was ready to shoot so he could squirt his
sticky cum all over my face. Then he told me to wipe it off my face with
my hand and eat it. All this (and other refinements) went on EVERY
SINGLE NIGHT for two years until we moved into a bigger house and I got
my own bedroom. I locked my door. In two whole years of 'servicing' my
brother, he never once touched me. [Editor's note: This sounds like an
ideal relationship; please tell us more -- what was said and done,
especially the refinements. It's time we got some refinement in this
magazine.]"

-- Seu primo passou por isso?

-- Passou, mas na situa��o inversa. Foi o mais novo que abusou dele.

-- Ele tinha quantos anos?

-- Quando a coisa come�ou, tinha dezessete. O irm�o dele estava com


catorze. Vou chamar o ca�ula de Jo�o e o do meio de Jos�. Eles tinham um
terceiro irm�o, mas era bem mais velho, dum outro casamento da m�e, que
era vi�va do primeiro pai e separada do segundo. A fam�lia at� que n�o
era pobre, j� que tanto a m�e quanto o primog�nito trabalhavam. Mas o Z�
e o J� s� estudavam, e no resto do tempo ficavam � toa. Na rua brincavam
com turmas diferentes, cada uma na sua faixa et�ria. J� em casa
brincavam a dois, ou antes, mais brigavam que brincavam. A maior
implic�ncia do Z� era com a teimosia do J� em xeretar nas suas coisas.
As gavetas n�o tinham chave, mas no guarda-roupa enorme cada um dos
filhos usava uma porta, e a regra era que nenhum deles abrisse a porta
do outro. Na porta do meio ningu�m mexia porque era a do mano mais
velho, mas as laterais eram sempre motivo de alguma rixa, o dono duma
porta acusando o dono da outra porta quando qualquer coisa tava fora do
lugar. Principalmente na gaveta dos gibis. Aqui come�a a coisa. Sabendo
que o J� ia fu�ar ali (mesmo correndo o risco de levar umas biabas), Z�
deixou de prop�sito uma revistinha de sacanagem no meio das outras.
Percebe a jogada, Glauco?

-- Acho que sim. Ele procurava ao mesmo tempo um motivo pra brigar e pra
puxar o assunto proibido. Mas com que inten��o?

-- Acontece que Z� costumava espionar as punhetas do J�. A m�e dormia no


outro quarto e o irm�o mais velho voltava de madrugada, de maneira que,
� noite, j� de luz apagada, Z� fingia ter pegado no sono enquanto
escutava os barulhinhos na cama do J�: o moleque melava a cueca
respirando esbaforido e cochichando frases tremidas tipo "Chupa a�,
filha da puta! Engole essa porra!"... Claro que Z� j� sentia algum tes�o
por marmanjos da sua idade, perto dos dezoito, mas n�o tinha coragem de
dar bandeira numa periferia onde ser apontado como bicha significava
quase um linchamento. De repente a sexualidade que transpirava do
maninho virou uma tenta��o e uma obsess�o pro Z�, mas ele sabia que o
�nico jeito de chegar �s vias de fato seria transformar uma das pr�ximas
brigas em pretexto pruma negocia��o direta. N�o deu outra: J� achou a
revistinha, viu todas aquelas fotos de paus sendo chupados por putas, de
tudo quanto � �ngulo, e, quando Z� puxou briga, revidou a acusa��o com
uma amea�a: "Mexi mesmo, e da�? Se encostar a m�o em mim conto pra m�e
que voc� guarda essas putarias! E tem mais: daqui pra frente c� n�o vai
mais me dar porrada, n�o! T� sacando?" Z� s� esperava por isso pra se
deixar dominar: "Tudo bem, vai ser como voc� quiser. Vamos combinar uma
coisa: se isso fica s� entre n�s, topo at� participar da sua punheta..."
J� duvidou e desafiou: "Ah, �? S� se for me chupando, que nem aquelas
putas da revista!" A� Z� entregou os pontos: "A gente pode experimentar.
N�o sei se vou conseguir, mas se der certo..." Quando J� sacou que Z�
n�o tava brincando, ficou louco pra trocar a m�o pela boca do man�o. Foi
chupado naquela mesma noite, sem sair da cama, enquanto Z� se ajoelhava
no ch�o e come�ava lambendo as bolas do moleque. No que a l�ngua ia
chegando � ponta do pequeno caralho, o cheiro de sebinho ficou mais
forte e Z� teve nojo, mas o tes�o era mais forte e ele continuou at�
sentir na l�ngua a superf�cie lisinha da cabe�a no meio da pele fedida
que quase n�o dava pra arrega�ar. Ag�entou os pedacinhos de sebo
derretendo na saliva, tragou a gosma que lhe foi esguichada no fundo do
gog�, e acabou se convencendo de que sua tend�ncia seria mesmo de se
sujeitar ao ato da fela��o. J� gozou sussurrando alguma coisa que Z� n�o
entendeu, mas que j� imaginava serem palavras de desforra. Nas sess�es
seguintes, tipo uma por semana, J� continuou sem tomar a iniciativa,
apenas se entregando ao trabalho bucal do irm�o, mas numa noite n�o
esperou que Z� atendesse ao seu chamado do costume ("T� acordado? Ent�o
vem me chupar! Pode come�ar...") e passou a ditar regras: "Ainda n�o.
Antes de p�r na boca c� vai s� bolinando e esperando eu mandar. Primeiro
pega na m�o e vai segurando de leve. Isso. Agora escuta o que eu vou
falar: vou querer todo dia, mas n�o s� aqui na cama. Quero variar de
posi��o, quero ficar em p� e ver voc� chupando no claro. Outra coisa: na
hora que eu t� gozando c� tem que parar de passar a l�ngua na ponta.
Espera a porra sair toda, depois engole. Se passar a l�ngua ali naquela
horinha, a sensa��o atrapalha meu gozo..." A partir de ent�o Z� percebeu
que o maninho tomava conta da situa��o e que j� se acomodava na posi��o
de mando. Dali em diante seu regime ficou sendo o dum escravo sexual �
disposi��o do moleque: a qualquer momento, desde que ningu�m estivesse
por perto, podia ser chamado a ficar de joelho em todo lugar da casa, a
levar a rola do maninho na boca e a cumprir ordens cada vez mais
descaradas, tipo apoiar a cabe�a na beira da privada e deixar o mijo do
J� escorrer pela cara, l�bios adentro, ou ficar firme enquanto J� lhe
segurava as orelhas pra bombar at� a goela na maior empolga��o, todo
orgulhoso da sua juventude bem aproveitada. Nessas horas o pau do Z�
tamb�m dava pulos dentro das cal�as, superando a consci�ncia da vergonha
e da raiva pela sensa��o irresist�vel do prazer de estar sendo usado. A
mistura de vergonha e raiva era porque, entre uma sess�o e outra, os
dois continuavam se estranhando por quaisquer motivos, e desses atritos
s� sobrava mais disposi��o do J� em "descontar" e do Z� em "pagar o
pato" por estar, como ele mesmo reconhecia, "viciado em ser fodido na
cara". J� pensou, Glauco?

-- Porra, Agenor, s� de imaginar j� fico de pau duro! Vou ter de pensar


nisso na pr�xima punheta...

-- Ent�o vai ter de pensar em mais uns detalhes. Uma vez o J� resolveu
brincar com os limites do nojo daquele mano feito de bobo. Terminou de
cagar e nem limpou a bunda: chamou o Z�, que tava ocupado fazendo li��o
de casa, e mandou deitar no ch�o do banheiro, de cara pra cima. Z�
sentiu o cheiro que vinha da privada e quis recusar, mas recebeu a ordem
como uma bofetada: "Deita a�, t� mandando! Anda, deixa de frescura!
Quero sua boca debaixo do meu cu! Vai me servir de papel higi�nico! N�o,
n�o, nada de conversa! Vai lamber meu cu e � j�!" Z� sentiu o sangue
subir. Era hora de descer o bra�o naquele folgado e acabar duma vez com
tanta falta de respeito. Mas fraquejou, foi tomado pelo del�rio da
obedi�ncia cega e pelo fasc�nio da molecagem descontrolada. Parou de
retrucar e caiu de costas, deixando que J� lhe montasse no rosto. O
moleque at� gritava "I�pi!" quando sentiu a l�ngua do mano entrando por
onde a merda tinha acabado de sair, quase a mesma gostosura de se
aliviar dum tolete bem molhadinho. O cu piscava de del�cia. Resultou da�
que Z� teve de descobrir como o masoquismo � praticamente inesgot�vel...
Hoje ele nem tem cara e coragem pra se arriscar nesses excessos, mas
ainda lembra da coisa com uma saudade que d� at� inveja...

-- Eu que o diga! Em mat�ria de inveja posso me gabar de ser imbat�vel.


Mas preciso saber como terminou a coisa!

-- Ah, nada de surpreendente: J� come�ou a namorar, a sair com as


menininhas mais f�ceis... e foi se esquecendo de usar a boca do mano,
que por sua vez tamb�m foi ficando � vontade pra procurar parceiros mais
velhos e pra fazer coisas menos "brincalhonas"...

-- Ta�, Agenor: incr�vel como a juventude � descontra�da e


inconseq�ente, n� mesmo? Basta o cara "amadurecer" um pouco e j� deixa
de lado essas "loucuras de crian�a"... Mal sabem os moleques que essa �
a maior oportunidade de realizar fantasias na vida da gente! Chances
como essa quase nunca se repetem.

-- A n�o ser na literatura, n�, Glauco?

/// [19/6/2012]

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