Livro Se RBCV 2020i
Livro Se RBCV 2020i
Livro Se RBCV 2020i
BIOSFERA
NA RESERVA DA
DO CINTURÃO VERDE
DA CIDADE DE SÃO PAULO
São Paulo
2020
© INSTITUTO FLORESTAL
Rua do Horto, 931 - Horto Florestal
02377-000 - São Paulo - SP
Fone: +55 11 2231 8555
www.iflorestal.sp.gov.br [email protected]
S446s
Vários autores
Disponível em: http://www.iflorestal.sp.gov.br
ISBN: 978-85-64808-21-8
CDU: 502.211(815.6)
MARCOS PENIDO
Secretário de Estado de Infraestrutura e Meio Ambiente
RODRIGO LEVKOVICZ
Diretor Executivo da Fundação Florestal
PARTE 1
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS DE PROVISÃO
1.1 O Produtor e o Serviço Ecossistêmico de Provisão
de Alimentos........................................................................... 35
1.2 Recursos Florestais Madeireiros e Derivados........................ 103
1.3
Produtos Bioquímicos, Medicamentos Naturais e Produtos
Farmacêuticos: o Potencial Farmacológico de Espécies
encontradas na RBCV............................................................ 129
1.4
Provisão, Regulação da Água e Bem-Estar Humano.............. 175
PARTE 2
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS DE REGULAÇÃO
2.1 Processos Geohidrológicos de Erosão, Escorregamentos,
Assoreamentos e Inundações............................................... 239
2.2 Qualidade do Ar..................................................................... 275
2.3 Fixação de Carbono em Superfície e Redução
de Gases de Efeito Estufa na Atmosfera............................... 317
2.4 Regulação Climática.............................................................. 367
PARTE 3
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS CULTURAIS
3.1 Serviços Culturais Folclorísticos: a dimensão do
Folclore Caipira..................................................................... 413
3.2 Lazer e Turismo: uma reflexão sobre o Ecoturismo, Turismo
Rural e Turismo de Aventura.................................................. 445
PARTE 4
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS DE SUPORTE
4.1 A Biodiversidade como Serviço Ecossistêmico de Suporte.... 505
PARTE 5
FERRAMENTAS DE APOIO À TOMADA DE DECISÃO
5.1 Valoração Econômico-Ecológica de Ecossistemas e seus
Serviços................................................................................. 541
Coordenadores
Elaine Aparecida Rodrigues | IF/SIMA - IPEN/USP
Rodrigo Antonio Braga Moraes Victor | FF/SIMA
Autores
Elaine Aparecida Rodrigues | IF/SIMA - IPEN/USP
Rodrigo Antonio Braga Moraes Victor | FF/SIMA
São Paulo
Autora contribuinte:
2019
Angelica Maria Fernandes Barradas | FF/SIMA
2 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
SUMÁRIO
2 | Serviços ecossistêmicos................................................................................. 18
Referências............................................................................................................ 32
4 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 Rede Brasileira de Reservas da Biosfera.
Figura 2 Manifesto em defesa da Cantareira, década de 1980.
Figura 3 Entrega de abaixo-assinado, com cerca de 150 mil assinaturas, a Tânia Munhoz,
presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), para a declaração do Cinturão Verde como Reserva da Biosfera, em 1989.
Figura 4 Diploma da UNESCO de declaração da RBCV (1994).
Figura 5 Casa das Reservas da Biosfera, localizada no Parque Estadual Alberto Löfgren, que
abriga a Coordenação Executiva da RBCV, a Presidência da RBMA e suas equipes
técnicas.
Figura 6 Estudantes do PJ-MAIS, em atividades na Semana de Meio Ambiente (2006) (A) (B); NEE
São Bernardo do Campo (2005) (C); Caieiras (2006) (D); Cotia/Morro Grande (2006) (E) (F);
Cubatão, (2015) (G); Atividade PROMAFS (2006) (H); e no Caminhos do Mar (PESM) (I)".
Figura 7 Representação esquemática do zoneamento da RBCV em dois momentos: criação (1994)
e 2ª revisão do zoneamento (2019).
Figura 8 Imagem de satélite do território da RBCV, representação esquemática de sua localização
na América do Sul, da localização da RMSP e da cidade de São Paulo.
Figura 9 Diploma da UNESCO que reconheceu a individualização da RBCV, em 2017.
Figura 10 Unidades de conservação no território da RBCV, em 2020.
Figura 11 M arco conceitual da Avaliação Ecossistêmica do Milênio (A) e da Plataforma
Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (B).
Figura 12 Tendência de expansão urbana em áreas da RBCV em 2030 e potenciais conflitos para
a biodiversidade.
Figura 13 As avaliações subglobais no âmbito da Avaliação Ecossistêmica do Milênio.
Figura 14 I nclusão da ASG-RBCV como avaliação ecossistêmica aprovada junto à rede de avaliações
subglobais da AEM.
Figura 15 Capacidade de fornecimento de serviços ecossistêmicos na RBCV.
TABELAS
Tabela 1 Reservas da Biosfera no Brasil.
Tabela 2 Serviços ecossistêmicos identificados na proposta de criação da RBCV.
Tabela 3 Critérios de zoneamento da RBCV.
Tabela 4 Ficha técnica da RBCV.
Tabela 5 Estado geral dos serviços de provisão, regulação e culturais considerados na Avaliação
Ecossistêmica do Milênio.
Tabela 6 Tendências mundiais da capacidade da natureza para manter suas contribuições para
uma boa qualidade de vida, desde 1970 ao presente.
Tabela 7 Classificação de importantes serviços ecossistêmicos em áreas urbanas e seus
principais componentes e funções ecológicas.
UM CINTURÃO DE VIDA AO REDOR DE SÃO PAULO 5
SIGLAS
AEM Avaliação Ecossistêmica do Milênio | Millennium Ecosystem Assessment (MEA)
AHPCE Associação Holística de Participação Comunitária Ecológica
AMAR Associação de Moradores e Amigos da RBCV
APA Área de Proteção Ambiental (categoria de UC do SNUC)
ASG-RBCV Avaliação Suglobal da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo
CO2 Dióxido de carbono
COBRAMAB Comissão Brasileira para o Programa “O Homem e a Biosfera”
DF Distrito Federal
FE Floresta Estadual (categoria de UC do SNUC)
FF Fundação Florestal
ha Hectares
IF Instituto Florestal
IPBES Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem | Plataforma
Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos
IPEN Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares
MAB Man And Bioshere | Programa O Homem e a Biosfera
NCP Nature's Contributions to People | contribuições da natureza para as pessoas
NEE Núcleo de Educação Ecoprofissional
ODS Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
PDUI Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado
PE Parque Estadual (categoria de UC do SNUC)
PJ-MAIS Programa de Jovens – Meio Ambiente e Integração Social
PNM Parque Natural Municipal (categoria de UC do SNUC)
RB Reserva da Biosfera
RBAC Reserva da Biosfera da Amazônia Central
RBC Reserva da Biosfera do Cerrado
RBCA Reserva da Biosfera da Caatinga
RBCV Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo
RBMA Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
RBP Reserva da Biosfera do Pantanal
RBSE Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço
RM Região Metropolitana
RMBS Região Metropolitana da Baixada Santista
RMSP Região Metropolitana de São Paulo
SCOPE Scientific Committee on Problems of the Environment | Comitê Científico sobre Problemas
do Meio Ambiente
SIMA Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
UNESCO United Nations Education, Scientific and Cultural Organization | Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
USP Universidade de São Paulo
6 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
1 | DA CRIAÇÃO DA RBCV
À SUA INDIVIDUALIZAÇÃO NA
Para ultrapassar os conceitos tradicionais
de conservação, as reservas se apoiam em um
DA BIOSFERA
prioritárias para conservação com outras que
propõem usos diferenciados, com diferentes
graus de intervenção humana em que o desen-
volvimento sustentável é priorizado e promovi-
A
s reservas da biosfera (RB), criadas no âm- do com sistemas de governança em geral inova-
bito do Programa o Homem e a Biosfera (Man dores e participativos.
And Biosphere – MAB), da Organização das Na- Essas três zonas inter-relacionadas objeti-
ções Unidas para a Educação, Ciência e Cultura vam o atingimento das três funções complemen-
(UNESCO), representam mais do que uma figu- tares das reservas, que se reforçam mutuamen-
ra preservacionista tradicional, uma vez que te (UNESCO, 2020). O zoneamento das reservas
se baseiam em conceitos que apontam explici- da biosfera contempla:
tamente para a conciliação entre conservação ¢ zona núcleo: compreende ecossistemas
ambiental e desenvolvimento socioeconômico, mais íntegros, protegidos em regimes
em convergência com os pressupostos contem- mais restritivos de conservação e que
porâneos de sustentabilidade (RODRIGUES et al., melhor contribuem com a preservação
2006). As reservas da biosfera visam a cumprir das paisagens, ecossistemas, espécies e
três funções interconectadas: i) conservação variabilidade genética;
da biodiversidade e da diversidade cultural; ii) ¢ zona de amortecimento (e conectivida-
desenvolvimento econômico que seja ambiental, de): envolve ou une as zonas núcleo e é uti-
social e culturalmente sustentável (com espe- lizada para atividades compatíveis com
cial preocupação com o bem-estar humano); e boas práticas ecológicas, que incluem a
iii) apoio logístico (educação, treinamento, pes- pesquisa científica, treinamento e educa-
quisa e monitoramento como base para o desen- ção; buscam assegurar a conectividade
volvimento) (UNESCO, 2020; MMA, 2016). na paisagem para além da amortização
O Programa MAB teve início em 1971 e dos impactos da ação antrópica sobre as
tem como elemento essencial as reservas da zonas núcleo. Essas zonas também pos-
biosfera, definidas como “lugares de apren- suem, per se, importante função de con-
dizado para o desenvolvimento sustentável” servação da biodiversidade;
(UNESCO, 2020). Criadas em 1976, são carac- ¢ zona de transição (e cooperação): é a
terizadas como sítios destinados a explorar e área da reserva onde se dá a maioria
demonstrar abordagens da conservação e do das atividades humanas, como agricul-
desenvolvimento sustentável em escala regio- tura e pequenos núcleos urbanos; pro-
nal, sob a jurisdição soberana de cada país, que move o desenvolvimento econômico e
compartilham suas ideias e experiências no humano que seja sociocultural e ecolo-
âmbito da Rede Mundial de Reservas da Bios- gicamente sustentável.
fera (UNESCO, 2020; JAEGER, 2005). Essa rede
está constituída por 714 reservas, distribuídas As reservas da biosfera ainda se carac-
em 129 países: 86 reservas da biosfera em 31 terizam por apresentar foco em abordagem de
países da África; 33 reservas da biosfera em múltiplas partes interessadas, com particular
12 países nos Estados Árabes; 161 reservas da envolvimento das comunidades locais na ges-
biosfera em 24 países da Ásia e Pacífico; 303 tão; fomento ao diálogo para resolução de con-
reservas da biosfera em 40 países da Europa e flitos no uso dos recursos naturais; integração
América do Norte; e 131 reservas da biosfera da diversidade cultural e biológica, com especial
em 22 países da América Latina e do Caribe. Os atenção ao papel do conhecimento tradicional
países com maior número de reservas da bios- na gestão dos ecossistemas; demonstração de
fera em seus territórios são: Espanha (52); Rús- boas práticas e políticas adequadas de desen-
sia (47); México (42); China (34); Estados Uni- volvimento sustentável (definidas com base
dos (28); Itália (19); Alemanha (16); Argentina em pesquisa e monitoramento); atuação como
(15) (UNESCO, 2020). locais de excelência em educação e treinamento;
UM CINTURÃO DE VIDA AO REDOR DE SÃO PAULO 7
Ano de declaração
Reserva da Biosfera Área (km2) Divisão Administrativa
e de ampliações
Mata Atlântica 1991 (declaração) 895.266 Dezessete estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito
(RBMA) Ampliações: 1992, 1993, Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas
2000, 2002, 2008, 2019 Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí
Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande
do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe
Cinturão Verde da 1994 (integrante da RBMA) 24.006 Setenta e oito municípios (RMSP, RMBS
Cidade de São Paulo 2008 (ampliação e revisão e municípios envoltórios)
(RBCV) de zoneamento)
2017 (individualização
na Rede Mundial)
2019 (atualização de zonas)
Cerrado (RBC) 1993 (declaração) 285.387 Quatro estados e DF: Distrito Federal, Goiás,
2000; 2001 (ampliações) Maranhão, Piauí, Tocantins
Pantanal (RBP) 2000 260.642 Dois estados: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul
Amazônia Central 2001 198.072 Amazonas
(RBAC)
Caatinga (RBCA) 2001 286.837 Nove estados: Piauí, Tabela 1 |
Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia Reservas da Biosfera no
e norte do estado de Minas Gerais Brasil.
Fonte: Elaboração
Serra do Espinhaço 2005 (declaração) 101.905 Cento e setenta e dois municípios de Minas Gerais própria. Com base em
(RBSE) 2019 (ampliação)
MMA (2019a).
8 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 1 |
Rede Brasileira de
Reservas da Biosfera.
Fonte: Adaptado de
MMA (2019a).
Enquanto em 2018 55% da população mundial Idealmente, esses serviços ecossistêmicos deve-
(4,8 bilhões de pessoas) viviam em cidades, em riam estar disponíveis tanto no entorno quan-
2030 a área urbana mundial deverá ser três vezes to no interior das áreas urbanas (RODRIGUES;
maior do que era em 2000 e passará de 400 mil VICTOR, 2014). O conceito de reserva da biosfera
km2 para 1,2 milhão de km2. Cenários apontam e sua aplicação ao contexto urbano estabelece as
que até 2050, com um acréscimo de 2,4 bilhões bases para um planejamento integrado dos sis-
de pessoas em relação a 2018 (o equivalente, em temas urbanos e periurbanos (UNESCO, 2003).
termos populacionais, a uma nova Londres a cada Na década de 1980, a degradação ambien-
sete semanas), serão 68% do total da população tal nas áreas periurbanas da metrópole pau-
mundial em áreas urbanas (UN-HABITAT, 2016; lista gerou uma grande mobilização liderada
McDONALD et al., 2018). Atualmente, a média pela ativista Vera Lucia Braga, cujo movimento
para o Brasil varia de 76% (IBGE, 2017) a 84% envolveu centenas de organizações e cidadãos e
(UN-HABITAT, 2016) da população vivendo em logrou reunir perto de 150 mil assinaturas num
zonas urbanas e, para a região Sudeste, onde está histórico abaixo-assinado com duplo intento:
localizada a RBCV, 87% (IBGE, 2017). oposição à Via Perimetral Metropolitana (ver-
As cidades são, ao mesmo tempo, agentes são anterior do atual Rodoanel Metropolitano)
e vítimas da degradação ambiental planetá- e declaração do cinturão verde como reserva da
ria, fato agravado pela crescente desconexão biosfera (Figura 2 e Figura 3).
de seus habitantes com os ecossistemas natu- Na esteira do movimento popular, o Ins-
rais. A humanidade depende dos ecossistemas tituto Florestal elaborou o documento técnico
para amenizar as ilhas de calor, regular a para subsidiar o pleito da declaração do cin-
qualidade do ar, controlar as enchentes e os turão verde como reserva da biosfera (VIC-
escorregamentos, entre outros. Os ecossistemas TOR et al., 1991), resultando na aprovação pela
produzem alimentos, produtos madeireiros e UNESCO, em 1993, da Reserva da Biosfera do
não madeireiros, fármacos e bioquímicos. São Cinturão Verde da Cidade de São Paulo (RBCV),
responsáveis pelos processos bióticos e abióti- cujo diploma foi expedido em 1994.
cos que geram a biodiversidade e proporcionam À época, já haviam sido instituídas as
serviços culturais, recreativos e espirituais. fases 1 e 2 da RBMA (1991 e 1992), a primeira
UM CINTURÃO DE VIDA AO REDOR DE SÃO PAULO 9
Figura 2 |
Manifesto em defesa
da Cantareira, década
de 1980.
Fonte: Arquivos da RBCV.
Figura 3 |
Entrega de abaixo-
assinado, em 1991, com
cerca de 150 mil
assinaturas, a
Tânia Munhoz,
presidente do Instituto
Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis
(IBAMA), para a
declaração do Cinturão
Verde como Reserva
da Biosfera.
Fonte: Arquivos da RBCV.
em terras brasileiras. Por ocasião da criação biosfera interdependentes, porém com autono-
da RBCV, cujo território estava integralmente mia de gestão e escala de atuação próprias. A
sobreposto ao da RBMA, foi estabelecida uma RBCV foi assim reconhecida como parte inte-
configuração inédita na Rede Mundial de Reser- grante da RBMA (VICTOR et al., 2011).
vas da Biosfera: uma reserva da biosfera (RBCV) O estudo que subsidiou a declaração da
dentro de outra reserva (RBMA). Devido a essa RBCV foi desenvolvido por mais de 20 especia-
superposição de áreas, foi definido um arranjo listas do Instituto Florestal de diversas áreas
institucional capaz de articular esses dois movi- do conhecimento (VICTOR et al., 1991). Ainda
mentos legítimos e inovadores, na forma de que este estudo não tenha mencionado o ter-
um sistema de gestão integrado de reservas da mo que veio a ser consagrado pela Avaliação
10 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 4 |
lei estadual. O Comitê Transitório encerrou
Diploma da UNESCO
formalmente suas atividades em 1995 com a
de declaração da entrega de minuta de anteprojeto de lei. Essa
RBCV (1994). via, entretanto, não prosperou.
UM CINTURÃO DE VIDA AO REDOR DE SÃO PAULO 11
A Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de nove membros, eleitos entre os 34, incluindo o
2000, que instituiu o SNUC, e o seu regulamen- presidente do conselho. A coordenação executi-
to (Decreto Federal nº 4.340, de 22 de agosto de va é de responsabilidade do Instituto Florestal.
2002), ao reconhecerem as reservas da biosfera O conselho e o bureau definem a política geral e
em seu âmbito deu-lhes uma solidez institucional o plano de ação da Reserva, enquanto a coorde-
bastante importante no arcabouço jurídico bra- nação executiva tem por meta a sua execução
sileiro, especialmente no que se refere aos seus (RODRIGUES et al., 2006; VICTOR et al., 2011).1
conselhos de gestão (BRASIL, 2000; 2002). Essa A agenda da RBCV, atualmente, é dada prin-
legislação pavimentou o caminho para a edição cipalmente por seu plano de ação, que consiste
do Decreto Estadual nº 47.094, de 18 de setembro na sistematização de ações, projetos e progra-
de 2002, que criou o conselho de gestão da RBCV, mas estruturantes. Em 1995 a UNESCO adotou
juntamente com o Comitê Paulista da RBMA (SÃO a Estratégia de Sevilha, com recomendação de
PAULO, 2002). A primeira gestão do conselho da ações para o futuro desenvolvimento das re-
RBCV se iniciou em 2004 e sua principal tarefa foi servas da biosfera no século 21. A Estratégia
a de construir um sistema de gestão, cujas bases de Sevilha norteou o primeiro plano de ação do
foram os textos do Comitê Transitório. Cinturão Verde no período de 2005 a 2007. Pos-
Na RBCV, os componentes centrais desse teriormente, em 2008, no III Congresso Mundial
sistema são o seu conselho de gestão (BRASIL, de Reservas da Biosfera, foi construído o Plano
2000; 2002; SÃO PAULO, 2002), um bureau e uma de Ação de Madri para a Rede Mundial de Reser-
coordenação executiva. O conselho possui 34 vas da Biosfera, com o objetivo de que essas
membros, paritariamente integrado por repre- fossem as principais áreas internacionalmente
sentantes governamentais e não governamen- designadas dedicadas ao desenvolvimento
tais, enquanto o bureau é constituído por sete a sustentável.
Figura 5 |
Casa das Reservas da
Biosfera, localizada no
Parque Estadual Alberto
Löfgren (SP), que abriga
a coordenação executiva
da RBCV, a Presidência da
RBMA e suas equipes
técnicas. Contribuíram
com recursos para a
construção dessa sede
o Instituto Florestal
e a Casa Real Sueca.
Fonte: Rodrigo Victor (2020)
Figura 6 | tífico, intervenções no território, intercâmbio de ção de áreas protegidas, com destaque
Estudantes do
PJ-MAIS, em
experiências, políticas integradas e mediação de para as UC do contínuo da Cantareira;
atividades na conflitos (RBCV, 2017). ¢ educação e desenvolvimento sustentá-
Semana de Meio Entre as principais ações realizadas pela vel: a RBCV abraçou o tema “Juventude
Ambiente (2006)
(A) (B); Atividade
RBCV nas últimas décadas, destacam-se: e Meio Ambiente” para a promoção do
de reflorestamento
¢ pesquisa e monitoramento: avaliação desenvolvimento local sustentável em
feita pelo NEE São dos serviços ecossistêmicos proporcio- seu território, por meio do Programa
Bernardo do Campo
na margem da
nados pelo Cinturão Verde, no âmbito de Jovens – Meio Ambiente e Integração
Billings
da AEM e da qual este livro é um dos Social (PJ-MAIS) (Figura 6). O PJ-MAIS
- projeto financiado produtos; promoveu o desenvolvimento integral
pelo Banco Mundial ¢ intercâmbio e cooperação: participação e a formação ecoprofissional de jovens
(2005) (C); Atividade
de Produção e
nas ações das redes Mundial e Brasileira residentes nas zonas de amortecimento
Manejo Florestal
Sustentável - NEE
A B C
Caieiras (2006 (D);
Jovem em atividade
na Oficina Consu-
mo, Lixo e Arte - NEE
Cotia/Morro Grande
(2006) (E); Atividade
de produção de
mudas - NEE Cotia
(2006) (F); Estudan-
tes do NEE Cubatão, D E F
no Centro de
Estudos e Pesquisas
em Meio Ambien-
te/USP (2015)
(G);Atividades da
Oficina de Produção
e Manejo Florestal
Sustentável (projeto
financiado pelo
Banco Mundial G H I
(2006) (H);
Jovens em ativida-
des no Caminhos
do Mar - Parque
Estadual da Serra
do Mar (I).
Fonte: Arquivos
da RBCV.
UM CINTURÃO DE VIDA AO REDOR DE SÃO PAULO 13
Figura 7 |
Representação
esquemática do
zoneamento
da RBCV em dois
momentos: criação
(1994) e 2ª revisão do
zoneamento (2019)
Fonte: Elaboração
própria. Com base
Victor et al (1991);
Victor et al (2011);
MAZZEI (2019),
14 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 8 |
Imagem de satélite
do território da RBCV,
representação
esquemática de
sua localização na
América do Sul, da
localização da RMSP
e da cidade de
São Paulo.
Fonte: Rodrigues;
Victor (2014).
Aspecto Informação
Área total da RBCV 2.400.682 ha
(terrestre e marinha)
Área terrestre 1.863.032 ha
Área marinha 537.650 ha
Área urbana envolvida pelo 315.111 ha
cinturão verde
Área da RB + área urbana 2.715.793 ha
Instituição n Declaração da UNESCO (1994), como parte integrante da RBMA.
n Diploma da UNESCO (2017) de individualização na Rede Mundial de Reservas
da Biosfera.
Dispositivos Regulamentares n Decreto Presidencial de 21/09/1999. Dispõe sobre a Comissão Brasileira para o
Programa “O Homem e a Biosfera” – COBRAMAB.
n Lei Federal nº 9.985, de 18/07/2000. Institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza (SNUC) e dispõe sobre as reservas da biosfera em
seu Capítulo VI.
n Decreto Federal nº 4.340, de 22/08/2002. Regulamenta o SNUC.
n Decreto nº 47.094, de 18/09/2002. Cria o Comitê Estadual da RBMA no estado
de São Paulo, incluindo o Conselho de Gestão da RBCV.
n Decreto nº 60.302, de 27/03/2014, Institui o Sistema de Informação e Gestão de
Áreas Protegidas e de Interesse Ambiental do Estado de São Paulo (SIGAP).
População encerrada pela RBCV 25.369.023 habitantes3
(RB + área urbana interior)1
Número de municípios 78
Regiões administrativas 2
RMSP integral e quase a totalidade da RMBS
Parcialmente: RM Sorocaba, Campinas, Vale do Paraíba e Litoral Norte,
São José dos Campos e Região Administrativa de Registro.
Área total de vegetação nativa 757.074 ha
Tipos principais de vegetação Floresta Atlântica - Ombrófila Densa e Semidecidual;
contato Savana/Floresta Ombrófila Densa; Cerrado, Campos Naturais,
Florestas de Altitude, Restingas, Manguezais.
Superfície de reservatórios 64.517 ha
Bacias hidrográficas Integralmente Alto Tietê e quase integralmente Baixada Santista
Parcialmente: Sorocaba / Médio Tietê; Piracicaba / Capivari / Jundiaí;
e Ribeira do Iguape e Litoral Sul.
Sistemas de abastecimento Somente para RMSP existem oito sistemas de abastecimento (Cantareira;
de água Alto Tietê; Rio Claro; Rio Grande; Guarapiranga; Alto Cotia; Baixo Cotia;
Ribeirão da Estiva). Na RBCV existem outros sistemas, incluindo a Baixada
Santista que, em sua totalidade, fornecem água para mais de 25 milhões
de pessoas.
Unidades de Conservação 37
de Proteção Integral
Unidades de Conservação 63
de Uso Sustentável
Área de reflorestamento Eucalyptus spp: 104.723 ha
Tabela 4 | com espécies exóticas Pinus spp: 2.389 ha
Ficha técnica Produto Interno Bruto (PIB) R$ 1,28 trilhão
da RBCV. (RBCV + áreas urbanas
Fonte: elaboração internas) (2018)1
própria com base Relação com o PIB 61,2%
em Fundação do estado (2018)1
Florestal (2020) e
Instituto Florestal Relação com o PIB 18,8%
do Brasil (2018)1
(2019).
Notas: 1 IBGE (2019); 2 Fundação SEADE (2019); 3 Não foram considerados os dados dos municípios de Itariri, Natividade da Serra, Pedro de Toledo,
Peruíbe, Redenção e São José dos Campos por apresentarem uma pequena parcela de seus territórios dentro do limite da RBCV e cujas manchas
urbanas estão fora desses limites.
UM CINTURÃO DE VIDA AO REDOR DE SÃO PAULO 17
Figura 10|
Unidades de
conservação no
território da RBCV,
em 2020.
Fonte: Fundação
Florestal (2020);
Instituto Florestal
(2020); MMA (2019b)
Arquivos de dados
georreferenciais de
UC municipais na
RBCV.
18 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
2 | SERVIÇOS
(ciclagem de nutrientes, formação do solo, produ-
ECOSSISTÊMICOS
ção primária).
Mesmo com uma demanda crescente pelos
Figura 11 |
Marco conceitual
da Avaliação
Ecossistêmica do
Milênio (A) e
da Plataforma
Intergovernamental
de Biodiversidade
e Serviços
Ecossistêmicos (B).
Fonte: Adaptado de
MEA (2003); Diaz
(2015).
consequência de ações realizadas para inten- metodológicas entre o IPBES e a AEM. Para
sificar o fornecimento de outros serviços ecos- o IPBES, o serviços dos ecossistemas foram
sistêmicos – os chamados trade-offs, cuja gestão redefinidos como contribuições da natureza
envolve diferentes objetivos, valores e partes para as pessoas (NCP), com uma abordagem
interessadas (MEA, 2003; 2005a; CAVENDER- considerada uma interpretação mais inclusiva
-BARES et al., 2015; DAW et al., 2015; TURKEL- e diversa das relações humano-natureza (IPBES,
BOOM et al., 2018). 2019a; DIAZ et al., 2015; 2018; PASCUAL et al.,
Os trade-offs envolvem uma ampla e 2017), do qual os serviços ecossistêmicos seriam
complexa gama de trocas relacionadas ao um subconjunto (DIAZ et al., 2019) (Figura 11B).
uso dos ecossistemas, incluindo mudança no Ainda que seja muito cedo para avaliar a
uso da terra, regimes de manejo, soluções eficácia e a aceitação da proposta de redefini-
tecnológicas versus aquelas baseadas na natu- ção feita pelo IPBES tanto para pesquisadores
reza, uso de recursos naturais e manejo de quanto para tomadores de decisão (COSTAN-
espécies. O custo total resultante da perda e ZA et al., 2017; FAITH, 2018; AINSCOUGH et al.,
deterioração desses serviços é de difícil men- 2019), em seu pluralismo, o conceito de servi-
suração, no entanto, as evidências apontam ços ecossistêmicos adota uma série de pers-
para valores substanciais e crescentes (MEA, pectivas e conecta ecologistas, economistas e
2005a). Em 1997, os serviços prestados pelos cientistas sociais.
ecossistemas foram estimados, em média, em Apesar dos debates sobre estruturas con-
US$ 33 trilhões/ano. Para 2011, a estimativa ceituais, metodologias de avaliação, valora-
foi de que os serviços ecossistêmicos totali- ção e de classificação (DIAZ et al., 2019; MAES
zaram US$ 125 trilhões/ano (considerando et al., 2018), os serviços ecossistêmicos são um
apenas as atualizações nos valores dos servi- conceito operacional (AINSCOUGH et al., 2019),
ços). As mudanças no uso da terra corresponde- notadamente por se configurarem numa forma
ram a perda de serviços ecossistêmicos entre útil de destacar, medir e avaliar o grau de inter-
US$ 4,3 e US$ 20,2 trilhões/ano no período de dependência entre o ser humano e a natureza.
1997 a 2011 (COSTANZA et al., 1997; 2014). Ao mesmo tempo, fornecem ferramentas que se
A Plataforma Intergovernamental de comunicam com diferentes públicos, a fim de se
Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos alcançarem propósitos diferenciados nas áreas
(Intergovernmental Science-Policy Platform on da ciência e das políticas públicas.
Biodiversity and Ecosystem – IPBES), criada Os relatórios da AEM forneceram infor-
em 2012, sucessora da AEM, é o maior esforço mações relevantes sobre a real extensão dos
global para desenvolver uma síntese sobre os impactos humanos no planeta e, sobretudo,
serviços dos ecossistemas e o conhecimento correlacionaram tal diagnóstico com as questões
sobre a biodiversidade (IPBES, 2019a), res- críticas à sobrevivência humana na Terra. Esse
saltando-se, entretanto, existirem diferenças diferencial, que contribuiu ainda mais para
20 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Serviços de provisão
Água água doce q uso não sustentável para consumo humano, indústria e
irrigação; capacidade da energia hidráulica não
alterada, mas os diques aumentam o potencial de
geração dessa energia
Serviços de regulação
Tabela 6 |
Tendências mundiais
da capacidade da
natureza para manter
suas contribuições
para uma boa
qualidade de vida,
desde 1970 ao
presente.
Fonte: IBPES (2019b).
22 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
algumas contribuições da natureza, muitos des- proposta (WELLER et al., 2017): das 442 cidades
ses substitutos são imperfeitos ou proibitivos. com mais de 300 mil habitantes vivendo em
Em termos gerais, esses serviços substitutos conflito com a biodiversidade nos Hotspots
feitos pela humanidade não oferecem toda a Mundiais de Biodiversidade, foram seleciona-
gama de benefícios oferecidos pela natureza, ou das as 33 cidades mais populosas e com maior
não oferecem benefícios sinérgicos. A avaliação crescimento populacional entre os 36 hotspots
sobre as tendências mundiais da capacidade da biológicos reconhecidos, incluindo São Paulo
natureza em manter suas contribuições para e Brasília. São cidades que, ao mesmo tempo,
uma boa qualidade de vida, desde 1970 até o configuram-se como beneficiárias e depositá-
momento presente, mostra uma diminuição em rias da biodiversidade mais valiosa do mundo.
14 das 18 categorias analisadas. Para cada uma dessas 33 cidades, foi fei-
e serviços ecossistêmicos
o ano de 2030, ressaltando-se os potenciais
pontos de conflito entre o crescimento urbano
e a biodiversidade (WELLER et al., 2017). No
Entre 1992 e 2000 a urbanização foi mapa de São Paulo (Figura 12), que abarca a
responsável pela perda de 190.000 km² dos região da RBCV, observa-se grande tendência de
habitats naturais do globo, equivalente a 16% pressão e supressão de ecossistemas nativos nas
do que foi suprimido no período. Mantidas franjas da área urbanizada da RMSP e RMBS,
as taxas atuais de crescimento urbano, esse constituídos por áreas de mananciais, unidades
número pode chegar a 290.000 km² em 2030, de conservação e vegetação de forma geral, que
com especial prejuízo às florestas úmidas. Os abrigam importante biodiversidade e proveem
países que mais perderão ecossistemas nativos significativos serviços ecossistêmicos às popu-
por urbanização (> 10.000 km²) na próxima lações metropolitanas.
década serão Estados Unidos, Brasil, Nigéria e Em avaliação do impacto que a urbaniza-
China. Os habitats potencialmente suprimidos ção poderá ter sobre grandes UC de proteção
nesse período armazenam 1,19 bilhão de tone- integral (UCPI) do planeta (> 50.000 ha), a The
ladas de carbono, equivalente à emissão anual Nature Conservancy (TNC) (McDONALD et al.,
de 931 milhões de veículos. As emissões evi- 2018) elaborou duas listas complementares:
tadas desse carbono representariam um custo i) das 23 UCPI com significativa área urbana
social de US$ 182,8 bilhões (McDONALD et al., em um raio de 50 km, conforme dados do ano
2018). 2000; e ii) das 37 UCPI cujo entorno de 50 km
Em termos de relevância para a conser- experimentarão significativo crescimento
vação em âmbito mundial, a RBCV figura como urbano (> 5%) no período 2000-2030. Duas UC
área de forte destaque em quatro mapas glo- brasileiras se enquadraram nesses critérios:
bais de prioridade de conservação da biodiver- o Parque Estadual Serra do Mar e o Parque
sidade, que se valem de métricas e indicadores Nacional da Serra do Itajaí, sendo que somen-
complementares mas distintos. São eles: i) te nove UCPI do planeta estão simultaneamen-
200 Ecorregiões Globais Prioritárias (riqueza, te nas duas listas. Essas unidades poderão
endemismo, ameaças e outras características); sofrer impacto ecológico, a menos que sejam
ii) Hotspots de Biodiversidade (regiões com adequadamente geridas, ao mesmo tempo
mais de 1.550 plantas vasculares endêmicas que os habitantes em seu entorno poderão se
que perderam mais de 30% de sua vegetação beneficiar pelo maior contato com a natureza
natural original); iii) Sítios da Aliança Para (McDONALD et al., 2018).
Extinção Zero (locais em que existem as únicas Os processos de crescimento urbano
populações conhecidas de espécies extrema- (crescimento das cidades em área ou popula-
mente raras); e iv) Áreas-Chaves de Biodiversi- ção) e urbanização (processo pelo qual uma fra-
dade (biodiversidade geograficamente restrita, ção maior da população vive em cidades) estão
integridade ecológica, processos biológicos e conectados com processos ecológicos e biofí-
insubstituibilidade) (McDONALD et al., 2018). sicos. Embora as áreas urbanizadas ocupem
Em complemento às já citadas, uma nova apenas uma pequena porção da super-
categoria, denominada de “Hotspots Cities”, foi fície do planeta, sua contribuição para os
UM CINTURÃO DE VIDA AO REDOR DE SÃO PAULO 23
Figura 12 |
Tendência de expansão
urbana em áreas da
RBCV em 2030 e
potenciais conflitos para
a biodiversidade.
Fonte: Weller et al. (2017).
impactos antropogênicos na biosfera são imen- elas também são capazes de se autossuprir, em
sos. As cidades se apropriam de vastas áreas de graus distintos, desses serviços.
ecossistemas funcionais para seu consumo e Para um melhor entendimento de como
deposição de resíduos. A maior parte dos ser- as cidades se relacionam com manutenção de
viços ecossistêmicos consumidos em cidades biodiversidade e serviços ecossistêmicos, é
são gerados por ecossistemas fora das cida- importante ter-se em mente que as áreas urba-
des, muitas vezes em outras partes do mun- nas, numa visão multiescalar, ao mesmo tem-
do (McGRANAHAN; MARCOTULLIO, 2005; po abrigam ecossistemas e se configuram elas
GÓMEZ-BAGGETHUN et al., 2013; McDONALD mesmas como ecossistemas, especialmente
et al., 2018). sob um ponto de vista mais amplo, que abrange
Não obstante a dependência, por par- a transição das áreas mais adensadas para as
te das cidades, de serviços ecossistêmicos zonas periurbanas (McGRANAHAN; MARCO-
provenientes de distintos lugares do planeta, TULLIO, 2005).
24 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Tipos de serviços
Funções ecossistêmicas Exemplos
ecossistêmicos
Conversão de energia em plantas Produção de alimento Vegetais produzidos por loteamentos urbanos e áreas
comestíveis por meio de fotossíntese periurbanas
Percolação e regulação do escoa- Mitigação de escoamento superficial Solo e vegetação percolam a água durante eventos de
mento superficial e vazão do rio precipitação intensa e/ou prolongada
Fotossíntese, sombreamento e Regulação de temperatura urbana Árvores e outras vegetações urbanas fornecem sombra,
evapotranspiração criam umidade e bloqueiam o vento
Absorção das ondas sonoras pela Redução de ruído Absorção de ondas sonoras por barreiras de vegetação,
vegetação e pela água especialmente vegetação adensada
Deposição a seco de gases e Purificação do ar Absorção de poluentes pela vegetação urbana em
material particulado folhas, caules e raízes
Barreira física e absorção de energia Controle de eventos ambientais extremos Amenização de tempestades, inundações e de ondas
cinética por barreiras de vegetação; absorção de calor duran-
te ondas de calor severas; áreas úmidas intactas prote-
gem as inundações do rio
Remoção ou quebra de nutrientes Tratamento de resíduos Filtragem de efluentes e fixação de nutrientes por áreas
xênicos úmidas urbanas
Sequestro e armazenamento de Regulação climática global Fixação e armazenamento de carbono pela biomassa
carbono por fixação em fotossíntese de árvores e arbustos urbanos
Tabela 7 |
Movimento de gametas florais pela Polinização e dispersão de sementes Ecossistema urbano fornece habitat para pássaros,
Classificação de
biota insetos e polinizadores
importantes serviços
ecossistêmicos Ecossistemas com valores Recreação As áreas verdes urbanas oferecem oportunidades para
em áreas urbanas recreativos recreação, meditação e relaxamento
e seus principais
Experiência humana dos Desenvolvimento cognitivo Jardinagem comunitária como preservação do
componentes
ecossistemas conhecimento socioecológico
e funções
ecológicas. Ecossistemas com valores estéticos Benefícios estéticos Visão de parques urbanos a partir das casas
Adaptado de
Provisão de habitat Habitat para biodiversidade Os espaços verdes urbanos fornecem habitat para pás-
Gómez-Baggethun
saros e outros animais que as pessoas gostam de ver
et al., (2013).
UM CINTURÃO DE VIDA AO REDOR DE SÃO PAULO 25
3 | DO GLOBAL AO LOCAL –
SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS
como uma dessas avaliações subglobais (ASG-
-RBCV), em sintonia com o próprio estudo de
E BEM-ESTAR HUMANO
criação dessa reserva que, em 1991, já des-
NA RBCV
tacava a relevância dos benefícios da reserva
para a metrópole.
A RBCV se inseriu na AEM como uma
Como as causas e os efeitos de mudanças Avaliação Associada e, em janeiro de 2005,
ambientais ocorrem em múltiplas escalas, a foi elevada à condição de Avaliação Aprova-
AEM foi concebida e desenvolvida como uma da (Figura 13 e Figura 14), mediante pro-
avaliação multiescalar, com avaliações inter- cesso específico de candidatura chancelado
conectadas entre si, que utilizam a mesma pelo Comitê Executivo do Conselho da AEM.
metodologia do processo global, porém reali- As Avaliações Aprovadas são espelhos do
zadas em âmbito local, de bacia hidrográfica, processo metodológico desenvolvido pela AEM
nacional e regional - as chamadas avaliações em sua escala global (MEA, 2019b).
subglobais (ASG). Essas avaliações, além de for- Durante os anos em que transcorreu a
necerem importantes subsídios sobre como as AEM, foram desenvolvidas várias ações pela
relações entre ser humano e meio ambiente se ASG-RBCV para divulgação dessa iniciativa
dão em distintas escalas geográficas do plane- global entre os seus usuários e a comunidade
ta, também são poderosos instrumentos para a científica, além do estabelecimento do próprio
gestão dessas regiões. desenho metodológico da ASG-RBCV.
A escala na qual as avaliações são rea- Ocorreram duas missões da AEM a São
lizadas pode influenciar seus resultados. Por Paulo, que culminaram com a realização de
isso, para capturar em sua totalidade a com- dois eventos. Em 8 de dezembro de 2003 foi
plexidade da influência da ação humana sobre realizado o Seminário Internacional Ecos-
a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos sistemas e Bem-Estar Humano: A Proposta da
e sua relação com o bem-estar humano, as Avaliação Ecossistêmica do Milênio e, em 1 de
avaliações multiescalares são tão necessárias abril de 2005, São Paulo sediou o Seminário
(MEA, 2003; ARICO; CAR, 2010). Internacional sobre a Avaliação Ecossistêmica
Em 2002 o Instituto Florestal/RBCV do Milênio, um dos maiores eventos globais
se engajaram na AEM e, em conjunto com a simultâneos de lançamento dos resultados
direção do Programa, estabeleceram a RBCV da AEM. De igual relevância foi a participação
Figura 13 |
As avaliações subglobais
no âmbito da Avaliação
Ecossistêmica do Milênio.
Fonte: MEA (2019a).
26 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 14 |
ambiental ameaçam a continuidade des-
Inclusão da
ses processos vitais; iii) as consequên-
ASG-RBCV como cias desses processos para o bem-estar
avaliação
ecossistêmica
da população; e iv) as opções de respos-
aprovada junto à
tas para ampliar a conservação da biodi-
rede de avaliações versidade e os benefícios da RBCV para
subglobais da AEM. os seus habitantes (VICTOR et al., 2003).
Fonte: Arquivo
da RBCV.
Ainda que a ASG-RBCV não tenha
sido plenamente desenvolvida de acor-
da coordenação local do projeto nas reuniões e do com sua proposta original, a publicação deste
encontros técnicos internacionais promovidos livro se constitui em um marco para esse proces-
pela AEM, que se configuraram em aprendi- so regional de avaliação ecossistêmica. De igual
zado metodológico amplamente replicado em relevância, contribui muito oportunamente com
programas e projetos no estado de São Pau- as necessidades de conhecimento para uma ges-
lo. Durante esse período, a ASG-RBCV ganhou tão mais criteriosa desse espaço territorial vital
generoso espaço na mídia pelo pioneirismo da para o bem-estar de mais de 25 milhões de pes-
proposta em âmbito nacional, num momento em soas e para a própria economia do país.
que comunidade científica e sociedade se fami- Em 2018, no âmbito do Plano de Desenvol-
liarizavam cada vez mais com o termo serviços vimento Urbano Integrado (PDUI) da RMSP, a
ambientais, posteriormente consagrado serviços RBCV realizou oficina com especialistas com o
ecossistêmicos. objetivo de contribuir para a espacialização de 14
A ASG-RBCV procurou, por outro lado, serviços ecossistêmicos de seu território. Como
aprimorar metodologias de avaliação ecossis- insumo para a reflexão dos capítulos que cons-
têmica em ambientes urbanos e periurbanos, tituem este livro, a Figura 15 sintetiza a capaci-
de modo a igualmente contribuir para o pro- dade intrínseca dos ecossistemas da reserva em
cesso da AEM como um todo. fornecer esses serviços.
UM CINTURÃO DE VIDA AO REDOR DE SÃO PAULO 27
Figura 15 |
Capacidade de
fornecimento
de serviços
ecossistêmicos
na RBCV.
Fonte: Victor; Furlan;
Nalon; Iembo (2019).
4 | OS ECOSSISTEMAS DO
CINTURÃO VERDE, SEUS
Regulação da qualidade do ar, que trouxe dados
específicos para parques da cidade de São Pau-
SERVIÇOS, VETORES DE
lo; ou dos Serviços culturais folclorísticos: a
ALTERAÇÃO E RELAÇÃO
dimensão do folclore caipira, baseados na rea-
lidade de comunidade tradicional no contexto
crítica do Brasil, com demanda superior fície e Redução de Gases de Efeito Estufa
a 100% de sua disponibilidade. A descon- na Atmosfera | As mudanças climáticas
sideração das condições necessárias à globais configuram um risco de ameaças
renovação da água na RBCV compromete sem precedentes para a vida no plane-
os serviços ecossistêmicos e afeta o bem- ta. Para enfrentamento desse desafio foi
-estar de sua população em decorrência adotada, em 1992, a Convenção-Quadro
da diminuição da disponibilidade hídri- das Nações Unidas sobre Mudança do
ca (em qualidade e quantidade) e devido Clima (UNFCCC). Como as emissões pau-
às perdas humanas e materiais provo- listas de gases de efeito estufa equivalem
cadas por inundações, deslizamentos e a praticamente um quarto do montante
enchentes. brasileiro, os serviços ecossistêmicos
¢ Processos Geohidrológicos de Ero- proporcionados pelos ecossistemas da
são, Escorregamentos, Assoreamen- RBCV são relevantes em escala local,
tos e Inundações | Na RBCV, a ocu- regional e global para cumprimento das
pação inadequada dos seus espaços metas relacionadas às mudanças climá-
provoca a perda de serviços ecossis- ticas e seus efeitos no ambiente. O esto-
têmicos e gera impactos que implicam que de carbono na vegetação na RBCV é
na paralisação de atividades econô- aproximadamente 450 milhões de tone-
micas; maior custo de manutenção ladas em CO2 equivalente; essa quanti-
de infraestruturas (drenagem urba- dade corresponde a quase uma década
na, sistemas e reservatórios de abas- de emissões de CO2 proveniente de com-
tecimento de água e sistema portuário); bustíveis fósseis por todo o estado de São
danos ao patrimônio público e privado; Paulo. A taxa de remoção atmosférica
comprometimento da saúde física e pelas florestas em processo de regenera-
psíquica da população. Tal cenário exige ção ultrapassa 28 milhões de toneladas
a adequação do uso do solo à conserva- de carbono em CO2 equivalente por ano
ção de áreas de cobertura vegetal para (36% das emissões estaduais anuais).
a produção dos serviços ecossistêmi- Estes dados evidenciam a importância
cos de regulação na RBCV, com signifi- da vegetação e dos povoamentos flores-
cativos e imediatos ganhos para o bem- tais da RBCV frente às mudanças climá-
-estar humano. ticas globais.
30 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
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PARTE 1
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS DE PROVISÃO
1.1 O PRODUTOR E O
SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE
PROVISÃO DE ALIMENTOS
Coordenadora
Yara Maria Chagas de Carvalho | IEA/SAA
Autores
Yara Maria Chagas de Carvalho | IEA/SAA
Tatiana Maria Cecy Gadda | UTFPR
Adalberto José Monteiro Junior | IP/SAA
Elisabete Salay | UNICAMP
Lídia Sumile Maruyama | IP/SAA
Luciana Carvalho Bezerra de Menezes | IP/SAA
Lúcio Fagundes | IP/SAA
Marcelo Ricardo de Souza | IP/SAA
Paula Lazzarin Uggioni | UFSC
Paula Maria Gênova de Castro | IP/SAA
Autores contribuintes
Elizabeth Nascimento | FCF/USP
Katia Mazzei | IBt/SIMA
Marcio Rossi | IF/SIMA
Newton José Rodrigues da Silva | CDRS/SAA
Nilson Antonio Modesto Arraes | FEAGRI/UFSC
Terezinha Joyce Fernandes Franca | IEA/SAA
36 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Resumo.................................................................................................................. 41
1 | Introdução....................................................................................................... 42
Conclusões ........................................................................................................... 91
Referências............................................................................................................ 93
Glossário .............................................................................................................. 99
38 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 As bacias hidrográficas do sistema de gestão dos recursos hídricos, os reservatórios e os
municípios nas regiões da RBCV.
Figura 2 Unidades de conservação na região da RBCV.
Figura 3 Número de estabelecimentos, área do principal município e área total de cada região da
RBCV, para os anos de 1970 e 2006.
Figura 4 Percentual da área das regiões da RBCV por grandes classes de uso, 1996 e 2007.
Figura 5 Região Leste da RBCV, município de Mogi das Cruzes.
Figura 6 Região Oeste da RBCV, Sistema Agroflorestal (SAF) em implantação, no município
de Ibiúna.
Figura 7 Região Noroeste da RBCV, área produtora de uva, no município de Jundiaí.
Figura 8 Região Leste da RBCV, município de Guarulhos.
Figura 9 Região Oeste da RBCV, município de Vargem Grande, Tico, agricultor orgânico.
Figura 10 Região Oeste da RBCV, município de Ibiúna, José Jacinto, agricultor orgânico.
Figura 11 Região Leste da RBCV, município de Biritiba Mirim, sistema de irrigação.
Figura 12 Região Leste da RBCV, município de Paraibuna, produção de cambuci, Sítio do Bello.
Figura 13 Uso agrícola preponderante e qualidade da água (IQA) nos reservatórios da RBCV.
Figura 14 Uso do solo e qualidade da água (IQA) dos reservatórios da RBCV.
Figura 15 Região Leste da RBCV, Casa de Chá no município de Mogi das Cruzes.
Figura 16 Região Oeste da RBCV, bairro rural no município de Mairinque.
Figura 17 Região São Paulo da RBCV, bairro rural Marsilac.
Figura 18 Região Leste da RBCV, bairro São Lázaro, no município de Biritiba Mirim.
Figura 19 Região Noroeste da RBCV, pesqueiro no município de Jundiaí.
Figura 20 Região Leste da RBCV, sítio de lazer no município de Salesópolis.
Figura 21 Região Oeste da RBCV, SPA Aventura, no município de Ibiúna.
Figura 22 Região Norte da RBCV, Hotel Paradies, no município de Jarinu.
Figura 23 Região São Paulo da RBCV, o rural e o urbano.
Figura 24 Região Leste da RBCV, o rural e o urbano no município de Guarulhos.
TABELAS
Tabela 1 Descrição das terras indígenas na área da RBCV.
Tabela 2 Indicadores sobre política de agricultura urbana em alguns municípios da RBCV.
Tabela 3 Recomendação e consumo de grupos por alimentos no Sudeste e característica da
produção na RBCV.
Tabela 4 Cálculo da Pegada Ecológica das hortaliças na RMSP (1976 a 2006).
Tabela 5 Distribuição de pessoas residentes em famílias com renda familiar inferior a 1/4 do
salário mínimo, per capita. Por tipo de aglomeração urbana: Brasil, Nordeste, Sudeste e
estado de São Paulo, 2001 (em %).
Tabela 6 Relação entre a população do município de São Paulo e Brasil; município de São Paulo
e estado de São Paulo; Grande São Paulo e Brasil; Grande São Paulo e estado de São
Paulo e município de São Paulo e Grande São Paulo, entre 1872-2010.
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 39
SIGLAS
a.a. ao ano
ABC Identificação dos municípios de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema
ABIA Associação Brasileira da Indústria da Alimentação
ANA Agência Nacional das Águas
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
APRM-G Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais do Reservatório Guarapiranga
APA Área de proteção ambiental (categoria de UC)
APTA Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios
CATI Coordenadoria de Assistência Técnica Integral / Coordenadoria de Desenvolvimento Rural
Sustentável (CDRS)
CBAT Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê
CEAGESP Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CETESB Companhia Ambiental do Estado de São Paulo
CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
COOPAT Cooperativa de Pescadores do Alto Tietê
CPISP Comissão Pró-Índio de São Paulo
DBO Demanda bioquímica de oxigênio
EBIA Escala Brasileira de Insegurança Alimentar
EBC Agência Brasil
EEc Estação Ecológica (categoria de UC)
EMPLASA Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano
ENDEF Estudo Nacional de Despesas Familiares
FAO Food and Agriculture Organization / Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura
FCF Faculdade de Ciências Farmacêuticas (Universidade de São Paulo)
FE Floresta Estadual (categoria de UC)
FEAGRI Faculdade de Engenharia Agrícola (Universidade de Campinas)
FEMA Fundo Especial do Meio Ambiente
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBt Instituto de Botânica
IEA Instituto de Economia Agrícola
IF Instituto Florestal
IMC Índice de Massa Corporal
40 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
RESUMO
propor para iniciar um debate sobre política Os serviços culturais são os benefícios
pública para preservar os ecossistemas e forta- intangíveis obtidos mediante o enriquecimen-
lecer o bem-estar humano? to espiritual, cognitivo e a recreação. O modo
2 | CONCEITUANDO
de vida dos agricultores e pescadores que
O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO
residem junto a sua área de produção resiste
às mudanças da sociedade globalizada e, neste
DE PROVISÃO DE ALIMENTOS
sentido, preservam características culturais
que podem se configurar como museus vivos
da história, hábitos e tradições locais, embora
Serviços ecossistêmicos são os benefí- fortemente ameaçados na região. O alimento
cios que as pessoas obtêm da natureza. Como é parte importante da cultura e identidade de
mencionado na seção inicial, classificam-se em uma sociedade, tanto em termos da produção
serviços de provisão, regulação, cultural e de (o que, e como produzir), como consumo, pois
suporte. Os serviços de provisão são essenciais está relacionado à culinária, às exigências, aos
à manutenção da vida humana, entre eles estão hábitos e preferências do consumidor e à rela-
os alimentos provenientes dos sistemas terres- ção da alimentação com a vida familiar e social
tres e aquáticos, resultantes dos processos de (CARVALHO; FRANCA, 2006).
produção ou extração. A tendência desse servi- Desta forma, o serviço ecossistêmico de
ço é influenciada pelas condições econômicas e provisão de alimentos tem um forte trade-off
sociais prevalecentes na região e no país, que com vários outros serviços que serão tratados
definem o padrão de consumo e nutricional da em capítulos específicos, incluindo folclore
população. Por outro lado, a escolha tecnológi- caipira, lazer e turismo, provisão e regulação
ca e as práticas de manejo provocam impactos de água, biodiversidade, provisão de recursos
diferenciados sobre solo, água e biodiversida- madeireiros e controle de processos geohi-
de, podendo contribuir na geração de outros drogeológicos. Neste capítulo serão apontadas
serviços ecossistêmicos ou simplesmente algumas interações.
transformar a atividade em vetor de degrada-
ção. A opção pela tecnologia ambientalmente
2.1 I Os sistemas estudados:
produção agropecuária e bacias
adequada pode contribuir com o serviço ecos-
hidrográficas
sistêmico de suporte, por meio da melhoria na
fertilidade do solo; preservação e purificação
da água e recuperação de espécies ameaçadas
de extinção. A capacidade de produzir alimentos na
A baixa densidade populacional, que RBCV vem sendo afetada pela redução das áre-
caracteriza o espaço onde ocorre a produção de as agrícolas onde se expande a urbanização,
alimentos na RBCV, está associada a um modo
de vida distinto da que acontece nas concen- 2
Está relacionado ao conceito de multifuncionalidade do
trações urbanas. A rede social dos agricultores espaço rural. Para Pecqueur (VOLLET, 2002), a multi-
familiares, que organiza a vida neste espaço, é funcionalidade resulta da coordenação das atividades
monofuncionais da agricultura e do conjunto de atores,
um importante elemento (capital social) para o em estratégias coletivas de combinação destas funções,
monitoramento e defesa da preservação cultu- o que depende da regulação pela cooperação e recipro-
ral e dos recursos naturais2. O produtor e sua cidade baseada sobre valores, normas, identidade, con-
fiança e solidariedade, além da ação pública. Neste senti-
rede social são fundamentais para garantir que do, baseia-se na rede social, no capital social, construída
o ecossistema possa prestar vários serviços de com a participação dos agricultores. Para este mesmo
provisão e regulação através da preservação autor, a multifuncionalidade assume o papel de fazer a
convergência das funções secundárias e de produtos não
das matas, florestas, biodiversidade, nascen-
comercializáveis para o mercado, com o objetivo de esti-
tes, cursos de água e reservatórios. O turismo mular a oferta conjunta do território, assumindo tam-
agrícola/pesqueiro pode valorizar a paisagem, bém o papel de redistribuir recursos se quem produziu o
com fortalecimento não só da prestação dos bem não é quem se beneficia dele. A multifuncionalidade
reforça assim o marco teórico para se tratar dos trade-
serviços de provisão e regulação, mas também -offs do serviço ecossistêmico de alimentos com outros
dos culturais. serviços.
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 45
mas isto fica subestimado nas estatísticas disponíveis por municípios e agregadas por regi-
agropecuárias devido à incorporação de áreas ões da RBCV. Como mencionado anteriormente,
de matas e florestas. Em termos de produção, a associação à água é fundamental, por isso bus-
isto pode ser atenuado pela intensificação do cou-se inserir nesta caracterização a identifica-
uso do solo e produção em solo construído ção das bacias hidrográfica e reservatórios exis-
(estufas)3. De acordo com o IBGE, os dados de tentes. A Figura 1 apresenta as regiões, bacias e
1970 a 2006 (IBGE, 1971; 2000; 2009) mostram principais reservatórios na área da RBCV.
redução do número de estabelecimentos Na RBCV estão presentes quatro bacias
(22.061 para 13.870) e de área (760.588 para hidrográficas delimitadas por cadeias de
572.476 ha). No período de 1996 a 2006, os montanha. O rio Tietê é separado pela Serra do
dados do LUPA indicam redução de 18.359 Mar das duas bacias do litoral (Iguape e Baixa-
para 14.931 UPA e, em termos de área, de da Santista), que faz com que suas águas cor-
594.704 para 522.273 ha. Ainda que esses dois ram para o interior e atravessem o estado, até
levantamentos oficiais possuam metodologias encontrar o rio Paraná. A quarta, o rio Paraíba
distintas, ambos atestam a redução da área do Sul, corre entre a Serra do Mar e a da Man-
cultivada e do número de estabelecimentos. tiqueira, desembocando no Atlântico, no estado
Segundo o LUPA, a redução das áreas de matas do Rio de Janeiro. Sua área de drenagem é isola-
e florestas é da ordem de 35% e do número de da do Tietê por uma área de relevo ondulado. O
UPA com este uso é de 17%. Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recur-
Do ponto de vista da pesca marítima, a sos Hídricos (SIGRH) foi estabelecido pela Lei
tendência é de redução da produção do litoral 9.433/1997, que definiu a Política Nacional de
paulista. De 1967 a 1999 variou de 70 mil tone- Recursos Hídricos. Como a legislação que esta-
ladas para cerca de 25 mil toneladas, sendo 70% beleceu o sistema estadual foi anterior à política
proveniente da Baixada Santista (ÁVILA-DA- nacional, o mesmo foi posteriormente adequado
-SILVA, CARNEIRO; 2007). A pesca no Planalto ao disciplinamento nacional (SÃO PAULO, 1991;
também vem se reduzindo. Embora os dados BRASIL, 1997). O SIGRH paulista identifica tre-
sejam escassos, o que vem ocorrendo na repre- chos do Tietê como unidades gerenciais distin-
sa Billings pode ser tomado como indicador. tas denominando-as de bacias hidrográficas. As
Na década de 1990, Minte-Vera (1997) estimou bacias hidrográficas da área da RBCV estão defi-
em 101 o número de pescadores, mas existiam nidas pela Lei Estadual 7.663 de 30/12/1991. Na
aproximadamente 200 entre as décadas de área da RBCV, no sistema Planalto, encontram-
1930 e 1940 (ROCHA, 1984). De acordo com -se parte da bacia do Paraíba do Sul e três uni-
relatos de pescadores mais antigos, a Billings, dades de gestão da Bacia do Tietê: a do Alto Tietê
em décadas passadas, chegou a abrigar cerca (que corresponde grosseiramente à RMSP), sub-
de 600 famílias de pescadores, mas hoje a ati- dividida em sub-bacias e duas associadas ao seu
vidade já não é praticada. trecho Médio: o Médio Tietê e Alto Sorocaba e o
A caracterização da produção e extra- Piracicaba-Capivari-Jundiaí ou PCJ (na Figura 1,
tivismo agropecuário nos sistemas Planalto, as bacias 2, 5, 6 e 10). O sistema costeiro é consti-
Costeiro e UC baseiam-se em informações tuído integralmente da bacia da Baixada Santis-
ta e parte pequena do Ribeira de Iguape (Figura
3
A produção agrícola estadual pode ser caracterizada por 1, as bacias 7 e 11).
meio de duas fontes de dados censitários, por município. Com o objetivo de incorporar a dimen-
O Censo Agropecuário dos anos 1970, 1996 e 2006, rea-
lizado pelo IBGE (1971, 2000, 2009) e o Levantamento são territorial em seu sistema de gestão, os 78
das Unidades de Produção Agropecuária (LUPA) (PINO, municípios da RBCV foram agrupados em sete
1997; SAA, 2008) realizado pela Secretaria da Agricul- regiões, tendo a cidade de São Paulo como uma
tura do Estado de São Paulo. O IBGE utiliza o conceito de
exploração, que considera como unidade de levantamen-
região específica; a região da Baixada Santis-
to todas as áreas com autonomia na gestão. Era realiza- ta e Serra do Mar; região Leste, região Norte,
do a cada cinco anos e, mais recentemente, a cada dez. O região Noroeste, região Oeste e região Grande
LUPA tem como unidade de levantamento a propriedade.
ABC. Esta classificação não obedece a um cri-
Foi feito levantamento em 1996 e 2008. O Censo Agrope-
cuário (IBGE, 2017a) e a última atualização do LUPA, não tério único, mas considera o aspecto natural,
estavam disponíveis quando este estudo foi elaborado. social, político e administrativo:
46 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
tecimento, geração de energia, controle de inundações, Taiaçupeba. O Sistema Produtor do Alto Tietê (SPAT) é
recreação e preservação ambiental (CBAT, 2002). A responsável por 15% do abastecimento da RMSP (sub-
represa Billings recebe a reversão do Rio Pinheiros, mas -bacia Cabeceiras). Foi inicialmente planejado para con-
passou a ser usada para abastecimento no braço do Rio trole de enchentes. É um sistema em cascata que usa o
Grande. Nos anos 80 o braço do Rio Grande foi isolado leito do rio Tietê e canal artificial conectando os reser-
por uma barragem, para esse fim. Localiza-se em área vatórios (CBAT, 2002). Somente o último está em área
fortemente urbanizada e em geral sem uso agrícola. bem urbanizada.
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 47
Figura 1 |
As bacias hidrográficas
do sistema de gestão
dos recursos hídricos,
os reservatórios e os
municípios nas regiões
da RBCV.
Fonte: Elaboração
própria.
A Bacia do Alto Tietê (Figura 1), em geral, dos poços do pré-sal da Petrobrás, de petróleo
apresenta condições críticas em termos da uti- e gás na bacia de Santos, está colocando maio-
lização dos recursos hídricos, com inúmeros res desafios ambientais para o ecossistema
fatores de estresse (CBAT, 2002): escassez de costeiro que, em 2019, teve quatro novos poços
água, e por esse motivo necessita da impor- em operação (EBC AGÊNCIA BRASIL, 2019).
tação de água, mais significativamente do PCJ A ocupação urbana é limitada principal-
mas com tendência a ampliar cada vez mais mente pelas características geomorfológicas
para outras bacias; comprometimento dos encontradas na costa paulista. Ao norte do
mananciais de superfície, principalmente pela município de Santos observa-se uma planí-
ocupação urbana descontrolada, pelo rece- cie costeira estreita, devido à proximidade da
bimento de esgotos não tratados e disposição Serra do Mar com a linha da costa, que limita
inadequada de lixo domiciliar; impermeabili- a ocupação. Em contrapartida, ao sul, as pla-
zação do solo e ocupação indevida das várzeas, nícies costeiras mais extensas e retilíneas da
com interferência nas questões de quantidade costa favorecem o crescimento urbano.
e qualidade da água. Na bacia da Baixada Santista, a captação
Itupararanga, Cachoeira do França e os de água é feita diretamente dos rios, dentro
reservatórios do SPAT, principalmente os loca- do Parque Estadual da Serra do Mar. Parte do
lizados próximo à nascente do Tietê, possuem esgoto urbano em alguns municípios é jogada
águas límpidas e bem oxigenadas, com baixa ao mar através de canais. Em 1979, o emissário
condutividade e pequena quantidade de par- submarino, o interceptor oceânico de Santos
tículas em suspensão. Localizam-se em áreas e a estação de pré-condicionamento de esgo-
fundamentalmente agrícolas e de sítios de lazer. to entraram em operação, com atendimento a
No entanto, a maior parte dos reservatórios no Santos, São Vicente, Cubatão, Guarujá e seu dis-
Planalto está localizada em áreas de grande trito de Vicente de Carvalho. O esgoto coletado
adensamento populacional, sofrendo impactos em Santos é tratado (SHS..., 2007).
por parte de efluentes domésticos e industriais. O rio Ribeira de Iguape possui como prin-
No Sistema Costeiro encontra-se a sétima cipal afluente o rio Juquiá, com diversos reser-
região da RBCV. Na porção estuarina da região vatórios, sendo que o situado mais a montante,
Baixada Santista e Serra do Mar, há três canais Cachoeira de França, se encontra nos limites
de acesso (canal dos Barreiros, do Estuário e de da RBCV, nos municípios de Juquitiba e Ibiúna.
Bertioga) há grande quantidade de rios em sua Este reservatório não está inserido em área de
margem esquerda (Piaçabuçú, Mariana, Rio adensamento urbano.
Branco), central (Casqueiro, Cubatão, Diana, O terceiro sistema considerado refere-
Mogi) e direita (Jurubatuba, Quilombo, Santo -se às unidades de conservação (UC) e terras
Amaro, do Meio, Icanhema) (SIQUEIRA; BRA- indígenas. Para que os ambientes naturais da
GA, 2001). O maior adensamento demográfico RBCV possam prestar serviços ecossistêmicos
está nos municípios de São Vicente, Santos e necessários ao bem-estar humano e à geração
Cubatão, onde se localiza o maior porto da Amé- de riqueza para a metrópole paulista, são fun-
rica Latina, um importante polo petroquímico damentais os espaços naturais protegidos em
e uma das mais importantes áreas siderúr- seu território como UC.
gicas do país. Estas características tornaram As UC são espaços territoriais com caracte-
a região conhecida como uma das áreas mais rísticas naturais relevantes, estabelecidas pelo
poluídas da costa brasileira. Apesar da com- poder público (em terras públicas ou em áreas
plexidade das diferentes atividades praticadas particulares), com o objetivo de conservação da
e dos avanços institucionais dados pelo Plano natureza, que inclui o seu manejo, preservação,
Estadual de Gerenciamento Costeiro (SÃO PAU- manutenção, utilização sustentável, restaura-
LO, 1998) e pelo Zoneamento Ecológico Econô- ção e recuperação do ambiente natural.
mico da Baixada Santista (SÃO PAULO, 2013a), O Sistema Natural de Unidades de Conser-
não há um Plano de Gerenciamento Costeiro vação da Natureza (SNUC) prevê 12 categorias
efetivo, o que acirra os conflitos entre diferen- complementares, a partir de diferenciados obje-
tes atores (CETESB, 1981; 2001). A expansão tivos de conservação e níveis de intervenção
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 49
considerados na RBCV
bancos de dados geoespaciais utilizados, deixa-
ram de ser consideradas neste estudo.
São 37 as UC de proteção integral identi-
ficadas no território dos municípios que inte- Os primeiros projetos para atração de
gram total ou parcialmente a área da RBCV. imigrantes, na história brasileira, promoveram
Essas UC de proteção integral totalizam cer- seu assentamento nas regiões próximas a São
ca de 271.360 ha na área terrestre e marinha da Paulo. Os imigrantes que vieram como colo-
RBCV. nos para as fazendas de café, na crise dos anos
50 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 2 I
Unidades de
Conservação na
região da RBCV.
Fonte: Rodrigues;
Victor; Barradas
(2020).
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 51
Rio Branco Rio Branco Guarani Mbya 741 Homologada 2.856,00 Itanhaém
São Vicente
São Paulo
Tenondé Porã Karumbe’y, Guarani Mbya 1.1282 Declarada 15.969,00 São Paulo
Pai Matias, São Bernardo
Kalipety, do Campo
Ventura oikoa, São Vicente
Yyrexakã, Mongaguá Tabela 1 I
Guyrapaju, Descrição das
Kuaray terras indígenas
Rexakã, Tape na área da RBCV.
Mirim, Tekoa Fonte: Elaboração
Porã própria. Com base
em CPISP (2019).
Nota: 1 Sesai (2013) apud CPISP (2019); 2 Funai Litoral Sudeste (s.d) apud CPISP (2019); 3 Despacho Presidência Funai nº 544 (2013) apud CPISP
(2019); 4 Município não integra a RBCV.
52 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
(38%), embora a pastagem natural também seja encontra-se neste município, embora sua área
importante (36%). Este sistema de produção de drenagem se estenda por municípios vizi-
predomina em 47% dos municípios. A pasta- nhos. Nessa região, em função da saída da
gem é a atividade mais importante em 14% dos nova geração das famílias de origem japonesa
municípios. Essa região é, entretanto, a mais para trabalhar no Japão, bem como devido à
significativa no abastecimento de hortaliças legislação e à efetividade da fiscalização para
para a RMSP ainda que, em termos de uso do desmatamento para uso agrícola, era comum
solo, represente somente cerca de 10% de sua encontrar áreas arrendadas a custo zero, como
área. O uso e ocupação do solo por cultura tem- estratégia para manter a área como agrícola.
porária, permanente e a preservação de matas A volta dos imigrantes foi estimulada durante
e florestas naturais predominam em 33% dos o período de crescimento da economia brasi-
municípios, todos eles na área de drenagem leira e a recente crise no Japão (CARVALHO et
do SPAT, importante para o abastecimento de al., 2005) (CARVALHO, 2015).
água da RMSP. Uso do solo com preponderân- Uma caracterização da evolução do núme-
cia da cultura temporária e pastagem natural ro e da área dos estabelecimentos para o mais
representam 7% dos municípios dessa região. importante município agrícola e para o total da
Em termos das hortaliças, essa região tem região foi colocada sobre a área demarcada nos
uma estrutura semelhante à da região Oeste municípios pertinentes e pode ser observada
sendo responsável, por exemplo, por 59% da no Figura 3. A informação para a RBCV, como
alface, 48% do repolho e 70% de tomate pro- um todo, está ao lado do mapa. O ano de 1970
duzido na RBCV, com uma produção um pouco é representado em marrom claro e o de 2006
menor da batata inglesa (49%). Todavia, difere em marrom escuro. Pode-se observar a tendên-
no que diz respeito à produção de ovos (85%) e cia geral à redução da área e número de esta-
de frutas, pois é o principal produtor de caqui belecimentos em cada uma e no conjunto das
(76%). Por outro lado, assemelha-se à região regiões da RBCV. A evolução do uso e da ocu-
Norte, na área limítrofe. Predominam ali a pação do solo é apresentada na Figura 4, onde
pecuária, em termos de gado de corte (38%) e os diversos usos são apresentados em gráfico
leite (42%), com importante produção de for- em forma de pizza para os anos de 1995/1996
rageiras (88%) e de cana forrageira (79%). Por e 2007/2008. As áreas em marrom claro repre-
ser área estratégica para o abastecimento de sentam matas nativas. Predominam na RBCV
água à RMSP, o conflito pelo uso da água é forte. e em muitas das suas regiões. Na RBCV, entre-
Apesar disto, responde por 100% da produção tanto, a importância das pastagens, refloresta-
de agrião da RBCV, a cultura que mais utiliza mentos e cultura temporária juntas superam
água. Agricultores próximos aos reservatórios em pouco as áreas de mata nativa.
observam aumento da umidade e maior inci- Nas regiões Norte e Leste da RBCV, todos
dência de doenças nas hortaliças. os municípios possuem área agrícola e é tam-
Resta tratar do município de São Paulo. bém onde estão os principais reservatórios
Predominam, na sua área rural, as áreas de e áreas de drenagem dos principais sistemas
matas e florestas (75%) com peso equivalente de abastecimento de água da RMSP: Cantarei-
das culturas temporárias e pastagens naturais. ra, alimentado por águas do PCJ e SPAT, respec-
O principal alimento produzido é o chuchu, tivamente. No município de São Paulo, a área
combinado com toda a gama de produtos rural preservada é onde se concentra a ativi-
hortícolas, como nas regiões Leste e Oeste, dade agrícola, o reservatório Guarapiranga e
mas em pequena dimensão. Plantas orna- parte da sua área de drenagem. As margens do
mentais e pinheiros de natal ocupam áreas reservatório estão quase totalmente integra-
relevantes. Apesar da importância das áreas das à mancha urbana.
classificadas como de pastagem, a atividade Parece, portanto, existir forte correlação
pecuária é insignificante. Essas áreas são de espacial entre áreas agrícolas e ocorrência
fato campos naturais ou áreas abertas pela de reservatórios de água para abastecimen-
extração de madeira, conservadas para ocu- to, sugerindo a necessidade de mensurar esta
pação urbana. O reservatório de Guarapiranga superposição e a indagar sobre o impacto do
56 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 3 I
Número de
estabelecimentos,
área do principal
município e área total
de cada região da
RBCV, para os anos
de 1970 e 2006. Fonte:
Elaboração própria.
Com base em IBGE
(1971, 2009).
Figura 4 I
Percentual da área
das regiões da RBCV
por grandes classes
de uso, 1996 e 2007.
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em SAA (2008).
Figura 7 |
orgânica em caráter complementar à química.
Região Noroeste da RBV,
O preparo do solo é, em geral, mecanizado e
pode ser usado o arado ou a enxada rotati- área produtora de uva,
va – esta última causa compactação na sub- no município de Jundiaí.
Foto: João Paulo Soares
de Andrade (2002).
-superfície do solo e pulverização do perfil
superficial, tornando-o mais suscetível à ero-
são (FERREIRA, 2006).
Na região Leste, no período de menos chu-
va, são buscadas áreas mais férteis próximas a
sua fonte de água o que permite a redução do
custo da energia para irrigação, sendo utiliza-
das preferencialmente as áreas de várzea. Na
época de chuvas, quando a necessidade de água
é menor e há risco de inundação das várzeas,
são ocupadas as áreas onduladas. Nestes casos,
Figura 8 |
Região Leste da RBCV,
muitas vezes são realizados plantios morro
município de Guarulhos.
abaixo para evitar que a água estoure os can-
teiros. Em desacordo com a orientação técnica Foto: Elaine Zuchiwschi
para evitar escorrimento e erosão (FERREIRA, (2004).
58 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
2006). Em geral, é usada água de nascente e frota para transporte. Nas packing houses,
represada em tanque de captação, que muitas o consumo de água na pós colheita pode ser
vezes recebe escorrimento da área de plantio. excessivo. As áreas de monocultura crescem
O preparo do produto para comercialização no município de São Paulo e na região Oeste.
envolve lavagem em água de boa qualidade. No primeiro caso, parece estar associado ao
Quando a água superficial está contaminada, arrendamento sem custo9. No principal muni-
são empregadas fontes subterrâneas. cípio produtor de hortaliças da região Oes-
Os equipamentos de irrigação são muitas te, observou-se no campo, em 2008, grandes
vezes colocados de maneira que as áreas pró- áreas arrendadas com monocultura, princi-
ximas aos canteiros também possam receber palmente de repolho. A crise econômica no
água. Principalmente na região Oeste é comum mercado de um produto específico causa o não
ver lançamento ou escorrimento da água da plantio e o desemprego rural. Essas tendências
irrigação nas estradas. Em estudo realizado na ameaçam a rede social dos agricultores fami-
região Leste, principal produtora de hortaliças liares, o modo de vida rural e a preservação da
da RBCV, Arruda et al., (2006) avaliou a eficiên- multifuncionalidade da agricultura.
cia de 8 sistemas de irrigação. A eficiência tecno- Em trabalhos de campo realizados, obser-
lógica na irrigação é obtida ao se aplicar água em vou-se que a produção de frutas muitas vezes
intervalos adequados para a planta não sofrer compõe o sistema de produção com as hortali-
déficit hídrico que prejudique a produção eco- ças, mas outras vezes é feito de forma indepen-
nômica da cultura; de maneira mais uniforme dente. A prática principal é a busca da amplia-
possível, sem causar erosão; e molhando o perfil ção e do deslocamento do período da colheita
de solo explorado pela maioria do sistema radi- pela poda, para obter melhores preços. Em
cular da cultura (WINTER, 1984; PIRES et al., áreas com declive é recomendado não somente
2000). As evidências são de que o período entre o plantio em nível, mas a rebrota natural para
regas praticado pelos agricultores é inferior ao proteção do solo. Estas práticas, muitas vezes,
que, em média, é necessário; portanto, há des- não são observadas. É especialmente preocu-
perdício de água. Os equipamentos utilizados pante nas áreas de solos argilosos presentes
foram considerados razoáveis, sendo apenas tanto na região Leste como Noroeste – princi-
um considerado excelente e um muito pobre. pais áreas de produção de frutas.
No geral, bastaria orientação técnica, pequenos De forma geral, pode-se dizer que a agri-
reparos e boa manutenção para reduzir o consu- cultura no Planalto causa erosão, poderia usar
mo de água. Foi constatada a forte necessidade água de forma mais eficiente e deve estar pro-
de controle de enxurradas e da erosão e verifi- vocando contaminação do solo pelo uso inade-
cou-se também o bom nível da produção agríco- quado de agroquímicos e fertilizantes carre-
la, embora o aperfeiçoamento das práticas pos- ados para os cursos de água, principalmente
sa levar a aumentar ainda mais a produtividade pelos escorrimentos.
(ARRUDA et al., 2006). Com relação à pecuária, existem padrões
Na região Leste, ao lado dos agriculto- diferenciados, mas em geral é empregada a
res familiares, convivem outros de maior pecuária extensiva e com baixa utilização de
porte que são parceiros estratégicos para o tecnologia. O exemplo da sub-bacia Cabeceiras
escoamento da produção para os supermer- demonstra o diferencial tecnológico pois, segun-
cados. Em geral, possuem estrutura para pre- do o LUPA, 9,7% do total de UPA fazem vermifu-
parar e embalar (packing house) a produção gação e 9% a mineralização. No entanto, quan-
do consideradas somente as propriedades com
mais de 50 ha, esses percentuais sobem para
28,8% e 28,2%, respectivamente (VICENTE et
Pelos dados do LUPA de 1995/1996 para a bacia do Gua-
9
rapiranga, os arrendatários representavam 4,1% das al., 2004). O rebanho é predominantemente mis-
formas de acesso à terra às UPA, enquanto na sub-bacia to, permitindo obtenção de renda pela venda do
do Itaim, mais impactada pela ocupação urbana repre- leite e abate dos machos. A contaminação hídri-
sentava 6,1% (VICENTE et al., 2004). Trabalho de campo
realizado nesta região identificou que este arrendamen- ca ocorre principalmente pelo acesso do gado
to era fundamentalmente sem pagamento de renda. aos cursos de água.
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 59
dos agricultores eram muito precárias e a renda (1.828 ha); RDS da Barra do Una (1.487 ha);
monetária – quando não proveniente da aposen- (iv) RDS do Despraiado (3.953 ha); (v) EEc da
tadoria ou da venda de serviços de membros da Jureia-Itatins (84.425 ha) (SÃO PAULO, 2013b).
família, era originada do excedente destes pou- A criação de duas RDS no Mosaico permi-
cos produtos comercializados. te moradores caiçaras o desenvolvimento de
Informações de campo atestaram que em atividades controladas, o que resolve parte dos
Peruíbe alguns produtores praticavam a banani- conflitos. Residem na região famílias que não
cultura (banana ouro) no interior do então Nú- são consideradas tradicionais, por isto os con-
cleo Itariru do Parque Estadual da Serra do Mar flitos persistem. Quando da criação do Mosai-
(que abrange a área dos municípios localizados co, em 2013, verificou-se também que haviam
entre Juquitiba a Peruíbe, e tem sua sede ins- famílias tradicionais estabelecidas nas
talada em Pedro de Toledo). Raramente usavam áreas dos parques ou da estação ecológica;
insumos agrícolas por falta de recursos financei- para estes casos, poderão ser assinados ter-
ros. Comercializavam para intermediários que mos de compromisso, a título precário, para
faziam a climatização e revendiam nas estradas. que essas pessoas possam continuar onde
Estes produtores indicaram a pupunha como vivem até sua realocação para uma das RDS,
atividade em expansão. No Núcleo Itariru, o cul- ou indenização, caso precisem deixar o local
tivo era autorizado somente na área de entorno (ALESP, 2013).
nos finais de semana no complexo Billings e dos pescadores que atuavam no reservatório
Guarapiranga, principalmente nos braços do de Barra Bonita vieram da capital e do Gran-
rio Pequeno e Capivari, nos reservatórios do de ABC, mudança ocasionada pela escassez de
rio Grande e das Pedras, locais menos afetados peixes. Em levantamento realizado por Alves
pela poluição. Não se tem uma estimativa real da Silva (2008), foram entrevistados 52 pesca-
da quantidade de pessoas que a praticam. De dores, identificados nove núcleos pesqueiros
acordo com Matarazzo-Neuberger (1994), na e chegou-se a uma estimativa de 113 pescado-
região do complexo Billings em 1990, havia dia- res regularmente atuantes nos diversos locais
riamente cerca de 600 pescadores amadores. visitados, distribuídos entre São Paulo (57%),
Alguma informação existe em relação a São Bernardo do Campo (31%) e Ribeirão Pires
esta atividade nos reservatórios. Segundo Gia- (10%). Sabe-se, entretanto, que o número de
mas et al. (2004), a pesca na represa de Ponte pescadores vem diminuindo através dos anos
Nova (Salesópolis) não apresenta grande ex- em função da qualidade da água e disponibi-
pressão na economia da região sendo realizada lidade de peixes. De forma geral, os locais de
por poucos pescadores artesanais; em função pesca e os pontos de desembarque se localizam
da escassez de peixes disponíveis na represa, na parte oeste da Billings, menos impactada
os pescadores migraram para outras regiões. pela urbanização e próxima à Guarapiranga.
Barbieri et al. (2000) observou na Guarapi- A pesca de pequena escala praticada no
ranga (São Paulo), a existência de apenas uma reservatório Billings é constituída, geralmen-
dezena de pescadores que sobreviviam da pes- te, por grupo familiar, composta em geral por
ca artesanal-profissional e de subsistência. quatro pessoas, de baixa renda (cerca de 1,5
Grande parte dos frequentadores utilizavam salários mínimos), com idade média de 38
a represa para fins de lazer e turismo, prin- anos (18-60 anos) e 13 anos na profissão. A
cipalmente nos fins de semana. Em 2008, na maioria possui outras atividades complemen-
represa de Taiaçupeba (Suzano), foi fundada a tares, embora existam famílias de pescadores
cooperativa de pescadores do Alto Tietê (COO- tradicionais na região que trabalhem há mais
PAT). Segundo informações obtidas em oficinas de trinta anos. A principal arte de pesca
entre pescadores e pesquisadores do Instituto empregada é a rede-de-espera, com diversos
de Pesca, realizadas pelo Serviço de Apoio às tamanhos de malha, para a captura da maioria
Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), na épo- das espécies e a pesca da batida, método mais
ca estavam cadastrados 30 pescadores profis- eficaz para a pescaria da tilápia do Nilo e afri-
sionais mas, atualmente acredita-se que este cana (O. niloticus e T. rendalli). A pesca da bati-
contingente seja muito maior. Com exceção da da é a estratégia mais utilizada no reservatório
represa Billings, são escassas ou inexistentes para a captura da tilápia. É bastante emprega-
as informações sobre a atividade pesqueira nos da nos açudes do Nordeste do Brasil, mas ainda
demais reservatórios da RBCV. não foi legalizada no Estado. Consiste no uso
No reservatório Billings, apesar do forte da rede-de-espera de modo ativo, já que tal
impacto urbano, a atividade de pesca artesa- espécie dificilmente cai em redes paradas devi-
nal-profissional é antiga e resistente, por isto do a sua visão apurada. As redes malhadeiras
é a mais estudada. A construção do Rodoanel são posicionadas próximas às margens. São
Mário Covas parece ter provocado forte impac- realizadas pancadas na água com um soquete
to sobre a atividade, embora ainda não existam de madeira e/ou bambu, fazendo com que os
estudos disponíveis. peixes se movimentem, fiquem atordoados e
Na década de 1990, Minte-Vera (1997) caiam nas malhas da rede. A pesca de batida
estimou em 101 o número de pescadores, causa também efeito em outras espécies nati-
anteriormente totalizados em cerca de 200 vas mais delicadas.
entre as décadas de 1930 e 1940 (ROCHA, 1984). Foram identificadas 22 espécies captura-
De acordo com relatos de pescadores mais anti- das pela pesca profissional, entre elas, 11 nati-
gos, a Billings em décadas passadas, chegou a vas, sete alóctones (de outras regiões do Brasil)
abrigar cerca de 600 famílias de pescadores e cinco exóticas (de outros países). O acará (Geo-
na região. Maruyama (2007) relata que 17% phagus brasiliensis), o lambari (A. fasciastus,
62 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
10
Levantamento de Previsão de Safra realizado pela CATI/IEA, cinco vezes ao ano. Os questionários são preenchidos
pelos técnicos responsáveis pelas Casas de Agricultura de cada município do estado, de acordo com seu conhecimento
da região, mas com a supervisão de um técnico regional (Escritório de Desenvolvimento Regional – CATI). A informa-
ção é indicativa, pois depende de vários fatores, entre eles: existência de técnico no município, interesse pela questão,
conhecimento da realidade, tempo de trabalho no município, etc. Os dados são tabulados e analisados pelo Instituto de
Economia Agrícola.
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 65
Figura 9 |
camente ao cultivo orgânico. A importância de
Região Oeste da RBCV,
Ibiúna seria então ainda maior.
O município de Ibiúna apareceu como o município de Vargem
maior produtor (66 ha), fato consistente com a Grande, Tico, agricultor
orgânico.
Foto: Hamilton Trajano
percepção de campo, seguido de Mogi das Cru-
zes (31 ha), Cotia (30,2 ha), Piedade (30 ha) e (2006).
São Roque (27 ha). Todos, exceto Mogi das Cru-
zes, localizados na região Oeste da RBCV onde
se encontra o Centro de Referência em Agro-
ecologia da APTA, voltada a agricultura eco-
lógica. Em conformidade com aquele levanta-
mento, foram produzidos 39 produtos diferen-
tes, sendo 13 deles frutas, cogumelos, legumes
e verduras. Os cinco principais produtos em
Figura 10 |
Região Oeste da RBCV,
termos de área foram: alface (119 ha) prove-
município de Ibiúna,
niente principalmente de Ibiúna; couve (60
ha) procedente principalmente de Mogi das José Jacinto, agricultor
orgânico.
Foto: Hamilton Trajano
Cruzes; repolho (46 ha) oriundo principalmen-
(2006).
te de São Roque e beterraba (45 ha) e cenoura
(44 ha) produzido principalmente em Ibiúna.
A maior área com frutas foi a de caqui, com 12
ha produzidos fundamentalmente em Cotia. A organizam-se em 6 eixos temáticos: produ-
área de frutas representou somente 6,5% da ção; uso e conservação dos recursos naturais;
área total de produtos orgânicos da região da conhecimento, comercialização e consumo;
RBCV (CAMARGO FILHO et al., 2006). terra e território; sociobiodiversidade.
De forma complementar, o Decreto 7794 Em 2018 foi implantada a Política Esta-
de outubro de 2012 criou o Plano Nacional de dual de Agroecologia e Produção Orgânica –
Agroecologia e Produção Orgânica - PLANAPO, PEAPO no estado de São Paulo; com destaque
para orientar o desenvolvimento sustentável, para o conceito de transição ecológica, pro-
com participação e controle social, através da cesso gradual orientado de transformação das
indução à transição agroecológica. Tem como bases produtivas e sociais com o objetivo de
diretrizes promover a soberania e seguran- recuperar a fertilidade e o equilíbrio do agro-
ça alimentar, o uso sustentável dos recursos ecossistema, tendo como base os princípios da
naturais, sistemas justos e sustentáveis de pro- Agroecologia, que deve priorizar o desenvol-
dução, distribuição e consumo de alimentos, a vimento de sistemas agroalimentares locais e
valorização da agrobiodiversidade, valorização sustentáveis (SÃO PAULO, 2018). Os dados de
de experiências locais, redução das desigual- 2019 mostram que, enquanto o Brasil apresen-
dades de gênero e participação da juventude. ta 22,5% dos municípios com algum projeto
Foram elaborados dois Planos: 2013/2015 orgânico, o estado de São Paulo conta com
e 2016/2019. No primeiro período do Plano 44,5% dos municípios (287 localidades), com
foram investidos R$ 2,9 bilhões em várias ações projetos orgânicos, e um total de 2.236 produ-
públicas promovendo integração entre agentes tores (KAMIYAMA, 2019).
públicos e privados nas três esferas de governo. Embora não se tenha informação sobre
O segundo Plano avançou nos ensinamentos o manejo orgânico agroecológico estabelecido
da primeira experiência. As ações propostas nestas áreas, há informação sobre o impacto
66 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Cereais, raízes,
tubérculos e 45 – 65 10,26 38,6 46,3
derivados
Feijões 5 0,61 5,3 9,9
Tabela 3 |
Frutas, verduras 6 – 7 70,85 2,9 1,4
Recomendação
e legumes
e consumo de grupos
por alimentos Leite e derivados, 25 13,32 19,57 12,9
no Sudeste e carne e ovos
característica da Óleos, gorduras,
produção na RBCV. sementes de até 10 0 16,0 15,2
Fonte: Adaptados de oleaginosas
IBGE (2004);
Açúcares e doces até 10 4,95 14,1 15,0
MS (2006).
Nota: O Guia Alimentar propõe um consumo de 9 a 12% do VET. (MS, 2006).
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 67
Ano
Variáveis
1976 1986 1996 2006
Apropriação total (t)
1
2.981.640 4.238.385 6.067.029 7.969.337
Apropriação total1 (kg) 2.981.640.410 4.238.384.890 6.067.029.360 7.969.336.920
Apropriação per capita (kg/capita) 297 278 366 405
População total da RMSP 10.041.132 15.233.512 16.581.933 19.677.506
Pegada Ecológica total dos vegetais (ha) 115.206 163.764 234.420 307.922
Pegada Ecológica dos vegetais per capita 0,0115 0,0108 0,0141 0,0156
Biocapacidade total pelo IBGE (ha)
2
221.396 151.848 83.032 254.652
Déficit ecológico (ha) 106.190 - 11.916 - 151.388 - 53.270 Tabela 4 |
Cálculo da Pegada
Ecológica das
Biocapacidade total pelo LUPA3 (ha) 92.480 99.808 hortaliças na RMSP
(1976 a 2006).
Déficit ecológico (ha) - 141.940 - 208.114
Fonte: Gadda (2012).
Notas: 1 soma do varejo e atacado que permanece na RMSP; 2 inclui a soma de cada ano das áreas de lavoura temporária, áreas em descan-
so e terras produtivas, mas não utilizadas; 3 soma das áreas de lavoura permanente, temporária e inaproveitada.
11
Em 1987 o consumo per capita de hortaliças foi 47,98 kg, em 1996 passou a 34,42 kg e em 2002 a 29,00 kg. Isto é, o con-
sumo domiciliar de hortaliças encolheu 40%, quando comparamos 1987 e 2002.
68 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
geohidrológico: erosão
siva de peixes e aumento de incidência de flo-
rações de microalgas e cianobactérias (AZEVE-
DO; VASCONCELOS, 1998). O mesmo acontece
Na RBCV, a susceptibilidade à erosão está com a utilização de ração em viveiros e pesque-
associada fundamentalmente ao relevo aciden- -pagues, que contribui para o enriquecimento
tado e ao manejo inadequado do solo. Práticas de nutrientes nesses corpos de água.
agrícolas conservacionistas referem-se princi- O acúmulo de metais pesados nos reserva-
palmente ao plantio acompanhando as curvas tórios é outro problema que agrava o compro-
de nível, o terraceamento e à utilização de pro- metimento da qualidade da água, pois os mes-
cessos de cultivo mínimo. Na região, entretan- mos apresentam alta taxa de enriquecimento e
to, não se verifica a utilização dessas práticas. baixa taxa de remoção (MCELDOWNEY; HARD-
Em alguns locais é comum observar o plantio MAN; WAITE, 1993), sendo considerados seve-
conhecido como morro abaixo, que facilita o ros poluentes inorgânicos devido ao seu efeito
escoamento superficial e a erosão. O plantio tóxico na biota (ALLOWAY; AYRES, 1997) e na
em nível é mais comum, no entanto, sem obe- saúde humana. Geralmente esses compostos
decer rigorosamente às orientações técnicas. são provenientes de efluentes industriais, mas
Contudo, a agricultura não é a única nem a também de defensivos agrícolas.
principal causa da erosão na área da RBCV. Des- Apesar do alto consumo de agrotóxicos e
taca-se o impacto das estradas rurais mal pla- do relativo grau de liberalidade no seu uso, não
nejadas e com manutenção precária e a urbani- existe um sistema de monitoramento dos diver-
zação, principalmente decorrente da ocupação sos princípios ativos que colocam em risco a
desordenada que provoca distúrbios muito qualidade das águas, dos solos e dos alimentos
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 71
nos reservatórios, conclui-se que a agricultura foi citado é a mesma da importância do uso.
não é o principal vetor para a deterioração da É um indicador grosseiro na medida em que
qualidade de água dos reservatórios, e sim a uma segunda categoria pode ter sido incluída
urbanização. em função de uma contribuição ínfima (0,50%)
A análise da qualidade se baseia no moni- ou por valores representativos (de até 25%),
toramento regular dos corpos hídricos do esta- além de não haver coincidência entre os limites
do de São Paulo, realizado pela CETESB. O Índice municipais e a área de drenagem. Além disso,
de Qualidade da Água (IQA) e o Índice de Quali- há uma defasagem de três anos entre os dados
dade das Águas para Proteção da Vida Aquática agrícolas e o de qualidade da água. Os dados da
e de Comunidades Aquáticas (IVA) foram usados CETESB utilizados foram os de 2011. O valor
para caracterizar os reservatórios da RBCV e utilizado refere-se à média simples dos valores
relacionar com a atividade agropecuária pró- disponíveis para cada reservatório.
xima ao reservatório (IBGE, 2009). O cálculo Os reservatórios com qualidade ótima
do IQA leva em consideração nove variáveis de estão localizados em municípios em que pre-
qualidade da água, que podem ser afetadas pela valece mata; mata com cultura permanente;
atividade agropecuária: 1) coliformes fecais, pastagem com mata; e exclusivamente cul-
provenientes de adubo orgânico e dejetos de turas temporárias ou pastagem. Nestes dois
animais, se provenientes da agricultura; 2) pH, últimos casos tende-se, conceitualmente, a
alterado pelas características do solo, uso de associar mais com sedimentos e escorrimento
calcário e alguns pesticidas carreados do solo de agroquímicos. Por outro lado, os reservató-
para o corpo hídrico; 3) DBO proveniente de res- rios com qualidade de água ruim ou péssima
tos culturais, dejetos de animais, matéria orgâ- estão localizados no ponto mais a jusante do
nica e agrotóxicos que causam a mortalidade Rio Tietê, dentro da área da RBCV e, portan-
de organismos vivos, bem como derramamento to, recebem as águas deste rio após passar por
acidental de insumos que consomem o oxigênio toda área de concentração urbana de São Pau-
para decomposição; 4) nitrogênio total, prin- lo. Localizam-se em municípios onde o uso do
cipalmente proveniente da adubação; 5) fósfo- solo pela agricultura foi caracterizado por ter
ro total, também proveniente da adubação; 6) informação estatística sem relevância ou sem
temperatura associada a falta de mata ciliar; informação. Santana do Parnaíba, onde está
7) turbidez causada pela erosão e pela falta de localizado o reservatório Edgar de Souza, pos-
mata ciliar; 8) resíduo total resultante do revol- sui somente 20 estabelecimentos, um pouco aci-
vimento do solo para plantio, erosão e falta de ma do número de corte para considerá-lo sem
cobertura vegetal entre a colheita e plantio; e estatística relevante (IBGE, 2009). Estas consi-
9) oxigênio dissolvido resultante do impacto da derações são consistentes com a concepção de
agricultura, que estimula a eutrofização e aera- que, apesar do impacto da agricultura, o IQA
ção da água. reflete, principalmente, a contaminação dos
No período de 2003 a 2010, não houve corpos hídricos ocasionada pelo lançamento de
uma deterioração clara da qualidade da água esgotos domésticos.
medida em termos do IQA em nenhum reserva- O IVA tem o objetivo de avaliar a quali-
tório. Houve uma melhora em alguns reserva- dade das águas para fins de proteção da fauna
tórios, particularmente Jaguari e Jundiaí e uma e flora em geral. Fornece informações não só
pequena degradação na Billings, Paiva Castro, sobre a qualidade da água, em termos ecoto-
Taiaçupeba e Rio Grande. xicológicos, como também sobre o seu grau de
Na Figura 13 apresenta-se o cruzamento trofia (CETESB; SABESP, 2011).
das informações agrícolas com o indicador de Com relação ao IVA, o comportamento
qualidade dos reservatórios (IQA). Os dados observado no período 2003 – 2010 apresen-
agrícolas referem-se ao principal uso da área tou certa homogeneidade com relação à bacia
agrícola em cada município com base no IBGE hidrográfica a que pertence. Na bacia do rio
de 2006, segundo categorias de uso. Identifi- Paraíba e no médio Sorocaba houve claramen-
caram-se os usos informados que represen- te uma melhora. O primeiro, caracterizou-se
tam mais que 50% da área. A ordem com que pelo menos como regular, enquanto o segundo
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 73
Figura 13 |
Uso agrícola
preponderante
e qualidade da
água (IQA) nos
reservatórios
da RBCV.
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em IBGE (2009);
CETESB (2011).
Nota: 1 Reservatório Jaguari; 2 Reservatório de Pirapora; 3 Reservatório do Rasgão; 4 Reservatório de Itupararanga; 5 Reservatório Cachoeira
da Graça; 6 Reservatório Pedro Beicht; 7 Represa Jurupará; 8 Represa Cachoeira do França; 9 Represa do Barra; 10 Represa Cachoeira da
Fumaça; 11 Represa de Guarapiranga; 12 Represa Billigs; 13 Reservatório de Taiaçupeba; 14 Reservatório de Jundiaí; 15 Reservatório Ponte Nova;
16
Reservatório Ribeirão do Campo; 17 Represa do Rio Paraitinga; 18 Represa Santa Branca; 19 Represa do Rio Jaguari; 20 Reservatório Atibainha;
21
Reservatório Cachoeira; 22 Represa Juqueri; 23 Sem nome.
atingiu melhor avaliação. Na bacia do Alto Tietê apresentaram condições sistematicamente pés-
a característica geral foi de degradação, sendo simas ou nem se coleta a informação.
que alguns reservatórios mostraram certa ten- Na Figura 14 busca-se estabelecer a relação
dência à estabilidade em uma situação regular: entre uso do solo e o IQA. Os indicadores
das Graças, Guarapiranga no ponto de coleta de foram estimados de forma semelhante aos
água para abastecimento da SABESP e Jundiaí; descritos para a Figura 13. A situação crítica
outros, mostraram estabilidade em uma situação dos reservatórios pareceu não estar associada
ruim: Billings e o ponto urbano da Guarapiran- ao uso do solo, como aqui caracterizado, o que
ga. Comportamento menos claro apresentaram sugere a necessidade de estudos mais apri-
Taiaçupeba e Rio Grande. Somente Tanque morados. O reservatório com qualidade óti-
Grande e Paiva Castro mostraram tendência ma está localizado em área com predomínio
a melhora. Os três reservatórios, localizados de lavoura temporária e de pastagem, exata-
mais a jusante do rio Tietê, nos limites da RBCV, mente ao contrário do que seria de esperar se
74 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 14 |
Uso do solo e
qualidade da
água (IQA) dos
reservatórios
da RBCV.
Elaboração própria.
Com base em
IBGE (2006);
CETESB (2011).
Nota: 1 Reservatório Jaguari; 2 Reservatório de Pirapora; 3 Reservatório do Rasgão; 4 Reservatório de Itupararanga; 5 Reservatório Cachoeira
da Graça; 6 Reservatório Pedro Beicht; 7 Represa Jurupará; 8 Represa Cachoeira do França; 9 Represa do Barra; 10 Represa Cachoeira da
Fumaça; 11 Represa de Guarapiranga; 12 Represa Billings; 13 Reservatório de Taiaçupeba; 14 Reservatório de Jundiaí; 15 Reservatório Ponte
Nova; 16 Reservatório Ribeirão do Campo; 17 Represa do Rio Paraitinga; 18 Represa Santa Branca; 19 Represa do Rio Jaguari; 20 Reservatório
Atibainha; 21 Reservatório Cachoeira; 22 Represa Juqueri; 23 Sem nome.
de alimento e de biodiversidade
agrícolas. O que apresentou qualidade boa
está em área com predominância de matas.
Por outro lado, os de qualidade ruim pare-
cem estar associados fundamentalmente ao Fica explícita a insustentabilidade cres-
uso urbano, sem relevância estatística para cente da metrópole de São Paulo pela ampliação
mata, lavoura temporária e mata com pasta- da sua PE, mesmo que estimada somente em
gem (IBGE, 2009). termos do consumo de verduras, e o overshoot
Os dados oficiais da CETESB e do IBGE, (sobrecarga) em termos da biocapacidade da
usados para uma primeira aproximação da área definida estatisticamente como agrícola
relação do trade-off negativo entre agricultu- pelo IBGE e LUPA. Embora não seja a agropecu-
ra e qualidade da água, não são conclusivos. O ária o vetor primordial do esgotamento desse
trade-off claro é entre urbanização e qualidade ecossistema, seu impacto também precisa ser
da água. considerado.
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 75
A produção biológica dos recursos pes- peixes se instalam em conjunto com diferen-
queiros é condicionada por uma gama de fatores tes composições e abundância de indivíduos.
bióticos e abióticos que estão fora do contro- Alguns desses habitats são únicos e abrigam
le humano, o que torna difícil estabelecer com um conjunto determinado e particular de pei-
suficiente confiabilidade os máximos de produ- xes. Desse modo, sua contaminação e destrui-
ção e captura e, assim, manejar e ordenar a ati- ção também têm contribuído para a diminuição
vidade de forma mais efetiva. A dificuldade em da biodiversidade (BARRELLA, 1997). Na área
garantir um processo sustentável relaciona-se estuarina, nos canais de navegação que são
ao fato de o homem controlar apenas alguns ele- margeados por manguezais, o turismo náutico
mentos, ainda que com muita dificuldade, como é o maior vetor, causando conflito com a ativi-
a quantidade, o tamanho dos peixes, os locais e dade pesqueira e, muitas vezes, com o modo de
as épocas das capturas. A mobilidade dos recur- vida das comunidades residentes. Nos locais
sos pesqueiros, dentro de uma mesma bacia próximos das expansões urbanas desordena-
hidrográfica, dificulta a estimativa da biomassa das, principalmente em áreas sobre palafitas, o
disponível. Ainda se tem pouco controle sobre os lixo urbano é o motivo de maior preocupação. A
petrechos utilizados para captura que incluem ameaça no canal de Bertioga vem da expansão
outras espécies (como fauna acompanhante), e do Porto de Santos e da cava subaquática, que
sobre o conflito e a competição entre atores que recebe resíduos sólidos de Cubatão.
se utilizam dos recursos de livre acesso, bem De modo geral, é esperada uma diminui-
como sobre a escassez do recurso pesqueiro, ção da oferta de produtos da pesca na região
que aumenta o preço e estimula a sobrepesca, do estuário, na área costeira da Baixada San-
sobrecarga ou exploração. tista e no Planalto quando se consideram,
A introdução de espécies exóticas é uma principalmente, os corpos de água (rios e
das principais ameaças à fauna de peixes de reservatórios) localizados em áreas urbanas
água doce do Brasil. Por outro lado, Minte-Vera ou periurbanas.
regulação da água:
realizada no estuário. Tais atividades resistem,
participativo, coordenado pelo Instituto Socio- o principal vetor da sua ocupação na principal
ambiental - ISA, este fato foi relatado por veleja- região agrícola da RBCV sendo, mais provavel-
dores, o que levou à proposta de prolongamen- mente, a principal responsável pelo impacto de
to dos limites do PqE da Várzea do Embu-Guaçu redução do volume de água na região.
até o espelho de água da represa Guarapiranga, Como o processo de ocupação urbana
devido ao rebaixamento do nível da água em segue a lógica de ocupar áreas desocupadas,
um período de cerca de 10 anos (SEMINÁRIO a manutenção da atividade agrícola pode ser
GUARAPIRANGA, 2006). O desmatamento pró- importante para conter a tendência à redução
ximo às nascentes pode promover o desapare- do volume dos cursos de água. Cresce a visão da
cimento de cursos d’água. Quando realizado em importância da relação agricultura e água nos
áreas de alta declividade e ao longo dos corpos espaços multi-setoriais das regiões metropoli-
hídricos, pode causar o assoreamento dos tanas e da RBCV.
Figura 22 |
Jundiaí (VERDI et al., 2007; OTANI, 2010).
Região Norte da
As diversas atividades implementadas
RBCV, Hotel Paradies, com os turistas podem levar ao aperfeiçoamen-
no município de to e a promoção do artesanato local e da arte
Jarinú.
Foto: Paulo Li –
popular, bem como ao resgate de atividades
Expressão Studio. como a cavalgada e o tropeirismo, além de pos-
Fonte: TUR.SP (2019). sibilitar ao visitante a vivência com os sitiantes
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 79
e o contato com os processos que envolvem a Por outro lado, existem também con-
sua alimentação diária. Este tipo de atividade é dicionantes sociais, econômicos, políticos e
ainda muito frágil na região. culturais que constituem a base ampla em
O circuito das frutas vem fortalecendo que se organiza a produção de alimentos na
social e economicamente o agricultor e a popu- RBCV. Compreender a complexidade des-
lação rural para permanecerem na atividade tas forças e como atuam é tarefa complexa.
e na região. Desta forma, a agricultura, base Optou-se aqui por restringir a algumas das
fundamental para o turismo rural, gera trade- principais forças identificadas, fazendo bre-
-offs positivos sobre os serviços ecossistêmicos ves comentários a serem aprofundados em
culturais folclorísticos, fortalecendo a manu- outra oportunidade.
17
Para 2006 foram utilizados dados preliminares que indicam redução do número de estabelecimentos em 64% enquanto
a área foi reduzida em 25%. Os dados definitivos disponibilizados trazem classificação distinta, dificultando a com-
paração. Neste caso, a estimativa pode estar subestimada por não incluir forrageiras. A redução seria de 60% e 48%,
respectivamente.
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 83
do serviço ecossistêmico
superficiais em local de escassez da água para
uso doméstico e produtivo. A disponibilidade
depende de um sistema complexo de trans-
Os dois recursos naturais fundamen- posição entre bacias que está se mostrando
tais à produção agropecuária, solo e água, insustentável e gradativamente se estende para
84 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
regiões mais distantes. A bacia do Alto Tietê rece- Alto Tietê. Assume importância maior na bacia
be águas de duas bacias (PCJ e Baixada Santis- do Paraíba do Sul e na do Sorocaba, mas nestes
ta) e diante da crise hídrica de 2016 estão sen- casos, a disponibilidade hídrica ainda é alta (é
do realizadas obras em bacias vizinhas (Ribei- demandando 27% e 29% do disponível). No PCJ
ra de Iguape e Paraíba do Sul). Existem planos a questão é preocupante não somente porque
técnicos para expandir esta transferência para o consumo se aproxima do volume disponível,
bacias ainda mais distantes (COBRAPE, 2009). mas também porque o uso agrícola está próxi-
Os comitês de bacia, que possuem legalmente mo a 20%. Nesta região da RBCV os municípios
autonomia para definir o preço do recurso natu- são voltados à pecuária, embora cana-de-açú-
ral transferido, estão pressionando o comitê do car e frutas estejam entre as principais ativida-
Alto Tietê por um preço mais elevado e/ou redu- des agrícolas da região.
ção do volume utilizado. A negociação com o PCJ A crise hídrica trouxe a discussão de uma
já exigiu a interferência da ANA. É imperativo política para promover o uso eficiente da água na
reduzir o consumo, ampliar o reuso e proteger agricultura, em um primeiro período, e depois a
as fontes de água. mudança de tecnologia, para privilegiar aque-
A agricultura consome cerca de 37% da las de menor consumo. Os agricultores somente
água no estado de São Paulo. Nas bacias que receberam orientação técnica sobre irrigação dos
fazem parte da RBCV o comportamento é muito próprios vendedores de equipamentos. Não exis-
variado. Nas bacias do litoral o uso pela agri- tiu um programa oficial de capacitação técnica
cultura é inexistente (na Santista) ou muito intensivo sobre o tema e o desafio é fazer chegar
baixo (Ribeira do Iguape, com 1,3%). Nas bacias a eles este conhecimento, já que a cobrança pelo
do Alto Tietê o uso agrícola é também baixo uso da água é um fato real. Do ponto de vista dos
(4,2%). Assume valores médios, mas abaixo da agricultores familiares, a dificuldade está em
média do estado, no PCJ (19,1%) e no Paraíba obter a outorga, em função da complexidade da
do Sul (28,1%), onde existe plantio de arroz documentação exigida e do alto custo para obtê-
irrigado por inundação, porém fora da área da -la, primeiro passo para a implantação da cobran-
RBCV. A única bacia onde há consumo acima da ça, que deverá estimular o uso racional da água
média do estado é a do Sorocaba/Médio Tietê, em todos os setores. Durante a crise hídrica de
onde está inserida a região oeste da RBCV, que 2015, os equipamentos de irrigação na região les-
consome 46,4% e produz principalmente hor- te da RBCV foram lacrados, até que os agricultores
taliças (COBRAPE, 2009). regularizassem sua situação em relação a outorga.
A Tabela 7 apresenta na primeira coluna A alternativa simplista de transferir o
a demanda de água sobre a vazão disponível volume consumido pela agricultura para uso
nas bacias hidrográficas que compõem a RBCV. doméstico tende a agravar o problema não só
Fica evidente a situação crítica da bacia do pela não adequação da demanda doméstica,
Alto Tietê e a do PCJ, da qual depende. A quar- mas também por eliminar o uso produtivo da
ta coluna estabelece a relação entre o consumo terra que age como barreira à ocupação desor-
de água pela agricultura e o total; e demonstra denada das áreas de mananciais.
que a irrigação representa somente um peque- Com relação à água, observam-se local-
no percentual da água consumida na bacia do mente os principais desafios do século 21
referentes à crise hídrica: a escassez de água; CETESB sobre qualidade da água. De forma geral,
a deterioração de sua qualidade; a falta de per- por utilizar água de nascentes, a agropecuária
cepção de gerentes e do público em geral sobre local não representa um risco para quem conso-
a gravidade da crise; a fragmentação e disper- me os alimentos. É preocupante, principalmen-
são do gerenciamento dos recursos hídricos. te, a tendência de expulsão da atividade agro-
Nas últimas décadas, o aumento das cargas de pecuária da região e sua substituição por novos
nitrogênio e fósforo, de substâncias tóxicas e atores; neste cenário, perder-se a possibilidade
da produção de toxinas por cianobactérias são de fomentar uma política de multifuncionali-
alguns dos muitos fatores que têm atingido os dade do espaço rural, costeiro e marítimo que,
ecossistemas aquáticos continentais (TUNDI- como salientado, é dependente do capital social
SI; MATSUMURA-TUNDISI; ROCHA, 1999). construído pela vida em comunidade dos agri-
A atividade agrícola pode interferir nas cultores familiares e pescadores. Através dos
condições da água dos rios pela maior expo- trade-offs positivos, contribui para a preserva-
sição do solo, com aumento do escoamento ção do ecossistema e a continuidade do forneci-
superficial das águas pluviais. Esse efeito, asso- mento dos serviços ecossistêmicos.
3 | ALTERAÇÕES NO
ciado à adição de fertilizantes minerais, acar-
reta maior transporte de sedimentos e nutrien-
ECOSSISTEMA, O SERVIÇO
tes, particularmente nitrogênio e fósforo para
ECOSSISTÊMICO ALIMENTO
os rios, contribuindo com sua eutrofização. A
adição de outros produtos, como os vários tipos
E O BEM-ESTAR HUMANO NA
de praguicidas, também contribui para o apor-
RBCV
te nos corpos d'água.
Do ponto de vista do ambiente aquático,
as modificações vêm afetando diretamente a
abundância dos estoques, a composição da ictio- A capacidade do ecossistema continuar
fauna e a produtividade pesqueira em diversas a prover o serviço alimentos pode ser alterada
regiões do estado de São Paulo (BARBIERI et pela forma como o serviço é produzido, pelos
al., 2000; CASTRO et al., 2006). Em ambientes trade-offs positivos e negativos estabelecidos
eutrofizados a diversidade de espécies ten- com outros serviços identificados como água
de a ser pequena, sendo dominado por pou- (quantidade e qualidade), cultura, lazer, turis-
cos grupos específicos, conforme observado mo, silêncio (paisagem), entre outros, e também
nas represas de Guarapiranga (BARBIERI et al., pelos vetores que podem atuar diretamente no
2000) e reservatório Billings (MINTE-VERA, ecossistema. O objetivo da produção agropecuá
1997). A baixa riqueza de espécies presentes na ria é atender as necessidades humanas para
pesca e a alta dominância de algumas são indi- promover o bem-estar humano, particularmen-
te alimento saudável e de nutrição da população.
do espaço rural
lótico em lêntico, através do represamento;
eutrofização e contaminação do ecossistema; e
a introdução de espécies (MINTE-VERA, 1997; A política urbana no Brasil surge somen-
BARBIERI et al., 2000). te com a Constituição de 1988. Até então o
Constata-se assim que a disponibilidade de espaço rural sempre teve um papel passivo
solo agricultável e hídrica, assim como sua qua- de criar condições para o crescimento urba-
lidade, são os grandes fatores que colocam em no. Assim sendo, os trabalhos de Ueno (1985,
risco a viabilidade dos ecossistemas na região da 1989), Moraes e Carvalho (2006), além dos
RBCV continuarem a prestar o serviço de produ- dados censitários do IBGE e do LUPA demons-
ção de alimentos. A atividade agropecuária pode traram que a atividade agrícola contribui para
estar comprometendo seriamente a qualidade contenção da expansão urbana desordenada,
do recurso hídrico, embora seja importante res- principal vetor de degradação do ecossiste-
saltar que o setor não é o principal vetor de alte- ma. A família agricultora se configura como
ração, quando se considera os dados oficiais da barreira à ocupação urbana e pode assim
86 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
área rural, 5,4%) na região Sudeste inferior anos observou-se a manutenção do consumo
aos indicadores para o país (11,3% e 8,3%, excessivo de açúcar e o aumento do consumo
respectivamente). de gorduras. Além disso, a ingestão de frutas e
O baixo peso foi observado em 5,3% hortaliças continua insuficiente e abaixo das
dos meninos e 8,6% das meninas, ambos com recomendações nutricionais. Ao comparar os
maior prevalência na área rural, com valores resultados da análise do estado nutricional
semelhantes ao país. O excesso de peso e a obe- das POF de 2002/2003 e 2008/2009, a ten-
sidade, respectivamente, foram constatados dência de declínio da desnutrição infantil é
em 21,5% e 1,9% dos meninos e 18 e 3,8% das confirmada. Com relação ao excesso de peso
meninas do Sudeste, ambos com maior preva- e à obesidade, em todas as idades confirma-se
lência na área urbana e superior ao conjunto a tendência de aumento desses problemas. A
do país. A situação dos adolescentes é menos frequência de pessoas com excesso de peso
contundente do que entre adultos, mas segue a nos últimos seis anos cresceu mais de um
mesma tendência. ponto percentual ao ano, indicando que, em
A POF enfatiza que existem restrições cerca de dez anos, o excesso de peso poderia
quanto à interpretação dos resultados com alcançar dois terços da população de adultos
relação ao estado nutricional das crianças, do Brasil (IBGE, 2010).
moderada e 4,1% de insegurança grave, sem A demanda urbana por água criou o
grande disparidade entre a área urbana (4,1%) estresse hídrico, acirrando a competição e
e rural (3,8%) e inferiores aos índices para o criando restrições crescentes para o uso agro-
país (insegurança moderada, 12,3% e grave pecuário, o que pode levar à redução das áreas
6,5%). Quanto à situação dos domicílios, obser- não urbanizadas onde estão os remanescentes
vou-se que a área rural apresentou proporções dos recursos naturais que prestam os diver-
de segurança e insegurança alimentar grave sos serviços ecossistêmicos. A deterioração
(64,4% e 3,8%, respectivamente) ligeiramente da qualidade das águas interiores e marítimas
menor que a urbana (69,9% e 4,1%, respecti- criam restrições crescentes para a aquicultura
vamente). No estado de São Paulo, a pesquisa e pesca extrativista e agropecuária; ao mesmo
apontou que 75,8% dos domicílios apresenta- tempo, exige que os produtores remanescentes
vam segurança alimentar, 13,6% insegurança se utilizem de áreas de águas puras como nas-
leve e 7,2% moderada (IBGE, 2004). centes, braços de represa, etc, e tenham cuida-
Como em outros países, quadros de segu- dos especiais com os alimentos que fornecem.
rança ou insegurança alimentar têm forte rela- A escassez e a crescente dependência de
ção com a composição da unidade domiciliar. A água proveniente de outras bacias para abaste-
situação de segurança alimentar foi constatada cimento da RMSP estão criando duas perspec-
em 80,4% dos domicílios da região Sudeste sem tivas de enfrentamento da questão. De um lado,
moradores menores de 18 anos. Entretanto, esta enfatiza-se o papel da agricultura para proteger
proporção foi menor quando foram analisados os as condições adequadas para o serviço de pro-
domicílios com pelo menos um morador menor visão de água através da ação identificada como
de 18 anos, resultando em 66,8% (IBGE, 2004). multifuncionalidade do espaço rural e, de outro,
Assim, em relação ao estado nutricional, os que consideram que a atividade agropecuá-
os indicadores apresentados sugerem que, em ria deve ser restringida onde existe estresse
geral, ocorrem elevadas proporções de indi- hídrico. Esta parece ser a visão hegemônica do
víduos com sobrepeso e obesidade, aparecen- órgão público especializado nos recursos hídri-
do com menor importância o baixo peso. Mas cos. Restrições impostas à agricultura regional
existe uma parcela da população vivendo em ao invés de medidas de diminuição da demanda,
situação de insegurança alimentar. Interven- reuso e proteção das fontes de água devem se
ções para melhorar o padrão alimentar e esta- intensificar em cenários de crise hídrica.
do nutricional da população são necessárias. Em áreas protegidas, o conflito com a popu-
lação que vive em seu entorno tem demonstrado
CONCLUSÕES
a necessidade de buscar modelos de convivência
eficientes para garantir a proteção ambiental
em situações de pressão demográfica intensa.
O serviço de provisão de alimentos na Crescem os movimentos sociais e a visão da
região da RBCV se encontra ameaçado em fun- importância de desenvolver atividades susten-
ção da forte urbanização, seja pelo seu efei- táveis que possam transformar a população em
to sobre o solo ou sobre a água. A expansão protetores do patrimônio natural.
urbana vem afastando continuamente a área Isto sugere que existe uma carência de
agrícola, quer por sua ação direta por meio da políticas territoriais associadas às políticas
violência e contaminação hídrica, quer indire- agrícolas. Os Planos Diretores municipais não
tamente. através do preço do trabalho e da ter- parecem compreender a importância da preser-
ra. Por outro lado, a política voltada ao estímulo vação das áreas rurais. Uma política metropoli-
da agricultura familiar e urbana, a valorização tana de municípios produtores e consumidores
pelo consumidor dos produtos locais de qua- de água (prevista em legislação específica) e de
lidade e a falta de oportunidades no mercado alimento parece ser fundamental para preser-
de trabalho urbano podem ser os fatores res- vação da capacidade do ecossistema em conti-
ponsáveis pela expansão da ocupação de áreas nuar a prover serviços ecossistêmicos para o
agrícolas em alguns municípios da RBCV, iden- bem-estar humano. Uma política metropolitana
tificada no Censo Agropecuário (IBGE, 2017). que reconheça a importância da manutenção
92 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
do patrimônio natural e cultural que existe no Diretor) e nutricionais (como as hortas esco-
rural e a importância que a rede social de agri- lares e os programas de venda direta para a
cultores tem para contribuir para sua preserva- merenda escolar do Governo Federal e de com-
ção é identificada como multifuncionalidade da pra dos municipais) que já assumem certa sig-
agricultura. Esta, se inicia pelo planejamento nificância e poderiam ser fortalecidas. Muitos
que orienta e limita a expansão urbana. são os municípios que têm procurado estabe-
Foi visto pelo cálculo da pegada ecológica lecer uma política para fortalecer os agricul-
que há uma tendência crescente de sobrecarga e tores de seus municípios através da mudança
que o estado nutricional da população se carac- tecnológica e de novos locais de comercializa-
teriza como de transição nutricional marcado ção direta. Acima de tudo, precisa-se desen-
pelo consumo excessivo de gorduras, sal, açú- volver uma política agrícola supra-municipal
car; e ingestão insuficiente de frutas, legumes de circuito curto, voltada ao abastecimento do
e verduras, associado a baixos níveis de ativi- mercado urbano, que dialogue com a questão
dade física com consequências diretas sobre a ambiental e estimule os agricultores a, grada-
saúde e o bem-estar humano. Com relação aos tivamente, adotarem as novas propostas tec-
aspectos nutricionais, os indicadores de déficit nológicas que lhe sejam oferecidas através de
de peso e de altura sugerem uma evolução mais projeto contínuo de capacitação.
favorável na região do que no resto do estado e O projeto estadual Guarapiranga Sus-
país, enquanto a obesidade e o excesso de peso tentável é um exemplo de política a ser for-
são mais acentuados no estado, mas declinam talecido, embora esteja ainda circunscrito ao
um pouco na RMSP e município de São Paulo. município de São Paulo e sujeito a mudanças
Com respeito à segurança alimentar, o estado de acordo com a renovação dos quadros polí-
de São Paulo apresenta índices melhores do ticos municipais. A Secretaria do Verde e Meio
que no país e na região sudeste. O indicador de Ambiente do Município de São Paulo, através
segurança alimentar é de 75,8% com insegu- do Fundo Especial do Meio Ambiente (FEMA),
rança grave da ordem de 3%. fortalece a capilaridade das ações junto aos
Quando a produção gerada na região foi agricultores.
classificada em termos dos grupos nutricio- Muito ainda há para aprimorar, mas já se
nais, identificou-se a grande concentração nos testou um embrião, também na política federal,
produtos altamente perecíveis sugerindo a que promove o produtor (agropecuário-pesca-
importância dada pelo consumidor ao frescor dor) a ser prestador de serviços ecossistêmicos
dos alimentos. de provisão de alimentos. Existem, entretanto,
Por outro lado, a tecnologia utilizada na fortes indícios de que a tendência da política
atividade agropecuária é também um vetor de brasileira atual em todas as esferas, caminhe
alteração do ecossistema e pode vir a compro- atualmente em sentido oposto.
meter sua capacidade de continuar a prestar Órgãos públicos, como a extinta EMPLA-
serviços ecossistêmicos. A preocupação funda- SA, e conselhos de base territorial precisam jun-
mental é com a contaminação do solo e água, tar esforços para liderar ações de coordenação
mas também com o uso ineficiente da água dos três níveis hierárquicos e a sociedade civil
para irrigação. na busca da construção de projetos de desen-
Existem evidências de estratégias tecno- volvimento territorial, com o objetivo de pre-
lógicas (agricultura orgânica ou agroecológi- servar os ecossistemas e sua capacidade de
ca), de políticas sociais (agricultura urbana de gerar serviços ecossistêmicos para o bem-
geração de emprego e renda), urbanas (Plano -estar humano.
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 93
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GLOSSÁRIO
A B
Abióticas | Denominam-se fatores abióticos Biocapacidade | O suprimento ecológico, ou a bio-
todas as influências que os seres vivos possam capacidade da área terrestre, é igual à produção
receber em um ecossistema, derivadas de aspec- máxima de um recurso renovável por unidade de
tos físicos, químicos ou físico-químicos, como a área. Uma maneira de medir a biocapacidade é atra-
luz, o vento e etc. vés da produção primária (PP) da unidade espacial,
ou a quantidade de biomassa por unidade de área.
Ações antrópicas | Ações relativas à humanida-
de, à sociedade humana, à ação do homem. Biomassa | É o peso total de todos os organis-
mos vivos de uma ou várias comunidades, por
Agricultura familiar | Corresponde a uma uni-
uma unidade de área.
dade de produção agrícola onde a propriedade
e trabalho estão intimamente ligados à família. Bióticos | Denominam-se fatores bióticos todos
A decisão de investir está fundamentalmente os efeitos causados pelos organismos em um
baseada no bem-estar da família (LAMARCHE, ecossistema que condicionam as populações que
1993). Um possível indicador para sua clas- os formam.
sificação estatística relaciona maior número
Bioturbação | É revolvimento ou agitação do
de horas de trabalho da família em relação à
sedimento, sendo causado por seres vivos.
contratada.
Agricultura orgânica | Na agricultura orgânica
não é permitido o uso de substâncias que colo-
C
quem em risco a saúde humana e o meio ambien- Carbofenotiona | Acaricida não sistêmico com
te. Não são utilizados fertilizantes sintéticos solú- ação residual.
veis, agrotóxicos e transgênicos. Carbono inorgânico | A principal forma inorgâ-
Agricultura urbana | Pode ser definida como o nica do carbono é o gás carbônico ou CO2. Suas
cultivo e a criação animal dentro e ao redor das origens no meio aquático são: atmosfera, chuva,
cidades. O aspecto mais importante que distingui água subterrânea, decomposição e respiração de
a agricultura urbana em relação à rural, é que é organismos.
integrada ao sistema ecológico e econômico da Cialotrina lambda | Inseticida concentrado e
cidade (RUAF, 2019). emulsionável, indicado para o combate de mos-
Agroecologia | A Agroecologia se institui pela cas, formigas, borrachudos, mosquitos, baratas,
incorporação de uma dimensão ecológica à pro- cupins, aranhas, escorpiões, percevejos, pulgas
dução agropecuária e se estabelece pela contra- e carrapatos.
posição aos princípios da agricultura moderna. Cianobactérias | São bactérias que obtêm ener-
Atividade primária | O setor primário está rela- gia através da fotossíntese, conhecidas popular-
cionado a produção através da exploração direta mente como algas-azuis.
e recursos da natureza. Inclui a agricultura, a pes- Cipermetrina | É uma substância do grupo dos
ca, pecuária e a mineração. piretróides (substâncias sintéticas derivadas da
Atazoxistrobina | Fungicida de amplo espec- piretrina natural) e possui classificação toxicoló-
trum usado contra fungos em frutas e verduras. gica nível II (altamente tóxico). É fotoestável, não
100 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
E
Clorotalonil | É um composto orgânico usado
principalmente como um fungicida não sistêmico
de largo espectro. Ecotoxicológicos | Resultado de testes de toxi-
cidade com organismos, também chamados de
Coeficiente de exportação de cargas poluen-
bioensaios. São testes feitos em laboratório que
tes | São indicadores obtidos através de modelos
determinam o grau e efeito biológico de uma
como o de correlação de uso do solo/qualidade
substância desconhecida ou de uma substância
da água (MQUAL) desenvolvido pela Secretaria
teste (como drogas, hormônios, químicos, etc)
do Meio Ambiente de São Paulo para a bacia do
sobre indivíduos, populações e comunidades de
Guarapiranga.
organismos.
Consertação | Acordo entre diferentes atores,
Eutrofização | É um processo normalmente de
por exemplo, governo e parceiros sociais (sindi-
origem antrópica (provocado pelo homem), ou
cato, associações profissionais ou de moradores,
raramente de ordem natural, tendo como princí-
etc) para identificação de propostas que possam
pio básico a gradativa concentração de matéria
promover objetivos comuns.
orgânica acumulada nos ambientes aquáticos.
Cromatografia gasosa | É uma técnica para
separação e análise da mistura de substâncias F
voláteis e tem como objetivo a identificação de
Fatores bióticos | São fatores/efeitos causa-
substâncias, a separação e a purificação de mis-
dos por seres vivos dentro de um determinado
turas usando propriedades como solubilidade,
ecossistema.
tamanho e massa. Acontece pela passagem de
duas fases: uma estacionária (fixa) e outra móvel. Fatores abióticos | São fatores/efeitos que não
A amostra é vaporizada e introduzida em um fluxo são causados por seres vivos podendo ter origem
de gás adequado denominado de fase móvel ou no meio físico, químico ou físico-químico.
gás de arraste. Este fluxo de gás com a amostra Fatores de equivalência | O fator de equivalên-
vaporizada passa por um tubo contendo a fase cia (Feq) é um número utilizado para realizar a
estacionária onde ocorre a separação da mistura. conversão da massa do sal ou éster para a massa
Cultivo mínimo | É um sistema de cultivo situa- da base ou do fármaco hidratado para o anidro.
do entre o sistema convencional e o plantio direto. A conversão é uma forma de compensação, uma
O uso de máquinas é mínimo para garantir o vez que as substâncias apresentam pesos mole-
menor revolvimento do solo. culares diferentes.
Curva de nível | Na agricultura, curva de nível é Florações de microalgas | As microalgas são
um procedimento de cultivo, baseando-se nas fra- importantes constituintes da base da cadeia
ções altimétricas do território em questão. As cur- alimentar de ambientes aquáticos. No entanto,
vas auxiliam na retenção dos componentes solú- em situações específicas como no caso de uma
veis do solo, possibilitando o aumento da produção. floração nociva (maré vermelha), as microalgas
A água das chuvas, ao se deparar com as frestas podem ter efeitos deletérios que afetam ativida-
e as plantas, não escoa e penetra no solo, deixan- des como navegação, pesca, maricultura, recrea-
do-o molhado e impedindo a lixiviação e a erosão. ção, qualidade de águas e saúde pública, assim
O PRODUTOR E O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE PROVISÃO DE ALIMENTOS 101
G
tância orgânica é convertida em uma inorgânica.
Minorcrops | Culturas de suporte fitossanitário
Glifosato | Herbicida sistêmico não seletivo insuficiente para as quais prevalece a falta ou
(mata qualquer tipo de planta) desenvolvido para número insuficiente de agroquímicos registrados
matar ervas, principalmente perenes. É o ingre- para o manejo e controle de pragas e doenças.
diente principal do Roundup, utilizado em produ-
tos geneticamente modificados. O
Glufusinato | Ingrediente ativo derivado de ami- Organismos aquáticos-alvo | Qualquer espécie
noácido. Herbicida e controlador do crescimento. ou subespécie de um organismo aquático susce-
I
tível de ser prejudicial ao ambiente aquático que é
objeto de introdução ou translocação, com exclu-
Ictiofauna | É o conjunto das espécies de peixes são dos organismos patogênicos.
que existem em uma determinada região biogeo- Organoclorados | Os inseticidas subdividem-
gráfica. Pode referir-se, por exemplo, à ictiofauna -se em três amplos grupos, que são os organo-
da Represa Billings. clorados, os organofosforados e carbamatos e as
Isobata | É uma linha imaginária que une pontos piretrinas. Os organoclorados são os agrotóxicos
do mar com a mesma que persistem por mais tempo no ambiente, che-
gando a permanecer por um período de 30 anos.
L A absorção desse agente se dá pela mucosa oral,
respiratória e pele, alcançando o sistema nervoso
Lótico (ecossistema) | É aquele cuja a água central e periférico. Estes são responsáveis por
é corrente, como por exemplo, rios, nascentes, causar câncer e, por esse motivo, seu uso foi eli-
ribeiras, e riachos. Esse ecossistema tem como minado em diversos países.
características o movimento, o contato água e
terra e o teor de oxigênio propício a organismos Organofosforados e carbamatos | São inseti-
aquáticos. cidas amplamente utilizados na atualidade e tam-
bém apresenta absorção pela via oral, respirató-
Lêntico (ecossistema) | É aquele ambiente onde ria e dérmica.
a água é parada na maior parte do tempo, que não
correm ou fluem. Compreende todas as águas Outorga da água | A Política Nacional de Recur-
interiores, como os lagos, lagoas e pântanos. sos Hídricos define seis instrumentos de política,
entre eles a outorga que é um ato administrativo,
M de autorização ou concessão do Poder Público a
um interessado a fazer uso da água por determi-
Macronutriente | São nutrientes necessários nado tempo, finalidade e condição.
ao organismo em grandes quantidades, como os
carboidratos, proteínas e gorduras. Constituem a
maior parte na dieta e fornecem energia e compo-
P
nentes fundamentais para o crescimento e manu- Pecuária extensiva | Criação de gado usando
tenção do corpo. tecnologias que permitam o aumento da produti-
vidade como a manipulação genética e a insemi-
Mal de Sigatoka | Doença causada pelos fun-
nação artificial.
gos Mycosphaerella musicola ou Pseudocercospo-
ra musae. Pegada ecológica | O conceito de Pegada Eco-
lógica traduz-se como a área de terra ou água que
Método de espera | Consiste na utilização de
seria necessária para dar suporte a uma popula-
redes de emalhar, que são armadas nos locais
ção humana definida e seu padrão de consumo e
de pesca, onde ficam a “espera” dos peixes, que
absorção de resíduos indefinidamente (WACKER-
ficam presos em sua malha. Como as redes ficam
NAGEL; REES, 1996).
estáticas nos locais durante este tempo, o méto-
do é considerado como um método passivo de Perfil antropométrico-nutricional | As técni-
pesca. cas da antropometria (estudo das dimensões e
102 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
das partes do corpo humano) podem ser utiliza- água. O tamanho das malhas pode variar dependo
das como ferramenta para avaliar o estado nutri- da espécie ou do tamanho do peixe a ser capturado.
cional de um indivíduo. A antropometria nutri-
cional, portanto, é um indicador direto do estado S
nutricional obtido através da verificação do peso,
estatura, as pregas cutâneas e as circunferên- Sobre-exploração | Ou sobre-explotação ou so-
cias, por exemplo. bre carga. É quando uma ou mais espécies são cap-
turadas ou retiradas de seu habitat em quantidade
Pesca da batida | Pesca direcionada à captu- maior que a sua capacidade de suporte, compro-
ra de tilápias. Consiste na utilização de redes de metendo esse recurso para as gerações futuras.
emalhar que são armadas próximas às margens
do rio ou represa, formando um cerco. Dentro T
deste cerco o pescador embarcado, com o auxílio
de um soquete bate na água espantando os pei- Terraceamento | É uma técnica agrícola de
xes que vão de encontro com a rede armada. É conservação do solo, usado para controlar a
considerado um método ativo, devido a interven- erosão hídrica e a formação de sulcos, em ter-
ção da batida na captura. renos muito inclinados. Consiste na criação de
terraços nivelados construídos para parcelar o
Petrechos de pesca | São equipamentos utiliza- declive.
dos para a captura de peixes ou para a catação
de crustáceos, ostras e mexilhões. Trade off | Ocorre quando a extração ou uso de
um serviço ecossistêmico tem impacto em outro.
Plantas exóticas | São as que não são encontra- Este impacto pode ser positivo ou negativo (ASH,
das na flora original local. 2010).
Princípio ativo | Ou fármaco é a molécula de Trofia | Sufixo nominal de origem grega, que
uma planta responsável pelo efeito terapêutico. exprime a ideia de desenvolvimento, nutrição.
R V
Rede de emalhar | Apetrecho de pesca com- Vermifugação | É o tratamento para eliminar
posta de uma rede com bóias na parte superior e os vermes, parasitos internos, que prejudicam
chumbadas na parte inferior da rede, permitindo o crescimento e o desenvolvimento dos animais
que a rede se mantenha esticada verticalmente na hospedeiros.
PARTE 1
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS DE PROVISÃO
Coordenadores
Francisco José do Nascimento Kronka | IF/SIMA
Edgar Fernando de Luca | IF/SIMA
Autores
Francisco José do Nascimento Kronka | IF/SIMA
Edgar Fernando de Luca | IF/SIMA
Ciro Koiti Matsukuma | IF/SIMA
Elaine Aparecida Rodrigues | IF/SIMA - IPEN/USP
Leni Meire Pereira Ribeiro Lima | IF/SIMA
Luis Alberto Bucci | IF/SIMA
Marina Mitsue Kanashiro | IF/SIMA
Reinaldo Herrero Ponce | FF/SIMA
Rodrigo Antonio Braga Moraes Victor | FF/SIMA
104 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
............................................................................................................... 107
Resumo .....
1 | Introdução...................................................................................................... 108
Conclusões........................................................................................................... 125
Referências........................................................................................................... 125
Glossário.............................................................................................................. 127
106 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 Distribuição da superfície mundial de florestas nativas e plantadas (plantação e outras
florestas).
Figura 2 Proporção de espécies exóticas e nativas nas plantações florestais, por região, em 2020.
Figura 3 A cadeia produtiva do setor florestal brasileiro.
Figura 4 Distribuição de florestas plantadas com os gêneros Eucalyptus spp e Pinus no território da
Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo – RBCV.
Figura 5 Produção florestal (2008-2017): carvão vegetal (milhar ton) RBCV e estado de São Paulo
(A); lenha (milhão m3) RBCV e estado de São Paulo (B); madeira em tora (milhão m3), para
celulose e outras finalidades, RBCV e estado de São Paulo (C). Utilização de Eucalyptus,
Pinus e outras espécies (2013-2017): carvão vegetal (milhar ton) RBCV e estado de São
Paulo (D); lenha e madeira em tora (milhão m3) RBCV (E) e estado de São Paulo (F).
Figura 6 Grau relativo de fornecimento de serviços ecossistêmicos de florestas nativas, seminaturais,
plantadas e árvores isoladas.
Figura 7 Transformação urbana em Cajamar: Reflorestamentos (2003) cedem lugar para centros de
distribuição (2020).
Figura 8 Prováveis consequências sobre o bem-estar humano dos serviços ecossistêmicos afetados
pela crise hídrica.
QUADRO
Quadro 1 Crise hídrica e produção florestal na RBCV
TABELAS
Tabela 1 Tamanho, quantidade de propriedades rurais e total de suas ocupações (ha) no Brasil, no
estado de São Paulo e no território da RBCV.
Tabela 2 Área (ha) ocupada por Eucalyptus spp e Pinus spp nos municípios que compõem a RBCV,
em suas respectivas Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Tabela 3 Produção e valor agregado de carvão, lenha e madeira em tora no território da RBCV
(média do decênio 2008-2017).
Tabela 4 Serviços ecossistêmicos de florestas plantadas: beneficiários, escala de provisão, unidades
de medida dos benefícios e comparação de serviços ecossistêmicos de florestas
intensivamente manejadas com outros ecossistemas nativos e modificados.
Tabela 5 Impactos do período de estiagem 2013-2015 na produção madeireira, vulnerabilidade
a incêndios e a pragas/doenças e impacto econômico em quatro grandes empresas
SIGLAS
florestais com plantios nas bacias de abastecimento da cidade de São Paulo e vizinhanças.
RESUMO
A sociedade humana sempre fez uso dos contexto, as florestas plantadas se tornam uma
serviços e produtos da floresta, utilizan- parte cada vez mais importante do patrimônio
do a caça para sua alimentação ou a madeira e florestal mundial, devido à sua alta produtivi-
folhas, para construções de casas e geração de dade e qualidade adequadas ao uso múltiplo de
energia para seus veículos e embarcações pri- seus produtos.
mitivas. Enquanto o crescimento da população Uma proporção substancial das florestas
forçava a domesticação de animais e o cultivo plantadas recentemente estabelecidas envolve
de vegetais para o suprimento de alimentos, o espécies dos gêneros Eucalyptus e Pinus, e exer-
fornecimento de madeira ocorria por meio da ce papel essencial para garantia dos suprimen-
exploração das florestas. tos de produtos madeireiros e não madeireiros
As florestas nativas fornecem habitat exigidos pelo setor econômico. O Brasil, com sua
importante para a biodiversidade mundial. Ao tecnologia de ponta no cenário mundial da silvi-
mesmo tempo, o desmatamento global contínuo cultura, contribui significativamente com o abas-
é uma das maiores preocupações ambientais. tecimento dos mercados nacional e internacional
O crescente aumento do consumo de madei- nos setores de celulose e papel, madeira sólida e
ra e seus derivados para o suprimento das reconstituída e energético, destacando-se como
indústrias de carvão, celulose e papel, painéis, maior exportador de celulose do mundo. Ao mes-
construção de casas, móveis e outros produtos, mo tempo, as florestas plantadas também forne-
colocam em risco as florestas nativas, que são cem habitat importante para a biodiversidade e
insuficientes para atender à grande demanda proporcionam múltiplos benefícios para a socie-
por matéria-prima. dade humana, como fixação de carbono, ciclagem
Nesse contexto surgiram as florestas de nutrientes e redução de incidência de pragas
plantadas, inicialmente para o fornecimento (THOMPSON et al., 2014; IBÁ, 2019).
de lenha – combustível de locomotivas, como Se, por um lado, estas florestas plantadas
aconteceu no Brasil no início do século passa- exercem um papel fundamental na provisão de
do; ou para o suprimento de carvão para a side- produtos florestais, com diminuição da explo-
rurgia, e de madeira, para celulose. ração madeireira nas matas nativas, por outro
A indústria de madeira sólida, por neces- lado, tanto florestas nativas como florestas
sitar de toras de maior diâmetro, continuou plantadas são ameaçadas devido à mudança da
dependendo de matéria-prima das florestas cobertura e uso da terra, incluindo a conversão
nativas, com aproveitamento de toras das der- associada à expansão agrícola e urbanização.
rubadas para liberação de terras para a agro- O processo de mudanças no território devido à
pecuária, ou com cortes seletivos nas matas expansão urbana é bastante intenso na área da
nativas, extraindo as espécies mais apreciadas. RBCV, com tendência futura de continuidade,
Essa situação tornou a indústria madeireira temas estes tratados no presente capítulo.
2 | O SERVIÇO DE PROVISÃO
não sustentável a médio ou longo prazo e compro-
DE RECURSOS FLORESTAIS –
meteu ecossistemas naturais em todo o mundo.
Do mesmo modo que ocorre na Amazônia, outras
AS FLORESTAS NO MUNDO E O
regiões florestais tropicais já atingiram situações
ha), sua distribuição geográfica não é equitati- plantações florestais são formadas principal-
va, e mais da metade das florestas (54%) está mente por espécies alóctones. Há grandes dife-
situada em apenas cinco países: Rússia, Brasil, renças regionais nas composições das planta-
Canadá, Estados Unidos e China (FAO, 2020; ções florestais: por exemplo, na América Central
BARAL et al., 2016). A distribuição entre flores- e do Norte são compostas predominantemente
tas nativas e plantadas é ilustrada na Figura 1. por espécies nativas, e na América do Sul, por
As florestas nativas representam 93% espécies introduzidas (FAO, 2020) (Figura 2).
da superfície florestal do mundo. A FAO define O Brasil é o segundo país em área de flo-
dois tipos de florestas plantadas: as “plantações restas do mundo, com cerca de cerca de 498
florestais – plantation” e “outras florestas plan- milhões de ha, o que equivale a 58,5% do seu
tadas”. As florestas designadas plantações flo- território, sendo 98% de florestas nativas e
restais são aquelas estabelecidas sob regime de apenas 2% de florestas plantadas (9,89 milhões
intenso nível de manejo, utilizando apenas uma de ha) (FAO, 2020; SNIF, 2019). Os gêneros
ou duas espécies e buscando a uniformidade Eucalyptus (76,23%) e Pinus (20,05%) são os
global do sistema, visando máxima produtivi- mais representativos no território brasileiro,
dade possível. O sistema brasileiro de produção seguidos de outras espécies (3,71%) que tam-
de florestas homogêneas de eucalipto com alta bém são cultivadas, como acácia (Acacia spp),
produtividade é um exemplo claro de plantação araucária (Araucaria angustifolia), paricá (Shi-
florestal. Outras florestas plantadas diferem das zolobium amazonicum), seringueira (Hevea
plantações florestais em objetivo e estrutura, brasiliensis), teca (Tectona grandis), álamo
pois podem ser estabelecidos com várias espé- (Populus spp) (SNIF, 2019; ARAUJO et al., 2017;
cies, inclusive introduzidas via distribuição de IBGE, 2019a). Em 2018, o estado com maior
sementes, e podem ter finalidade de proteção, área em floresta plantada foi Minas Gerais
seja de solo ou de recursos hídricos. Nessas con- (2,02 milhões de ha), seguido do Paraná (1,50
dições, na maturidade, podem se assemelhar milhão ha), Mato Grosso do Sul (1,13 milhão ha)
a florestas nativas. Em nível mundial 44% das e São Paulo (1,12 mi ha) (IBGE, 2019a).
Figura 1 |
Distribuição da superfí-
cie mundial de florestas
nativas e plantadas
(plantação e outras
florestas).
Fonte: Adaptado de
FAO (2020).
Figura 2 |
Proporção de espécies
exóticas e nativas nas
plantações florestais,
por região, em 2020.
Fonte: FAO (2020, p. 33).
110 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
3 | A ESTRUTURA FUNDIÁRIA
tações do agronegócio nacional, abaixo do
E AS FLORESTAS PLANTADAS
complexo soja, carnes e complexo sucroal-
cooleiro (MAPA, 2018). Em 2018 a expor-
NA RBCV
tação brasileira de produtos madeireiros
alcançou US$ 13,86 bilhões, acrescidos de
US$ 366 milhões de produtos não madei-
reiros, com destaque para a celulose que, Na atualidade, mais da metade da popu-
em 2018, representou 58% da receita de lação do mundo (55%) vive em cidades, que
exportação (15,2 milhões de toneladas – US$ ocupam menos de 1% do território do planeta
8,27 bilhões). Cavacos e partículas correspon- (McDONALD, et al., 2018). Essa alta concentra-
deram a um grande volume de produtos expor- ção populacional em pequenas áreas urbanas
tados com menor valor agregado (6,5 milhões eleva a demanda e provoca o crescente
Figura 3 |
A cadeia produtiva
do setor florestal
brasileiro.
Fonte: Serviço
Nacional de
Informações
Florestais (2020).
RECURSOS FLORESTAIS MADEIREIROS E DERIVADOS 111
sufocamento sobre os serviços dos ecossistemas. Em São Paulo a categoria mais represen-
Esta situação é característica da RBCV, que abran- tativa em quantidade de imóveis é aquela entre
ge praticamente integralmente a Região Metro- 10 e 25 ha (26%, ou 128 mil unidades). Porém,
politana de São Paulo – quarta maior aglomera- o número de propriedades acima de 10 mil hec-
ção urbana do mundo (UNITED NATIONS, 2019). tares é mínimo (0,0035%, ou 17 unidades), e
Além da metrópole paulista a RBCV abrange inexistente a partir de 50 mil hectares. A maior
quase integralmente a Região Metropolitana concentração de terras acontece na categoria
da Baixada Santista e, parcialmente, as regiões 100 a 250 ha (18%, ou 4,4 milhões de hectares).
metropolitanas de Sorocaba; Vale do Ribeira e A quantidade referenciada de imóveis rurais
Litoral Norte; Campinas e região administrativa no estado é 487.419, que somam 23.874.732 ha.
de Registro, com destaque para as áreas urba- Ainda que em nível nacional tenham sido iden-
nizadas, que pressionam os ecossistemas que tificadas apenas 424 propriedades acima de
sustentam a grande metrópole. cem mil hectares, esses latifúndios represen-
Para melhor compreensão do território na tam a maior concentração de terras no país
RBCV, é importante um olhar sobre sua estru- (18%, ou 143 milhões de hectares).
tura fundiária (quantidade de imóveis em cada O território da RBCV apresenta, propor-
categoria de tamanho da propriedade rural), cionalmente, uma estrutura relativamente
em comparação com os dados nacionais e esta- semelhante ao estado, porém, ocorre um deslo-
duais, sendo aqui considerados os municípios camento de maiores representatividades para
parcialmente contidos na área da reserva da propriedades de menor tamanho. Isso pode ser
biosfera (Itariri, Natividade da Serra, Pedro de entendido como um efeito da maior urbaniza-
Toledo, Peruíbe, Redenção da Serra e São José ção desse território em relação ao estado como
dos Campos). Em linhas gerais, o estado de São um todo. Em relação a quantidade de proprie-
Paulo segue semelhanças em relação à estrutu- dades, a maior representatividade é referente
ra fundiária brasileira (Tabela 1). ao tamanho 2 a 5 ha (31%, ou 22 mil unidades).
Tamanho da Quantidade Área total Quantidade Área total Quantidade Área total
propriedade de imóveis (ha) de imóveis (ha) de imóveis (ha)
rural (ha)
BRASIL SÃO PAULO RBCV
0 > 1 160.069 79.623 14.095 5.739 6.777 2.368
1 > 2 201.808 276.768 11.214 15.521 4.070 5.512
2
>
5 937.468 3.151.197 96.531 315.093 22.442 69.657
5 > 10 992.227 7.168.885 76.250 565.456 12.474 90.386
10 > 25 1.596.285 25.861.238 127.736 2.126.144 14.259 228.808
25
>
50 987.842 34.770.285 69.279 2.467.569 5.640 196.824
50 > 100 703.947 48.849.863 41.866 2.939.219 2.929 202.733
100 > 250 494.612 75.173.602 28.255 4.386.236 1.566 236.069
250 > 500 183.213 64.589.863 9.559 3.292.231 420 143.009
500 > 1 mil 97.979 68.201.481 4.127 2.844.666 136 93.770
1 mil > 2 mil 50.536 69.578.512 1.543 2.101.958 64 88.438
2 mil > 2,5 mil 13.264 29.698.464 270 602.982 9 20.897
2,5 mil > 5 mil 22.142 76.493.735 367 1.244.429 28 107.675 Tabela 1 |
5 mil > 10 mil 7.439 53.080.115 100 688.049 11 81.955 Tamanho, quantidade
de propriedades rurais
10 mil > 20 mil 1.832 25.129.741 12 163.213 0 0
e total de suas
20 mil > 50 mil 1.053 31.558.632 5 116.225 0 0 ocupações (ha) no
50 mil > 100 mil 268 19.050.675 0 0 0 0 Brasil, no estado de
São Paulo e no
100 mi < 424 142.810.727 0 0 0 0 território da RBCV.
Inconsistentes excluídos 122.422 0 6.210 0 1.409 0 Fonte: Elaboração
própria. Com base
TOTAL 6.574.830 775.523.406 487.419 23.874.732 72.234 1.568.100
em INCRA (2018).
112 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Nas categorias entre dois mil e 10 mil hectares 18.715 ha (Tabela 2). A Bacia Hidrográfica do
o número de propriedades diminui significati- Alto Tietê (CBH-AT) contempla o maior número
vamente (9% ou 28 unidades), e é inexistente de municípios (13) que contam com refloresta-
acima de 10 mil hectares. A maior concentra- mentos desses gêneros exóticos, seguido por
ção de terras ocorre na categoria 100 a 250 ha CBH-PCJ (8), CBH-SMT (8) e CBH-PS (7). Ape-
(15% ou 236 mil hectares). A quantidade nas o município de Joanópolis conta com mais
referenciada de imóveis rurais no território da de dez mil hectares reflorestados (13.750 ha).
RBCV é 72.234, que somam 1.568.100 ha. Entre cinco mil e dez mil hectares estão outros
Apesar da controversa existência de pro- nove municípios: Salesópolis (CBH-AT, 9.664
priedades rurais de grande porte, como aque- ha), Paraibuna (CBH-PS, 8.740 ha), Mogi das
las acima de 500 ha, em um território altamente Cruzes (6.719 ha), Nazaré Paulista (CBH-PCJ,
populoso e densamente povoado, como é o 6.250), Guararema (CBH-PS, 5.666), Bragança
caso da RBCV que concentra mais da metade Paulista (CBH-PCJ, 5.400) e Piedade (CBH-SMT,
da população do estado (55,3%), essas proprie- 5.023). Abaixo desses valores as áreas reflores-
dades podem exercer, ainda que involuntaria- tadas estão distribuídas em 4.850 ha (Biritiba
mente, um papel extremamente importante na Mirim, CBH-AT) e 10 ha (Arujá, CBH-AT).
contenção da expansão e concentração urba- Apenas nove municípios declararam reflo-
na e populacional nesse território. O soma- restamento com Pinus, com maior concentração
tório das áreas ocupadas por propriedades de ocorrência na Bacia Hidrográfica do Médio
acima de 500 hectares atinge quase 400 mil Tietê (1.635 ha). Com exceção de Ibiuna (CBH-
ha, equivalente a um quarto do somatório de -SMT) todos os municípios apresentaram área
áreas das propriedades rurais do território. ocupada por Eucalyptus spp superior à área ocu-
Esse valor equivale a aproximadamente 80% pada por Pinus spp, sendo também o único muni-
da estimativa de áreas urbanizadas da RBCV. cípio a apresentar acima de mil hectares planta-
Nessas condições, percebe-se claramente que dos com esse gênero. Essa maioridade do gênero
um eventual desmembramento dessas pro- Eucalyptus em relação ao gênero Pinus reflete
priedades, ainda que parcialmente, pode levar as grandezas de produção de bens madeireiros
a um cenário de expansão urbana, altamente e derivados, que serão apresentadas adiante, na
preocupante. próxima seção.
No território da RBCV são expressivos os A distribuição de florestas plantadas com
povoamentos florestais plantados, formados os gêneros Eucalyptus spp e Pinus spp no territó-
pelos gêneros Eucalyptus e Pinus. Estes reflo- rio da RBCV é apresentada na Figura 4.
restamentos com espécies desses grupos estão Pode-se observar uma maior concentração
presentes em 41 municípios integrantes da de florestas de eucalipto na porção sudeste do ter-
RBCV, sendo considerados nesta análise 35 ritório, correspondente às bacias hidrográficas
municípios, posto que Itariri, Natividade da do Alto Tietê e do Paraíba do Sul. Enquan-
Serra, Pedro de Toledo, Peruíbe, Redenção da to florestas de pinus apresentam concentra-
Serra e São José dos Campos, encontram-se ções nas porções sudeste, sudoeste e noroeste,
apenas marginalmente inseridos no território correspondentes às bacias do Alto Tietê, Soroca-
da RBCV. A abrangência de distribuição des- ba e Médio Tietê e Piracicaba, Capivari e Jundiaí,
ses municípios envolve quatro Unidades de respectivamente.
Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI), Assim como no Brasil, a base dos povoamen-
representadas pelos Comitês de Bacia Hidro- tos florestais plantados na RBCV é representada
gráfica (CBH), com as seguintes áreas (ha) pelos gêneros Eucalyptus e Pinus. Em escalas
reflorestadas: i) bacia hidrográfica do Paraíba menores ocorrem “outras espécies” de gêneros
do Sul (CBH-PS / UGRHI 02): 24.233 ha; ii) bacia distintos. As áreas (ha) plantadas com espécies
hidrográfica do Piracicaba, Capivari e Jundiaí desses três grupos no Brasil, no estado de São
(CBH-PCJ / UGRHI 05): 34.797 ha; iii) bacia Paulo e no território da RBCV são, respectiva-
hidrográfica do Alto Tietê (CBH-AT / UGRHI mente: 7.543.542; 1.984.333 e 367.685; 917.550,
06): 29.367 ha; iv) bacia hidrográfica do Soro- 204.965 e 3.900 e 104.723, 2.389 e 111. Sendo
caba e Médio Tietê (CBH-SMT / UGRHI 10): assim, as proporções de hectares plantados
RECURSOS FLORESTAIS MADEIREIROS E DERIVADOS 113
expressiva produção florestal, não foram considerados por não estarem integralmente abrangidos pela RBCV.
114 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 4 |
Distribuição de
florestas plantadas
com os gêneros
Eucalyptus spp e limite da área terrestre
Eucaliptus limite da área marinha área urbana
Pinus spp no da RBCV da RBCV
território da RBCV. Pinus limites municipais RMSP
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em São Paulo (2010).
com eucalipto do Brasil para o estado de São exemplo do carvão vegetal. Os bens não madei-
Paulo e para a RBCV são 8/1 e 72/1, respecti- reiros de produção direta são, principalmen-
vamente. Em relação ao pinus e a “outras espé- te, as seivas, como a goma resina, produzida
cies” essas proporções são 10/1 e 831/1 e 94/1 e por algumas espécies florestais coníferas, e
3.312/1, respectivamente. o látex, produzido, mais significativamente,
Na RBCV, a área ocupada pelos refloresta- pela seringueira (Hevea brasiliensis). Também
mentos com os gêneros Eucalyptus e Pinus (pou- compõem essa classificação as cascas e folhas,
co mais de 107 mil ha) representa cerca de 6% como, por exemplo, casca de acácia-negra
de sua área terrestre. (Acacia decurrens) e folhas de Corymbia citrio-
4 | PRODUTOS MADEIREIROS
dora (antigo Eucalyptus citriodora), matérias
primas para a extração de tanino e de óleos
E DERIVADOS PRODUZIDOS
essenciais, respectivamente. O censo utilizado
NO TERRITÓRIO DA RBCV
por esse estudo para a referência de dados esta-
tísticos (IBGE, 2019) mostrou que os produtos
madeireiros são produzidos em grande escala
Os produtos florestais podem ser madei- pela RBCV. Por outro lado, este censo mostrou
reiros e não-madeireiros. Os produtos madei- produção zero para casca de acácia-negra,
reiros podem ser divididos em diretos, a exem- folhas de eucalipto e goma resina de Pinus spp,
plo da lenha e madeira sólida; e derivados, a além de não referenciar a produção de látex ou
RECURSOS FLORESTAIS MADEIREIROS E DERIVADOS 115
de mel. Por esses motivos esses produtos não maioria da produção de lenha. No último quin-
serão apresentados. quênio as contribuições de pinus para as pro-
A maioridade dos povoamentos do duções de lenha pela RBCV (Figura 5E) e pelo
gênero Eucalyptus em relação ao gêne- estado (Figura 5F) foram 8,8% e 4,1%, respec-
ro Pinus na RBCV reflete as grande- tivamente. Considerando todo o estado de São
zas dos produtos florestais madeirei- Paulo a contribuição de outras espécies foi des-
ros proporcionados por essas florestas prezível (0,01%).
plantadas. A produção de carvão vegetal no Até 2010 a produção anual de madeira em
território da RBCV no período do decênio tora pela RBCV esteve abaixo de dois milhões
2008-2017 é marcada por três fases, apresen- de metros cúbicos (1,35-1,93 mi m3). A partir de
tando um gradiente de produção: 2008-2010; 2011 a produção ultrapassou esta referência,
2011-2015 e 2016-2017, com médias de 12,4, mantendo-se acima dela até 2017 (2,27-2,80
19,1 e 48 mil toneladas anuais, respectiva- mi m3). Esta elevação na produção se refletiu
mente. A produção de todo o estado apresen- na porcentagem em relação ao produzido pelo
tou pequena variação até 2015, com média estado. Até 2014 a porcentagem de madeira
de 71,4 mil toneladas anuais. Porém, os anos em tora produzida pela RBCV esteve abaixo de
2016 e 2017 mostraram aumento nas produ- uma dezena (5,4% a 8,6%) do que foi produzi-
ções: 117,9 e 112,1 mil toneladas, respectiva- do pelo estado. A partir de 2015 esta proporção
mente. Com sua produção em crescimento, no esteve acima de (10,2% a 11,2%). Por sua vez a
ano 2017 a RBCV foi responsável por 42% de produção pelo estado de São Paulo passou por
toda a produção de carvão vegetal do estado elevações e decréscimos. Entre 2011 e 2014 a
de São Paulo (Figura 5A). No último quinquê- produção média anual esteve entre 26,4 e 31,1
nio a totalidade do carvão produzido na RBCV mi m3, mas abaixo desses valores nos demais
ocorreu a partir da madeira de eucalipto. Em anos do decênio (21,0-26,2 mi m3). Inclusive, o
outras regiões do estado, além da RBCV, hou- menor valor do período ocorreu no último ano
ve produção de carvão a partir da madeira de medido (2017) (Figura 5C).
pinus. Porém, a contribuição desse gênero na Historicamente a produção de madei-
produção total pelo estado foi menor do que ra sólida, em tora, pelo estado de São Paulo e
três por cento. Outras espécies tiveram parti- pela RBCV, é voltada, majoritariamente, para
cipação ainda mais diminuta (Figura 5D). a produção de celulose. Outras finalidades são
Quanto à produção de lenha pela RBCV representadas, basicamente, pela construção
a evolução no decênio apresentou comporta- civil e pela indústria de movelaria. Em relação
mento inverso à produção de carvão vegetal, ao total de madeira em tora as porcentagens
ou seja, decréscimo nos últimos anos. Esse médias anuais de destinação à produção de
também foi o comportamento da produção celulose pela RBCV e pelo estado de São Pau-
de lenha pelo estado. Nos períodos 2008- lo foram 75% e 64%, respectivamente (Figura
2012 e 2013-2017 as produções médias anu- 5C). Da mesma maneira que em relação ao car-
ais pela RBCV foram de 1,37 e 1,05 milhão de vão vegetal e à lenha, a produção de madeira
m3 (mi m3), respectivamente. Neste último em tora é representada em grande maioridade
período a produção mais elevada (2016=1,21 pelo eucalipto. Para a RBCV, no último quin-
mi m3) foi inferior à produção mais baixa do quênio, o eucalipto contribuiu com 100% da
período anterior (2010=1,29 mi m3). O esta- madeira em tora para a produção de celulose.
do de São Paulo refletiu esse comportamento, No caso da madeira em tora destinada para
apresentando produções médias anuais de outras finalidades a contribuição de pinus foi
6,82 e 5,76 mi m3 nos períodos 2008-2013 e 1,4% (Figura 5E). Ao se considerar todo o esta-
2014-2017, respectivamente. Neste decênio a do, a contribuição da madeira de pinus em tora
produção de lenha pela RBCV esteve muito pró- para a produção de celulose foi 2,4%, e para
ximo de 20% da produção do estado, com exceção outras finalidades foi 9,0%. Considerando todo
dos anos 2013 (14%) e 2017 (16%) (Figura 5B). o estado de São Paulo a contribuição de madei-
Igualmente em relação à produção de carvão ra em tora de outras espécies foi desprezível
vegetal o eucalipto foi responsável pela grande (0,004%) (Figura 5F).
116 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 5 |
Produção florestal
(2008-2017): carvão
vegetal (milhar ton)
RBCV e estado de
São Paulo (A); lenha
(milhão m3) RBCV e
estado de São Paulo
(B); madeira em tora
(milhão m3), para
celulose e outras
finalidades, RBCV e
estado de São Paulo
(C). Utilização de
Eucalyptus, Pinus
e outras espécies
(2013-2017): carvão
vegetal (milhar ton)
RBCV e estado de
São Paulo (D); lenha
e madeira em tora
(milhão m3) RBCV (E)
e estado de
São Paulo (F).
Fonte: Elaboração
própria, com base
em: IBGE (2019a;
IBGE, 2019b).
5 | VALORAÇÃO DOS
PRODUTOS MADEIREIROS E
Paulista, Biritiba Mirim e Guararema. Entre
cinco e nove milhões (5,0 – 9,1 mi R$) estive-
DERIVADOS PRODUZIDOS NO
ram: Piedade, Santa Branca, Ibiúna, Paraibuna,
TERRITÓRIO DA RBCV
Jacareí e Atibaia. Para os demais municípios os
valores estiveram abaixo de cinco milhões de
reais. Alguns municípios constam como produ-
Além de apresentar a produção de bens ção zero e outros não foram citados.
madeireiros e derivados é importante proce- A madeira em tora teve o maior valor de
der a uma avaliação da geração de recursos produção, seguido por lenha e carvão. No decê-
financeiros proporcionados por esses bens, nio 2008-2017 o valor médio anual da madei-
obtidos pelo estado de São Paulo, pela RBCV e ra em tora para o território da RBCV foi 130,6
por seus municípios. mi R$, correspondentes a 9,8% do valor refe-
O valor médio anual no decênio 2008- rente ao estado de São Paulo (1,33 bi R$). Os
2017 para a totalidade dos produtos e deriva- valores referentes às aplicações em celulose
dos madeireiros (carvão, lenha, e madeira em e em outras finalidades para a RBCV e o esta-
tora) da RBCV foi 198 milhões de reais (mi R$), do foram: 114,2 e 31,1 mi R$ (76% e 21,4% do
correspondentes a 11,8% do valor referente total) e 836,5 e 497,2 mi R$ (62,7% e 37,3%),
ao estado de São Paulo (1,67 bilhão de reais – respectivamente. O valor da lenha na RBCV foi
bi R$). Apesar de essa valoração representar 43,4 mi R$, ou 17,4% do valor do estado (248,8
mais de dez por cento da valoração florestal mi R$). O derivado madeireiro carvão gerou 24
madeireira do estado ela está muito aquém da mi R$, ou 28,5% do estado (84,0 mi R$) .
significância da RBCV sobre o estado em rela- Além de proporcionar maiores valores
ção aos seus respectivos Produto Interno Bru- de produção, a madeira em tora foi também
to (PIB). Pois, nesse aspecto, a participação do a opção mais comum dentre os municípios da
PIB da RBCV em relação ao estado é 61,2%. RBCV. Com diversas proporções em relação
Ou seja, em termos proporcionais, a RBCV é aos outros produtos madeireiros, a madei-
muito mais significante para a economia do ra em tora foi produzida pela grande maio-
estado em outras áreas que não sejam a área ria dos municípios que apresentam alguma
florestal. Isso fica também evidenciado pela produção. Dentre os 36 municípios da RBCV
participação do valor florestal madeireiro abrangidos neste estudo, 17 deles obtiveram
em relação ao PIB de cada região. Enquanto a acima de 90% da soma de valores (referentes
participação do valor florestal madeireiro da a carvão, lenha e tora) na madeira em tora, e
RBCV em seu PIB foi de 0,015%, para o esta- apenas cinco deles não a produziram (Ibiúna,
do essa proporção foi de 0,080. Ou seja, cinco São Roque, Mairiporã, Ribeirão Pires e Arujá).
vezes maior (Tabela 3). A lenha representou acima de 50% da soma de
Entretanto, para alguns municípios da valores para 14 municípios (Alumínio, Bom
RBCV o valor florestal madeireiro representou Jesus dos Perdões, Cabreúva, Cajamar, Franco
proporções mais significativas em seu próprio da Rocha, Ibiúna, Mairinque, Nazaré Paulis-
PIB. Os dois municípios que apresentaram esse ta, Tuiuti, Vargem, Arujá, Mairiporã, Ribeirão
valor acima de cinco pontos percentuais foram: Pires e São Roque). Para os quatro últimos, o
Salesópolis (8,68%) e Joanópolis (6,82%). produto representou 100% da soma de valo-
O município integrante da RBCV com res. O carvão não representou maioridade de
maior valor florestal madeireiro anual foi Sale- valor para qualquer município, e foi produzi-
sópolis (17,4 mi R$). Na grandeza de duas deze- do por apenas nove deles (Bragança Paulista,
nas de milhões (11,4 – 15,7 mi R$) encontraram- Joanópolis, Piracaia, Nazaré Paulista, Piedade,
-se também: Bragança Paulista, Votorantim, Ibiúna, Atibaia, Vargem e Bom Jesus dos Per-
Joanópolis, Mogi das Cruzes, Piracaia, Nazaré dões) (Tabela 3).
118 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
6 | SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS EM
Florestas plantadas geralmente diferem
de florestas nativas em diversidade de espécies,
FLORESTAS PLANTADAS E
características de regeneração, funcionamento
Figura 6 |
Grau relativo de
fornecimento de
serviços
ecossistêmicos de
florestas nativas,
seminaturais,
plantadas e árvores
isoladas.
Fonte: Baral et al.,
(2016).
Nota: A lagura das setas indicam a taxa relativa de fornecimento de serviços ecossistêmicos.
120 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
quando o manejo permite manutenção de por esses tipos florestais na RBCV atinge a
subosque, e na paisagem, pelos fragmentos de ordem de 23 milhões de toneladas em equiva-
vegetação nativa frequentemente associados lente CO2 (C-CO2). Já a estimativa da taxa anual
às plantações florestais (BROCKERHOFF et al., de remoção de carbono atmosférico, devido ao
2013). O setor de árvores plantadas conserva crescimento dessas florestas, é de quase seis
em âmbito nacional 5,6 milhões de hectares milhões de toneladas de C-CO2. Assim, verifica-
de vegetação nativa, mescladas às plantações -se que entre os serviços ecossistêmicos pres-
de produção, proporção de 0,7 ha de área con- tados pelas florestas plantadas no território
servada para cada ha plantado (IBÁ, 2019). da RBCV, destaca-se a sua contribuição para
Estudos demonstram o papel das florestas a amenização climática global e a redução da
plantadas também como matriz preferencial concentração de carbono atmosférico.
para aves da mata atlântica (TEIXEIRA, 2015) Na RBCV, um novo cenário torna-se preo-
e outros grupos de fauna em regiões de floresta cupante: o da substituição de florestas planta-
estacional semidecidual e cerrado no estado de das por outros usos e ocupações, como urbanos
São Paulo (SANTOS, 2014), quando compara- e de infraestrutura. A RBCV possui cerca de 120
dos a outros usos como pastagem, citrus e café. mil hectares de áreas plantadas principalmente
Em outra situação, por sua vez, em estudo com com os gêneros Eucalyptus e Pinus (SÃO PAULO,
duas espécies de avifauna de mata atlântica, a 2010). Em contexto metropolitano ou de áreas
matriz de cana-de-açúcar se mostrou mais per- que vêm experimentando alta valorização imo-
meável que a do eucalipto (GIUBBINA, 2015). biliária, é tendência que o custo de produção
Outro serviço ecossistêmico relevante das madeireira seja sobrepujado pelo custo das ter-
florestas plantadas na RBCV é a remoção e estoca- ras para outras finalidades. Essa lógica de mer-
gem de carbono. O reflorestamento com o gênero cado possui potencial, ainda não devidamente
Eucalyptus é a terceira categoria de cobertura flo- estimado, de promover substituição da ativida-
restal da reserva – com 6%, precedido pelas for- de florestal por usos que impliquem em perdas
mações floresta ombrófila densa (30% da RBCV) substantivas de serviços ecossistêmicos.
e contatos com floresta ombrófila mista (12%), Ao contrário do crescimento urbano
seguidas de outras formas de vegetação com sobre vegetação nativa, que se dá principal-
menor área ocupada. A quantificação de carbono mente por ocupações e supressões de vege-
estocado nos diferentes compartimentos dos tação irregulares, as áreas de florestas plan-
tipos florestais ocorrentes na RBCV (em toneladas tadas possuem potencial muito maior de
por hectare) foi calculado a partir das referências conversão de uso pelas vias legais, com os
de literatura, considerando os distintos estágios devidos licenciamentos e autorizações. Isso é
de desenvolvimento dessas formações (maduro e indiscutivelmente positivo, já que o licencia-
em crescimento) e seus diversos compartimentos mento tende a garantir a essas áreas impor-
de armazenamento de carbono (biomassa viva tantes salvaguardas ambientais. Entretanto,
acima e abaixo do solo; biomassa morta lenhosa não se pode assegurar que o balanço final de
e serrapilheira; e matéria orgânica no solo (IPCC, serviços ecossistêmicos seja automaticamen-
2006; FAO, 2006; BERNOUX et al., 2002). te positivo, especialmente à luz do histórico
Para as formações em estágio maduro, padrão de ocupação na RBCV.
foi utilizado valor único de acúmulo final de O município de Cajamar, na RMSP, a sudes-
biomassa, enquanto que para as florestas plan- te da capital paulista, exemplifica este cenário
tadas em estágio de crescimento é indicado de ocupação de grandes áreas cobertas com
taxa única de acúmulo anual específico para reflorestamento (Figura 7). A partir de 2000, a
Eucalyptus spp ou Pinus spp. Assim, conside- indústria logística iniciou suas atividades, com
rou-se que as unidades em crescimento apre- a instalação de gigantescos galpões industriais e
sentam idade média entre a idade de plantio forte impacto territorial ao longo do eixo da Via
(zero) e a maturidade comercial (Eucalyptus Anhanguera (EIGENHEER, 2018).
= 7 anos, idade média = 3,5 anos; e Pinus = 21 As manchas urbanas na RBCV totalizam
anos, idade média = 10,5 anos). 315.111 ha. Em um cenário extremo, de ple-
As estimativas realizadas para este estu- na conversão das áreas de florestas plantadas
do indicam que a estocagem atual de carbono em usos urbanos, de logística e correlatos,
RECURSOS FLORESTAIS MADEIREIROS E DERIVADOS 123
Figura 7 |
Transformação
urbana em Cajamar:
Reflorestamentos
(2008) cedem lugar
para centros de
distribuição (2020).
Fonte: Google Earth
(2020).
essas manchas cresceriam em cerca de 35%, limitações intrínsecas de ocorrência, posto que
trazendo consigo perdas inestimáveis de ser- muitas das áreas reflorestadas não seriam aptas
viços ecossistêmicos e de bem-estar humano, e legalmente passíveis de ocupação urbana;
com agravamento de problemas como ilhas de adicionalmente, nem todos os padrões de ocu-
calor, inundações, erosão de solo, diminuição pação são necessariamente ruins. Em alguns
de qualidade e disponibilidade de água, perdas loteamentos e condomínios, por exemplo, o
de habitat e corredores para biodiversidade e saldo em áreas verdes antes e após o empreen-
agravamento de impactos às florestas nativas dimento pode ser positivo. Ainda assim, o tema
por aumento nos efeitos de borda, entre outros. inspira preocupações e deve merecer atenção
Naturalmente, esse cenário extremo teria especial no planejamento territorial da RBCV.
124 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Entre 2013 e 2015, a região sudeste do Brasil em 65 anos impactaram outros serviços ecossis-
enfrentou uma severa crise no abastecimento de têmicos e, potencialmente, a biodiversidade da
água, resultado direto de variações nos padrões RBCV (BUCKERIDGE e RIBEIRO; 2018). Produção
históricos dos índices pluviométricos. Como os de alimentos, lazer e turismo e produção madei-
reservatórios de abastecimento de água depen- reira foram alguns dos serviços ecossistêmicos
dem da estação chuvosa para o seu preenchimen- afetados. Questionários com quatro empresas
to, as secas e elevadas temperaturas ocorridas florestais com plantações na RBCV e áreas circun-
desde 2013 fizeram com que seus níveis atingissem vizinhas revelaram que os impactos da estiagem
volumes críticos em 2014. O sistema de abasteci- se refletiram na produção madeireira, maior vulne-
mento mais comprometido foi o Cantareira, princi- rabilidade a incêndios e a pragas e doenças (com
pal fornecedor de água para a RMSP que, na época, destaque para o percevejo bronzeado - Thaumas-
abastecia mais de 8 milhões de pessoas (AMBRIZZI tocoris peregrinus) (VICTOR et al., 2018).
e COELHO, 2018; BUCKERIDGE e RIBEIRO; 2018; A Tabela 5 destaca esses impactos e a
Tabela 5 | MILANO et al., 2018; BRAGA e KELMAN, 2016). Figura 8 representa as prováveis consequências
Impactos do período Além das questões ligadas à segurança desses impactos ao bem-estar humano dos pro-
de estiagem 2013- hídrica do maior contingente populacional do Bra- dutores florestais, diferenciados entre pequenos e
2015 na produção sil, as anomalias de precipitação mais severas grandes produtores.
madeireira,
vulnerabilidade Empresa Produção Vulnerabilidade Vulnerabilidade Impacto
a incêndios e a madeireira a incêndios a pragas e doenças econômico
pragas/doenças e
impacto econômico A Diminuiu Aumento Aumento Prejuízo
em quatro grandes discretamente significativo significativo econômico discreto
empresas florestais B Não se alterou Aumento significativo Aumento discreto Prejuízo econômico
com plantios nas discreto
bacias de abaste-
cimento da cidade C Diminuiu Prejuízo econômico
de São Paulo e discretamente Não se alterou Aumento discreto discreto
vizinhanças.
D Diminuiu Prejuízo econômico
Fonte: Victor et al.
consideravelmente Não se alterou Aumento significativo significativo
(2018: 64).
Para além da produção madeireira, é regulação da água por elas proporcionados. Consi-
necessária a visão sistêmica e sinérgica entre os derando que parte dos problemas do abastecimen-
vários componentes ecossistêmicos na RBCV: to da RMSP se relacionam com uso e ocupação da
estiagens severas afetam o bem-estar huma- terra (BUCKERIDGE; RIBEIRO, 2018), é importante
no pelo impacto na segurança hídrica e pela assegurar o correto manejo das florestas plantadas
redução de outros serviços dos quais depen- e mitigar as eventuais perdas dos serviços hídricos
dem importantes setores econômicos; por outro dessas áreas em virtude de sua conversão para
lado, as florestas plantadas contribuem ao abas- usos urbanos e outros com potenciais impactos
tecimento público pelos serviços de provisão e negativos sobre a água.
Quadro 1 |
Crise hídrica e
produção florestal
na RBCV.
Figura 8 |
Prováveis
consequências
sobre o bem-estar
humano dos
serviços ecossis-
têmicos afetados
pela crise hídrica.
Fonte: Victor et al.,
(2018: 67).
RECURSOS FLORESTAIS MADEIREIROS E DERIVADOS 125
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RECURSOS FLORESTAIS MADEIREIROS E DERIVADOS 127
GLOSSÁRIO
A H
Alóctone | Espécie que não é originária da região Habitat | Local no qual vive determinado orga-
onde se encontra. nismo, inclui suas dimensões físicas, químicas e
biológicas.
B
Biomassa | Agregação de tecidos de origem
I
orgânica, vivos ou mortos, em um indivíduo, sis- Imóvel rural | Prédio rústico em área contínua,
tema ou comunidade. independente da localização (perímetro urba-
no, suburbano ou rural), que realiza atividades
C de exploração extrativa, agrícola, pecuária ou
Carvão vegetal | Combustível para geração de agro-industrial.
energia feito da queima parcial da madeira.
L
CO2 equivalente | Medida quantitativa de um
Látex | Líquido branco-leitoso encontrado nos
Gás de Efeito Estufa (GEE) em comparação ao
vasos laticíferos de algumas plantas, como, por
CO2, levando em consideração o Potencial de
exemplo, a seringueira (Hevea brasiliensis), utili-
Aquecimento Global desse gás. Expressa o quan-
zado para a produção de borracha.
to de CO2 seria emitido caso o GEE em questão
fosse emitido na forma deste gás. Lenha | Termo utilizado no campo energético
para se referir a madeira empregada para gera-
E ção de energia.
Eucalyptus | Gênero de plantas originário da M
Oceania com grande importância comercial devi-
do a suas propriedades físicas e químicas, que Matriz | Um complexo de mosaicos de diferentes
possibilitam diversos usos. tipos de uso e cobertura da terra que cercam as
áreas de habitat (RICKETS, 2001).
G
P
Goma resina | Produto de espécies de pinus
Permeabilidade da matriz | O quanto organis-
extraídos através da resinagem, comumente uti-
mos são capazes de se movimentar na matriz,
lizado em produtos farmacêuticos, cosméticos e
função não apenas de sua composição e estrutu-
de limpeza.
ra, mas também de características biológicas das
espécies (GIUBBINA, 2015; RICKETTS, 2001).
128 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
P
Pinus | Gênero de plantas pertencente à famí- Serviços ecossistêmicos | Benefícios diretos e
lia Pinaceae, com ocorrência natural quase que indiretos que o homem obtém a partir das intera-
exclusiva do Hemisfério Norte. Sua madeira é uti- ções que ocorrem nos ecossistemas.
lizada na construção civil, movelaria, produção
Silvicultura | Ciência dedicada ao estudo das
de papel e celulose entre outros usos, além da
técnicas naturais e artificiais de restauração,
resinagem, que possui grande valor comercial.
melhoramento e manutenção das florestas, defi-
Produto Interno Bruto (PIB) | Somatória de nindo a forma e momento no qual serão feitas
todos os bens e serviços produzidos em uma intervenções a fim de satisfazer as necessidades
cidade, estado ou país, geralmente no período de do mercado.
um ano.
T
S
Tora | Pedaço de madeira serrada sem ramos e
Serrapilheira | Biomassa acumulada sobre o galhos, com ou sem casca.
piso da superfície de sistemas vegetais. Origi-
nária da queda de orgãos ou partes das plantas
locais.
PARTE 1
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS DE PROVISÃO
Coordenadora
Massako Nakaoka Sakita | IF/SIMA
Autores
Massako Nakaoka Sakita | IF/SIMA
Denis Soares de Melo | UFBA
Autores contribuintes
Marina Mitsue Kanashiro | IF/SIMA
Debora Alves Ribas | Pesquisadora independente
Bely Clemente Camacho Pires | Pesquisadora independente - RdA
130 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Resumo.................................................................................................................. 135
1 | Introdução....................................................................................................... 136
Referências............................................................................................................ 163
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 Mercado mundial de fitoterápicos.
Figura 2 Cadeia produtiva de plantas medicinais.
Figura 3 Uso de plantas medicinais para pesquisa.
Figura 4 Uso de fitoterápicos na rede pública (Sistema Único de Saúde) do Brasil.
Figura 5 Quantidade de saída e de entrada de fitoterápicos, no Sistema Único de Saúde, de 2012
a 2018.
Figura 6 Criação e produção industrial de medicamentos a partir de princípios ativos de plantas.
Figura 7 Áreas potenciais de provisão de produtos bioquímicos, medicamentos naturais e
produtos farmacêuticos.
Figura 8 Senecio brasiliensis (Spreng.) Less.
Figura 9 Holocalyx balansae Mich.
Figura 10 Cestrum nocturnum L.
Figura 11 Triifolium repens L.
Figura 12 Euphorbia cotinifolia L.
Figura 13 Erythrina crista-galii L.
Figura 14 Euphorbia milii L.
Figura 15 Jatropha curcas L.
Figura 16 Mandala medicinal implantada por alunos do PJ-MAIS no NEE Horto / Cantareira.
Figura 17 Relação entre as principais atividades sobre os sistemas biológicos e o número de espécies
encontradas no levantamento botânico da RBCV.
QUADRO
Quadro 1 Mandala e horta medicinal.
TABELAS
Tabela 1 Lista de espécies utilizadas em produtos bioquímicos, medicamentos naturais e produtos
farmacêuticos encontrados na RBCV.
Tabela 2 Lista alfabética de algumas espécies medicinais de ocorrência na RBCV, com nome
científico, popular, parte usada e ações terapêuticas.
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 133
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
SIGLAS
MEA Millennium Ecosystem Assessment - Avaliação Ecossistêmica do Milênio
BIOTA/FAPESP Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso
Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo
CBIF Canadian Biodiversity Information Facility
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CRIA Centro de Referência em Informação Ambiental
FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FEBRAFARMA Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz
JRS Foundation JRS Biodiversity Foundation
MCTIC Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
OMS Organização Mundial da Saúde
PJ- MAIS Programa de Jovens - Meio Ambiente e Integração Social
PROMAFS (Oficina de) Produção e Manejo Agrícola e Florestal Sustentáveis
RAM Mecanismo de Reação Adversa
RBCV Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo
SES Secretaria de Estado da Saúde
SINITOX Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas
SUS Sistema Único de Saúde
134 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 135
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
RESUMO
O
com cerca de 757 mil hectares de vegetação
uso de plantas medicinais na terapêutica
nativa. Nessa área, predomina a Mata Atlânti-
é tão antigo quanto a própria civilização e
ca, um dos biomas mais biodiversos e ameaça-
está relacionado com a evolução do ser huma-
dos do planeta.
no (UNESCO, 1996). Segundo Brito (1996),
Localmente, as matas do Cinturão Verde
países como França e Alemanha reconhecem
são determinantes no oferecimento de servi-
oficialmente o uso de plantas medicinais para
ços ecossistêmicos essenciais à manutenção
uso terapêutico e possuem farmacopeias espe-
da vida, como formação dos solos, ciclagem de
cializadas no assunto. Para Di Stasi (1996), as
nutrientes, produção primária, polinização,
plantas medicinais referem-se única e exclusi-
resiliência. Em função da sua biodiversidade,
vamente às espécies vegetais que durante gera-
o Cinturão Verde se constitui como reserva
ções foram incorporadas na cultura dos povos
para descobertas em benefício do ser huma-
graças ao seu potencial terapêutico.
no, como a produção de fármacos e substân-
Cerca de 250 mil espécies vegetais são
cias de valor econômico e se configura como
fontes de drogas para a população mundial
importante provedor de produtos medicinais
e, aproximadamente 220 drogas usadas atu-
naturais (RODRIGUES; VICTOR; PIRES, 2006).
almente, são derivadas de plantas (NEVES,
Embora a biodiversidade (plantas e animais)
2001). Dos medicamentos utilizados na terapia
seja fonte de vários componentes usados em
moderna, 24% foram produzidos pela extração
produtos bioquímicos, medicamentos naturais
de produtos naturais, dos quais 120 são obtidas
e produtos farmacêuticos, este capítulo abor-
de plantas (HOSTETTMANN et al., 2003).
dará somente os usos de plantas medicinais,
Tanto a pressão urbana sobre os recursos
sua abordagem na legislação brasileira, espé-
naturais como exploração comercial de plantas
cies existentes na região abrangida pela RBCV
medicinais, podem comprometer a disponibi-
(incluindo espécies consideradas tóxicas) e sua
lidade deste serviço ecossistêmico em deter-
contribuição com o bem-estar humano, especi-
minadas regiões. Os apelos econômicos destas
ficamente para tratamentos de saúde.
plantas, que se apresentam como alternativa
2 | SERVIÇO DE PROVISÃO
de geração de renda, aumentam os riscos de
DE PRODUTOS BIOQUÍMICOS,
destruição do nicho ecológico de várias espé-
MEDICAMENTOS NATURAIS
cies, podendo levar à erosão genética (MON-
TANARI JÚNIOR, 2002), já que a degradação
E PRODUTOS FARMACÊUTICOS
acelerada dos ecossistemas e o desmatamento
está provocando a extinção de espécies nativas
(RODRIGUES; VICTOR; PIRES, 2006).
Incluindo integralmente as regiões Muitas espécies abrigadas pelos ecossis-
metropolitana de São Paulo e da Baixada San- temas são fundamentais para a saúde huma-
tista e municípios de características periur- na. Segundo a Avaliação Ecossistêmica do Milê-
banas, a RBCV foi declarada pela UNESCO em nio (Millennium Ecosystem Assessment - MEA
1994, com o objetivo de promover o equilíbrio (MILLENNIUM..., 2005), importantes drogas,
entre o cinturão verde da cidade de São Paulo como a aspirina, são derivadas de produtos natu-
e as cidades que ele circunda. Na definição de rais, levando a indústria farmacêutica a investir
seus limites, foram considerados os aspectos pesadamente na exploração de espécies pre-
sistêmicos de seu metabolismo para assegurar sentes em florestas tropicais e corais de recifes.
a conservação da biodiversidade e dos serviços Ainda segundo a Avaliação do Milênio, a malária,
ecossistêmicos de suas áreas e o bem-estar da umas das doenças mais letais do mundo, tem
população dessa região (RODRIGUES; VICTOR; sido historicamente tratada com medicamentos
PIRES, 2006). derivados de produtos naturais, como o quini-
Na RBCV, os principais tipos de vegetação no. Produtos naturais também são importantes
são a Floresta Atlântica Ombrófila Densa e Semi- fontes de novos componentes de fármacos para
decidual, áreas de contato Savana/Floresta tratamento de doenças como câncer.
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 137
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
Figura 2 |
Cadeia produtiva de
plantas medicinais.
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em Rodrigues
e Nogueira (2008) e
Batalha et al. (2003).
138 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
utilizadas para esse fim são denominadas de 2.1 I Plantas medicinais no Brasil
plantas medicinais1. A fitoterapia é somente
uma parte do estudo mais abrangente das plan- No Brasil, o uso de plantas medicinais,
tas medicinais, o qual engloba a fitoquímica, a principalmente em populações carentes, é
fitofarmácia, a fitofarmacologia e a fitoterapia decorrente de vários fatores, incluindo o difícil
(Figura 3). acesso à assistência médica e farmacêutica, o
A fitoquímica ocupa-se exclusivamente custo dos medicamentos industrializados e à
dos constituintes das plantas e descreve pos- tendência dos consumidores a utilizarem pro-
síveis compostos que possam ser investigados dutos de origem natural decorrente de uma
quanto à sua ação farmacológica. O objetivo consciência ecológica estabelecida nos últimos
da fitofarmácia é a droga vegetal, isto é, para anos (SIMÕES et al., 1998).
cada medicamento, a matéria prima necessá- Apesar do uso de plantas com finalidades
ria, que pode ser usada sob a forma de chá ou medicinais ser bastante antigo, a Organização
de preparações farmacêuticas, obtidas atra- Mundial da Saúde (OMS) aceitou que os fitoterá-
vés de diferentes métodos extrativos. Uma picos são eficazes na profilaxia e no tratamento
parte importante da fitofarmácia é a farma- e cura de várias doenças somente em 1978. Em
cognosia que identifica a droga vegetal por 2005, a OMS publicou o documento Política Na-
inspeção e métodos físico-químicos altamente cional de Medicina Tradicional e Regulamenta-
especializados para a identificação da droga ção de Medicamentos Fitoterápicos2, que discu-
vegetal. A fitofarmacologia engloba a farma- te a situação mundial a respeito de políticas de
cologia pré-clínica (eficácia e mecanismo de medicina tradicional e fitoterápicos, reforçando
reação adversa - RAM - do fármaco nos ani- o compromisso com o estímulo e com sua inser-
mais mamíferos) e farmacologia clínica (efi- ção no sistema oficial de saúde de seus 191 esta-
cácia e mecanismo de reação adversa - RAM dos membros, incluindo o Brasil. A inclusão bra-
- do fármaco no ser humano, voluntário sadio), sileira é reforçada pelo fato do país ter a maior
com importância na avaliação da eficácia dos diversidade genética vegetal do mundo, totali-
medicamentos fitoterápicos. A fitoterapia des- zando aproximadamente 55.000 espécies cata-
creve as possibilidades e limites do tratamen- logadas de um total estimado entre 350.000 e
to com medicamentos fitoterápicos nas indi- 550.000 espécies e, também, por possuir ampla
cações da medicina humana (FINTELMANN; tradição do uso das plantas medicinais, vincula-
WEISS, 2010). da ao conhecimento popular, transmitido oral-
mente por gerações.
Figura 3 |
Uso de plantas
medicinais para
pesquisa.
Fonte: elaboração
própria.
1
Plantas medicinais - é a planta selecionada, silvestre populacional, uma doença), curativa ou para fins de
ou cultivada, utilizada popularmente como remédio no diagnóstico, com benefício para o usuário. É o produto
tratamento de doenças. final acabado, embalado e rotulado. Não podem estar
2
Medicamentos fitoterápicos - é todo medicamento tec- incluídas substâncias ativas de outras origens, não sen-
nicamente obtido e elaborado empregando-se exclu- do considerado produto fitoterápico quaisquer substân-
sivamente matérias-primas vegetais, com finalidade cias ativas isoladas (ainda que de origem vegetal), ou
profilática (medidas que visam prevenir, em nível mesmo em misturas.
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 139
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
Figura 4 |
Uso de
fitoterápicos
na rede pública
(Sistema Único de
Saúde) do Brasil.
Fonte: Adaptado
de Jornal do
Senado (2018).
Figura 5 |
Quantidade de
saída e de entrada
de fitoterápicos,
no Sistema Único
de Saúde,
de 2012 a 2018.
Fonte: Adaptado
de Brasil (2019).
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 141
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
Figura 6 I
Criação e produção
industrial de
medicamentos a
partir de princípios
ativos de plantas.
Fonte: Adaptado
de Matos (2007).
142 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
A Portaria nº 886, de 20 de abril de 2010 das plantas e pela orientação do trabalho desde
(BRASIL, 2010), que institui a Farmácia Viva no a etapa de coleta, preparação e controle de qua-
âmbito do SUS, sob gestão estadual, municipal lidade dos fitoterápicos; agrônomo, contribuin-
ou do Distrito Federal, prevê que a Farmácia do com treinamento em horticultura e técnicas
Viva deve realizar todas as etapas necessárias de multiplicação de plantas, para orientar seu
ao uso das plantas medicinais, desde o cultivo cultivo, controle do crescimento das plantas e a
(preparo do local para plantio); sementeira; preparação de mudas (MATOS, 2002a; 2002b).
3 | PROVISÃO DE PRODUTOS
propagação (por sementes, propagação vege-
BIOQUÍMICOS,
tativa3, estaquias4); plantio de mudas (divisão
de touceira); coleta; processamento (limpeza e
MEDICAMENTOS NATURAIS E
secagem); armazenamento de plantas medici-
PRODUTOS FARMACÊUTICOS
nais; manipulação e a dispensação de prepara-
ções magistrais5 e oficinais6 de plantas medici-
NA RBCV
nais e fitoterápicos.
De acordo com a Portaria, a implantação
de Projeto Farmácia Viva, visa realizar o aten-
dimento integrado da população em Fitotera- A Avaliação Ecossistêmica do Milênio -
pia, implementar uma horta de plantas medi- MEA foi implementada e conduzida entre 2001
cinais, produzir medicamentos fitoterápicos e e 2005 com a participação de governos, setor
promover o resgate e a valorização da cultura privado, organizações não governamentais e
popular no que se refere à utilização de plantas de cientistas, com o objetivo de compreender
medicinais bem como a introdução de conhe- qual a consequência das mudanças nos ecos-
cimentos científicos, através de palestras edu- sistemas para o bem-estar humano e analisar
cativas, informativos, cartilhas, visitas domi- as alternativas para a melhor conservação
ciliares. Para tanto, são elencados as etapas a dos ecossistemas. O MEA enfoca com particu-
serem seguidas (BRASIL, 2010): lar atenção os vínculos entre os serviços dos
1. Envolvimento da comunidade ecossistemas e o bem-estar humano. (MILLEN-
2. Levantamento do uso popular de plan- NIUM..., 2003).
tas medicinais Um ecossistema é um complexo dinâmico
3. Seleção de espécies medicinais a se- de comunidades de plantas, animais e micro-
rem produzidas organismos e o meio ambiente inorgânico inte-
4. Implantação da Farmácia Viva ragindo como uma unidade funcional. Os pro-
5. Repasse do conhecimento popular dutos da biodiversidade incluem muitos dos
A Farmácia Viva instalada em uma comu- serviços prestados pelos ecossistemas. Além
nidade deve contar com apoio técnico-científico do importante papel em prover os serviços dos
como requisito, e ser dirigida com a colabora- ecossistemas, a diversidade das espécies têm
ção dos seguintes profissionais: médico fitote- valor intrínseco independentemente de seu
rapeuta responsável pelo diagnóstico e orien- significado para os seres humanos.
tação do tratamento com plantas; farmacêutico Os serviços dos ecossistemas são os bene-
com treinamento em farmacognosia e farma- fícios que as pessoas obtêm desses sistemas.
cotécnica como responsável pela identificação Inclui serviços de provisão, regulação, serviços
culturais e suporte, que afetam diretamente
o ser humano. Estes serviços mantêm a biodi-
3
Reproduzir plantas através de partes da planta mãe ou versidade e produtos do meio ambiente como:
matriz. madeira, combustíveis de biomassa, produtos
4
Estacas entre 5 a 20 cm como melissa, sabugueiro,
boldo baiano. farmacêuticos, industriais e precursores (MIL-
5
Preparada na farmácia, a partir de uma prescrição de LENNIUM..., 2003).
profissional habilitado, destinada a um paciente indi-
vidualizado, e que estabeleça em detalhes sua composição, Em relação ao serviço ecossistêmico de
forma farmacêutica, posologia e modo de usar. provisão de produtos bioquímicos, medica-
6
Preparada na farmácia, cuja fórmula esteja inscrita no
Formulário Nacional ou em Formulários Internacionais
mentos naturais e produtos farmacêuticos na
reconhecidos pela ANVISA. RBCV, foram consideradas todas as áreas com
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 143
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
vegetação natural (KRONKA et al., 2005), como da planta), Farmacológico - FARMAC (ensaios
área potencial para fornecer este serviço, espe- pré-clínico e clínico dos extratos vegetais),
cificamente plantas medicinais. Foram utiliza- Medicinal - MED (estudo de plantas com ativi-
dos dados do programa BIOTA/FAPESP para dade fitoterápica) e Tóxico - TÓXICO (plantas
poder relacionar quais são as espécies já estu- com princípios ativos tóxicos) (ALBIERO, 2005;
dadas dentro da área (BIOTA FAPESP, 2019). BRAZ FILHO; SOUZA; MATTOS, 1981; CONE-
Dentro do Programa BIOTA/FAPESP foi GERO et al., 2003; DAILY, 1997; DOMINGUEZ,
organizado um banco de dados intitulado “Bio- 1973; FERRO, 2008; FUKUYAMA et al., 1983;
ta Georreferenciada do Estado de São Paulo”, FURUTA; FUKUYAMA; ASAKAWA, 1986; GUP-
que apresenta registros pontuais da ocorrên- TA, 1995; KLEIN JÚNIOR, 2011; LUNG; FOSTER,
cia de espécies para todo o estado de São Paulo. 1996; MARTINS et al., 1995; MARTINS, 1998;
Partindo deste banco de dados, efetuou- MARTINS et al., 2000; MARTINS et al., 2009;
-se o levantamento para os 78 municípios que MATOS, 2012; MATOS, 2007; MATTOS, 1996;
a RBCV abrange, resultando na catalogação de MORAES et al., 2002; MORAES; BRAZ FILHO,
2.256 espécies. 2007; SANTOS, 2012; SETZER et al., 2000; SILVA
Baseado neste estudo efetuou-se o levan- et al., 2009; SILVA-JR et al., 1994; TONA, 1999).
tamento inicial das espécies com estudo Quími- Foi elaborado mapa de áreas potenciais des-
co - QUIM (caracterização química dos princí- te serviço ecossistêmico, conforme Figura 6 e
pios ativos extraídos das plantas), Fitoquímico Tabela 1, onde são destacadas as espécies de
- FITOQ (estudo dos metabólitos secundários interesse do SUS.
Figura 7 I
Áreas potenciais
de provisão
de produtos
bioquímicos,
medicamentos
naturais e produtos
farmacêuticos.
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em Kronka et al.
(2005).
144 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
preventivas
abrangida pela RBCV, foram registrados 38
municípios com ocorrências de espécies com
uso farmacológico, destacando-se São Paulo
(487 ocorrências), Ibiúna (247) e Cotia (99). Nesta seção são apresentadas algumas
Quanto às espécies com estudos fitoquímicos, plantas consideradas tóxicas ou responsáveis
foram registrados 33 municípios com ocor- por intoxicações, com suas respectivas ilustra-
rências, sendo que os que apresentaram maior ções fotográficas, nomes científicos, sinonímia
número de espécies foram Cotia (84), Ibiúna botânica, nomes populares, princípio tóxico
(209), Jundiaí (44) e São Paulo (388). Em rela- quando conhecido, sintomatologia da intoxica-
ção ao levantamento químico inicial, 45 muni- ção, prevenção e tratamento.
cípios apresentam espécies com estudos quí- As plantas tóxicas têm provocado graves
micos publicados, destacando-se os municípios acidentes, e representam a quarta causa de
de Cotia (104), Ibiúna (258), Jundiaí (60) e São intoxicações no âmbito da saúde pública, com
Paulo (632). perda de vidas humanas, com incalculável pre-
As espécies com utilização medicinal juízo para o erário, com instalação e manuten-
foram encontradas em 35 municípios. Des- ção dos serviços de emergência especializada
tacam-se: Arujá (2), Atibaia (8), Bertioga (6), (MATOS et al., 2011).
Biritiba-Mirim (4), Bragança Paulista (19), Entre essas plantas consideradas tóxicas,
Cabreúva (3), Caieiras (1), Cajamar (1), Cotia muitas são ornamentais e podem ser encontra-
(43), Embu (1), Guarujá (2), Guarulhos (6), Ibi- dos em jardins, quintais, parques, vasos, pra-
úna (74), Iguape (1), Itanhaém (4), Jacareí (2), ças e terrenos baldios. Algumas dessas plantas
Jaraguá (1), Joanópolis (2), Jundiaí (34), Juquiti- são conhecidas e muito bonitas. Todavia, quan-
ba (1), Mogi das Cruzes (5), Nazaré Paulista (4), do colocadas na boca ou manipuladas, podem
Osasco (1), Paraibuna (3), Pereiras (1), Piracaia causar graves intoxicações, principalmente em
(1), Salesópolis (6), Santa Branca (1), Santa Isa- crianças menores de 5 anos.
bel (1), Santos (3), São José dos Campos (9), São Esses acidentes com plantas tóxicas
Paulo (374), São Roque (3), São Sebastião (4), podem ocorrer de forma direta ou indireta. Em
São Vicente (2). sua forma direta, ocorre pela ingestão acidental
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 151
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
de frutos tóxicos confundidos com alimentos, por S.brasiliensis também em equinos (PILATI;
ou pelo uso inadequado de chás de plantas BARROS, 2007).
medicinais ou abortivas ingeridas por engano, Manihot esculenta Crantz (mandioca-bra-
ou por imprudência. Os acidentes ocorridos de va, macaxeira, aipim) foi encontrada em Cotia e
forma indireta se dão pelo consumo de produ- Franco da Rocha. Os tubérculos se constituem
tos de animais que tenham ingerido plantas alimento para o ser humano, desde que elimi-
tóxicas cujo princípio ativo possa estar acumu- nado o excesso de ácido cianídrico (HCN). Os
lado no leite ou na carne (MATOS et al., 2011). princípios tóxicos são os glicosídios linamari-
Apesar de a Lantana camara L. (cambará- na e lotoaustralina. Um dos cuidados refere-
-de-cheiro, camará) ser citada e utilizada como -se ao cultivo de tipos de mandioca com menor
medicinal, estudos apontam que os frutos con- teor de cianogênicos. O tratamento deve ser
têm substância tóxica, necessitando de cuida- imediato, com lavagem gástrica e com inalação
dos em sua utilização. A intoxicação por Lanta- de nitrito de amila por 3 segundos e respiração
na camara ocorre no bovino, ovinos e caprinos artificial (MATOS et al., 2011).
(MATOS et al., 2011). No ser humano pode ocor- Quanto às intoxicações dos animais, ocor-
rer pela ingestão dos frutos de sabor adocicado, rem quando são administrados os tubérculos
que pode atrair principalmente as crianças. Os aos ruminantes imediatamente após a colhei-
sinais são caracterizados pela náusea, vômitos, ta ou durante a fabricação de farinha e outros
diarreia, letargia, fotofobia e midríase, poden- produtos, quando os animais têm acesso à
do evoluir até o óbito. Para evitar a intoxicação, manipueira, líquido rico em ácido cianídrico
as crianças devem ser alertadas quanto ao ris- resultante da compressão da massa ralada dos
co da ingestão dos frutos ou torná-los inacessí- tubérculos (CANELLA; DOBEREINER; TOKAR-
veis. Os princípios tóxicos são os lantadenos A e NIA, 1968).
B. Quanto ao tratamento, pode ser complemen- As espécies Anadenanthera falcata Ben-
tado com pomadas à base de vitamina A para th. Speg. (angico-do-cerrado), Cestrum noctur-
cicatrização, anti-histamínicos e antibióticos num L. (dama-da-noite), Erythrina cristagalli L.
(TOKARNIA; DÖBEREINER; PEIXOTO, 2000; (corticeira), Euphorbia milli L. (coroa-de-cris-
RIET-CORREA et al., 1993). to), Euphorbia cotinifolia Holocalyx balansae
Verificou-se a ocorrência de Lantana Mich. (alecrim-de-campinas), Jatropa curcas
camara L. em Cotia e São Paulo. Foi encontra- L. (pinhão-roxo), Machaerium scleroxylon Tul.
do Senecio brasiliensis (Spreng.) Less (flor- (caviúna), Solanum lycocarpum A. St. Hil (lobei-
-das-almas) espécie tóxica com ocorrência ra ou fruta-de-lobo), Stryphynodendron adstri-
nos municípios de Bragança Paulista, Cotia, gens (Mart.) Coville (barbatimão) e Trifolium
Piracaia e São Paulo. Por ser planta de pasta- repens L. (trevo-branco) citadas como tóxicas
gem, ocorre a intoxicação de gados que podem foram encontradas no município de São Paulo.
se alimentar, passando o alcaloide para o lei- É de suma importância mencionar as espécies
te produzido (HOEHNE, 1978; BARROS et al., consideradas tóxicas uma vez que a população
2007). Verificou-se intoxicação experimental utiliza muitas plantas como fitoterápicos.
152 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Família: Asteraceae.
Nome Científico: Senecio brasiliensis (Spreng.). Less
Nome Popular: maria-mole, flor-das-almas.
Partes Tóxicas: folhas e frutos.
Princípio Ativo: alcaloides não atropínicos, senecina, seneco-
filina e brasilenecina.
Sintomas: predominam sintomas gastrointestinais: náuseas,
cólicas abdominais diarreia. Distúrbios hidroeletrolíticos. Rara-
mente torpor e discreta confusão mental.
Tratamentos: esvaziamento gástrico (muitas vezes não é
necessária lavagem gástrica). Antiespasmódico, antiemético.
Manter o estado de hidratação. Pronto atendimento, lavagem
gástrica e procedimentos para neutralizar os componentes.
Referências: Barros et al. (2007); Hoehne (1978); Pilati; Barros
Figura 8 | (2007).
Senecio brasiliensis
(Spreng.) Less.
Família: Caesalpinaceae.
Nome Científico: Holocalyx balansae Mich.
Nome Popular: alecrim-de-campinas, alecrim, pau-alecrim,
ibirapepê.
Partes Tóxicas: a planta toda.
Princípio Ativo: planta cianogênica, que possui glicosídeo
cianogênico como princípio ativo principal. Este se torna tóxico
ao entrar em contato com enzima específica, presente no trato
digestivo, que o hidroliza produzindo ácido cianídrico, glicose e
benzaldeído.
Os efeitos tóxicos se devem ao íon cianeto, proveniente do áci-
do cianídrico, que atua inibindo a enzima citocromo oxidase,
impedindo que as células de receberem oxigênio das hemácias.
Sintomas: alteração da postura (desequilíbrio); cabeça baixa; apatia; taquicardia; dispneia; pulso negativo;
poliúria. Evolução dos sintomas para contração espasmódica da musculatura dos membros e pescoço, cul-
minando em queda brusca e permanência em decúbito lateral. Os sintomas podem aparecer de 3 a 5 minutos
após ingestão da planta, podendo regredir entre 6 a 8 minutos ou evoluir até o óbito em 3 a 5 horas.
Tratamentos: pronto atendimento. Exames laboratoriais para detecção de tiocianatos na saliva ou cianeto no
sangue. Nitrito de amila por via inalatória 30 seg a cada 2 min: formação de cianometahemoglobina (atóxica).
Nitrito de Sódio 3% - 10mL EV (adultos).
Figura 9 | Origem: Brasil.
Holocalyx balansae
Referências: Francisco; Pinotti (2000); Matos et al. (2011).
Mich.
Família: Solanaceae.
Nome Científico: Cestrum nocturnum L.
Nome Popular: dama-da-noite, flor-da-noite, jasmim-da-noite,
rainha-da-noite, coirana, coerana, jasmim-verde.
Partes Tóxicas: frutos imaturos e folhas.
Princípio Ativo: glicosídeo do grupo das saponinas.
Sintomas: náuseas e vômitos, seguidos de agitação psico-
motora, distúrbios comportamentais e alucinações, midríase e
secura das mucosas.
Tratamentos: pronto atendimento, lavagem gástrica e procedi-
mentos para neutralizar os componentes.
Família: Fabaceae.
Nome Científico: Trifolium repens L.
Nome Popular: trevo-branco, trevo-coroa-de-rei,
trevo-da-holanda, trevo-ladino e trevo-rasteiro.
Partes Tóxicas: folhas e brotos.
Princípio Ativo: glicosídeo cianogênico.
Sintomas: quando hidrolisado produz o ácido cia-
nídrico. Impede a respiração celular, vômitos, debi-
lidade nos membros, visão turva, convulsões, perda
de consciência, parada cardiorespiratória, chegan-
do à morte.
Tratamentos: pronto atendimento, lavagem gás-
trica e procedimentos para neutralizar o ácido
cianídrico.
Referências: Pereira (1992). Figura 11|
Triifolium repens L.
Família: Euphorbiaceae.
Nome Científico: Euphorbia cotinifolia L.
Nome Popular: leiteiro-vermelho, caracasa-
na, barrabás, aiapana, açacuí, figueirinha-roxa,
maleiteira.
Partes Tóxicas: látex.
Princípio Ativo: toxalbumina (4 deoxigenol).
Sintomas: irritação de pele e mucosas com hipere-
mia ou vesículas e bolhas; pústulas, prurido, dor em
queimação.
Ingestão: lesão irritativa, sialorreia, disfagia, ede-
ma de lábios e língua, dor em queimação, náuseas,
vômitos. Contato ocular: Conjuntivite (processos
inflamatórios), lesões de córnea.
Tratamentos: lesões de pele: cuidados higiênicos, lavagem com permanganato de potássio 1:10.000, poma-
das decorticoides, anti-histamínicos VO. Ingestão: evitar esvaziamento gástrico. Analgésicos e antiespasmó-
dicos. Protetores de mucosa (leite, óleo de oliva). Casos graves: corticoides. Contato ocular: lavagem com
água corrente, colírios antissépticos, avaliação oftalmológica.
Figura 12 |
Referências: Matos et al. (2011).
Euphorbia cotinifolia L.
Família: Euphorbiaceae.
Nome Científico: Euphorbia milii L.
Nome Popular: coroa-de-cristo, coroa-de-espinhos.
Partes Tóxicas: todas as partes da planta.
Princípio Ativo: látex irritante.
Sintomas: a seiva leitosa causa lesão na pele e mucosas,
edema de lábios, boca e língua, dor, queimação e coceira.
O contacto com os olhos provoca irritação, lacrimejamen-
to, edema das pálpebras e dificuldade de visão.
Se os olhos forem atingidos, esse látex pode provocar per-
furação da córnea e, consequentemente, cegueira.
Tratamentos: nos casos de ingestão da planta, é neces-
sária a realização de uma lavagem gástrica, com pos-
terior administração de carvão ativado, laxantes e de
analgésicos.
Origem: Madagascar.
Figura 14 | Referências: Matos et al. (2011).
Euphorbia milii L.
Família: Euphorbiaceae.
Nome Científico: Jatropha curcas l.
Nome Popular: pinhão-de-purga, pinhão-de-cerca,
purgante-de-cavalo, manduigaçu, figo-do-inferno,
mamoninho, pinhão roxo.
Partes Tóxicas: folhas e frutos.
Princípio Ativo: ésteres de forbol.
Sintomas: Ingestão: a ingestão do fruto causa náuseas,
vômitos, cólicas abdominais intensas, diarreia sangui-
nolenta, sangramento da mucoca, dispneia, hipotensão,
arritmia e parada cardíaca. Evolução para desidratação
grave, choques, insuficiência renal, coma. Apresentam
atividades carcinogênicas e ação inflamatória. Contato:
O contato com o látex, pelos e espinhos, são irritante de
pele e mucosas.
Tratamentos: não existem antídotos específicos. Anties-
pasmódicos, antieméticos, eventualmente antidiarreicos.
O tratamento tem sido sintomático e preventivo, a fim de se evitar complicações cardiovasculares, neurológi-
cos e renais. A lavagem gástrica sempre deve ser tomada como medida preliminar. Lesões de pele: soluções
antissépticas, analgésicos, anti-histamínicos. Casos graves: corticoides.
Figura 15 |
Referências: Matos et al. (2011).
Jatropha curcas L.
4 | CONTRIBUIÇÃO DOS
SERVIÇOS DE PROVISÃO DE
saúde. A diferença entre sintoma e sinal é que
este pode ser percebido por outra pessoa sem
PRODUTOS BIOQUÍMICOS,
o relato ou comunicação do paciente e o sinto-
MEDICAMENTOS NATURAIS E
ma é a queixa relatada pelo paciente, mas que
PRODUTOS FARMACÊUTICOS
só ele consegue perceber. Sintomas são subje-
tivos. A variabilidade descritiva dos sintomas
NA RBCV
paciente, assim como da valorização que cada
pessoa dá às suas próprias percepções. Assim
é importante conhecer quais são as princi-
pais causas, bem como os principais sinais e
Desde 1978, a Organização Mundial de
sintomas, das principais doenças que afetam
Saúde (OMS) tem feito incentivos em investi-
os seres humanos. Como exemplos de sinais e
mentos públicos em plantas medicinais. Por
sintomas que nem sempre estão associados a
causa da pobreza e da falta de acesso a medica-
doenças específicas pode-se citar taquicardia,
mentos industrializados, aproximadamente 65
bradicardia, palpitação, dor, boca seca, febre/
a 80% da população mundial que vive nos paí-
pirexia, caquexia, xerostomia (LÓPEZ; LAU-
ses em desenvolvimento utilizam de plantas
RENTIS, 1988).
medicinais (OMS, 2000). Oliveira (1985) cita
No intuito de conhecer o potencial de ser-
que medicina popular se constitui como uma
viços ecossistêmicos de provisão de produtos
entre várias medicinas, devendo ser entendida
bioquímicos, medicamentos naturais e produ-
na sua relação com as demais. Lorenzi; Matos
tos farmacêuticos da RBCV e sua contribuição
(2002a; 2002b) citam a medicina popular tam-
com o bem-estar humano, especificamente o
bém como “caseira” ou “tradicional”. De acordo
uso de plantas medicinais para tratamento de
com a Política Nacional de Plantas Medicinais
saúde, foi feito um levantamento botânico da
e Medicamentos, os fitoterápicos são medica-
região. As plantas descritas nesse levantamen-
mentos cujos componentes terapeuticamente
to englobam inúmeras atividades biológicas,
ativos são exclusivamente plantas ou deriva-
dentre as quais se destaca as seguintes apli-
dos vegetais (extratos, sucos, óleos, ceras, etc.),
cações: afecções das vias respiratórias, gota
não podendo ter em sua composição, a inclusão
(inflamação nas articulações devido ao acú-
de substâncias ativas isoladas, de qualquer
mulo de ácido úrico), dores musculares e nas
origem, nem associações destas com extratos
articulações, gastrite, hemorroidas, gengivite,
vegetais. Fitofármacos é fármaco (composto
escabiose (sarna), anemia, gripe, agitação psi-
químico com atividade terapêutica) extraído
comotora e deficiência de vitamina A.
de vegetais ou seus derivados. O uso de medica-
mentos fitoterápicos com finalidade profilática, Adicionalmente, estas plantas apresen-
curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico, tam ações adstringentes, analgésica, ansiolítica,
passou a ser oficialmente reconhecido pela antiartrítica, antiasmática, antibiótica, anti-
OMS em 1978, que recomendou a difusão, em blenorrágica, antidiarreica, antiespasmódica
nível mundial, dos conhecimentos necessários (espasmolítica), antihemorrágica, antiinflama-
para o seu uso (BRASIL, 2001). tória, antimalárica, antiofídica, antipirética,
Quando se busca o tratamento contra antireumática, antiséptica, antisifilítica, anti-
alguma enfermidade, o que se procura é com- tumoral, antitussígena, cicatrizante, colerética,
bater suas causas e/ou combater os sinais e colagoga, diurética, fungicida, hepatoproteto-
sintomas. Define-se sintoma como qualquer ra, hipnótica, hipotensora, imunoestimulante,
alteração da percepção normal que uma pes- sedativa, laxante, bronco-pulmonares, repelen-
soa tem de seu próprio corpo, do seu meta- te de insetos, sedativa, sudorífica e tônica (Figu-
bolismo, de suas sensações, podendo ou não ra 16).
consistir em um indício. Sintomas são fre- Este levantamento botânico foi reali-
quentemente confundidos com sinais, que zado a partir de uma pesquisa realizada na
são as alterações percebidas ou medidas por Plataforma Sistema de Informação Distribu-
outra pessoa, geralmente um profissional de ído para Coleções Biológicas - SPECIES LINK,
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 157
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
Figura 17 |
Relação entre as
principais
atividades sobre
os sistemas
biológicos e o
número de
espécies
encontradas no
levantamento
botânico da RBCV.
Fonte: elaboração
própria.
Equinodorus chapéu-de-ouro, Biritiba Mirim toda planta, Antiinflamatória, laxativa, adstringente, antirreumática,
grandiflorus erva-do-pântano rizomas eliminador do ácido úrico e depurativo no tratamento da
Mich. (cataplasma sífilis, moléstia do fígado, pele, afecções renais
para hérnias) (inflamação da bexiga e cálculos renais, diurético,
arteriosclerose (CORREA et al., 2001 apud LORENZI;
MATOS, 2008).
Equinodorus aguapé, chá-de- Rio Grande toda planta Antiartrítica, anti-inflamatória, antiofídica,
macrophyllus campanha, da Serra antirreumática, antisifílitica, colagogo, depurativo do
(Kunh) Micheli erva-do-pântano, sangue, diurético, ácido úrico, afecções das vias
chapéu-de-couro urinárias (litíase, nefrite, etc.), fígado, estômago,
arteriosclerose bócio, colesterol, dermatose, manchas
na pele (LORENZI; MATOS, 2002; PANIZZA, 1997).
Eclipta alba erva-botão, Caieiras folhas, Possuem ações tônicas, estimulante do fígado
(L.) Hassk. agrião-do-brejo, raízes (hepatoprotetor), adstringente, antiofídica, cicatrizante,
erva-cidreira, imunoestimulante, ascite, cirrose, gastroenterite,
lanceta, surucuína astenia, asma, hemorragias, pedra nos rins e vesícula
(REIS et al., 1992).
Erythrina mulungu, corticeira, Paraibuna, casca. Inseticida e veneno para peixes (SCHULTES; RAFFAUF,
falcata Mart. bico-de-papagaio, Piracaia, 1990 apud LORENZI; MATOS, 2008); ansiedade,
ex Benth. suinã São Paulo insônia, agitação psicomotora (CRUZ, 1995; ALMEIDA,
1993 apud LORENZI; MATOS, 2008; ANDERSON et al.,
1998 apud LORENZI; MATOS, 2008).
Contra asma, bronquite, hepatite, gengivite,
inflamações hepáticas esplênicas, febres, insônia,
hipotensor (EASTERLING, 1993 apud LORENZI;
MATOS, 2008)
Ilex mate, erveira, Cotia, folhas Digestivo, antirreumático, diurético, laxante, vaso
paraguariensis congonha, Ibiuna, dilatadoror, antioxidante, estimulante sobre o sistema
A. St. Hill. erva-verdadeira, São Paulo nervoso central (SIMÕES et al., 2001 apud LORENZI;
chá-mate, chá-das- MATOS, 2008); vitaminas B, C, D e sais minerais como:
missões, chimarrão cálcio, manganês, potássio. Combate radicais livres.
Não é indicado para pessoas que sofrem de insônia e
nervosismo, pois é estimulante natural. Contém sapo-
nina que é um dos componentes da testosterona, razão
pela qual se acredita proporcionar melhora na libido.
Tabela 2 |
Lista alfabética de Ipomeas batata-doce, Caieiras, raiz, folhas, As folhas e brotações também são comestíveis. O chá
algumas espécies batatas (L.) batata-da-terra, Cajamar, brotação das folhas aumenta a lactação. O tipo amarelo, espe-
Lam. batata-da-ilha Cotia, Ibiúna, cialmente de cor abóbora, tem um teor de beta caroteno
medicinais de
Itanhaém, maior que a cenoura. Por isso, seu uso como alimento-
ocorrência na RBCV, São Paulo, Mauá, medicamento é indicado contra a deficiência de vitamina
com nome científico, Guarulhos, A, reconhecida pelo atraso no crescimento, pele
popular, parte usada e Piracaia, áspera, cegueira noturna e úlcera da córnea, que pode
ações terapêuticas. Santa Branca, levar até à cegueira completa, observada entre as
Fonte: Elaboração Biritiba Mirim crianças no interior de Nordeste (LORENZI; MATOS,
2008).
própria.
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 159
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
Lantana camará, cambará, São Paulo folhas Apresenta efeitos tóxicos. É considerada
camara L. cambará-de-jardim, e flores tóxica para o gado vacum e carneiros. Essa toxicidade
camarazinho, é atribuída a uma reação de fotossensibilização da pele
lantana-cambará ao sol devido à presença de triterpenoides da planta.
É usada na medicina caseira em muitas regiões do Brasil.
Suas folhas são consideradas como tônica, sudorífica,
indicada para problemas bronco-pulmonares e reuma-
tismo. O xarope de suas folhas e flores frescas é indica-
do para estados febris e afecções das vias respiratórias.
O chá de suas folhas (decocto) é recomendado na
forma de compressa, contra reumatismo, contusões,
esfoladuras, dores musculares e dores nas articulações
(MORS; RIZINI; PEREIRA, 2000).
Mentha poejo, poejinho, Guarulhos folhas Expectorante contra gripe, tosse crônica, calmante para
pulegium L. poejo-real, poejo- o sistema nervoso, constipações, insônias, dores
das-hortas, poejo- reumáticas, acidez do estômago, fermentação, enjoo,
dos-reis, menta- bronquites e asma. Pode apresentar como efeitos
selvagem, vique colaterais a bronco-constipação (efeito paradoxal em
crianças menores) em doses altas e prolongadas
provoca dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia,
letargia, convulsões e hepatite tóxica. É contra-indicado
em casos de gravidez, lactação, crianças menores e
pessoas alérgicas (MATOS, 2002)
Mikania cipó-cabeludo, São Bernardo folhas O uso desta planta na medicina tradicional é restrito
cordifolia (L.f .) cipó-catinga, cipó- do Campo a apenas algumas regiões do país, sendo empregado
Willd. sucurijú, coração- principalmente como anti-inflamatório, antiparasitário,
de-jesus, erva-cobre, contra asma, antirreumático, analgésico e febrífugo
guaco, guaco- (RUPPELT, 1991). Estudos farmacológicos in vitro com
trepador dois ácidos cafeoilquímico isolados desta planta
revelaram apreciável atividade anti-inflamatória
(PELUSO et al., 1995 apud LORENZI; MATOS, 2008).
Ocotea canela-cheirosa, Mairiporã flores, Todas as partes desta planta, inclusive a madeira, são
odorífera canela-parda, casca, empregadas para a produção de óleo essencial Tabela 2 |
(Vell.) Rohwer casca-cheirosa, madeira mediante destilação. Seu principal componente é o Lista alfabética de
casca-preciosa, safrol, amplamente utilizado em perfumaria, medicina algumas espécies
louro-cheiroso, e como combustível em naves espaciais (TEIXEIRA;
medicinais de
sassafrás-amarelo BARROS, 1992).
O óleo é muito empregado em medicamentos com ocorrência na RBCV,
propriedades sudoríficas, antirreumáticas, anti- com nome científico,
-sifilíticas, diuréticas e como repelente de mosquitos. popular, parte usada e
Em uso caseiro da medicina tradicional, suas flores e
cascas são muito empregadas para o tratamento de ações terapêuticas.
várias moléstias, como sudorífica, depurativa do Fonte: Elaboração
sangue, diurética e antirreumática (MORS; RIZINI; própria.
PEREIRA, 2000).
(continuação)
160 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Piper tapa-buraco, Ferraz de folhas, Chá ou infusão alcoólica de suas folhas, raízes e
aduncum L. jaborandi-falso, Vasconcelos raízes e frutos é empregado como tônico, carminativo,
aperta-ruão, frutos antiespasmódico, contra blenorragia, e para
aduncum, matico- afecções do fígado, vesícula e baço (VAN DER BERG,
falso, caá-peba, 1993 apud LORENZI; MATOS, 2008). Às folhas são
cheirosa, falso- atribuídas propriedades tônicas, estomáquica e
jaborandi antiespasmódica. E, às raízes ação eficaz contra
picada de cobra e ação estimulante e colagoga,
externamente são usadas contra erisipela (MORS et
al., 2000 apud LORENZI; MATOS, 2008).
Potomorphe aguaxima São Paulo Esta planta tem atividade antimalárica e é desprovida
umbellata L. de atividade mutagênica (AMORIN et al., 1988; BARROS
sinonímia Piper et al., 1996 apud LORENZI ; MATOS, 2008). A cataplas-
umbellatum L. ma de suas folhas é empregada externamente em
aplicação localizada para maturação de furúnculos, quei-
maduras leves, dor de cabeça e reumatismo (MORS et
al., 2000; PANIZZA, 1988 apud LORENZI; MATOS, 2008).
Psidium goiaba, araçá- Cotia, folhas, Segundo a literatura etnofarmacológica, a goiabeira é a
guajava L. -goiaba, araçá- Salesópolis casca, planta medicinal mais utilizada no tratamento caseiro
-guaçu, guaíba- semente, de diarreias em crianças.
vermelha, guaiava gomos Também o uso de chá para bochechos e gargarejos no
foliares tratamento de inflamações da boca na garganta ou em
lavagens locais de úlceras e na leucorreia. A análise
fitoquímica revela a presença de óleo volátil rico em
bisaboleno e outros sesquiterpenos, além dos acetais
dioximetano e dioxietano que dão aroma aos frutos.
Nas sementes foi identificado o ácido linoleico como
principal constituinte de seu óleo fixo.
Nas folhas, os principais constituintes estão taninos
elágicos, predominando a pedunculagina e as guavinas,
acompanhadas de beta-sitosterol, triterpenoides e
como princípio antidiarreico, a quercetina e arabino
-quercetina. (SOUZA et al., 1991 apud LORENZI;
MATOS, 2008).
Schinus araguaíba, aroeira, Caieiras, casca, A casca é utilizada na forma de decocto, em banhos de
terebentifolius aroeira-do-campo, Cotia, folhas, assento após o parto como cicatrizante e antiinflama-
Radd aroeira-da-praia, Guarulhos, fruto tório, antibacteriano tratamento do sistema urinário e
aroeira-do-sertão, Mauá, do aparelho respiratório, hemoptise. A hemorragia
aroeira-mansa, Osasco, uterina, ferimento na pele, cervicite. As folhas e frutos
aroeira-pimenteira, Santa Isabel são adicionados à água de lavagem de feridas e úlceras.
coração-de-bugre, A análise fitoquímica registra alto teor de tanino,
fruto-de-sabiá biflavonoides e ácidos triterpênicos nas cascas e de
até 5% de óleo essencial nos frutos e nas folhas
(MATOS, 2002a; 2002b).
Solanum jurubeba, caapeba, Suzano raíz, folha, A infusão das folhas, flores ou frutos são indicados
paniculatum L. jurubeba-branca, frutos e contra afecções hepáticas, febres e debilidade em
jurubeba-verdadeira, flores geral. O suco das raízes ou frutos usados contra cistite,
jurubebinha, juvena, anemia, tumores, abscessos internos. A cataplasma
juuna das folhas como uso externo no caso de feridas e
úlceras, suco dos frutos com mel de abelha é
empregado como diurético, contra bronquite e tosse
Tabela 2 |
(CRUZ, 1995 apud LORENZI; MATOS, 2008).
Lista alfabética de
Solidago arnica, arnica- Embu, folhas, Suas flores são apícolas. São atribuídas às suas algumas espécies
microglossa DC -brasileira, arnica- Itapecirica inflores- preparações caseiras qualidades de medicação
Sin. Solidago -da-horta, arnica- da Serra cência amarga, estomáquica, adstringente, cicatrizante e medicinais de
chilensis -de-terreiro, vulnerária. Por ser considerada tóxica, seu uso interno ocorrência na RBCV,
Meyen, arnica-do-brasil, só deve ser feito com estrita indicação e acompanha- com nome científico,
Solidago arnica-silvestre, mento médico (CORREA et al., 1988 apud LORENZI e
linearifolia var. erva-lanceta, MATOS, 2008). É empregada externamente no trata-
popular, parte usada e
brachypoda espiga-de-ouro, mento de ferimentos, escoriações, traumatismos e ações terapêuticas.
Speg. flecha, rabo-de-rojão, contusões em substituição à arnica verdadeira (Arnica Fonte: Elaboração
sapé-macho, montana L.) (BOORHEN et al., 1999; CORREA et al.,
própria.
macela-miúda 1998; MORS et al., 2000 apud LORENZI; MATOS, 2008).
(continuação)
162 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Vernonia assa-peixe, Arujá e folhas, Suas raízes e folhas, em decocção, são utilizadas como
polyanthes chamarrita, Guarulhos raízes diuréticas, balsâmicas e antireumáticas indicadas nos
Less. cambará-branco, casos de gripes, bronquites e tosses persistentes.
camabará-guaçu A infusão das raízes é indicada nos casos de hemoptises
e abscessos internos, devido suas propriedades
diuréticas. Seu uso externo é indicado nos casos de
afecções da pele, dores musculares e reumatismo sob
a forma de compressas das folhas frescas amassadas.
Tabela 2 | Chá das folhas em decocção para cálculos renais
(LORENZI; MATOS, 2008).
Lista alfabética de
algumas espécies Walteria douradinha- Cotia casca, Estimulante, emética, sudorífica, diurética. É indicada
medicinais de indica L. -do-campo, folha e contra disenteria, catarro-brônquico, afecções dos
malva-branca, ramos pulmões, blenorragia e cistite (MORS et al., 2000 apud
ocorrência na RBCV, malva-veludo LORENZI; MATOS, 2008). A tintura da casca é utilizada
com nome científico, como tônico cardíaco e a casca dos ramos e folhas são
popular, parte usada e consideradas diuréticas e hipotensoras (SIMÕES et al.,
1998 apud LORENZI; MATOS, 2008). Estudos
ações terapêuticas. farmacológicos demonstraram a eficácia hipotensora,
Fonte: Elaboração cardiotônica e diurética dos alcaloides, taninos e
própria. saponinas encontrados nas hastes e nas folhas
(WASICKY et al., 1964 apud LORENZI; MATOS, 2008).
(continuação)
Como toda planta, a utilização das espé- voltados à garantia do acesso seguro e uso
cies encontradas na RBCV, deve seguir os cui- racional de plantas medicinais e fitoterápicos
dados necessários como: correta identificação em nosso país, ao desenvolvimento de tecnolo-
científica do material botânico a ser utilizado, gias e inovações, assim como ao fortalecimen-
não se basear em nome popular, pois há varia- to das cadeias e dos arranjos produtivos, uso
ção destes nomes de local para local, verificar sustentável da biodiversidade brasileira e seu
que parte da planta vai ser utilizada, a forma desenvolvimento industrial e comercial.
correta de fazer os chás (infusão, decocção, De acordo com o levantamento prelimi-
maceração) o tempo de fervura, os utensílios a nar efetuado em 277 plantas entre as 2.256
ser usado (vidro, louça esmaltada, porcelana), espécies catalogadas pelo BIOTA-FAPESP, de
não utilizar recipientes de alumínio, verifica- ocorrência nos 78 municípios da RBCV, veri-
ção das dosagens recomendadas e não utilizar ficou-se que todas as espécies listadas neste
plantas que tenham atividades tóxicas e abor- diagnóstico, apresentaram algum estudo (quí-
tivas (TRINDADE; SARTÓRIO; REZENDE, 2008; mico, fitoquímico, farmacológico, medicinal e
FINTELMANN; WEISS, 2010; MATOS, 2002a; toxicológico), demonstrando o potencial que
2002b). esta vegetação representa dentro do escopo de
serviços de provisão de produtos naturais.
CONCLUSÕES
O levantamento dessa vegetação pode
ser vislumbrado em produtos comercializá-
veis – tornar-se um importante mecanismo
de geração de benefícios, sociais e ambientais,
Nos últimos anos, tem-se observado gran- contribuindo para o desenvolvimento econô-
de aumento na utilização de plantas medicinais mico e a conservação da biodiversidade, desde
não somente por parte da população em geral, que algumas condições sejam satisfeitas. Entre
mas principalmente nos programas oficiais de essas condições, destacam-se: sua valoração;
saúde apoiados pela OMS, ressaltando-se no legislações ambientais apropriadas; mecanis-
Brasil a Política Nacional de Plantas Medicinais mos de mercado adequados (contratos, paten-
e Fitoterápicos, aprovada por meio do Decreto tes, royalties); divisão justa e equitativa dos
Nº 5.813, de 22 de junho de 2006, que estabele- benefícios, transferência de tecnologia.
ceu diretrizes e linhas prioritárias para o de- Dentro das 277 plantas catalogadas, veri-
senvolvimento de ações em torno de objetivos ficou-se que 20 espécies constam da lista das
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 163
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
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PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 167
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
GLOSSÁRIO
A
Ácido úrico | A hiperuricemia é o nome que se Antibacteriano | Inibe o desenvolvimento das
dá ao aumento de ácido úrico na corrente sanguí- bactérias, ou que destrói as bactérias.
nea. Sua principal consequência é a gota, doença Antibiótico | Substância que tem capacidade
caracterizada pela inflamação das articulações de interagir com microorganismos que causam
que sofrem com a deposição de cristais de áci- infecções no organismo. Os antibióticos interfe-
do úrico. Indivíduos com hiperuricemia ou gota rem com estes micro-organismos, matando-os ou
devem seguir uma alimentação equilibrada, com inibindo seu metabolismo e/ou sua reprodução,
restrição de bebidas alcoólicas - principalmente permitindo ao sistema imunológico combatê-los
cerveja - e baixa ingestão de alimentos de ori- com maior eficácia.
gem animal ricos em purinas, tais como: aren-
que, anchova, mexilhão, bacalhau, ovas de peixe, Antidiarreico | Medicamento utilizado para con-
cavala, truta, sardinha, salmão, carne de vitela, trolar a diarreia.
bacon e miúdos. Antiepiléptico | Também chamado anticonvul-
sivo; é um termo que se refere a um fármaco ou
Aclimatadas | Adaptado a certo clima, adapta-
droga ou outra substância destinada a combater,
do, acostumado.
prevenir ou interromper a convulsão ou ataques
Adstringente | Produto que contrai, estreita, epilépticos.
reduz, produz constrição, que contrai os tecidos e Antiespasmódico | Que acalma os espasmos
vasos sanguíneos. ou contrações da musculatura lisa.
Alcaloide | São compostos de caráter básico que Anti-hemorrágico | Substância que promove a
ocorrem naturalmente, sobretudo no reino vege- hemostasia (processo que pára o sangramento).
tal, com ação fisiológica mais ou menos intensa Também pode ser conhecido como um agente
sobre os animais. Ex. cafeína, teobromina, etc. hemostático. Os agentes anti-hemorrágicos usa-
dos na medicina têm vários mecanismos de ação:
Agonistas | Quando uma substância química se Drogas sistêmicas que funcionam inibindo a fibri-
liga em um receptor e o ativa, essa substância é nólise (promovem a coagulação); agentes hemos-
chamada de agonista, drogas que produzem uma táticos de ação local, causando vasoconstrição
resposta. (promove a agregação plaquetária).
C
de plasma, hipertrofia dos músculos brônquicos,
rolhas de muco e descamação do epitélio, o que
ajuda na obstrução dos tubos respiratórios.
Carminativo | Medicamento usados na redução
Aspirina | No século V a.C., Hipócrates, médico dos gases intestinais.
grego e pai da medicina científica, escreveu que
o pó ácido da casca do salgueiro ou chorão (que Caqueixa | Caquexia (do grego KALA, "ruim", e
contém salicilatos, mas é potencialmente tóxico) SYNTHIKI. "condição") é uma síndrome complexa
aliviava dores e diminuía a febre. Um dos medi- e multifatorial que se caracteriza pela perda de
camentos mais famosos à base de ácido acetil- peso, atrofia muscular, fadiga, fraqueza e perda
salicílico é a Aspirina. O seu nome foi obtido da de apetite por alguém que não está a tentar per-
seguinte maneira: A vem de acetil; Spir se refe- der peso. Atinge 5 a 15% dos pacientes com insu-
re a Spiraea ulmaria (planta que fornece o ácido ficiência cardíacas ou renais crônicas e 60 a 80%
salicílico); e o in era um sufixo utilizado na época, dos pacientes com câncer terminal.
formando o nome Aspirin, que depois foi aportu-
guesado para Aspirina. Carcinogênico | Substância com potencial can-
cerígeno, isto é, que tem como propriedade o
Astenia | Termo empregado em medicina para potencial de desenvolvimento de câncer, como a
designar uma fraqueza orgânica. nicotina, o benzeno e radiações.
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 169
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
Cataplasma | Emplastro ou emplasto é uma for- Depurativo | Que purifica o organismo, facilitan-
ma de medicação caracterizada pela colocação do a eliminação de produtos do metabolismo.
sobre a pele de alguma substância sólida quen-
Dermatose | Designação genérica das doenças
te com o intuito de esquentar e/ou amolecer os
de pele.
tecidos acelerando o processo de cura. Também
é conhecido por compressa. Disfagia | As pessoas que sofrem com a disfa-
gia têm dificuldades para engolir e sentem dores
Cefaleia | Dor de cabeça.
durante a deglutição. Qualquer problema no pro-
Cervicite | Ferida no colo do útero. cesso de deglutição que impeça ou dificulte uma
alimentação normal chama-se disfagia.
Cianogênicos | Os glicosídeos cianogênicos são
substâncias de defesa encontradas em alguns Dispneia | Também chamada de falta de ar é um
vegetais, capazes de liberar ácido cianídrico por sintoma no qual a pessoa tem desconforto para
meio de reações de hidrólise (hidrólise (do grego respirar, normalmente com a sensação de res-
“hidro”, água; e “lysis”, separação) é uma reação piração incompleta. É um sintoma comum a um
química de quebra de ligação química de uma grande número de doenças, em especial na área
molécula com a adição de uma molécula água. da cardiologia e pneumologia. Exemplos são as
Nessa reação ocorre a quebra da molécula de afecções pulmonares, as lesões no bulbo raqui-
água em íons de hidrogênio (H+) e hidroxila (OH–) diano ou as obstruções da laringe, etc.
que se ligam às duas moléculas resultantes da
Diurético | Agente que aumenta a quantidade de
quebra, estas últimas podem ter caráter positivo
urina eliminada.
e negativo.
Droga vegetal | É o nome dado à planta medi-
Cistite | Inflamação da bexiga. cinal ou suas partes, após processos de coleta,
Ciclagem de nutrientes | É uma das alternati- estabilização e secagem.
vas para recompor a fertilidade do solo, diminuir
E
a aplicação de fertilizantes. É a contínua trans-
ferência de nutrientes do solo para as plantas, e
destas para o solo. Ecossistema | Designa o conjunto formado por
Colagogo | Diz-se do medicamento que atua todas as comunidades que vivem e interagem em
aumentando o volume da secreção biliar. determinada região e pelos fatores abióticos que
atuam sobre essas comunidades. São exemplos
Colerética | Diz-se do medicamento que aumen- de ecossistema uma floresta, um rio, um lago ou
ta a secreção biliar, aumentam a quantidade de um jardim. Os ecossistemas apresentam dois
bílis segregada pelo fígado que fica armazenada componentes básicos: as comunidades vivas
na vesícula biliar. (biótico) e os elementos físicos e químicos do meio
Constipação | Refere-se a uma mudança nos (abiótico). A parte biótica é formada por plantas,
hábitos intestinais diários, principalmente uma animais e microorganismos. A porção abiótica é
diminuição do número ou consistência da motili- o conjunto de nutrientes, água, ar, gases, energia
dade intestinal ou dor ou dificuldade ao evacuar. e substâncias orgânicas e inorgânicas do meio
ambiente.
Contração | É um processo fisiológico caracte-
rístico das fibras musculares que corresponde a Edema | É o nome que se dá ao inchaço locali-
capacidade de gerar tensão com a ajuda de um zado em alguma parte do corpo, como olhos ou
neurônio motor. lábios.
Edema palpebral | O inchaço da pálpebra, tam-
bém chamado de edema palpebral, pode ocorrer
D em uma das pálpebras (inferior ou superior), ou
mesmo em ambas. Existem algumas situações
Decocção | Ato de preparar o decocto; o mesmo que podem levar a ocorrência deste tipo de ede-
que cozinhar. ma. Dentre estas situações causadoras de incha-
ço na pálpebra, pode-se citar como: processos
Decocto | Extrato aquoso obtido pela fervu-
alérgicos, calázio, hordéolo (terçol), além de
ra da matéria vegetal em água. O mesmo que
irritações oculares que podem ser causadas por
cozimento.
uma grande quantidade de agentes, como poeira,
Decúbito dorsal | Decúbito dorsal ou supina a agentes químicos, cosméticos, insetos, etc., além
pessoa deita com a barriga voltada para cima. de tumores palpebrais e alterações da tireoide.
Decúbito lateral | a pessoa fica deitada de lado Emenagogo | Que provoca menstruação; nas
com ambos os braços para frente e os joelhos e doses fortes é abortivo.
quadris fletidos. Emético | Substância que induz o vômito.
170 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
F
que geralmente atacam as plantas. No caso da
agricultura alternativa, mais conhecida como
Farmacognosia | Caracterização botânica das agricultura orgânica o controle dos fungos é rea-
espécies vegetais com atividade farmacológi- lizado com produtos naturais e com técnicas de
ca e o estudo da sua composição química com manejo alternativas.
isolamento, identificação e dosagem dos seus
constituintes.
G
Farmacopeias | É o compêndio que define as
Gastrite | É a inflamação aguda ou crônica da
especificações para o controle de qualidade de
mucosa que reveste as paredes internas do
medicamentos e insumos para saúde. A Farma-
estômago.
copeia Brasileira é o Código Oficial Farmacêuti-
co seguido no Brasil. Tem como função principal Gastroenterite | É uma inflamação e infecção
estabelecer os requisitos mínimos de qualidade do estômago e dos intestinos delgado e grosso,
PRODUTOS BIOQUÍMICOS, MEDICAMENTOS NATURAIS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS: 171
O POTENCIAL FARMACOLÓGICO DE ESPÉCIES ENCONTRADAS NA RBCV
causada por organismos tais como vírus, bacté- substâncias estranhas, uma de suas primeiras
rias e parasitas. ações é liberar histamina. Ela aumenta a circula-
ção de sangue no local, deixando a pele vermelha
Gânglios linfáticos | Pequenos órgãos perfu-
e inchada. Por outro lado, o sangue que aumen-
rados por canais que existem em diversos pon-
tou sua circulação traz mais células de defesa.
tos da rede linfática. Os gânglios linfáticos são
Isso faz com que as substâncias estranhas sejam
órgãos de defesa do organismo humano e produ-
eliminadas mais rapidamente. Logo, a histamina
zem anticorpos.
pode ser considerada uma aliada do corpo.
Gengivite | Inflamação da gengiva.
I
H Imunoestimulante | Estimula e aumenta a defe-
sa imunológica do organismo.
Hemostático | Agente capaz de estancar hemor-
ragias; o mesmo que anti-hemorrágico. Infusão | Extrato aquoso obtido da matéria vege-
tal colocada em água quente; o mesmo que chá
Hepatoprotetor | Substância ou grupo de subs-
ou chá abafado.
tâncias capaz(es) de proteger a célula hepática
(fígado) contra agentes tóxicos. Insônia | Caracteriza-se pela falta de sono ou
por uma dificuldade prolongada para adormecer
Herpes | O herpes é uma doença causada por
por vários dias.
um vírus, que pode ser de dois tipos. O herpes
simples manifesta-se nos lábios ou na região
L
genital. O herpes zoster geralmente aparece na
região do tórax. O herpes simples, seja labial ou
genital, é adquirido por contato direto com uma Lantadenos | São compostos isolados das folhas
pessoa contaminada. As chances de transmis- da Lantana câmara (Verbenaceae) que causa
são são bem maiores se a pessoa infectada pelo hepatotoxicidade (a hepatotoxicidade é um dano
vírus estiver com lesões ativas. Já o herpes zoster no fígado causado por substâncias químicas cha-
é a reativação do vírus da varicela (ou catapora) madas hepatotoxinas) tanto em ruminantes (são
que a pessoa já havia adquirido, provavelmente animais cujo aparelho digestivo é dotado de um
na infância. Tanto o vírus simples como o zoster estômago duplo, com quatro cavidades como em:
ficam latentes, isto é, 'adormecidos' nos gânglios bovinos, ovinos, cordeiro - filhote do carneiro e da
linfáticos. Quando há uma queda da resistência ovelha), caprinos - cabrito - filhote do bode e da
orgânica, da imunidade (como pós-febre, trauma, cabra), bubalinos (são raças de búfalos), girafas,
quimioterapia, estresse, luz solar, desnutrição, veado etc.) como em humanos.
menstruação, etc.), o vírus volta a se multiplicar,
dando origem a um novo surto. O herpes simples Laxante | Que atua como purgativo fraco; que
tende a ter recorrências frequentes, enquanto o facilita a evacuação intestino.
zoster raramente recorre. Leucorreia | A leucorreia (ou corrimento vaginal)
Hidroeletrolíticos | O controle hidroeletrolítico é é também chamado de vaginite ou vulvovaginite.
quando se controla a entrada e a saída de líquidos São as alterações caracterizadas por um fluxo
de uma pessoa. vaginal anormal, geralmente com volume aumen-
tado, podendo ter ou não cheiro desagradável,
Hidropsia | A hidropsia é definida como excesso irritação, coceira ou ardência na vagina ou na
de líquidos no feto em duas ou mais áreas corpo- vulva e vontade de urinar frequentemente.
rais, como tórax, abdômen ou a pele.
Letargia | Do latim “lethargia”; “lethe”: esqueci-
Hiperemia | É um aumento da quantidade de mento e argia - inacção; é a perda temporária ou
sangue circulante num determinado local, oca- completa da sensibilidade e do movimento por
sionado pelo aumento do número de vasos san- causa fisiológica.
guíneos funcionais. Excesso de sangue em qual-
Linfonodo | Mesmo que gânglios linfáticos.
quer parte da superfície do corpo. Hiperemia:
congestão e hemorragia. Litíase | Do trato urinário; também chamada de
cálculo ou pedra no rim, ureter e bexiga.
Hipnótico | São fármacos capazes de induzir o
sono.
Hipotensor | Que faz diminuir ou baixar a pres- M
são sanguínea.
Mata Atlântica | É formada por um conjunto de
Histamina | Uma das armas que nosso corpo formações florestais (Florestas: Ombrófila Densa,
produz para combater as substâncias estranhas. Ombrófila Mista, Estacional Semidecidual, Esta-
Quando o sistema de defesa do corpo detecta cional Decidual e Ombrófila Aberta) e ecossiste-
172 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
S
conduz a urina desde a bexiga até o meio externo.
X
Taquicardia | Aumento da frequência cardíaca.
Convenciona-se como normal no ser humano
uma frequência cardíaca entre 60 e 100 batimen-
Xerostomia | Também conhecida como boca
tos por minuto. A partir de 100, inclusive, conside-
seca ou secura da boca é um sintoma relaciona-
ra-se que há taquicardia.
do à falta de saliva. A xerostomia pode causar
Terpeno | Denominação geral de monoterpenos, dificuldade em falar e comer. Também pode levar
sesquiterpenos, diterpeno e triterpenos, formado à halitose (mau hálito) e aumento dramático de
de carbono e hidrogênio. cáries dentárias, já que o efeito de proteção da
Tônico | Medicamentos que aumentam a ação saliva não está presente, e também pode fazer
vital dos tecidos, que tonifica, que reforça o orga- com que a mucosa da boca se torne mais vulne-
nismo; fortificante. rável a infecções.
174 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
PARTE 1
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS DE PROVISÃO
Coordenadores
Denise de C. Bicudo | IBt/SIMA
Carlos E. de M. Bicudo | IBt/SIMA
Autores
Denise de C. Bicudo | IBt/SIMA
Carlos E. de M. Bicudo | IBt/SIMA
Carlos Maldaner | CEPAS/USP
Corina Sidagis-Galli | IIEGA
Donato Seiji Abe | IIEGA
Elaine Aparecida Rodrigues | IF/SIMA - IPEN/USP
Francisco Carlos Soriano Arcova | IF/SIMA
Luiz Antonio Dias Quitério | GVS XXV
Márcia Nascimento | SIMA
Maurício Ranzini | IF/SIMA
Renato Tagnin | SENAC/CAS
Ricardo Hirata | CEPAS/USP
Sandra Costa-Böddeker | IGeo
Valdir de Cicco | IF/SIMA
Veridiana Martins | CEPAS/USP
176 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Resumo.................................................................................................................. 181
1 | Introdução....................................................................................................... 182
Referências............................................................................................................ 230
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 A água no contexto dos serviços ecossistêmicos e sua relação com o bem-estar humano.
Figura 2 Disponibilidade hídrica (m³/hab . ano) nas sub-bacias paulistas.
Figura 3 Mapa de hidrografia da RBCV, com a delimitação das Unidades de Gerenciamento dos
Recursos Hídricos (UGRHI).
Figura 4 Disponibilidade hídrica (vazão mínima superficial, Q7,10) e demanda de água nas
unidades hidrográficas inseridas ou que contribuem para o balanço hídrico da RBCV:
Alto Tietê, Piracicaba / Capivari / Jundiaí (PCJ) e Baixada Santista / Litoral Sul.
Figura 5 Sistemas produtores da RMSP e suas áreas de cobertura: 1) Sistema Cantareira;
2) Sistema Alto Tietê; 3) Sistema Rio Claro; 4) Sistema Rio Grande; 5) Sistema
Guarapiranga; 6) Sistema Alto Cotia; 7) Sistema Baixo Cotia; 8) Sistema Ribeirão da
Estiva.
Figura 6 Índice de estado trófico (IET) na RMSP, referente ao ano de 2009.
Figura 7 Índice de qualidade da água bruta para fins de abastecimento público (IAP) na RMSP,
referente ao ano de 2009.
Figura 8 Índice de qualidade de água para a proteção da vida aquática (IVA), níveis relativos ao
ano de 2009.
Figura 9 Quantidade de produtos químicos utilizados (kg/1000 m³/s) para o tratamento de água
na RMSP entre 2001 e 2004.
Figura 10 Represa Guarapiranga inserida na RMSP (bacia do Alto Tietê - BAT): vista geral da
barragem e ocupação irregular às margens.
Figura 11 Histórico do processo de eutrofização e degradação ambiental na represa Guarapiranga.
Figura 12 Processos hidrológicos em microbacias hidrográficas com floresta.
Figura 13 Síntese dos processos hidrológicos predominantes na Mata Atlântica.
Figura 14 Mapa de vegetação natural da RBCV.
Figura 15 Riacho protegido por mata ciliar na região da RBCV.
Figura 16 Efeito do corte-raso de uma floresta no escoamento total (deflúvio) de uma microbacia
ao longo do tempo (A); hidrogramas de microbacias em uma mesma região, mas sob
diferentes usos do solo (B).
Figura 17 Coletor de água de transprecipitação instalado no interior de microbacia na Mata
Atlântica no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (PEFI).
Figura 18 Ciclagem biogeoquímica realizada pelas áreas alagadas; zona limnética ou água aberta:
área mais central de um ecossistema aquático.
Figura 19 Concentração de nitrogênio total dissolvido e nitrogênio total ao longo da várzea do rio
Parelheiros.
Figura 20 Modelos conceituais de circulação de água nos sistemas aquíferos: (A) Cristalino e (B)
Sedimentar.
Figura 21 Mapa hidrogeológico da bacia do Alto Tietê.
Figura 22 Rebaixamento do nível de água causada pelo bombeamento de um poço (A) e de dois
poços com interferência (B).
Figura 23 Mapa de vulnerabilidade à contaminação de aquíferos da BAT.
Figura 24 Aspecto geral de via interna do loteamento Cantinho do Céu (SP), antes e depois das
intervenções.
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 179
Figura 25 Margens do reservatório Billings no loteamento Cantinho do Céu (SP) após as inter-
venções de recuperação das áreas de proteção permanente (APP).
Figura 26 Margem do reservatório recuperada e área de lazer implantada no loteamento Can-
tinho do Céu (SP).
QUADROS
Quadro 1 O processo de eutrofização da represa Guarapiranga: 100 anos de informação.
Quadro 2 Processos hidrológicos na microbacia do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga,
São Paulo.
Quadro 3 Estudo de caso: Várzeas do sistema Guarapiranga como filtros de nutrientes.
Quadro 4 Estudo de caso: o loteamento Cantinho do Céu, em São Paulo, na bacia hidrográfica do
reservatório Billings.
TABELAS
Tabela 1 Disponibilidade e demanda hídrica na bacia do rio Tietê, na bacia da Baixada Santista
e no estado de São Paulo. Em destaque (negrito), as bacias inseridas ou que contribuem
para o balanço hídrico da RBCV: Alto Tietê (AT), Piracicaba / Capivari / Jundiaí (PCJ) e
Baixada Santista / Litoral Sul (BS).
Tabela 2 Disponibilidade hídrica por região, com destaque (negrito) para a bacia hidrográfica do
Alto Tietê.
Tabela 3 Disponibilidade hídrica dos sistemas produtores e produção da SABESP.
Tabela 4 Indicadores operacionais dos sistemas de abastecimento de água das sub-bacias
hidrográficas da bacia do Alto Tietê, ano base 2005.
Tabela 5 Quantidade (mg/L) de nitrogênio total dissolvido e de nitrogênio total retido ao longo
da várzea do rio Parelheiros.
Tabela 6 Potencial hídrico subterrâneo da bacia do Alto Tietê.
Tabela 7 Disponibilidade hídrica subterrânea para as sub-bacias da BAT.
Tabela 8 Índices de vulnerabilidade à contaminação das unidades hidrogeológicas da BAT.
Tabela 9 Carga de contaminação potencial às águas subterrâneas nas sub-bacias da BAT.
SIGLAS
ANA Agência Nacional de Águas
APP Área de Preservação Permanente
APRM Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais
BAT Bacia Hidrográfica do Alto Tietê
Br Bromo
CBH Comitê de bacia hidrográfica
CEPAS Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (Instituto de Geociências/USP)
CETESB Companhia Ambiental do Estado de São Paulo
CL Cloro
CH4 Metano
CO2 Dióxido de carbono
CVS Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde
DAEE Departamento de Águas e Energia Elétrica
180 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
RESUMO
média anual de 179 mil m³/s), o que corresponde profundas oscilações na oferta natural de água,
a aproximadamente 12% da água superfi- colocando em risco o equilíbrio dinâmico dos
cial do planeta (1,5 milhão m³/s) (ANA, 2009). ecossistemas, a produtividade agrícola e
Todavia, esse cenário de boa disponibilidade industrial e o próprio progresso humano. Isso
mascara importantes diferenças locais e regio- provoca graves consequências econômicas e
nais, subestimando situações críticas a muito sociais para as regiões que não implementarem
críticas em regiões de baixo regime pluviomé- ações efetivas de conservação do meio ambien-
trico ou de elevada densidade demográfica, te e de uso sustentável dos serviços proporcio-
como é o caso da região central da RBCV. nados pelos ecossistemas.
Na seção 2 será abordada a situação da Os serviços ecossistêmicos da água refe-
provisão de água nas bacias hidrográficas inte- rem-se a serviços de suporte, provisão e de
gralmente inseridas na RBCV (bacias hidro- regulação, que representam um papel funda-
gráficas do Alto Tietê e da Baixada Santista), mental para o ser humano e para a manuten-
e bacias hidrográficas parcialmente inseridas ção dos demais serviços proporcionados pelos
na RBCV, porém com implicações severas sobre ecossistemas da RBCV. A Figura 1 apresenta
esse serviço (bacia do Piracicaba / Capivari / uma aproximação a respeito desses serviços
Jundiaí); será dada ênfase à situação de provi- ecossistêmicos hídricos e sua relação com os
são de água superficial e subterrânea na bacia componentes do bem-estar humano.
do Alto Tietê (BAT), por ser uma das principais Os processos de antropização do territó-
bacias que compõem a RBCV, mas principal- rio desenvolvem-se no tempo, gerando distin-
mente por ser emblemática no que se refere à tos estágios de dominação e de inter-relação
segurança hídrica. Na sequência, será apresen- sociedade-natureza, tendo como pressuposto
tado o serviço de regulação de água superficial, que toda e qualquer ação do ser humano produz
com destaque para a relação entre água e flo- impactos no ambiente. Esses impactos alteram
resta. A seção 4 enfatiza a situação de provisão significativamente a quantidade e a qualida-
da água subterrânea na BAT, uma das princi- de dos serviços de provisão, de regulação e de
pais bacias que compõem a RBCV, enquanto a suporte relacionados à água. É nesse comple-
seção 5 discute a relação entre mudanças glo- xo cenário que se insere a RBCV, localizada na
bais e serviços de provisão de água. Conside- divisão hidrográfica Paraná que, em termos da
rando a relevância das áreas de mananciais relação demanda / disponibilidade hídrica, é
para a segurança hídrica na RMSP, a seção 6 classificada como confortável, segundo o Plano
apresenta a política de proteção e recuperação Nacional de Recursos Hídricos do Ministério
dos mananciais Guarapiranga e Billings. do Meio Ambiente (MMA, 2006). Todavia, par-
Por fim, a seção 7 aborda a intrínseca rela- ticularmente na bacia do Alto Tietê (BAT), loca-
ção entre os serviços dos ecossistemas relacio- liza-se um dos maiores aglomerados urbanos
nados a provisão de água, regulação de água e do mundo, a RMSP, com mais de 21,73 milhões
assimilação de efluentes e as diversas dimen- de habitantes, o que representa 85,7% da popu-
sões do bem-estar humano. lação encerrada pela RBCV, estimada em 25,36
2 | ÁGUAS SUPERFICIAIS
milhões de habitantes (IBGE, 2019) (Figura 2).
SERVIÇOS DE PROVISÃO
te, quatro bacias hidrográficas delimitadas por
cadeias de montanha. O Tietê é separado das
duas bacias do litoral (Iguape e Baixada San-
No desenvolvimento da humanidade, a tista) pela Serra do Mar, que faz com que suas
água sempre constituiu elemento vital cuja águas corram para o interior, atravessando
evidência se encontra na própria análise his- o estado até encontrar o rio Paraná. A do rio
tórica: As principais civilizações que tiveram Paraíba do Sul corre entre as serras do Mar e
maior desenvolvimento floresceram em locais da Mantiqueira, desembocando no Atlântico, no
com disponibilidade abundante de água. Toda- estado do Rio de Janeiro. Sua área de drenagem é
via, essas mesmas ações antrópicas provocam isolada do Tietê por uma área de relevo ondulado.
184 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 1 |
A água no contexto
dos serviços
ecossistêmicos e
sua relação com o
bem-estar humano.
Fonte: Adaptado de
Victor et al.
(2018: p. 46).
Figura 2 |
Disponibilidade
hídrica (m 3/hab . ano)
nas sub-bacias
paulistas.
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em São Paulo (2013).
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 185
A gestão dos recursos hídricos no estado é população. Devido à sua relevância, a BAT é tra-
feita pelo Sistema Integrado de Gerenciamento tada com maior detalhe neste estudo.
Figura 3 |
Mapa de hidrografia
da RBCV, com a
delimitação das
Unidades de
Gerenciamento dos
Recursos Hídricos
(UGRHI).
Fonte: Barradas
(2020).
186 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
(sentido montante-jusante) são os rios Paraitin- e 8,6%, respectivamente (FUSP, 2009). A vege-
ga, Baquirivu-Guaçu, Cabuçu de Cima e Juqueri tação natural cobre ao redor de 30,5% do terri-
e, da margem esquerda, os rios Claro, Biritiba- tório (1.764 km²), com remanescentes de Mata
-Mirim, Jundiaí, Taiaçupeba-Açu, Aricanduva, Atlântica que ocorrem de forma contínua nas
Tamanduateí, Pinheiros, Cotia e São João do porções sul, sudeste, centro-norte e sudoeste e,
Barueri. Divide-se em seis sub-bacias hidro- de forma fragmentada, em toda a bacia. A região
gráficas Tietê-Cabeceiras (área de drenagem: abriga inúmeras unidades de conservação e cin-
1.859,2 km²), Juqueri-Cantareira (848,7 km²), co regiões de mananciais (Juqueri-Cantareira,
Billings-Tamanduateí (824 km²), Cotia-Guarapi- Alto Tietê-Cantareira, Cotia-Guarapiranga,
ranga (858 km²), Penha-Pinheiros (852,7 km²) e Pinheiros-Pirapora, Billings-Tamanduateí) que,
Pinheiros-Pirapora (531,9 km²) (FABHAT, 2018). presentemente, fazem parte do SIGRH. Essas
A referida bacia compreende 34 municí- regiões estão organizadas em subcomitês, que
pios, e seu território é quase coincidente com o têm atribuições consultivas no que se refere às
da RMSP. Dentre os municípios metropolitanos, decisões tomadas pelo comitê da BAT (SÃO PAU-
não integram a BAT apenas os de Guararema, LO, 2009a; FABHAT, 2018).
Disponibilidade (m2/s)
Vazão Reservas Disponi- Demanda Demanda /
UGRHIs / mínima exploráveis bilidade total disponibili- Classificação1
regiões superficial de água total (m2/s) dade (%)
subterrânea Tabela 1 I
Disponibilidade e
AT 20,0 19,1 39,1 81,93 209,53 Muito crítica demanda hídrica na
bacia do rio Tietê,
PCJ 43,0 24,0 67,0 52,58 78,48 Muito crítica
na bacia da Baixada
SMT 22,0 7,8 29,8 19,29 64,74 Muito crítica Santista e no estado
de São Paulo. Em
TJ 40,0 12,9 52,9 34,01 64,30 Muito crítica
destaque (negrito), as
TB 31,0 10,0 41,0 13,63 33,25 crítica bacias inseridas ou
que contribuem para
BT 27,0 12,2 39,2 11,60 29,58 crítica o balanço hídrico da
Bacia do Rio Tietê 183,0 86,0 269,0 213,05 79,20 Muito crítica RBCV: Alto Tietê (AT),
Piracicaba / Capivari /
BS 38,0 15,0 53,0 24,46 46,16 Muito crítica Jundiaí (PCJ) e Baixada
Santista / Litoral Sul
Estado/SP 893,0 336,1 1229,1 462,83 37,66 crítica
(BS). Fonte: SÃO PAULO
Nota: 1 Critério de severidade adotado pela “European Environmental Agency”, ONU e pela Agência Nacional de Águas (2009) para vazões (2009a).
médias, em função do percentual entre demanda e disponibilidade: até 5% (excelente), de 5% a 10% (confortável), de 10 a 20% (preocupan-
te), de 20 a 40% (crítica) e acima de 40% (muito crítica).
Figura 4 |
Disponibilidade hídrica
(vazão mínima
superficial, Q7,10) e
demanda de água nas
unidades hidrográficas
inseridas ou que
contribuem para o
balanço hídrico da
RBCV: Alto Tietê,
Piracicaba /Capivari /
Jundiaí (PCJ) e Baixada
Santista/Litoral Sul.
Fonte: São Paulo (2009).
períodos de desabastecimento em vários muni- mesmo mais crítico do que, por exemplo, o estado
cípios (MORETTI; GONTIJO JR, 2005). de Pernambuco, situado no Nordeste (Tabela 2).
A disponibilidade hídrica de apenas 200 Tal situação faz com que, na BAT, a relação entre
m³/hab.ano na BAT está muito aquém do índice a demanda e a disponibilidade seja bem superior
crítico, segundo a Organização Mundial da Saú- a 40%, o que classifica a situação como muito crí-
de (OMS), que é de 1.500 m³/hab.ano. Está, con- tica nesta bacia, conforme dados apresentados
sequentemente, em um cenário muito crítico, até na Tabela 2. Tal nível de disponibilidade hídrica
Região Disponibilidade hídrica Classificação da ONU
(m3/hab.ano) (m3/ hab.ano)
Brasil 35.000 Abundante
(> 20.000) Tabela 2 |
Disponibilidade hídrica
Estado de São Paulo 2.209 Pobre por região, com
(entre 1.500 e 2.500) destaque (negrito) para
a bacia hidrográfica do
Estado de Pernambuco 1.270 Crítica
Alto Tietê.
Bacia do Piracicaba 408 (< 1.500)
Fonte: Modificado de
Bacia do Alto Tietê1 200
FECOMERCIO (2010).
Nota: 1 A disponibilidade hídrica da BAT é apresentada em valores diversos em função das diferentes fontes consultadas.
188 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
é classificado como de escassez de água (< 1.000 a estes, em menor escala, outros usos (7%) e irri-
m³/hab.ano) (UNDP, 2006). Essa situação exige gação (1,46%) (SÃO PAULO, 2009a; FUSP, 2009).
Produção Vazão
Sistemas da SABESP garantida População Municípios /
produtores (m3/s)2 com 95% (milhões)2 Regiões Atendidas2
(m3/s)1
Cantareira 33,0 31,3 8,1 Zonas Norte, Central e partes das
zonas Leste e Oeste da capital, bem
como os municípios de Franco da
Rocha, Francisco Morato, Caieiras,
Osasco, Carapicuíba e São Caetano
do Sul e parte dos municípios de
Guarulhos, Barueri, Taboão da
Serra e Santo André
Guarapiranga 14,0 16,0 3,7 Zonas Sul e Sudoeste da capital
Alto Tietê 10,0 15,6 3,1 Zona Leste da capital e os municípios
de Arujá, Itaquaquecetuba, Poá,
Ferraz de Vasconcelos, Suzano, Mauá,
Mogi das Cruzes e parte de Santo
André e de Guarulhos
Rio Grande 5,0 4,8 1,2 Diadema, São Bernardo do Campo
e parte de Santo André
Rio Claro 4,0 4,0 1,5 Bairro de Sapopemba na Capital, e
parte dos municípios de Ribeirão Pires,
Mauá e Santo André.
Alto Cotia 1,2 1,1 0,409 Cotia, Embu, Itapecerica da Serra,
Tabela 3 I Embu-Guaçu e Vargem Grande
Disponibilidade
Baixo Cotia 0,9 0,8 0,361 Barueri, Jandira e Itapevi
hídrica dos sistemas
produtores e Ribeirão
produção da SABESP. da Estiva 0,1 0,1 0,038 Rio Grande da Serra
Fonte: 1 FABHAT (2011);
2
SABESP (2013). Total 68,2 73,7 18,408
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 189
Figura 5 I
Sistemas produtores da
RMSP e suas áreas de
cobertura (em azul).
1) Sistema Cantareira;
2) Sistema Alto Tietê;
3) Sistema Rio Claro;
4) Sistema Rio
Grande; 5) Sistema
Guarapiranga; 6)
Sistema Alto Cotia;
7) Sistema Baixo Cotia;
8) Sistema Ribeirão da
Estiva.
Fonte: Google Earth
(2020); Adaptado de
Fernandes (2010).
destacar que os sistemas produtores já são insu- O sistema Cantareira é integrado por um
ficientes para atender a demanda atual, estima- conjunto de represas localizadas na bacia do
da em 79 m³/s. rio Piracicaba e na bacia do Alto Tietê (repre-
A Tabela 3 apresenta a disponibilidade sas Jaguari-Jacareí, Cachoeira, Atibainha, Paiva
hídrica dos sistemas produtores da RMSP e a Castro e Barragem Cascatinha), conectadas por
produção da SABESP. Os valores de vazão refe- túneis e canais de interligação, que variam de
rem-se à vazão mínima garantida em 95% do 670 m a 9,9 km de extensão. Esse sistema con-
tempo (Q7,10). tribui com aproximadamente 50% do volume
O sistema Cantareira é considerado um dos de água para o abastecimento da RMSP, aten-
maiores produtores de água do mundo e o maior dendo a cerca de 8,8 milhões de pessoas, que
da RMSP. Esse sistema ocupa área de aproxi- correspondem a 46% da população dessa área.
madamente 228 mil ha, abrange 12 municípios, Ressalte-se a severa crise hídrica sem prece-
quatro dos quais situados no estado de Minas dentes deste sistema durante o período atípico
Gerais. Capta água dos rios Jaguari, Jacareí, de estiagem em 2013/2014, que apresentou que-
Cachoeira, Atibainha e Juqueri, com produção de da de 56% na produção de água – de 33 m³/s no
33 m³/s. Desses, 31 mil litros são produzidos na início da crise para 14 m³/s em março de 2015,
bacia do rio Piracicaba, sendo que os reservató- com severo comprometimento do abastecimen-
rios Jaguari-Jacareí, cujas bacias estão inseridas to da metrópole (SABESP, 2015). Além das zonas
majoritariamente no estado de Minas Gerais, são Norte, Central, Oeste e parte da zona Leste da
responsáveis pela produção de 22 m³/s. Apenas capital, este sistema também abastece, total ou
2 mil litros são produzidos na bacia do Alto Tie- parcialmente, 10 municípios (Franco da Rocha,
tê pelo Rio Juqueri (WHATELY; CUNHA, 2007). Francisco Morato, Caieiras, Osasco, Carapicu-
Assim, as principais nascentes das bacias hidro- íba, São Caetano do Sul e parte dos municípios
gráficas formadoras dos reservatórios Jaguari- de Guarulhos, Barueri, Taboão da Serra e Santo
-Jacareí e Cachoeira estão situadas na região sul André) (SABESP, 2013).
do estado de Minas Gerais. Adicionalmente, as O sistema Guarapiranga é o segundo maior
águas do reservatório Atibainha, oriundas da produtor de água, atendendo a cerca de 20% da
bacia hidrográfica do rio Piracicaba, são reverti- população da RMSP. Suas águas provêm da
das para bacia do Alto Tietê. reversão das cabeceiras do rio Capivari
190 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
para municípios) sobre a cobertura do sistema Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Suzano, Embu
de distribuição de água e os consumos médios das Artes, Caieiras, Francisco Morato, Franco da
por economia e per capita. Tais informações Rocha, Mauá, Itapevi e Jandira). Em contraste, os
foram obtidas a partir da consulta ao Sistema maiores consumos médios são registrados em
Nacional de Informações sobre Saneamento São Caetano do Sul e Santana de Parnaíba, com
(SNIS) relativas a 2005 (FUSP, 2009). valores que atingem de 254 L/hab.dia e 212 L/
Ao considerar o acesso à rede de água, hab.dia, respectivamente (FUSP, 2009).
2005). Essas substâncias vêm sendo apontadas relação ao total coletado e 38,7% de tratamen-
como potenciais causadoras de interferências to do total gerado. Como consequência, a car-
endócrinas no organismo de animais e seres ga orgânica lançada diariamente nos corpos
humanos, podendo ser bioacumuladas no teci- d’água da bacia do Tietê como um todo equivale
do de organismos vivos e biomagnificadas na a 1,36 milhões kg DBO/dia (demanda bioquí-
cadeia trófica. A grande preocupação associa- mica de oxigênio por dia), sendo que somente
da com a exposição a interferentes endócri- a BAT e a PCJ contribuem com o percentual de
nos deve-se aos efeitos potenciais adversos na 72,8% e 18,5%, respectivamente.
reprodução e no desenvolvimento de animais e Ao detalhar mais as informações para
seres humanos, visto que tais substâncias têm a BAT, com base em dados populacionais dos
mostrado interferir na sinalização endócrina municípios e nos indicadores operacionais do
em estudos com animais in vivo e in vitro (GHI- SNIS de 2005, a FUSP (2009) realizou um diag-
SELLI; JARDIM, 2007). Apesar da gravidade nóstico do volume de esgoto urbano coletado
desses contaminantes, muito pouco ou quase e tratado para cada município, agrupados por
nada se conhece sobre sua ocorrência nos ecos- sub-bacias hidrográficas. Verifica-se grande
sistemas aquáticos, incluindo as represas de heterogeneidade nos índices de atendimento
abastecimento no país como um todo. urbano de esgoto por municípios. Os de Santo
A BAT, em particular, por apresentar a André e São Caetano do Sul são os únicos que
maior população do estado, recebe grande apresentam índices de 100% de atendimento de
impacto sobre seus corpos d’água em função esgoto, ao passo que os municípios de Itapeceri-
do lançamento de efluentes urbanos e indus- ca da Serra e Arujá são aqueles com os menores
triais, agravado pela tendência da periferização índices de atendimento (4% e 16%, respectiva-
das populações em áreas de mananciais e des- mente). Ainda, 41% dos municípios não dispõem
providas de saneamento, como nos distritos de de qualquer sistema de tratamento, com lança-
mananciais ao Sul, a Norte e a Leste, nas cabe- mento direto de seus efluentes nos cursos d’água
ceiras da bacia (SÃO PAULO, 2009a; FUSP, 2009). (SÃO PAULO, 2009a). Apesar do município de São
Conforme relatório da Secretaria de Paulo apresentar índice relativamente mais ele-
Infraestrutura e Meio Ambiente (SÃO PAULO, vado de atendimento urbano de esgotos (88%)
2009a), das seis UGRHI que compõem a bacia e um índice de tratamento de esgoto de 57%
do rio Tietê, a do Alto Tietê (BAT - UGRHI 6) e dentre os mais altos nos municípios da BAT, o
a do PCJ (UGRHI 5) são as duas maiores gera- volume produzido pela população não atendida
doras de esgotos na região do estado e as que (1,3 milhão de habitantes) é correspondente a
contam com os melhores percentuais de cole- 65.427 milhões de m3/ano. Como consequência,
ta (85% e 84%, respectivamente). Todavia, são a sub-bacia Penha-Pinheiros é aquela que apre-
também as que recebem menos tratamento de senta o maior índice de atendimento urbano
esgoto (43% e 41% do total coletado, respecti- de esgotos dentre as demais sub-bacias da BAT
vamente), percentual que decresce ainda mais (87%), o maior índice de tratamento de esgoto
quando se considera a quantidade de esgoto (53,9%) e, mesmo assim, a população urbana
tratado em relação ao total gerado (< 35%). não atendida pela coleta de esgotos corresponde
A situação da outra bacia inteiramente cir- a 1,5 milhão de habitantes, superior à população
cunscrita na RBCV, a bacia da Baixada Santis- total da cidade de Montevidéu, por exemplo. Se
ta, também é pouco confortável, uma vez que for considerada toda a BAT, a população urbana
apresenta um dos piores percentuais de coleta não atendida por esgotos domésticos correspon-
de esgoto no estado de São Paulo (60%) apesar de a 4 milhões de habitantes, superior à popu-
do tratamento do esgoto coletado (60%) ficar lação total de algumas capitais mundiais, como
acima da média estadual. Todavia, quando se Madrid, Berlim e Buenos Aires.
considera o percentual tratado em relação ao Tal situação é claramente refletida em
total gerado (36%), o valor fica próximo dos diferentes índices de qualidade de água. Consi-
observados para a BAT. Para fins comparati- derando o índice de estado trófico anual (IET),
vos, os percentuais para o estado de São Pau- que avalia a qualidade da água quanto ao enri-
lo são: 86% de coleta, 43% de tratamento em quecimento por nutrientes, o monitoramento
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 193
Figura 6 |
Índice de estado trófico
(IET) na RMSP, referente
ao ano de 2009.
Fonte: CETESB (2010).
194 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 7 |
Índice de qualidade
da água bruta
para fins de
abastecimento
público (IAP) na
RMSP, referente
ao ano de 2009.
Fonte: CETESB (2010).
sendo que as águas captadas no rio Tietê para cujo cálculo é baseado nas variáveis essen-
Mogi das Cruzes (TIET 02090), na represa ciais para os organismos que vivem no meio
Taiaçupeba (PEBA 00900) e na represa Cacho- aquático, como oxigênio dissolvido, toxicidade
eira das Graças, para a captação do Alto Cotia e estado trófico. Das águas coletadas nos pon-
foram classificadas como ruins. Já a água cap- tos monitorados pela CETESB em 2009, 13%
tada no ribeirão dos Cristais para a ETA de foram classificadas como péssimas, 37% foram
Cajamar, bem como as águas captadas nas classificadas como ruins, 37% como regula-
represas Guarapiranga (braço Rio Grande) e res, 10% como boas e apenas 3% como ótimas.
Jundiaí foram classificadas como regulares. Assim, deste total, 50% das águas monitoradas
Por outro lado, as águas captadas nos reser- foram classificadas como péssimas ou ruins.
vatórios de Tanque Grande para a ETA de Gua- As águas classificadas como péssimas foram
rulhos; Paiva Castro, do sistema Cantareira; e aquelas amostradas no ribeirão Pires (PIRE
no braço Taquacetuba, para a represa Guara- 02900), no rio Baquirivu-Guaçu (municípios
piranga, foram classificadas como boas. de Guarulhos e Arujá), no rio Juqueri (muni-
Conforme CETESB (2017), o IAP não cípio de Cajamar) e no ribeirão das Pedras,
apresentou uma tendência definida ao longo próximo a Itapevi. As classificadas como ruins
dos últimos seis anos, mantendo-se em torno foram as águas da represa Billings, com exce-
de 80% dos pontos nas categorias ótima, boa ção do braço rio Grande e do braço Taquacetu-
e regular. Os resultados de 2017 indicaram o ba, bem como da porção montante da represa
papel negativo da carga difusa na qualidade da Guarapiranga, incluindo o braço Embu-Mirim,
água para o abastecimento público, refletido do baixo rio Cotia e do rio Taiaçupeba-Mirim.
pelos valores elevados do potencial de forma- Classificadas como regulares foram as águas
ção dos trihalometanos na estação chuvosa e das represas Pedro Beicht e Cachoeira das Gra-
pelo número de células de cianobactérias, prin- ças (sistema Alto Cotia), bem como a porção
cipalmente em reservatórios. jusante da represa Guarapiranga, os braços rio
A situação agrava-se mais quando se Grande e Taquacetuba, da represa Billings, a
considera o Índice de Qualidade de Água para represa Paiva Castro e as represas Taiaçupeba
a Proteção da Vida Aquática – IVA (Figura 8), e Jundiaí.
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 195
Figura 8 |
Índice de qualidade de
água para a proteção
da vida aquática (IVA),
RMSP. Níveis relativos
ao ano de 2009.
Fonte: CETESB (2010).
Em 2017 para o estado de São Paulo, man- dos corpos d’água, uma vez que leva à grande
teve-se a mesma classificação de 2016, com 80% simplificação estrutural da comunidade aquá-
dos pontos classificados nas categorias ótima, tica, ao aumento da produtividade primária
boa e regular. As principais variáveis que afeta- do ecossistema, ao crescimento não controlado
ram negativamente o IVA foram o grau de trofia, de macrófitas aquáticas flutuantes e à floração
seguido das baixas concentrações de oxigênio de cianobactérias, algumas das quais tóxicas,
dissolvido e dos efeitos tóxicos, que represen- com a produção de cianotoxinas (substâncias
tam 88% dos fatores que resultaram em clas- tóxicas produzidas pelas cianobactérias). Tais
sificações ruim e péssima para o IVA. Particu- metabólitos atuam nos mamíferos em diferentes
larmente na UGRHI 6, ocorreram pontos com níveis, afetando o fígado, as sinapses nervosas, o
classificação super e hipereutrófico, resultantes trato gastrointestinal podendo, inclusive, levar à
tanto de intensa urbanização, como de lança- morte. Dessa forma, a degradação dos ecossiste-
mentos industriais e de fontes difusas da ativi- mas aquáticos tem se tornado um problema bas-
dade agrícola (CETESB, 2017). tante sério nas águas de abastecimento, com ele-
Esse panorama é extremamente preo- vação significativa do custo de seu tratamento,
cupante em se tratando dos recursos hídricos bem como para conservação da biodiversidade
superficiais da BAT, dado o elevado volume de aquática e dos serviços ecossistêmicos providos
esgotos não coletados produzido, sobretudo por esses ecossistemas. É importante destacar
nas bacias das represas localizadas na mancha que o processo da eutrofização ocorre mais rapi-
urbana da RMSP, como Guarapiranga, Billings, damente em regiões tropicais e que as águas com
Taiaçupeba, entre outras, que vêm sofrendo um temperaturas mais elevadas são mais propícias
processo de eutrofização contínuo e acelerado. para o aparecimento e a manutenção de floração
Como reportado em nível mundial, os efei- de cianobactérias, como demonstrado no estudo
tos da eutrofização são multifacetados, abran- de caso realizado em represa urbana situada na
gendo impactos ambientais, econômicos, sociais RBCV (BICUDO et al., 2007).
e riscos para saúde pública. Um dos impactos Cabe ainda considerar que as represas
bem documentado é sobre a qualidade ecológica mais comprometidas têm apresentado inúmeras
196 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 9 |
Quantidade de
produtos químicos
utilizados (kg/1000
m3/s) para o
tratamento de água
na RMSP entre 2001
e 2004.
Fonte: Reis (2004)
apud Mancini (2008).
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 197
A represa de Guarapiranga (Figura 10) é um começa, em 1928, a ser utilizada como principal
reservatório emblemático na RMSP. É um dos fonte de água para abastecimento público do
mais importantes sistemas de abastecimento município de São Paulo. Nas décadas 1960/70,
público de água da região uma vez que contri- a cidade aproximou-se perigosamente deste
bui com 20% de sua produção total. Os cenários manancial, com um crescimento explosivo em Quadro 1 |
históricos de suas alterações ambientais refle- suas margens. O ano de 1970 marca os primei- O processo de
tem as transformações multifacetadas causa- ros sintomas de sua degradação ambiental e o eutrofização da represa
das pela urbanização não planejada desprovida início do monitoramento regular pela CETESB. Guarapiranga: 100 anos
de infraestrutura e saneamento adequado de A partir da década de 1970 ocorreu acelerada de informação.
sua bacia de drenagem. Construída no perío- ocupação urbana informal, com loteamentos
do de 1906 a 1909 com a finalidade de produzir empilhados, sem infraestrutura adequada de
energia elétrica e regularizar a vazão do rio Tietê saneamento ambiental.
Figura 10 |
Represa Guarapiranga
inserida na RMSP (bacia
do Alto Tietê - BAT):
vista geral da barragem
e ocupação irregular às
margens.
Fonte: ECODEBATE (2019).
A pesquisa tem seus alicerces na foram utilizados para inferir sobre a eutrofiza-
Paleolimnologia, uma ciência que permite o ção e a degradação ambiental.
resgate da trajetória passada do ecossistema Este estudo de caso demonstra que a eutrofização
a partir dos sedimentos depositados no fundo é um problema multifacetado que traz consequên-
da represa em camadas sucessivas ao longo do cias em curto, médio e longo prazos, as quais são
tempo e permite resgatar informações anterio- até mesmo imprevisíveis nos contextos econômico,
res ao impacto antropogênico. Diferentes mar- ambiental e de saúde pública (Figura 11). Será um
cadores ambientais (diatomáceas, geoquímicos caminho sem volta?
e isótopos) e análise do uso e ocupação do solo
Figura 11 |
Histórico do processo
de eutrofização e
degradação ambiental
na represa
Guarapiranga.
Fonte: Fontana et al.
(2014); Araújo (2017);
Bicudo; Bicudo (2017).
198 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
3 | SERVIÇO DE REGULAÇÃO
DA ÁGUA SUPERFICIAL
O piso florestal, por apresentar grande rugosi-
dade, impede o escoamento direto da água para
Figura 12 |
Processos
hidrológicos em
microbacias
hidrográficas
com floresta.
Fonte: Arcova;
Cicco (2005).
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 199
Figura 13 |
Síntese dos processos
hidrológicos
predominantes na
Mata Atlântica.
Fonte: Cicco (2009).
200 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 14 |
Mapa de vegetação
natural da RBCV.
Fonte: Ivanauskas
et al (2020).
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 201
Figura 15 |
Riacho protegido
por mata ciliar na
região da RBCV.
Fonte: Cicco (2009).
A presença de mata ciliar contribui para parte da radiação solar que, na ausência des-
o bom funcionamento dos processos hidroló- tas, chegaria diretamente nos pequenos cur-
gicos da zona ripária, notadamente os rela- sos d’água. Assim, nos rios protegidos por
cionados com os fluxos rápidos de água da mata ciliar, onde as temperaturas da água são
microbacia hidrográfica, ou seja, o escoamen- minimizadas, as concentrações de oxigênio
to superficial e o subsuperficial. A mata ciliar dissolvido tendem a ser mais elevadas, isso
ainda influencia de modo positivo a qualidade porque a relação entre ambas é inversamen-
da água dos rios, ao atuar como filtro, agen- te proporcional (ARCOVA, 2006). Os níveis de
te de transformação e fonte de substâncias oxigênio dissolvido indicam a capacidade de
do ambiente que acompanha o curso d’água. um dado corpo d’água manter a vida aquática.
A mesma é especificamente útil no tratamen-
pela floresta
les gerados de forma difusa na microbacia
(TIMS, 1994). Também atua diretamente na
redução da sedimentação da água por meio
da estabilização das margens dos rios, agin- Como foi visto anteriormente, a presença
do na retenção das partículas de solo oriun- da floresta é muito importante no ciclo hidro-
das das porções mais elevadas da microbacia lógico, visto que copas e sistemas radiculares
hidrográfica. O controle de nutrientes ocorre das árvores interferem no escoamento total de
por meio de mecanismos relacionados com o água de uma microbacia hidrográfica. Assim, a
escoamento superficial e subsuperficial da evaporação de água da chuva pelo processo de
água. Adicionalmente, a vegetação ciliar age interceptação é maior em florestas do que em
na atenuação das condições microclimáti- culturas agrícolas e pastagens (DREW, 1986),
cas, reduzindo os extremos de temperatura de forma que a mudança no uso do solo influi
da água. As copas das árvores interceptam no volume de água que chega ao curso d’água.
202 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 16 |
Efeito do corte-raso
de uma floresta no
escoamento total
(deflúvio) de uma
microbacia ao longo
do tempo (A);
hidrogramas de
microbacias em uma
mesma região, mas
sob diferentes
usos do solo (B).
Fonte: Adaptado
de Drew (1986).
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 203
a microbacia com agricultura reage pronta- lado, a presença da floresta concorre para o
mente à precipitação pluvial, gerando mais consumo (maior evapotranspiração) da água
escoamento superficial, que é o fluxo d’água da microbacia e, portanto, reduz sua disponi-
responsável pela erosão dos solos e pelas bilidade nos períodos secos. Por outro lado,
inundações. O oposto ocorre na bacia com entretanto, sua presença favorece a infil-
floresta natural, onde o escoamento aumenta tração, levando à maior recarga de água no
lentamente após a chuva, com o valor máxi- solo e ao aumento do deflúvio. Resultados de
mo em nível muito inferior. A microbacia par- vários estudos experimentais indicam tanto
cialmente regenerada após o desmatamento o aumento quanto o decréscimo do deflúvio
apresenta uma forma intermediária entre os no período seco e concluem que essa variação
dois extremos. depende do solo, da topografia, da precipi-
Os impactos da floresta sobre o deflú- tação e de outros fatores específicos de cada
vio em períodos secos são complexos. Por um local (CALDER, 2002).
A redistribuição das chuvas pelas copas das com as copas das árvores. A interceptação da
árvores e os processos de transprecipitação e água foi estimada pela equação:
interceptação foram avaliados em uma micro-
[Interceptação = Precipitação acima das copas –
bacia coberta com Mata Atlântica, situada no
(Transprecipitação + Escoamento pelo tronco)],
Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (PEFI). A
área onde o experimento foi realizado está total- O escoamento foi desconsiderado nos cál-
mente inserida no maior centro urbano do país, culos, uma vez que outros estudos realizados
a cidade de São Paulo e os resultados obtidos em ambiente de Mata Atlântica avaliaram uma
podem ser vistos como um bom exemplo dos contribuição não significativa para este fluxo
processos hidrológicos que devem ocorrer nas de água (ARCOVA et al., 2003).
áreas protegidas da RBCV. Verificou-se que, em média, 22% do volume
O estudo realizado por Cicco (2009) com- de água das chuvas são interceptados pela vege-
preendeu a medição da água de chuva sob as tação de Mata Atlântica e retornam à atmosfera
copas das árvores (transprecipitação) em 36 na forma de vapor sem, ao menos, alcançar o
pontos no interior da microbacia, durante o solo. A influência da sazonalidade foi clara, de
período de dois anos e meio. Para tanto, foram forma que, no período seco, a interceptação foi
usados coletores de chuva constituídos de funil de 29% e, na estação das chuvas, de 22%. Um
de polietileno acoplados a galões do mesmo montante de 78% chegou ao piso florestal como
material, com capacidade de armazenamento transprecipitação, sendo esta a água que esta-
de cinco litros (Figura 17). Um pluviômetro foi rá disponível para os processos hidrológicos que
utilizado em área descoberta da microbacia ocorrem no interior do solo, dentre eles, os que
para quantificar as chuvas antes da interação alimentam os cursos d’água da microbacia.
Quadro 2 |
Processos
hidrológicos na
microbacia do Parque
Estadual das Fontes
do Ipiranga,
São Paulo.
Figura 17 |
Coletor de água de
transprecipitação
instalado no interior
de microbacia na
Mata Atlântica no
Parque Estadual das
Fontes do Ipiranga
(PEFI).
Fonte: Cicco (2009).
204 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 18 |
Ciclagem
biogeoquímica
realizada pelas
áreas alagadas;
zona limnética ou
água aberta: área
mais central de um
ecossistema
aquático.
Fonte: Jorgensen
(2007).
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 205
Um dos serviços naturais de grande relevân- jusante da várzea, próxima à foz na represa Gua-
cia exercido pelas áreas alagadas e várzeas é o rapiranga, os valores foram correspondentes a
processo de purificação das águas de rios e cór- 1,46 mg/L de nitrogênio total dissolvido e de 1,60
regos eutrofizados que afluem para as represas mg/L de nitrogênio total (Tabela 5). Ao considerar
de abastecimento. Essa situação é muito comum que as diferenças entre esses valores correspon-
em represas cujas bacias estão densamente dem à quantidade de nitrogênio retida pela vár- Quadro 3 |
Estudo de caso:
ocupadas, como no caso do sistema Guarapi- zea, a capacidade de retenção de nitrogênio total
Várzeas do sistema
ranga de abastecimento. Os esgotos domésticos dissolvido obtida foi correspondente a 54%, sendo
Guarapiranga como
produzidos em ocupações irregulares no entorno que a capacidade de retenção de nitrogênio total filtros de nutrientes.
das represas Guarapiranga e Billings são, em foi correspondente a 50%. Portanto, a várzea do
grande parte, lançados nos cursos de água que rio Parelheiros retém, aproximadamente, a meta-
aportam cargas significativas de matéria orgâ- de do nitrogênio proveniente tanto do rio Parelhei-
nica, nutrientes e outros contaminantes nessas ros quanto da água transposta do braço Taqua-
represas, trazendo consequências negativas cetuba, que afluem para a represa Guarapiranga.
como florações de cianobactérias potencialmen- Em um estudo semelhante realizado por Andra-
te tóxicas, crescimento excessivo de macrófitas de (2005) verificou-se que a várzea do rio Pare-
aquáticas, mortandade de peixes, entre outros lheiros possui, também, a capacidade de reten-
impactos. Por outro lado, as áreas alagadas e ção de DBO (21%), cianobactérias (61%) e micro-
várzeas nesses sistemas retêm grande parte das cistinas (75%) provenientes do braço Taquacetuba
cargas, agindo como filtros naturais. da represa Billings, resultados esses que reforçam
Em estudo realizado em 2004 na várzea do a importância dessa várzea na redução das car-
rio Parelheiros, um importante tributário da repre- gas de contaminantes na represa Guarapiranga.
sa Guarapiranga, Abe et al. (2006) verificaram Caso fosse realizada a transposição tradi-
nítida diminuição do teor de nitrogênio da mon- cional das águas do braço Taquacetuba para a
tante para a jusante da várzea (Figura 19). O rio represa Guarapiranga, sem a utilização da vár-
Parelheiros recebe cargas muito elevadas de zea do rio Parelheiros, certamente as cargas de
esgotos domésticos sem tratamento da região de nitrogênio e de toxinas provenientes das flora-
Parelheiros, com cerca de 202 mil habitantes, e ções de cianobactérias que ocorrem no braço
antes de desaguar na represa Guarapiranga, for- Taquacetuba seriam, pelo menos, 50% superio-
ma uma extensa várzea com área aproximada de res. A presença da várzea e seu funcionamento
992.000 m2. Na porção a montante, a várzea do minimizam, portanto, o processo de eutrofização
rio Parelheiros recebe as águas transpostas do da represa Guarapiranga.
braço Taquacetuba da repre-
sa Billings para regularização
da vazão da represa
Guarapiranga.
Na porção da várzea a
jusante da saída da água
transposta do braço Taqua-
cetuba, denominada Jacegua-
va no estudo, os autores obser- Figura 19 |
varam concentrações de nitro- Concentração de
nitrogênio total
gênio total dissolvido e de ni-
dissolvido e
trogênio total na água aci- nitrogênio total ao
ma da interface com o sedi- longo da várzea do
mento correspondentes a 3,14 rio Parelheiros
e 3,21 mg/L, respectivamente, Fonte: adaptado de
sendo que na porção a Abe et al. (2006).
4 | ÁGUAS SUBTERRÂNEAS NA
BACIA HIDROGRÁFICA DO
Os problemas antrópicos, advindos da fal-
ta de conhecimento das características físicas e
(SÃO PAULO, 1991). Como a maior parte dos usu- (onde está o poço) e às características construti-
ários privados de água subterrânea está conec- vas da própria captação. Já o segundo, às caracte-
tada à rede pública, abandono dos poços fará rísticas de recarga do aquífero, às interferências
com que eles migrem para esta, inviabilizando-a causadas pela alta densidade de poços existentes
e até colapsando-a. em uma mesma área e às funções ecológicas das
Figura 20 |
Modelos conceituais
de circulação de
água nos sistemas
aquíferos:
Cristalino (A); e
Sedimentar (B).
Fonte: Hirata;
Ferreira (2001).
208 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 21 |
Mapa hidrológico da
bacia do Alto Tietê.
Fontes: FUSP (2009).
Mapa: Emplasa
(2002). Mapa de
uso e ocupação
do solo. Hirata, R;
Silva, W. (1999).
Mapa das Unidades
Aquíferas da Bacia
Hidrográfica do Alto
Tietê.
LIG-IGC-USP.
Macedo, A.B.
(coord.) 1988.
Banco de dados
espaciais da Bacia
Hidrográfica do Alto
Tietê. São Paulo,
FEHIDRO-DAEE.
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 209
O SAF ocupa 75% da BAT, com águas que ingressa no aquífero, naturalmente ou artifi-
circulam por descontinuidades da rocha (fratu- cialmente, ao longo do tempo; b) às interferên-
ras e falhas), é de caráter livre, semilivre, algu- cias que os poços provocam no aquífero; c) à
mas vezes confinado pelos sedimentos sobre- manutenção dos fluxos de base em corpos de
postos, fortemente heterogêneo e anisotrópico. água superficial, sejam rios, lagos e reservató-
Apresenta vazão média de 11,7 m³/h por poços, rios; e d) à indução de água de baixa qualidade
embora se reconheçam produções diferencia- pela mudança das direções de fluxo devido ao
das, segundo o tipo de litologia (Tabela 6). bombeamento.
O SAS, embora recobrindo apenas 25% Uma explotação sustentável será uma
da área da bacia hidrográfica, é o mais inten- fração do volume que corresponde à recarga
samente explorado, é livre a semiconfinado e do aquífero. Extrações superiores a esse valor
bastante heterogêneo. No SAS foi possível iden- podem, a longo prazo, exaurir o aquífero. Mas,
tificar duas unidades de acordo com a geologia por um lado, mesmo quando as vazões totais
(Figura 21): aquelas associadas à Formação extraídas estão dentro desse limite em uma
São Paulo e à Formação Resende (Tabela 7). As dada bacia, a potencialidade do aquífero esta-
formações neocenozoicas, Tremembé e Itaqua- rá também associada à densidade de poços
quecetuba, e os sedimentos quaternários alu- existentes na área. Por outro lado, é importan-
vionares não definem unidades aquíferas devi- te ressaltar também que as recargas variam
do à sua pequena expressão em área. No SAS, a longo prazo, com a explotação e com as
as maiores produtividades estão associadas mudanças dos regimes hídricos e da ocupação
às áreas de maior espessura saturada e pre- do terreno, sobretudo quando se avizinham os
dominância da Formação Resende em relação problemas associados a mudanças climáticas.
à Formação São Paulo. As vazões médias por Qualquer extração de um poço cria um cone
poços nessas formações são de 11,6 e 8,6 m³/h, de rebaixamento, poços muito próximos farão
respectivamente. com que os cones individuais de cada poço se
O volume máximo que pode ser extraído sobreponham, criando rebaixamentos locali-
de um aquífero está intimamente associado: zados, muitas vezes insustentáveis ao aquífe-
a) à recarga, ou seja, à quantidade de água que ro (Figura 22). Portanto, a boa exploração do
Figura 22 |
Rebaixamento do
nível de água
causada pelo
bombeamento de
um poço (A) e de
dois poços com
interferência (B).
aquífero passa por considerar tanto a recarga, mesma. Estudos conduzidos por Hirata e Fer-
como também os volumes extraídos de água reira (2001) que utilizaram os dados de estu-
pelo novo poço, compatibilizando-os às obras dos anteriores (DAEE, 1975; ROCHA et al., 1989;
existentes ao seu redor, ou seja, não permi- SABESP et al. 1994, IRITANI, 1993; MENEGAS-
tindo que os poços novos interfiram (criem SE-VELASQUEZ, 1996) estimaram uma recarga
cones de rebaixamento demasiadamente pro- de 498 mm3/ano (15,8 m3/s), que representa-
fundos) nos poços existentes. Quedas pronun- ria a soma das perdas físicas de água (19,7%
ciadas nos níveis aquíferos podem redundar do total distribuído) e de esgoto (5% do total
em maiores custos da extração de água, pela escoado), mais a recarga natural em áreas
necessidade de maiores gastos de energia elé- urbanizadas de 150 mm/ano (0,15 mm3/km2
trica, aprofundamento de poços e perdas de ano). Nas áreas onde não há rede de esgoto,
poços que secam. Esses problemas são chama- entende-se que as águas servidas são infiltra-
dos genericamente de superexplotação. das no solo, através de fossas sépticas e negras.
Há grande dificuldade em estimar a recar- Em outra abordagem, o Laboratório de
ga em áreas altamente urbanizadas, como as Modelos Físicos (LAMO) do Centro de Pesqui-
encontradas na BAT, pois quase não há dados sas de Águas Subterrâneas (CEPAS) do Insti-
de campo. Os poucos estudos existentes mos- tuto de Geociências da Universidade de São
tram taxas de recarga globais aplicadas a toda Paulo (USP), a partir da demanda do Plano da
a bacia, não caracterizando regiões dentro da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, iniciou uma
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 211
Figura 23 |
Mapa de vulnera-
bilidade à contami-
nação de aquíferos
da BAT. Fonte: FUSP
(2009). Emplasa,
2002.
Mapa de uso e
ocupação do solo.
Macedo, A.B. (coord.)
1998. Banco de
dados espaciais da
bacia hidrográfica do
Alto Tietê, São Paulo.
FEHIDRO-DAEE.
informações sobre casos de poluição de solos estes dois últimos de ocorrência comum em
e aquíferos ainda sejam bastante restritas, aquíferos de zonas urbanizadas e industriais.
motivadas por denúncias e por investigações Outro grave problema que afeta sistemati-
de detalhe em atividades específicas, geral- camente as cidades é a contaminação por nitra-
mente dirigidas aos empreendimentos indus- to advindo de efluentes residenciais, sobretudo
triais, à disposição incorreta de resíduos sóli- em áreas não esgotadas por rede pública. Adi-
dos e aos postos de combustíveis e serviços, cionalmente, estudos conduzidos pelo LAMO
é importante salientar que o Estado tem pro- têm mostrado que, mesmo em áreas onde a
cedimentos claros de identificação e manejo rede de esgoto já existe há mais de 30 anos, a
das áreas comprovadamente contaminadas. contaminação por nitrato nas porções mais
Entretanto, a pequena equipe que analisa os rasas do aquífero é fato bastante comum. Essa
estudos de contaminação é ainda um impedi- contaminação é atribuída a fugas da rede de
mento que limita a identificação de todas as esgoto, que não recebe manutenção adequada.
áreas que oferecem risco à população na BAT. Dessa forma, é preocupante a situação a
A responsabilidade da averiguação e do que se expõem os usuários das águas subter-
acompanhamento da qualidade da água extraí- râneas na BAT. Há sérios riscos à saúde huma-
da de poços é do usuário. Infelizmente, o na, pelo consumo de água de baixa qualidade
que se nota é o pouco conhecimento dessas microbiológica e química, acobertado pelo des-
pessoas sobre a manutenção do poço, o que conhecimento de sua qualidade.
redunda na falta de análise física, química e Uma avaliação da contaminação antrópica
bacteriológica inicial e periódica das águas. potencial a que estão sujeitos os aquíferos foi
Raramente, no elenco de parâmetros, anali- desenvolvida a partir de um mapa de vulnera-
sam-se metais pesados e, quase nunca, com- bilidade dos aquíferos da BAT, mostrando áreas
postos orgânicos sintéticos ou mesmo produ- mais susceptíveis que outras à atividade antró-
tos associados a combustíveis fósseis, sendo pica (Tabela 8). Essa avaliação, conjuntamente
Valor da Água
Vulnerabilidade Classificação da
Aquífero Zona Não Saturada Importância Potencialidade
Intrínseca Vulnerabilidade
do recurso 1
Hídrica 2
Unidade Neo- Predominantemente areno- Alta
Cenozoica Livre, argilosas, subordinadamente ∙∙∙ ∙∙∙ . vulnerabilidade
porosidade primária com intercalações de Alta Baixa Baixa (só para
e pouca espessura cascalhos captações rasas
Aquífero de Rochas Alteração de rochas
Metacarbonáticas metacarbonáticas e suas ∙∙∙ . .. Alta
Livre e fraturado correspondentes sãs em Alta Baixa Média vulnerabilidade
profundidade
Aquífero Resende Predominância de lamitos arenosos
Livre a a argilosos c/ seixos e ∙∙∙ ... .. Média
semiconfinado, intercalações de até 1 m de Alta-média Alta Média vulnerabilidade
porosidade primária areias e cascalhos ∙∙∙
Aquífero São Paulo Predominância de camadas de
Livre a semiconfinado, cascalhos e areias ∙∙∙ ∙∙ ... Média
porosidade primária Alta-média Média Alta vulnerabilidade
Aquífero de Rochas Alteração de rochas metassedi- Média
Metassedimentares mentares, incluindo quartzitos, .. .. .. vulnerabilidade
Livre e fraturado xistos, metassiltitos, e suas Média Média Média quando o manto de
correspondentes sãs em alteração for
profundidade espesso (>20 m), Tabela 8 |
caso contrário, alta Índices de
Aquífero de Rochas
Alteração de rochas ígneas e Média a baixa vulnerabilidade à
Granitoides
metamórficas, incluindo granitos, .. ... . vulnerabilidade contaminação das
Livre e fraturado
gnaisses e suas correspondentes Média Alta Baixa quando o manto unidades
sãs em profundidade de alteração for hidrogeológicas da BAT.
espesso (>20 m), Fonte: Elaboração
caso contrário, alta própria.
Nota: à ∙ Maior para menor influência na elevação do índice de vulnerabilidade de aquífero. Importância do recurso: dependência relativa
1
do usuário de água subterrânea em cada aquífero. 2 Potencialidade: disponibilidade relativa de água para extração em cada aquífero.
214 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
com a classificação de cargas contaminantes possam atuar nas ações listadas nos
potenciais, permitiu mostrar os perigos a que itens “a” e “b”, integrando as águas
cada sub-bacia está sujeita (Tabela 9). subterrâneas a outros recursos e per-
subterrâneas
outros atores da área do planejamen-
to territorial e do ambiente;
d) criação de um manejo adaptativo.
Problemas sérios de rebaixamento acen-
Dada a grande incerteza associada às
tuado dos níveis aquíferos, que ocasionam a
condições envolvendo as águas sub-
perda das reservas têm sido reportados nos
terrâneas, é amplamente desejável
últimos anos em algumas sub-bacias da BAT,
uma estratégia adaptativa para a ges-
sobretudo nas regiões centro-leste, centro-
tão dos recursos baseada em um con-
-norte e sudoeste da cidade de São Paulo. Con-
tínuo monitoramento dos problemas
flitos entre usuários, pela forte interferência
associados à explotação, incluindo a
entre poços próximos bombeando o mesmo
queda dos níveis de água a partir de
aquífero têm sido registrados e suas ocorrên-
redes de poços de monitoramento, e
cias são cada vez mais frequentes. Por outro,
ao aumento das tendências de degra-
a falta de controle do uso da terra que vise à
dação na qualidade, sobretudo uti-
proteção das águas subterrâneas, associada
lizando indicadores, como nitrato e
a lançamentos e a deposições incorretas de
salinidade, ou informações de casos
efluentes líquidos e de resíduos sólidos têm
de contaminação;
causado a contaminação das porções mais
e) estabelecimento de estratégias de ges-
superficiais do aquífero. Diante desses proble-
tão que visem aumentar a segurança
mas, são necessárias ações imediatas e estra-
do abastecimento público, através do
tégicas, com o desenvolvimento de um progra-
incentivo à explotação responsável
ma de proteção das águas subterrâneas que
das águas subterrâneas por usuários
deve ser considerado como parte integrante
privados, com vistas a: 1) maximizar
do plano de recursos hídricos da BAT, confor-
os benefícios dos investimentos pri-
me os seguintes princípios norteadores:
vados, enquanto se tenta minimizar os
a) detalhamento das reais capacidades
riscos associados; e 2) legalizar (regu-
dos aquíferos em prover o abasteci-
larizar) os poços de produção priva-
mento privado de forma integrada e
dos de maiores extrações destinados
conjunta ao abastecimento público,
ao abastecimento de propriedades
baseado no recurso hídrico superficial;
multirresidenciais, hotéis, comércio e
b) avaliação de áreas de maior perigo de
indústria. Então, uma avaliação de ris-
perda do recurso hídrico subterrâneo
co balanceada entre as práticas de uso
devido à contaminação;
de poços privados é um pré-requisito
c) fortalecimento das instituições res-
para o desenvolvimento de uma políti-
ponsáveis pela gestão dos recur-
ca sustentável para a BAT.
sos hídricos subterrâneos, para que
5 | MUDANÇAS CLIMÁTICAS
GLOBAIS E SERVIÇOS
pela expansão urbana. Estudos feitos na RBCV
por Pereira-Filho; Santos; Xavier (2007) mos-
DE PROVISÃO DE ÁGUA
tram que houve, entre 1936 e 2005, um aumen-
to da quantidade de precipitação na ordem de
395 mm e da temperatura média anual na ordem
Não se pode mais negar que a temperatura de 2,1oC. Essa elevação de temperatura é ainda
da Terra está mudando e que a velocidade des- maior do que a registrada na América Central e
sa mudança é preocupante. Os resultados dis- na América do Sul (1oC) que, por sua vez, é supe-
ponibilizados pelo Intergovernmental Panel on rior à média mundial de 0,74oC (MAGRIN et al.,
Climate Changes (IPCC), indicam que, no perío- 2007), o que indica que tais alterações podem
do 1900-2100, a temperatura global do Planeta ser ainda mais impactantes nos grandes centros
poderá subir de 1,4 a 5,8oC, isto é, um aqueci- urbanos, a exemplo da RMSP.
mento mais rápido do que o observado em todo
da água
mente, não têm precedente nos últimos 10.000
anos (MARENGO; SILVA-DIAS, 2006).
Os riscos derivados das mudanças climá-
ticas, sejam de origem natural ou antropogê- Há fortes indícios de que as mudanças
nica, têm gerado grande preocupação nos cír- climáticas estejam intensificando a degra-
culos científicos e do governo, sendo o setor dação dos ecossistemas aquáticos, uma vez
de recursos hídricos um dos mais impactados, que as precipitações mais elevadas e intensas
afetando tanto a qualidade quanto a quantida- aumentam o escoamento de contaminantes e
de de água (MARENGO; TOMASELLA; NOBRE, nutrientes (cargas difusas), o que pode tornar
2010). O aumento de temperatura tem efeitos os ecossistemas impróprios para uso ou para
diretos sobre o ciclo hidrológico com altera- manutenção da vida aquática.
ção dos montantes pluviométricos, sua distri- Alguns resultados têm gerado grande pre-
buição temporal e espacial, o que leva a uma ocupação, uma vez que o aquecimento global
maior frequência de secas e enchentes e afe- tem intensificado os efeitos da eutrofização.
ta processos hidrológicos, como os de escoa- Estudos comparativos de lagos da região tem-
mento e infiltração (MARENGO, TOMASELLA; perada apontam para as seguintes tendências
NOBRE, 2010). sobre a alteração da qualidade desses lagos sob
Análise de registros de chuva durante os efeito das mudanças climáticas globais, prin-
últimos 50 anos mostram que eventos extre- cipalmente, as relacionadas com o aquecimen-
mos de chuva são cada vez mais frequentes e to: 1) aumento da carga externa de nutrientes
intensos e que projeções de modelos globais e (aumento da precipitação líquida e, principal-
regionais para o futuro sugerem que essa ten- mente, intensificação dos eventos extremos de
dência pode continuar e se intensificar. Segun- chuva, o que leva ao maior escoamento super-
do Marengo; Tomasella; Nobre (2010), o Brasil ficial de nutrientes e ao impacto por fontes
também é vulnerável às mudanças climáticas difusas); 2) aumento da temperatura da água
que se projetam para o futuro, especialmen- superficial, levando à maior estabilidade da
te quanto aos extremos climáticos. Todavia, coluna da água, acompanhada da diminuição
a maior quantidade de informação sobre os do teor de oxigênio no fundo e do consequente
impactos das mudanças climáticas no país pro- aumento do processo de liberação de fósforo
vém das projeções da elevação da temperatura a partir dos sedimentos de lagos/represas; 3)
sobre as plantações agrícolas isto é, sobre as ambos os aspectos antes citados contribuíram
espécies de uso direto pelo homem, bem como para a aceleração do processo da eutrofização;
sobre os impactos ligados à hidroeletricidade. 4) maior risco de dominância de cianobactérias
Muito pouco ainda se sabe sobre os efeitos de e de florações mais duradouras, bem como da
tais mudanças sobre as águas continentais. formação de densos bancos de macrófitas flutu-
O comportamento climático na área da antes; 5) diminuição da transparência da água
RMSP vem sendo substancialmente alterado provocada tanto pelo aumento da biomassa de
216 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
algas quanto pela diminuição da capacidade das estado trófico dos reservatórios sobre a emis-
plantas submersas de manterem as condições são de gases de efeito estufa na interface água
de águas claras do ecossistema; e 6) mudanças – ar. Tendo em conta que os reservatórios do
na cadeia trófica, propiciando condições para médio Tietê, dispostos em cascata, apresentam
passagem para a condição de águas turvas. um gradiente decrescente de eutrofização, os
Todos esses fatores apontam para uma autores verificaram que os fluxos máximos de
maior probabilidade dos lagos temperados do CH4, CO2 e N2O foram medidos no reservatório
hemisfério Norte se assemelharem mais aos de de Barra Bonita (sistema mais eutrofizado) e os
regiões tropicais/subtropicais, no sentido de menores fluxos no reservatório de Promissão
se tornarem mais vulneráveis à eutrofização e (oligotrófico-mesotrófico). Como consequên-
passarem para a condição de águas turvas. A cia, os fluxos difusivos de CH4 e N2O apresen-
despeito da relativa pouca base de dados para taram alta correlação com as concentrações de
ambientes tropicais/subtropicais, estudos de nitrogênio total e de fósforo total nos diferen-
casos isolados sinalizam para uma maior difi- tes reservatórios, confirmando o fato de que
culdade na recuperação de ambientes eutrófi- as taxas de emissão desses gases estão direta-
cos situados nas zonas mais quentes do globo mente relacionadas com o grau de eutrofização
e antecipam a intensificação dos problemas do sistema. Portanto, é possível que algumas
associados à eutrofização com o aquecimento das represas localizadas na RBCV que estão
global (BICUDO; BICUDO, 2008; JEPPENSEN et em estágios avançados de eutrofização, como
al., 2014). Billings, Guarapiranga e Isolina, entre outras,
os autores destacam que os municípios da RBCV Além disso, a gestão dos recursos hídricos
mais afetados por esse problema são os situa- deverá considerar as projeções das mudan-
dos na periferia da RMSP, muitos dos quais situ- ças climáticas globais e de suas incertezas na
ados em áreas de mananciais. implementação de políticas públicas (MAREN-
Adicionalmente, as mudanças climáti- GO; TOMASELLA; NOBRE, 2010). Finalmente,
cas afetarão o armazenamento de água no conforme esses autores, evidências científicas
solo e, portanto, a recarga dos aquíferos. apontam para o fato de que as mudanças cli-
Assim, é de se esperar que as mudanças cli- máticas representam um sério risco para os
máticas afetem os níveis dos aquíferos, o recursos hídricos no Brasil. Nesse sentido, não
que tem consequência não apenas no abas- é difícil antever a vulnerabilidade dos recursos
tecimento humano, mas também na capa- hídricos da RBCV diante dos impactos espera-
cidade de regularização dos grandes rios, dos com as mudanças climáticas globais.
com influência em todos os usos da água ou
6 | POLÍTICA DE PROTEÇÃO
mesmo indiretamente, em atividades como a
E RECUPERAÇÃO DOS
construção civil e a mineração (MARENGO;
MANANCIAIS: CASO
TOMASELLA; NOBRE, 2010).
Segundo Hirata e Conicelli (2011), os
GUARAPIRANGA E BILLINGS
impactos que as mudanças climáticas exerce-
rão nas águas subterrâneas serão, possivel-
mente: 1) diretos: alteração na recarga dos
aquíferos, pela variação nos regimes de preci- A busca por soluções para atendimen-
pitação e evapotranspiração, em intensidade e/ to do abastecimento de água da população é,
ou frequência; e 2) indiretos: maior demanda há muito tempo, objeto de preocupação nos
sobre os aquíferos pelo usuário público e pri- órgãos públicos vinculados à questão sanitária
vado devido à diminuição da disponibilidade e de saúde pública em São Paulo e, atualmente,
de recurso hídrico superficial, dada a diminui- na RMSP. Diante do quadro de escassez hídrica
ção do nível dos reservatórios e da vazão dos nessa região, acentuado pela perda de qualida-
rios. Particularmente no Brasil, os impactos de da água em função do descarte de efluentes
esperados pelas mudanças climáticas na recar- resultantes do crescimento econômico e demo-
ga de aquíferos mostram que as regiões Norte gráfico, outros aspectos e formas de aborda-
e Nordeste serão aquelas mais afetadas nega- gem do conflito entre a demanda e a oferta de
tivamente pela redução do excedente hídrico, água foram inseridos para discussão de alter-
em até 30 a 70% e até mais de 70%, respectiva- nativas e usos múltiplos dos recursos hídricos,
mente (comparado com valores de 2010). Já nas em especial, referentes aos mananciais.
regiões Sul e Sudeste, espera-se que a recarga Na década de 1970, o governo de São
aumente ou se mantenha em 30% e até 100% Paulo, preocupado com a expansão da cida-
em algumas áreas mais restritas. Esses dados de e a necessidade de produção hídrica para
são interpretações de Döll e Flöke (2005), base- atendimento das diversas finalidades de uso
ados no modelo HadCM3 (Handley Centre Cou- das águas, aprovou o 1o Plano Metropolita-
pled Model), desenvolvido na Inglaterra, que no de Desenvolvimento Integrado (PMDI).
considera a circulação oceano – atmosfera no Nesse, definiu o limite da área de proteção
globo, a partir do recorte regional de Hirata e aos mananciais, situado em grandes porções
Conicelli (2011). dos vetores Norte e Sul da metrópole e, ain-
Sendo assim, o impacto das mudanças cli- da, a zona de uso predominantemente indus-
máticas sobre as águas é multifacetado e inte- trial, consoante leis estaduais no 898/1975,
grado. Além do mais, não pode ser tratado iso- 1.172/1976 e 1.817/1978 (SÃO PAULO, 1975;
ladamente dos usos atuais desse recurso. Mas, 1976; 1978). Dessa forma, buscava-se a indu-
certamente, tais mudanças poderão amplificar ção da ocupação nos vetores Leste – Oeste da
e acentuar todos os problemas antes assinala- capital e a destinação bem delimitada de terri-
dos. Assim, ações para adaptação e mitigação tórios com vocação para a produção industrial
dos impactos são absolutamente urgentes. e hídrica, nos vetores Norte – Sul.
218 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
criação da lei específica da APRM do reserva- em um longo período de hesitação sobre que
tório Guarapiranga e, em seguida, da lei espe- medidas tomar. Como consequência, gran-
cífica da APRM Billings (respectivamente, lei de parte da ocupação urbana dessas bacias
no 12.233/2006 e decreto 51.686/2007, e lei ocorreu após a edição da Lei de Proteção de
no 13.579/2009 e decreto 55.342/2010) (SÃO Mananciais acima citadas.
PAULO, 2006; 2007a; 2009b; 2010). O biênio 1991-1992 marca o início da
A alteração do marco jurídico é de gran- mudança da política pública para as áreas de
de importância, pois possibilita a implanta- mananciais urbano-metropolitanos, sobre-
ção de infraestrutura de saneamento público tudo Billings e Guarapiranga, resultando em
onde antes não era permitido, o que criava um amplo conjunto de investimentos conhecido
círculo vicioso entre a ocupação irregular, a por Programa Guarapiranga. Em seguida, a lei
ausência de infraestrutura e a poluição dos específica da represa Guarapiranga (SÃO PAU-
mananciais causada pelo lançamento indevi- LO, 2006) estabeleceu um zoneamento para o
do dos esgotos nos corpos d´água, com riscos território da bacia e fixou uma carga máxima
de contaminação da água e de saúde pública. de afluente de fósforo total com meta a ser atin-
Em termos de diretrizes e normas para gida até 2015, a qual não foi atingida. Assim, a
uso e ocupação do solo, as leis específicas esta- despeito de todas as políticas públicas e dos
belecem que: 1) em locais onde há necessidade investimentos em saneamento básico não se
de ações de recuperação de caráter urbanísti- conseguiu reverter o quadro de degradação
co e sanitário, a lei prevê parâmetros urbanís- dessas áreas. Cabe refletir sobre quais estra-
ticos condizentes com esta situação, ou seja, tégias permanecem válidas, o que falta e o que
urbanizar onde é urbanizável; enquanto que, está eventualmente errado nas linhas de ação
em locais com baixa densidade de ocupação e que foram gradativamente implementadas
presença de vegetação e remanescentes flores- nas últimas décadas (ARAÚJO, 2017).
tais preservados, as diretrizes continuam bas- Nos últimos anos, a importância da
tante restritivas. Dessa forma, é possível res- temática ambiental favoreceu a divulgação
guardar o objetivo principal das leis, ou seja, da problemática da água na RMSP. A educação
salvaguardar a quantidade e a qualidade da ambiental assume importante papel no escla-
água dos reservatórios para uso pelas gerações recimento dos impactos da ocupação desor-
atuais e futuras e evitar riscos à saúde pública; denada nos mananciais e seus riscos à saúde
e 2) a definição de instrumentos de gestão que pública. Ainda que a população não tenha con-
vinculam a qualidade da água do reservatório dições socioeconômicas para solucionar iso-
ao uso e ocupação do território dos manan- ladamente o impacto ambiental proveniente
ciais, inserindo o monitoramento da qualidade das suas ocupações nos mananciais, cada vez
da água, enquanto principal recurso natural a mais sua participação junto aos órgãos públi-
ser preservado pela legislação. cos estaduais e municipais, com reivindicação
É oportuno considerar que a ocupação de melhorias na infraestrutura sanitária e nas
das áreas da Billings e Guarapiranga apresen- condições de habitação, pressiona os poderes
tou um agravante, pois além de um passivo públicos para implantação de intervenções e
de infraestrutura e ambiental, também rece- obras de recuperação dos mananciais.
beu menor escala de investimentos públicos O grande desafio que se coloca diante do
e privados em função das restrições específi- processo de implementação das leis específi-
cas estabelecidas pela legislação de proteção cas das APRM Guarapiranga e Billings consis-
dos mananciais – Leis Estaduais 898/1975 te em efetivar a integração e o compromisso
e 1.172/1976 (SÃO PAULO, 1975/ 1976). Uma dos órgãos envolvidos no planejamento e na
vez que o avanço da ocupação dessas áreas foi gestão do território, em trabalho conjunto
bem além das restrições estabelecidas, princi- com o Estado, os municípios e a sociedade
palmente por ser uma ocupação marcada pela civil, de modo a garantir as boas qualidade e
informalidade (fora do alcance do controle quantidade de água para abastecimento das
da legislação urbana), o poder público entrou populações atuais e futuras da RMSP.
220 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Quadro 4 |
Estudo de caso: Durante muitos anos, o loteamento irregu- A partir da atuação do Ministério Público Esta-
o loteamento Cantinho lar Cantinho do Céu, às margens do reserva- dual, da prefeitura municipal de São Paulo e,
do Céu, em São Paulo, tório Billings, em São Paulo, foi utilizado como mais recentemente, com a vigência da lei espe-
na bacia do exemplo de um tipo de ocupação inadequada cífica da APRM Billings, uma nova imagem do
reservatório Billings. e precária existente nas áreas de mananciais. loteamento está se delineando.
Figura 24 |
Aspecto geral de
via interna do
loteamento Cantinho
do Céu (SP),
antes e depois das
intervenções.
Foto: Arquivos
da JNS-HAGAPLAN
(2009).
Com a execução das intervenções e das outras regiões nos finais de semana. Aos pou-
obras de desocupação das áreas de preserva- cos, o círculo vicioso de irregularidade gerando
ção permanente (APP) ao longo do reservató- mais irregularidade está se transformando em
rio Billings e a implantação de equipamentos círculo virtuoso, com o empenho da Municipali-
públicos de lazer, criou-se um parque linear dade de São Paulo na implantação de áreas de
municipal no entorno do reservatório, que é lazer, propiciando a inclusão social e ambien-
utilizado tanto pela comunidade residente no tal da população na recuperação e proteção
Cantinho do Céu quanto por moradores de dos mananciais.
Figura 25 |
Margens do
reservatório Billings
no loteamento
Cantinho do Céu
após as intervenções
de recuperação das
áreas de preservação
permanente (APP).
Foto: Arquivos
da JNS-HAGAPLAN
(2009).
Figura 26 |
Margem do
reservatório
recuperada e área
de lazer implantada
no loteamento
Cantinho do
Céu (SP).
Foto: Arquivos
da JNS-HAGAPLAN
(2010); Marcia
Nascimento (2010).
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 221
7 | ÁGUA E BEM-ESTAR
HUMANO NA RBCV
serviços, que demandam grande quantidade de
água na sua produção, distribuição, consumo e
descarte. Tamanha dependência nos remete à
necessidade crescente de manter e expandir a
Os serviços ecossistêmicos responsáveis
base material – a água propiciada pela RBCV;
pelo bem-estar da população são identificados
porém, verificam-se nas regiões metropoli-
como aqueles que propiciam segurança1, base
tanas do estado de São Paulo, inseridas nessa
material2, saúde3, boas relações sociais4, bem
reserva da biosfera, as piores relações entre a
como aqueles ligados à liberdade de escolha e
demanda e a disponibilidade de água do país.
de ação5 (MEA, 2005). Para a manutenção des-
De acordo com a CETESB (2009), as vazões
sas condições de bem-estar é necessário que a
médias de água na bacia do Alto Tietê, que cor-
fonte desses serviços, no caso a RBCV, conser-
respondem ao trecho em que se situa a RMSP,
ve sua integridade – o que não está ocorren-
variam entre 84 m³/s e 20 m³/s. Cabe observar,
do. Quais são as implicações desse cenário em
ainda, que essa situação crítica de disponibili-
relação às águas?
dade de água também se estende para as regiões
De maneira geral e, mais intensamente,
metropolitanas vizinhas, da Baixada Santista e
no território da RBCV, as águas estão sub-
de Campinas, de onde são retiradas águas para
metidas a ameaçadas pela desconsideração
o suprimento da população da RMSP.
das condições necessárias à sua renovação.
Essa escassez relativa estende-se a outras
A localização de uma grande aglomeração de
regiões próximas, como a de Sorocaba; e
cidades, a macrometrópole nas cabeceiras dos
poderá alcançar, no futuro, o Vale do Paraíba,
rios do estado, une uma limitação natural de
que também sediam importantes atividades
vazões – suas bacias reduzidas captam menos
econômicas e grande população, em franco
águas das chuvas a uma enorme demanda em
crescimento, compondo a chamada Macrome-
franco crescimento. A desproporção entre o
trópole Paulista. Nesse contexto, coloca-se a
crescimento da população e o de seu consumo
necessidade de gerir, com extrema cautela, a
tende a se elevar, cada vez mais, pelo cres-
água disponível, em especial ao considerar que
cente consumo de toda a sorte de produtos e
sua falta de qualidade resulta numa disponi-
bilidade ainda menor por habitante e adiciona
perigosos ingredientes à saúde da população,
1
Capacidade de viver em um ambiente seguro e saudável cujos efeitos sinergéticos e de longo prazo ain-
e capacidade de reduzir a vulnerabilidade às alterações
da requerem pesquisas para serem mais bem
nos ecossistemas, ou seja, acesso seguro aos recursos
naturais e a outros recursos, segurança pessoal e prote- identificados. Atualmente, os tipos de deman-
ção contra desastres naturais e desastres causados pelo da de água dessa bacia são estimados em 86,4
homem. m³/s; dos quais 68,5 m³/s são destinados aos
2
Capacidade de acesso a recursos para obtenção de sus-
tento seguro e adequado, alimentos suficientes a qual- usos urbanos que incluem o abastecimento da
quer tempo, moradia, vestuário, acesso a bens e geração população; 14,3 m³/s aos variados usos indus-
de renda. triais; e 3,6 m³/s à irrigação agrícola; quase
3
Capacidade de estar adequadamente alimentado, com
ausência de doenças passíveis de prevenção, um ambien-
todos esses usos requerem altos níveis de qua-
te físico salutar que inclui água potável, ar limpo, pos- lidade, levando-se ao questionamento de como
sibilidade de acessar energia que garanta conforto obter essa qualidade.
térmico.
Quanto menores são as vazões, piores são
4
Inclui coesão social, respeito mútuo, capacidade de aju-
dar o semelhante, oportunidade de expressar valores as possibilidades de serem diluídos os esgotos
estéticos e recreacionais associados aos ecossistemas; lançados por milhões de habitantes e ativida-
expressar valores culturais e espirituais; observar, des econômicas. De acordo com os dados da
estudar e aprender sobre os ecossistemas.
5
Inclui a oportunidade de se alcançar o que se almeja. A CETESB, em 2008, 85% dos esgotos gerados
liberdade de escolha e de ação é influenciada por outros na RMSP foram coletados e o tratamento foi
elementos do bem-estar (e por outros fatores, notada- aplicado a cerca de 44%. Por meio desse trata-
mente educação) e é também uma condição prévia para
se experimentar outros elementos do bem-estar, em
mento foram removidos cerca de 30% da car-
especial aqueles ligados a igualdade, justiça e aqueles ga poluidora total, sendo o restante lançado
vinculados ao bem-estar psíquico e à espiritualidade. oficial ou clandestinamente nos cursos d’água,
222 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
em sua maior parte nos rios Tietê, Pinheiros e Esse sistema hidroenergético foi criado
Tamanduateí. A despeito de expressivos inves- na primeira metade do século 20 para gerar
timentos na despoluição, os resultados não são energia com o lançamento de águas acumula-
percebidos, por inúmeras razões, o que mos- das na represa Billings até a Usina Henry Bor-
tra que os números absolutos de população den, localizada em Cubatão, aproveitando um
não atendida pelo sistema completo de esgoto desnível de cerca de 700 m. Seu funcionamen-
e a eficácia limitada do sistema de tratamen- to baseia-se na utilização das águas dos rios
to resultam em grande poluição dos cursos Tietê e Pinheiros para obtenção de energia a
d’água, agravada pela grande quantidade e partir dessa represa, que se situa em um nível
variedade de resíduos e efluentes produzidos mais alto que o restante da cidade. Para isso,
pelas inúmeras atividades econômicas6. Para as águas do rio Tietê são barradas em Santa-
a CETESB, “Nesses rios descaracterizados sob os na do Parnaíba e, assim, elevam seu nível até
aspectos sanitário e hidrológico, pode-se dizer entrarem pelo rio Pinheiros, que foi modifica-
que nas épocas de estiagem praticamente ine- do na sua condição natural para acumular e
xiste contribuição do lençol freático, sendo ali- conduzir essa água até o reservatório Billings,
mentados majoritariamente por grandes cargas por meio de duas estações elevatórias (SÃO
de esgotos” (CETESB, 2009). PAULO, 1999). Vale destacar que essa utiliza-
Essa carga poluidora dos rios e córre- ção das águas foi concedida pelo governo à
gos é bastante ameaçadora na medida em que antiga Light por meio de um decreto, em que
alcança locais de onde será retirada a água que está estabelecida a condição de que o abaste-
abastece a população. Isso ocorre pela infil- cimento da população não fosse prejudicado
tração no solo, que alimenta as reservas de (BRASIL, 1925).
água subterrâneas, também utilizadas de for- Porém, o crescimento da cidade, acelera-
ma crescente para diferentes finalidades, que do também pela maior oferta de energia, foi
incluem o abastecimento. A outra forma se dá acompanhado pelo contínuo aumento no lan-
quando essa carga é lançada diretamente em çamento de esgotos e lixo nas águas e de outros
reservatórios, ou em seus afluentes ou, ainda, importantes conflitos, como a impermeabili-
quando chega a esses locais de captação para zação das bacias urbanizadas, a ocupação das
abastecimento por intermédio de sistemas de várzeas sujeitas à inundação e o aumento das
bombeamento, como ocorre no caso do Sistema retiradas de água para abastecer a população
Hidroenergético Tietê – Pinheiros – Billings. e para suprir a atividade econômica.
A sucessiva degradação dos mananciais
em uso e a crescente demanda motivam a con-
Whately e Diniz (2009) identificam em informações
6 tínua incorporação de novas fontes de supri-
divulgadas pelo governo do estado de São Paulo, res- mento aos sistemas de abastecimento, como a
ponsável pelos projetos (no sítio: http://www.saopaulo.
sp.gov.br/sis/lenoticia.php?id=100465&c=6), que “ape-
do sistema Cantareira, que limita as possibi-
sar dos investimentos, melhoras efetivas na qualidade lidades de expansão populacional e econômi-
de suas águas são pouco perceptíveis e o Rio Tietê ainda ca na região de Campinas, o que gera grande
encontra-se bastante poluído. São apontados três fatores:
disputa por esse suprimento. Por outro lado,
a porção do Rio que corta a Grande São Paulo é próxima
às suas cabeceiras, com vazão menor e mais lenta, o que ao se tornarem esgotos após seu uso na RMSP,
dificulta a dispersão de poluentes. A segunda razão, é que essas águas despejadas nos córregos e rios
o Projeto Tietê tem como foco a coleta e tratamentos de alimentam o processo de produção de ener-
esgotos industriais e domésticos, e não contempla a polui-
ção difusa, gerada nas ruas e que é transportada para o gia em Henry Borden e pioram a condição dos
rio pelos sistemas de drenagem (que não possuem qual- mananciais Billings.
quer tratamento). A terceira razão, está relacionada com Ao longo do século 20, a combinação de
o déficit de coleta e tratamento de esgotos existente nos
municípios da grande São Paulo (...). Outra razão aponta-
todos esses processos provocou maiores difi-
da pelo Governo do Estado diz respeito às ligações clan- culdades para escoar as águas das enchentes
destinas de esgotos nas redes de águas pluviais, porém rio abaixo, na medida em que os espaços das
as informações disponíveis não compreendem os volu-
várzeas e a infiltração na bacia foram reduzi-
mes envolvidos e, portanto, não permitem dimensionar a
participação desses na poluição do rio.” (Whately; Diniz dos com a urbanização, o que foi piorado com
2009). o interesse da geração de energia em conduzir
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 223
versões dos diagnósticos e dos planos elabo- tratamento de água e em programas defasados
rados para a sua bacia, os maiores conflitos na recuperação das condições sanitárias de
identificados e priorizados para resolução são alguns dos assentamentos mais críticos, loca-
aqueles entre a urbanização e as águas que lizados nas imediações desses reservatórios
afetam o abastecimento, a qualidade da água (SÃO PAULO, 2007b). Tanto em um caso, como
e a ocorrência de inundações. Cabe destacar no outro, não há investimentos destinados a
que essa disputa de mananciais já tem casos prevenir o avanço e/ou adensamento das áreas
emblemáticos, como aquele com a Região urbanas localizadas nesses mananciais, que
Metropolitana de Campinas cuja expansão seguem deteriorando as poucas áreas produ-
econômica e populacional é limitada pela toras de água ainda disponíveis8.
supressão de boa parte de suas águas (efetua- Como reconhecimento da ineficácia des-
da por meio do sistema Cantareira) para abas- sas medidas, verifica-se a busca de mananciais
tecer metade da população da RMSP. Nesse, e cada vez mais distantes, como delineado no
em outros mananciais, o avanço dos usos se Plano Diretor de Aproveitamento de Recursos
dá sobre a RBCV, com redução da produção Hídricos para a Macrometrópole Paulista (SÃO
de água e piora da qualidade daquela que ali PAULO, 2013), sem que se verifique a avaliação
é precipitada e alimenta os reservatórios, que dos conflitos que serão deflagrados pelo apro-
também são afetados em sua capacidade de veitamento dessas novas fontes de suprimento,
reservação e qualidade, com o assoreamento localizadas em regiões com franca expansão
decorrente da perda de vegetação que protege agrícola, agroindustrial, industrial e urbana
o solo de suas bacias. que, desde 2006 enfrentam limitações impor-
As respostas a essa degradação e à pro- tantes na disponibilidade de água (SÃO PAULO,
gressiva perda de mananciais vêm se dando 2006). Vale destacar, ainda, que investimentos
de várias formas. De um lado, a formulação de setoriais como a implantação do anel viário
nova legislação, como as leis específicas pre- metropolitano – o Rodoanel Mário Covas – ele-
vistas pela Lei estadual 9.866/1997 (SÃO PAU- vam as pressões de ocupação dos mananciais
LO, 1997) para proteger os mananciais, que já em uso, que podem repetir no trecho Sul a
avançam em alguns sentidos, mas retrocedem expansão urbana promovida no trecho Oeste
em um ponto da maior importância ao possi- dessa obra (LABHAB, 2005), pela facilitação de
bilitar um grande aumento da ocupação urba- acesso e atração de atividades9 em áreas ainda
na nesses mananciais em relação ao previsto protegidas além de, efetivamente, ter provoca-
na legislação anterior (WHATELY; SANTORO; do o desmatamento e o aterramento de áreas
TAGNIN, 2008). De outro lado, verifica-se
um investimento crescente7 nos sistemas de
8
Apesar do PRM ser um programa com mais recursos, ele
não pode ser visto como a garantia de que a RMSP e seus
O objetivo do Programa de Recuperação de Mananciais
7
mais de 20 milhões de habitantes alcançarão definitiva-
(PRM), ou “Programa Vida Nova”, é recuperar e proteger mente a rota da sustentabilidade em relação ao uso de seus
os mananciais. O mesmo se estrutura em um conjunto de recursos hídricos e abastecimento de água. Isso porque é
obras a serem implantadas em áreas das bacias da Gua- reproduzido o formato de intervenção do Programa Gua-
rapiranga, Billings, Alto Tietê, Cantareira e Cotia, cinco rapiranga que, embora tenha atingido resultados positi-
dos principais mananciais de água que abastecem os vos em relação à urbanização de favelas, não logrou evitar
moradores da Grande São Paulo. O Programa é coordena- a piora na qualidade da água dos mananciais da região e
do pela Secretaria de Estado de Saneamento e Energia e fornecer soluções adequadas para reverter as tendências
em duas frentes de atuação, com fontes de recursos dife- de degradação das bacias hidrográficas, incluindo a ocu-
rentes: Projeto Mananciais (governo do estado, Sabesp, pação desordenada da região, o desmatamento das mar-
Prefeituras de São Bernardo e Guarulhos, e Banco Mun- gens das represas e o lançamento de esgoto nos rios e cór-
dial) e o Programa Guarapiranga e Billings (prefeitura regos. Estes vetores redundam exatamente na diminuição
de São Paulo e governo federal, por meio do Programa da qualidade da água de todos os reservatórios da RMSP
de Aceleração do Crescimento - PAC). Os investimentos (WHATELY; DINIZ, 2009)
do Programa totalizam R$ 1,22 bilhão. Em 2009, o PRM 9
Conforme pode ser visto na implantação de grandes
contava com cerca de 10 anos de implementação pelo empreendimentos e na elevação da procura de imóveis,
governo do estado. Em 2008, se juntaram a PRM dois refletida também no aumento do preço dos terrenos,
novos programas governamentais: o PAC Mananciais e o que vão sendo anunciados no mercado imobiliário com
Programa Mananciais, este último da prefeitura de São a vantagem de estarem localizados “a poucos minutos do
Paulo (WHATELY; DINIZ, 2009). Rodoanel”.
226 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
numa dinâmica em que se combinam a exclu- Esses riscos tendem a ser potencializados em
são social e a degradação ambiental11 no que função do aumento de dias com fortes chuvas
vem sendo chamado de migração intrametro- decorrente das mudanças climáticas, sobretu-
politana (CUNHA, 1995; 2014). Os proprietá- do locais. Estudos preliminares indicam que o
rios dos imóveis das áreas centrais são bene- número de dias com chuva intensa (acima de 10
ficiados com a crescente valorização de seus mm) na capital paulistana poderá dobrar entre
imóveis pela aplicação dos recursos públicos 2070 e 2100 em função de uma elevação média
em infraestrutura e serviços, o que impe- na temperatura da região de 2oC a 3oC (NOBRE
de os segmentos de menor renda habitarem et al., 2010). Como enfrentar essa situação?
onde poderiam usufruir desse atendimento. Esse enfrentamento não será possível
A alternativa viável consiste em migrar para com a continuidade da atribuição de res-
locais economicamente acessíveis, portanto, ponsabilidade à falta de planejamento, uma
para regiões distantes, desprovidas de níveis protagonista improvável na medida em que
mínimos de serviços públicos ou condições nenhum dos grandes investimentos que dire-
de habitabilidade, situadas nas fronteiras cionaram recursos públicos ou privados para
ou sobre os remanescentes de vegetação da essa ou aquela área e atividade foi desprovi-
RBCV. A sua falta de recursos os torna mais do de intenções, planos ou projetos. Há que se
dependentes dos serviços ecossistêmicos que verificar, sim – e de forma ampla e democrá-
desaparecem junto com a vegetação; resta a tica – o que vem sendo planejado, para qual
esses segmentos encarar o pior dos mundos, na finalidade e para quem, bem como quais são
medida em que também foram apartados dos os custos diretos e indiretos e quem vai arcar
seus substitutos – os meios tecnológicos, que com eles. Até aqui, a própria realidade tem
poderiam atenuar essa perda. dado essas respostas, porém o acesso a elas
Ao seguir essa tendência, os cenários continua restrito e viesado por interesses dos
não são animadores. Ao contrário, à medida beneficiários dessas situações.
em que se projeta para 2030 um crescimento Há distinções a serem feitas entre os
da superfície urbanizada da macrometrópole segmentos sociais e suas diferentes condi-
sobre territórios da RBCV ainda mais frágeis, ções de risco e vulnerabilidade; portanto, em
projeta-se a ampliação e agravamento de suas relação à segurança, que é um dos componen-
consequências em termos de inundações, des- tes do bem-estar influenciado pelos serviços
lizamentos e escassez de água para um maior ecossistêmicos aqui tratados. Os segmentos
contingente de população. Caso o padrão histó- sociais tradicionalmente apartados do aces-
rico de expansão seja mantido, a mancha urba- so às mais básicas soluções de saneamento e
na da RMSP terá dobrado em 2030 em rela- condições de moradia seguem sendo expostos
ção à sua dimensão em 2010. Neste cenário, a aos maiores riscos; assim como as desigual-
região sofrerá aumento na incidência de riscos dades socioeconômicas dificultam o alcance
de enchentes, inundações e deslizamentos. As das boas relações sociais possibilitadas pelos
consequências serão sentidas pela população serviços ecossistêmicos.12 Projeções suscitam
com um todo e, sobretudo pelos mais pobres e a exigência de superar os níveis básicos de
haverá grande pressão sobre os recursos natu- atendimento, agregando a necessidade de se
rais, uma vez que a expansão urbana deverá
ocorrer, principalmente, na periferia, em lote-
amentos e construções irregulares e em áre- 12
Essa vulnerabilidade socioambiental pode ser enten-
as frágeis, como terrenos instáveis e várzeas. dida como a sobreposição ou a cumulatividade de pro-
blemas e riscos (sociais e ambientais) concentrada em
determinadas áreas que estão espalhadas por toda a
metrópole. Esta coexistência espacial - ou sobreposi-
11
De acordo com Alves et al. (2008) “tem havido uma inten- ção - provoca o agravamento de situações de pobreza e
sificação das interrelações entre os fenômenos de expan- vulnerabilidade social, presentes em áreas periféricas
são urbana e vulnerabilidade socioambiental, nas últimas e periurbanas, devido a riscos e degradação ambiental,
décadas, com disseminação destes processos para territó- tais como enchentes, deslizamentos de terra, poluição,
rios cada vez mais dispersos e distantes das malhas urba- contato com doenças de veiculação hídrica etc. (ALVES
nas consolidadas das sedes dos municípios da metrópole” et al. 2008).
228 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
tratar em nível local e metropolitano as cau- entre o crescimento da população e seu con-
sas das mudanças climáticas, paralelamente à sumo. Essa situação resultou na insuficiência
premência de se promover adaptações àquelas dos sistemas produtores da BAT em atender a
mudanças já consideradas inevitáveis, para demanda da RMSP, culminado na importação
elevar a resiliência13 dos habitantes da metró- de cerca de 50% de água de outra bacia hidro-
pole (NOBRE et al., 2010). Para tanto, leva-se gráfica (bacia dos rios Piracicaba / Capivari
em conta, primordialmente, as causas e con- / Jundiaí – PCJ). Essa passou, por sua vez, a
sequências das mudanças climáticas locais e enfrentar a escassez hídrica, a ponto de limi-
o papel dos ecossistemas na amenização do tar as possibilidades de expansão populacio-
clima local e da regulação hídrica. nal e econômica de parte de seus municípios,
Neste contexto, emergem indagações o que incitou grande disputa por seu supri-
diretamente vinculadas à liberdade de esco- mento. Por sua vez, na bacia hidrográfica da
lha e de ação – um dos aspectos do bem-estar Baixada Santista, a disponibilidade de água
humano. Assim, podemos refletir em que pode ser considerada relativamente boa e sem
medida a população conhece essas implica- previsão de aumento do consumo na maioria
ções e o crescente risco de se prosseguir nesse dos municípios, todavia, a expansão portuária
caminho em nível tal que se mobilize a colabo- e a instalação da Petrobrás na bacia de Santos
rar – e cobrar – atitudes para a reversão desse podem alterar essa tendência.
cenário. Outro aspecto não menos preocupante é
CONCLUSÕES
a poluição das águas na RBCV. A maior parte
dos reservatórios está localizada em áreas de
grande adensamento populacional que sofrem
impactos por efluentes domésticos e indus-
Na RBCV, é notório o reconhecimento do
triais. Das seis bacias que compõem a região
crescimento populacional (junto com a alte-
hidrográfica do rio Tietê, a BAT e a do PCJ são
ração dos padrões de uso e consumo de água)
as duas maiores contribuintes para a geração
como o maior vetor indireto de mudança nos
de esgotos na região do estado. Nessas bacias,
serviços de provisão da água em seus aspectos
assim como também na Baixada Santista, o
qualitativos e quantitativos, bem como de seus
percentual de esgoto tratado em relação ao
múltiplos efeitos sobre o bem-estar humano.
total gerado é menor do que 35%, a despeito
Particularmente na bacia do Alto Tietê
das duas primeiras apresentarem os mais ele-
(BAT), onde está um dos maiores aglomera-
vados percentuais de coleta de esgoto (aproxi-
dos urbanos do mundo (RMSP), delineia-se
madamente 85%). Isso equivale a dizer que só
um dos quadros mais críticos do Brasil, no
na BAT a população urbana não atendida por
que se refere à garantia de água para o abas-
esgotos domésticos corresponde a 4 milhões de
tecimento da população. A situação é agrava-
habitantes! Como consequência, mais da meta-
da quando se considera que esta bacia abriga
de (59%) dos corpos de água monitorados pela
quase metade da população do estado de São
CETESB na BAT estão eutrofizados e a metade
Paulo e centraliza importantes complexos
deles apresenta índice de qualidade de água
industriais, comerciais e financeiros que
para a proteção da vida aquática classificado
demandam grande quantidade (e qualidade)
como péssimo ou ruim. É pertinente ressal-
de água em sua produção, distribuição, consu-
tar que o efeito da degradação das águas pela
mo e descarte, gerando enorme desproporção
eutrofização é multifacetado, com impactos
ambientais, econômicos, sociais e riscos para
S ão três as características que definem a resiliência
13
saúde; e vem se intensificando e alastrando
aplicada aos ecossistemas, ou aos sistemas integrados
da população e do ambiente natural: 1) a quantidade
principalmente nas duas últimas décadas.
ou proporção de mudança que um sistema pode sofrer, Também merecem atenção os contami-
mantendo os mesmos controles sobre sua estrutura e nantes provenientes de efluentes industriais,
função; 2) o grau segundo o qual um sistema é capaz de
defensivos agrícolas, de centros urbanos e,
se auto-organizar; e 3) a habilidade de construir e de
aumentar a capacidade de aprendizado e se adaptação mais recentemente, os resíduos farmacêu-
(RESILIENCE, 2008). ticos sintéticos e interferentes endócrinos,
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 229
muitos dos quais ainda pouco conhecidos e que, reconhecidamente, afetam de maneira
não incluídos na rede de monitoramento das significativa os serviços de provisão de água,
águas pela CETESB, que podem limitar o ser- sendo ainda mais notório nos grandes cen-
viço de provisão de água para uso domésti- tros urbanos, a exemplo da RMSP. As mudan-
co e produção de alimentos. Muitos desses ças poderão amplificar e acentuar todos os
compostos podem causar doenças crônicas problemas antes assinalados, de forma que a
e alguns ainda são muito pouco compreen- gestão dos recursos hídricos deverá conside-
didos. O comprometimento da qualidade rar as projeções dessas mudanças e de suas
da água adiciona, assim, ingredientes peri- incertezas na implementação de políticas
gosos à saúde da população, cujos efeitos públicas.
sinergéticos e de longo prazo precisam ser O diagnóstico apresentado aponta para
pesquisados. a extrema urgência no estabelecimento de
Os serviços de provisão pelas águas sub- estratégias que conservem e recuperem os
terrâneas também merecem atenção, poden- serviços ecossistêmicos da biosfera relaciona-
do-se dizer que são estratégicos para a segu- dos à provisão e regulação da água superficial
rança hídrica em área com escassez, como na e subterrânea, representados por coberturas
BAT; muito embora atendam a apenas 16% da vegetais, matas ripárias, várzeas e áreas ala-
demanda total nesta bacia. A contaminação gadas, sobretudo, em áreas de mananciais.
mais comum na BAT é por nitrato advindo O grande desafio consiste em efetivar a
de efluentes residenciais, principalmente em integração entre os poderes municipal, esta-
áreas não esgotadas por rede pública, ain- dual, comitês de bacia e setores da iniciativa
da que, mesmo em áreas com rede de esgoto privada em relação à gestão da água (super-
existente há quatro décadas, a contaminação ficial e subterrânea) e ao uso e à ocupação
das porções mais rasas é fato bastante comum do solo. Reconhecer e promover os serviços
devido a fugas da rede de esgoto que não rece- múltiplos da água como valores econômico,
be manutenção adequada. social, ambiental e cultural e a interdepen-
A tendência da expansão urbana na dência entre tais valores são questões-chave.
RBCV, em particular na BAT, é crítica para Promover o desenvolvimento de técnicas mais
seus mananciais, com efeitos negativos para sustentáveis voltadas para o reuso da água, a
a saúde humana, comprometimento dos ser- redução do consumo e do desperdício, bem
viços ecossistêmicos de provisão e regulação como investir pesadamente no saneamento
da água e perda de habitat e biodiversidade. e no abastecimento são medidas imprescin-
Esse quadro é ainda mais preocupante com díveis para evitar a busca pelos serviços de
a tendência da periferização das popula- provisão de água em bacias mais distantes,
ções em áreas de mananciais desprovidas de com irradiação dos impactos já experimenta-
saneamento. dos na RBCV. Fundamentalmente, trata-se de
É evidente que para melhorar as condi- reconhecer efetivamente a vocação da RBCV
ções de bem-estar humano na RBCV é neces- no fornecimento de serviços ecossistêmicos,
sário que se invista na conservação de sua lançando mão de meios legais, de sustentação
integridade. Todavia, ao se manterem as ten- econômica e de viabilização da compensação
dências atuais, o quadro de escassez de água aos municípios, em nível que permita superar
em parte da RBCV, aliado à degradação de os atuais processos de degradação e de perda
suas águas, trarão riscos crescentes à saúde da integridade das áreas que lhe garantiram
da população, com aumento das disparidades o reconhecimento como Reserva da Biosfera.
entre segmentos sociais e limitação do alcan- Somente assim o cenário poderá ser revertido,
ce das boas relações sociais possibilitadas propiciando o aumento da segurança coletiva
pelos serviços ecossistêmicos. da população na RBCV e das bacias vizinhas e
Outro desafio são os impactos advindos o alívio das pressões sobre o bem-estar huma-
das mudanças climáticas globais e locais, no das populações atuais e futuras.
230 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
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GLOSSÁRIO
A
Águas não duras ou leves | Águas com pou- seja, não há obstáculos entre a superfície terres-
ca quantidade dissolvida de sais de cálcio e tre e a água subterrânea, apenas poros vazios da
magnésio. rocha (em contraste com aquífero confinado).
E
tuída pelos seguintes níveis: produtores e consu-
midores, que podem ser primários, secundários e
terciários. Estruturas cársticas | Estruturas relacionadas
Cianobactérias | Organismos primitivos, pro- ao carste, ou seja, às rochas carbonáticas que
cariontes (sem núcleo definido), fotossintetizan- formam cavernas, dutos e outras estruturas de
tes, antes conhecidos como algas azuis. Habi- dissolução.
tam a Terra há 2,5 bilhões de anos. Algumas Estudos isotópicos | Estudos que incluem isó-
espécies são capazes de fixar nitrogênio do ar. topos, que são elementos químicos de mesmo
Outras podem crescer rapidamente e causar número atômico, mas diferentes massas atômi-
alterações na qualidade da água, conferindo- cas e permitem avaliar, através do comportamen-
-lhe cor, odor e gosto. Ainda outras podem ser to físico-químico desses elementos, diferentes
tóxicas (com produção de cianotoxinas) e causar origens das águas subterrâneas.
sérios problemas à saúde pública, até a morte
dos organismos infestados. Eutrofização | Processo de aumento da pro-
dução de matéria orgânica nos ecossistemas
Colapso de terreno | Processo em que o terreno aquáticos devido ao enriquecimento resultan-
sofre um afundamento, por dissolução de rochas te, principalmente, do aumento da concentra-
carbonáticas e formação de cavidades. ção de nitrogênio e fósforo na água. É conhe-
Comitê de Bacias Hidrográficas (CBH) | Órgão cida como artificial ou cultural quando resulta
consultivo e deliberativo de nível regional, ao qual de atividades humanas tais como de despejos
compete: aprovar o Plano Estadual de Recursos de esgotos domésticos e industriais e da des-
Hídricos e a proposta de programas anuais e plu- carga de fertilizantes aplicados na agricultura.
rianuais de aplicação de recursos financeiros em A eutrofização artificial acelera o processo de
serviços e obras de interesse para o gerencia- produção orgânica e causa a deterioração da
mento dos recursos hídricos; aprovar a proposta qualidade da água e outros efeitos deletérios à
do plano de utilização, conservação, proteção e biodiversidade do ambiente, trazendo implica-
recuperação dos recursos hídricos da bacia hidro- ções ambientais, econômicas, sociais e riscos
gráfica, em especial o enquadramento dos corpos para saúde pública.
d’água em classes de uso preponderante, com o
apoio de audiências públicas; promover entendi-
mentos, cooperação e eventual conciliação entre
F
os usuários dos recursos hídricos; promover estu- Floração de cianobactérias | Crescimento
dos, divulgação e debates, dos programas priori- exagerado de uma ou de poucas espécies de
tários de serviços e obras a serem realizados no cianobactérias usualmente resultante do enri-
interesse da coletividade; e apreciar o relatório de quecimento de ambientes aquáticos pela ação do
situação dos recursos hídricos da bacia hidrográ- homem.
fica. Os comitês são formados por representantes
Formação Resende | Sequência de rochas
do poder público (federal, estadual e municipal),
sedimentares que caracterizam um ambiente de
dos usuários e da sociedade civil.
leques aluviais, depositada no Eoceno-Oligoceno
D
(há aproximadamente 30 milhões de anos).
Formação São Paulo | Sequência de rochas
Demanda Bioquímica de Oxigênio | É a medi- sedimentares que caracterizam um ambiente flu-
da da quantidade do oxigênio dissolvido em vial, depositada no final do Oligoceno (há aproxi-
um corpo d’água, consumido pela atividade madamente 23 milhões de anos).
PROVISÃO, REGULAÇÃO DA ÁGUA E BEM-ESTAR HUMANO 237
H P
Hipolímnio | Camada (ou estrato) mais profun- Porosidade primária | Porosidade (presença de
da de um lago e/ou reservatório originada pela poros) criada durante a formação da rocha e não
diferença de temperatura e densidade na coluna posteriormente.
d’água, por meio da estratificação térmica. É a
Q
camada mais fria e densa de todas.
Índice de qualidade de água bruta para fins Recarga antrópica | Corresponde à parte da
de abastecimento (IAP) | Índice que inclui no recarga da água subterrânea influenciada pela
grupo de substâncias tóxicas do ISTO, o Teste de ação humana, como vazamentos de redes de
Ames e o Potencial de Formação de THM (tri-halo- distribuição de água e coleta de esgoto, e não
metano, compostos organoclorados derivados do exclusivamente pelos processos naturais, como
metano e resultantes da reação do cloro com a a chuva.
água que contém matéria orgânica). É aplicado
S
para os locais de monitoramento que são utiliza-
dos para abastecimento público.
Índice de qualidade de água para a proteção Sinapse nervosa | Ponto de comunicação em
da vida aquática (IVA) | Avalia a qualidade das que as extremidades de neurônios vizinhos se
águas para fins de proteção da fauna e da flora. encontram e o estímulo passa de um neurônio
Fornece informações não só sobre a qualidade para o seguinte, através de mediadores físicos e
da água em termos toxicológicos, como também químicos conhecidos como neurotransmissores.
sobre seu estado trófico. Sistema Integrado de Gerenciamento de
Recursos Hídricos (SIGHR) | Sistema integra-
M
do por órgãos e colegiados relacionados à gestão
dos recursos hídricos, com o objetivo de assegu-
Macrófitas aquáticas | Plantas aquáticas ma- rar os meios financeiros e institucionais para: uti-
croscópicas que podem ser inteiramente submer- lização racional dos recursos hídricos superficiais
sas (submersas livres ou enraizadas nos sedi- e subterrâneos; priorização do abastecimento
mentos), parcialmente submersas com folhas público; maximização dos benefícios econômicos
fora d’água (emersas), ou com folhas flutuantes e sociais do uso múltiplo dos recursos hídricos;
(enraizadas), ou inteiramente flutuantes (flutuan- proteção e defesa contra eventos hidrológicos crí-
tes livres). São muito comuns em lagos, represas ticos; desenvolvimento e aproveitamento econô-
e rios. Exemplos: aguapé, alface-d’água, ninfeia, mico e programas permanentes de conservação e
salvínia, entre outras. proteção das águas. O SIGRH visa à execução da
política estadual de recursos hídricos e à formu-
Metabólito | Produto do metabolismo (conjunto lação, à atualização e à aplicação do Plano Esta-
de reações químicas) de determinado organis- dual de Recursos Hídricos, congregando órgãos
mo. Pode ser classificado como primário quando estaduais e municipais e a sociedade civil (Lei
envolvido diretamente no crescimento, desen- estadual nº 7663/91). Adota as bacias hidrográfi-
volvimento e reprodução; ou secundário quando, cas como Unidades de Gerenciamento de Recur-
embora não esteja diretamente envolvido em tais sos Hídricos (UGRHI), estabelecendo um sistema
processos, podem apresentar uma importante de gestão descentralizado, baseado nos Comitês
função ecológica. das Bacias.
Sistema Produtor | Sistemas administrativos
N da SABESP (Companhia de Saneamento Básico
do Estado de São Paulo) destinados à captação,
Neocenozoicas | Rochas geradas em período ao armazenamento e ao tratamento da água para
que compreende os últimos 23 milhões de anos. abastecimento.
238 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Sistemas tampão | Áreas alagadas, flores- das águas subterrâneas em aquíferos que apre-
tas ripárias, interfaces entre sistemas terrestres sentam tal susceptibilidade.
e aquáticos são regiões tampão que removem
nitrogênio (por desnitrificação) e fósforo (por
precipitação e complexação no sedimento e
U
agregado em partículas às raízes de macrófitas Unidade Hidrográfica de Gerenciamento de
aquáticas). Além disso, precipitam metais pesa- Recursos Hídricos (UGRHI) | Unidade de pla-
dos e complexam esses elementos; e removem nejamento e gerenciamento dos recursos hídricos
material em suspensão, impedindo seu transpor- (Leis estaduais nº 7.663/91 e nº 9.043/94). Está
te para sistemas aquáticos. estruturada no conceito de bacia hidrográfica,
em que os recursos hídricos convergem para um
Solvente halogenado | Substância química da
corpo d’água principal.
classe dos solventes orgânicos capaz de dissol-
Z
ver um determinado material. São altamente volá-
teis e possuem, em sua estrutura, átomos de clo-
ro (Cl), flúor (F), bromo (Br) e iodo (I).
Zona limnética | Região que corresponde à área
Subsidência de terreno | Processo em que mais central de um lago ou reservatório. É tam-
o terreno sofre um afundamento que pode ter bém conhecida como “região pelágica” ou “água
várias causas, inclusive o intenso bombeamento aberta”
PARTE 2
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS DE REGULAÇÃO
2.1 PROCESSOS
GEOHIDROLÓGICOS
DE EROSÃO,
ESCORREGAMENTOS,
ASSOREAMENTOS E
INUNDAÇÕES
Coordenador
Antonio Manoel dos Santos Oliveira | Pesquisador independente
Autores
Antonio Manoel dos Santos Oliveira | Pesquisador independente
Marcio Rossi | IF/SIMA
Kátia Canil |UFABC
Marcio Roberto Magalhães de Andrade | CEMADEN
Marina Mitsue Kanashiro | IF/SIMA
Autora contribuinte
Maria José Brollo | IG/SIMA
240 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
SUMÁRIO
............................................................................................................. 245
Resumo ......
1 | Introdução...................................................................................................... 246
Conclusões............................................................................................................ 270
Referências............................................................................................................ 270
............................................................................................................. 272
Glossário ......
242 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 Geomorfologia da RBCV.
Figura 2 Geologia da RBCV.
Figura 3 Pedologia da RBCV.
Figura 4 Uso e ocupação do solo na RBCV.
Figura 5 Evolução da cobertura vegetal natural para a RBCV.
Figura 6 Ocupação do morro do Jabaquara em Santos.
Figura 7 Degradação dos serviços ecossistêmicos pela ocupação irregular do loteamento do Novo
Recreio na periferia de Guarulhos, e manifestação de erosões e escorregamentos.
Figura 8 Distribuição de classes de declividades dos terrenos da RBCV.
Figura 9 Intensos processos erosivos nos aterros de área terraplenada para loteamento em
São Paulo.
Figura 10 Escorregamento em Francisco Morato.
Figura 11 Córrego Taquara do Reino, afluente do rio Baquirivu – Guaçu, da bacia do Alto Tietê,
assoreado com sedimentos e resíduos, devido à ocupação urbana na periferia de
Guarulhos.
Figura 12 Foto área de 1986 mostra a área sendo terraplenada para loteamento na cabeceira do
córrego Pau d'Álho, região do Cabuçu, em Guarulhos.
Figura 13 Assoreamento do fundo do vale do córrego do Pau d’Alho, com perda de edificações.
Figura 14 Inundação das margens do rio Pinheiros.
Figura 15 Comparação entre o número de acidentes de escorregamentos na RBCV e no Estado de
São Paulo.
Figura 16 Distribuição dos serviços ecossistêmicos da biosfera com base no mapa de uso do solo.
QUADROS
Quadro 1 Tipos de relevo, ocorrências de processos de inundações e escorregamentos, e
municípios afetados na RBCV.
Quadro 2 Relevo, seu domínio de declive, comportamento hídrico decorrente e processos
dominantes em áreas desmatadas.
Quadro 3 Estudo de Caso: A microbacia do Pau d'Alho, Guarulhos, SP.
Quadro 4 Análise qualitativa de impactos dos processos geohidrológicos na RBCV – Planalto, em
termos de risco envolvendo a probabilidade de suas ocorrências como acidente ambiental.
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 243
SIGLAS
APA Área de Proteção Ambiental (categoria de UC)
CEMADEN Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais
CTH Centro Tecnológico de Hidráulica
DAEE Departamento de Água e Energia Elétrica
EMPLASA Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica
IF Instituto Florestal
IG Instituto Geológico
RBCV Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo
RMSP Região Metropolitana de São Paulo
SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SIMA Secretaria de Infraestrutura e Ambiente (Estado de São Paulo)
SVMA Secretaria do Verde e Meio Ambiente (Prefeitura de São Paulo)
UFABC Universidade Federal do ABC
UGRHI Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos
ZCAS Zona de Convergência do Atlântico Sul
244 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 245
RESUMO
2 |CONCEITOS BÁSICOS
infiltração também aumenta. Entretanto, com a
perda desses horizontes, a infiltração vai sendo
reduzida, passando a incrementar o escoamen-
Dentre os serviços ecossistêmicos da bios- to superficial que, por sua vez, contribui para
fera, os serviços de regulação atuam no balanço o desenvolvimento dos processos geohidroló-
hídrico, regulando o escoamento da água e, em gicos, como as erosões e os escorregamentos.
decorrência, regulando os processos geohidro- Esses processos agem na direção da busca de
lógicos correspondentes, de erosões hídricas um novo equilíbrio na paisagem em transforma-
de encostas, escorregamentos (movimentos de ção, caracterizada por Ab’ Saber (1965) como
massa), solapamentos, assoreamentos e inun- uma fase de resistasia antrópica.
dações. Esses processos de dinâmica superfi- Quando, após o desmatamento, o solo é
cial da biosfera do planeta, também conhecidos ocupado de forma ambientalmente inadequa-
por processos geomorfológicos, vêm modelan- da, a manifestação desses processos geohidro-
do a superfície terrestre ao longo dos períodos lógicos se intensifica, provocando significativos
geológicos. impactos ambientais, que resultam na redução
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 247
3 | OS PROCESSOS
GEOHIDROLÓGICOS NA RBCV
dos níveis de bem-estar humano e na perda da
qualidade de vida.
Entretanto, nos ecossistemas onde o com-
ponente biótico permanece estrategicamente Os processos geohidrológicos na RBCV, que
preservado, mesmo que parcialmente, graças a ocorrem em função dos condicionantes do meio
um planejamento mais adequado do uso e da ocu- físico e do uso do solo, gerando importantes
pação do solo, o escoamento superficial pode ser consequências socioeconômicas, são, em segui-
atenuado. Assim, o componente biótico presente da, apresentados com base nos estudos realiza-
promove a regulação do escoamento superficial, dos e disponíveis.
evitando a manifestação de impactos ambientais O Quadro 1 apresenta os riscos de ocor-
significativos, desempenhando o papel de presta- rência dos principais processos erosivos por
dor de serviço ecossistêmico em associação aos tipo de relevo nos municípios da RBCV. Cabe res-
outros serviços que a biosfera presta à humani- saltar, aqui, que se trata de áreas de ocorrência
dade (ALCAMO, 2003). dos processos, devidamente registrados e, tam-
A atenuação dos impactos dos proces- bém, de áreas com alta probabilidade de ocor-
sos geohidrológicos, especialmente dos seus rências devido aos condicionantes dos relevos,
eventos extremos como as inundações e os especialmente suas amplitudes e declividades,
escorregamentos, constitui um importante dos solos, das litologias e, finalmente, dos diver-
fator do bem-estar da comunidade que vive sos usos praticados pela ocupação.
nesses ecossistemas.
Morrotes da RBCV – Planalto Arujá, Tuiuti, Alumínio, Barueri, Alumínio, Araçariguama, Barueri,
Bragança Paulista, Cotia, Embu, Bragança Paulista, Cotia, Embu, Itapevi,
Itapeti, Jandira, Jundiaí Jandira, Jundiaí, Osasco, São Paulo,
Taboão da Serra, Vargem Grande
Morros da RBCV - Planalto Atibaia, Bom Jesus dos Perdões, Atibaia, Bom Jesus dos Perdões,
Caieiras, Campo Limpo Paulista, Cajamar, Campo Limpo Paulista,
Francisco Morato, Franco da Rocha, Francisco Morato, Franco da Rocha,
Ibiúna, Igaratá, Itapecirica da Serra Ibiúna, Itapevi, Jacareí, Jundiaí,
Jacareí, Jarinu, Jundiaí, Juquitiba, Juquitiba,Ribeirão Pires, Mairinque,
Mairinque, Mairiporã, Paraibuna, Mairiporã, Nazaré Paulista, Osasco,
Ribeirão Pires, Salesópolis, Santa Paraibuna, Piracaia, Rio Grande da Quadro 1 |
Branca e Santa Isabel, Santana de Serra, Salesópolis, Santa Branca, Tipos de relevo,
Parnaíba, Várzea Paulista Santana de Parnaíba, São Paulo,
Várzea Paulista
ocorrências de
processos de
Morros isolados da RBCV - Guarujá Guarujá, Santos e São Vicente inundações e
Baixada
escorregamentos,
Serras e montanhas Araçariguama, Cajamar, Mongaguá, Cajamar, Joanópolis, Nazaré Paulista, e municípios
São Roque e Vargem Grande Osasco, São Paulo e São Roque afetados na RBCV.
Fonte: elaboração
Escarpas --- Cubatão
própria.
248 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 1 |
Geomorfologia
da RBCV.
Fonte: Adaptado de
Ponçano et al. (1981).
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 249
Figura 2 |
Geologia da RBCV.
Fonte: Adaptado
de Bistrischi
et al. (1981).
A RBCV, no continente, está inserida em São Paulo de idade Terciária, que pode ser consi-
sua maior parte no Planalto Atlântico, tendo derada a paleo-planície do rio Tietê.
uma pequena porção na escarpa da Serra do Mar
e na Baixada Santista.
3.1.1 | Os terrenos da RBCV-Planalto
O substrato geológico da RBCV é notada-
mente seccionado por inúmeras falhas geológi- O Planalto Atlântico é uma região de ter-
cas e várias zonas de cisalhamento que formam ras altas, constituídas por formas de topos con-
um mosaico de blocos geológicos diferenciados. vexos, grande densidade de drenagem e vales
No relevo, eles se mostram desnivelados, refle- profundos. As formas de relevo predominantes
xo de manifestações tectônicas e neotectônicas, são os morros, as montanhas, os morrotes e as
definindo montanhas, morros e planícies. Essas colinas, ocorrendo ainda, como relevo de
macroestruturas estão relacionadas à forma- agradação, planícies aluviais, porém pouco
ção da borda litorânea da costa brasileira e da expressivas em área.
escarpa da Serra do Mar. No planalto, ele é res- Em linhas gerais, a área da RBCV-Planalto
ponsável pela formação da Bacia Sedimentar de apresenta uma configuração geomorfológica que
250 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 3 |
Pedologia da RBCV.
Fonte: Rossi (2017).
favorece a deflagração de processos de escorre- são na RBCV-Planalto, dominando os seus limites,
gamentos, de erosão e, portanto, de produção de leste, norte e oeste, em torno de áreas de mor-
de sedimentos, sobretudo nas ocupações inade- rotes e colinas, como se pode ver na Figura 1.
quadas. Os canais de drenagem, que esculpem o As montanhas compõem as serras que se
relevo entalhado, transportam os materiais pro- destacam na RBCV-Planalto. A sudoeste, a Serra
duzidos nas cabeceiras para as partes mais bai- de Paranapiacaba; a oeste, a Serra de Taxaquara,
xas do relevo e, ao se depositarem, configuram na região de São Roque; a norte, a Serra do Japi,
os depósitos de assoreamento, potencializando, na região de Jundiaí, e, ainda, a Serra da Pedra
assim, a ocorrência de enchentes e inundações. Vermelha, em Atibaia, e as Serras da Cantareira
Esse relevo mais acidentado, de morros e que a erosão linear, e os escorregamentos que,
montanhas da RBCV-Planalto, é sustentado pre- entretanto, podem ocorrer em áreas específicas,
dominantemente por rochas cristalinas, ígneas e de declividade mais acentuada.
O relevo de escarpas apresenta encos- leste nos municípios de Arujá, Guararema, Igara-
tas bastante entalhadas, cabeceiras de dre- tá, Jacareí, Santa Branca e Santa Isabel, ao norte
nagens e grotas profundas, topos angulosos, na região de Bragança Paulista e Atibaia, e, a oes-
vertentes retilíneas e vales fechados, topos te, nos municípios de Alumínio, Araçariguama,
estreitos e alongados, vales fechados e abruptos Cabreúva, Mairinque e São Roque.
(PONÇANO et al., 1981). Esse relevo é sustenta- Considerando que as direções predomi-
do por granitoides, gnaisses e migmatitos, onde nantes dos ventos sejam dos quadrantes sul e
se desenvolvem predominantemente, solos sudeste, destaca-se a importância do cinturão
rasos como cambissolos e neossolos litólicos. verde da vegetação natural que se encontra
Neste compartimento, o escoamento paralela ao litoral e a sudeste da RBCV, exercen-
superficial se dá de forma concentrada e tor- do certa proteção da Região Metropolitana de
rencial e sua conjugação com a declividade dos São Paulo (RMSP).
terrenos promove o desenvolvimento intenso Verifica-se estreita relação entre as diver-
de erosão laminar e linear, na forma de sulcos sas formas de uso do solo e o relevo da região
e ravinas, alta ocorrência de escorregamentos, planáltica da RBCV, ou seja, a vegetação natural
quedas de blocos e processos correlatos, mesmo predomina em terrenos de altas declividades
em áreas não ocupadas. Eventualmente ocorrem de escarpas, montanhas e morros, enquanto
corridas de massa.
que o uso urbano, destacado pela grande man-
Figura 4 |
Uso e ocupação do
solo na RBCV.
Fonte: Adaptado de
Kronka et al. (2005;
2007); EMPLASA
(2005); MMA (2005).
Figura 5 |
Evolução da
cobertura vegetal
natural para a RBCV.
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em Victor (1975).
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 255
2019). O resultado é que a mancha urbana A expansão periférica das áreas urbanas,
alcançou áreas onde predominam os terrenos por vezes sem bases legais, em terrenos cada vez
cristalinos, com declividades mais acentuadas menos favoráveis, sobre áreas de relevo intenso,
e solos rasos suscetíveis ao processo erosivo como morros e alta densidade de drenagem,
e, dependendo da forma de uso do solo, onde vem provocando alterações significativas da
ocorre manifestação intensa de erosão, capaz topografia e gerando aterros frágeis, suscetí-
de proporcionar elevadas taxas de produção veis à erosão e aos escorregamentos (Figura 6).
de sedimentos, segundo Campagnoli (2002). Nesse processo, não só são perdidos os serviços
Esse autor mostra que os sedimentos produzi- ecossistêmicos da cobertura vegetal, como são
dos nas microbacias localizadas no entorno da geradas áreas de riscos geotécnicos.
RMSP tendem a desembocar em rios de maior Portanto, a degradação ambiental das áreas
porte, como o Cabuçu de Cima, em Guarulhos, assim ocupadas soma dois ônus: a perda dos
possibilitando a liberação de sedimentos e o serviços, os prejuízos econômicos e danos
assoreamento dos principais rios da RMSP, sociais decorrentes dos processos geohidrológi-
como o Tietê. cos que se manifestam intensamente. A Figura 7,
Figura 6 |
Ocupação do morro do
Jabaquara em Santos.
Fonte: Arquivo
do IPT (2005).
Figura 7 |
Degradação
dos serviços
ecossistêmicos pela
ocupação irregular do
loteamento do Novo
Recreio na periferia
de Guarulhos,
e manifestação
de erosões e
escorregamentos.
Fonte: A.M.S. Oliveira
(nov. 2007).
256 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
na periferia de Guarulhos, apresenta esse qua- potencializados pelo uso do solo. Nas condições
dro de degradação ambiental que associa a per- do meio antrópico em franco processo de ocu-
da dos serviços ecossistêmicos às erosões e aos pação, além dos processos induzidos adquiri-
escorregamentos. rem magnitudes e frequências muito superiores
na RBCV
como, por exemplo, aqueles que se manifes-
tam em áreas terraplenadas, especialmente em
aterros.
O relevo, dentre os fatores naturais dos terre- Tendo em vista o peso da declividade no
nos da RBCV, constitui o principal condicionante fator relevo, a Figura 8 apresenta a distribui-
da manifestação dos processos geohidro- ção das classes de declividade criteriosamente
lógicos. Esses processos, pouco intensos e pou- selecionadas pelo potencial de manifestação dos
co frequentes nas áreas naturais, exceto quan- processos geohidrológicos de encosta, conforme
do deflagrados por chuvas excepcionais, são apresentado no Quadro 2.
Figura 8 |
Distribuição
de classes de
declividades dos
terrenos da RBCV.
Fonte: elaboração
própria.
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 257
Relevo e classes
Comportamento Processos dominantes em áreas
de declividades
hídrico de solo exposto
correspondentes
Figura 9 |
Intensos processos
erosivos nos
aterros de área
terraplenada para
loteamento em
São Paulo.
Fonte: Arquivo
do IPT (2004).
geral associadas às áreas de morrotes e à ocupação, mas que, de fato, são caracteriza-
morros, decorrentes principalmente do proces- das por loteamentos sem infraestrutura, tor-
so de expansão urbana e da ausência de infraes- nando-se áreas potenciais quanto à produção
trutura na grande maioria dos loteamentos de sedimentos. Poucas feições erosivas foram
recentes. encontradas no município de Rio Grande da Ser-
ra, que ainda apresenta extensas áreas que são
3.3.1.2 | Municípios da sub-bacia recobertas por cobertura vegetal. No município
Juqueri – Cantareira (Cajamar,
de Ribeirão Pires e Mauá, as feições erosivas se
Caieiras e Mairiporã)
baixos. Em Mauá, as feições erosivas estão asso-
ciadas à falta de infraestrutura da área urbana.
No município de Cajamar, predominam Grande parte da população ocupa áreas de risco,
áreas com solo exposto associadas a terrenos de caracterizadas por assentamentos urbanos pre-
morrotes e morros baixos. Em Franco da Rocha, cários. No município de Santo André ocorrem,
as feições erosivas significativas se distribuem predominantemente nos terrenos de morrotes
pelos terrenos de colinas e morros baixos. Tam- e morros baixos, áreas de solo exposto e movi-
bém foram identificados trechos importantes dos mentação de terra. Em São Bernardo do Cam-
cursos d’água com depósitos de assoreamento, po, as principais áreas produtoras de sedimen-
correspondentes às planícies aluviais. As feições tos estão localizadas nos terrenos de morrotes
erosivas no município de Caieiras estão distribuí- e morros baixos, que correspondem às áreas
das nos diversos compartimentos do terreno, que de expansão urbana do município. Nos envol-
correspondem aos morrotes, aos morros baixos, tórios da Represa Billings foram identificados
e se concentram nas unidades de terrenos de diversos trechos de depósito de assoreamento,
morros altos, serras e escarpas, áreas passíveis evidenciando o impacto nesse importante
de ocupação com sérias restrições, e áreas impró- manancial de abastecimento.
Figura 10 |
Escorregamento em
Francisco Morato.
Fonte: Arquivo do
IPT (mar. 2005).
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 261
Parnaíba, Osasco, Carapicuíba, Barueri, Itapevi, nas áreas de expansão das cidades da RMSP,
Jandira, Taboão da Serra, Embu, Itapecerica da especialmente nas periferias, onde ocorre a
Serra e Cotia (NOBRE et al, 2010). transformação das condições ambientais rurais
Na Baixada Santista, os municípios que em urbanas.
podem ser considerados mais comprometidos Santos; Nakazawa (1992) relatam que,
são Santos, São Vicente, Guarujá e Cubatão. a princípio, a ocupação ficou restrita a terre-
Portanto, pode-se concluir que a conserva- nos sedimentares de topografia suave e de
ção da vegetação natural com a manutenção dos características geológico-geotécnicas favoráveis
serviços ecossistêmicos nas encostas dos mor- à ocupação urbana. Com o crescimento acele-
ros é de grande importância na estabilização rado e desordenado, outras áreas vêm sendo
dos processos de escorregamentos responsáveis ocupadas, por vezes sem critérios específi-
por prejuízos tão graves para a região. A ocupa- cos, em terrenos de rocha cristalina de relevo
ção de áreas de morros depende de processos mais energético e com solos de alteração mais
rigorosos de planejamento e gestão pela socie- vulneráveis à erosão. Como resultado desses
dade, com soluções que passam tanto por polí- processos, as taxas de erosão e produção de
ticas habitacionais voltadas a essa problemática, sedimentos aumentam à medida que novas
quanto por padrões e estímulos diferenciados áreas estão sendo ocupadas.
de uso para essas áreas. As áreas de periferia da RMSP estão em
locais mais elevados, correspondentes às nascen-
3.3.3 | Assoreamento tes dos diversos cursos d’água da bacia do Alto
Tietê, cujas águas se dirigem para as calhas dos
Os sedimentos que provocam o assorea- rios Tietê e Pinheiros, pela rede de drenagem que
mento dos corpos d’água são produzidos por pro- atravessa os bairros mais consolidados da RMSP
cessos erosivos que se manifestam, sobretudo, (Figura 11). Assim, a erosão, que se manifesta
Figura 11 |
Córrego Taquara
do Reino, afluente
do rio Baquirivu –
Guaçu da bacia do
Alto Tietê, assoreado
com sedimentos e
resíduos, devido à
ocupação urbana na
periferia
de Guarulhos,
apresentada na
Figura 7.
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 263
em tais terrenos, especialmente pela ocupação cúbicos de sedimento por ano. Somente a bacia
inadequada, produz os sedimentos que também do rio Tietê, com cerca de 800 km2, apresenta,
se deslocam na mesma direção, aproveitando segundo Ramos (2002), taxas de assoreamento
as canalizações dos cursos d’água que exercem entre 1.150.000 e 1.480.000 m3/ano, valor que
a transferência dos sedimentos com a mais alta tem a mesma ordem de grandeza dos valores de
eficiência. Junto a esses sedimentos também são desassoreamento praticados nesse rio de 1976
encontrados detritos diversos, provenientes da a 1989, de 1.100.000 m3/ano. Quanto à compo-
disposição inadequada dos resíduos sólidos. sição dos sedimentos, o mesmo autor e Santos
Nos rios Tietê e Pinheiros, os sedimentos (2002) relatam que, no rio Tietê, foi verifica-
e os detritos que assoreiam a sua calha, redu- do que 5% do material é constituído por lixo
zem a eficiência das obras de engenharia da das mais diferentes formas. O restante, 95%, é
sua ampliação, bem como dos serviços de dra- constituído por sedimentos, sendo 50% areia
gagem, concorrendo para a intensificação das fina, 45% areia média, 4% areia grossa e 1%
enchentes. Adicionalmente, os sedimentos tam- silte-argila. Esses sedimentos corresponderiam
bém atingem os reservatórios que vêm sofrendo não só a partículas de solos e rochas dos terre-
forte redução de sua capacidade de armazena- nos naturais das bacias, mas agregam restos de
mento, interferindo no potencial de abasteci- matérias de construção alóctones provenientes
mento de água para a RMSP. de bacias em processo de ocupação.
Na RMSP, o processo assume, às vezes, Entretanto, segundo Santos et al. (2001
proporções catastróficas, com inundações de apud MAIA, 2006), a porcentagem dos sedimen-
bairros, ruas e avenidas, por transbordamento tos que atingem e efetivamente são transporta-
de canais de córregos e mesmo dos rios Tietê e dos pelos rios é geralmente pequena em relação
Pinheiros. Tendo em vista o papel do assorea- ao produzido pela erosão nas bacias. Essa por-
mento na potencialização de tais fenômenos, centagem depende da área de drenagem e de
diversos estudos tratam dessa questão, desta- outras características fisiográficas das bacias.
cando-se os do Instituto de Pesquisas Tecnoló- Campagnoli (2002), Moretti (2001) e Rossini
gicas (IPT) e do Centro Tecnológico de Hidráu- (2005) destacam que faltam medidas de taxas ou
lica (CTH) (IPT, 1993; NAKAZAWA et al., 1994; volumes de sedimentos produzidos pelas peque-
NAKAZAWA; HELOU, 1993; RAMOS, 2002). nas bacias hidrográficas, pois, em geral, não exis-
Rossini (2005) destaca que, de acordo com tem, para este porte de bacia, dados de vazões
o IPT e o Departamento de Águas e Energia Elé- médias mensais e transporte de sedimentos, de
trica do estado de São Paulo (DAEE), chegaram fundo ou em suspensão. Entretanto, o estudo de
a ser retirados da rede hidrográfica natural e Souza (2007) apresenta uma medida realizada
construída (calhas da bacia hidrográfica do Alto com base nos depósitos presentes no fundo do
Tietê, canais, reservatórios, rede urbana de dre- vale de uma pequena bacia hidrográfica, confor-
nagem da RMSP) cerca de 5 milhões de metros me apresentado no Quadro 3.
264 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
A microbacia do Pau d’Alho, afluente do do que sucede com frequência nas áreas de
rio Cabuçu de Cima da bacia do rio Tietê, na expansão urbana na RBCV. A foto aérea registra
periferia urbana de Guarulhos, constitui um caso a área terraplenada sujeita aos processos
que apresenta, de forma notável, os processos erosivos nas cabeceiras e o assoreamento
de erosão e escorregamentos deflagrados pela correspondente no fundo do vale do córrego
ocupação inadequada de um grande loteamento do Pau d’Alho, com perda de várias edificações
regular, Parque Continental, e de uma ocupação como ilustra a foto a seguir.
clandestina, Vila Operária, como um exemplo Por meio de pesquisa dos depósitos de
assoreamento, tecnogênicos, que
se formaram no fundo do vale, foram
reconhecidas duas fases de uso do
solo, rural e urbana. Na fase rural a
produção específica de sedimento
foi estimada em 120 m3.km-2.ano-1;
na fase urbana foi cerca de 20
vezes superior, atingindo 2.320
m3.km-2.ano-1, implicando em uma
produção bruta de sedimentos
de quase 30.000 m3. A relação
de liberação de sedimentos reve-
lou-se muito elevada (81%), indican-
do uma grande eficiência de trans-
ferência de sedimentos da micro-
bacia, que se depositaram na foz
no rio Cabuçu de Cima, formando
extenso depósito que constitui
área fonte de sedimentos para
a calha do rio Tietê. Assim o rio
Tietê vai sofrendo assoreamento
como efeito da erosão provocada
pelos loteamentos inadequados na
periferia da metrópole.
Figura 12 |
Foto aérea de 1986 mostra a área
sendo terraplenada para loteamento
na cabeceira do córrego Pau d’Alho,
região do Cabuçu em Guarulhos.
Fonte: Souza (2007).
Quadro 3 | Figura 13 |
Estudo de Caso: Assoreamento do fundo do vale do
A microbacia córrego do Pau d’Alho com perda de
do Pau d'Alho, edificações.
Guarulhos, SP. Fonte: A.M.S. Oliveira (2006).
Fonte: Souza (2007).
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 265
geohidrológicos na RBCV
nos processos costeiros de erosão e sedimen-
tação, destacando-se no ambiente costeiro
da RBCV, os impactos nas áreas de mangue,
Os ônus, prejuízos ou danos, causados no estuário de Santos – São Vicente, trazendo
pelos processos geohidrológicos, podem ser prejuízos econômicos para o Porto de Santos.
Figura 14 |
Inundação das margens
do rio Pinheiros.
Fonte: Arquivo do IPT
(2005).
266 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 15 |
Comparação entre
o número de
acidentes de
escorregamentos
na RBCV e no estado
de São Paulo.
Fonte: Elaboração
própria.
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 267
4 | O SERVIÇO DE REGULAÇÃO
DO ESCOAMENTO DE ÁGUA E
(19 ocorrências); Santo André e São Bernardo
do Campo (13 ocorrências); Taboão da Serra
Figura 16 |
Distribuição
dos serviços
ecossistêmicos
da biosfera com
base no mapa
de uso do solo.
Fonte: elaboração
própria.
5 | MUDANÇAS CLIMÁTICAS
E OS PROCESSOS
serviços significativos (campos e reflorestamen-
to) pela ocupação urbana (manchas vermelhas
GEOHIDROLÓGICOS
na Figura 16), a menos que sejam criadas uni-
dades de conservação de proteção integral.
O Quadro 4 apresenta uma análise qua-
litativa de impactos dos processos geohidroló- Inicialmente, deve-se considerar que a
gicos na RBCV – Planalto, em termos de risco expansão urbana vem alterando de forma sig-
envolvendo a probabilidade de suas ocorrências nificativa o comportamento climático da região.
como acidente ambiental. O estudo de Pereira Filho et al. (2007) sobre a
Da análise do Quadro 4, resulta a impor- evolução do tempo e do clima na RMSP em 70
tância significativa dos processos de escorrega- anos (1936 – 2005) demonstra o aumento das
mento e de inundação. Entretanto, não se pode precipitações em 395 mm e um aumento das
deixar de considerar o inter-relacionamento temperaturas médias anuais de 2,1oC, responsa-
existente dos diversos processos geohidrológi- bilizando a ilha de calor urbano como a principal
cos que potencializam as manifestações. causa das alterações.
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 269
Processo/
impacto do Erosão Escorre- Solapamento e
Assoreamento Inundação
acidente gamento erosão fluvial
provocado
Além das mudanças climáticas devidas à chuvas intensas (acima de 10 mm) na capital
ilha de calor da RMSP, talvez mudanças cli- paulista.
máticas globais possam ter influência nas Entretanto, os estudos realizados até hoje
condições da RBCV, conforme Nobre et al. sobre os processos geohidrológicos vêm demons-
(2010), que estimam, entre 2070 e 2100, uma trando que, preponderantemente, são o uso do
elevação média na temperatura da região de solo inadequado e a má gestão pública os princi-
2,0oC a 3,0oC. Neste cenário de influência pais fatores que vêm criando os problemas geo-
das mudanças climáticas globais, é projeta- -hidrológicos adversos, devidos às perdas dos
do o dobro o dobro do número de dias com serviços ecossisêmicos da biosfera na RBCV.
270 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
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em áreas urbanas. O caso da microbacia do
GLOSSÁRIO
A
Antropogênico | Termo que indica a origem de relevo muito movimentado, quando às vezes
humana de qualquer componente do meio físico, se associam a afloramentos de rocha. Estes solos
como por exemplo, um depósito sedimentar quan- são muito diversificados em função do relevo e
do induzido pelo uso do solo. O termo também se dos materiais de origem.
aplica ao processo que revela a ação do homem, Cones de dejeção | São depósitos de sedimentos
contrapondo-se ao processo natural equivalente, que ocorrem nos sopés de morros ou montanhas
como por exemplo, erosão antrópica. como dejeções de linhas de drenagem que con-
Argissolos | Argissolos são solos que se carac- centram o escoamento superficial desses relevos.
terizam por uma diferenciação significativa de Os sedimentos podem apresentar diversas granu-
textura dos horizontes A e B, tendo o A uma textu- lometrias, argilas, siltes, areias, podendo também
ra mais arenosa que o B, onde se concentram as conter blocos, sendo neste caso denominados
argilas. Os Argissolos, depois dos Latossolos, são depósitos ou corpos de tálus.
os que apresentam a maior extensão territorial no Corpos de tálus | São depósitos compostos por
Brasil. sedimentos heterogêneos, com materiais finos e
Assoreamento | O assoreamento corresponde blocos ou matacões que se acumulam nos sopés
tanto ao fenômeno de deposição de sedimentos de encostas íngremes ou escarpas.
quanto ao depósito por eles formados em corpos Corridas de massa | Um tipo de movimento de
d’água, em ambientes continentais, rios, lagos, massa, correspondente a um fluxo de grande volu-
reservatórios etc., ou ambientes marinhos, praias, me (centenas a milhares de m3) de detritos, com-
canais etc., naturais ou provocados pela ação postos por solos, rochas, vegetais, água, escom-
antrópica. bros de construções etc., que se desloca, em geral
a altas velocidades (m/s) em fundos de vales. O
C fluxo, que se comporta como o escoamento de
um líquido mais ou menos viscoso, em função da
Cambissolos | Os cambissolos são solos pou- quantidade de água presente, é alimentado por
co desenvolvidos, com presença de material de uma ocorrência intensa de escorregamentos nas
alteração do substrato de origem, em geral pouco encostas da bacia, deflagrados por chuvas excep-
espessos, sobretudo quando ocorrem em áreas cionalmente intensas.
PROCESSOS GEOHIDROLÓGICOS DE EROSÃO, ESCORREGAMENTOS, ASSOREAMENTOS E INUNDAÇÕES 273
E G
Encosta | No relevo, corresponde à superfície Gnaisses | Gnaisses são rochas metamórficas
natural que liga o topo de uma elevação ao fundo que possuem em geral composição semelhante à
do vale. Esta superfície, também denominada de do granito apresentando, porém, orientação dos
vertente, constitui uma conexão dinâmica entre os seus minerais.
divisores de águas e os fundos de vales, por onde
Granitóides | Granitóides são um tipo gené-
escoam as águas de chuva e se manifestam vários
rico de rochas ígneas compostas basicamen-
processos de dinâmica superficial como a erosão.
te por quartzo, feldspatos e micas, com textura
Erosão natural, laminar e linear | A erosão geralmente granular, sendo o granito o tipo mais
natural é um processo de perda de solo, provoca- conhecido.
H
do por diversas causas, destacando-se, na região
da RBCV, a chuva. O processo é comandado por
diversos condicionantes, como os tipos de solo,
Horizontes pedológicos | Os horizontes pedoló-
o relevo e o substrato geológico. No caso da ero-
gicos, ou horizontes dos solos, podem ser obser-
são não natural ou antrópica destaca-se o homem
vados nos perfis verticais dos solos, apresentan-
como agente de erosão, por suas ações de uso do
do-se como se fossem camadas superpostas,
solo. A erosão laminar corresponde a uma erosão
aproximadamente paralelas, que se destacam por
difusa, provocada pelo escoamento da água não
diversos atributos diferentes, especialmente por
concentrado sobre a superfície dos terrenos. A
diferentes cores, e que se desenvolvem a partir da
erosão linear resulta da concentração do escoa-
alteração da rocha subjacente. Os principais hori-
mento superficial em linhas onde se desenvolvem
zontes são o horizonte A, superficial, com maté-
sulcos, ravinas e mesmo voçorocas.
ria orgânica, o horizonte B, abaixo, resultante da
Escorregamento | Um tipo de movimento de transformação significativa do material de origem
massa correspondente à instabilização de encos- e o C que corresponde ao material de origem que
tas ou taludes que apresenta deslocamentos de se pode encontrar em estágio avançado de altera-
volume de solo e/ou rocha com velocidades variá- ção, mas ainda mostra estruturas da rocha.
veis de médias (m/h) a altas (m/s) que em geral
ocorrem em decorrência de chuvas intensas, I
podendo causar danos significativos em áreas
ocupadas, denominadas áreas de risco. Também Inundações | Inundações são processos de
é conhecido por deslizamento e, popularmente, extravasamento das águas fluviais, em resposta
por desbarrancamento ou barreira de estrada. a precipitações intensas, para as áreas margi-
nais dos cursos d’água, ou seja, suas várzeas ou
Espodossolos | Espodossolos são solos, em geral planícies de inundação. As inundações, corres-
arenosos, que apresentam acumulação de maté- pondentes a manifestações naturais de cheias ou
ria orgânica ou de óxidos de ferro e alumínio em enchentes de rios, podem ser intensificadas pela
profundidade destacando horizontes subsuper- intervenção do homem no uso do solo das bacias
ficiais cinza escuro até preto ou avermelhado ou hidrográficas.
amarelado dependendo do material concentrado,
em contraste com o horizonte superficial, em geral L
mais claro.
Latossolos | Os latossolos são os solos que mais
Evapotranspiração | A evapotranspiração cor- ocorrem no Brasil, desenvolvidos em ambiente tro-
responde à soma da água transpirada pelas pical úmido, de coloração avermelhada ou amare-
plantas com a que evapora de superfícies líqui- lada, em geral com mais de um metro de espessu-
das. Em uma bacia hidrográfica, o volume anual ra, frequentemente em relevos suaves, de planos a
da evapotranspiração, somado ao volume anual ondulados, formados por processos que provocam o
escoado dessa bacia, corresponde ao volume de acúmulo de óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio.
água das chuvas que a bacia recebeu, no ciclo
de um ano. M
F
Migmatitos | se apresentam como uma espécie
de rochas híbridas, entre rochas metamórficas e
ígneas, em regiões da crosta onde ocorrem pro-
Falhas geológicas | Falhas geológicas são des-
cessos de fusão parcial.
continuidades ou grandes fraturas que, na cros-
ta terrestre, separam blocos que se deslocaram Movimentos de massa | Processos geológicos
entre si. As rochas junto às falhas se apresentam da dinâmica superficial dos terrenos, correspon-
em geral fragmentadas. dentes à instabilização de volumes significativos
274 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
de solos e/ou rochas que se deslocam na direção por folhas, caules e outros restos vegetais,
dos pés de taludes ou encostas. Podem ser natu- depositada sobre a superfície do solo, com
rais ou induzidos pelo uso do solo. O tipo mais presença de organismos que participam do pro-
frequente de movimento de massa no Brasil é o cesso de decomposição dessa matéria.
escorregamento.
Solapamentos | Fenômeno de erosão fluvial de
R margens que provoca a instabilização e queda de
volumes de solos para dentro da calha do curso
Ravinas | Um tipo de erosão linear, ou seja, forma- d’água. Também conhecido popularmente por
da por concentração do escoamento superficial, desbarrancamentos.
em geral com profundidade maior que meio metro,
não chegando a atingir o lençol freático. Seu com- Z
primento é frequentemente superior a uma dezena
de metros, largura variável de mais de um a vários Zonas de cisalhamento | São zonas da crosta
metros e, em geral, com um formato em V. terrestre que sofreram deformações, impondo
localmente foliações às rochas, e que delimitam
S blocos que sofreram deslocamentos entre si.
2.2 QUALIDADE DO AR
Coordenador
Paulo Hilário Nascimento Saldiva | FMUSP
Autores
Paulo Hilário Nascimento Saldiva | FMUSP
Ana Paula Garcia Martins | IIES
Marco Antonio Garcia Martins | HSPH
Rodrigo Antonio Braga Moraes Victor | FF/SIMA
Thais Mauad | LPAE/ FMUSP
276 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
1 | Introdução........................................................................................................ 282
.............................................................................................................. 314
Glossário ......
278 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 Esquema representando exemplos dos diâmetros aerodinâmicos do material particulado,
sua composição e origem mais provável.
Figura 2 Imagem capturada pelo método da microscopia de varredura, mostrando os diferentes
aspectos morfológicos de partículas ambientais em filtro de nitro-celulose, coletadas no
centro de Porto Alegre.
Figura 3 Taxa estimada de deposição das partículas ambientais, ao longo de diferentes segmentos
do trato respiratório, em um adulto respirando pela boca (VAS = vias aéreas superiores).
Figura 4 Representação esquemática da absorção de compostos tóxicos contidas nas partículas
depositadas nos alvéolos.
Figura 5 Esquema representativo da relação entre gravidade dos efeitos da poluição e o número de
pessoas afetadas pela poluição em uma dada comunidade.
Figura 6 Expectativa de vida em seis cidades americanas que exibem diferentes níveis ambientais
de MP2,5.
Figura 7 Relação entre medidas de MP10 realizadas em dias diferentes, em diferentes áreas do
Hospital das Clínicas da FMUSP (indoor) com medidas simultâneas de MP10, realizadas
pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) em sua estação Cerqueira
César, distante 300 metros do Hospital.
Figura 8 Variação do incremento de mortalidade para uma variação interquartil de MP10 em
diferentes regiões da cidade de São Paulo, diferenciadas por nível socioeconômico (fração
da população com educação de nível superior).
Figura 9 Mapeamento dos Remanescentes de Mata Atlântica, Plano Municipal de Conservação e
Recuperação da Mata Atlântica do Município de São Paulo – 2017.
Figura 10 Localização dos parques Jardim da Luz, Trianon, Aclimação, Previdência, Ibirapuera (em
São Paulo) e Embu-Guaçu (região controle).
Figura 11 Imagem aérea do Parque da Previdência, em São Paulo.
Figura 12 Distribuição dos poluentes bário (Ba); cobalto (Co); cromo (Cr); e cobre (Cu) nas cascas
das árvores amostradas no Parque Previdência, no jardim Ademar, em São Paulo.
Figura 13 Localização do Parque Previdência e distribuição dos poluentes ferro (Fe); enxofre (S);
zinco (Zn); cálcio (Ca) e chumbo (Pb) nas cascas de árvores estudadas.
Figura 14 Imagem aérea do Parque Jardim da Luz, no Bom Retiro, em São Paulo.
Figura 15 Distribuição dos poluentes bário (Ba); cobalto (Co); cromo (Cr); cobre (Cu) nas cascas das
árvores estudadas no Parque Jardim da Luz.
Figura 16 Localização do Parque Jardim da Luz e distribuição dos poluentes ferro (Fe); enxofre (S);
zinco (Zn); cálcio (Ca) e chumbo (Pb) nas cascas das árvores estudadas.
Figura 17 Imagem aérea do Parque Trianon, no bairro Cerqueira César, em São Paulo.
Figura 18 Distribuição dos poluentes bário (Ba); cobalto (Co); cromo (Cr); cobre (Cu) nas cascas das
árvores estudados no Parque Trianon.
Figura 19 Localização do Parque Trianon e distribuição dos poluentes: ferro (Fe); enxofre (S); zinco
(Zn); cálcio (Ca) e chumbo (Pb) nas cascas das árvores estudadas.
Figura 20 Imagem aérea do Parque Aclimação, no bairro Aclimação, região região central de São
Paulo.
QUALIDADE DO AR
QUALIDADE DO AR
279
279
Figura 21 Distribuição dos poluentes bário (Ba); cobalto (Co); cromo (Cr); cobre (Cu) nas cascas das
árvores estudadas no Parque da Aclimação.
Figura 22 Localização do Parque Aclimação e distribuição dos poluentes ferro (Fe); enxofre (S);
zinco (Zn); cálcio (Ca) e chumbo (Pb) nas cascas das árvores estudadas.
Figura 23 Imagem aérea do Parque Ibirapuera, na Vila Mariana, em São Paulo.
Figura 24 Distribuição dos poluentes bário (Ba); cobalto (Co); cromo (Cr); cobre (Cu) nas cascas das
árvores estudadas no Parque Ibirapuera.
Figura 25 Localização do Parque Ibirapuera e distribuição dos poluentes ferro (Fe); enxofre (S);
zinco (Zn); cálcio (Ca) e chumbo (Pb) nas cascas das árvores estudadas.
Figura 26 Médias e desvios padrão das concentrações dos elementos obtidas nas amostras de cascas
de árvores, agrupadas nos fatores 1, 2 e 3, em cada região interna dos parques estudados
e na região controle.
Figura 27 Cobertura vegetal x coeficiente de redução de poluentes nos parques.
Figura 28 Atenuação de cobalto (Co) nas cascas das árvores de 4 parques municipais de São Paulo,
em relação à distância da sua borda viária (concentração x distância).
Figura 29 Atenuação de enxofre (S) nas cascas das árvores de 4 parques municipais de São Paulo,
em relação à distância da sua borda viária (concentração x distância).
Figura 30 Vias em que exposições a áreas verdes podem resultar em desfechos na saúde.
TABELAS
Tabela 1 Coeficientes relacionando aumento de mortalidade por diferentes causas a exposição
crônica a MP2,5.
Tabela 2 Resumo de estudos representativos relacionando variações agudas de ozônio com
mortalidade.
Tabela 3 Quantificação da remoção anual da poluição atmosférica por árvores em 25 cidades. As
quantidades são médias por hectare em áreas com cobertura arbórea (as quantidades em
parênteses são médias por hectare em áreas com alta cobertura arbórea).
Tabela 4 Distribuição das categorias de vegetação em hectares, percentual e número de fragmentos,
no município de São Paulo, em 2016.
SIGLAS
As Arsênio
Ba Bário
Br Bromo
BOH Bosque Heterogêneo
Ca Cálcio
CAM Campo Alto Montano
Cd Cádmio
CETESB Companhia Ambiental do Estado de São Paulo
CO Monóxido de Carbono
Co Cobalto
CPO Campos Gerais
Cr Cromo
Cu Cobre
280 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
RESUMO
2 | O PROBLEMA: POLUIÇÃO
aceitável, ou seja, níveis comprovadamente capa-
Figura 1 |
Esquema
representando
exemplos dos
diâmetros
aerodinâmicos
do material
particulado, sua
composição e
origem mais
provável.
Fonte: Adaptado de
Environmental
Agency (2004).
Nota: MP2,5: Material particulado com diâmetro aerodinâmico menor ou igual a 2,5 µm; MP10: Material particulado com diâmetro aerodinâ-
mico menor ou igual a 10 µm
Figura 2 |
Imagem capturada
pelo método da
microscopia de
varredura,
mostrando os
diferentes aspectos
morfológicos de
partículas ambientais
em filtro de
nitro-celulose,
coletadas no centro
de Porto Alegre.
QUALIDADE DO AR 285
Análises da composição química realizadas depositam na luz dos alvéolos (de uma maneira
em partículas ambientais revelam a presença de mais simples, espaços entre os alvéolos), onde
espécies químicas com grande potencial para se inicia a transferência de espécies tóxicas das
promover agravos à saúde humana, as quais partículas para o ambiente alveolar e para o
podem ser citadas: os metais pesados (cádmio, meio interno, como demonstrado na Figura 4.
chumbo, cobre, cromo, níquel, manganês, zin- De modo geral, quanto menor a partícula,
co, entre outros), compostos orgânicos voláteis maior a possibilidade de acesso de seus compos-
(antraceno, b-antraceno, pireno, b- pireno, fluo- tos ao meio interno do organismo. A literatura
ranteno, entre outros) e micro-organismos aler- médica tem revelado que as partículas ultrafinas
gênicos (fungos e bactérias). (de diâmetro aerodinâmico igual ou menor do
A composição também interfere de for- que 0,1μm) têm potencial tóxico mais elevado
ma significativa com sua toxicidade. Este é do que o das partículas maiores. No entanto, a
um ponto que merece reflexão, visto que a literatura sobre os efeitos tóxicos das partículas
legislação ambiental estabelece padrões de ultrafinas ainda é bastante escassa do ponto de
qualidade do ar somente em termos de sua vista epidemiológico, sendo dominada por estu-
concentração em massa. No entanto, deveria dos em animais ou em modelos in vitro.
2.2 | Ozônio
ser considerado também seu potencial tóxico.
Como exemplos podem ser citadas as emissões
de veículos a diesel, que apresentam potencial
tóxico significativamente maior que a mesma O ozônio e outros oxidantes fotoquímicos
massa de aerossol marinho (partículas prove- são poluentes que não são emitidos diretamente
nientes do mar). pelas fontes, mas formados a partir de uma série
Outra informação que merece considera- de reações fotoquímicas na atmosfera. Estas
ção é a taxa de deposição pulmonar efetiva de reações ocorrem devido à energia transferida às
cada uma das frações do material particulado, substâncias precursoras quando elas absorvem
visto que o diâmetro aerodinâmico das par- fótons a partir da radiação solar. Os precursores
tículas interfere com a sua retenção ao longo mais caracteristicamente associados à formação
dos diferentes segmentos do trato respiratório de espécies oxidantes na atmosfera são o dió-
(Figura 3). xido de nitrogênio (NO2) e os compostos orgâ-
A toxicidade das partículas é determina- nicos voláteis, ambos presentes nas emissões
da pelos compostos presentes naquelas que se veiculares ou na queima de biomassa.
Figura 3 |
Taxa estimada de
deposição das
partículas ambientais,
ao longo de diferentes
segmentos do trato
respiratório, em um
adulto respirando pela
boca (VAS = vias
aéreas superiores).
Fonte: Adaptado de
Heinsohn & Kabel (1998).
286 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 4 |
Representação
esquemática da
absorção de
compostos tóxicos
contidas nas
partículas
depositadas nos
alvéolos.
Fonte: Paulo Hilário
Nascimento Saldiva.
A reação final do ciclo de formação do ozô- com diferentes tempos de latência: efeitos com-
nio na atmosfera, que produz nitratos orgânicos, portamentais e cognitivos; inflamações pulmo-
pode ser entendida como uma forma de estabi- nares e sistêmicas; alterações no calibre das
lização e transporte do NO2 a longas distâncias vias aéreas, do tônus vascular e do controle do
(principalmente na forma de peroxi-acetil nitra- ritmo cardíaco; alterações reprodutivas; morbi-
to), uma vez que o equilíbrio da reação pode ser dade e mortalidade por doenças cardiorrespi-
revertido em áreas distantes da fonte primária ratórias; aumento da incidência de neoplasias,
de NO2. Desta forma, as concentrações de ozô- entre outros.
nio tendem a ser substancialmente maiores nas Dada à multiplicidade de ocorrências pos-
regiões mais distantes dos pontos da emissão síveis, é necessária a definição, de forma objeti-
primária de seus precursores, dependendo do va, de efeito adverso à saúde. A partir desta defi-
transporte pelos ventos e a altura da camada de nição, é possível selecionar quais são os eventos
inversão, fazendo com que as áreas de atenção úteis para se determinar o impacto que alguma
por ozônio possam ocorrer distantes dos gran- modificação ambiental terá sobre a população
des centros e em áreas desprovidas de monito- exposta.
ramento ambiental. A definição mais amplamente adotada
para caracterizar um efeito adverso à saúde tem
Figura 6 |
Expectativa de vida
2.4 | Exposição e vulnerabilidade
em seis cidades da população da RMSP à poluição
atmosférica
americanas que
exibem diferentes
níveis ambientais
de MP2,5 .
Fonte: Dockery
Nos grandes centros urbanos, geralmente
et al. (1996). as maiores concentrações de poluentes estão
nas regiões centrais. Contraditoriamente, em
muitas regiões do planeta, são as regiões mais
desprovidas de árvores.
Os resultados demonstrados na Figura 6 O aumento da suscetibilidade aos poluen-
indicam que a expectativa de vida decresce em tes é dependente de fatores individuais, de
aproximadamente um ano e meio para cada 10 moradia e de condicionantes socioeconômicas.
µg/m3 de MP2,5, devido a doenças cardiopul- Entre os fatores de natureza individual os mais
monares e câncer de pulmão. importantes são idade, morbidades associadas e
Estudos utilizando inalações controladas, características genéticas.
tanto em animais como em seres humanos, indi- Os extremos da pirâmide etária têm
cam que o ozônio tem potencial de provocar sido consistentemente apontados como alvos
efeitos adversos à saúde humana, como: preferenciais da ação adversa dos poluentes
QUALIDADE DO AR 289
Meta-análise de
43 estudos realizados
em diferentes partes do Um aumento de 20 µg/m3 da média horária de ozônio Ito; De Leon; Tabela 2 |
mundo acrescidos foi associado a um incremento de 0,39% na Lippmann (2005) Resumo de estudos
de 7 estudos mortalidade geral. representativos
norte-americanos relacionando
variações agudas
Meta-análise de Aumento de 0,21% na mortalidade geral para um Levy; Chemerynski; de ozônio com
28 estudos incremento de 10µg/m3 na concentração média Sanart (2005) mortalidade.
norte-americanos de ozônio. Fonte: Elaboração
própria.
Figura 7 |
Relação entre
de compra de medicamentos para tra-
medidas de MP10
tamento de doenças;
realizadas em dias b) condições que favorecem uma maior
diferentes, em exposição aos poluentes: a relação
diferentes áreas
do Hospital das
entre exclusão social e maior expo-
Clínicas da FMUSP sição aos poluentes ocorre tanto em
(indoor) níveis continentais, como dentro de
com medidas
simultâneas de
cada comunidade. Processos indus-
MP10, realizadas
triais mais “sujos”, veículos com tec-
pela CETESB em nologia menos desenvolvida, com-
sua estação
Cerqueira César,
bustíveis com maiores teores de
distante 300 metros
contaminantes, são eventos reconhe-
do Hospital. cidamente mais frequentes nos países
Fonte: Elaboração em desenvolvimento.
própria.
será maior nos bairros com piores indicadores Em menor escala, dentro de uma mesma
socioeconômicos. comunidade, é comum o fato de que as pro-
A Figura 8 mostra o incremento percen- fissões que levam a uma maior exposição aos
tual de mortalidade para idosos com idade poluentes (trabalhadores de rua, por exemplo)
acima de 65 anos, em diferentes regiões da sejam exercidas pelos segmentos mais caren-
cidade de São Paulo em função dos indicado- tes da população. Da mesma forma, moradias
res socioeconômicos (no caso, fração da popu- nas bordas de vias com alto tráfego e a utiliza-
lação com educação de nível superior). ção de lenha ou resíduos para a preparação de
Como evidencia na Figura 8, a região alimentos são eventos mais comuns aos gru-
mais carente de educação apresentou um pos menos favorecidos.
aumento da mortalidade em aproximadamen- Desta forma, a maior vulnerabilidade dos
te seis vezes, se comparado com o observado segmentos de menor poder econômico aos
na área com maior indicador de estudo. poluentes atmosféricos é determinada tanto
Os fatores que determinam a maior vul- pelas piores condições basais de saúde e aces-
nerabilidade da população menos favorecida so aos instrumentos de saúde, quanto por uma
frente aos poluentes atmosféricos podem ser maior exposição à poluição.
3 | A VEGETAÇÃO COMO
divididos em dois grandes grupos:
a) eventos relacionados às condições de
ELEMENTO DE REDUÇÃO
saúde e o acesso a cuidados e medi-
DAS CONCENTRAÇÕES DE
camentos: é sabido que a população
mais carente apresenta condição de
POLUENTES ATMOSFÉRICOS
saúde mais precária devido a proble-
mas de saneamento, nutrição, acesso
aos serviços médicos e menor poder
Figura 8 |
Se por um lado é cada vez maior a pro-
Variação do
porção da população mundial em áreas urba-
incremento de nas, por outro lado, a supressão da cobertura
mortalidade para vegetal nas grandes cidades tem provocado a
uma variação
interquartil de MP10
perda de serviços ecossistêmicos, com refle-
em diferentes xos diretos no bem-estar humano. A literatura
regiões da cidade reporta quatro principais formas de contri-
de São Paulo,
diferenciadas por
buição das áreas verdes (plantas e árvores) na
nível socioeconômico
atenuação da poluição atmosférica:
(fração da população a) absorção pelos estômatos das folhas a
com educação de
nível superior).
partir da interceptação dos poluentes
Fonte: Martins et al.
pela sua superfície. Dentro das folhas,
(2004). os gases se difundem nos espaços
QUALIDADE DO AR 291
que outros tipos de ocupação do solo. Um estu- média da qualidade do ar promovida por essa
do realizado no Reino Unido concluiu que um remoção represente menos de um por cento do
aumento de 54% na cobertura vegetal de uma total. As maiores remoções de poluentes ocor-
cidade seria capaz de elevar a taxa de remo- reram nas zonas rurais, enquanto que os bene-
ção de partículas inaláveis (MP10) em 26% (Mc fícios na saúde humana predominaram nas
DONALD et al., 2007). zonas urbanas.
A redução de 20% da área vegetada de uma Elmqvist et al. (2015), em análise de ser-
cidade pode aumentar em 14% a concentração viços ecossistêmicos urbanos em 25 cidades
de ozônio (O3) e o aumento de 20% para 40% da americanas, canadenses e chinesas, refletem
cobertura arbórea pode significar a diminuição sobre a necessidade e os grandes benefícios
de 1ppb de ozônio (O3) a cada hora. O decréscimo monetários e não monetários associados à res-
das concentrações de O3 tem um efeito positivo tauração da infraestrutura verde nas cidades,
local imediato, mas a tendência é que esta dimi- tornando-as mais biodiversas e resilientes. Nes-
nuição ocorra em escala regional (NOWAK et al., se estudo, os autores apresentam a quantificação
2000). de cinco serviços ecossistêmicos dessas cidades,
No entanto, a poluição também pode cau- incluindo a remoção da poluição atmosférica. Os
sar danos e provocar o declínio da vegetação benefícios econômicos da purificação do ar, para
urbana. Segundo Baumback (1996), os gases essas urbes equivalem, em média, a US$ 647/
e particulados têm efeitos diretos nas plantas, ha/ano (variação de 60 a 2.106), enquanto as
principalmente nas folhas e acículas e poste- quantidades de poluentes removidos são apre-
riormente nas raízes, por meio da contamina- sentados na Tabela 3.
ção do solo. Cada poluente gera uma interação Em abrangente estudo realizado em Bar-
diferente com a vegetação, assim como a reação celona, envolvendo 792.649 pessoas entre 2010
das plantas ao poluente também varia entre e 2014, Nieuwenhuijsen et al. (2018) avaliaram
espécies e estágio de crescimento (BAYCU et os efeitos da poluição do ar, ruído, áreas verdes
al., 2006). e corpos hídricos sobre mortes prematuras de
Além da redução da poluição do ar, a vege- quaisquer causas. A pesquisa concluiu que a
tação nas cidades pode diminuir o aquecimento exposição às áreas verdes diminuiu esse tipo de
da superfície asfáltica, reduzindo os reparos e mortalidade, ao passo que a exposição ao dió-
gerando uma economia de 58% (McPHERSON et xido de nitrogênio (NO2) e aos corpos hídricos
al., 2005). elevou o risco das mortes prematuras de quais-
Em avaliação sobre o impacto de árvores quer causas.
e florestas, urbanas e rurais, sobre redução Estimativas realizadas para o território da
de poluição atmosférica nos Estados Unidos, RBCV indicam que a taxa de remoção atmos-
Nowak et al. (2014) estimam que em 2010 férica pelas florestas em processo de regene-
foram permanentemente removidos um total ração ultrapassa 28 milhões de toneladas de
de 17,4 milhões de toneladas de poluentes carbono equivalente por ano - o que representa
atmosféricos (variação entre 9 e 23,2 milhões 36% das emissões estaduais anuais (LUCA et al,
de toneladas), com benefícios para a saúde 2014). Em escala local, será discutido o papel
estimados em 6,8 bilhões de dólares (varia- da vegetação na atenuação da poluição atmos-
ção entre 1,5 a 13 bilhões), embora a melhoria férica para a cidade de São Paulo.
QUALIDADE DO AR 293
Beijing 132
Casper, WY 6.2 (69.9)
Chicago, IL 13.5 (74.9)
Guangzhou 42.4
Indiana (áreas urbanas) 13.6 (67.6)
Kansas (áreas urbanas) 14.6 (104.6)
Lanzhou 4.1
Los Angeles, CA 14.7 (71.4)
Minneapolis, MN 18.3 (53.8)
Modesto, CA 210
Morgantown, WV 23.4 (59.0)
Nebraska (áreas urbanas) 32.0 (213.6)
New York (NY) 19.0 (91.0)
North Dakota (áreas urbanas) 1.3 (48.3)
Tabela 3 |
Philadelphia, PA 15.3 (73.5) Quantificação da
remoção anual da
Sacramento, CA 9.3 poluição atmosférica
San Francisco, CA 10.7 (66.7) por árvores em
25 cidades. As
Scranton, PA 15.6 (70.9) quantidades são
South Dakota (áreas urbanas) 10.3 (60.8) médias por hectare
em áreas com
Syracuse, NY 15.2 (56.6) cobertura arbórea
(as quantidades em
Tennessee (áreas urbanas) 39.1 (103.6)
parênteses são
Toronto, Canadá 29.9 (112.4) médias por hectare
em áreas com alta
Washington, DC 23.8 (68.0)
cobertura arbórea).
Wisconsin (áreas urbanas) 17.6 (65.8) Fonte: Adaptado de
Elmqvist et al. (2015).
4 | O SERVIÇO ECOSSISTÊMICO
DE REGULAÇÃO DA QUALIDADE
habitantes da cidade e, principalmente, são
elas que prestam importantes serviços ecos-
DO AR NO MUNICÍPIO DE
sistêmicos à população desse centro urbano.
SÃO PAULO
De acordo com o Plano Municipal de Con-
servação e Recuperação da Mata Atlântica no
Município de São Paulo (SÃO PAULO, 2017), os
fragmentos do bioma em território paulistano
O processo de ocupação acelerado da somam 45.906,64 ha, ou 30,4% da superfície
cidade de São Paulo e dos municípios do municipal. Entretanto, essa vegetação está bas-
entorno fez com que a cidade avançasse sobre tante irregularmente distribuída, como pode ser
as áreas verdes, que hoje se restringem a áreas observado na Figura 9.
protegidas estaduais, municipais e proprie- A distribuição das categorias de vegeta-
dades particulares. Essas áreas representam ção no município de São Paulo é apresentada
atualmente os meios de lazer e recreação dos na Tabela 4.
294 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 9 |
Mapeamento dos
Remanescentes de
Mata Atlântica –
Plano Municipal de
Conservação
e Recuperação da
Mata Atlântica do
Município de São
Paulo.
Fonte: São Paulo
(2017).
QUALIDADE DO AR 295
Esse padrão de distribuição da vegetação, A avaliação dos poluentes foi feita a partir
que reflete o histórico de ocupação da cidade, da análise química de cascas de árvores, técni-
faz com que os serviços ecossistêmicos estejam ca utilizada desde a década de 1970 (BARNES;
mais vigorosamente disponíveis a um setor de HAMADAH; OTTAWAY, 1976; BOHM et al., 1998;
sua população, enquanto milhões de pessoas SCHELLE et al., 2008; FAGGI et al., 2011), conhe-
vivem com pouco ou praticamente nenhum con- cida como biomonitoramento.
tato com os benefícios dos ecossistemas. Arndt e Schweizer (1991) definem bioindi-
Os serviços dos ecossistemas são fundamen- cadores como organismos ou conjunto de orga-
tais para tornar viável a vida nas metrópoles que nismos que reagem a perturbações ambientais
deles se utilizam e determinar o nível de quali- por meio de alterações nas suas funções vitais
dade de vida de suas populações. Alguns desses ou composição química e podem ser usados
principais serviços associados aos ecossistemas para avaliação da extensão das mudanças em
urbanos e periurbanos, característicos das peque- seu ambiente.
nas e grandes áreas verdes que compõem o cintu- São várias as vantagens da utilização de
rão verde da cidade de São Paulo são: produção de vegetais como bioindicadores, podendo ser cita-
alimentos; recursos madeireiros e não madeirei- dos o baixo custo, aplicação da técnica em áreas
ros; produtos bioquímicos e farmacêuticos; pro- em que não há a presença do monitoramento
visão e regulação da água; controle de processos instrumental convencional, facilidade do trei-
geohidrológicos de erosão, escorregamento, asso- namento de pessoal para manuseio das técnicas
reamento e inundações; regulação climática local correspondentes, potencial educativo do pro-
e regional; serviços culturais folclorísticos, de cesso, entre outros.
lazer e turismo; além da regulação da qualidade A utilização de cascas de árvores é classi-
do ar, objeto deste capítulo (RODRIGUES, 2014). ficada como biomonitoramento passivo, em que
Para este último, os estudos realizados por Mar- os indivíduos já se encontram no local da amos-
tins (2009) e Martins et al. (2011), a seguir deta- tragem. Essa técnica evita despesas com trans-
lhados, demonstram o papel dos ecossistemas na portes ou produção/manutenção de mudas, não
regulação da qualidade do ar da RBCV. ocasiona danos às plantas, uma vez que apenas
Os trabalhos supramencionados foram as camadas mais externas são retiradas, além
conduzidos em determinadas "células" da RBCV de permitir o georreferenciamento dos indiví-
– parques urbanos localizados no município de duos para posteriores análises geoestatísticas.
São Paulo, que se configuram como zonas de Trata-se de alternativa bastante eficiente, segu-
amortecimento e conectividade desta reserva da ra, disponível e barata para complementar o
biosfera. Esses estudos consistiram em analisar monitoramento tradicional.
o padrão de dispersão de determinados elemen- Schelle (2008) aponta a conveniência da
tos químicos (elementos-traço) dentro desses utilização das cascas de árvores como método
parques gerados pelo tráfego urbano em suas para o monitoramento urbano e industrial, em
redondezas e a contribuição da vegetação para complemento aos métodos convencionais, indi-
a redução desses poluentes. cando adequadamente “hot spots” de poluição;
296 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
o autor também destaca o potencial das árvores fontes específicas de poluentes atmosféricos; iii)
como filtros naturais de poluentes. Schelle et al. associar a dispersão dos poluentes dentro dos
(2008), em análise de 642 amostras de cascas parques com a densidade de cobertura vegetal
de árvores da região metropolitana de Sheffield, dessas áreas verdes.
Inglaterra, associaram concentrações de arsênio Dos elementos químicos analisados, alguns
(As), cádmio (Cd), e níquel (Ni) nos indivíduos são bem característicos das diferentes fontes de
arbóreos com emissões antropogênicas, com poluição atmosférica incidentes numa grande
destaque para a inexistência de diferenças signi- cidade, aqui classificados em fatores:
ficativas de concentração dos elementos avalia- ¡ Fator 1: bário (Ba), cobalto (Co), cromo
dos entre as diferentes espécies amostradas, o (Cr), cobre (Cu) e ferro (Fe) são resultantes
que indica que a medição de poluentes em espé- de emissões dos freios veiculares, fricção
cies variadas, numa mesma região, não ocasio- dos pneus e desgaste de partes metálicas.
na erros significativos no biomonitoramento da ¡ Fator 2: zinco (Zn) e enxofre (S) são
poluição atmosférica. resultantes dos escapamentos veiculares,
O biomonitoramento a partir das cascas de especialmente importantes em países
árvores nos parques paulistanos, trabalho pio- como o Brasil, com combustíveis ainda
neiro na cidade, permitiu a coleta de um grande contendo altos níveis de enxofre. As par-
número de amostras em regiões sob significati- tículas geradas por essa via são menores
va influência da emissão de poluentes por trá- do que aquelas geradas por fricção.
fego urbano, tornando esse levantamento finan- ¡ Fator 3: chumbo (Pb) e cádmio (Ca) são
ceira e operacionalmente viável na escala e com resultantes da erosão do asfalto e ressus-
a intensidade amostral realizados. pensão do chumbo depositado na malha
Em cada parque, foram coletadas amostras viária.
de diferentes espécies de árvores, com diferen- Os estudos sobre o papel dos ecossistemas
tes diâmetros, em alturas de 1,20m a 1,50m aci- de São Paulo na regulação da qualidade do ar
ma do nível do solo, com preferência às cascas foram realizados em cinco parques, cujas carac-
rugosas. As amostras, devidamente georreferen- terísticas de entorno apresentam a seguinte
ciadas, foram classificadas em externas (locali- configuração:
zadas a menos de 50m dos limites do parque), a) regiões com tráfego intenso e predomi-
internas (localizadas a mais de 200m das mar- nância de veículos leves: Parque da Acli-
gens, no interior dos parques) e intermediárias mação (rua Muniz de Souza, 1119, Acli-
(situadas entre as duas categorias anteriores). mação; e Parque do Ibirapuera (avenida
As amostras foram analisadas utilizando-se Pedro Álvares Cabral, s/n, Vila Mariana);
a técnica de fluorescência de raios-x por disper- b) regiões centrais com tráfego intenso,
são de energia (EDXRF) visando à determinação presença de veículos leves e pesados de
quantitativa dos elementos arsênio (As), bário transporte coletivo: Parque Jardim da
(Ba), bromo (Br), cálcio (Ca), cádmio (Cd), cobal- Luz (praça da Luz, s/n, Bom Retiro); e
to (Co), cromo (Cr), cobre (Cu), ferro (Fe), mercú- Parque Tenente Siqueira Campos – Par-
rio (Hg), manganês (Mn), níquel (Ni), fósforo (P), que Trianon (rua Peixoto Domide, 949,
chumbo (Pb), enxofre (S), antimônio (Sb), selênio Cerqueira César);
(Se), estrôncio (Sr), vanádio (V) e zinco (Zn). c) região mais periférica próximo de
Os resultados obtidos para os elementos arsê- rodovia sob forte influência de veículos
nio (As), cádmio (Cd), mercúrio (Hg), selênio (Se) pesados movidos a diesel, como ônibus
e vanádio (V) ficaram abaixo do limite de detecção e caminhões: Parque Previdência (rua
do equipamento e, por isso, não foram utilizados. Pedro Peccinini, 88, Jardim Ademar).
Martins (2009, 2011) teve por objetivos: i) Foi ainda estabelecida uma região con-
caracterizar a área de influência de corredores trole para coleta de amostras, em um parque
de tráfego veicular em cinco parques da cidade no município vizinho de Embu-Guaçu, distan-
de São Paulo por meio do biomonitoramento de te de tráfego ou indústrias.
elementos-traço acumulados em cascas de árvo- A localização dos parques analisados e da
res; ii) verificar a possibilidade de identificar região controle podem ser vistas na Figura 10.
QUALIDADE DO AR 297
Figura 10 |
Localização dos
parques Jardim da
Luz, Trianon,
Aclimação,
Previdência,
Ibirapuera (em São
Paulo) e Embu-Guaçu
(região controle).
Fonte: Elaboração
própria. Adaptado de
Martins (2009).
Os mapas dos cinco parques de São Paulo com as análises espaciais de distribuição apresen-
tados dos elementos da Figura 11 à Figura 25.
298 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 11 |
Imagem aérea
do Parque da
Previdência, no
Jardim Ademar,
em São Paulo.
Fonte: Google
Earth (2019).
Figura 12 |
Distribuição dos
poluentes bário
(Ba); cobalto (Co);
cromo (Cr); e cobre
(Cu) nas cascas
das árvores
amostradas no
Parque Previdência,
em São Paulo.
Elaboração própria.
Com base em
Martins (2009).
QUALIDADE DO AR 299
Figura 13 |
Localização do
Parque Previdência e
distribuição dos
poluentes ferro (Fe);
enxofre (S); zinco (Zn);
cálcio (Ca) e chumbo
(Pb) nas cascas de
árvores estudadas.
Fonte: Elaboração
própria. Com base em
Martins (2009); Google
Earth (2019).
300 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 14 |
Imagem aérea do
Parque Jardim
da Luz, no
Bom Retiro,
em São Paulo.
Fonte: Google
Earth (2019).
Figura 15 |
Distribuição dos
poluentes bário
(Ba); cobalto (Co);
cromo (Cr); cobre
(Cu) nas cascas
das árvores
estudadas no
Parque Jardim
da Luz. Elaboração
própria. Com base
em Martins (2009).
QUALIDADE DO AR 301
Figura 16 |
Localização do
Parque Jardim da Luz
e distribuição dos
poluentes ferro (Fe);
enxofre (S); zinco (Zn);
cálcio (Ca) e chumbo
(Pb) nas cascas das
árvores estudadas.
Fonte: Elaboração
própria. Com base em
Martins (2009); Google
Earth (2019).
302 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 17 |
Imagem aérea do
Parque Trianon,no
bairro Cerqueira
César, em
São Paulo.
Fonte: Google
Earth (2019).
Figura 18 |
Distribuição dos
poluentes bário
(Ba); cobalto (Co);
cromo (Cr);
cobre (Cu) nas
cascas das árvores
estudados no
Parque Trianon.
Elaboração própria.
Com base em
Martins (2009).
QUALIDADE DO AR 303
Figura 19 |
Localização do Parque
Trianon e distribuição
dos poluentes: ferro
(Fe); enxofre (S); zinco
(Zn); cálcio (Ca) e
chumbo (Pb) nas
cascas das árvores
estudadas.
Fonte: Elaboração
própria. Com base em
Martins (2009); Google
Earth (2019).
304 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 20 |
Imagem aérea do
Parque Aclimação,
no bairro
Aclimação, região
região central
de São Paulo.
Fonte: Google
Earth (2019).
Figura 21 |
Distribuição dos
poluentes bário
(Ba); cobalto (Co);
cromo (Cr); cobre
(Cu) nas cascas
das árvores
estudadas no
Parque da
Aclimação.
Elaboração própria.
Com base em
Martins (2009).
QUALIDADE DO AR 305
Figura 22 |
Localização do
Parque Aclimação e
distribuição dos
poluentes ferro (Fe);
enxofre (S); zinco (Zn);
cálcio (Ca) e chumbo
(Pb) nas cascas das
árvores estudadas.
Fonte: Elaboração
própria. Com base em
Martins (2009); Google
Earth (2019).
306 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 23 |
Imagem aérea
do Parque do
Ibirapuera, na
Vila Mariana,
em São Paulo.
Fonte: Google
Earth (2019).
Figura 24 |
Distribuição dos
poluentes bário
(Ba); cobalto (Co);
cromo (Cr); cobre
(Cu) nas cascas
das árvores
estudadas no
Parque Ibirapuera.
Elaboração própria.
Com base em
Martins (2009).
QUALIDADE DO AR 307
Figura 25 |
Localização do
Parque Ibirapuera
e distribuição dos
poluentes ferro (Fe);
enxofre (S); zinco (Zn);
cálcio (Ca) e chumbo
(Pb) nas cascas das
árvores estudadas.
Fonte: Elaboração
própria. Com base em
Martins (2009); Google
Earth (2019).
308 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 26 |
Médias e desvios
padrão das
concentrações dos
elementos obtidas
nas amostras de
cascas de árvores,
agrupadas nos
fatores 1, 2 e 3,
em cada região interna
dos parques estuda-
dos e na região contro-
le. Fonte: Elaboração
própria. Adaptado
de Martins (2009).
QUALIDADE DO AR 309
Figura 27 |
Cobertura arbórea
x coeficiente de
redução de poluentes
nas cascas das
árvores nos parques.
Fonte: Martins (2011).
Figura 28 |
Atenuação de cobalto
(Co) nas cascas das
árvores de 4 parques
municipais de
São Paulo, em relação
à distância da sua
borda viária
(concentração x
distância).
Adaptado de Martins
et al. (2011).
Figura 29 |
Atenuação de enxofre
(S) nas cascas das
árvores de 4 parques
municipais de São
Paulo, em relação à
distância da sua borda
viária (concentração x
distância).
Fonte: Adaptado de
Martins et al. (2011).
310 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 30 |
Vias em que
exposições a áreas
verdes podem resultar
em desfechos na saúde.
Fonte: Adaptado de
James et al. (2015).
própria saúde e sobrevivência. No momento em que devemos fazer para nos tornarmos mais
que, há centenas de milhares de anos, começa- saudáveis. É até mesmo provável que a maior
mos a nos distanciar da natureza em que vive- parte das mudanças positivas que tomamos
mos, invocando-nos o papel de controladores do sejam feitas em hospitais, superando aquelas
mundo, criamos as condições de deterioração que ocorrem nas igrejas. Na verdade, muitos
ambiental do nosso ambiente, que nos ameaça de nós somente procuramos auxílio divino
sob a forma de mudanças climáticas e escassez quando nos defrontamos com problemas de
de recursos naturais. grande monta. Seja pela medicação ou pela ora-
Nossas cidades estão doentes. São Paulo ção, a nossa doença urbana merece uma séria
tem febre nas suas ilhas de calor, obstrução modificação de atitude em relação ao nosso
arterial nas suas vias congestionadas, vias ambiente. O momento da reversão da tendência
aéreas inflamadas pela poluição do ar, edema de degradação ambiental em São Paulo é ago-
durante as chuvas, diarreia nos seus rios e ra. Não importa em que proporção, os vários
diabetes pelo uso inadequado da energia. Nós, sentimentos associados ao tema – altruísmo,
células vivas deste tecido urbano, também generosidade, consciência, egoísmo ou inte-
nos tornamos enfermiços pelas nossas ações. resse pessoal – criarão as condições de uma
Este é, paradoxalmente, um bom momento. melhor sustentabilidade. O importante é que
Cremos que a doença nos tira da zona de con- não acrescentemos mais uma mazela ao elenco
forto em que nos acomodamos, fazendo-nos dos diagnósticos de nossa cidade, qual seja, a
refletir sobre o que somos e sobre as mudanças impotência.
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GLOSSÁRIO
A
Arritmia cardíaca | Alterações elétricas que Compostos orgânicos voláteis | Compostos
provocam modificações no ritmo das batidas do orgânicos que possuem alta pressão de vapor
coração. sob condições normais a tal ponto de vapori-
zar significativamente e entrar na atmosfera.
Asma | Doença inflamatória crônica das vias
Uma grande variedade de moléculas à base de
aéreas, de caráter heterogêneo. A doença é asso-
carbono, tais como aldeídos, cetonas, e outros
ciada a episódios recorrentes de sibilância, falta
hidrocarbonetos leves são compostos orgânicos
de ar, aperto no peito, e tosse, de intensidade e
voláteis.
frequência variáveis. Os episódios são associa-
D
dos com obstrução variável das vias aéreas no
pulmão.
Deiscência | Fenômeno em que um órgão vege-
B
tal (fruto, esporângio, antera etc.) abre-se natu-
ralmente ao alcançar a maturação. Aplica-se
Bronquite crônica | Caracteriza-se por tosse também ao desprendimento da casca da árvore
produtiva com duração superior a três ou mais Diabetes mellitus | Doença caracterizada pela
meses por ano e durante pelo menos dois anos. elevação da glicose no sangue (hiperglicemia).
Pode ocorrer devido a defeitos na secreção ou na
C
ação do hormônio insulina, que é produzido no
pâncreas, pelas chamadas células beta.
Cólera | Infecção do intestino delgado por algu- Doença aterosclerótica | Doença vascular crô-
mas estirpes das bactérias Vibrio cholerae. Os nica e progressiva que normalmente manifesta-se
sintomas podem variar entre nenhum, moderados na idade adulta ou idade avançada. A ateroscle-
ou graves. O sintoma clássico é a grande quanti- rose é uma forma de arteriosclerose caracteriza-
dade de diarreia aquosa com duração de alguns da pela inflamação crônica das artérias de gran-
dias. Podem também ocorrer vômitos e cãibras de e médio calibre, com a acumulação e oxidação
musculares. de lipoproteínas na parede arterial.
QUALIDADE DO AR 315
E N
Efeitos Cognitivos | Efeitos relacionados ao pro- Neoplasia | Tipo de crescimento anormal e
cesso de aquisição de conhecimento (cognição). excessivo de tecido. O crescimento de uma neo-
plasia é descoordenado com o tecido circundante
Efeitos Comportamentais | Conjunto de rea-
normal e persiste a crescer de maneira anormal,
ções de um sistema dinâmico face às interações
mesmo que o gatilho original seja removido.
e renovação propiciadas pelo meio onde está
envolvido.
Elementos-traço | Elementos químicos que P
ocorrem naturalmente em níveis de parte por Peste | Infecção bacteriana causada pelo
milhão ou abaixo disso. Yersinia pestis, transmitida pela pulga que parasi-
Epidemiológico | Ao que se propõe estudar ta roedores. Famosa por causar diversas pande-
quantitativamente a distribuição dos fenômenos mias na Europa e Ásia.
de saúde/doença, e seus fatores condicionantes
e determinantes, nas populações humanas.
S
L Substância precursora | Substância que se
necessita para obter outra diferente a partir de
Latência | Diferença de tempo entre o início de uma reação química.
um evento e o momento em que os seus efeitos se
T
tornam perceptíveis.
V
cujo diâmetro aerodinâmico é menor ou igual a
2,5 mm.
MP10 | Partículas inaláveis (material particulado) Varíola | Doença infecciosa causada por uma de
cujo diâmetro aerodinâmico é menor ou igual a 10 duas estirpes do vírus da varíola – Variola major e
mm. Variola minor. O último caso natural da doença foi
Malária | Doença infecciosa transmitida por diagnosticado em outubro de 1977, o que levou a
mosquitos e causada por protozoários parasitá- Organização Mundial de Saúde a certificar a erra-
rios do género Plasmodium. dicação da doença em 1980.
316 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
PARTE 2
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS DE REGULAÇÃO
Coordenadores
Edgar Fernando de Luca | IF/SIMA
Elaine Aparecida Rodrigues | IF/SIMA – IPEN/USP
Giuliana Del Nero Velasco | IPT
Autores
Edgar Fernando de Luca| IF/SIMA
Elaine Aparecida Rodrigues | IF/SIMA – IPEN/USP
Giuliana Del Nero Velasco | IPT
Amanda Rodrigues de Carvalho| UnB – PIBIC/CNPq-IF
Rodrigo Antonio Braga Moraes Victor | FF/SIMA
Hilton Thadeu Zarate do Couto | ESALQ/USP
318 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
vai resplandecer,
uma chuva de prata do céu vai descer,
o esplendor da mata vai renascer,
e o ar de novo vai ser natural.
vai florir,
cada grande cidade o mato vai cobrir,
das ruínas um novo povo vai surgir,
e vai cantar afinal...
.............................................................................................................. 323
Resumo ......
1 | Introdução........................................................................................................ 324
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 Impactos generalizados atribuídos às Mudanças Climáticas Globais (MCG).
Figura 2 Contribuições do IPCC para a ciência climática e a formulação de políticas.
Figura 3 Checagem de realidade sobre MCG.
Figura 4 Estimativa de emissões (brutas) brasileiras de GEE (bilhões de toneladas – Pg CO2 eq, 1P
= 1015) pelos setores de produção antrópica (período 1990-2017).
Figura 5 Participações relativas (%) dos principais GEE nas estimativas das emissões (CO2 eq)
pelo Brasil (anos 2005, 2010 e 2016).
Figura 6 Taxas de desmatamentos anuais (km2 ano-1) na Amazônia Legal (período 2008-2018).
Figura 7 Tipos florestais naturais em seus estágios de crescimento e reflorestamento com gêneros
exóticos (Eucalyptus e Pinus) compreendidos pela RBCV.
Figura 8 Síntese das projeções climáticas para a Região Metropolitana de São Paulo - RMSP.
Figura 9 Avaliação qualitativa de possíveis impactos das mudanças de extremos de chuva na RMSP.
Figura 10 Proporção (%) de consumo de energia no estado de São Paulo por categorias de fontes
energéticas (período 1990-2008).
Figura 11 Proporção (%) de consumo de energia no estado de São Paulo por fontes energéticas
(período 1990-2008).
Figura 12 Imagem de satélite e delimitação da RBCV em 1994 e em 2020.
QUADRO
Quadro 1 Ecossistemas de carbono azul e a área marinha da RBCV.
TABELAS
SIGLAS
ADP Ad Hoc Working Group on the Durban Platform for Enhanced Action (Grupo de Trabalho ad hoc
para a Plataforma de Durban para a Ação Aprimorada
APP Área de preservação permanente
Ar Argônio
AR Assessment Report
C Carbono
CFC Clorofluorcarbono
CIE Comércio Internacional de Emissões
CH4 Metano
cm Centímetro
CMP Meeting of the Partes (Reunião das Partes do Protocolo de Quioto)
CO Monóxido de carbono
CO2 Dióxido de carbono
CO2 eq Equivalente em dióxido de carbono
COP Conference of the Parties (Conferência das Partes)
EUR Emission Reduction Unit (Unidade de Redução de Emissões)
FES Floresta Estacional Semidecidual
FO Floresta Ombrófila
FOD Floresta Ombrófila Densa
FOM Floresta Ombrófila Mista
GEE Gás de Efeito Estufa
G Giga (1 G = 109)
ha Hectare
HFC Hidrofluorcarbonos
HCFC Hidroclorofluorcarbonos
IJ Joint Implementation (Implementação Conjunta)
INC Intergovernmental Negotiating Committee (Comitê Intergovernamental de Negociação)
INDC Intended Nationally Determined Contributions (Contribuições Pretendidas Nacionalmente
Determinadas)
IPCC International Panel on Climate Change (Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas)
km2 Quilômetro quadrado
LULUCF Land Use, Land Use Change, and Forestry (Uso da Terra, Mudança de Uso da Terra e
Floresta)
M Mega (1 M = 106)
MCG Mudanças Climáticas Globais
MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
mm Milímetro
NDC Nationally Determined Contributions (Contribuições Nacionalmente Determinadas)
322 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
RESUMO
2 | POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA
GLOBAL, REGIONAL E
atenção nos impactos das mudanças climáticas e
a necessidade de adaptação. O Quarto Relatório
LOCAL: CONSEQUÊNCIAS
de Avaliação (AR4 – Fourth Assessment Report,
AMBIENTAIS
2007), estabeleceu o trabalho de base para um
acordo pós-Quioto, concentrando-se em limitar
o aquecimento a 2°C. O último relatório conclu-
A poluição atmosférica global pode ser ído, o Quinto Relatório de Avaliação (AR5 – Fifth
compreendida como as atividades humanas que Assessment Report), foi finalizado entre 2013 e
interferem nas mudanças climáticas e danificam 2014, sendo suas principais conclusões: a influ-
a camada de ozônio. A mudança climática con- ência humana no sistema climático é clara; as
siste em alteração de clima que possa ser direta recentes emissões antrópicas de GEE são as
ou indiretamente atribuída à atividade humana mais altas da história, com impactos generali-
que modifique a composição da atmosfera mun- zados sobre os sistemas humanos e naturais; a
dial e que se some àquela provocada pela varia- sociedade humana tem os meios para limitar a
bilidade climática natural, observada ao longo mudança climática e construir um futuro mais
de períodos comparáveis (UNFCCC, 1992). próspero e sustentável (IPCC, 2019).
Com o objetivo de fornecer aos formulado- O IPCC produziu recentemente um Relató-
res de decisões avaliações científicas regulares rio Metodológico sobre inventários nacionais de
sobre o estado atual do conhecimento sobre a GEE, e três Relatórios Especiais: i) o Aquecimen-
mudança climática, em 1988 foi estabelecido o to Global de 1,5°C (IPCC, 2018); ii) um relatório
Painel Intergovernamental sobre Mudança do sobre Mudança Climática e o Uso da Terra (IPCC,
Clima (IPCC - Intergovernmental Panel on Climate 2019c) e iii) um relatório sobre o Oceano e a
Change), como órgão da Organização das Nações Criosfera em contexto de Mudança Climática
Unidas (ONU) para avaliar a ciência relacionada (IPCC, 2019d), concluídos em agosto e setem-
à mudança climática. Desde 1988, o IPCC reali- bro de 2019, respectivamente. Adicionalmente,
zou cinco ciclos de avaliação e entregou relató- o IPCC está desenvolvendo o Sexto Relatório de
rios especiais e cinco Relatórios de Avaliação, Avaliação (AR6 – Sixth Assessment Report), com-
os relatórios científicos mais abrangentes sobre posto por contribuições dos seus três Grupos de
mudanças climáticas produzidos mundialmen- Trabalho (Grupo de Trabalho I - Base da Ciência
te. O IPCC não realiza sua própria pesquisa, mas Física; Grupo de Trabalho II - Impactos, Adap-
identifica onde há acordo na comunidade cientí- tação e Vulnerabilidade; Grupo de Trabalho III -
fica, onde existem diferenças de opinião e onde Mitigação das Mudanças Climáticas) e um Relató-
mais pesquisas são necessárias (IPCC, 2019). rio Síntese, que integrará essas contribuições em
O Primeiro Relatório de Avaliação do IPCC um documento conciso e adequado aos formula-
(AR1 – First Assessment Report , 1990), destacou dores de políticas e outras partes interessadas. Os
a importância da mudança climática como um relatórios deste ciclo deverão ser finalizados até
desafio com consequências globais e que requer 2022, antecedendo a primeira avaliação global,
cooperação internacional. Este relatório desem- procedimento previsto no Acordo de Paris que
penhou papel decisivo na criação da Convenção- visa analisar a sua implementação e o progres-
-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do so coletivo para alcançar o objetivo de 2°C. Com
Clima (UNFCCC – United Nations Framework periodicidade de cinco anos, a primeira avaliação
Convention on Climate Change), principal tra- ocorrerá em 2023 (IPCC, 2019b; UNFCCC, 2015).
tado internacional para reduzir o aquecimento Em seu último relatório disponibilizado, o
global e lidar com as consequências da mudan- Quinto Relatório de Avaliação (AR5 – Fifth Asses-
ça climática. O Segundo Relatório de Avalia- sment Report), o IPCC divulgou resultados de
ção (AR2 – Second Assessment Report, 1995), uma modelagem de quatro cenários simulados
forneceu material importante para o período em relação às concentrações atmosféricas de
que antecedeu ao Protocolo de Quioto, primei- GEE que poderiam ocorrer até 2100. Foram esti-
ro tratado com metas de redução de GEE do madas variáveis dos compartimentos atmosféri-
mundo. O Terceiro Relatório de Avaliação (AR3 cos e oceânicos, tais como balanço de radiação,
– Third Assessment Report, 2001) concentrou a temperatura do ar e nível do mar (IPCC, 2014).
326 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Período Período
2046-2065 2081-2100
imediatamente, muitos aspectos das MCG per- em mais de 80% nos próximos oitenta anos; Ásia
manecerão por muitos séculos. Também é “muito – prejuízos à produção de grãos devido a estia-
provável” (90% de certeza) que mais de 20% do gens, com relevante perda de produção para o
carbono emitido persistirá na atmosfera por mais seu maior produtor, a China; Continente austra-
de mil anos, até ser de alguma forma reabsorvido liano – maior incidência de incêndios, devido às
e fixado novamente em superfície (IPCC, 2014). secas; África – graves problemas de falta de água;
Alguns danos causados pelas MCG são qua- Europa – enchentes em regiões do norte, devido
lificados como "severos" e "irreversíveis" (IPCC, ao derretimento de gelo na Groenlândia; seca e
2014). Dentre diversas consequências da altera- enchentes em outras regiões. Citam-se também
ção do clima, pode-se destacar: América do Sul – problemas como necessidade de migração da
ameaças de extinção de espécies e perda de biodi- agricultura para regiões mais frias, diminuição
versidade, sobretudo na Amazônia; a quantidade de água potável e de alimentos, com consequente
de chuva no nordeste brasileiro pode diminuir aumento de preços (Figura 1).
Figura 1 |
Impactos
generalizados
atribuídos às MCG.
Fonte: Adaptado de
IPCC ( 2014, p. 7).
Nota: A partir de evidência científica, foram atribuídos impactos às mudanças climáticas, que refletem uma base de conhecimentos cada vez maior, ainda que as
publicações sejam limitadas para muitas regiões, sistemas ou processos. Os símbolos indicam categorias de impactos atribuídos; relativa contribuição da mudan-
ça climática (grande ou pequena) ao impacto observado; e nível de confiança na atribuição. Cada símbolo representa uma ou mais entradas, de modo que se
agrupam impactos conexos em escala regional. Os valores nos círculos se referem aos totais regionais de publicações sobre mudança climática de 2001 a 2010,
segundo a base de dados bibliográfica Scopus para publicações em inglês em que o nome de um país se menciona no título, no resumo ou nas palavras chaves
(em julho de 2011). Estes dados proporcionam uma ideia geral da documentação científica disponível sobre mudança climática nas regiões. Os estudos relativos às
regiões polares e às ilhas pequenas foram agrupados com as regiões continentais vizinhas. A inclusão de publicações para a avaliação da atribuição se ajustou
aos critérios do IPCC sobre evidência científica; as publicações incluídas na análise de atribuições procedem de uma gama mais ampla de documentos avaliados.
328 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Nos últimos decênios, as MCG têm cau- da temperatura na Terra era resultado de uma
sado impactos diretos nos sistemas naturais e conjugação da presença de GEE e do comprome-
humanos em todos os continentes e oceanos. timento de sistemas atuantes como sumidouros
Em muitas regiões, as alterações nas precipita- de dióxido de carbono (CO2) (florestas e ocea-
ções e derretimento de neve e gelo estão alte- nos). A inserção das MCG como pauta política,
rando os sistemas hidrológicos, o que afeta a tendo como ponto de partida o AR1, possibilitou
quantidade e a qualidade dos recursos hídricos a promoção de encontros governamentais para
disponíveis. Muitas espécies terrestres, de água implementar uma regulamentação em nível glo-
doce e marinha, têm modificado suas áreas de bal sobre a matéria, que deveriam abranger: i)
distribuição geográfica, bem como suas ativida- políticas generalizadas de reflorestamento em
des estacionais, rotas migratórias, abundância toda a parte do mundo; ii) redução de gases CFC
e interação com outras espécies. Nos sistemas e halogênios, dióxido de carbono (CO2), metano
humanos também são observados impactos (CH4) e óxido nitroso (N2O); iii) preservação do
atribuídos à mudança climática, com destaque ozônio troposférico; e iv) adoção de política de
para o impacto negativo sobre o rendimento dos combate ao desflorestamento, em particular nas
cultivos. Alguns impactos da acidificação dos florestas tropicais.
oceanos nos organismos marinhos são imputa- Esse quadro possibilitou a adoção da
dos à influência humana. Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Em seu Relatório sobre o aquecimento glo- Mudança do Clima – UNFCCC, firmada em 1992.
bal de 1,5°C o IPCC (2018) concluiu que a tem-
3 | A CONVENÇÃO DO
peratura média global na década anterior a 2015
era de 0,86°C acima dos níveis pré-industriais.
CLIMA E OS SERVIÇOS
No entanto, no período de 2014-2018, essa
ECOSSISTÊMICOS DE FIXAÇÃO
média se elevou para 1,04°C acima da linha de
DE CARBONO E REDUÇÃO DE
base pré-industrial. Os 20 anos mais quentes já
registrados ocorreram nos últimos 22 anos, sen-
EMISSÕES DE GEE
do que os quatro últimos foram os mais quentes
de todos.
Mesmo que a dramaticidade projetada das
consequências ambientais das MCG seja variável O combate à mudança do clima e seus
entre os especialistas que estudam e tratam o impactos, por meio de ação multilateral, tem
assunto e entre os cenários do IPCC, é pratica- como base UNFCCC, sob a qual foram negocia-
mente consensual os apontamentos acerca das dos os principais tratados internacionais sobre
atitudes imediatas que se fazem necessárias, mudança do clima, a exemplo do Protocolo de
ao menos no sentido de prevenção de seu agra- Quioto (UNFCCC, 1997; UNITED NATIONS TRE-
vamento, quais sejam: i) redução das emissões ATY COLLECTION, 2019a) e do Acordo de Paris
de GEE, ii) cessação dos desmatamentos e iii) (UNFCCC, 2015; UNITED NATIONS TREATY
aumento proporcional da produção e consumo COLLECTION, 2019b). A Convenção foi acordada
de fontes bioenergéticas em relação às fontes e adotada pelo Comitê Intergovernamental de
fósseis. Negociação para uma Convenção-Quadro sobre
Muitas substâncias presentes na atmosfera Mudança do Clima (Intergovernmental Negotia-
podem ser consideradas impactantes do ponto ting Committee for a Framework Convention on
de vista socioambiental, uma vez que seus efei- Climate Change) e aberta para assinatura duran-
tos trazem consequências diretas e indiretas ao te a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
equilíbrio dos fenômenos atmosféricos e super- Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio
ficiais, à saúde humana e animal e à conservação de Janeiro, em 1992 (UNITED NATIONS TREATY
do patrimônio público. COLLECTION, 2019c).
Em decorrência do cenário futuro relacio- Em vigor em 21 de março de 1994, a
nado a esses impactos, o século XX foi marcado UNFCCC foi o ponto de partida para o desenvolvi-
por discussões científicas, notadamente entre a mento de um regime internacional de mudanças
década de 1980 e 1990, denotando que o aumento climáticas, que visa o clima como uma unidade
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 329
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
conceitual a ser protegido por normas inter- 197 partes (UNITED NATIONS TREATY COLLEC-
nacionais ad hoc (SOARES, 2001). A UNFCCC TION, 2019c).
foi assinada pelo Brasil em 4 de junho de 1992 A UNFCCC (1992) estabelece a estreita
e ratificada em 29 de fevereiro de 1994 (UNI- cooperação com o IPCC, para assegurar que o
TED NATIONS TREATY COLLECTION, 2019c), Painel possa responder à necessidade de conse-
sendo promulgada em 1998 (BRASIL, 1998). lhos científicos e técnicos objetivos. Esta atua-
Atualmente, a Convenção do Clima conta com ção conjunta é ilustrada na Figura 2.
Figura 2 |
Contribuições
do IPCC para a
ciência climática
e a formulação de
políticas.
Fonte: IPCC (2019b).
Nota: AR1: Primeiro Relatório de Avaliação; AR2: Segundo Relatório de Avaliação; AR3: Terceiro Relatório de Avaliação; AR4: Quarto Relatório de Avaliação; AR5:
Quinto Relatório de Avaliação; AR6: Sexto Relatório de Avaliação; UNEP: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente; UNFCCC: Convenção Quadro das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas; WMO: Organização Meteorológica Mundial; MR: Relatório de Metodologia 2019 - Refinamento das Diretrizes do
IPCC de 2006 para Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa; SR15: Aquecimento Global de 1,5ºC, relatório especial do IPCC sobre o aquecimento global
de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais e fontes de emissão de GEE relacionadas, no contexto de fortalecimento da respostas global à ameaça da mudança
climática, e desenvolvimento de esforços para erradicar a pobreza; SRCCL: Mudanças Climáticas e Terra, relatório especial do IPCC sobre mudança climática,
desertificação, degradação da terra, manejo sustentável da terra, segurança alimentar e fluxos de GEE em ecossistemas terrestres; SROCC: Relatório especial
sobre o oceano e a criosfera em um clima em mudança.
Figura 3 |
Checagem
de realidade
sobre mudança
climática.
Fonte: Adaptado
de IPCC (2013).
antropogênica no sistema climático. Para isso, Anexo I (países industrializados de renda alta
a Convenção estabelece um quadro com prin- com maiores emissões) e Não-Anexo I (o restan-
cípios amplos, obrigações gerais, arranjos insti- te dos países).
tucionais básicos, e um processo intergoverna- O primeiro período de compromisso do
mental para acordar ações específicas ao longo Protocolo iniciou em 2008 e finalizou em 2012.
do tempo (UNFCCC, 2020). O segundo período de compromisso começou
Esse processo consiste na reunião que em 1° de janeiro de 2013, com término previsto
ocorre anualmente entre os governos signatá- para 2020.
rios da Convenção, nas chamadas Conferências Após anos de negociação entre as Partes,
das Partes (COP– Conference of the Parties), cujos a COP-21, realizada em 2015 (Paris, França),
objetivos incluem monitorar o cumprimento das adotou o Acordo de Paris (Paris Agreement),
obrigações dos países e dar prosseguimento às principal tratado em vigência para a mitigação
discussões sobre o combate à mudança do cli- da mudança do clima e seus efeitos (UNFCCC,
ma (UNFCCC, 2020). A primeira COP ocorreu 2015). Em 2018 foi realizada em Katowice
em Berlim, no ano de 1995 (SOUZA e CORA- (Polônia) a COP-24 que representou o fim das
ZZA, 2017; UNFCCC, 2020). Dois anos depois, negociações para o Programa de Trabalho do
no Japão, foi adotado o Protocolo de Quioto Acordo de Paris (PAWP - Paris Agreement Work
(Kyoto Protocol) (UNFCCC, 1997), que estabe- Programme) (UNFCCC, 2020).
leceu metas compulsórias de redução de emis- Os principais marcos na evolução da polí-
sões de GEE para os países maiores emissores, tica climática internacional são apresentados na
com isso categorizando as Partes em países do Tabela 2.
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 331
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
ANO
Ano MARCOS NA EVOLUÇÃO DAnaPOLÍTICA
Marcos evolução INTERNACIONAL DO CLIMA
da política internacional do clima
2015 COP 21 – Paris, França. Adoção do histórico Acordo de Paris (Paris Agreement). Em 12 de
dezembro de 2015, 195 países concordaram em combater as mudanças climáticas e implementar
ações e investimentos para um futuro de baixo carbono, resiliente e sustentável. O Acordo de
Paris, pela primeira vez, traz todas as nações em uma causa comum baseada em seus históricos,
atuais e futuras responsabilidades. O Acordo entrou em vigor em novembro de 2016.
2016 COP 22 – Marrakech, Marrocos. Lançamento da parceria de Marrakech para a Ação Climática
Global (Marrakech Partnership for Climate Action). Um resultado crucial da Conferência do Clima
em Marrakech foi avançar na redação do livro de regras do Acordo de Paris (Paris Agreement).
2017 COP 23 – Bonn, Alemanha. A UNFCCC foi realizada na cidade sede do Secretariado da Conven-
ção e foi a primeira COP presidida por um pequeno Estado insular em desenvolvimento (Fiji).
2018 COP 24 – Katowice, Polônia. Conclusão das negociações para o Programa de Trabalho do Acordo Tabela 2 |
de Paris (PAWP - Paris Agreement Work Programme). Também chamado de “Pacote Climático de Linha do tempo
Katowice”, apresenta um conjunto de diretrizes para guiar a concretização do acordo e operacio- detalhando ações
nalização do seu regime climático. A sua adoção pelas Partes marca o início da fase de imple- da ONU quanto ao
mentação, o que possibilita ações efetivas de combate à mudança climática no âmbito do acordo. estabelecimento de
medidas em relação
2019 COP - 25 - Realizada sob a Presidência do Governo do Chile com apoio logístico do Governo da
às Mudanças
Espanha. Um objetivo principal da COP 15 era concluir vários assuntos relacionados à operacio-
Climáticas Globais.
nalização total do Acordo de Mudança Climática de Paris. Embora com importantes progressos,
Fonte: Elaboração
em especial no setor privado, a comunidade internacional perdeu a oportunidade para mostrar
própria. Com base
maior ambição em mitigação, adaptação e financiamento para enfrentar a crise climática.
em UNFCCC (2020).
4 | SETORES ANTRÓPICOS
DE PRODUÇÃO E EMISSÃO
O dióxido de carbono (CO2) também é res-
ponsável por 64% do aumento do forçamento
Dióxido de Carbono (CO2) Uso de combustíveis fósseis, desflorestação e mudanças de uso da terra.
Tabela 3 |
Gases de Efeito Metano (CH4) Produção e consumo de energia (incluindo biomassa), atividades
Estufa (GEE) agrícolas, resíduos sanitários e águas residuais.
mais comuns e
respectivas Óxido nitroso (N2O) Uso de fertilizantes, produção de ácidos, queima de biomassa e de
atividades combustíveis fósseis.
emissoras. Halogenados
Fonte: Adaptado de hidrofluorcarboneto (HFC) Indústria, refrigeração, aerossóis, propulsores, espumas expandidas e
Protocolo do perfluorcarboneto (PFC) solventes.
Quioto - Anexo A hexafluoreto de enxofre (SF6)
(UNFCCC, 1997).
Processos Emissões resultantes dos processos produtivos das indústrias e que não são resul-
industriais tados da queima de combustíveis. Subsetores: produtos minerais, metalurgia e
química, além da produção e consumo de hidrofluorcarboneto (HFC) e hexafluore-
to de enxofre (SF6).
Tratamento Emissões pela disposição de resíduos sólidos e pelo tratamento de esgotos, tanto
de resíduos doméstico/comercial quanto industrial, além das emissões pela incineração de Tabela 5 |
resíduos e pelo consumo humano de proteínas. Setores de produção
antrópica e suas
Uso da terra Emissões e remoções resultantes das variações da quantidade de carbono (C),
respectivas
e florestas seja da biomassa aérea, seja do solo, considerando-se todas as transições possí-
atividades emissoras
veis entre diversos usos; emissões de dióxido de carbono (CO2) por aplicação de
de GEE.
calcário em solos agrícolas e emissões de metano (CH4) e óxido nitroso (N2O)
Fonte: Elaboração
pela queima de biomassa nos solos. O crescimento da vegetação em áreas consi-
própria, com
deradas manejadas gera remoções de dióxido de carbono (CO2).
base em MCTI (2017).
336 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ainda que as estimativas entre as fontes não padrões distintos (MCTI, 2013; OBSERVATÓ-
sejam comparáveis entre si pelo fato de usarem RIO DO CLIMA, 2018).
Figura 4 |
Estimativa de
emissões (brutas)
brasileiras de
GEE (bilhões de
toneladas – Pg CO2
eq 1P = 1015) pelos
setores de
produção antrópica
(1990-2017).
Legenda: ENG =
energia; AGP =
agropecuária;
PIN = processos
industriais; TRS
= tratamento de
resíduos; e
UTF = uso da terra
e florestas. Fonte:
Elaboração própria.
Com base em
MCTI (2017).
Figura 5 |
Participações
relativas (%) dos
principais GEE nas
estimativas das
emissões (CO2 eq)
(2005, 2010 e 2016)
pelo Brasil.
Fonte: Adaptado
de MCTI (2013);
Observatório do
Clima (2018).
Nota: Observatório do Clima (2018) utiliza como padrão os fatores de conversão para carbono equivalente no formato GWP presente do
Quinto Relatório do IPCC (AR5 – Fifth Assessment Report), padrão mais atual. Fonte: MCTI (2017).
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 337
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
A diminuição relativa de dióxido de carbono variaram entre 5.012 km2 para 2014 e 7.900 km2
(CO2) e consequente aumento relativo de metano em 2015 (INPE, 2019).
(CH4) e óxido nitroso (N2O) decorre da natureza Estes resultados e estimativas relaciona-
das atividades de cada setor. Enquanto em “uso das às emissões de GEE no Brasil se inserem
da terra e florestas” o gás mais emitido é o dióxido no âmbito da Política Nacional sobre Mudança
de carbono (CO2), em “agropecuária” este é emiti- do Clima (PNMC). Instituída com o objetivo de
do em proporções diminutas comparativamente garantir que o desenvolvimento econômico e
ao metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). social contribuam para a proteção do sistema
É importante destacar que a diminuição climático global, a PNMC estabeleceu o compro-
das estimativas de emissões pelo setor “uso da misso de redução das emissões de GEE entre
terra e florestas” no Brasil é decorrente da redu- 36,1% e 38,9% das emissões projetadas até
ção de desmatamentos na Amazônia Legal, que 2020 (BRASIL, 2009).
abrange nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Para cumprir esta determinação, o desma-
Pará, Rondônia, Roraima e parte dos estados de tamento da Amazônia deveria ser reduzido em
Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. Desde 1988 80%; o do Cerrado em 40%, além da restauração
o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial – INPE de 15 milhões de hectares de pastagens degrada-
realiza o monitoramento, com levantamentos das. Todavia, este cenário ideal se mostra com-
anuais da área desmatada na região (Figura 6). prometido ao se considerar a tendência atual
Entre 1988 e 1991 houve queda das taxas das emissões de GEE do Brasil, com crescimento
de desmatamento, diminuindo de 21 mil para 11 em 2016 de 9% das emissões brutas de GEE em
mil km2 ano-1. Porém, a partir de 1992 iniciou-se relação ao ano anterior e de 32% em relação a
a tendência de crescimento, atingindo 29 e 28 mil 1990. Desse total de emissões, 51% é decorrente
km2 em 1995 e 2004, respectivamente. A partir do desmatamento, principalmente na Amazônia
de 2005 as taxas de desmatamento voltaram a e no Cerrado (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2019).
diminuir e em 2009 ocorreu, pela primeira vez A governança climática implementada no país a
nessa série histórica, uma taxa de desmatamento partir de 2019, com tendência à marginalização
abaixo de 10 mil km2 ano-1, tendência que prosse- do aquecimento global e das políticas relaciona-
guiu até 2012 - único ano cuja estimativa ficou das a conservação, preservação e recuperação
abaixo de 5 mil km2. Entretanto, em 2013 ocorreu ambiental, constituem aspectos fundamentais
o preocupante aumento da área desmatada em para o não cumprimento dos compromissos
relação ao ano anterior, atingindo quase 6 mil assumidos, com consequências no cenário inter-
km2; nos anos seguintes as áreas desmatadas nacional a médio e longo prazos para o Brasil.
Figura 6 |
Taxas de
desmatamentos
anuais (km2 ano-1)
na Amazônia Legal.
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em INPE (2019).
Nota: O ano 2018 foi atualizado em 23/11/2018; para o referido ano não foram computados dados do Estado do Amapá.
338 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
5 | O PAPEL DA VEGETAÇÃO
NA REGULAÇÃO DO CLIMA
elétrica devido à maior necessidade de resfria-
mento do ambiente de vivência humana (TAHA
EM CONTEXTOS URBANOS E
et al., 1988).
PERIURBANOS
Diversos estudos pontuam a importância
da vegetação como modificadora do clima de
uma cidade, principalmente no que diz respeito à
As preocupações acerca das mudanças cli- atenuação de temperatura (TARIFA e AZEVEDO,
máticas fizeram crescer o interesse em medidas 2001; WENG, 2003), sendo ressaltada a impor-
para reduzir o nível de GEE. Nesse sentido, a tância da vegetação para mitigar os efeitos antro-
vegetação desempenha importante papel, pois pogênicos gerados nas áreas urbanas (AVISSAR,
devido a sua capacidade em absorver o carbono 1996). Também é conhecido que em ambien-
atmosférico, tem grande potencial para minimi- te urbano as árvores desempenham diver-
zar tais efeitos. Ao mesmo tempo, o intenso pro- sos serviços importantes na regulação hídrica
cesso de urbanização e metropolização, como o e climática como, por exemplo, as reduções do
que se observa na RBCV, se caracteriza tanto por escoamento superficial das águas (runoff) por
benefícios econômicos e logísticos e intenso flu- meio de interceptação da precipitação; da car-
xo populacional e adensamento de edificações, ga de poluentes em suspensão na atmosfera,
como pelo aumento da temperatura nos centros por meio da retenção foliar; dos níveis de gases
urbanos, o que afeta milhões de pessoas. atmosféricos potencialmente tóxicos, por meio
Entre os desafios inerentes aos impactos de absorção foliar; da redução da temperatu-
urbanos sobre os ecossistemas, destacam-se: ra do ar, pela modificação do fluxo de radiação
i) carências de recursos naturais e degradação solar que atinge a superfície; além de aumentar
ambiental; ii) alteração do clima, com consequên- a umidade relativa do ar, de reduzir a velocidade
cias sobre o aumento no nível do mar, elevação dos ventos, entre outros.
de temperaturas, variação na pluviosidade e As árvores também apresentam a capaci-
enchentes, secas, tempestades e ondas de calor dade de reduzir o uso de energia elétrica para
mais frequentes e severas; iii) mudanças demo- o condicionamento de temperaturas ambientes.
gráficas e sociais associadas à urbanização; e iv) Isso possivelmente ocorre devido à alteração no
redução dos serviços ecossistêmicos. A compre- regime de radiação solar (SIMPSON; McPHER-
ensão de como os ecossistemas prestam servi- SON, 1998). Com a presença de vegetação, tam-
ços, quem se beneficia com eles, o que acontece bém ocorre menor variação de temperatura do
quando um sistema muda e como os ecossiste- ar, ou seja, tem-se menor amplitude térmica em
mas podem contribuir para uma maior resiliên- ambientes sob vegetação, principalmente no
cia é fundamental para o desenvolvimento de verão, período em que a densidade foliar e a eva-
cidades sustentáveis (SECRETARIAT..., 2012). potranspiração das plantas são mais intensas
Neste contexto, parte-se do princípio de (MASCARÓ, 2004). Ademais, árvores em aveni-
que há uma correlação entre microclimas urba- das são capazes de filtrar até 70% da poluição
nos e variáveis relacionadas ao uso e ocupação do ar (BERNATZKY, 1982).
do solo, considerando-se que o espaço construí- A vegetação exerce um papel fundamen-
do é um dos fatores que contribui para a criação tal em termos de alteração microclimática em
de microclimas diferenciados em relação ao cli- ambientes urbanos. Isso ocorre porque as árvo-
ma regional (DUARTE, 2000). As áreas urbanas res utilizam energia solar para completarem
frequentemente apresentam superfícies mais seu processo metabólico, absorvendo carbono
escuras e menor cobertura por vegetação quan- e liberando oxigênio no processo de fotossín-
do comparadas às suas áreas circunvizinhas. tese. O carbono é fixado sempre na presença
Essas diferenças afetam o clima, o uso de ener- de energia solar, podendo ser simplificado pela
gia e a qualidade de vida nas cidades, levando equação que representa o balanço estequiomé-
à criação das chamadas ilhas de calor urbanas trico simplificado da reação de fotossíntese:
(ROSENFELD et al., 1995). Em regiões de clima
quente as ilhas de calor contribuem significati- 6 CO2 + 6 H2O → C6H12O6 + 6O2
vamente para o aumento das contas de energia
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 339
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
6 | QUANTIFICAÇÃO DE
CARBONO ESTOCADO NA
A condição prévia para o processo fotos-
sintético ocorrer é a absorção de energia radian-
VEGETAÇÃO DA RBCV:
te pelos cloroplastos (LARCHER, 2004). Como
COMPARAÇÃO COM AS
as plantas não armazenam calor no interior
DA QUEIMA DE COMBUSTÍVEIS
lógicos, suas folhas absorvem, refletem e trans-
SÃO PAULO
ratura superficial da folha não é elevada, man-
tendo-se abaixo da temperatura dos corpos
vizinhos, visto utilizar parte da energia recebi-
da para o processo da fotossíntese (BARBUGLI, A área terrestre compreendida pela RBCV
2004). A redução de temperatura gerada pela apresenta 1.605.928 hectares dos quais 864.272
presença de árvores ocorre de forma direta e (53,8%) são cobertos por algum tipo florestal,
indireta, pelo sombreamento e pelo processo de em estágios maduro ou em crescimento (vegeta-
evapotranspiração, respectivamente. ção secundária). O tipo mais representativo é a
A ocorrência de vegetação no território floresta ombrófila densa (FOD), com maior con-
abrangido pela RBCV torna-se essencial para centração na faixa litorânea (Figura 7).
minimizar os efeitos da crescente urbanização Este tipo de vegetação cobre mais de 30% da
da macrometrópole paulista. Essa mesma vege- RBCV e representa mais de 60% da sua área total
tação que atua na regulação dos GEE, presta vegetada. A floresta ombrófila (FO) ainda exer-
outros importantes serviços à população, como ce influência sobre o segundo tipo florestal mais
por exemplo, o serviços ecossistêmicos de ame- representativo, em contato com a floresta ombró-
nização do clima. As áreas com maior cobertura fila mista (FOM) (12%). Ainda em termos quanti-
vegetal apresentam menor temperatura do ar, tativos, o reflorestamento com o gênero Eucalyp-
comparada às áreas com menor vegetação, com tus é o terceiro representante da vegetação (6%)
diferenças de até 2,14oC. Área com maior por- seguido pelo gênero Pinus que juntamente com os
centagem de cobertura vegetal também apre- outros tipos florestais naturais ocorrem em quan-
sentou menores valores de graus-hora de calor, tidades diminutas (Figura 7 e Tabela 6).
indicando ser a área com menor necessidade de Outras formas de vegetação presentes na
refrigeração artificial, o que significa menor con- RBCV estão inseridas no contexto urbano tais
sumo de energia e, indiretamente, menor emis- como parques, praças e arborização viária. Estes
são de GEE (VELASCO, 2007). tipos de vegetação foram considerados elemen-
Apesar dos benefícios que proporcionam tos traços, portanto não foram contabilizados
para um grande percentual da população mun- neste estudo.
dial que vive em áreas urbanas e, notadamente A referência Guidelines for National Green-
para 25,36 milhões de habitantes encerrados house Gas Inventories (IPCC, 2006) classifica cin-
pela RBCV (IBGE, 2019), em geral, a gestão e o co compartimentos como contentores de carbono
planejamento para os serviços dos ecossistemas em sistemas florestais: “biomassa viva acima do
são desconsiderados nas cidades. Com frequên- solo; biomassa viva abaixo do solo, biomassa lenho-
cia, o padrão de urbanização é definido pelo sa morta, serapilheira e matéria orgânica do solo”.
uso ineficiente da terra, com evidente negli- Como forma simplificada este guia também apre-
genciamento tanto da relação entre sociedade senta os compartimentos de maneira agrupada,
e ambiente, como de áreas importantes para a cujas definições são apresentadas na Tabela 7.
conservação. O planejamento e ordenamento A quantificação de carbono estocado nos
territorial deve, necessariamente, incorporar os diferentes compartimentos dos tipos florestais
benefícios que esses ecossistemas proporcio- ocorrentes na RBCV foi calculada com base em
nam para o bem-estar das pessoas, como será referências de literatura. Para “biomassa viva”
observado pela quantificação de carbono esto- e “serapilheira” utilizou-se a fonte IPCC (2006);
cado na vegetação da RBCV. para “biomassa lenhosa morta” utilizou-se a fonte
340 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 7 |
Tipos florestais
naturais em seus
estágios de
crescimento e
reflorestamento
com gêneros
exóticos (Eucalyptus
e Pinus),
compreendidos
pela – RBCV.
Fonte: Elaboração
própria. Com
base em São Paulo
(2010).
Tabela 6 |
Áreas (ha) dos Estágio de desenvolvimento
tipos florestais de
ocorrência na RBCV Tipo maduro em crescimento maduro + Proporção na
nos estágios florestal crescimento RBCV (%)
de desenvolvimento ha
maduro e em
crescimento. FOD 133.006 394.893 527.899 32,87
Fonte: Elaboração FO / FOM 194.538 194.538 12,11
própria. Com base
Eucalyptus 40.904 81.809 122.713 7,64
em São Paulo (2010).
Legenda: Pinus 838 1.677 2.515 0,16
FOD = Floresta Mangue 9.899 9.899 0,62
Ombrófila Densa;
FO = Floresta Várzea 6.216 6.216 0,39
Ombrófila; FO/ Cerrado 164 3.995 4.159 0,26
FOM = Floresta
Ombrófila Mista; Cerrado 846 846 > 0,1
FES = Floresta FES 72 72 > 0,1
Estacional
Área total 191.873 676.984 868.857 54,1
Semidecidual.
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 341
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
Compartimentos Definição
FAO (2006). Essas duas fontes indicam a quanti- anos. Portanto, considerou-se 2/3 com idade
dade de biomassa por hectare em cada um desses <20 anos, enquanto 1/3 com idade >20 anos.
compartimentos, de acordo com o tipo florestal. Nos casos de florestas plantadas considerou-se
Considerou-se o teor de carbono na biomassa que as unidades em crescimento apresentam a
como 47% (IPCC, 2006). Para “matéria orgânica idade média entre a idade de plantio (zero) e
do solo” utilizou-se a fonte Bernoux et al. (2002), da maturidade comercial (Eucalyptus = 7 anos,
que apresenta um mapeamento da quantidade de idade média =3,5 anos e Pinus = 21 anos, idade
carbono nos solos brasileiros. Portanto, as quan- média = 10,5 anos).
tificações foram obtidas multiplicando os valores De acordo com as estimativas para este
propostos por essas referências (em toneladas estudo, o estoque total de carbono nos sistemas
por hectare) pela quantidade em hectares de florestais na RBCV é superior a 122 milhões
cada tipo florestal da RBCV (Tabela 6). de toneladas, equivalente a aproximadamente
As fontes indicam valor único de acúmu- 447 milhões de toneladas de dióxido de carbo-
lo final de biomassa nos casos de unidades em no (CO2 eq). Mesmo que o acúmulo de carbono
estágio maduro, específico para cada tipo flo- por unidade de área nos sistemas florestais em
restal. Porém, quando se considera a floresta estágio maduro seja maior que as taxas anuais
em estágio de crescimento, os valores indica- de incremento pelos sistemas em crescimento,
dos referem-se a taxa anual de acúmulo de bio- estes últimos são responsáveis por maior esto-
massa. Para florestas nativas as taxas variam que total de carbono pelo fato de ocorrerem em
conforme a idade (< 20 anos ou > 20 anos), e no maior quantidade de área. A “biomassa viva aci-
caso de florestas plantadas é indicado taxa úni- ma do solo” é o compartimento de maior acúmu-
ca de acúmulo anual, específico para Eucalyptus lo, seguido pela “matéria orgânica do solo”, pela
spp ou para Pinus spp. Para esse estudo consi- “biomassa viva abaixo do solo”, pela “biomassa
derou-se que a idade de maturidade das flores- lenhosa morta” e, por fim, a “serapilheira”. Estes
tas nativas é 30 anos e, nesse caso é razoável dois últimos compartimentos acumulam meno-
considerar que as florestas em crescimento se res quantidades de carbono.
encontram com idades igualmente distribuí- É possível estabelecer um comparativo
das nos terços: 0-10 anos; 10-20 anos e 20-30 dessa quantidade de carbono estocada pela
342 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
7 | FORÇAS ATUANTES E
TENDÊNCIAS DO SERVIÇO
vegetação da RBCV em relação aos valores de
emissões de dióxido de carbono (CO2) pelo esta-
ECOSSISTÊMICO DE FIXAÇÃO
do de São Paulo devido à queima de combustí-
DE CARBONO E REDUÇÃO DE
veis fósseis para geração de energia. Estimativas
Estágio de desenvolvimento
Maduro +
Compartimento maduro em crescimento
crescimento
tonelada de carbono (Mg C)
Tabela 8 | Biomassa viva acima do solo 22.623.754 28.539.794 51.163.548
Estoques de
carbono nos Biomassa viva abaixo do solo 7.807.617 9.115.569 16.923.186
compartimentos de Biomassa lenhosa morta 2.070.714 3.739.434 5.810.148
sistemas florestais
compreendidos na Serapilheira 989.794 1.752.208 2.742.002
RBCV, em estágios Matéria orgânica do solo 9.993.112 35.381.115 45.374.227
maduro e em
Total 43.484.991 78.528.120 122.013.111
desenvolvimento.
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 343
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
Com base nestes cenários climáticos, a das temperaturas do ar, de noites quentes e de
Figura 9 apresenta uma avaliação dos possíveis ondas de calor (NOBRE et al, 2010).
impactos das mudanças de extremos de chuva na A Figura 9 mostra os possíveis impactos
RMSP, a partir de análises qualitativas de vulnera- (maiores ou menores) e ponderações sobre o
bilidade que consideram as forçantes de aumento grau de vulnerabilidade como consequência do
nas concentrações de GEE relacionado ao proces- aumento na frequência de extremos de chuva
so de urbanização. Ressalta-se que o impacto se acima de 30 mm-1, até o horizonte temporal de
deve mais ao aumento da frequência e severidade 2030-2150 (NOBRE et al., 2010). Para a RMSP e
dos eventos de chuva do que à mudança do uso seus municípios envoltórios, abrangendo a totali-
da terra ou de construções em áreas vulneráveis dade da RBCV, o principal aumento de risco deve-
a extremos de chuva/enchentes. Nos casos das rá ser a ampliação no número e na intensidade de
inundações de extensas planícies já urbaniza- eventos extremos de chuva e temperatura.
das, a vulnerabilidade se dará mais por força da Em uma abordagem mais abrangente,
mudança do uso da terra do que pelo aumento a Tabela 10 apresenta uma síntese de possí-
da frequência e severidade dos eventos de chuva, veis riscos, áreas afetadas e impactos sobre o
incluindo-se os efeitos decorrentes do aumento bem-estar humano para RMSP e seu Cinturão
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 345
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
Figura 8 |
Síntese das
projeções climáticas
para a RMSP.
Fonte: Adaptado de
Nobre et al. (2010).
Figura 9 |
Avaliação qualitativa
de possíveis
impactos das
mudanças de
extremos de chuva
na RMSP.
Fonte: Adaptado de
Nobre et al. (2010).
346 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Áreas residenciais
(favelas ou não) Danos causados ao sistema viário - lentidão ou
situadas nos leitos paralisação do trânsito, principalmente no entro-
(margens) de rios, em camento das rodovias, marginais e vias principais.
Enchentes e APPs e várzeas
alagamentos
Saneamento/ Danos causados ao sistema de esgoto (tratamento
Segurança hídrica/ e coleta), contaminação das águas e assoreamento,
Energia/ Infraes- paralisação do sistema de abastecimento de água e
trutura urbana de energia, danos em obras de infraestrutura.
Transporte público
Saúde e serviços
públicos
Tabela 10 | Indústria
Cenários de riscos, Comércio e serviços
vulnerabilidades e Contaminação do ar, efeito estufa.
impactos sobre o Poluição do ar Habitação / Moradia
exacerbada
bem-estar humano Transporte público
para a RMSP.
Saúde e serviços Mortes por doenças respiratórias e cardiovascula-
Fonte: Adaptado de públicos res, acidentes no trânsito.
Nobre et al. (2010).
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 347
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
8 | TENDÊNCIAS DA
EVOLUÇÃO DE PRODUÇÃO E
Verde quanto aos eventos precipitação intensa e
aumento da temperatura, ondas de calor e perío-
Fontes
Categorias de fontes
renováveis não renováveis
Derivados de cana; Eletricidade; Carvão mineral torno de 50% entre o início e o final do período
e derivados; Madeireiros e outras fontes". de estimativa (Figura 10).
Os “Derivados de petróleo” compõem a cate- O óleo Diesel (Figura 11a), cujo consumo
goria de fonte energética consumida em maior está em torno de 15% do total das fontes de ener-
proporção no estado. Estimativas do período gia utilizadas, é o principal combustível deriva-
avaliado mostram proporção próxima a 50% do de petróleo, com consumo cerca de 30-40%
dessa categoria em relação ao somatório de con- maior que a gasolina (Figura 11b). Essa carac-
sumo de todas as fontes. Porém, a partir de 2002 terização de maior consumo de diesel dentre os
iniciou-se um ligeiro declínio no consumo dessa energéticos utilizados no setor é resultado da
categoria e, em 2005, pela primeira vez no perío- priorização do modal rodoviário para transpor-
do ocorreu claramente proporção de consumo te de cargas, ao nível nacional, em detrimento de
abaixo de 50% do total. A segunda categoria de outros modos de transporte.
fonte energética em consumo é “derivados de O álcool anidro (Figura 11c), por ser uti-
cana”, com média em torno de 20% até 2005, lizado em mistura à gasolina, teve padrão de
a partir de quando se inicia um ligeiro aumen- consumo semelhante a este combustível, osci-
to neste consumo, ultrapassando a proporção lando entre 1,5-2,0% do total a partir de 1994.
de 25% em 2007-2008, em detrimento da pro- Enquanto o álcool hidratado (Figura 11d), uti-
porção de consumo de “derivados de petróleo”. A lizado como combustível único, teve consumo
seguir ocorre o consumo de “eletricidade”, com oscilatório no período. Até 1996 era consumido
média variando em torno de 17-20% em todo em torno de 5-6% do total, passando por um
o período. Essas três categorias perfazem 93% período de queda que baixou o consumo em
do consumo de energia no estado e o restante proporções próximas a 1-2% até 2004, quando
provém de “carvão mineral e derivados” (3,4%), então o consumo voltou a crescer (introdução
produtos “madeireiros” (2,3%) e “outras fontes” massiva de motores flex fuel no mercado auto-
de energia (1,4%), com destaque para a redução mobilístico nacional) retornando a 5-6% da pro-
do consumo de “carvão mineral e derivados” em porção total em 2008.
Figura 10 |
Proporção (%)
de consumo de
energia no estado
de São Paulo por
categorias de
fontes energéticas
(período 1990-2008).
Elaboração própria.
Com base em
CETESB (2010).
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 349
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
Figura 11 |
Proporção (%) de
consumo de energia
no estado de
São Paulo por fontes
energéticas (período
1990-2008).
Legenda: a) óleo
diesel; b) gasolina;
c) álcool anidro; d)
álcool hidratado;
e) bagaço de cana;
f) gás natural.
Adaptado de
CETESB (2010).
Por ter origem de fonte renovável de ener- valores alterados para 82% e 78%, respectiva-
gia (biocombustível) as emissões oriundas da mente, com a eliminação da prática da queima
queima de etanol não devem ser contabilizadas para colheita da cana (SOARES et al., 2009). De
no cálculo das emissões líquidas; uma vez que, forma similar, foram relatadas reduções de GEE
quantitativamente, essas emissões são compen- de 77% a 82% em relação à gasolina (WANG
sadas pelo processo fotossintético de renovação et al., 2012). Na comparação com o diesel de
dos canaviais, fonte primária da energia. O mes- petróleo, o biodiesel apresenta significativas
mo princípio se aplica ao biodiesel, cujas fontes vantagens ambientais, com redução na emissão
primárias são, geralmente, plantas oleaginosas. de gases poluentes, como material particulado,
Outro aspecto favorável aos biocombus- óxidos de enxofre (SO2), hidrocarbonetos (HFC)
tíveis é o fato de serem derivados de biomas- e monóxido de carbono (CO) (ESTEVES e PEREI-
sa renovável que podem substituir, parcial ou RA, 2016).
totalmente, os combustíveis que são derivados A evolução do consumo de energéticos
de petróleo e gás natural em motores a com- pelo estado (1990-2008) demonstra a impor-
bustão ou em outro tipo de geração de energia tante característica de aumento da proporção
(ANP, 2019). O uso veicular do etanol gerou de uso da biomassa (energia renovável), muito
73% e 68% menos dióxido de carbono compa- além da proporção de aumento da oferta bruta
rado ao uso da gasolina e do diesel, sendo estes total de energia. A principal fonte dessa energia
350 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
renovável é o bagaço de cana (Figura 11e), uti- parece ser difícil para o estado alcançar a meta
lizado na produção de vapor e energia elétrica estabelecida pela Política Estadual de Mudanças
(cogeração). Até 2001 sua proporção de consu- Climáticas (PEMC), com redução global de 20%
mo esteve em torno de 15%, iniciando aí uma das emissões de CO2 em relação a 2005 até 2020
crescente até atingir 20% em 2007 e ultrapassar (SÃO PAULO, 2009). Dados do inventário de emis-
esta dezena em 2008 (22,5%). Além do aumento sões mostram que em 2005 o estado emitiu qua-
linear no consumo do gás natural – fonte menos se oitenta milhões de toneladas do gás (CETESB,
intensa em carbono comparado aos combustí- 2010), de modo que as emissões contabilizáveis
veis fósseis líquidos, passando de menos de um em 2020 não deveriam ultrapassar 64 milhões.
por cento no início para mais de sete por cento Entretanto, desde 1996 a totalização das emis-
no final do período avaliado (Figura 11c). sões entrou na casa dos setenta milhões, estabili-
A participação de biogás (metano origi- zando-se dentro dessa dezena até 2008.
nário de aterros sanitários) ainda é insuficiente A importância do estado de São Paulo para
para estimativa de suas emissões. Porém, por se o cumprimento das obrigações assumidas pelo
tratar de um biocombustível, o uso dessa fonte Brasil junto ao regime do clima se justifica ao
renovável tende a aumentar em um futuro próxi- analisar a dimensão das emissões paulistas:
mo. Dessa forma, configura-se a tendência de um dados de 2003 mostram que se o estado fosse um
cenário de redução das emissões contabilizadas país estaria em 39º lugar no ranking das nações
pelo estado nos próximos anos (CETESB, 2010). que mais emitem dióxido de carbono (CO2) na
Para diminuir as consequências das atmosfera, o que equivale a praticamente um
mudanças climáticas, o uso sem restrições de quarto do montante brasileiro (FAPESP, 2010).
combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) Como a Política Nacional (BRASIL, 2010) e
deve ser suspenso até 2100, ao passo que o uso a Política Estadual Paulista (SÃO PAULO, 2009)
de combustíveis renováveis deve se elevar dos sobre mudança climática foram instituídas logo
atuais 30% para 80% de proporção de uso de após a entrada em vigor do Protocolo de Quioto
combustíveis no setor “energia” até 2050 (IPCC, (2005), que abarcou como primeiro período de
2014). Neste contexto, o estado de São Paulo compromisso os anos de 2008 a 2012, pode-se
apresenta melhor padrão de consumo de fontes inferir que houve, à época, um esforço político
renováveis de energia (“derivados de cana”, “ele- para o cumprimento dos compromissos assumi-
tricidade” e “madeireiros”) do que a média mun- dos pelo Brasil no âmbito do regime internacio-
dial, pois a proporção de consumo dessas fontes nal de mudanças climáticas. Com o estabeleci-
em relação ao total variou de 38% a 47% entre mento do Acordo de Paris (UNFCCC, 2015), cada
1990 e 2007, e atingiu 50% em 2008. Parte da Convenção submeteu sua Pretendidas
Ainda que São Paulo tenha a tendência Contribuições Nacionalmente Determinada
de aumento proporcional de fontes de energia (iNDC - Intended Nationally Determined Contri-
renováveis (álcool hidratado e bagaço de cana) butions), com as respectivas ações para comba-
ou menos poluentes (gás natural) no setor de ter as mudanças climáticas, incluindo as suas
transportes, o consumo de fontes fósseis não metas de redução de GEE e medidas adicionais.
renováveis (óleo diesel, gasolina, óleo combus- O Brasil se comprometeu a reduzir as emissões
tível, querosene) não apresentou redução nas de GEE em 37% abaixo dos níveis de 2005, em
duas últimas décadas de avaliação do inventá- 2025, com uma contribuição indicativa sub-
rio (CETESB, 2010). E infelizmente os últimos sequente de reduzir as emissões de GEE em
governos federais têm deixado em menor pla- 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030. Após
no os investimentos em combustíveis renová- a aprovação pelo Congresso Nacional, o Brasil
veis, em favorecimento aos “derivados de petró- concluiu o processo de ratificação do Acordo de
leo”, culminando com o fechamento de usinas Paris e, com isto, as metas brasileiras deixaram
sucroalcooleiras. de ser pretendidas e se tornaram compromis-
Embora haja perspectiva de redução das sos oficiais, passando a ser denominadas NDCs
emissões de dióxido de carbono (CO2) deriva- (Nationally Determined Contributions).
do da queima de combustíveis fósseis, ao se Devido ao que representam as emissões
considerar o histórico de produção e consumo, de GEE do estado de São Paulo, quer para o
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 351
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
Figura 12 |
Imagem de satélite
e delimitação da
RBCV em 1994
e em 2020.
Fonte: Google
Earth (2020).
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GLOSSÁRIO
A
AAU – Assigned Amount Unit | Unidade de Quan- Adesão | Accession. Um ato pelo qual um Esta-
tidade Atribuída. Unidade do Protocolo de Quioto do se torna Parte de um tratado já negociado e
igual a uma tonelada métrica de CO2 equivalente. assinado por outros Estados, tem o mesmo efeito
Cada Parte do Anexo I emite AAUs até o nível de legal que a ratificação.
sua quantidade atribuída, estabelecida de acordo
Adaptação | Ajustamentos em sistemas naturais
com o Artigo 3º, parágrafos 7 e 8 do Protocolo de
ou humanos em resposta a estímulos climáticos
Quioto. Unidades de quantidade atribuída podem
reais ou esperados ou seus efeitos, o que modera
ser trocadas através do comércio de emissões.
o dano ou explora oportunidades benéficas.
Marrakesh Accords | Acordos de Marrakesh.
Aerossóis | Suspensão de partículas microscó-
Acordos alcançados na COP 7 que estabelecem
picas sólidas ou fluidas, contidas em recipiente
várias regras para “operar” as disposições mais
fechado (lata) ou dispersa na atmosfera.
complexas do Protocolo de Quioto. Entre outras
coisas, incluem detalhes para estabelecer um AOSIS – Alliance of Small Island States | Aliança
sistema de comércio de emissões de GEE, imple- dos Pequenos Estados Insulares. Uma coalizão ad
mentar e monitorar o Mecanismo de Desenvolvi- hoc de países baixos e insulares. Essas nações são
mento Limpo do Protocolo, e estabelecer e operar particularmente vulneráveis ao aumento do nível
três fundos para apoiar os esforços de adaptação do mar e compartilham posições comuns sobre a
às mudanças climáticas. mudança climática, agregando 43 membros.
Abatimento | Abatement. Refere-se à redução APA – Ad Hoc Working Group on the Paris
do grau ou intensidade das emissões de GEE. Agreement | Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre o
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 357
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
Acordo de Paris. O APA foi criado para preparar corta as emissões de GEE porque as plantas que
a entrada em vigor do Acordo de Paris e para a são as fontes de combustível capturam CO2 da
convocação da primeira sessão da Conferência atmosfera.
das Partes na qualidade de Reunião das Partes
do Acordo de Paris (CMA). C
Autoridade Nacional Designada | Designated Camada de Ozônio | O ozônio (O3) é um dos
National Authority – DNA. Um escritório, ministério gases que compõe a atmosfera e cerca de 90%
ou outra entidade oficial designada por uma Par- de suas moléculas se concentram entre 20 e 35
te do Protocolo de Quioto para revisar e aprovar km de altitude, região denominada de Camada de
nacionalmente os projetos propostos sob o Meca- Ozônio. Sua importância está no fato de ser o úni-
nismo de Desenvolvimento Limpo (Clean Develo- co gás que filtra a radiação ultravioleta do tipo B
pment Mechanism). (UV-B), nociva aos seres vivos.
AWG-LCA – Ad hoc Working Group on Long-
Carbono azul | Carbono acumulado em man-
-term Cooperative Action under the Conven-
guezais, marinhas e pastos marinhos, e o solo,
tion | Grupo de Trabalho sobre Ação Cooperativa
a biomassa aérea viva (folhas, ramos, galhos), a
de Longo Prazo no âmbito da Convenção. O AWG-
biomassa subterrânea viva (raízes) e a biomassa
-LCA foi estabelecido em Bali (2007) para condu-
morta (detritos e madeira morta).
zir negociações sobre um acordo internacional
fortalecido sobre mudança climática. Cerrado | Localiza-se principalmente no Planal-
B
to Central Brasileiro e é um ecossistema similar
às Savanas da África e da Austrália. É constituído
Balanço de Radiação | Radiation balance. Refle- por árvores relativamente baixas (até 20 metros),
te a relação entre as quantidades de entrada e distribuídas entre arbustos e gramíneas. A vege-
saída de radiação solar incidente na atmosfera tação típica do Cerrado possui troncos e ramos
terrestre, indicando se o saldo de radiação arma- retorcidos, cascas espessas e folhas grossas. O
zenada é positivo ou negativo. Cerrado brasileiro é reconhecido como a savana
mais rica do mundo em biodiversidade.
Balanço estequiométrico | Relacionado com
estequiometria de reações; cálculo da quantida- Chuva ácida | É chamada de chuva ácida a chu-
de das substâncias envolvidas em uma reação va ou outra precipitação atmosférica que tenha
química, com base na lei de reações e executado, acidez maior que a do resultado obtido entre o
em geral, com o auxílio das equações químicas dióxido de carbono da atmosfera dissolvido na
correspondentes. água precipitada. Esta acidificação é produzida
BAP – Bali Action Plan | Plano de Ação de Bali, pelo dióxido de enxofre (SO2) e dióxido de nitro-
incluído no Roteiro de Bali (Bali Road Map), adota- gênio (NO2), ambos surgem da queima de car-
do na COP 13 (Bali, Indonésia, 2007), introduziu o vão, poluentes industriais e combustíveis fósseis.
AWG-LCA. Estes gases passam, então, a fazer parte da
atmosfera terrestre e, quando entram em contato
Biodiesel | Combustível biodegradável deriva- com o hidrogênio (vapor d’água), originam chuvas
do de fontes renováveis que pode ser produzido carregadas de ácido nítrico e sulfírico.
a partir de gorduras animais e espécies vegetais,
como soja, palma, girassol, babaçu, amendoim, Cloroplastos | São organelas (estruturas que
mamona e pinhão-manso. No Brasil, a soja é prin- ficam dentro das células) presentes nas células
cipal matéria-prima utilizada. de vegetais e de outros organismos que realizam
fotossíntese como, por exemplo, as algas.
Biomassa | Toda matéria orgânica não fós-
sil, de origem animal ou vegetal, que pode CMA – Meeting of the Parties | Encontro dos paí-
ser utilizada na produção de calor, seja para ses membros de um acordo que já foi assinado,
uso térmico industrial, seja para geração no caso, o Protocolo de Quioto, com o objetivo de
de eletricidade e/ou que pode ser transfor- revisar o progresso feito em sua implementação e
mada em outras formas de energias sólidas debater novos avanços. A CMP é uma das reuni-
(carvão vegetal, briquetes), líquidas (etanol, bio- ões simultâneas que ocorrem durante a COP.
diesel) e gasosas (biogás de lixo).
CMP – Conference of the Parties serving as the
Biocombustíveis | Biofuels. Um combustível pro- Meeting of the Parties to the Kyoto Protocol |
duzido a partir de matéria orgânica seca ou óle- Conferência das Partes na qualidade de Reunião
os combustíveis produzidos pelas plantas. Esses das Partes do Protocolo de Quioto. O órgão supre-
combustíveis são considerados renováveis desde mo da Convenção é a COP, que serve como reu-
que a vegetação que os produz seja mantida ou nião das Partes do Protocolo de Quioto. As ses-
replantada, como a lenha, o álcool fermentado a sões da COP e da CMP são realizadas durante o
partir do açúcar e os óleos combustíveis extraídos mesmo período para reduzir custos e melhorar a
da soja. Seu uso no lugar de combustíveis fósseis coordenação entre a Convenção e o Protocolo.
358 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
D
de outra Parte do Anexo I. Uma Parte do Anexo I
deve atender a requisitos específicos de elegibi-
lidade para participar do comércio de emissões. Declaração | Uma declaração política não
Compromissos voluntários | Um esboço de arti- vinculativa feita por ministros que participam
go considerado durante a negociação do Protoco- de uma reunião importante (por exemplo, De-
lo de Quioto que permitiria aos países em desen- claração Ministerial de Marrakesh da COP 7).
volvimento aderirem voluntariamente a metas de
Delegação nacional | Um ou mais funcioná-
emissões legalmente vinculantes. A linguagem
rios com poderes para representar e negociar em
proposta foi abandonada na fase final das nego-
nome de um Governo.
ciações. A questão permanece importante para
algumas delegações e continua a ser discutida, Desenvolvimento sustentável | Desenvolvi-
atualmente no contexto do Plano de Ação de Bali, mento que atenda às necessidades do presente
em termos do que constitui “voluntário”. sem comprometer a capacidade das gerações
futuras de atender suas próprias necessidades.
Comunicação nacional | Um documento sub-
metido de acordo com a Convenção (e o Pro- Desmatamento | Deforestation. Conversão de
tocolo) pelo qual uma Parte informa as outras floresta para não-floresta.
Partes sobre as atividades realizadas para tra-
Diálogo de Cartagena | Cartagena Dialogue.
tar da mudança do clima. A maioria dos países
Uma coleção de cerca de 40 países que estão tra-
desenvolvidos já submeteu sua quinta comuni-
balhando para um ambicioso acordo legalmente
cação nacional. A maioria dos países em desen-
vinculativo sob a UNFCCC e que estão compro-
volvimento completou sua primeira comunicação
metidos em se tornar ou permanecer com baixo
nacional e está preparando a segunda.
carbono no mercado interno. Os participantes
Conferência das Partes (Conference of the incluem: Antígua e Barbuda, Austrália, Bangla-
Parties - COP) | Órgão máximo da UNFCCC, desh, Barbados, Burundi, Chile, Colômbia, Costa
composta por todos os países que a ratificaram. Rica, Dinamarca, República Dominicana, Etiópia,
É o corpo supremo da Convenção. Atualmente União Européia, França, Gâmbia, Geórgia, Ale-
reúne-se uma vez por ano para rever o progres- manha, Gana, Granada, Guatemala, Indonésia,
so da Convenção. A palavra "conferência" não é Quênia, Líbano, Malawi, Maldivas, Ilhas Marshall,
usada aqui no sentido de "reunião", mas sim de México, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Pana-
"associação". A "Conferência" se reúne em perío- má, Peru, Ruanda, Samoa, Espanha, Suazilândia,
dos de sessões, por exemplo, a "quarta sessão da Suécia, Suíça, Tajiquistão, Tanzânia, Uganda,
Conferência das Partes". Emirados Árabes Unidos e Reino Unido.
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 359
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
o equilíbrio de entrada e saída de energia no sis- Green Climate Fund – GCF | Fundo Climático
tema Terra-atmosfera. Perturbação no balanço Verde. Estabelecido na COP 16 (Cancún, 2010),
entre as radiações solar incidente e infraverme- como uma entidade operacional do mecanismo
lho emergente que ocorre devido a mudança na financeiro da Convenção no âmbito do seu Artigo
concentração dos GEE. 11. O GCF apoia projetos, programas, políticas e
outras atividades em países em desenvolvimento.
Fotossíntese | Processo realizado por organis-
mos produtores onde a água e o dióxido de carbo- Grupo de Ligação Conjunta | Joint Liai-
no são sintetizados em carboidratos, na presença son Group – JLG. Grupo de representantes das
de luz (energia). Secretarias da UNFCCC, CDB e UNCCD, criado
para explorar atividades comuns para enfrentar
Fundo dos Países Menos Desenvolvidos |
problemas relacionados às mudanças climáticas,
Least Developed Country Fund – LDCF. O fundo
biodiversidade e desertificação.
foi estabelecido para apoiar um programa de
trabalho para assistir as Partes de Países Menos GRULAC | Grupo integrante da UNFCCC, for-
Desenvolvidos a realizar, preparar e implemen- mado pelos Estados Latino-Americanos e
tar programas de ação nacionais de adaptação Caribenhos.
(NAPAs). O Global Environment Facility – GEF,
Grupo de 77 (G - 77) e China | Uma grande
como a entidade que opera o mecanismo finan-
aliança de negociação de países em desenvolvi-
ceiro da Convenção, foi encarregado de operar
mento que se concentra em vários tópicos inter-
esse fundo.
nacionais, incluindo a mudança climática. O
Fundo Especial sobre Alterações Climáticas | G -77 foi fundado em 1967, sob os auspícios da
Special Climate Change Fund – SCCF. Criado para Conferência das Nações Unidas sobre Comércio
financiar projetos relacionados com adaptação, e Desenvolvimento (United Nations Conference on
transferência de tecnologia e capacitação, ener- Trade and Development – UNTAD). Procura har-
gia, transportes, indústria, agricultura, silvicultura monizar as posições negociadoras dos seus 131
e gestão de resíduos e diversificação econômica. Estados membros.
Este fundo deve complementar outros mecanismos
Grupo de países montanhosos sem litoral |
de financiamento para a implementação da Con-
Grupo de negociações formalmente estabele-
venção. O Global Environment Facility (GEF), como
cido em junho de 2010 pelos governos da Armê-
entidade que opera o mecanismo financeiro da
nia, Quirguistão e Tadjiquistão, enfocou as ques-
Convenção, foi encarregado de operar esse fundo.
tões enfrentadas pelos países montanhosos em
G
desenvolvimento, especificamente vulneráveis
aos custos de transporte e insegurança alimen-
tar, com vistas a expandir o grupo para incluir
Gases de efeito estufa – GEE | Greenhouse
outros países interessados.
Gases – GHGs. Os gases atmosféricos responsá-
veis por causar o aquecimento global e as mudan- Grupos regionais | Alianças de países, na maio-
ças climáticas. Os principais GEE são dióxido ria dos casos compartilhando a mesma região
de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso geográfica, que se reúnem privadamente para
(N20). Menos prevalente - mas muito poderoso - discutir questões e nomear membros do escritó-
os gases de efeito estufa são hidrofluorcarbonos rio e outros funcionários para atividades sob a
(HFCs), perfluorcarbonos (PFCs) e hexafluoreto UNFCCC. Os cinco grupos regionais são a África,
de enxofre (SF6). a Ásia, a Europa Central e Oriental (CEE), a Améri-
ca Latina e o Caribe (GRULAC) e o Grupo da Euro-
Gases traços | Trace Gases. Qualquer compo-
pa Ocidental e Outros (WEOG).
nente gasoso cuja concentração na atmosfera
terrestre seja menor do que 1%. GWP – Global Warming Potential | Potencial de
Global Environment Facility – GEF | Fun- Aquecimento global. Índice representando o efeito
do Mundial para o Meio Ambiente. O GEF é uma combinado dos diferentes tempos de GEE perma-
organização financeira independente que forne- necerem na atmosfera e sua eficácia relativa na
ce subsídios a países em desenvolvimento para absorção de radiação infravermelha de saída.
projetos que beneficiam o meio ambiente global
e promovam meios de subsistência sustentáveis
em comunidades locais. As Partes da Convenção
H
atribuíram a operação do mecanismo financeiro Halogênios | São compostos derivados dos
ao GEF em uma base contínua, sujeita a revisão a hidrocarbonetos pela substituição de um ou mais
cada quatro anos. O mecanismo financeiro é res- átomos de hidrogênio por um átomo de um halo-
ponsável perante a COP. gênio. Os halogênios são, em ordem de peso
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 361
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
atômico, flúor, cloro, bromo, iodo e outros elemen- Anexo I deve atender a requisitos específicos de
tos menos importantes. Os compostos de cloro e elegibilidade para participar da Implementação
bromo destroem a camada de ozônio. Conjunta.
“Hot air” | “Ar quente”. Se refere à preocupação IMO – International Maritime Organization |
de que alguns governos poderão cumprir suas Organização Marítima Internacional.
metas de emissões de GEE com o mínimo esforço INC – Intergovernmental Negotiating
e inundar o mercado com créditos de emissões, Committee for UNFCCC | Comitê Intergo-
reduzindo o incentivo para outros países corta- vernamental de Negociações da UNFCCC
rem suas próprias emissões domésticas. (1990-1995), criado para redigir a Convenção. O
INC reuniu-se em cinco sessões, entre fevereiro
I
de 1991 e maio de 1992. Depois que o texto da
Convenção foi aprovado em 1992, o INC se reuniu
IAR – Independent Assessment Report | Rela- mais seis vezes para preparar a COP 1. Concluiu
tório de Avaliação Independente do Registro de seus trabalhos em fevereiro de 1995.
Transações Internacionais de cada Parte do Ane- iNDC – Intended Nationally Determined Contri-
xo I que, por sua vez, faz parte dos requisitos de butions | Pretendidas Contribuições Nacional-
relatório da Parte à UNFCCC. O IAR é encami- mente Determinadas. Intenção de metas de redu-
nhado para equipes de revisão de especialistas ção de GEE, proposta voluntariamente por cada
como parte da revisão de registros adicionais no Parte, no âmbito do Acordo de Paris. Com a rati-
âmbito do Artigo 8 do Protocolo de Quioto. O pro- ficação do Acordo de Paris pela Parte, as metas
cedimento para produzir o IAR é projetado para deixam de ser pretendidas e se tornam compro-
fornecer uma avaliação independente de cada missos oficiais, passando a ser designadas NDC
registro nacional. - Nationally Determined Contributions.
ICCP – International Climate Change Partner- IPCC – Intergovernmental Panel on Climate
ship | Coalizão global de empresas e associa- Change | Painel Intergovernamental sobre Mudan-
ções comerciais comprometidas com a partici- ças Climáticas. Estabelecido em 1988 pela Orga-
pação construtiva na formulação de políticas nização Meteorológica Mundial e pelo Programa
internacionais sobre mudança climática. das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o IPCC
pesquisa literatura científica e técnica mundial e
ICLEI – International Council of Local Environ-
publica relatórios de avaliação que são ampla-
mental Initiatives | Conselho Internacional de
mente reconhecidos como as fontes de informa-
Iniciativas Locais.
ção mais confiáveis sobre as mudanças climáti-
IEA – International Energy Agency | Agência cas. O IPCC também trabalha com metodologias
Internacional de Energia. e responde a solicitações específicas dos órgãos
subsidiários da Convenção. O IPCC é indepen-
IGO – Intergovernmental Organization | Orga-
dente da Convenção.
nização Intergovernamental.
J
Ilhas de calor | Ilhas de calor se refere a uma
anomalia térmica resultante, entre outros fatores,
das diferenças de absorção e armazenamento JUSSCANNZ | Acrónimo representando países
de energia solar pelos materiais constituintes da industrializados não pertencentes à UE que oca-
superfície urbana. Suas principais causas são: sionalmente se reúnem para discutir várias ques-
atividades antrópicas (mudança de uso e cober- tões relacionadas com as alterações climáticas.
tura da terra, ar condicionado, indústrias, meios Os membros são Japão, Estados Unidos, Suíça,
de transporte, etc); e propriedades das superfí- Canadá, Austrália, Noruega e Nova Zelândia. A
cies urbanas (telhados e pavimentos são tipica- Islândia, o México e a República da Coréia tam-
mente escuros e absorvem mais de 80% da ener- bém podem participar das reuniões do Grupo de
gia da radiação solar. Essas superfícies emitem Trabalho Conjunto JUSSCANNZ.
calor e fazem o ar do entorno aquecer).
Implementação Conjunta | Joint Implementa-
tion - JI. Um mecanismo sob o Protocolo de Quioto
L
através do qual um país desenvolvido pode rece- Legalmente vinculante | Legally binding. Um
ber “unidades de redução de emissões”, quanto acordo é legalmente vinculante quando ele tem
ajuda a financiar projetos que reduzem as emis- peso de lei internacional e países que não cum-
sões líquidas de GEE em outro país desenvolvido. prirem estão sujeitos a sanções de algum tipo. O
Na prática, o país receptor provavelmente será Protocolo de Quioto é “legally binding”, o Acordo
um país com “economia em transição”. A Parte do de Copenhague não o é.
362 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
N
mo financeiro pode ser confiado a uma ou mais
entidades internacionais existentes. O Global
Environment Facility – GEF, serviu como uma Não-Parte | Non-Party. Um Estado que não rati-
entidade operacional do mecanismo financeiro ficou a Convenção, mas participa de reuniões
por muitos anos e, na COP 17 (2011), as Partes como observador.
também decidiram designar o Green Climate
Fund – GCF, como uma entidade operacional do National Adaptation Programmes of Action
mecanismo financeiro. O mecanismo financeiro – NAPAs | Programas Nacionais de Adaptação.
é responsável perante a COP, que decide sobre Documentos preparados pelos países menos
suas políticas, prioridades do programa e crité- desenvolvidos (Least Developed Countries – LDCs)
rios de elegibilidade para financiamento. identificando necessidades urgentes e imediatas
de adaptação às mudanças climáticas.
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)
| Clean Development Mechanism – CDM. Um Nationally Appropriate Mitigation Actions –
mecanismo sob o Protocolo de Quioto através do NAMAs | Ações de Mitigação Nacionalmente Apro-
qual os países desenvolvidos podem financiar pro- priadas. Na COP 16, em Cancún, em 2010, os Esta-
jetos de redução ou remoção de emissões de GEE dos decidiram criar um mecanismo para registrar
em países em desenvolvimento, e receber créditos as ações de mitigação nacionalmente apropria-
para isso que podem ser aplicados para cumprir das, buscando apoio internacional, para facilitar
limites obrigatórios em suas próprias emissões. a compatibilização de financiamento, tecnologia
e apoio à capacitação com essas ações.
Mecanismos de Quioto | Três procedimen-
tos estabelecidos no Protocolo de Quioto para Nationally Determined Contributions – NDC |
aumentar a flexibilidade e reduzir os custos Contribuições Determinadas a Nível Nacional. De
de cortes nas emissões de GEE. São eles: o acordo com o Artigo 4º, parágrafo 2, do Acordo
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (Clean de Paris, cada Parte deverá preparar, comunicar e
FIXAÇÃO DE CARBONO EM SUPERFÍCIE E 363
REDUÇÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA NA ATMOSFERA
manter sucessivas contribuições determinadas a and Technological Advice – SBSTA. Órgão subsidi-
nível nacional (NDCs) que pretende alcançar. As ário permanente da UNFCCC, estabelecido pela
Partes deverão adotar medidas nacionais de miti- COP / CMP. O SBSTA é o elo entre informações e
gação, com o objetivo de alcançar os objetivos de avaliações fornecidas por fontes especializadas
tais contribuições. (como o IPCC). Suas principais áreas de atuação
incluem impactos, vulnerabilidade e adaptação às
Normas internacionais ad hoc | Normas inter-
alterações climáticas, promover o desenvolvimen-
nacionais definidas para finalidade específica. to e a transferência de tecnologias ambientalmente
adequadas e a realização de trabalho técnico para
O melhorar as diretrizes para a elaboração e revisão
de inventários de GEE a partir das Partes do Anexo I.
Observadores | Organizações não-governamen- O SBSTA realiza trabalho metodológico sob a Con-
tais e governos que não são Partes da Convenção, venção, o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris,
que podem participar, mas não votar, nas reuni- e promove a colaboração no campo da pesquisa e
ões da COP, da CMP e dos órgãos subsidiários. observação sistemática do sistema climático.
Os observadores podem incluir as Nações Unidas
Organizações não-governamentais – ONGs |
e suas agências especializadas, outras organiza-
Organizações que não fazem parte de uma estru-
ções intergovernamentais, como a Agência Inter-
tura governamental. Incluem grupos ambienta-
nacional de Energia Atômica, e as organizações
listas, instituições de pesquisa, grupos empresa-
não-governamentais (ONGs) credenciadas.
riais e associações de governos urbanos e locais.
OECD – Organization for Economic Co-opera- Muitas ONGs participam das negociações climá-
tion and Development | Organização para a Coo- ticas como observadores. Para ser credenciado
peração e o Desenvolvimento Econômico. para participar das reuniões sob a UNFCCC, as
ONGs devem ser sem fins lucrativos.
“Opções sem arrependimentos” | “No-regrets
options”. Tecnologia para reduzir as emissões de
GEE cujos outros benefícios (em termos de eficiên-
P
cia ou custos reduzidos de energia) são tão exten- Países Menos Desenvolvidos – PMD | Least Deve-
sos que o investimento vale a pena apenas por loped Countries – LDCs. Os países mais pobres do
esses motivos. Por exemplo, as turbinas a gás de mundo. Os critério atualmente usados pelo Conse-
ciclo combinado - nas quais o calor do combustível lho Econômico e Social (ECOSOC) para designação
em combustão aciona as turbinas a vapor enquan- como um PMD incluem baixa renda, fraqueza de
to a expansão térmica dos gases de escape acio- recursos humanos e vulnerabilidade econômica.
nam as turbinas a gás - podem aumentar a eficiên- Atualmente, 48 países foram designados pela
cia das usinas geradoras de eletricidade em 70%. Assembleia Geral da ONU como PMDs.
OPEP – Organization of Petroleum Exporting Parte | Party. Um Estado (ou organização regio-
Countries | Organização dos Países Exportadores nal de integração econômica, como a União Euro-
de Petróleo. péia), que concorda em estar obrigado por um
tratado e para o qual o tratado entrou em vigor.
Órgão Subsidiário | Um comitê que auxilia a
Conferência das Partes. Dois órgãos subsidiá- Partes do Anexo I | Annex I Parties. Definido pela
rios permanentes foram criados pela UNFCCC: UNFCCC. É a lista de países industrializados que
o Órgão Subsidiário de Implementação (SBI) e o teriam metas de mitigação a cumprir obrigatoria-
Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e mente pelo Protocolo de Quioto. Na lista estão os
Tecnológico (SBSTA). Dois dos principais órgãos países do chamado Primeiro Mundo e as econo-
temporários existentes atualmente são o Grupo mias em transição, do Leste Europeu.
de Trabalho Ad Hoc sobre Compromissos Adicio- Partes (não) Anexo I da UNFCCC | Refere-
nais para as Partes do Anexo I no âmbito do Proto- -se aos países que ratificaram ou aderiram à
colo de Quioto (AWG-KP), estabelecido na COP 11 UNFCCC e que não estão incluídos no Anexo I
em Montreal, e o Grupo de Trabalho Ad Hod sobre da Convenção. Atualmente, constam 154 Partes
Ação Cooperativa de Longo Prazo sob a Conven- (não) Anexo I.
ção (AWG-LCA), estabelecido na COP 13 em Bali.
Partes do Anexo II da UNFCCC | Annex II Par-
Organismos subsidiários adicionais podem ser
ties. Os países listados no Anexo II da Convenção,
estabelecidos conforme necessário.
que têm a obrigação especial de fornecer recur-
Órgão Subsidiário de Implementação | Subsidia- sos financeiros e facilitar a transferência de tec-
ry Body for Implementation – SBI. O SBI faz recomen- nologia para os países em desenvolvimento. As
dações sobre questões políticas e implementação Partes do Anexo II incluem 24 membros, integran-
para a COP e, se solicitado, para outros órgãos. tes da OCDE e da UE.
Órgão Subsidiário de Assessoramento Cientí- Particulados Totais em Suspensão – PTS |
fico e Tecnológico | Subsidiary Body for Scientific Partículas de material sólido ou líquido que ficam
364 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
suspensos no ar, na forma de poeira, neblina, Os protocolos normalmente fortalecem uma con-
aerossol, fumaça, fuligem, etc., com tamanho < venção, adicionando novos compromissos mais
100 micra (unidade de medida que corresponde à detalhados.
milionésima (1 milhão) parte do metro. Principais
Protocolo de Montreal | Montreal Protocol on
fontes antropogênicas: processos industriais, veí-
Substances that Deplete the Ozone Layer – Proto-
culos automotores, (exaustão), poeira de rua res-
colo de Montreal sobre Substâncias que Destro-
suspensa, queima de biomassa. Principais fontes
em a Camada de Ozônio, um acordo internacional
naturais: pólen, aerossol marinho e solo.
adotado em Montreal, em 1987.
Perdas e danos | Na COP 16 (Cancún, 2010), os
governos estabeleceram um programa de traba- Protocolo de Quioto | Kyoto Protocol. Um acor-
lho para considerar abordagens para lidar com do internacional que se mantém independente e
perdas e danos associados aos impactos das requer ratificação separada por parte dos gover-
mudanças climáticas em países em desenvolvi- nos, mas ligado à UNFCCC. O Protocolo de Kyoto,
mento, que são particularmente vulneráveis aos entre outras coisas, estabelece metas obrigató-
efeitos adversos da mudança climática, como rias para a redução das emissões de GEE pelos
parte do Cancun Adaptation Framework. países industrializados.
– Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Monga- Runoff | Escoamento superficial. Fluxo de água
guá, Peruíbe, Praia Grande, Santos e São Vicen- que ocorre na superfície do solo quando este se
te. A região responde por 3,15% do PIB paulista encontra saturado de umidade.
(2016) e concentra 4,09% da população do estado
(1,81 milhão de pessoas).
S
Região Metropolitana de São Paulo – RMSP
Secretaria de Mudanças Climáticas | Climate
| A RMSP concentra 39 municípios e é o maior
Change Secretariat. O escritório é composto por
polo de riqueza nacional. Com uma população de
funcionários públicos internacionais responsá-
20,99 milhões de pessoas (2019), participa com
veis por “atender” à UNFCCC e garantir o seu
54,36% no PIB do Estado (2016). Fazem parte da
bom funcionamento. O secretariado organiza as
RMSP: São Paulo; Sub-região Leste: Arujá, Biri-
reuniões, compila e prepara relatórios e realiza
tiba-Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema,
a coordenação de ações com outros organis-
Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes,
mos internacionais relevantes. A Secretaria de
Poá, Salesópolis, Santa Isabel, Suzano; Sub-
Mudanças Climáticas, com sede em Bonn, na
-região Norte: Caieiras, Cajamar, Francisco Mora-
Alemanha, está institucionalmente vinculada à
to, Franco da Rocha, Mairiporã; Sub-região Oes-
ONU.
te: Barueri, Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Osasco,
Pirapora do Bom Jesus, Santana de Parnaíba; Sequestro de carbono | Carbon sequestration. O
Sub-região Sudeste: Diadema, Mauá, Ribeirão processo de remoção de carbono da atmosfera e
Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Ber- seu depósito em um reservatório.
nardo do Campo, São Caetano do Sul; Sub-região
SIDS – Small Island Developing States |
Sudoeste: Cotia, Embu das Artes, Embu-Guaçu,
Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento.
Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da
Serra, Taboão da Serra, Vargem Grande Paulista. Sink – Sumidouro | Qualquer processo, ativida-
de ou mecanismo que remova um GEE, um aeros-
Reservatórios ou sumidouros | Um componen-
sol ou um precursor de um GEE da atmosfera.
te ou componentes do sistema climático onde um
Florestas e outras vegetações são consideradas
GEE ou um precursor de um GEE é armazenado.
sinks por que elas removem o dióxido de carbono
As árvores são “reservatórios de GEE".
através da fotossíntese.
Revolução industrial | processo marcado pela
transformação do modo de produção artesanal
para o modo industrial, aproximadamente entre
1750 e 1840. Neste período ocorreram o desenvol-
T
vimento de máquinas e a substituição da madeira Transferência Tecnológica | Um amplo conjun-
pelo carvão mineral como fonte de energia. to de processos cobrindo os fluxos de know-how,
experiências e equipamentos para mitigação e
RIO 92 | Conferência das Nações Unidas sobre
adaptação às mudanças climáticas entre os dife-
Desenvolvimento Sustentável, também designa-
rentes interessados.
da como "Cúpula da Terra". Evento marco para
três convenções ambientais, duas das quais
foram adotadas na "Cúpula da Terra" de 1992 no U
Rio de Janeiro: a Convenção-Quadro das Nações
Unidas de Combate à Desertificação (UNFCCC) UNFCCC – United Nations Framework Conven-
e a Convenção sobre Biodiversidade (CBD), tion on Climate Change | Convenção-Quadro
enquanto a terceira, a Convenção das Nações das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Unidas. Combat Desertification (UNCCD), foi
União Europeia – UE | Enquanto uma organiza-
adotada em 1994. As questões abordadas pelos
ção regional de integração econômica, a UE é par-
três tratados estão relacionadas - em particu-
te da UNFCCC e do Protocolo de Quioto. No entan-
lar, as alterações climáticas podem ter efeitos
to, ela não tem um voto separado daquele de seus
adversos na desertificação e biodiversidade - e
Estados membros. Dado que a UE assinou a Con-
através de um Grupo de Ligação Conjunta, os
venção quando era conhecida como CEE (Comu-
secretariados das três convenções tomam medi-
nidade Econômica Européia), a UE conserva este
das para coordenar as atividades para alcançar
nome para todos os fins formais relacionados à
um progresso comum.
UNFCCC. Os membros são: Áustria, Bélgica, Bul-
Rio + 20 | Conferência das Nações Unidas gária, Chipre, República Checa, Dinamarca, Estô-
sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada nia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos,
no Rio de Janeiro, Brasil, de 4 a 6 de junho de Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia,
2012. Espanha, Suécia e Reino Unido.
366 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Coordenador
Augusto José Pereira Filho | IAG/USP
Autores
Augusto José Pereira Filho | IAG/USP
Elaine Aparecida Rodrigues | IF/SIMA - IPEN/USP
Frederico Luiz Funari | IAG/USP
368 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
1 | Introdução........................................................................................................ 374
.............................................................................................................. 411
Glossário ....
370 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 Esquema do ciclo hidrológico no sistema terrestre global, Precipitação (P); Evaporação/
Evapotranspiração (E); Transporte de vapor d' água (Q); Escoamento superficial (Ro);
Escoamento subterrâneo (Ru).
Figura 2 Imagem da RBCV, com a RMSP ao centro e localizações da EMC do IAG/USP, na avenida
Paulista até 1932 (EMC) e, depois, no PEFI. Cores marrons, verde escuro e claro indicam
áreas urbanas, vegetadas e represas, respectivamente.
Figura 3 Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (PEFI), São Paulo.
Figura 4 Distribuição espacial da precipitação média (A) e fração de dias de chuva média anual (B)
no estado de São Paulo no período de 1947 a 1997. Escala de cores indica acumulação
(mm).
Figura 5 Evolução temporal da precipitação diária (A) e temperatura diária (B) máximas absolutas
anuais medidas no PEFI entre 1933 e 2018. As respectivas médias e desvios padrão são
74,3 mm +/- 22,5 mm e 33,4oC +/- 1,1oC.
Figura 6 Projeção de aumento da temperatura média global entre 2071 e 2100 para os hemisférios
Norte e Sul (A) e anomalia de temperatura da superfície do mar em 5 de julho de 2018 (B).
Figura 7 Evolução temporal das anomalias de temperatura do ar (T), umidade relativa (UR) (A),
vento zonal (u) e meridional (v) e pressão (B), definidas a partir das médias anuais do
período de 1936 a 2005 estimadas com os dados da Estação Meteorológica do IAG USP.
Figura 8 Ilha de calor registrada em imagem IR do satélite GOES-12 às 1540 UTC de 29 de março de
2007. Escala de cores indica temperatura (oC) estimada.
Figura 9 Imagem de satélite (EOS 2008) da RBCV, com RMSP, ao centro (A); média mensal da
Temperatura da Superfície Terrestre (TST) para períodos diurnos (B) e noturnos (C), em
outubro de 2001. A figura (A) mostra as localizações de áreas rurais (r), centro urbano (u)
e limite (b) da RMSP.
Figura 10 Ilustração dos efeitos da ilha de calor, provocadas pelo homem (A), na variabilidade e
localização de precipitação (B).
Figura 11 Baixada Santista e suas áreas urbanizadas (A) e a orla alterada de Santos (B).
Figura 12 As diferentes fontes de vapor de água que abastecem a RBCV, vindas do Nordeste, Pantanal,
Amazônia e Oceano Atlântico.
Figura 13 Campos de vento em 850 hPa (m s-1) (A) e umidade específica (kg kg-1) (B).
Figura 14 Espessura ótica da pluma de material particulado proveniente das queimadas na Amazônia
sobre a RBCV, em 19 de agosto de 2019.
Figura 15 Imagem do satélite GOES-16 dos canais IR (A) e VIS (B), precipitação (mm h-1) com radar
meteorológico de São Paulo (C) e registro fotográfico (D) às 16h29, de 19 de agosto de 2019.
Figura 16 Imagem da RBCV, com destaque para a RMSP e 20 sites selecionados para integrar a rede
Micronet de estações meteorológicas automáticas. A letra "P" corresponde às estações
previstas e a letra “I” para as áreas com estações instaladas no PEFI (Parque CienTec) e
EACH/USP.
Figura 17 Cercado da Estação Meteorológica com o abrigo meteorológico no primeiro plano,
pluviômetros no segundo plano e torre metálica da Estação Meteorológica Automática ao
fundo (A); rede de sensores de umidade de solo (B); e sensor de nível do lago do PEFI (C)
instalados no Parque CienTec.
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 371
Figura 18 Evolução temporal da temperatura do solo e do ar média mensal (A) e energia onda curta
e saldo de energia (B); chuva acumulada mensal (C) e volume de água total armazenada
no solo até 3 m de profundidade (D); perfil médio, máximo e mínimo de umidade no solo
(E) e variação mensal da umidade do solo (F).
Figura 19 As 10 maiores precipitações diárias e temperaturas horárias registradas na cidade de
São Paulo, medidas pela Estação Meteorológica do IAG/USP, entre 1933 e 2018; estão
indicados o ano da ocorrência e respectivo valor.
Figura 20 Radiação solar e refletida (albedo) e fluxos de calor sensível e latente para diferentes usos
e ocupações do solo: floresta (A); pastagem (B) e urbano (C), para condições de calmaria.
Figura 21 Cobertura arbórea (A) e temperatura aparente de superfície em 2008 (B) e em 2015 (C)
no município de Guarulhos.
Figura 22 Projetos implantados pelo PIV em Guarulhos. Avenida Paulo Facchini (centro), trecho
entre a av. Tiradentes até a av. Monteiro Lobato, em 2009 (A) e 2017 (B) e ilha verde
implantada no Parque CECAP/SEMA, em 2009, com temperatura ao sol registrada de 35oC
(C) e em 2017, com temperatura de superfície 17oC, registrada à sombra (D).
Figura 23 Temperatura de brilho do canal IR do satélite GOES-8 em 11 de outubro de 2002. Tons
escuros indicam temperaturas mais altas e, tons mais claros, mais baixas. Contorno
geográfico do Estado de São Paulo está indicado em preto, RBCV em contorno branco.
Horários em UTC.
Figura 24 Evolução temporal de variáveis meteorológicas de 18 eventos de enchentes associadas à
brisa marítima e ilha de calor.
Figura 25 Distribuição espacial de chuva acumulada estimada com o radar meteorológico de São
Paulo, para 18 eventos de enchentes associados com brisa marítima e ilha de calor na
RBCV.
Figura 26 Distribuição espacial da frequência (%) de chuva acumulada, acima (A) e abaixo (B) de 10
mm h-1 para todos os 18 eventos de enchentes associadas com brisa marítima e ilha de
calor na RBCV.
Figura 27 Número de danos causados por eventos severos na RMBS, registrados por município
(1980-2015).
Figura 28 Registros fotográficos de impactos relacionados a eventos climáticos na RMBS: queda de
marquise de um posto de combustíveis em Santos (A); maré alta e ressaca em Santos
(B); desabamento do teto do shopping de Praia Grande (C); árvore que caiu sobre dois
ambulantes, na Praça Carlos Antonio Menon, em São Vicente (D); queda de árvore com
destruição de calçada em Santos (E).
Figura 29 Imagem aérea do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, com a localização do Parque
CienTec, em São Paulo. Parque Estadual Fontes do Ipiranga, São Paulo.
Figura 30 Vista aérea do Parque CienTec/USP, localizado no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga.
Figura 31 Entrada do Parque CienTec/USP.
Figura 32 Áreas de estudo sobre potencial da arborização viária na redução do consumo de energia,
na cidade de São Paulo.
QUADROS
Quadro 1 O Programa Ilhas Verdes Urbanas do município de Guarulhos.
Quadro 2 Estudo de caso: O Parque Estadual das Fontes do Ipiranga.
Quadro 3 Estudo de caso: Potencial da arborização viária na redução do consumo de energia elétrica.
372 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
TABELAS
Tabela 1 Valores médios mensais de variáveis climáticas: temperatura, umidade relativa,
precipitação, pressão atmosférica, insolação, radiação solar e evaporação.
Tabela 2 Balanço hídrico (mm) da bacia hidrográfica PEFI (1999-2000).
Tabela 3 Valores da Temperatura Aparente em Superfície 0C (TAS) de acordo com o tipo de cobertura
da terra.
Tabela 4 Eventos severos na cidade de São Paulo, entre 2002 e 2004.
Tabela 5 Ocorrência mensal de pontos de alagamento na cidade de São Paulo.
Tabela 6 Precipitação mensal e anual (mm) para a cidade de São Paulo para o período de 1998/1999
SIGLAS
e 2010/2011.
BM Brisa marítima
CIENTEC (Parque) Parque de Ciência e Tecnologia/USP
o
C Graus Celsius
CGE Centro de Gerenciamento de Emergências
CLP Camada Limite Planetária
e.g. por exemplo
DEA Descargas elétricas atmosféricas
DCA Departamento de Ciências Atmosféricas
DT Deslizamento de terra
EM Estação Meteorológica
EMA Estação Meteorológica Automática
FSP Faculdade de Saúde Pública
IAG Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change. Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas
IR Infravermelho
PA Pontos de alagamento
PEFI Parque Estadual das Fontes do Ipiranga
PCR Pico de congestionamento registrado
Pmax Precipitação máxima
PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo
RBCV Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo
RMBS Região Metropolitana da Baixada Santista
RMSP Região Metropolitana de São Paulo
RFV Rajadas de vento forte
TAI Transporte aéreo interrompido
TAS Temperatura Aparente de Superfície
Tdmx Temperatura do ponto de orvalho máxima
Tmax Temperatura do ar máxima
USP Universidade de São Paulo
VT Vítimas fatais
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 373
RESUMO
O sistema terrestre resulta da interação dos subsistemas que produz o ciclo hidrológico glo-
continentes, oceanos, geleiras polares, atmosfe- bal terrestre e é responsável pela complexidade
ra e biosfera com a energia solar. As inter-rela- e diversidade da vida no planeta.
ções são complexas e ocorrem em escalas de O ciclo hidrológico global (Figura 1) é
tempo que variam de segundos a milhares de composto pela Hidrosfera (Oceanos), Atmosfe-
anos e em escalas espaciais que variam de micro ra, Litosfera (Continentes), Criosfera (Geleiras)
a macro distâncias, isto para acomodar mudan- e Biosfera. As letras na Figura 1 indicam: (E)
ças e estabelecer o equilíbrio entre esses com- evaporação (oceanos e continentes); (P) preci-
ponentes sistêmicos. pitação; (Q) transporte de vapor de água; (Ro)
Clima e tempo serão tratados do nível mais escoamento superficial (continentes) e (Ru)
elevado do sistema para a escala local da RBCV. escoamento subterrâneo. A energia geradora
Uma condição climática, em uma dada área do do ciclo da água é a radiação solar que interage
sistema terrestre, é determinada pelas interações com os cinco componentes do sistema terrestre
das escalas espaço-temporais, da maior para a em escalas de tempo e espaço de poucos segun-
menor. Elas determinam as condições de desen- dos a milhares de anos, de centímetros (tur-
volvimento e crescimento da vida, que, por sua bulência) a milhares de quilômetros (ondas de
vez, podem causar mudanças locais no sistema Rossby). Há um equilíbrio entre o volume de
com impactos adversos ou benéficos às diversas água evaporado da superfície terrestre e o volu-
formas de vida condicionada à ação antrópica. me de água precipitado durante longos períodos
Neste contexto, constitui objetivo deste de tempo em escala global. Porém, na medida em
capítulo descrever o papel do clima no estabe- que as escalas de tempo e espaço decrescem, os
lecimento de ecossistemas e a regulação destes regimes de evaporação e precipitação se tornam
nas condições climáticas da região compreendida mais complexos e o balanço entre estas variá-
pela RBCV, incluindo a avaliação dos distúrbios veis não é mantido; algumas regiões do planeta
climáticos causados pela eliminação ou empo- sofrem estiagem permanente, como no Deserto
brecimento desses ecossistemas e seus reflexos do Saara; enquanto em outras, como na Ama-
na relação entre o serviço ecossistêmico e o bem- zônia, a chuva é superabundante. Enchentes e
-estar humano. estiagens são exemplos de fenômenos extremos
2 | O CLIMA NA RBCV
de tempo e clima que afetam a vida e as ativi-
dades humanas, e são manifestações das intera-
ções do sistema climático global.
O sistema Terra é composto pela atmosfe- Os processos responsáveis pelo aco-
ra, hidrosfera, criosfera, litosfera e biosfera. Sua plamento das fases terrestre e atmosférica
evolução espaço-temporal depende da evolução do ciclo hidrológico, seus impactos sobre os
destes cinco componentes e dos vários mecanis- recursos hídricos e o meio ambiente são obje-
mos de interação com eles, enquanto se utilizam to de pesquisa em estudos de variabilidade e
da energia solar disponível. A substância água mudanças climáticas e de estratégias para o
é um dos elementos de interligação entre estes desenvolvimento de sistemas sustentáveis.
Figura 1 |
Esquema do ciclo
hidrológico no
sistema terrestre
global. Precipitação
(P); Evaporação/
Evapotranspiração
(E); Transporte de
vapor d' água (Q);
Escoamento
superficial (Ro);
Escoamento
subterrâneo (Ru).
Fonte: Adaptado de
Peixoto e Oort (1992).
376 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 2 |
Imagem da RBCV,
com a RMSP ao centro
e localizações da EMC
do IAG/USP, na avenida
Paulista até 1932 (EMC)
e, depois, no PEFI.
Cores marrons, verde
escuro e claro
indicam áreas urbanas,
vegetadas e represas,
respectivamente.
Fonte: Google Earth
(2019).
378 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 3 |
principais massas de ar que atuam na região
Parque Estadual
são: Tropical Atlântica, Polar Atlântica, Tro-
das Fontes do pical Continental e Equatorial Continental. A
Ipiranga,
São Paulo.
fonte de perturbações na circulação geral da
Foto: Rubens Chiri.
atmosfera na região é a massa Polar Atlânti-
Fonte: FV&CP – SP ca que perturba e produz fenômenos, como
(2019). as frentes frias. Antes da chegada das frentes,
sopram na superfície ventos locais de compo-
A RBCV encerra uma população da ordem nente N-NW, com grande intensidade, que pre-
de 25,36 milhões de habitantes (IBGE, 2019); nunciam a invasão do ar polar. A frequência
sua porção central – que corresponde à RMSP maior dessas ondas é na primavera, outono e
– é uma das regiões mais densamente povoa- inverno e são mais raras no verão.
das do Brasil (com 21,73 milhões de pessoas) e A Região Metropolitana da Baixada San-
é a 4ª maior região metropolitana do planeta tista (RMBS), assim como a RMSP, está inte-
(UN-HABITAT, 2016; IBGE, 2019). A metrópole gralmente inserida na RBCV. A Baixada Santis-
paulista abrange, em linhas gerais, a área dos ta é uma região separada da RMSP pela escarpa
depósitos terciários da Bacia do Alto Tietê e de linha de falha geológica da Serra do Mar e
abarca o sítio urbano da cidade de São Paulo, com apresenta características climáticas semelhan-
seus bairros, subúrbios e a zona rural dos cam- tes à da RMSP, apenas com influência maior da
pos, residencial ou agrícola (horticultura), e as presença do mar e da menor altitude. As mas-
grandes e pequenas aglomerações urbanas dos sas de ar são as mesmas, acrescidas da brisa
outros 38 municípios que pertencem à região marítima que atinge com frequência a bacia
metropolitana. Ao redor desta imensa metró- paulistana, trazendo nevoeiros e precipitação.
pole, há um Cinturão Verde com 1,8 milhão de A Tabela 1 mostra as normais climato-
hectares, dos quais 757 mil hectares são ecos- lógicas representativas da RBCV. Nota-se um
sistemas da Mata Atlântica. Outros usos da ter- ciclo anual bem definido dessas variáveis. Por
ra, como áreas cultivadas, residenciais e outras exemplo, a temperatura média do ar varia
áreas verdes, reservatórios de água, infraestru- entre 21,7oC (fevereiro) e 15,1oC (julho), a umi-
tura e solo descoberto, compõem esse território dade relativa 84,5% (março) e 78,7% (agosto),
de 78 municípios (SÃO PAULO, 2010). a precipitação média mensal é máxima em
Na RMSP, a topografia é de planícies alu- janeiro (219,8 mm) e, mínima, em agosto (39,1
viais com meandros divagantes. Um horizonte mm). Esses valores normais têm sido alterados
irregular de colinas baixas vai encontrar limi- em grande parte pelo uso e ocupação do solo,
tes em serras e morros, que chegam a ultrapas- em especial na porção central da RBCV, com
sar 1000 m de altitude, formando barreiras ao acentuado crescimento da área urbana. Estes
norte e oferecendo a ocidente e a oriente obs- aspectos de evolução do microclima são trata-
táculos menores. A parte sul sofre a influência dos nas próximas seções.
da proximidade com o oceano Atlântico do qual A variabilidade da precipitação no leste
o centro da cidade dista menos de 60 km. Na do estado de São Paulo, onde está localizada a
parte sul da região se encontram as represas RBCV, é muito alta. Os campos da precipitação
Guarapiranga e Billings. Considerando-se a anual média e dias chuvosos são mostrados na
posição geográfica da RMSP, cortada pelo tró- Figura 4. Notam-se núcleos de maior precipi-
pico de Capricórnio, predomina um clima tro- tação nas regiões serranas do estado, o maior
pical temperado pela altitude. deles ao longo da Serra do Mar, modulado pela
É indispensável ainda no estudo do clima circulação de brisa marítima e proximidade do
desta região, considerar as posições relativas oceano (PRADO et al., 2007) e o segundo na Ser-
das massas de ar sobre o continente e sobre o ra da Mantiqueira, modulado pela circulação de
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 379
vale montanha. A precipitação decresce em direção ao interior do estado em parte pela queda em
altitude (Figura 4A).
A precipitação média anual é
diretamente proporcional ao seu
desvio padrão. O campo da fração
média de dias chuvosos está mostra-
do na Figura 4B. A região litorânea
apresenta maior fração de dias chu-
vosos do que o interior do estado,
com máximos na região de Ilha Com-
prida e Registro. O campo da fração
de dias chuvosos e o da precipitação
anual média sugerem que a brisa
marítima tenha impacto até cerca de
100 km continente adentro.
A fração de dias chuvosos
decresce de 0,4 para 0,2 da região
litorânea para o oeste do estado de
São Paulo, respectivamente. Similar-
mente, a precipitação média anual
Figura 4 |
Distribuição espacial
varia de 2500 mm na região litorâ-
nea a 1200 mm no extremo oeste do da precipitação média
estado de São Paulo. Estes resultados (A) e fração de dias de
chuva média anual
(B) no estado de São
indicam que essa variação no sentido
Paulo, no período de
do interior para o litoral ocorre em
função do menor número de dias de 1947 a 1997. Escala de
cores indica
acumulação (mm).
chuva do que em relação à diminui-
Fonte: Adaptado de
ção da intensidade média dos siste-
mas precipitantes. Nota-se ainda que Prado et al. (2007).
380 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ao longo da Serra da Mantiqueira a fração média temporal das médias mensais de temperatu-
de dias chuvosos é relativamente pequena quan- ra do ar, umidade relativa, insolação, pressão
do comparada ao total anual médio de chuva, o atmosférica mínima, precipitação e rosa dos
que sugere que a intensidade dos sistemas preci- ventos foram analisadas. Verificou-se que hou-
pitantes nesta região seja maior. ve mudanças significativas no ciclo anual das
Como a maior parte da população encerra- variáveis ao longo das últimas oito décadas com
da pela RBCV (21,7 milhões de pessoas, que cor- aumento da temperatura (+2,1oC), precipitação
respondem a 85,7% da população) está concen- (+ 400 mm), insolação e diminuição da umidade
trada na RMSP (IBGE, 2019), sendo esta parcela relativa do ar (-7%).
a mais afetada pela perda do serviço ecossistê- Entretanto, os extremos de precipitação
mico de regulação climática, esta área central diária e temperatura do ar sofreram alterações
da RBCV foi considerada o ponto focal das análi- menos significativas. Os valores máximos de
ses climatológicas realizadas neste capítulo. precipitação acumulada diária anual medidos
Para a RMSP, as médias diárias de tempera- no PEFI pela Estação Meteorológica do IAG/USP
tura do ar, umidade relativa, intensidade e dire- estão mostrados na Figura 5.
ção do vento, pressão atmosférica, insolação e As temperaturas máximas anuais indicam
precipitação diária da EM do IAG/USP foram uti- uma tendência de aumento ao longo das déca-
lizados nas análises, no período de 1936 a 2005. das em virtude de efeitos locais associados à
Assim, foram obtidas para estas variáveis as ilha de calor urbano da RMSP, com uma tendên-
médias diárias e totais. As análises da evolução cia de diminuição da nebulosidade e aumento
Figura 5 |
Evolução temporal
da precipitação
diária (A) e
temperatura diária
(B) máximas
absolutas anuais
medidas no PEFI
entre 1933 e 2018.
As respectivas
médias e desvios
padrão são 74,3
mm +/- 22,5 mm
e 33,4oC +/- 1,1oC.
Fonte: Estação
Meteorológica
do IAG/USP.
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 381
Figura 6 |
Projeção de aumento
da temperatura
média global entre
2071 e 2100 para os
hemisférios Norte e
Sul (A) e anomalia
de temperatura da
superfície do mar,
em 05 de julho de
2018 (B).
Fontes: (A) IPCC
(2002); (B) NASA.
382 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 7 |
Evolução temporal
das anomalias de
temperatura do
ar (T), umidade
relativa (UR) (A);
vento zonal (u) e
meridional (v) e
pressão (B),
definidas a partir
das médias anuais
do período de 1936
a 2005 estimadas
com os dados
da Estação
Meteorológica
do IAG USP.
Fonte: Pereira Filho
et. al. (2007).
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 383
próxima à superfície ou, como se sugere, houve Sugere-se que essa mudança esteja relacionada
uma diminuição da quantidade de vapor de água com circulações térmicas induzidas pela ilha de
em virtude da redução das áreas vegetadas. calor, evidenciada na Figura 8.
Na RMSP, os remanescentes florestais De qualquer forma, as anomalias de vento
maiores e mais numerosos se localizam princi- até a década de 1970 traziam ar relativamente
palmente nas áreas de encosta da Serra do Mar seco e frio e, depois desta década, ar relativa-
(MITTERMEIER et al., 1999), em virtude da topo- mente quente e úmido. O aumento de tempera-
grafia acidentada e das dificuldades de utilização tura do ar na RMSP no período de 1961 a 1991
dessas áreas para a agricultura. Fragmentos mais foi maior do que 1,0oC, acima da estimativa
significativos também são encontrados nas re- global de 0,5oC (SHEIN, 2006). Isto sugere que,
giões periféricas, principalmente nas cabeceiras somado ao aumento global da temperatura, hou-
e áreas de proteção aos mananciais (CATHARINO ve um aumento local da temperatura mais sig-
et al., 2006). Na metrópole paulista, a expansão nificativo, que contribuíram para as mudanças
urbana se deu sobre áreas e habitats biologica- climáticas observadas na RMSP.
mente críticos, com alterações severas na forma Análises complementares realizadas com
da paisagem, com consequências sobre suas fun- as séries de dados de temperatura do ar, pressão
ções e usos. Essa expansão envolveu especulação do ar, vento zonal (leste-oeste) e vento meridio-
em terras varzeanas, grilagem de espaços bal- nal (norte-sul), umidade relativa, precipitação
dios, construção de marginais em terraços artifi- e insolação possibilitaram várias evidências.
ciais beiradeiros, com quebras da funcionalidade Além dos ciclos de insolação anual e sazonal
do organismo urbano (AB’SABER, 2004). intensos, foram verificados ciclos de dois a onze
Nessas condições de expansão urbana, o anos com ciclos menos significativos de mais
aumento da temperatura do ar e a manutenção longo prazo (maiores do que trinta anos) – exce-
ou diminuição da quantidade de vapor de água to para a temperatura média do ar, que apre-
têm resultado em um contínuo decréscimo da sentou apenas ciclos mais curtos de dois a sete
umidade relativa do ar, mais significativamen- anos, possivelmente associados ao fenômeno
te a partir da década de 1960. Por outro lado, El Niño (La Niña)/Oscilação do Sul (ENOS). Ou
as anomalias de vento que eram de sudoeste seja, há fatores de mudanças associadas a sis-
até a década de 1970 mudaram para nordeste. temas transientes globais e outros associados
Figura 8 |
Ilha de calor
registrada em imagem
IR do satélite GOES-12
às 1540 UTC de 29 de
março de 2007. Escala
de cores indica
temperatura (oC)
estimada.
Fonte: Pereira Filho
et al. (2007).
384 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
com mudanças locais de origem antrópica, ao alteração climática, de origem antrópica na qual
se considerar, notadamente, o intenso proces- a baixa pressão atmosférica causada pela ilha de
so de urbanização da RMSP, entre 1950 e 2010 calor gera correntes convectivas, causam deslo-
– neste período, a metrópole paulista aumentou camento dos focos de precipitação.
dez vezes, passando de 2 milhões para mais de Esses resultados sugerem que as grandes
20 milhões de habitantes nos últimos 60 anos, cidades tropicais do planeta sofrem mais por
acumulando problemas dramáticos em relação causa da mudança do balanço energético na
à mudança do uso da terra (FLORES et al., 2016). camada da atmosfera próxima do solo. Nessa
Nas áreas urbanas, a introdução de mate- camada limite planetária houve aumento das
riais de superfície, tais como concreto, asfalto temperaturas mínimas, em particular decor-
e ladrilhos, bem como a emissão de calor, de rente da urbanização e eliminação dos ecos-
umidade e de poluentes que produzem a turbi- sistemas naturais e, em menor grau, devido às
dez atmosférica modificam a troca de energia e mudanças globais relacionadas ao aumento
de umidade entre superfície e atmosfera. Com dos gases do efeito estufa. As medições obtidas
frequência, tem-se alteração dramática das demonstram que a densa área urbana da RMSP
propriedades do sistema superfície-atmosfera tende a ser mais aquecida do que o cinturão ver-
(radioativas, térmicas, hídricas e transporte de que a abraça, por causa da menor capacidade
turbulento) que fazem com que as temperaturas térmica das várias estruturas civis em relação
locais do ar e da superfície subam vários graus às áreas verdes (PEREIRA FILHO et al., 2013).
acima das temperaturas dos locais rurais envol- Em um cenário de aumento do contraste de
tórios. Assim, os microclimas urbanos são, em temperatura entre o centro geométrico da área
geral, mais quentes do que seus arredores, para urbana e sua periferia, a tendência é de maior
qualquer hora do dia, nas cidades de latitude concentração de sistemas de tempestades sobre
média (FLORES et al., 2016). Esta situação para ela (Figura 10). Menos precipitação haveria
a RMSP é visualizada na Figura 9. sobre as bacias de mananciais, nas bordas da
Da análise do agrupamento das variáveis RBCV do Planalto. Ainda, enchentes, rajadas de
médias anuais se verificou que o vento é alta- vento e descargas elétricas seriam mais inten-
mente correlacionado com a temperatura média. sas, com o agravamento dos conhecidos impac-
Estas duas variáveis se relacionam com a umida- tos negativos sobre a população da área urbani-
de relativa e, estas, com a insolação. Agrupando- zada da RBCV, em especial, na RMSP e na RMBS.
-se à precipitação e pressão com as demais vari- Eventos intensos de precipitação, rajadas de
áveis, estes resultados sugerem que, embora o vento, descargas elétricas e granizo no período
volume de precipitação diário dependa da circu- de verão e os eventos de intensa poluição e bai-
lação do ar, quantidade de energia solar, tempe- xas umidades no outono e inverno têm impac-
ratura do ar e umidade relativa, a pressão atmos- to significativo na população (PEREIRA FILHO
férica determina o total anual de precipitação. et al., 2004) e sobre os ecossistemas e os servi-
Figura 9 | Este resultado sugere que a intensidade do anti- ços que proporcionam.
Imagem de satélite
(EOS 2008) da
ciclone subtropical do Atlântico Sul influencia o A Região Metropolitana da Baixada San-
RBCV, com RMSP,
total anual de precipitação. O deslocamento des- tista, também integralmente inserida na RBCV,
ao centro (A); te para Oeste deve reduzir as chuvas, enquanto faz limite com o Litoral Norte, Litoral Sul e com
média mensal da
Temperatura da
para Leste tende a aumentar a precipitação. Esta a RMSP. Em relação a seus aspectos físicos,
Superfície Ter-
restre (TST) para
períodos diurnos
(B) e noturnos (C),
em outubro de
2001. A figura (A)
mostra as
localizações de
áreas rurais (r),
centro urbano (u) e
limite (b) da RMSP.
Fonte: Flores
et al. (2016).
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 385
Figura 10 |
Ilustração dos efeitos
da ilha de calor,
provocada pelo
homem (A), na
variabilidade
e localização de
precipitação (B).
Fonte: Elaboração
própria.
Figura 11 |
Baixada Santista
e suas áreas
urbanizadas
(em cinza) (A) e a
orla alterada de
Santos (B).
Fonte: Google
Earth (2019).
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 387
3 | CLIMA E ECOSSISTEMAS
ponibilidade de energia solar e do estado de
cada um dos cinco componentes sistêmicos
(litosfera, criosfera, hidrosfera, atmosfera e
Os ecossistemas se desenvolvem a par- biosfera).
tir das condições climáticas e de solo. Estu- Por sua vez, os ecossistemas têm um
dos indicaram que há 18 mil anos, na última impacto das condições microclimáticas (como
grande era glacial, quando o planeta estava RBCV) às climáticas regionais (e.g., Amazônia).
mais frio, a Amazônia e seus ecossistemas Os ecossistemas da Amazônia são resultado de
foram reduzidos aos típicos de regiões de radiação solar, temperaturas do ar e chuvas
savanas, com menor diversidade e densida- elevadas, além dos solos. As chuvas na região
de desses, por causa da menor quantidade amazônica resultam do alto transporte de
de água disponível no sistema. Entretanto, vapor de água do Oceano Atlântico. Sem este
resultados mais recentes de Pinaya et al. importante fator ambiental, a floresta ama-
(2019) sugerem que houve uma mudança no zônica seria reduzida a condições mais secas,
regime de precipitação e temperaturas que similares ao nordeste brasileiro por causa da
possibilitaram a propagação de vegetação falta de chuvas. No passado, a área abrangida
típica do sul do Brasil até a Amazônia. De pela RBCV foi caracterizada pela diversidade
fato, em São Paulo há remanescentes da flo- de ecossistemas e vegetação abundante, por
resta Araucária que remonta ao último perí- causa dos solos, chuvas abundantes e radiação
odo glacial. De qualquer forma, a quantidade solar. O vapor de água que produz as chuvas
de vapor de água no ar depende essencial- na RBCV tem origem na Amazônia, da evapo-
mente da temperatura do ar. Quanto maior a transpiração da floresta trazida por circula-
temperatura, maior o estado de agitação mole- ções atmosféricas de Noroeste, e circulações
cular, que permite o maior entranhamento de locais que transportam água do Oceano Atlân-
vapor de água, ou seja, quanto maior a tempe- tico na borda continental por meio da circula-
ratura do ar maior a capacidade deste manter ção de brisa marítima. A região do Pantanal e
maior massa de umidade. Na medida em que os mesmo o Nordeste Brasileiro também contri-
ecossistemas se desenvolvem com a vegetação, buem secundariamente como fontes de umida-
estes alteram as condições climáticas locais. Há de (Figura 12). A análise da razão isotópica do
um aumento da umidade do ar, da oxigenação, oxigênio 16/18 na água de chuva coletada no
uma diminuição do albedo (fração da luz solar interior de São Paulo realizada por Gastmans
incidente refletida pela Terra e sua atmosfera) e et al. (2017) indica três regiões fontes de vapor
da temperatura do ar, maior infiltração de água d'água na Amazônia, Pantanal e Nordeste com
no solo, maior bombeamento da umidade do características mais estratiformes, prolon-
solo de volta para a atmosfera, desde o sistema gadas e de maior volume total de chuva asso-
radicular até ao sistema estomatal na folhagem ciadas à primeira fonte e mais convectiva e
da vegetação. Assim, se estabelece um equilíbrio de curta duração associadas com a segunda e
ecossistêmico enquanto as condições edafo- terceira. Na RBCV há também o transporte de
climáticas persistirem. vapor d'água diretamente do Oceano Atlântico
388 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 12 |
As diferentes
fontes de vapor de
água que
abastecem a
RBCV, vindas
do Nordeste,
Pantanal,
Amazônia e
Oceano Atlântico.
Fonte: Elaboração
própria.
associado com a circulação de brisa marítima. de material particulado foi muito acima do nor-
A razão isotópica do vapor d'água da Amazô- mal e causou alteração nas nuvens de chuva para
nia é similar ao do Oceano Atlântico enquanto nuvens nimbostratus, caracterizada por grande
que a do Nordeste com massa molecular maior extensão vertical e baixa precipitação que redu-
sugere um regime de alta evaporação. O vapor zem a incidência solar na superfície. A Figura
d'água com origem no Pantanal está entre estes 15C (radar) mostra a distribuição de taxa de
dois extremos isotópicos. chuva no momento de maior chuva na Cidade
Recentemente, os ventos de noroeste, que de São Paulo. A baixa radiação solar observada
normalmente trazem umidade da Amazônia naquela tarde (Figura 15D) (fotos) foi mais em
(Figura 13A) e vento (Figura 13B) para a RBCV, decorrência do tipo de nuvem nimbostratus do
trouxeram também material particulado (Figu- que ao material particulado associado.
ra 14C) (espessura ótica) com origem nas áreas A região abrangida pela RBCV é caracte-
de queimada no sul da Amazônia. rizada por um período menos úmido, por causa
Esse excesso de material particulado cau- da diminuição da temperatura do ar, que reduz
sou alterações na microfísica das nuvens e das a capacidade de entranhamento de vapor de
gotas de chuva associadas a uma frente fria que água. Entre maio e agosto, as condições atmos-
se deslocava para RBCV mostrada nas Figura féricas removem umidade da vegetação com
15A (IR) e Figura 15B (VIS) do satélite GOES-16 a queda de folhas com sistema radicular mais
na tarde de 19 de agosto de 2019. A concentração raso. A partir de setembro, com o aquecimento
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 389
Figura 13 |
Campos de vento em
850 hPa (m s-1) (A) e
umidade específica
(kg kg-1) (B).
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em NOAA/ESRL/PSD
(vento e umidade).
Figura 14 |
Espessura ótica da
pluma de material
particulado
proveniente das
queimadas na
Amazônia sobre a
RBCV, em 19 de
agosto de 2019.
Fonte: ECMWF
(espessura ótica).
390 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 15 |
Imagem do
satélite GOES-16
dos canais IR (A)
e VIS (B),
precipitação
(mm h-1) com radar
meteorológico de
São Paulo (C) e
registro fotográfico
(D) às 16h29, de 19
de agosto de 2019.
Fontes: NOAA/
ESRL/PSD; SAISP
(radar).
Fotos: G1 - São
Paulo (2019);
Estadão (2019).
que indica as condições ambientais originais tempo e o clima da RBCV (Figura 16). Em com-
existentes antes da intensa urbanização ocor- plemento, a Figura 17 mostra os vários sensores
rida na RMSP. As estações meteorológicas instalados no Parque CienTec e na EACH/USP.
instaladas no Parque CienTec e na Escola de Para melhor compreender os resulta-
Artes e Ciências Humanas (EACH/USP) cons- dos obtidos com os sistemas de medição, é
tituem duas unidades de uma rede idealizadas importante observar que se tratam de dados
para o monitoramento da RMSP. Trata-se da de balanço hídrico, temperatura e armazena-
Micronet, rede de 20 estações meteorológi- mento de água no solo, relacionados a elemen-
cas automáticas, idealizada para monitorar o tos básicos do ciclo hidrológico.
Figura 16 |
Imagem da RBCV,
com destaque para
a RMSP e 20 sites
selecionados para
integrar a rede
Micronet de estações
meteorológicas
automáticas; a letra
"P" corresponde às
estações previstas
e a letra “I” para as
áreas com estações
instaladas no PEFI
(Parque CienTec) e
EACH/USP.
Fonte: Elaboração
própria.
Figura 17 |
Cercado da Estação
Meteorológica com o
abrigo meteorológico
no primeiro plano,
pluviômetros no
segundo plano e torre
metálica da Estação
Meteorológica Auto-
mática ao fundo (A);
rede de sensores de
umidade de solo (B); e
sensor de nível do lago
do PEFI (C) instalados
no Parque CienTec.
392 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Em relação aos resultados obtidos com (Figura 18A). Em geral, a evolução da tempe-
os sistemas de medição, a Figura 18 mostra ratura do ar acompanha a do solo. A radiação
o comportamento térmico e hídrico da atmos- solar global e saldo de energia radiante indi-
fera integrado aos do solo e da vegetação no cam um ciclo anual também marcante.
âmbito da Mata Atlântica.2 O saldo de energia positivo varia entre 25
A evolução temporal das médias de W m-2 e 100 W m-2 (Figura 18B), e é devido à
temperatura do solo até 40 cm de profundi- temperatura do solo muito mais alta do que na
dade e temperatura do ar a 1,5 m acima do atmosfera ao longo dos meses. A maior ampli-
solo apresenta um ciclo anual bem definido tude de temperatura ocorre na superfície
Figura 18 |
Evolução temporal
da temperatura do
solo e do ar média
mensal (A) e
energia onda
curta e saldo de
energia (B); chuva
acumulada
mensal (C) e
volume de água
total armazenada
no solo até 3 m de
profundidade (D);
perfil médio,
máximo e mínimo
de umidade no
solo (E) e variação
mensal da
umidade do
solo (F).
Fonte: Elaboração Nota: Unidades e variáveis estão indicadas. Dados da EMA e SOLO do Parque CienTec medidos entre 10/2007 e 12/2008.
própria
As médias mensais de variáveis foram medidas com a Estação Meteorológica Automática e com os sensores de umidade
2
do solo e nível de vazão instalados no Parque CienTec entre outubro de 2007 e dezembro de 2008.
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 393
Figura 19 |
As 10 maiores
precipitações
diárias e
temperaturas
horárias
registradas na
cidade de São
Paulo, medidas
pela Estação
Meteorológica do
IAG/USP, entre
1933 e 2018; estão
indicados o ano
da ocorrência e
respectivo valor.
Fonte: Elaboração
própria.
Figura 20 |
Radiação solar e
refletida (albedo)
e fluxos de calor
sensível e latente
para diferentes
usos e ocupações
do solo: floresta
(A); pastagem (B);
e urbano (C), para
condições de
calmaria.
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em Foley et al.
(2003); Ferreira
et al. (2012).
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 395
Com uma área de 318 km2 e uma popula- (cores em tons vermelhos) estão naqueles
ção estimada em 1,33 milhões de habitantes setores com ausência de vegetação arbórea,
em 2019 (IBGE), o município de Guarulhos é identificando-se os hotspots de TAS superiores
um dos 39 municípios que compõem a RMSP, a 40oC, como as regiões industriais e o aero-
limitado ao sul e oeste pela cidade de São porto internacional de Guarulhos. Por outro
Paulo. Em uma abordagem ecossistêmica, a lado, foram observados valores da TAS inferio-
partir da análise da Temperatura Aparente da res a 20oC na porção nordeste do município,
Superfície (TAS), verificou-se que as áreas que apresenta melhor cobertura vegetal
do município com maiores temperaturas (Figura 21).
Figura 21 |
Cobertura arbórea
(A) e temperatura
aparente de
superfície
em 2008 (B) e
em 2015 (C) no
município
de Guarulhos.
Adaptado de UnG
LAB GEOPRO
(apud VIEIRA, Classe TAS oC
2017).
Min. Máx. Média Média Média entre tipo de
total solo e média total
Figura 23 |
Temperatura de
brilho do canal IR do
satélite GOES-8 em 11
de outubro de 2002.
Tons escuros indicam
temperaturas mais
altas e, tons mais
claros, mais baixas.
Contorno geográfico
do Estado de São
Paulo está indicado
em preto, RBCV em
contorno branco.
Horários em UTC.
Fonte: Pereira Filho
et al. (2004).
398 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Data FSP VF PA RVF PCR DT TAI PMax Norte Sul Centro Leste Oeste RADAR BM TMax Td Max
07/07/2002
sim sim sim FF 18.1 10.0
20/09/2002 sim 23 sim 198 39.5 sim sim sim sim sim FF 25.8 18.2
29/10/2002
sim 8 80 33.5 sim sim sim 32.4 21.2
28/11/2002 sim 51 sim 154 sim 81.0 sim sim sim sim 32.8 22.9
02/01/2003
sim 23 sim sim sim 32.3 21.6
03/01/2003 sim 37 sim 15 sim 113.0 sim sim sim 28.6 21.1
16/01/2003
sim 30 sim 66 sim sim sim sim 28.7 19.1
21/01/2003
sim 9 sim sim sim 29.7
22.7
28/01/2003
sim 69 sin sim sim FF 23.5
20.4
17/02/2003
sim sim sim FF 25.2
20.0
03/03/2003
sim 29 sim sim sim 33.7
23.2
05/03/2003
sim 24 60 sim 73.0 sim sim sim 29.7 21.8
07/03/2003
sim 36 sim 129 sim sim sim
30.2
21.4
23/01/2004
sim 3 20 sim 147 sim sim sim sim 27.8
20.1
30/01/2004 sim 33 sim 151 sim 62.4 sim sim sim sim 31.3 20.1
31/01/2004
sim 19 32.7 sim sim sim
30.8
19.1
02/02/2004
sim 47 sim 85 65.0 sim
sim sim sim 32.3
22.7
Tabela 4 | 04/02/2004
sim 32 sim 73.3 sim sim sim 32.6 21.0
Eventos severos 19/02/2004 sim 14 sim 106 sim 43.7 sim sim sim 32.6 18.3
na cidade de São
22/02/2004
sim 26 sim sim FF 23.4
20.2
Paulo, entre 2002
e 2004. Fonte: 04/04/2004
sim 15 sim sim
sim sim JJ 25.8
18.4
Pereira Filho
06/04/2004
sim 291 142 sim 79.5 sim sim sim sim 26.3 20.6
et al. (2007a;
2007b). 21/04/2004
sim 1 13 sim sim sim sim sim 25.2 19.8
Nota: A legenda acima indica, da esquerda para a direta, a data do evento (ano, mês, dia), disponibilidade de registro jornalístico da FSP,
número de vítimas fatais (VF), pontos de alagamento (PA), ocorrência de rajadas de vento forte, pico de congestionamento registrado (PCR)
em km, ocorrência de deslizamento de terra (DT), de transporte aéreo interrompido (TAI), precipitação máxima (Pmax) em mm, regiões da
PMSP atingidas (Norte, Sul, Centro, Leste e Oeste), disponibilidade de dados de radar (RADAR), ocorrência de brisa marítima (BM), tempe-
ratura do ar máxima (Tmax) e temperatura de ponto de orvalho máxima (Td max) em oC. Os símbolos JJ e FF se referem a eventos de jato de
altos níveis e frente fria, respectivamente. Fonte: Pereira Filho et al. (2004).
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 399
Figura 24 |
Evolução temporal
de variáveis
meteorológicas de
18 eventos de
enchentes
associadas à brisa
marítima e ilha de
calor.
Fonte: Pereira Filho
et al. (2007a; 2007b).
Nota: Evolução temporal da temperatura do ar (vermelho), temperatura de ponto de orvalho (rosa), pressão atmosférica (laranja), precipita-
ção acumulada (azul), direção (amarelo) e intensidade do vento (verde) dos 18 eventos de enchentes associadas com brisa marítima e ilha
de calor. Dados medidos com a estação meteorológica do DCA. Unidades indicadas no gráfico. Fonte: Pereira Filho et al. (2004).
Ressalta-se que a qualidade das estimativas de chuva acumulada é afetada por erros inerentes ao radar meteorológico.
4
Utilizaram-se nas análises de eventos de enchentes e de ilha de calor sequências de imagens do satélite GOES-8 do canal
IR obtidas no laboratório de sinótica MASTER do DCA. Estas imagens possuem resolução espacial de 4 km x 4 km e
permitem o monitoramento espaço-temporal das temperaturas de brilho da superfície na ausência de nuvens, e destas,
quando presentes.
400 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
relativamente quente e seco com ar relativa- FILHO; NAKAYAMA, 2001). Por último, nota-
mente frio e úmido oceânico, além do empuxo -se também que as chuvas mais intensas estão
gerado pela frente de brisa, resultam numa sobre o continente, padrão típico de verão.
desestabilização do ar próximo à superfície, A Figura 26 apresenta informações
que ascende até a tropopausa impulsionada similares, exceto para a distribuição espa-
pela liberação de calor latente. Essas células cial de frequências de taxas de precipitação
profundas geram também correntes descen- abaixo (direita) e acima (esquerda) de 10 h-1
dentes intensas e frentes de rajadas. para todos os 18 eventos de enchentes asso-
A maioria dos eventos com quedas de ciadas com brisa marítima e ilha de calor.
árvores devido a rajadas de ventos intensas Novamente, as frequências de ambas as cate-
está associada com eventos de enchentes devi- gorias é maior sobre a RMSP. O núcleo de alta
do à brisa marítima e ilha de calor. De fato, frequência de chuvas intensas na RMSP é até
todos os casos de interrupção no fornecimento três vezes maior do que o das áreas vizinhas.
de energia elétrica no período analisado estão Ou seja, nos casos de enchentes causadas
associados com quedas de árvores sobre a por brisa marítima e ilha de calor há maior
rede elétrica. A distribuição espacial das célu- probabilidade de eventos extremos sobre a
las convectivas e a distância entre as mesmas RMSP, especialmente sobre a região Leste da
podem organizar outras células convectivas cidade de São Paulo.
por meio da colisão das respectivas frentes Supondo-se que a umidade não deva variar
de rajadas (PEREIRA FILHO et al. 2002). A muito ao longo da frente de brisa em toda exten-
Figura 25 mostra a distribuição espacial de são da costa, o núcleo de maior precipitação é
chuva acumulada nos 18 eventos de enchentes. devido ao maior empuxo vertical e concomi-
Nota-se um núcleo de maior acumulação coin- tante convergência próxima à superfície pro-
cidente com a área da RMSP. duzida pela ilha de calor. Assim, o aquecimento
Há um alinhamento dos núcleos de alta devido à ilha de calor induz maior precipitação
acumulação paralelo à costa da Serra Mar, sobre a RMSP. A baixa capacidade de infiltração
uma outra característica dos eventos de chu- da RMSP resulta em enchentes e inundações. A
va associados com brisa marítima. As acu- frequência maior de chuvas intensas na região
mulações de chuva decrescem rapidamente leste da cidade de São Paulo é devida, em geral, à
para além de 120 km do radar meteorológico predominância de ventos de Noroeste nos níveis
em virtude do efeito da distância (PEREIRA médios da atmosfera (BAIK; CHUN, 1997). A
maior frequência de chuvas menos intensas
sobre a região costeira do litoral do estado de
São Paulo indica que alguns sistemas se deslo-
cam para sudeste na fase de decaimento. A con-
figuração circular no mapa de frequência das
Figura 25 |
chuvas menos intensas indica o efeito de pre-
Distribuição
enchimento do feixe do radar para os sistemas
espacial de chuva precipitantes mais distantes do radar meteoro-
acumulada
estimada com o
lógico na fase de decaimento.
radar
Uma média de 13 eventos de enchente por
meteorológico de ano ocorreu entre 2000 e 2004; um número
São Paulo, para bastante elevado. Esta alta probabilidade de
18 eventos de
enchentes
enchentes na RMSP requer medidas estrutu-
associados com
rais e não estruturais para mitigar os impac-
brisa marítima tos de tais eventos. Uma medida não estrutural
e ilha de
calor na RBCV.
importante é o uso de sistemas de monitora-
Nota: Escala de cores indica total de chuva (mm). Estão indicados mento e previsão do tempo. Estes sistemas se
os contornos geográficos de São Paulo, Sul de Minas Gerais e Rio utilizam de densa rede de estações meteoroló-
de Janeiro. Circunferência indica o raio de abrangência do radar
meteorológico de 240 km. Latitudes e longitudes estão também
gicas, radares meteorológicos, com maior sen-
indicadas. Fonte: Pereira Filho et al. (2004). sibilidade para a detecção dos estágios iniciais
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 401
de formação dos sistemas precipitantes e, ain- relação aos eventos analisados entre 2000 e
da, a utilização de modelos numéricos de altís- 2004 acima descritos.
sima resolução espacial para uma maior ante- A Tabela 5 mostra a ocorrência mensal de
cipação dos eventos de chuva intensa. Estudos pontos de alagamento na cidade de São Paulo e
hidrológicos e de modelagem numérica de a Tabela 6 os totais mensais de chuva no perío-
mesoescala na RMSP podem ser obtidos em do chuvoso (novembro do ano a abril do ano
Barros et al. (2004) e Hallak et al. (2004). seguinte) entre 1998/1999 e 2010/2011. Em
O levantamento atualizado de eventos geral, o número de alagamentos está correla-
reportados pelo Jornal Folha de São Paulo cionado com os totais de precipitação mensal.
até 2012 indica a ocorrência de 237 eventos Nota-se que houve um aumento de alagamen-
no período ou uma média de 18 eventos de tos anos de 2010 e 2011 no mês de janeiro por
enchentes e deslizamentos por ano na cidade causa do aumento do total de precipitação do
de São Paulo. Assim, houve um aumento em mês nestes dois anos.
Figura 26 |
Distribuição espacial
da frequência (%) de
chuva acumulada
chuvas acima (A) e
abaixo (B) de 10 mm
h-1 para todos os 18
eventos de enchentes
associadas com brisa
marítima e ilha de
calor na RBCV. (Tabela
4 e Figura 23)
Fonte: Pereira Filho
et al. (2004).
Mês
Período TOTAL
Nov Dez Jan Fev Mar Abr
1998/1999 7 163 175 467 240 29 1081
1999/2000 37 93 403 206 94 3 836
2000/2001 109 217 239 177 248 24 1014
2001/2002 69 186 249 83 265 35 887
2002/2003 208 181 324 140 143 22 1018
2003/2004 31 67 149 160 58 86 551
2004/2005 174 162 331 105 162 138 1072
2005/2006 115 197 378 58 378 19 1145
2006/2007 225 261 69 260 184 51 1050
2007/2008 90 85 217 192 86 66 736
2008/2009 96 137 245 210 120 11 825
2009/2010 114 270 537 377 150 48 1496 Tabela 5 |
Ocorrência mensal
2010/2011 83 194 581 324 39 41 1262 de pontos de
alagamento na
Média 104 170 300 212 167 45 998
cidade de São Paulo.
402 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Precipitação mensal e anual (mm)
Período TOTAL
Nov Dez Jan Fev Mar Abr
1998/1999 33,4 191,3 244,5 339.4 157,1 44,9 1010,6
1999/2000 70 115,4 286,1 286,2 119,8 3,6 881,1
2000/2001 206.9 249,8 180,1 176,4 204 33,3 1050,5
2001/2002 155,9 198,1 265,9 169,8 220 41,9 1051,6
2002/2003 182,5 203 269 129,7 134,9 46,4 965,5
2003/2004 84,4 117,2 207,3 235.1 111,3 127,3 883,2
2004/2005 183,3 159,4 290,2 116,2 167,3 81 997,4
2005/2006 78 200,8 277,8 137,4 341,6 43,5 1079,1
Figura 27 |
Número de danos
causados por eventos
severos na RMBS,
registrados por
município (1980-2015).
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em Santos (2017).
404 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
5| SERVIÇO ECOSSISTÊMICO
O ambiente assim estabelecido provia
DE REGULAÇÃO CLIMÁTICA E
água, alimento, energia e materiais para o
desenvolvimento humano. Outros benefícios
BEM-ESTAR HUMANO
sistêmicos associados eram uma atmosfera
sem poluentes antropogênicos, temperaturas
amenas, cursos de água limpos, reservas de
As interações dos componentes do sis- água naturais, harmonia e beleza ambiental,
tema terrestre litosfera, criosfera, hidrosfe- entre outros serviços importantes para a saú-
Figura 28 |
ra, atmosfera e biosfera produzem ambientes de, lazer e bem-estar humanos. Este quadro foi
Registros
e ecossistemas diversos. Na escala local, o se transformando ao longo do tempo para um
fotográficos de microclima, determinado pelos componentes cenário com poluição do ar, poluição das águas
impactos
relacionados a
do sistema global, favorece o desenvolvimento superficiais e subterrâneas, poluição sonora,
eventos climáticos
de certos tipos de ecossistemas e seus serviços poluição visual, com degradação e diminuição
na RMBS: queda disponíveis para regulação do microclima e e desaparecimento dos ecossistemas originais.
de marquise do bem-estar dos seres vivos, em particular o
de um posto de
Nestas condições, a população está mais
combustíveis em
bem-estar humano. exposta aos riscos ambientais advindos do
Santos (A);
maré alta e
ressaca em
Santos (B);
desabamento do
teto do shopping
de Praia Grande
(C); árvore que
caiu sobre dois
ambulantes, na
Praça Carlos
Antonio Menon,
em São Vicente
(D); queda de
árvore com
destruição de
calçada em
Santos (E).
Fotos: Marcela
Pierotti/G1 (A);
Francisco Arrais/
Prefeitura de
Santos (B);
Reprodução (C);
Bruno Maraccini
(D); Vanessa
Rodrigues (E).
Fonte: G1 Santos
e Região (2018;
2019).
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 405
Quadro 2 |
Estudo de caso:
O Parque Estadual das
Fontes do Ipiranga.
Figura 29 |
Imagem aérea do
Parque Estadual das
Fontes do Ipiranga,
com a localização do
Parque CienTec, em
São Paulo.
Fonte: Google Earth.
Os estudos realizados no Parque Estadual das Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, que surgiu no
Fontes do Ipiranga (Parque do Estado), em um ambien- século 19 com o objetivo de proteger as nascentes do
te de Mata Atlântica original da RBCV, indicam uma Riacho Ipiranga. No Parque do Estado, foi construído
redução do escoamento superficial em 400% em rela- em 1928 o Observatório de São Paulo e, neste mesmo
ção a um ambiente urbanizado. Ainda, temperatura espaço, a USP criou em 2001 o Parque CienTec, que se
do ar 10% mais baixa, redução das chuvas em 30% e tornou uma das reservas ecológicas da Universidade
aumento da umidade relativa em 10%, além da maior de São Paulo, em 2012. Além do Parque CienTec e do
oxigenação do ar e bombeamento de água do solo Observatório de São Paulo, o Parque do Estado abriga
para a atmosfera, com aumento da complexidade e o Jardim Botânico e o Jardim Zoológico.
diversidade dos ecossistemas.
Portanto, a ampliação de áreas verdes tende a
reduzir o escoamento superficial, com redução do
impacto das enchentes, aumento da capacidade de
infiltração, menor amplitude térmica e menor efeito de
ilha de calor. As ilhas verdes reduzem a intensidade
das ilhas de calor. Essas, nos casos mais significativos
de verão, aumentam a profundidade das tempestades
em 50%. Este aumento, em geral, eleva a probabilida- Figura 30 |
de de chuvas mais intensas com rajadas de vento mais Vista aérea do Parque
fortes e ocorrência de granizo. Tais aumentos resultam Cientec/USP, localizado
em mais alagamentos, enxurradas, enchentes, quedas no Parque Estadual das
de árvores, danos a equipamentos elétricos e eletrôni-
Fontes do Ipiranga.
cos, comprometimento de sistemas de sinalização; os
Foto: Monolito Nimbus.
impactos mais severos relacionam-se à perda de vidas
Fonte: SANTOS (2017).
e de bens materiais.
O retorno às condições originais na RMSP é impra-
ticável. Mas, é possível ampliar as áreas verdes por
meio de programas e de leis, tais como o dia da cons-
ciência da arborização, já estabelecido por lei estadual.
Sugere-se ainda reduzir a velocidade de aumento da
urbanização por meio de planos diretores que incorpo-
rem índices e metas ambientais mais objetivos e com
base em medições hidrometeorológicas, de qualidade
do ar e cartas geotécnicas de riscos aos ecossistemas Figura 31 |
e aos respectivos ambientes. Sugere-se também a Entrada do Parque
educação ambiental nos níveis fundamental e médio, Cientec/USP.
em especial com visitas a ambientes degradados pela Foto: Marcos
urbanização, como a zona leste de São Paulo, e em Santos/USP Imagens.
espaços com os remanescentes de Mata Atlântica do Fonte: SANTOS (2017).
406 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 32 |
Áreas de estudo
sobre potencial
da arborização
viária na redução
do consumo de
energia, na cidade
de São Paulo.
Fonte:
Velasco (2007).
Pesquisa feita por Velasco (2007) investigou na chegando a diferenças de até 2,14oC entre áreas. Tal
cidade de São Paulo, o potencial da arborização viária fato corrobora com diversas pesquisas que confir-
na redução do consumo de energia elétrica. Por meio mam que um ambiente com maior presença de vege-
de ferramentas de geoprocessamento, mapas climáti- tação altera o microclima pela atenuação da radia-
cos e aferição a campo, foram definidas três áreas na ção solar pela copa das árvores, reduzindo a fração
cidade de São Paulo (SP) diferenciadas entre si quan- de radiação que chega à superfície, tal como o asfal-
to a presença de vegetação. Nessas três áreas, foram to, por exemplo.
coletados e analisados dados relativos à temperatura, A área com maior porcentagem de cobertura
umidade, consumo de energia elétrica, vegetação viá- vegetal foi a que apresentou menores valores de
ria com o objetivo de estabelecer relações entre consu- graus-hora de calor o que, em outras palavras,
mo de energia, presença de aparelhos de refrigeração seria a área que teria menor necessidade de refri-
e vegetação viária. Também foram aplicados ques- geração artificial. Desta forma, o uso de vegetação
tionários aos moradores das residências estudadas. – seja em calçadas, quintais, praças e parques –
Por fim, elaborou-se uma estimativa de graus-hora de colabora para a amenização da temperatura do ar
Quadro 3 | calor (necessidade de refrigeração) a qual foi relacio- nas cidades, reduzindo a necessidade de refrige-
Estudo de caso: nada com os dados coletados. ração artificial. Por consequência, a menor queima
Potencial da O estudo comprovou que na área com maior de combustíveis fósseis para geração desta ener-
arborização viária
cobertura vegetal a temperatura do ar foi menor gia, reduz a emissão de gases de efeito estufa para
na redução do
quando comparada a áreas com menor vegetação, a atmosfera.
consumo de
energia elétrica.
desenvolvimento urbano. Os mais graves se con- urbano, como observado em setembro de 2002,
centram na primavera e verão com maior ocor- durante um denominado veranico com menos
rência de chuvas mais intensas e localizadas, chuvas, temperaturas elevadas e baixa umi-
com rajadas fortes de vento, descargas atmosfé- dade do ar. Recentemente, a escassez hídrica
ricas, granizo, entre outras. As chuvas intensas brasileira de 2014, afetou atividades produti-
são rapidamente escoadas pela superfície e for- vas relacionadas do abastecimento urbano à
mam enxurradas, que se acumulam nas partes geração elétrica. Para a região sudeste do país
mais baixas e produzem inundações ou escoam e, em especial, para a RMSP, houve redução da
para os córregos e rios com cheias e enchentes. precipitação, remoção de umidade da vegeta-
O saneamento básico limitado faz com que as ção e dos solos e aumento da evaporação e da
águas das chuvas sobre as regiões urbanas se evapotranspiração. Como os mananciais da
transformem instantaneamente em carga difu- região também são utilizados para o abasteci-
são altamente poluída pelo lixo e esgoto. mento urbano, a menor precipitação associada
Esta situação reduz a oferta de água, além à maior evaporação e ao aumento do consumo
de aumentar e agravar os problemas de saúde em decorrência do aumento da temperatura do
pública relacionados às doenças transmitidas ar, provocou o rápido crescimento do déficit
pela água. Atualmente, cerca de 50% da água hídrico e a crise de abastecimento de água na
consumida na RMSP vem de outras bacias peri- RMSP (PEREIRA FILHO, 2015).
féricas distantes, o que aumenta o custo desse Isto decorre da diminuição de áreas
importante serviço ecossistêmico. As altas verdes que proporcionam serviços ecossis-
temperaturas, mesmo no inverno, resultante têmicos de regulação hídrica, térmica, da
da ilha de calor e pelo ar mais seco induzem qualidade do ar, da ventilação, da umidade e
a um aumento de consumo de água. Isto pode conforto ambiental. O restabelecimento de ecos-
levar a um colapso no abastecimento de água sistemas baseado na avaliação de necessidade
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 407
CONCLUSÕES
necessidade de se entender melhor o passado
e presente do ambiente e quais são os meios
para garantir a sua sustentabilidade futura. A
Os ecossistemas proporcionam nume- sociedade precisa estar engajada na recupera-
rosos benefícios ou serviços ecossistêmicos. ção dos ambientes degradados ao seu redor e
A regulação climática local é a influência que preservá-los para as próximas gerações.
408 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
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relação com ENOS entre 1947 e 1997. Anais do report.
REGULAÇÃO CLIMÁTICA 411
GLOSSÁRIO
A F
Albedo | Fração da luz solar incidente refletida Fração de dias de chuva média anual | Total de
pela Terra e sua Atmosfera. dias chuvosos num dado ano.
Atmosfera | Camada gasosa que envolve a Ter- H
ra composta em volume de Nitrogênio (78%), Oxi-
gênio (21%), Argônio (0.9%) e outros gases (e.g., Hidrosfera | Água líquida da Terra.
vapor de água).
hPa | Unidade de medida de pressão atmosférica
Aquecimento radiativo diabático | Aqueci- (peso da atmosfera por unidade de área) em cem
mento por radiação solar e terrestre com troca de (h) Newton por metro quadrado (Pascal).
calor.
B I
Bacias hidrográficas | Área coletora de precipi- Insolação | Luz solar que índice diretamente na
tação que converge para um exutório de um curso superfície terrestre.
d´água.
Biosfera | Sistema de fauna e flora da Terra. L
C
Litosfera | Compreende a parte sólida da crosta
terrestre.
Calor latente | Calor armazenado nas moléculas
M
de água pela evaporação da água.
Camada limite planetária | Camada de ar mais
próxima da superfície terrestre com grande mistu- Manchas solares | Regiões escuras na superfí-
ra de massa e energia com a altura. cie do Sol com emissão de ondas eletromagnéti-
cas de alta energia.
Ciclo hidrológico | Compreende o armazena-
mento, mudanças de fase e circulação da água Meandros divagantes |
no planeta Terra.
Condições edafoclimáticas | Características N
definidas por meio de fatores do meio, como o cli-
ma, a temperatura, a litologia, a midade do ar, a Nebulosidade | Quantidade de nuvens na
radiação, o tipo de solo, o relevo, a precipitação atmosfera.
pluvial e a composição atmosférica. Nível de vazão | Altura do nível de um curso
Criosfera | Sistema de geleiras nos polos terrestre. d'água relacionada a vazão do mesmo.
E O
El Niño / La Niña | Aquecimento/resfriamento Oscilação do Sul (ENOS) | Relação entre aque-
das águas do oceano Pacífico Equatorial. cimento do oceano Pacífico Equatorial e a dife-
Empuxo | Força de levantamento causa por dife- rença de pressão do ar entre a parte leste e oeste
rença de densidade de uma parcela de ar (menor) deste.
e a atmosfera (maior).
Entranhamento de vapor d’água | Injeção de P
moléculas de vapor de água no espaço intermole-
cular entre as moléculas dos gases constituintes Precipitação | Vapor d'água, água líquida e sóli-
da atmosfera. da que se deposita na superfície terrestre.
R U
Radiação solar global | Energia solar que incide UTC | Medida de tempo universal utilizada em
na superfície terrestre direta ou indiretamente. Meteorologia.
V
Rosa dos ventos | Frequências das direções do
vento num local.
Variações orbitais da Terra | Variações na dis-
S tância da Terra - Sol, na inclinação do eixo de
rotação da Terra e sua precessão.
Saldo de energia radiante | Balanço de ener-
gia de radiação de solar (onda curta) e terrestre Vento zonal | Intensidade do vento na direção
(onda longa) numa dada camada da atmosfera. leste-oeste.
Coordenadora
Cristina de Marco Santiago | IF/SIMA
Autora
Cristina de Marco Santiago | IF/SIMA
Autora contribuinte
Sueli Herculani | IF/SIMA
414 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
1 | Introdução...................................................................................................... 418
Conclusões........................................................................................................... 441
Referências........................................................................................................... 442
Glossário..............................................................................................................
. 443
416 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 Mapa do cinturão caipira de São Paulo, com os principais núcleos caipiras e aldeamentos
indígenas no século XIX.
Figura 2 Esquema sintético da relação entre os principais vetores de alteração ambiental que
incidem sobre os serviços folclorísticos dos ecossistemas na RBCV.
Figura 3 Mapa da antiga distribuição dos bairros rurais tradicionais caipiras no âmbito da RBCV
e a localização das áreas de estudo.
Figura 4 Artefatos/utensílios característicos da cultura caipira na área de abrangência do Parque
Estadual do Jurupará.
Figura 5 Alimentos característicos da cultura caipira na área de abrangência do Parque Estadual
do Jurupará.
Figura 6 Vista geral do bairro rural tradicional dos Paulo.
Figura 7 Esquema sintético entre indicadores dos serviços ecossistêmicos, cultura caipira e ecos-
sistemas naturais.
QUADROS
Quadro 1 Artefatos/utensílios.
Quadro 2 Festas religiosas típicas da cultura caipira.
Quadro 3 As lendas da floresta: assombramentos e assombrações do mundo caipira.
Quadro 4 A natureza na expressão literária caipira.
Quadro 5 A presença dos elementos da floresta e outros ecossistemas naturais na habitação caipira.
Quadro 6 Alimentação/culinária, refletindo ao mesmo tempo a dimensão dos serviços culturais e
de aprovisionamento dos sistemas ecológicos naturais e agrícolas.
Quadro 7 Síntese dos principais vetores de alteração ambiental na RBCV, que impactaram as
comunidades tradicionais caipiras no último século.
Quadro 8 Exemplos dos artefatos produzidos nos municípios de Juquitiba e Ibiúna.
Quadro 9 Algumas das espécies nativas da Mata Atlântica utilizadas no processo de manufatura
das cestarias.
Quadro 10 Avaliação do impacto dos serviços culturais ao bem estar das comunidades tradicionais
caipiras e tendências futuras quanto à disponibilidade desses serviços.
SERVIÇOS CULTURAIS FOLCLORÍSTICOS: A DIMENSÃO DO FOLCLORE CAIPIRA 417
RESUMO
2 | SERVIÇO CULTURAL
fornecem à sociedade uma gama de servi-
FOLCLORÍSTICO
ços. Entre eles, encontram-se os serviços cultu-
rais prestados às comunidades tradicionais cai-
piras, objeto de estudo deste trabalho.
depressão periférica paulista; a zona do anti- Para Ribeiro (1995), o mameluco, portan-
go “Caminho da Mata”; e o planalto de Franca to o capira, foi um herói civilizador, cujo valor
(QUEIROZ, 1973b). maior advinha da sua rusticidade de meio-
Inserida no domínio das culturas tradicio- -índios, herdeiros do saber milenar acumulado
nais do Brasil, a cultura caipira relaciona-se ao pelos indígenas, das técnicas de adaptação dos
homem do campo, resultando do ajustamento povos tupis à floresta.
do colonizador português ao Novo Mundo, seja O caipira, ajustando-se às técnicas do índio,
por transferência e modificação dos traços da manteve os estreitos laços com a terra, absor-
cultura original, seja em virtude do contato com vendo as formas de equilíbrio ecológico desen-
o aborígine, de quem passa a adotar técnicas de volvidas anteriormente pelas tribos (CANDIDO,
orientação, defesa e utilização do meio natural 2003). Sempre lavrador (CANDIDO, 2003; QUEI-
(CANDIDO, 2003). ROZ, 1973a, 1973b; BRANDÃO, 1983a), "o feijão,
Para Queiroz (1973b), o caipira pode ser o milho e a mandioca, plantas indígenas, constituem, pois,
incluído na categoria dos “sitiantes tradicio- o que se poderia chamar triângulo básico da alimentação
nais”, os quais se situavam em uma camada caipira" (CANDIDO, 2003: p. 68).
social intermediária do Brasil rural, entre os Ainda que por meio da lavoura obtenha a
fazendeiros e os escravos, no período colonial, sua alimentação básica, é a floresta a provedora
e entre os fazendeiros e a mão de obra sem ter- de todas as suas necessidades, oferecendo-lhe
ra, no período pós-colonial, cuja existência, no diretamente os recursos dos quais necessita
passado, era totalmente ignorada na classifica- para a sua sobrevivência, inclusive o solo fértil
ção da sociedade rural. para a agricultura, já que é ela que repõe a ferti-
Assim como em todas as culturas tradicio- lidade da terra, após alguns anos de “descanso”
nais, as comunidades caipiras têm como fun- da lavoura (SANTIAGO, 2010; 2013).
damento o forte vínculo com a natureza, razão A cultura caipira, suas técnicas, sua organi-
pela qual seus territórios se caracterizam por zação social, foi impulsionada e se desenvolveu
combinar em iguais intensidades, funcionalida- em função da floresta (CANDIDO, 2003; RIBEI-
de e identidade, ou seja, são o abrigo e a base RO, 1995). Diz-se que ela se define como uma
de recursos conjugando-se, ainda, uma profun- cultura rústica, baseada em formas considera-
da identificação que os preenche de referenciais das precárias de existência (CANDIDO, 2003;
simbólicos, fundamentais à manutenção de sua QUEIROZ, 1973a).
cultura (HAESBAERT, 2005). Para Candido (2003: p. 107), tendo “con-
São, portanto, os ecossistemas naturais os seguido elaborar formas de equilíbrio ecológico
promotores e guardiões da cultura caipira, como e social, o caipira se apegou a elas como expres-
visto, amplamente distribuída por todo o estado são da sua própria razão de ser enquanto tipo de
de São Paulo no passado. cultura e sociabilidade”. Os trabalhos realizados
Etimologicamente, o termo caipira pode no âmbito da família caipira (em que se incluem
estar vinculado a “capipiara” que significa o que a produção agrícola e a indústria doméstica) e
é do mato; “capiâ”, de dentro do mato; ou, ainda, o auxílio vicinal determinavam os dois com-
“caapiára”, lavrador (PIRES, 1921). Mesmo não ponentes básicos da estrutura social caipira
se sabendo exatamente a sua origem, o certo é (CANDIDO, 2003).
que esses significados se prendem a caracterís- Os bairros rurais formaram-se, historica-
ticas marcantes do caipira. mente ligados à civilização caipira, eis porque
“Caipiras ... Mas que são os caipiras?” Per- constituíram e constituem ainda hoje, quan-
gunta e responde Cornélio Pires: do tradicionais, os portadores da cultura cai-
pira (QUEIROZ, 1973b). Como bem resume
São os filhos das nossas brenhas, de nossos cam- Antonio Candido, ele
pos, de nossas montanhas e dos ubérrimos valles
de nossos piscosos, caudalosos, encachoeirados é a estrutura fundamental da sociabilidade cai-
e innumeráveis rios, acostellados de milhares de pira, consistindo no agrupamento de algumas ou
ribeirões e riachos (PIRES, 1921: p. 5). muitas famílias, mais ou menos vinculadas pelo
420 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
sentimento de localidade, pela convivência, pelas A solidariedade, desse modo, é uma carac-
práticas de auxílio mútuo e pelas atividades terística marcante da cultura caipira, sendo o
lúdico-religiosas (CANDIDO, 2003: p. 82). mutirão a sua mais importante forma de mani-
festação. Trata-se da reunião de vizinhos, con-
Desse modo, o caipira tem por princípio a vocada por um deles, para ajudá-lo a efetuar
simplicidade e a vida em comunidade. Na sua um trabalho, e o seu caráter festivo é um dos
intrínseca relação com a natureza, vive em aspectos importantes da vida caipira (CANDIDO,
equilíbrio com os ciclos naturais, obedecendo 2003). A lida na lavoura, a construção de uma
a uma ordem social e simbólica relacionada ao casa ou mesmo os preparativos para as festas
sagrado, através das crenças e dos cultos pes- são exemplos de atividades realizadas por muti-
soais, familiares e comunitários (BRANDÃO, rão (MÜLLER, 1956).
1983a). A importância do mutirão está centrada na
Os elementos extraídos da floresta e de segurança da continuidade das tradições cultu-
outros ecossistemas naturais, bem como as rais já que, durante a execução das atividades,
variedades rústicas cultivadas por meio das são transmitidos aos demais componentes os
práticas agrícolas tradicionais são, ao mesmo conhecimentos necessários à realização do tra-
tempo, fonte de segurança, estabilidade social balho (BRANDÃO, 1983a).
e de herança cultural. Juntos, possibilitam Por meio dos ritos e das festas é promovida
a reprodução sociocultural e econômica do a solidariedade e a união do grupo. Nas festas,
caipira. homenageiam-se os santos idolatrados, pede-se
Evidencia-se, assim, que a manutenção saúde para as pessoas e os animais, boa colhei-
dos serviços culturais associados ao folclo- ta e chuva. Os participantes das festas buscam
re do meio rural tradicional depende, essen- o atendimento de seus pedidos, o que garanti-
cialmente, dos ecossistemas naturais e dos rá a existência da família (MÜLLER, 1956). Nas
agroecossistemas. Do mesmo modo, eviden- festividades, conectam-se o mundo natural e o
cia-se o quanto esses serviços culturais são sobrenatural.
essenciais à conservação da biodiversidade, Nas festividades são realizadas diversas
incluindo a agrobiodiversidade. atividades, de acordo com os papéis dos diferen-
Artefatos Descrição
Festas Descrição
São Gonçalo A motivação da festa é o cumprimento de uma promessa. A imagem de São Gonçalo é
carregada por um percurso em que as pessoas são convidadas a participar da festa e
a contribuir com serviços ou prendas. A organização da festa é realizada em mutirão
para auxiliar o festeiro, sendo o mutirão composto por homens e mulheres com fun-
ções distintas.
Há o violeiro, chamado de folgazão, e seus ajudantes; há capelães, para puxar as
rezas e as ladainhas, e há os dançadores. A última das seis voltas no entorno do altar
é chamada de caruru ou cajuru, é a mais longa das voltas, realizada já no amanhecer.
A festa acontece no dia sete de junho.
São João O objetivo é o preparo/agradecimento da colheita para os santos. Nas festas, dançam
o cateretê ou a catira, o caruru e o fandango, se estiverem no litoral sul do estado. O
símbolo desta festa é a flor do cipó São João, que simboliza a estação do ano. As espi-
gas de milho, dependuradas em um mastro, são retiradas, debulhadas e misturadas às
demais sementes selecionadas para a semeadura, acreditando-se aumentar o poder
germinativo pelo contato. Os tições e a cinzas da fogueira são guardados. O tição é
usado para “acender as queimadas”, de modo a garantir que o fogo não se “espalhe
sobre a palhada do vizinho ou pelos pastos secos”. Todos os elementos da festa possuem
um significado. A noite de São João para os participantes representa a “fonte de poder Quadro 2 |
sagrado”. Esse poder vem do mastro e dos elementos da natureza, o fogo e a água “em Festas religiosas
que é banhada a imagem do santo”. Trata-se de uma noite que tem significados “letárgi- típicas da cultura
cos das coisas vitais”. A festa acontece no dia vinte e quatro de junho. caipira.
Fonte: Müller (1956).
Assombramentos
Descrição
e assombrações
Saci A mais popular de todas as assombrações do mundo caipira é o saci, que, com uma
perna só, vive pulando e sorrindo. É um moleque danado. Brinca de vira mundo no
rodamoinho de poeira com o vento. Pode ser caçado apenas com o laço do rosário. O
gosto do saci é judiar dos animais no pasto galopando e trançando as crinas. No burro
ele não monta, porque o animal tem o pelo tosado.
Caipora É um caboclo legítimo. Tem um corpo peludo, com barba grande, testa peque- Quadro 3 |
na “nariz chimbevão, chato, beiço grosso e carão cheio”. Descansa no samambaial As lendas da floresta:
e atormenta quem caça nas sextas-feiras. A caça só acontece quando ele quer. assombramentos e
“E vacê vê que tem dia que, u as caça some u gente erra o que atira e inveiz de matá a caça assombrações do
mata o cumpanhêro u um cachorro”. mundo caipira.
Fonte: Pires (1921).
422 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Expressão
Descrição
literária
Poema
Moda da Morte
Habitação Descrição
Casa Casas construídas de pau a pique, com ripas ou varas trançadas e amarradas com
Quadro 5 | cipó, barreadas e socadas com as mãos; cobertas com palha, folha de palmeira e sapé.
A presença dos A casa, em geral, divide-se em quarto, cozinha, sala de entrada e banheiro, do lado de
elementos da fora da casa. Fogão de barro.
floresta e outros Acessórios da Esteiras de taboa ou piri; camas de tábua ou vara; rede de cipó imbé ou então de fio de
ecossistemas habitação algodão. As “cadeiras de tábua trançada tripeças ou tamboretes” e também os troncos
naturais na de árvores utilizados como assento. Mesa rústica e lamparinas, candeeiros e lampiões
habitação caipira. alimentados com querosene ou óleo de mamona.
Fonte: Lima (1967).
SERVIÇOS CULTURAIS FOLCLORÍSTICOS: A DIMENSÃO DO FOLCLORE CAIPIRA 423
Culinária Descrição
Refeições Quando o caipira acorda, de madrugada, toma o café simples “enquanto prepara o que
comer”, depois vem o café e o bolo de frigideira, de fubá e mandioca cozida.
Entre 8h30 min e 9h, o almoço. Às 11h30min, café com mistura ou alguma fruta; às
14h30min, jantar; às 17h, merenda; entre 19h30 e 20h, a ceia.
Pratos e a produção A vida do caipira tradicional é feita de muita fartura e apetite. A alimentação é pensada
de alimentos para eles próprios e para os animais.
Cultivam, por exemplo, a mandioca; a batata doce, branca ou roxa; o cará, o amendoim,
o feijão, a abóbora. A horta tem, entre outros, o repolho, o quiabo, as abobrinhas, a
taioba, o chuchu e o alho.
Na “roça”, na mata e nos brejos, vegetam espontaneamente a serralha, o almeirão
amargoso, a guarerova e o palmito doce.
As frutas são em abundância nos quintais, nos pastos e nas roças. A mata oferece ain-
da uma enorme variedade de méis. Quadro 6 |
Os peixes são também caçados com abundância. A carne de porco é a mais apreciada; Alimentação/
no passado, a caça era uma iguaria comum na mesa caipira. Tem-se ainda a galinha e culinária, refletindo
os seus fartos ovos. Já a carne de vaca é pouco comum. ao mesmo tempo
A farinha é fundamental na sua alimentação. A farinha de milho é mais comum no pla- a dimensão dos
nalto e a de mandioca, mais encontrada no litoral. serviços culturais e
Quanto aos pratos, tem-se, entre outros, o feijão, o virado – feijão com couve e farinha de aprovisionamento
de milho; linguiça, torresmo, suã de porco, aves, viradinho de milho verde e de cebola, dos sistemas
ensopados, palmito, cuscuz, angu, içás, peixes. Bolo de fubá e de amendoim, melado ecológicos naturais
com cará, canjica, paçoca, curau, milho verde assado ou cozido, doce de abóbora. e agrícolas.
Fonte: Pires (1921).
de pressão e tendências
A grande concentração de aldeamentos
nos arredores mais próximos da cidade de
A área de abrangência da RBCV está vin- São Paulo, como pode ser observada no mapa
culada historicamente ao tradicional cinturão a seguir (Figura 1), estabelece uma paisagem
caipira, descrito por Petrone (1995), hoje com- cultural dominada pelos caipiras; seus conta-
pletamente alheio à realidade da metrópole. tos com a Metrópole eram feitos por meio de
Como explica o autor, os bairros rurais uma atividade comercial modesta. Em carguei-
caipiras tiveram sua origem fortemente rela- ros isolados, tropas ou carros de boi, levavam
cionada aos antigos aldeamentos indígenas, suas mercadorias para venda na cidade de São
ambos núcleos tipicamente rurais, tendendo à Paulo (PETRONE, 1995).
autossuficiência, cuja principal atividade era
Para Petrone (1995), esses tipos caracte-
a agricultura para consumo, seguida do bene-
risticamente caipiras das circunvizinhanças
ficiamento dos produtos agrícolas e das ati-
de São Paulo:
vidades artesanais: confecção de utensílios e
tecelagem. eram, é evidente, em grande parte, mestiços
Com raras exceções, os aldeamentos indí- com ascendência indígena. Seriam a resultan-
genas paulistas, definidos a partir de meados te, depois de um século, daqueles numerosos
do século XVI e existentes até as primeiras pardos que em 1836 viviam em torno do núcleo
décadas do século XIX, dispunham-se ao redor paulistano; não poucos, quem sabe, teriam
ascendência indígena não muito remota, consi-
de São Paulo de Piratininga, formando um cin-
derando que na segunda metade do século XIX
turão ocupado por indígenas, o qual, ao longo ainda viveriam pequenos grupos em parte mes-
dos séculos, em face da miscigenação e da ten- tiçados, em parte não, em Carapicuíba, Embu,
dência à dispersão espacial característica das São Miguel e Barueri (PETRONE, 1995: p. 374).
atividades indígenas (herdadas pelo caipira),
foi dando origem ao conhecido cinturão caipi- Assim, o bairro tradicional caipira é
ra, um dos elementos mais característicos que uma persistência do passado e, como tal,
424 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 1 |
Mapa do cinturão
caipira de São
Paulo, com
os principais
núcleos caipiras
e os aldeamentos
indígenas no
século XIX.
Fonte: Petrone
(1995).
sobreviveu em áreas em que o impacto da mo- afetadas pela expansão agrícola, urbana e
dernidade foi menos agressivo. Sob este aspec- industrial, as características ambientais e o
to, os arredores da cidade de São Paulo, o anti- difícil acesso a alguns trechos do Sertão de
go cinturão caipira, teve grande importância Itapecerica dificultaram e retardaram o pro-
no passado e ainda hoje. Lá, a cultura caipira cesso de desestruturação da vida caipira, o
foi amplamente disseminada, e resiste até os que, em outros locais, já ocorria de forma mar-
dias atuais. cante, conforme descrito por Queiroz (1973a,
O Sertão de Itapecerica (abrangendo origi- 1973b) e Candido (2003).
nalmente os municípios de Itapecerica da Ser- Naquele sertão, a cultura caipira man-
ra, São Lourenço, Juquitiba e Ibiúna) abrigou teve-se intacta no município de Juquitiba até
bairros considerados como os que mantinham, meados da década de 1930 (QUEIROZ, 1973a;
em todo o estado de São Paulo, as caracterís- QUEIROZ, 1973b), persistindo, de forma mais
ticas mais conservadas da cultura tradicional ou menos alterada, ao longo das décadas
caipira, até meados do século XX (QUEIROZ, deste século, em bairros isolados no municí-
1973a e b; PETRONE, 1995). pio de Ibiúna, nas áreas onde também a flo-
Apesar do vertiginoso crescimento e resta resistia, a exemplo dos bairros situados
das transformações socioespaciais da cidade na área de abrangência do Parque Estadual do
de São Paulo e seus arredores, ao contrário Jurupará. Ali se manteve o modo de vida tra-
do que ocorreu em outras regiões do estado, dicional praticamente inabalado até meados
SERVIÇOS CULTURAIS FOLCLORÍSTICOS: A DIMENSÃO DO FOLCLORE CAIPIRA 425
da década de 1950 e início da década de 1960 caipiras tornaram-se raros, assim como muitas
(SANTIAGO, 2010; 2013). das suas manifestações folclorísticas que, cada
Os bairros rurais tradicionais no muni- vez mais, se perdem no passado.
cípio de Juquitiba foram bem descritos por A decadência econômica do caipira acar-
Queiroz (1973 a) em suas pesquisas efetuadas retou-lhe uma posição social subalterna e
na década de 1960. Segundo a autora, a vida do muito baixa. Se comparada com os padrões de
sitiante caipira, no passado, integrava-se à da vida da sociedade brasileira moderna, o termo
cidade, ritmada pelos trabalhos rurais e pela que define a existência do caipira é a miséria
periodicidade das festas religiosas. O auxílio (QUEIROZ, 1973a).
vicinal característico, o mutirão, era ampla- A cidade de São Paulo, há muitas déca-
mente empregado entre as famílias. das, não lhe demanda mais a comercializa-
As manifestações folclorísticas do cai- ção do excedente da produção agrícola, reti-
pira no Sertão, a exemplo do que foi descrito rando-lhe a possibilidade de obter os poucos
em trabalhos realizados nas ultimas décadas recursos financeiros que lhes são necessá-
(MELLO, 2001; SMA, 2009; SANTIAGO, 2010; rios por meio da lavoura (QUEIROZ, 1973b;
2013), foram (e são, nas poucas comunidades SANTIAGO, 2010; 2013; 2018).
que ainda restam) de grande riqueza, refletin- Além disso, cada vez mais suas áreas são
do a importância dos ecossistemas naturais e incorporadas pela dinâmica urbano-indus-
agrícolas para as comunidades caipiras locais. trial: por meio das grandes fazendas mono-
A persistência dos remanescentes flores- cultoras, desde a época do café; pelo intenso
tais possibilitou a manutenção de alguns bair- processo de urbanização; pelas chácaras e con-
ros tradicionais que neles se inseriam. Con- domínios de recreio, associadas ao processo
tudo, ainda assim as transformações sociais de especulação imobiliária; pela instalação de
pelas quais passou o Brasil, a partir da década empreendimentos hortigranjeiros; pelo repre-
de 1930, mais especialmente concentradas em samento de suas áreas com a instalação de
São Paulo que, para Monbeig (2004), refletem hidrelétricas e, ainda, pela criação de unidades
a substituição da civilização do Brasil Colô- de conservação da natureza, das quais não se
nia pela civilização do tipo norte-americana, podem dissociar o processo de desenvolvimen-
impactaram drasticamente a organização to econômico e as consequentes estratégias de
social do caipira e a sua qualidade de vida. desenvolvimento territorial adotada na socie-
A dinâmica da sociedade urbano-indus- dade contemporânea.
trial quase que extinguiu o patrimônio natural Importantes estudos foram realiza-
e cultural caipira dos arredores da cidade de dos sobre a cultura caipira e o impacto da
São Paulo. A vida simples do caipira, com parcos urbanização e da industrialização sobre a
recursos financeiros, mas festiva, farta em ali- mesma (QUEIROZ, 1973a; QUEIROZ, 1973b;
mentos e rica em autonomia de saberes e meios CANDIDO, 2003), levando à possível conclu-
de sustentação, fosse pelos recursos naturais são de sua inevitável tendência ao desapareci-
disponíveis ou pela organização social estabe- mento. Mas, o fato é que o caipira tradicional,
lecida (igualitária e de auxílio mútuo), tornou- quase que extinto da paisagem dos arredores
-se pobre em todos os aspectos. de São Paulo, ainda existe e, isolado e desper-
Não é o contato com a cidade que amea- cebido, busca formas de resistir, adaptando-
ça a cultura caipira. Queiroz (1973a; 1973b) -se as novas realidades de maneira a garantir
demonstrou, aliás, exatamente o contrário, a manutenção de antigos valores que lhe são
mas sim o isolamento social que lhe foi impos- caros. Todavia, muitas vezes, à custa da perda
to pela lógica moderna, em que a quebra das de saberes importantes relacionados ao uso e
relações econômicas com a cidade e seu iso- ao manejo dos recursos naturais, à custa da
lamento determinaram a degradação do seu perda de muitas das suas manifestações fol-
estilo de vida. clorísticas, já que a maneira de manterem-se
Antes disseminados em meio às matas dos vivos somente é possível por meio do trabalho
arredores de São Paulo, interagindo, frequen- assalariado, contrário à lógica de vida da cul-
temente, com a cidade, os bairros tradicionais tura caipira.
426 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
transformações trazidas pela lógica da socie- Desse modo, caso se mantenha o cenário
dade urbano-industrial contemporânea que se delineado a partir do século passado, corre-se
propagou no século passado. Assim, o modelo o risco, em médio prazo, da extinção dos ser-
de desenvolvimento econômico e social ado- viços culturais folclorístico dos ecossistemas,
tado e suas respectivas políticas territoriais no âmbito da RBCV, restando, quando muito,
e de desenvolvimento científico e tecnológico determinadas manifestações materiais do
tiveram como consequência a degradação irre- folclore caipira, esvaziadas de valores e refe-
versível dos ecossistemas, os conflitos socio- rências simbólicas, sem expressão alguma do
ambientais e a geração de pobreza e injustiça modo de vida tradicional.
social em relação às comunidades rurais tradi- O Quadro 7 apresenta a síntese, segun-
cionais caipiras. do o diagnóstico realizado, dos vetores de
Em tal perspectiva cabe destacar a alteração ambiental incidentes sobre o servi-
importância de se compreender que a perda ço cultural – folclore caipira, indicando se os
dos serviços culturais tem suas causas dire- respectivos vetores são diretos ou indiretos. Na
tas relacionadas à degradação dos ecossis- última coluna é apresentada a intensidade dos
temas ou à indisponibilidade de acesso aos respectivos vetores no século passado, e a ten-
mesmos, todavia, estas causas são o resultado dência dos impactos em um cenário futuro. A
de complexos fenômenos de ordem econômi- seguir, a Figura 2 demonstra esquematicamen-
ca, social e cultural. te a relação entre os principais vetores.
?
2000 (Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Reconhecimento legal sobre o direito e os sabe-
Natureza); Lei 11.428/2006 res das comunidades tradicionais. Todavia, exis-
(Uso e proteção da Mata tem grandes lacunas quanto à identificação, ao
Indireto
Atlântica) e Decreto 6.040/ cadastramento e à conscientização da socieda-
2007 (Política Nacional de de, quanto à importância do modo de vida tradi-
Desenvolvimento cional na proteção da biodiversidade e os direi-
Sustentável dos Povos e tos que lhes são conferidos pela legislação.
Sociopolítico
Comunidades Tradicionais).
Resolução da Secretaria de A norma exige: laudo de vegetação, plano de
?
Meio Ambiente do Estado uso, estimativa de volume dos produtos e sub-
027/2010 (procedimentos produtos florestais. São documentos e informa-
simplificados de autorização ções técnicas, estas completamente estranhas
para supressão de vegetação às práticas e às formas de saber da cultura tra-
Indireto
nativa para populações dicional, desconsiderando o seu conhecimento
tradicionais visando à sobre o manejo agrícola e florestal: as normas
agricultura sustentável nas consuetudinárias e o conhecimento empírico.
áreas de regeneração inicial Fato que acaba por inviabilizar a solicitação de
da Mata Atlântica). autorização para a prática agrícola.
?
sideram a realidade e as especificidades da
cultura caipira, impulsionando a transformação
Crença na superioridade
dos hábitos de consumo em geral. Transforma-
dos valores e saberes da
Indireto ção nos costumes e nos saberes, envolvendo a
sociedade contemporânea
fitoterapia e a medicina popular, a produção e a
urbano-industrial em relação
comercialização dos produtos agrícolas e flores-
às comunidades de cultura
tais, os critérios de uso e a gestão dos territórios,
tradicional.
e o sistema de transmissão de conhecimento.
Ineficiência das leis que protegem o direito e o
modo de vida das comunidades tradicionais.
A alteração dos hábitos alimentares da socieda-
de contemporânea motiva a rejeição dos produ-
Cultural
principais vetores Expansão das cidades, caipira, formada pelos sistemas agrícolas entre-
Alterações no uso
Figura 2 |
Esquema
sintético da
relação entre os
principais vetores
de alteração
ambiental que
incidem sobre
os serviços
folclorísticos dos
ecossistemas
na RBCV.
Fonte: Elaboração
própria.
e a emergência do processo de
tecidos, pólvora, sal, vinho e aguardente. Cada
industrialização e urbanização
sitiante possuía uma tropa de burros e seu con-
Figura 3 |
Mapa da antiga
distribuição dos
bairros rurais
tradicionais caipiras
no âmbito da RBCV
e a localização das
áreas de estudo.
Elaboração: Antonio
Vanderlei Toledo.
Organização. Cristina
de Marco Santiago.
Mapa Base: Instituto
Florestal/RBCV, 2009.
Fonte: Fernandes
(1972); Queiroz (1973a;
1973b); Petroni (1995).
bom nível de vida, segundo os seus padrões da civilização caipira paulista e da civilização
culturais (QUEIROZ, 1973b). rústica brasileira (QUEIROZ, 1973b).
Havia um paralelismo complementar entre A maior parte dos moradores eram donos
a cidade e o caipira, de maneira que ela neces- de terras que passavam de geração a geração.
sitava muito mais dele do que ele dela, pois era O pagamento anual dos impostos garantia-lhes
o sitiante tradicional que a abastecia com seus a posse legítima da terra, os sitiantes desloca-
gêneros alimentícios (QUEIROZ, 1973b). vam-se para festas, para compras, para visitas
Apesar de povoada há centenas de anos, e para os deveres religiosos quando e como
a área era considerada, até algumas décadas quisessem (QUEIROZ, 1973b).
atrás, das mais isoladas e inexploradas de Todavia, o gênero de vida caipira no Ser-
todo o estado de São Paulo, persistindo ali, em tão de Itapecerica foi sofrendo alterações na
alguns bairros, até a década de 1960, na forma medida em que o desenvolvimento econômi-
mais tradicional, o ritmo de vida característico co do Estado estabeleceu para a capital novas
432 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
A confecção dos artefatos é realizada por "Sem ele, o aprendizado do artista é uma tare-
pessoas que conhecem os tipos de trançado, fa sem frutos. Todos os meninos camponeses
seguindo a tradição da tecnologia, criam con- aprendem com os adultos o trabalho da lavoura.
forme os já existentes, contudo ousam fazer Apenas alguns aprendem artes de ofícios rurais.
uma ornamentação estética própria e modifi- Um menor número ainda, entre todos, chega a
cam as formas e os tamanhos. (MELLO, 2001), ser adulto artista [...]. Entre o saber comum do
Sendo então considerados os melhores, pois trabalho produtivo e o saber do especialista
têm o dom de fazer. Os conhecimentos da arte do trabalho do artesão ou do artista, existe o
dado 'dom' a 'inclinação', 'inovação', o 'jeito' [...]"
da cestaria, envolvendo a coleta, o preparo da
(BRANDÃO, 1983b: p. 82).
matéria prima e as técnicas de trançado ocor-
rem de maneira informal. Os mais velhos são
os responsáveis por orientar todo o processo Também há a questão de gênero do fazer
para os mais novos da família. São as caracte- cesteiro: os jacás, em geral, são produzidos
rísticas individuais, suas histórias de vida que pelos homens, e as esteiras são de domínio das
fazem nascer o cesteiro, a paciência e a obser- mulheres. Contudo, não é pré-estabelecido o
vação são determinantes. Por estas razões tipo de artefato que deve ser confeccionado por
apenas alguns membros da família são artis- homem ou mulher (MELLO, 2001).
tas (MELLO, 2001). Como observa Brandão Na atualidade, a confecção de artefatos,
(1983b), “É sobre o dom que o saber se cumpre.” além de recuperar, a seu modo, os fragmentos
434 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
do passado, representam também uma ativida- imaterial de dois bairros: o do Rio Bonito e o
de econômica. dos Paulo. De diferentes formas, ambos guar-
Retomando o passado, era comum a tro- dam permanência da cultura rústica caipira
ca de artefatos, produzidos pelos especialistas, que resiste à modernidade. Esses bairros se
por prestação de serviços. Especialistas são referem a duas comunidades que, no passado,
aqueles membros da comunidade que têm integravam-se a uma rede de diversos outros
domínio de técnicas de trançar mais com- bairros do Sertão, os quais interagiam social-
plexas. Mas era comum também o comércio mente, utilizando os mesmos caminhos, com-
(MELLO, 2001). partilhando lugares sagrados e ritos religiosos
Como estratégia de manutenção da cultura (SANTIAGO, 2010; 2013).
do grupo, são realizadas adaptações de formas Os trabalhos de campo realizados no
e usos, como por exemplo, as ‘fruteiras’ confec- âmbito do referido Plano, bem como os estu-
cionadas a partir do ‘antigo balaio’. A memória dos efetuados por Santiago (2010; 2013; 2018)
coletiva não funciona como uma memorização, sobre a territorialidade caipira no bairro dos
Paulo, identificaram mostras representativas
pois as sociedades sem escrita conferem mais
do patrimônio histórico-cultural caipira coleti-
liberdade e possibilidades criativas à memó-
vo que expressam o domínio da cultura naque-
ria. São conhecimentos não institucionalizados
le território, bem como do patrimônio específi-
que de algum modo representam a consciência
co dos bairros amostrados.
coletiva de grupos inteiros – famílias, aldeias
A antiguidade da ocupação caipira e as
(MELLO, 2001: p. 110).
marcas pouco profundas no ambiente natural,
A arte do trançado se constitui em mani- característica peculiar às culturas tradicionais,
festações culturais realizadas com prazer e estabeleceram as condições para que ambos os
preocupação estética, e com base nos conhe- bairros fossem classificados como sítios arqueo-
cimentos e na memória. Mas essas manifesta- lógicos multicomponenciais, ou seja, que reúnem
ções passam por mudanças ao longo do tem- vestígios de mais de uma ocupação humana, no
po, constatadas ao se observar as formas e os caso, de ocupação indígena pré-colonial e de ocu-
materiais, de certo modo ainda vinculados com pação histórica do Brasil Colônia (SMA, 2009).
o passado (MELLO, 2001). Enquanto patrimônio coletivo, foram
registrados dois cemitérios (Capela Azul e
Figura 4 |
Artefatos/utensílios
característicos da
cultura caipira na área
de abrangência do
Parque Estadual do
Jurupará: (1) esteira
de taboa, (2) peneira
de taquara, (3) banco
de madeira, (4)
concha de madeira,
(5) pilão de madeira,
(6) vassoura - cabo
de taquara e folhas
de “vassourinha”
amarradas com
embira, (7) ninho
de galinha feito de
taquara.
Fonte: 1, 2, 3, 4, 6 e 7 -
Santiago (2010);
5 - Herculiani (2009).
Figura 5 |
Alguns dos alimentos
característicos da
cultura caipira na
área de abrangência
do Parque Estadual
do Jurupará: (1) feijão
cara suja, (2) bolinho
de milho, (3) abóbora,
(4) pamonha cozida
em folha de caeté-
miúdo, (5), pepino
caipira, (6) mandioca.
Fonte: Santiago
(2010).
436 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
imaterial rústica ainda está fortemente presente, um saber fazer que, juntos, regram a existência,
seja na prática dos moradores, na mobília das a forma de agir e de ser do caipira. Dessa pers-
casas, nas próprias edificações, nos utensílios, pectiva, Santiago (2010; 2013; 2018) verificou,
nas ferramentas, nos equipamentos, nas técni- no bairro dos Paulo, como é possível observar
cas de plantio e nos contos da floresta ou, ainda, nos depoimentos abaixo, a persistência na cren-
enquanto lembranças dos pais e avós (SMA, 2009; ça de entidades, como o Saci, a Mula Sem Cabeça,
SANTIAGO, 2010; 2013; 2018). o Caipora e o Pé Grande, apesar das transforma-
SANTIAGO (2010; 2013) constatou que, ções impostas pela nova religião.
até o final da década de 1950, quando na cidade
A caipora é bicho agressivo, agora ninguém
vizinha, em Juquitiba, a cultura caipira já estava
fala mais nada, depois que a religião evangélica
em decadência, os sitiantes do bairro dos Pau-
avançô, foi escondendo [...]. Depois que o evangé-
lo ainda viviam de forma tradicional, plantan- lico avançô, aí dexô dessas coisa, mais, que tem,
do suas roças, utilizando os recursos naturais tem. Só que a pessoa num pode acreditá. Né?
e comercializando os excedentes do plantio na mais que tem, tem.
cidade. Tratava-se, segundo a autora, de uma Existí, existi memo, mas num pode acreditá.
economia semifechada, caracterizada por uma
grande autonomia em relação à cidade e com- A autora identifica, ainda, como o sobre-
pleta interação com a natureza, sendo a floresta natural se integra às práticas de manejo da flo-
o meio pelo qual se dava a reprodução não ape- resta, influindo nas regras de uso dos recursos.
nas material, mas também cultural desse e dos O Pé Grande é uma entidade local, considerado
demais bairros rurais tradicionais que forma- pelos nativos o pai do mato, o rei da caça que
vam um grande território construído há séculos, repreende o trabalho noturno, o caçador e
cuja identidade do grupo firmava-se, assim, pelo aquele que faz grandes derrubadas, é o guar-
vínculo ancestral e pelo modo de vida tradicio- dião da floresta (SANTIAGO, 2010):
nal, reconhecendo-se entre si como nativos.
Para os moradores, nativo é aquele que O meu pai contava: disse que ele tava fazendo
é nascido e criado de pai e mãe no Sertão de uma derrubada grande anssim, ele tava andando,
Ibiúna, é um ser humano do mato, é o mes- aí ele olhô anssim, ele tava na testada da roçada;
mo que dizer ‘do mato’, definições que explici- tinha uma grumixavera grande, de tão grande
tam a forte identificação com um modo de vida que era que ele pisô e levantô a copa dela intera,
integrado à floresta (SANTIAGO, 2010; 2013). aí ele viu. Í, o Pé Grande ó. Quando ele correu e
Enquanto fonte de recursos e significados olhô pra trais já num inxergô mais nada.
culturais, a floresta designa crenças, valores e
O bairro do Rio Boni-
to, por sua vez, é um guar-
dião do catolicismo rústico
brasileiro, preservando as
imagens de santos e a tradi-
ção especialmente dos ritos
e festas religiosas do mês de
junho, as famosas e pratica-
mente extintas festas juni-
nas autênticas (SMA, 2009).
Figura 6 |
Vista geral do
bairro rural
tradicional
dos Paulo.
Fonte: Santiago
(2010).
SERVIÇOS CULTURAIS FOLCLORÍSTICOS: A DIMENSÃO DO FOLCLORE CAIPIRA 437
4 | INDICADORES
DOS SERVIÇOS DOS
manifestação cultural, a construção de indica-
dores pode partir de duas grandes referências:
ECOSSISTEMAS
a disponibilidade dos ecossistemas naturais,
especialmente a floresta, em toda a sua diver-
sidade biológica e a integridade do conjunto de
O principal desafio para a construção de manifestações culturais (saberes tradicionais)
indicadores culturais no caso de comunidades do caipira, fruto dessa relação (Figura 7).
tradicionais se refere à estreita relação entre Dessa perspectiva, podem ser conside-
cultura e biodiversidade, relação essa que defi- rados três grupos de indicadores dos serviços
ne elos indissociáveis entre serviços culturais, culturais dos ecossistemas:
de provisão e até de regulação. a) o acesso à terra e ao uso dos recursos
Em se tratando de comunidades caipiras, naturais (na diversidade biológica
o estabelecimento de indicadores dos servi- necessária ao exercício de seu saber
ços culturais e sua aferição são extremante fazer): terra em tamanho suficiente
complexos, seja pela abrangência do serviço, para comportar o sistema de explora-
pelas formas de adaptação cultural frente às ção agroflorestal tradicional;
severas pressões e alterações socioespaciais b) as práticas caipiras relacionadas ao
ocorridas no último século ou pela lacuna de uso dos recursos naturais: utensílios,
informações específicas necessárias à deter- mobílias, culinária, medicina tradi-
minação de parâmetros de avaliação. Nesse cional, técnicas construtivas, técnicas
sentido, pode-se falar em indicadores de for- florestais e agrícolas tradicionais;
ma genérica, devido à carência de estudos c) a permanência de ritos, mitos e cren-
científicos. ças tradicionais caipiras.
Entendida a intrínseca relação entre Os indicadores são ferramentas metodoló-
os ecossistemas naturais e a cultura caipira, gicas muito importantes para a avaliação, con-
bem como a importância do folclore enquanto tudo, deve-se ter claro que são uma referência,
Figura 7 |
Esquema sintético
da relação entre
indicadores
dos serviços
ecossistêmicos,
cultura caipira
e ecossistemas
naturais.
Fonte: Elaboração
própria.
438 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
dando indícios da permanência ou não do servi- da economia capitalista, pode também ser um
ço, mas não podem refletir com exatidão o grau indicador de alteração de traços culturais. Des-
de transformação ocorrido, que deve ser avaliado sa forma, a análise deve ser feita dentro de um
no contexto da estrutura e da organização social. contexto.
As grandes alterações nos ecossistemas Não há cultura estática e cada comunida-
e o vertiginoso crescimento urbano-industrial de deve ser estudada dentro de um processo
que se deu em todo o Estado, especialmente histórico, sob a perspectiva da cultura caipira
na Região Metropolitana de São Paulo, levou e das práticas e saberes particulares do grupo.
as comunidades caipiras a estabelecer estra- A partir dessa contextualização, é pertinente
tégias de manutenção da cultura. São adapta- efetuar, por intermédio de especialistas em
ções à nova realidade que se impôs, tornando uma perspectiva transdisciplinar, a análise e
ainda mais complexa a avaliação do serviço a avaliação das transformações e suas causas
cultural, pois são difíceis de serem identifica- específicas.
das como tal; muito frequentemente confunde- Tanto as avaliações como o processo
-se adaptação (enquanto forma de resistência de monitoramento são uma referência para
cultural) como perda da cultura; identifica-se o estabelecimento de estratégias e metas de
a descaracterização do folclore (como o aban- desenvolvimento social e territorial nas polí-
dono de um saber, de uma técnica, de um rito ticas públicas. Esse alerta é fundamental para
etc.), mas não se analisa a função social exer- que não se acentuem as injustiças ambientais e
cida pelo folclore, os valores maiores prezados sociais para com esses grupos, para que se pos-
pela tradição. sa reverter processos de deterioração do patri-
Por exemplo, a ausência do mutirão na mônio histórico-cultural e de pobreza, bem
lavoura (considerado um rito enquanto mani- como de degradação ambiental associados.
festação folclorística) pode estar relacionada
5 | CONTRIBUIÇÃO
ao trabalho assalariado que, como demons-
DOS SERVIÇOS
trou Queiroz (1973a; 1973b), é um importan-
ECOSSISTÊMICOS PARA
te indicador de desorganização social, pois se
opõe ao trabalho familiar, à obediência aos
O BEM-ESTAR HUMANO
ciclos de trabalho em conexão com a natureza,
e interfere nas relações de vizinhança. Porém,
o trabalho assalariado deve ser analisado no
contexto em que ele se insere, pois pode ser A dinâmica social característica do caipira
uma estratégia de fixação ao campo e mesmo à e as especificidades da sua relação com a natu-
terra ancestral, quando da impossibilidade de reza explicitam a importância fundamental dos
acesso aos recursos naturais como a restrição ecossistemas naturais na manutenção da cultu-
legal de exploração das terras para lavoura e ra e, consequentemente, nas suas manifestações
da floresta pela criação de uma unidade de con- folclorísticas. E o inverso também é verdadeiro,
servação, como demonstrou SANTIAGO (2010; ou seja, a importância desta cultura na manu-
2018). Portanto, neste caso, pode representar tenção dos ambientes naturais.
um fator de resistência cultural, além de um O folclore é resultado da experiência
fator de impacto negativo. peculiar de vida em comunidade, o qual é per-
Adaptando-se à nova situação, um ou manentemente vivido e revivido pelos seus
mais componentes do grupo procura formas de membros, inspirando e orientando valores
ajustar a sua permanência (individual ou fami- e comportamentos (FERNANDES, 1978); por
liar) na terra ao equilíbrio social e ecológico sua vez, a vida em comunidade, a organização
característico do caipira, por meio do trabalho social do caipira, como explica Candido (2003),
assalariado, esforçando-se em manter-se uni- está relacionada à manutenção do equilibro
do à comunidade e ao patrimônio herdado. ecológico entre o meio natural e o grupo.
Do mesmo modo, a produção cesteira Para o caipira tradicional, a terra, os
pode ser um indicador de prática cultural mas, recursos naturais que ela comporta e os sabe-
se comercializada dentro da lógica de mercado res sobre o seu uso e manejo são o seu grande
SERVIÇOS CULTURAIS FOLCLORÍSTICOS: A DIMENSÃO DO FOLCLORE CAIPIRA 439
patrimônio familiar, que passa de geração a um cenário futuro em decorrência dos vetores
geração através dos séculos (SANTIAGO, 2010; de alteração ambiental.
2013). É este patrimônio material e imaterial A abordagem cultural exige o estabeleci-
que lhe proporciona condições dignas de vida: mento de parâmetros de avaliação compatíveis
autonomia, acesso à alimentação de boa quali- com a realidade socioeconômica tratada, pois a
dade, à saúde, à moradia, ao vestuário, ao desen- referência de bem-estar de uma cultura para a
volvimento físico, intelectual e moral. Enquanto outra pode variar muito. Neste caso, é impor-
patrimônio, terra e saberes comportam valores tante ter em mente que os indicadores devem
que impulsionam a relação sociedade-natureza, conceber e refletir a perspectiva de qualidade
necessários à reprodução biológica e sociocultu- de vida e bem-estar das comunidades rurais de
ral do caipira, intimamente ligada à conservação cultura tradicional, certamente, muito distinta
dos recursos naturais dos quais ele depende. da sociedade urbana.
Por esta razão, para Candido (2003), a Com base nos dados apresentados no
posse e a disponibilidade da terra (diríamos, a Quadro 10 identifica-se a urgência em se esta-
possibilidade de acesso aos sistemas ecológicos belecer pesquisas e monitoramentos científi-
naturais e agrícolas) são elementos fundamen- cos com vistas à avaliação da continuidade de
tais na manutenção das características da cul- oferta dos serviços culturais folclorísticos nas
tura caipira. comunidades tradicionais caipiras remanes-
A redução dos ecossistemas naturais e a centes, de forma que se possa nortear o pla-
predominância da lógica da sociedade urbano- nejamento e a gestão do patrimônio cultural e
-industrial nas políticas públicas, territoriais, natural associado ao respectivo serviço ecos-
econômicas e sociais, que se opõem à lógica sistêmico. Na sequência, é apresentada uma
tradicional, tornaram, no último século, a cul- aproximação de indicadores que podem orien-
tura rústica caipira extremamente vulnerável, tar estudos futuros, relacionando-se as formas
empobrecida e tendendo à extinção. de verificação à realidade local.
Em geral, poucos são os trabalhos que for- a) incidência de doenças;
necem parâmetros, na atualidade, para a ava- b) disponibilidade de alimentos em quan-
liação dos impactos negativos à cultura. Dife- tidade e diversidade suficientes para a
rentemente de outros serviços ecossistêmicos, boa saúde;
não é apenas a degradação do ecossistema em c) qualidade ambiental (ausência de
si que afeta a cultura caipira, mas, especial- poluição no solo, na água e no ar);
mente, a falta de entendimento da sociedade d) estado de conservação das moradias e
sobre como atuam esses serviços na qualidade dos equipamentos tradicionais;
de vida, no bem-estar e na sobrevivência cultu- e) manutenção das relações sociais (prá-
ral dessas comunidades. tica de ritos festivos e religiosos, pre-
Considerando o marco conceitual da Ava- sença de auxílio vicinal, trabalho em
liação Ecossistêmica do Milênio, os principais família);
vínculos entre a biodiversidade e os serviços f) disponibilidade de vestuário básico
folclorísticos da cultura caipira podem ser (especialmente em relação à segurança
estabelecidos a partir da análise dos diversos e à proteção);
componentes do bem-estar humano, agrupa- g) domínio de tecnologias tradicionais e
dos nas categorias: 1) recursos básicos para autonomia de saberes;
uma vida digna; 2) saúde; 3) boas relações h) direito à terra ancestral e ao uso dos
sociais; 4) segurança; 5) liberdade de escolha e recursos naturais;
ação (MEA, 2005). i) diversidade biológica conservada,
O Quadro 10 apresenta o quanto os ser- compatível com a diversidade de uso
viços culturais folclorísticos impactavam o de recursos naturais demandados pe-
bem-estar humano das comunidades tradicio- las comunidades caipiras (presença
nais caipiras em seus diversos aspectos, e mos- dos diferentes estágios sucessionais
tra a tendência de aumento ou diminuição da da vegetação; presença de espécies
disponibilidade dos respectivos serviços em tradicionalmente utilizadas);
440 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Provimento adequado de
alimentos, remédios e
outros bens necessários,
como: vestuário,
Recursos básicos
para vida digna
utensílios e moradia.
Possibilidade de ter
acesso a recursos
necessários para a
reprodução e
desenvolvimento
social estável.
Nutrição
adequada.
Prevenção a doenças
(bem-estar físico e
Saúde
emocional).
Acesso à água e ar
limpos.
Oportunidade de
expressão cultural e
espiritual.
Boas relações sociais
Organização social
igualitária e de auxílio
mútuo.
Oportunidade de
expressão de valores
estéticos e artísticos.
Oportunidade de sal-
vaguardar a cultura e o
saber tradicionais.
Possibilidade de viver
em um ambiente seguro
e livre de conflitos
(incluindo segurança
pessoal, alimentar e
Segurança
acesso a outros
recursos básicos).
Redução da vulnerabi-
lidade aos choques e
estresses ecológicos e
calamidades.
Oportunidades para
poder conquistar o que
Quadro 10 | um indivíduo valoriza
Liberdade de escolha
ao bem-estar das
dual e coletiva, livre de
comunidades qualquer dependência
tradicionais ou subordinação entre
caipiras e pessoas ou diferentes
tendências grupos.
futuras quanto à
Contribuição do serviço ecossistêmico Tendência futura quanto à disponibilidade do
disponibilidade
cultural de folclore caipira ao bem-estar das serviço ecossistemico de folclore caipira na RBCV
desses serviços.
comunidades tradicionais Diminui Aumenta
Fonte: Elaboração
Baixo Moderado
própria. Continua Aumenta rapidamente
Com base Alto Muito Alto Desconhecido Diminui rapidamente
em MEA (2005).
Nota: * técnicas de confecção de utensílios, equipamentos e mobílias, técnicas construtivas, técnicas de agricultura e pecuária,
técnicas de processamento e conservação de alimentos e remédios.
SERVIÇOS CULTURAIS FOLCLORÍSTICOS: A DIMENSÃO DO FOLCLORE CAIPIRA 441
j) acesso à educação formal de boa qua- para a vida e a integridade das comunidades,
lidade, adequada à realidade rural sua reprodução material e cultural.
tradicional; Somente com a degradação ambiental
k) acesso à saúde pública de boa quali- impactando a qualidade de vida e a economia
dade, adequada à realidade rural da sociedade moderna é que se voltou à
tradicional. atenção para a conservação dos ecossistemas,
contudo as comunidades tradicionais caipiras,
na prática, são insistentemente tratadas de
CONCLUSÕES
maneira indistinta da população urbana,
desconsiderando-se, nas políticas públicas,
suas práticas tradicionais, suas especificidades,
Na presente avaliação procurou-se de- necessidades e saberes inclusive sobre o uso e
monstrar que o folclore descreve as especifi- manejo da biodiversidade.
cidades da relação sociedade-natureza em Este cenário coloca em risco a manutenção
uma dada cultura. Nessa perspectiva, é dos serviços culturais folclorísticos dos
possível observar a indivisibilidade entre o ecossistemas no âmbito da RBCV, podendo
que se entende por benefícios não materiais restar, quando muito, manifestações materiais
e materiais dos ecossistemas para as do folclore caipira, esvaziadas de valores e
comunidades cuja cultura se vincula ao modo referências simbólicas, portanto sem expressão
de vida tradicional. alguma do modo de vida tradicional.
O desenvolvimento econômico do estado O monitoramento dos serviços culturais
de São Paulo, nos moldes em que se estabeleceu, folclorísticos e do impacto das mudanças nos
reduziu drasticamente os ecossistemas ecossistemas sobre o bem-estar das comu-
naturais e as comunidades tradicionais nidades caipiras é um instrumento importante
caipiras que junto a eles desenvolveram-se e para orientar as políticas publicas e está
estabeleceram-se ao longo dos séculos. associado a um processo complexo que envolve
À medida que a sociedade se urbanizava e preliminarmente estudos específicos sobre
se industrializava menos importância se dava cada território e a construção e mensuração de
à manutenção da biodiversidade, incluindo as indicadores. Tal medida torna-se imperativa
variedades agrícolas rústicas desenvolvidas tendo em vista a tendência crescente de perda
pelo sitiante caipira, adaptadas às condições do saber-fazer tradicional e o consequente
locais. Com a mudança de valores, também se prejuízo que tal fato representa à qualidade de
restringiu a compreensão geral da sociedade vida dessas comunidades e ainda à conservação
sobre o significado dos ecossistemas naturais da biodiversidade.
442 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
REFERÊNCIAS
GLOSSÁRIO
A
Aborígine | habitantes originais, indígenas. preciosas, o apresamento de indígenas e a captu-
ra de escravos africanos fugitivos.
B P
Bandeiras e entradas | expedições que à época Pousio | Sistema de agricultura baseado em perío-
do Brasil Colônia adentravam o país com finalida- dos de descanso da terra, interrompendo-se tempo-
des diversas como a busca por metais e pedras rariamente o cultivo para possibilitar a recuperação
das propriedades físicas e químicas do solo.
444 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
PARTE 3
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS CULTURAIS
Coordenadores
Rodrigo Machado | SIMA
Vanessa Cordeiro de Souza | Pesquisadora independente
Autores
Rodrigo Machado | SIMA
Vanessa Cordeiro de Souza | Pesquisadora independente
Bely Clemente Camacho Pires | RdA – Pesquisadora independente
Elaine Aparecida Rodrigues | IF/SIMA – IPEN/USP
Autores contribuintes
Katia Mazzei | IBt/SIMA
Sidnei Raimundo | EACH/USP
Silvia Maria Bellato Nogueira | IF/SIMA
446 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Resumo................................................................................................................. 451
1 | Introdução...................................................................................................... 452
Conclusões........................................................................................................... 495
Referências........................................................................................................... 498
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 O turismo e suas distintas dimensões.
Figura 2 Modelo conceitual da Avaliação Ecossistêmica do Milênio adaptado ao contexto do Lazer
e Turismo.
Figura 3 Desembarques internacionais e domésticos e gastos de turistas no Brasil, entre 2016 e
2018.
Figura 4 Esportes de aventura no Monumento Natural da Pedra Grande, em Atibaia.
Figura 5 Feira de Artes e Artesanatos em Embu das Artes.
Figura 6 Aldeia de Carapicuíba, Carapicuíba.
Figura 7 Observação de aves, Ibiúna.
Figura 8 Perfil dos visitantes das UC do estado de São Paulo.
Figura 9 Turismo de aventura e turismo rural na RBCV.
Figura 10 Vinícolas tradicionais na Estrada do Vinho, em São Roque.
Figura 11 Esporte de aventura no rio Juquiá, em Juquitiba.
Figura 12 Praia do Perequê, Guarujá.
Figura 13 Número de UC (federal, estadual e municipal) nos municípios da RBCV, em 2019.
Figura 14 Categorização dos municípios da RBCV inseridos no Mapa do Turismo Brasileiro 2017-2019.
Figura 15 Represa de Redenção da Serra - Circuito Cultura Caipira e Rota da Liberdade.
Figura 16 Regiões turísticas dos municípios no Mapa Brasileiro de Turismo 2017-2019, Municípios
de Interesse Turístico e Estâncias Turísticas no território da RBCV.
Figura 17 Trilha Monumentos Históricos Caminhos do Mar.
Figura 18 Paredão de Lorena.
Figura 19 Trilha em campo de altitude no Núcleo Curucutu do PESM
Figura 20 Áreas de expansão da mancha urbana nas periferias da RMSP.
Figura 21 Parque Estadual Águas da Billings, São Bernardo do Campo.
Figura 22 Áreas com perda de vegetação na RMSP.
Figura 23 Bairro Cabuçu, Guarulhos.
Figura 24 Nascentes do Tietê, Salesópolis.
Figura 25 Canoagem ecológica, São Vicente.
Figura 26 Trilha do Bugio, Centro de Aventura Rio Abaixo, Juquitiba.
Figura 27 Rota das Ostras, Bertioga.
QUADROS
Quadro 1 Indicadores sobre o ecoturismo em UC.
Quadro 2 Serviços culturais de lazer e turismo na trilha Monumentos Históricos Caminhos do
Mar.
Quadro 3 Serviços culturais no Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra do Mar: o Lazer e o
Turismo.
Quadro 4 Ecossistemas, vetores de alteração e impactos como recursos pedagógicos do turismo
base local: a experiência com serviços ecossistêmicos de turismo no Cabuçu, Guarulhos.
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 449
Quadro 5 Síntese dos principais vetores de alteração ambiental na RBCV que impactam o turismo
sustentável.
Quadro 6 Avaliação do impacto positivo dos serviços culturais de lazer e turismo sobre o
bem-estar do turista/visitante e tendências quanto à disponibilidade desses serviços.
TABELAS
Tabela 1 Atividades vinculadas ao turismo.
Tabela 2 Hábitos de consumo do turismo brasileiro.
Tabela 3 Atividades vinculadas ao ecoturismo (serviços ecossistêmicos culturais de turismo).
Tabela 4 Preferências nos hábitos de consumo do turismo brasileiro.
Tabela 5 Atividades do turismo de aventura.
Tabela 6 Legislação relacionada com o desenvolvimento de atividades turísticas.
Tabela 7 Trilhas selecionadas em UC estaduais na área da RBCV e municípios abrangidos.
Tabela 8 Regiões Turísticas do Mapa do Turismo Brasileiro 2017-2019 no território da RBCV e
municípios abrangidos.
Tabela 9 Iniciativas estaduais de promoção do turismo no território da RBCV e municípios
abrangidos.
Tabela 10 Municípios designados como Estância Turística e como Município de Interesse Turístico.
SIGLAS
ALESP Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
AM Avaliação Ecossistêmica do Milênio | Millennium Ecosystem Assessment
APA Área de Proteção Ambiental (Categoria de unidade de conservação)
CEA Coordenadoria de Educação Ambiental
CNUC Cadastro Nacional de Unidades de Conservação
EACH/USP Escola de Artes, Ciências e Humanidade/Universidade de São Paulo
EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo
IBt Instituto de Botânica
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IF Instituto Florestal
IPEN Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares
MTur Ministério do Turismo
OMT Organização Mundial do Turismo
PJ-MAIS Programa de Jovens - Meio Ambiente e Integração Social
PNM Parque Natural Municipal
RBCV Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo
RMSP Região Metropolitana de São Paulo
SABESP Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
SIMA Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
UC Unidade de Conservação
UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e a Cultura
USP Universidade de São Paulo
450 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 451
RESUMO
Figura 1 |
O turismo e suas
distintas dimensões.
Fonte: Elaboração
própria.
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 453
2 | LAZER E TURISMO
assegurar parte dos componentes do bem-estar
humano, como base material, boas relações
SUSTENTÁVEL: SERVIÇOS
sociais e liberdade de escolha. Nesse sentido,
CULTURAIS VIABILIZADOS
é necessário destacar as principais ativida-
PELOS ECOSSISTEMAS DO
des econômicas associadas ao turismo: servi-
ços de alimentação, hospedagem, transporte e
TERRITÓRIO DA RBCV
entretenimento. Têm-se então três abordagens
a serem verificadas neste capítulo: o lazer e
turismo como fenômeno social, os serviços de
Inicialmente é importante abordar o con- lazer e turismo enquanto atividade econômica
ceito e a natureza dos serviços ecossistêmicos e os serviços ecossistêmicos culturais de lazer
culturais. Segundo a Avaliação Ecossistêmica do e turismo. Uma quarta abordagem, decorrente
Milênio (MILLENNIUM..., 2003), estes serviços da ótica econômica e ecossistêmica, refere-se à
são os benefícios não materiais que as pessoas valoração destes serviços ecossistêmicos, por
obtêm dos ecossistemas, por meio de enrique- meio da corrente chamada economia ecológica,
cimento espiritual, desenvolvimento cognitivo, que é tratada no capítulo Valoração econômica-
reflexão, recreação e experiências estéticas. -ecológica de ecossistemas e seus serviços.
Embora a Avaliação Ecossistêmica do Milênio As inter-relações entre os serviços ecossis-
(MILLENNIUM..., 2005) tenha subdividido os têmicos de lazer e turismo, o bem-estar humano
serviços ecossistêmicos em culturais de iden- e os vetores de alteração sobre os ecossistemas
tidade, valores hereditários, espiritualidade, (fatores que impactam os ecossistemas de for-
inspiração, apreciação estética, recreação e ma negativa) podem ser visualizados na Figura
turismo, dificilmente seria possível separá-los 2, que adaptou o modelo conceitual da Avalia-
no que se refere aos benefícios para o bem-estar ção Ecossistêmica do Milênio (MILLENNIUM...,
humano, como no caso de uma visita a uma área 2003) para o contexto deste capítulo.
natural onde, na busca por inspiração artísti- Ao se abordar o lazer e turismo especifica-
ca, pode-se estar sendo levado a refletir sobre mente como serviços ecossistêmicos, é impor-
espiritualidade, à contemplação paisagística e à tante contextualizar o conceito geral de ambos,
diminuição da fadiga mental. em uma sociedade pautada pela ideia da produti-
Assim como é difícil a análise isolada de vidade, o que tornará mais evidente a importân-
cada subcategoria deste serviço ecossistêmico, cia desses serviços para o bem-estar humano.
2.1 | Lazer
sua análise desvinculada dos demais serviços
ecossistêmicos também é limitadora, tendo em
vista sua grande interdependência: ao mesmo
tempo que uma paisagem natural depende de A compreensão do tempo na sociedade
serviços de suporte e de regulação, a expressão contemporânea expressa, de certa forma, o
dos serviços ecossistêmicos culturais influen- condicionamento da organização do trabalho
ciam o modo como os ecossistemas são vistos no alienado. Ao considerar os seres humanos como
que se refere aos seus demais serviços disponi- produtivos ou com sua força de trabalho empre-
bilizados (MILLENNIUM... 2005). Para exempli- gada, a sociedade se encontra com o denomi-
ficar, no caso de uma comunidade tradicional, nado tempo de trabalho. Fora deste tempo de
uma floresta tanto pode ser fonte de alimentos trabalho há todo um espectro de divisões e cate-
como a morada de entidades espirituais, haven- gorizações do tempo denominado livre, também
do, portanto, um profundo respeito por essa reconhecido como tempo de “não-trabalho”,
área e a necessidade de sua manutenção. Para entendido como Tempo desocupado, ocioso,
uma população urbana, a mesma floresta tan- para a satisfação das necessidades básicas
to contribui com a amenização da temperatura vitais, entre outros. Neste tempo livre encontra-
como propicia lazer e recreação. -se o lazer.
454 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 2 |
Modelo conceitual
da Avaliação
Ecossistêmica do
Milênio, adaptado ao
contexto do Lazer e
Turismo.
Fonte: Elaboração
própria. Com base em
Millennium... (2003).
De acordo com Almeida e Gutierrez (2004), pautado tanto pela vinculação do tempo livre
no debate sobre lazer há uma abordagem que (e, portanto, o lazer) ao tempo industrial, como
se apoia na dicotomia lazer-trabalho, afirman- pela afirmação de características como o repou-
do o lazer inserido no tempo livre do trabalho so, a recuperação do e para o trabalho e, assim,
e, portanto, marcado pelo caráter voluntá- reprodução de condições essenciais à sociedade
rio; sendo assim um contraponto ao trabalho de consumo.
urbano-industrial. Neste contexto, a fragmentação do trabalho
Contudo, partindo da mesma dicotomia há, gera desconforto ao ser humano contemporâneo
segundo os autores, um entendimento crítico, e o leva a um sentimento de privação, que conduz
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 455
2.2 | Turismo
patrocinam o ecoturismo” (Id. Ibid.).
Do início dos anos 2000 até mais recen-
A marca reprodutora das relações sociais temente, pesquisadores no campo do turis-
de produção atribuída à ideia de lazer exposta mo (NETTO, 2005; NECHAR, 2011; NETTO;
anteriormente é aqui reconhecida como impor- NECHAR, 2014) têm direcionado seus esforços
tante consideração para se problematizar os sen- de reflexão, diálogo e debate para questões em
tidos existentes e aqueles que podem assumir a perspectiva crítica e reflexiva, a partir de inves-
atividade turística: simplesmente uma forma tigações sobre a epistemologia do turismo.
de lazer orientada e pensada para reproduzir o As tendências epistemológicas analítica e
status quo ou uma prática social contemporânea histórica do século XX não são convergentes nem
e reprodutora, por certo, mas criadora de espa- unificaram seus critérios para designar o pro-
ços/tempos voltados à promoção de reflexões duto final como ciência, já que se trata de vários
críticas em relação aos condicionamentos desta campos do saber com critérios, objetivos, pressu-
mesma sociedade política, histórica, cultural e postos, problemas e metodologias divergentes. O
economicamente organizada, com seus confli- mesmo se observa em relação ao turismo, cujas
tos, interesses, representações de meio ambien- escolas de pensamento, ao imitar a tradição posi-
te. Em síntese, situações, espaços e intervenções tivista da epistemologia analítica e o funciona-
educadoras que tomam o lazer e o turismo como lismo alienante, demarcam a impossibilidade de
meios, não como fins. fazer do turismo uma disciplina científica pela
Neste mesmo contexto de problematizar falta de rigorosidade, medida e exatidão em seus
o turismo, tanto em suas origens modernas critérios. A perspectiva crítica desponta nesse
como em seu sentido educador e perspectiva contexto como paradigma e eixo transforma-
crítica, pode-se compreender o ecoturismo, cional contra o objetivismo observado no turis-
o turismo rural e o turismo de aventura como mo. Com a crítica-reflexiva parece ser possível
456 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
superar o funcionalismo com que alguns pesqui- debate que vem se configurando no campo para
sadores desejam submeter a prática e o conheci- subsidiar a construção de outros sentidos ao
mento do turismo (NETTO; NECHAR, 2014). turismo como fenômeno social, articulando-o
A partir dessa discussão, destaca-se a a um dado da realidade, que é a ainda hegemô-
demarcação, primeiro, de que há uma corrente nica dimensão econômica. Assim, na sequên-
hegemônica na reflexão e produção de conheci- cia, será enfocada uma leitura de tal fenômeno
mento sobre o turismo. Essa corrente o entende, em seu viés econômico, para demonstrar que a
basicamente, como mera atividade econômica RBCV e seus serviços ecossistêmicos guardam
mensurada em dados frios que representam importância nesta dimensão, sem afastar-se da
uma função: legitimar o turismo como indús- reflexão e debate sobre o sentido mais amplo do
tria, como gerador de divisas, como mercadoria turismo no Cinturão Verde, que não se restringi-
a ser consumida. Esse entendimento reproduz a ria, portanto, à reprodução do status quo socioe-
ideia de crescimento econômico desconectado conômico, gerador de vetores de alteração sobre
de outras dimensões, como a socioambiental, os serviços ecossistêmicos.
cultural e ecológica. Como atividade econômica, o turismo é
A segunda demarcação, além de articu- definido a partir da demanda como resultado do
lar as demais dimensões mencionadas à análi- interesse dos visitantes. Dessa forma, diferenças
se econômica do turismo, caracteriza-se pela de perfil e de motivação dos turistas e diferenças
necessidade de refletir e debater o seu senti- de condições naturais e econômicas dos lugares
do: para que serve o turismo? Para ser mais visitados, implicam necessariamente em diferen-
uma manifestação de um modelo de desenvol- tes produtos consumidos (IBGE, 2012).
vimento insustentável, pelo consumo mercan- Tais diferenças de motivação e de perfil,
til de territórios, bens ambientais e serviços bem como especificidades da chamada oferta
ecossistêmicos (vertente positivista, econo- turística, definem o segmento turístico. Con-
micista, funcionalista)? Ou será que é possí- dicionam, também, grande parte das notícias,
vel e necessário problematizar esse entendi- investigações e estudos sobre a atividade. Na
mento quase natural, aceito acriticamente e década de 1990, Oscar de La Torre (pesquisa-
apontar outros sentidos, como por exemplo, dor mexicano sobre o turismo como fenômeno
o turismo como meio para conscientizar cri- social), propôs o seguinte conceito:
ticamente, educar, desenvolver territórios e
comunidades sem torná-los mercadorias a Turismo é um fenômeno social que consiste
serem vendidas, nesse caso, subsidiados pela no deslocamento voluntário e temporário
vertente em perspectiva crítica? de indivíduos ou grupos de pessoas que, fun-
A perspectiva crítica é referenciada como damentalmente por motivos de recreação,
método, não como noção mais afeta ao senso descanso, cultura ou saúde, saem do seu local
comum. Isso significa que, como método, caracte- de residência habitual para outro, no qual
riza-se por análise, reflexão, discernimento e bus- não exercem nenhuma atividade lucrativa
ca por novos sentidos. Já a noção de crítica mais nem remunerada, gerando múltiplas inter-
presente no senso comum restringe-se à mera -relações de importância social, econômica e
polêmica, a julgamentos preconcebidos sem fun- cultural (apud BARRETTO, 1995: p.12).
damentos consistentes, desqualificando o debate.
A reflexão mais recente e substancialmen- A Organização Mundial do Turismo
te relevante que foi destacada representa um (OMT, 2001) tem uma definição que propa-
ganho de consistência e maturidade do turismo ga para o mundo todo, e inclui influências
enquanto campo do conhecimento, dados os do mercado e da academia. Para a OMT, o
pesquisadores envolvidos e os veículos e oca- turismo compreende as atividades realiza-
siões nos quais se dissemina o eixo, paradig- das pelas pessoas durante suas viagens e
ma ou mesmo argumento emergente. Contudo, estadias a lugares distintos ao seu entorno
ainda há uma dimensão econômica – objetiva e habitual, por um período de tempo consecu-
funcionalista – muito presente na compreensão tivo inferior a um ano, com fins de desfrutar
do turismo. Para tanto, busca-se considerar o o tempo livre, por negócios e outros motivos
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 457
que não estejam relacionados a uma atividade média de ocupação de 65% e as atrações recebe-
remunerada no lugar visitado. Sampaio (2007) ram 20% mais visitantes.
ressalta a necessidade de reflexão desta defi- No Boletim de Desempenho Econômico do
nição, com destaque à desconsideração das Turismo (MTUR; FGV, 2014), constata-se que
comunidades receptoras, “dos esforços da OMT as empresas do setor de turismo pesquisadas
nas ações que possibilitam a melhoria da quali- registraram variação média de 7,1% no que
dade de vida das populações autóctones” (SAM- tange ao faturamento apurado no primeiro tri-
PAIO, 2007: p. 150). mestre de 2014 em comparação ao respectivo
A pretensão deste capítulo não inclui trimestre de 2013 (o faturamento no 1º trimes-
entrar no mérito do debate sobre o que se enten- tre de 2014 foi de R$ 8,5 bilhões, sendo gerados
de por turismo, mas sim tomar uma definição 75.496 postos de trabalho).
razoavelmente aceita para, então, compor um Há ainda, a verificação de “expansão em
diagnóstico sobre a atividade, com dados e 33% do mercado de turismo consultado, inalte-
informações nacionais, regionais e locais, tendo rabilidade em 47% e retração em 20% (saldo de
por base o território da RBCV e a importância 13%)” (MTUR; FGV, 2014: p.16). O segmento que
dos serviços ecossistêmicos culturais de lazer e apresenta saldo mais elevado de resposta é,
turismo neste contexto. É importante observar justamente, o de turismo receptivo (34%), dado
que, tomar tal definição não implica, necessária este importante para a análise do potencial da
e intencionalmente, encerrar o debate e legiti- RBCV enquanto receptora de turistas em busca
má-la, mas sim reconhecer seu peso político e dos serviços ecossistêmicos culturais de recre-
importância econômica nos campos acadêmico, ação e turismo ali disponíveis. Em relação ao
prático e discursivo do turismo na atualidade. ecoturismo e turismo de aventura, o Ministé-
Em termos econômicos, segundo o docu- rio de Turismo informou que a movimentação
mento Estatísticas Básicas do Turismo (MTUR, total no país em 2009 foi de R$ 515,9 milhões,
2013), a receita cambial gerada pelo turismo, no 21% mais alta que em 2008 e que o segmen-
Brasil, em 2012, foi de R$ 6,6 bilhões. to atende 5,4 milhões de turistas anualmente
Apenas no período da Copa do Mundo de (MTUR; FIPE, 2011).
2014, de acordo com o relatório da Sala de Moni- Em 2017, o faturamento informado no 3º
toramento do Atendimento ao Turista (SÃO PAU- trimestre foi de R$ 9,2 bilhões, com geração de
LO, 2014), o gasto e permanência médios dos 79.319 postos de trabalho (MTUR; FGV, 2017).
turistas na capital durante o campeonato foi de, Para a economia do turismo, as atividades dire-
respectivamente, R$ 2.217,00 em 4,4 noites para tamente relacionadas são variadas e articulam
320.281 brasileiros e R$ 4.818,00 em 8,8 noites uma diversidade de possibilidades econômicas
para 221.498 turistas estrangeiros. No mesmo de geração de trabalho e de renda (IBGE, 2012),
período, os meios de hospedagem tiveram taxa conforme apontado na Tabela 1.
Transporte aquaviário Transporte aquaviário de cabotagem; transporte marítimo de longo curso; trans-
porte por navegação interior de passageiros. Esta classe compreende: o transporte
não urbano de passageiros, regular e não regular, por rios, canais, lagos, lagoas e
outras vias de navegação interior, em percursos nacional ou internacional.
Atividades de agências e Organização e viabilização de pacotes turísticos, que articulam diferentes serviços,
organizadores de viagem tais como transporte, hospedagem, alimentação, entretenimento etc.
Atividades recreativas, Projeção de filmes e vídeos; atividades de teatro, música e outras atividades artís- Tabela 1 I
culturais e desportivas ticas e literárias; gestão de salas de espetáculos; outras atividades de espetáculos Atividades vinculadas
(como dança, bailes e danceterias); atividades de biblioteca e arquivos; atividades
de museus e conservação do patrimônio histórico; atividades de jardins botâni- ao turismo.
cos, zoológicos, parques nacionais e reservas ecológicas; atividades desportivas; Fonte: Elaboração
outras atividades como parques de diversão, marinas, equitação, aluguel de bar- própria. Com base no
cos e bicicletas. IBGE (2012).
458 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Variável Dado/informação
Com quem viaja 27,9% (no estado de São Paulo) viaja com cônjuge e filhos.
habitualmente
Fonte de informação sobre 41,5% com parentes e amigos; 39,1% pela internet.
viagens no Brasil
Quando costuma viajar No estado de São Paulo, 40,0% nos finais de semana prolongados e 25% nos finais
de semana convencionais.
Viajam por conta própria Em São Paulo (capital), 77,6% viajam por conta própria.
ou com pacote turístico
Hospedagem Hotel (45,1%); pousada (22,2%); casa de amigos/familiares (22,7%), casa alugada/
lugar alugado (6,9%); chalé (0,9%); outros (2,2%).
Principal motivo da Beleza natural/natureza (33,9%); praia (21,2%); cultura local/população (13,2%);
escolha do destino perfil do local (12,5%); festa popular (6,3%); rever familiares/amigos (3,9%); gastro-
turístico nomia (2,7%); história/arte/museus (1,9%); observação da fauna/flora (1,0%); lazer
em geral (0,3%); outras respostas (3,3%).
O que faltou na viagem Infraestrutura para atender o turismo (5,9%); segurança (3,7); opções de lazer
(3,1%); bons restaurantes (2,9%); informações turísticas (2,8%); transporte público
(1,8%); bons hotéis (1,5%); bancos/caixas eletrônicos (0,7%); assistência médica
para o turista (0,3%); outras respostas (1,9%); nada (74%).
Figura 3 I
Desembarques
internacionais e
domésticos e gastos
de turistas no Brasil,
entre 2016 e 2018.
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em MTUR (2019a).
460 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
O potencial das UC para o turismo é rele- estimular o desenvolvimento local com arran-
vante, especialmente para o ecoturismo e para jos produtivos de turismo, articulando serviços
o turismo de aventura (Figura 4). econômicos já citados, tais como transporte,
As áreas protegidas, em princípio, podem monitoria, alimentação, hospedagem, entrete-
ser o atrativo âncora (BARTHOLO; SANSOLO; nimento, artesanato local, etc. (Figura 5), ao
BURSZTYN, 2009) para as áreas próximas, ao mesmo tempo em que encerra vários serviços
Figura 4 I
Esportes de aventura
no Monumento Natural
da Pedra Grande, em
Atibaia.
Foto: Rubens Chiri.
Fonte: (FC&VB-SP, 2019).
462 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 5 I
Feira de Artes e
Artesanatos em
Embu das Artes.
Foto: Miguel
Schincariol.
Fonte: FC&VB-SP, 2019. O município de Embu das Artes abriga as inúmeros artistas se fixaram no município. Em
Áreas de Proteção Ambiental APA Mata da 1964, foi realizado o 1º Salão de Artes Plásti-
Santa Tereza; APA Embu Verde; APA Lagoa dos cas de Embu, fazendo a cidade ser reconhe-
Príncipes e APA Prado Rangel. Sua importância cida internacionalmente por sua arte. Embu
histórica remonta à década de 1920, quando das Artes integra o Circuito Taipa de Pilão.
Figura 6 I
Aldeia de
Carapicuíba,
Carapicuíba.
Foto: Sergio Luiz Jorge.
Fonte: Expressão Studio
(TUR.SP, 2019).
Antiga aldeia de índios fundada pelo padre do século XVIII e continua totalmente preserva-
José de Anchieta em 1580 e que deu origem à da em com sua estrutura original em taipa de
cidade de Carapicuíba. A aldeia é remanescente pilão.
Peixes: a observação geralmente ocorre pela flutuação ou mergulho, com ou sem o uso
de equipamentos especiais, em ambientes marinhos ou de água doce.
Observação Permite compreender a diversidade dos elementos da flora, sua forma de distribuição e
de flora as paisagens que compõem um bioma, devendo estar associada às possibilidades de
interação com a fauna silvestre existente na localidade e na região.
Tabela 3 I
Observação de Atividade ainda tímida no Brasil, consiste geralmente em caminhada por área com Atividades vinculadas
formações características geológicas peculiares e que oferecem condições para discussão da ori-
gem dos ambientes (geodiversidade), sua idade e outros fatores, por meio da obser- ao ecoturismo (serviços
geológicas ecossistêmicos
vação direta e indireta das evidências das transformações que ocorreram na esfera
terrestre. culturais de turismo).
Fonte: Elaboração
Visitas a cavernas Atividade recreativa originada da exploração de cavidades subterrâneas, também
(espeleoturismo) conhecida por espeleologia – estudo das cavernas.
própria. Com base em
MTUR (2010a).
464 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 7 I
Observação
de aves, Ibiúna.
Foto: Rubens Chiri.
Fonte: FC&VB-SP
(2019); São Paulo
(2019); CI Brasil (2019).
o Quanto à permanência devido a outros motivos que não exclusivamente à UC, embo-
ra seja significativa a parcela dos que responderam positivamente a essa alternativa
(58,0%), tão significativo quanto é o resultado sobre a motivação dessas viagens ser
o turismo ecológico.
o A maior parte das viagens daqueles que visitam as UC (65,5%), é motivada determi- Quadro 1 I
nantemente pelo fator “visita ao Parque”. Indicadores sobre
o ecoturismo
em unidades de
o Para aqueles que realizaram viagens com pernoite, exclusivamente por conta das conservação.
visitas aos parques, os principais meios de hospedagem utilizados foram: pousada Fonte: Elaboração
própria. Com base em
(40,6%); hotéis 1 a 5 estrelas (30,2%); e camping (17,3%).
MTUR; EMBRATUR;
FIPE (2002).
466 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 8 I
Perfil dos visitantes
das UC do
estado de São Paulo.
Fonte: KOGA;
OLIVEIRA;
OLIVEIRA (2011).
A B
C D
Figura 9 I
Turismo de aventura
e turismo rural
na RBCV.
Fotos: (A) Elias Gomes;
(B) Sergio Luiz Jorge;
(C) Rubens Chiri;
(D) Paulo Li.
Fonte: FV&CP-SP
(2019); TUR.SP (2019).
As áreas naturais preservadas e os ambientes encontra vivência de turismo rural e agricultura
rurais da RBCV proporcionam inúmeras oportuni- familiar, que oportunizam colher suas próprias
dades relacionadas ao turismo rural e turismo de verduras (colha e pague). O Circuito da Cultura
aventura. A Cachoeira dos Pretos (Joanópolis), Caipira e das Fazendas Históricas, que permeia
com 154 metros de queda, é uma das maiores e o território da RBCV, oferece opções de artesana-
mais deslumbrantes do estado; abriga a nascen- to local, que valorizam os produtos e sabores típi-
te do rio Piracicaba e possui estrutura de lancho- cos de cada região. Destacam-se os tradicionais
netes, passeios de jipe, bóiacross, pedalinho e fogões a lenha, símbolo das fazendas históricas
artesanato. Em Juquitiba, podem ser desenvol- que remetem a antiga arte de cozinhar, os adep-
vidas diversas atividades vinculadas ao turismo tos da culinária caipira garantem que os alimen-
de aventura. Em Araçoiaba da Serra, o visitante tos ganham um sabor especial e único.
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 467
Figura 10 I
Vinícolas tradicionais
na Estrada do Vinho,
em São Roque.
Foto: Miguel Schincariol.
Fonte: FC&CP-SP (2019).
468 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Há, neste contexto, uma variação do turis- Outros dados relevantes trazidos pela
mo rural, denominada turismo rural na agricul- referida pesquisa revelam que o perfil do turis-
tura familiar, cuja definição é dada como a ativi- ta que se desloca ao campo é, basicamente, de
dade turística que ocorre no âmbito da unidade moradores de grandes centros urbanos; pos-
produtiva dos agricultores familiares que man- suem entre 20 e 55 anos; são casais com filhos
têm as atividades econômicas típicas da agricul- e/ou amigos; deslocam-se em automóveis par-
tura familiar. Estes agricultores familiares estão ticulares, em um raio de até 150 km do núcleo
dispostos a valorizar, a respeitar e a comparti- emissor/urbano; fazem viagens de curta dura-
lhar o seu modo de vida, ou seja, o seu patrimônio ção em fins de semana e feriados e são aprecia-
cultural e natural, ao ofertar os produtos e ser- dores da culinária típica regional.
viços de qualidade e proporcionar bem-estar às Em outra publicação vinculada aos empre-
pessoas envolvidas no processos (MTUR, 2010b). sários de agências e organizações de viagens no
De acordo com o Guia de Turismo Rural Brasil, relativa ao primeiro semestre de 2019,
no Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2006), há destacaram-se entre os segmentos demandados
diversas modalidades registradas em fazendas pelos visitantes, aqueles diretamente vincula-
de café abertas à visitação, sendo a modalidade dos ao ambiente natural, que totalizaram 61,5%
mais recorrente a de pousada rural, com 312 dos destinos, sendo estes: sol e praia (49,2%);
propriedades. As demais modalidades e o núme- natureza e ecoturismo (9,0%); turismo de
ro de propriedades envolvidas são: agroturismo aventura (3,3%). Os demais segmentos foram:
e agroindústria artesanal (276), restaurante cultura/patrimônio histórico (15,3%); outros -
rural (213), pesque-pague (126), hotéis fazen- compras, estudos, saúde, eventos, etc. (10,1%);
da (95), eventos (61), turismo rural pedagógico negócios/trabalho (9,9%) e religião (3,2%)
(58), fazendas históricas (47), área rural de lazer (MTUR, 2019b). A expressividade destes dados
(44), cavalgadas (41), acampamento/camping é reforçada pela Pesquisa de Demanda Turísti-
(37), hotel rural de lazer (22), armazém rural (7) ca Internacional, do Ministério do Turismo, que
(SÃO PAULO, 2006). Cabe observar que existem aponta aumento de 23% no interesse de turistas
questionamentos quanto a variedade de modali- internacionais por atividades na natureza, entre
dades inseridas no turismo rural (algumas delas 2014 e 2015 (MTUR; FIPE, 2017).
essencialmente urbanas), por considerar que O turismo de aventura é o deslocamento
apenas atrações que guardem relação estreita de pessoas para a realização de esportes radi-
com o ambiente rural podem ser abarcadas den- cais, como rafting, rapel, mergulho, asa del-
tro da definição de Turismo Rural (BRICALLI ta, canyoning entre outros. São esportes que
apud PORTO; SOUSA, 2011). visam ao desafio de superar os limites físicos
Em um levantamento realizado em 2009 e conviver com situações arriscadas. A Figura
pelo Ministério do Turismo, verificou-se que 11 destaca atividade de aventura realizada no
as viagens ou visitas ao campo ocuparam o rio Juquiá, em Juquitiba, localizada a 74 km de
segundo lugar entre os hábitos dos turistas São Paulo. A cidade é uma boa opção para a prá-
brasileiros (MTUR, 2009). Nota-se que, embora tica de esportes de aventura e para o contato
o percentual seja expressivo, está abaixo dos com a natureza.
destinos preferenciais, que são os destinos lito- Muitas vezes utiliza-se da natureza para
râneos (Tabela 4). desenvolver essa modalidade e também traba-
lhar a conscientização ambiental (BENI, 2001).
Destino Percentual de preferência Para o Ministério do Turismo, o turismo de
Praia 64,9%
aventura compreende “os movimentos turís-
ticos decorrentes da prática de atividades de
Campo 13,5% aventura de caráter recreativo e não competiti-
Tabela 4 I
Cidades Históricas 12,0%
vo” (MTUR, 2008: p. 14).
Preferências nos
hábitos de consumo
As atividades desenvolvidas no turismo
Montanhas 8,1%
do turismo brasileiro.
de aventura encontram-se listadas na Tabela
Fonte: Adaptado de Outras respostas 1,5%
5. Quando envolvem algum risco, demandam
MTUR (2009). acompanhamento responsável e devidamente
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 469
Figura 11 I
Esporte de aventura no
rio Juquiá, em Juquitiba.
Foto: Sergio Luiz Jorge.
Fonte: Expressão Studio
(TUR.SP, 2019).
Atividades na terra
Bungee jump Atividade em que uma pessoa se desloca em queda livre, limitada pelo
amortecimento mediante a conexão a um elástico. O elástico é desenvolvido
especificamente para a atividade.
Cachoeirismo Descida em quedas d’água, seguindo ou não o curso d’água, utilizando téc-
nicas verticais.
Caminhada de longo curso Caminhada em ambientes naturais, que envolve pernoite. O pernoite pode
ser realizado em locais diversos, como acampamentos, pousadas, fazendas,
bivaques, entre outros. Também conhecida por trekking.
Cicloturismo Atividade de turismo que tem como elemento principal a realização de per-
cursos com o uso de bicicleta, que pode envolver pernoite.
Atividades na terra
Turismo fora-de-estrada Atividade de turismo que tem como elemento principal a realização de per-
em veículos 4x4 ou cursos em vias não convencionais com veículos automotores. O percurso
bugues pode incluir trechos em vias convencionais.
Atividades na água
Duck Descida de rios com corredeiras utilizando botes infláveis e remos, com
capacidade para até duas pessoas.
Kitesurfe Atividade que utiliza uma prancha fixada aos pés e uma pipa de tração com
estrutura inflável, possibilitando deslizar sobre a superfície da água e, ao
mesmo tempo, alçar voos executados sobre superfícies aquáticas, com ven-
tos fracos ou fortes.
Atividades no ar
Balonismo Atividade aérea feita em um balão de material não inflamável aquecido com
chamas de gás propano, que depende de um piloto.
Paraquedismo Salto em queda livre com o uso de para quedas aberto para aterrissagem,
normalmente a partir de um avião. Enquanto atividade de turismo de aventu-
Tabela 5 I ra, é praticado como salto duplo.
Atividades do Turismo
de Aventura. Voo livre Atividade com uso de uma estrutura rígida que é manobrada com o desloca-
(asa delta ou parapente) mento do peso do corpo do piloto ou por superfícies aerodinâmicas móveis
Fonte: Adaptado de
(asa delta), ou até por ausência de estrutura rígida como cabos e outros dis-
MTUR (2008). positivos (parapente).
(continuação)
reconhecido de profissionais dos esportes e/ expostas pelo Ministério do Turismo e que cor-
ou atividades de aventura, definidas como ati- respondam a outros serviços ecossistêmicos
vidades oferecidas comercialmente, usualmen- culturais de lazer e turismo; essas atividades
te adaptadas das atividades de aventura, que podem ser realizadas na terra, na água ou no ar.
tenham ao mesmo tempo o caráter recreativo e Do ponto de vista do usuário destes ser-
envolvam riscos avaliados, controlados e assu- viços ecossistêmicos no Brasil, foram localiza-
midos (ABNT, 2007). das algumas características levantadas pelo
As atividades possíveis de serem desen- Ministério do Turismo em parceria com a Asso-
volvidas no âmbito do turismo de aventura são ciação Brasileira das Empresas de Ecoturismo
variadas. Na Tabela 5 são apresentadas aquelas e Turismo de Aventura (ABETA). De acordo com
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 471
Portaria MTur Estabelece regras e critérios para a formalização de instrumentos de transferência volun-
nº 39/2017 tária de recursos, para execução de projetos e atividades integrantes do Programa de
Turismo e respectivas Ações Orçamentárias.
Portaria MTur Estabelece normas para execução do estabelecido no Decreto nº 6.170/2007. Dispõe
nº 424/2016 sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante con-
vênios e contratos de repasse, revoga a Portaria Interministerial nº 507/MP/MF/
CGU/2011.
Portaria MTur Revoga os arts. 2º, 3º e 4º, bem como a Portaria nº 116/2015. Alteração: Portaria nº
nº 205/2015 268/2016 (dá nova redação ao Art. 3º); Portaria nº 192/2018 (estabelece novos crité-
rios para a atualização do Mapa do Turismo Brasileiro.
Portaria MTur Estabelece a categorização dos municípios pertencentes às regiões turísticas do Mapa
Legislação Turística
nº 144/2015 do Turismo Brasileiro. Alteração: Portaria nº 30/2018 (Altera os arts. 1º, 2º e 7º da Por-
taria MTur nº 144/2015).
Portaria MTur Portaria que define o Mapa do Turismo Brasileiro. Alterações: Portaria nº 205/2015
nº 313/313 (revoga os arts. 2º, 3º e 4º, bem como a Portaria nº 116/2015); Portaria nº 172/2016
(revoga o anexo da Portaria nº 313/2013).
Decreto nº Regulamenta a Lei do Turismo. Estabelece, entre outros, normas, mecanismos e crité-
7.381/2010 rios para o bom funcionamento do Sistema Nacional de Cadastramento, Classifica-
ção e Fiscalização dos Prestadores de Serviços Turísticos (SINASTUR). Define tam-
bém as infrações e as penalidades administrativas para os meios de hospedagem,
agências de turismo, transportadoras, organizadoras de eventos, parques temáticos
e acampamentos turísticos.
Constituição Capítulo VI – Do Meio Ambiente (Art. 225). Define como incumbência do poder públi-
Federal co em garantir a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de 1988 de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se tam-
Legislação
Ambiental
Lei nº Responsabilidade por atividades lesivas ao meio ambiente. Dispõe sobre as san-
9.605/ 1998 ções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente.
Lei Estadual nº Institui a Política Estadual de Educação Ambiental. Apresenta seus objetivos, diretri-
12.780/2007 zes e uma proposta programática de promoção da educação ambiental em todos os
Tabela 6 I setores da sociedade.
Legislação
relacionada com o Decreto nº Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas. Apresenta princípios, diretri-
desenvolvimento de 5.758/2006 zes e objetivos para a gestão ambiental do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação.
atividades turísticas
(continuação) Lei nº Novo Código Florestal. Apresenta novos entendimentos sobre áreas consolidadas em
Fonte: Elaboração 12.651/2012 propriedades rurais, as quais podem ter destinação turística, por exemplo.
própria
Na próxima seção será analisada a impor- em 2018 (IBGE, 2019). Detém, ainda, enorme
tância que o turismo sustentável pode assu- biodiversidade existente na Mata Atlântica,
mir diante da necessidade de conservação dos constituindo-se como importante fornecedor de
ecossistemas e seus serviços, comunidades e serviços ecossistêmicos que garantem o bem-
culturas existentes no Cinturão Verde. -estar de 12% da população brasileira, confor-
me destacado nesta publicação.
ambiente, como bem de uso comum e essencial para o ecoturismo, o turismo rural e o turis-
à sadia qualidade de vida, conforme definido mo de aventura. Os três são manifestações
pela Constituição Federal, em seu artigo 225 de turismo sustentável, dependentes de con-
(BRASIL, 1988). dições específicas, como a existência e a con-
Nesta perspectiva, os ecossistemas urba- servação de ecossistemas naturais, de modos
nos e periurbanos do Cinturão Verde, deten- de vida diversos daqueles predominantes em
tores de expressiva biodiversidade e beleza, grandes cidades e de modelos de desenvol-
fornecem à sua população áreas para lazer e vimentos orientados para a justiça social, o
turismo (serviços ecossistêmicos) que são fon- equilíbrio ecológico e a viabilidade econômi-
tes de sobrevivência aos residentes, descanso ca. Daí a importância dessa reserva da bios-
e saúde àqueles que visitam e de educação a fera para o turismo sustentável e, reciproca-
ambos (elementos do bem-estar humano). Este mente, a importância potencial do turismo
contexto é observado na Praia do Perequê, no sustentável para a efetividade da RBCV e para
Guarujá, onde os barcos pesqueiros enfeitam o desenvolvimento humano integral de suas
o horizonte da praia, com 2.200 m de compri- populações.
mento e com destaque para a gastronomia e o Portanto, se o turismo se desenvolve
comércio local de pescados (Figura 12). apoiado em perfis e motivações da demanda
Como já mencionado, as diferenças de assim como na oferta de recursos turísticos
perfil e de motivação dos visitantes e turis- existentes, sem dúvida que as orientações e
tas, bem como as características da oferta decisões políticas adotadas podem dar origem
turística, condicionam o(s) segmento(s) mais a decisões comprometidas com a qualidade
apropriado(s) para cada região ou local. ambiental das localidades.
Considerando as características geográ- Conforme os dados do levantamento sobre
ficas, históricas, culturais e a biodiversidade os hábitos de consumo do turismo brasileiro
das regiões, municípios e áreas protegidas da (apresentados nas Tabelas 2 e 4), é possível
RBCV, é possível vislumbrar que há potencial identificar que os deslocamentos domésticos
Figura 12 I
Praia do Perequê,
Guarujá.
Foto: Miguel Schincariol.
Fonte: FC&CP-SP (2019).
474 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 13 I
Número de UC
(federal, estadual
e municipal) nos
municípios da
RBCV, em 2019.
Fonte: Elaboração
própria
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 475
Nome da Trilha
| Região Área Natural Atrativos Extensão Bioma Altitude
Turística (RT) | | Municípios | (ida e volta)
Altos de Paranapiacaba Piedade (C) A RT tem como atrativos montanhas, lagos, cachoei-
| Parcial | ras, trilhas na Serra de Paranapiacaba, em tupi-gua-
rani “montanha que detém o mar”.
Caminhos da Mata Itariri (D) O roteiro inclui percursos em trechos de floresta nati-
Tabela 8 I Atlântica va, em atividades que envolvem esporte, lazer e inte-
Regiões Turísticas | Parcial | gração com a natureza.
do Mapa do Turismo
Brasileiro 2017-2019 Capital São Paulo (A) Abrange atrativos naturais significativos, em espe-
no território da | Integral | cial no extremo norte e sul da cidade, bem como atra-
RBCV e municípios tivos culturais, religiosos, manifestações culturais,
abrangidos. eventos tradicionais, equipamentos de lazer.
Fonte: Elaboração
própria. Com base Circuito das Frutas Atibaia (B) | Jarinu (C) Estes municípios têm a fruticultura como atividade
em MTUR (2017b; | Parcial | Jundiaí (B) principal. O visitante também encontra as tradições
2019c). culinárias.
(continua...)
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 477
Entre Serras e Águas Bom Jesus dos Perdões (D) Região da Serra da Mantiqueira, onde se localizam
| Parcial | Bragança Paulista (C) represas do Complexo Cantareira.
Joanópolis (C) | Mairiporã
(C) | Piracaia (D)
Histórias & Aventuras Mairinque (D) A RT tem o objetivo de promover o turismo rural, a
| Parcial | Votorantim (D) partir de suas dimensões históricas, culturais e
naturais.
Mananciais, Cotia (C) | Embu das Artes Um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica e
Aventura e Arte (C) | Embu-Guaçu (D) uma das principais regiões produtoras de água do
| Integral | Ibiúna (C) | Itapecerica da estado.
Serra (C) | Juquitiba (D)
São Lourenço da Serra (D)
Taboão da Serra (D)
Vargem Grande Paulista (D)
Mantiqueira Paulista São José dos Campos (B) O circuito apresenta um dos mais deslumbrantes
| Parcial | cenários do Brasil. O distrito de São Francisco Xavier,
em São José dos Campos, está localizado entre as
montanhas da Serra da Mantiqueira. A cidade pre-
serva a cultura local, influenciada pela história dos
bandeirantes e dos tropeiros.
Nascentes do Tietê Arujá (C) | Biritiba Mirim Também conhecido como Circuito do Alto Tietê.
| Integral | (D) | Guararema (C) Engloba áreas de proteção ambiental e mananciais
Guarulhos (B) na região do Alto Tietê.
Itaquaquecetuba (C) | Mogi
das Cruzes (B) | Poá (D)
Salesópolis (D) | Santa
Isabel (D) | Suzano (C)
Negócios e Cultura Barueri (C) | Caieiras (D) Destaca atrativos turísticos locais, sobretudo vincu-
| Integral | Cajamar (D) | Carapicuíba lados ao turismo de negócios, gastronomia, cultura
(D) | Francisco Morato (D) local, histórico e religioso.
Itapevi (C) | Jandira (D)
Osasco (B)
Rios do Vale Jacareí (C) | Jambeiro (E) Composta por municípios do Vale do Paraíba e da
| Parcial | Natividade da Serra (D) Serra do Mar. A região se destaca por atrativos histó-
Paraibuna | (D) | Redenção ricos, de aventura, ecoturismo, gastronomia, pesca,
da Serra (D) | Santa eventos. Tabela 8 I
Branca (D) Regiões Turísticas
do Mapa do Turismo
Roteiro dos Araçariguama (D) Região percorrida por bandeirantes, abrangendo Brasileiro 2017-2019
Bandeirantes Cabreúva (D) aspectos históricos, ambientais e gastronômicos. no território da RBCV e
| Parcial | Pirapora do Bom Jesus (E) municípios abrangidos.
Santana de Parnaíba (D) | Fonte: Elaboração
São Roque (C) própria. Com base em
MTUR (2017b; 2019c).
478 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 14 I
Categorização dos
municípios da RBCV
inseridos no Mapa
do Turismo Brasileiro
2017-2019.
Fonte: Elaboração
própria. Com base
em MTUR (2017b;
2019c).
Figura 15 I
Represa de
Redenção da Serra
- Circuito Cultura
Caipira e Rota da
Liberdade.
Foto: Juliana Branco.
Fonte: FC&CP-SP
(2019).
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 479
Iniciativa
Municípios da RBCV Descrição
| Inserção na RBCV |
Circuito Turístico Alumínio; Cotia; Ibiúna; Área de influência da APA Itupararanga, e oferece
Itupararanga Mairinque; Piedade; diversas opções de lazer e esportes junto à natureza,
| Integral | São Roque; Votorantim além de ecoturismo, turismo rural e de aventura.
Rota e Festivais do Bertioga; Mogi das A Rota do Cambuci promove diversidade de cachaças,
Cambuci Cruzes; Paraibuna; geléias, salgados, sorvetes, cervejas entre outras
| Parcial | Piedade; Ribeirão criações naturais que têm como base este fruto nativo
Pires; Rio Grande da Mata Atlântica.
da Serra; Salesópolis; Tabela 9 I
Santo André- Iniciativas estaduais
Paranapiacaba; de promoção do
São Lourenço da Serra; turismo no território
São Paulo da RBCV e municípios
abrangidos.
Rota da Liberdade Redenção da Serra O circuito mapeia os passos dos negros africanos. Fonte: Elaboração
| Parcial | Através do roteiro, são encontradas manifestações própria. Com base
de cultura negra na gastronomia, religiosidade, em Cidades Paulistas
música, dança folguedos, festas e brincadeiras. (2019); Instituto Auá
(2019).
Estância Turística Atibaia | Bertioga | Embu das Artes | Guarujá | Ibiúna | Itanhaém | Tabela 10 I
Joanópolis | Mongaguá | Peruíbe | Praia Grande | Ribeirão Pires | Municípios
Salesópolis | Santos | São Roque | designados como
Estância Turística e
Município de Cabreúva | Cubatão | Guararema | Igaratá | Itariri | Jacareí | como Município de
Interesse Turístico Jarinu | Jundiaí | Juquitiba | Mairiporã | Mogi das Cruzes | Interesse Turístico.
Nazaré Paulista | Paraibuna | Piedade | Piracaia | Pirapora do Bom Fonte: ALESP (2019);
Jesus | Santa Isabel | São Bernardo do Campo | Votorantim | São Paulo (2015;
2018b).
480 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 16 I
Regiões turísticas
dos municípios no
Mapa Brasileiro de
Turismo
2017-2019,
Municípios de
Interesse Turístico e
Estâncias Turísticas
no território da RBCV.
Fonte: Elaboração
própria Os dados e informações apresentados de preservação permanente; reservas legais;
apontam tanto a riqueza de serviços ecossistê- fragmentos de vegetação natural; UC federais,
micos culturais de turismo e lazer do território, estaduais e municipais) e, por outro, figuram
como demonstram o que se discutiu ao longo das os vetores diretos e indiretos de alteração,
seções anteriores: a RBCV possui inúmeras áre- como por exemplo, as ocupações desordena-
as protegidas e espaços naturais que marcam o das decorrentes, em grande parte, da irrespon-
encontro conflituoso de duas realidades decor- sabilidade e/ou omissão do Estado na gestão
rentes do mesmo modo de produção e mode- ambiental pública, nas três esferas de gover-
lo de desenvolvimento. Por um lado, existe a no; e na inexperiência democrática de nossa
necessidade de proteção de ecossistemas (áreas sociedade.
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 481
Figura 17 |
Trilha
Monumentos
Históricos Caminho
do Mar
(Bely C. C.
Pires, 2006).
Figura 18 |
Paredão de Lorena
(Bely C. C. Pires, 2006).
Figura 19 |
Trilha em campo de
altitude no Núcleo
Curucutu do PESM.
Fonte: Herivelton
Pereira Soares
(2020).
O Núcleo Curucutu do PE Serra do Mar trilha do Telégrafo, que corta a Serra do Mar,
situa-se entre São Paulo e Itanhaém e possui permitindo percorrer setores da Mata Atlânti-
37.518 hectares. Seus ambientes naturais lhe ca, como a mata de neblina e os raros campos
conferem papel fundamental na prestação de de altitude onde habita a coruja Murucututu
serviços ecossistêmicos, como os de regulação (Pulsatrix perspicillata), símbolo desta área pro-
(manutenção do clima, contenção de encos- tegida. Fornos de produção de carvão datados
tas); os de suporte (ciclagem de nutrientes, da primeira metade do século XX completam a
formação do solo); os de provisão (manutenção visitação para os cerca de 1.600 visitantes anu-
de mananciais que alimentam a represa Gua- ais que acessam o Núcleo. O Núcleo Curucutu
rapiranga, por exemplo). Os serviços culturais do PE Serra do Mar teve seu Plano de Manejo
proporcionados pela área estão voltados às aprovado em 2006. Portanto, uma nova etapa
atividades educacionais, científicas, ao eco- de organização do Uso Público foi estabelecida,
turismo e ao lazer, sendo este uma das princi- definindo o "Circuito dos Campos Nebulares"
pais atividades do Núcleo, contemplando, em como uma das áreas prioritárias de manejo. A
todas as suas funções: descanso, divertimento visitação pública vem ocorrendo com suporte
(recreação e entretenimento) e desenvolvimen- de um centro de visitantes, recepção adequa-
to (pessoal e social), permitindo a satisfação de da por parte da instituição e oferta de serviços
interesses artísticos, intelectuais, esportivos, de monitoria. Assim, este Núcleo exemplifica a
Quadro 3 | de práticas manuais e turísticos dos visitan- importância de áreas especialmente protegidas
Serviços culturais no
Núcleo Curucutu do
tes. Está equipado com um centro de visitantes no território da RBCV, como locais singulares na
Parque Estadual da e várias trilhas, dentre elas, a trilha do Miran- oferta de serviços ecossistêmicos voltados ao
Serra do Mar: te, onde se avista Itanhaém e Mongaguá e a ecoturismo e ao lazer.
o Lazer e o Turismo.
Figura 20 I
Áreas de expansão
da mancha urbana
nas periferias da
RMSP.
Fonte: Silva; Galvão
(2011).
484 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
(Figura 21), criado em São Bernardo do Campo, Embora a criação de UC seja uma das
pelo Decreto 63.324/2018, com 187 hectares. principais formas de proteção dos ecossiste-
Observa-se, em princípio, que se trata de mas da RBCV, sem a qual o cenário de dete-
resposta à dimensão ecológica da problemática rioração ambiental seria certamente mais
socioambiental. Tal postura não enfrenta dire- alarmante, o estudo citado também evidencia
tamente seus aspectos sociais e principalmente a dificuldade deste modelo de proteção no
econômicos e políticos, uma vez que pode-se que se refere à contenção do vetor de altera-
atribuir parcela significativa de tais ocupações ção representado pelo uso e ocupação inade-
nas “bordas” das cidades às dinâmicas socioes- quados do solo. Entre outras consequências,
paciais pautadas pela apropriação privada de mudanças no padrão de ocupação do espaço
espaços urbanos sob a lógica do capital. geram desmatamento da RMSP, que está inte-
Como essas dinâmicas não são enfrentadas gralmente inserida na área da RBCV. Se por
exclusivamente com a criação de UC, um efeito um lado de fato houve um progresso na cria-
decorrente da implantação de UC em áreas nas ção de UC no período de 1986 a 2008, pas-
quais proliferam habitações precárias e irre- sando de 16,60% para 25,20% do território
gulares é uma gama considerável de conflitos da RMSP, houve também um crescimento con-
socioambientais. Além disso, ainda que estas siderável da mancha urbana para o mesmo
unidades tenham um papel importante na con- período, passando de 18,30% em 1986 para
servação de recursos naturais, por outro lado 21,90% em 2008 (SILVA; GALVÃO, 2011).
essas áreas enfrentam uma série de problemas A pior parte desta informação é que o
relacionados à sua implantação e gestão que aumento da mancha urbana se deu também den-
podem, inclusive, fragilizar a sua eficácia. tro das UC, em um incremento de 119,60%. A
Os principais problemas relativos às UC perda de vegetação com a expansão urbana cor-
se referem à deficiência de recursos humanos e responde a 113,10 km2, para o período de 1986
materiais, à dificuldade de fiscalização, à ausên- a 2008, o que significa perda de ecossistemas e
cia ou obsolescência dos planos de manejo des- seus serviços, inclusive nas UC de proteção inte-
sas unidades e a problemas fundiários. Observa- gral que, todavia, apesar de comportarem algum
-se que sete das doze categorias de UC existentes grau de expansão urbana em seu interior apre-
no SNUC (BRASIL, 2000) pressupõem a posse e sentaram, segundo o estudo, maior efetividade
o domínio público de suas terras, o que implica na conservação dos recursos naturais.
na desapropriação de áreas particulares inseri- Se por um lado esses dados relativos à
das em seus limites, conforme determina a lei expansão da mancha urbana são preocupantes,
(SILVA; GALVÃO, 2011). por outro ângulo, as áreas protegidas e o cenário
Figura 21 I
Parque Estadual
Águas da Billings,
São Bernardo do
Campo.
Fonte: Elaine
Aparecida Rodrigues.
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 485
conflituoso constituem o principal recurso que o turismo sustentável pode configurar-se, tam-
serve de base para a proposta educativa, com bém, como fator de desenvolvimento local, pro-
perspectiva crítica, à qual o turismo enquanto movendo elementos de bem-estar humano.
fenômeno social deve contribuir. Na Figura 22 Outros vetores de alteração que podem
é ilustrada a perda de vegetação em áreas peri- impactar seriamente a oferta de serviços ecos-
féricas da RMSP. sistêmicos culturais de lazer e turismo na RBCV
Ao passo que se torna um recurso peda- são apresentados na Figura 24, que traz uma
gógico, integrando serviços ecossistêmicos cul- reflexão sobre o próprio turismo como vetor de
turais da RBCV à educação, ao lazer e à cultura, alteração.
Figura 22 I
Áreas com perda de
vegetação na RMSP.
Fonte: Silva; Galvão
(2011).
486 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 23 |
Bairro Cabuçu,
Guarulhos.
Fonte: Rodrigo
Machado (2007).
Intensidade do
Vetor de alteração do serviço Categoria Descrição dos impactos ambientais vetor e
ecossistêmico do vetor tendência futura
Econômico
Fomento à industrialização,
à infraestrutura portuária, à Perda de atrativos naturais importantes
mineração e à produção Indireto para o ecoturismo, o turismo de aventura e
agrícola e pecuária de larga descaracterização do turismo rural
escala como estratégia de
desenvolvimento econômico
Implantação de infraestrutura e
Econômico equipamentos turísticos destinados a grande
Incentivo ao turismo de massa Indireto número de turistas, levando à deterioração/
descaracterização de atrativos naturais
Direto
Instalação de equipamentos turísticos de diversos portes,
Havendo desterrioralização de comunidades rur
Oportunidades para poder que habitam o território da RBCV (migração, êx
indivíduo portuária
valora fazer e sere suas respectivas do turismo rural
Oportunidades para poder habitam o território da RBCV (migração, êxodo, perda sustentável possibilitem fortemente que as com
conquistar o que um de autogestão
reduzem-se individual e para
as oportunidades escolher locais definam o modo de uso, há uma tendênc
estruturas urbanas
coletiva, livre
entre autoconhecimento de qualquer
e autoafirmação e submissão às desta autonomia num cenário de perda de terr
tipo de
lógicas de apropriação dodependência ou
espaço e do território pautadas outros tipos de uso e ocupação decorrentes do a
subordinação
por interessesentre pessoas
O estabelecimento
as áreas destinadas à práticade chácaras de recreio,
mercantis. mancha urbana.
ou diferentes grupos
litoral e em áreas
urbana.anteriormente rurais, leva à
Impacto dos vetores
principais vetores de urbanas
dependência ou outros tipos de uso e ocupação decorrentes do aumento
alteração ambiental
ou diferentes grupos
na RBCV, que
impactam o turismo
Legenda: Tendência atual dos impactos
sustentável. ?
Impacto dos vetores no último século
Fonte: Elaboração
própria. Baixo Moderado Alto Muito alto
3 | CONTRIBUIÇÕES DO
SERVIÇO ECOSSISTÊMICO
Assim serão focados estes dois conjuntos
CULTURAL DE LAZER E
de funções, finalidades e significados: lazer
e turismo como espaço/tempo de descanso e
HUMANO
ço/tempo de educação em perspectiva crítica.
Ambas se identificam com atributos da ideia de
bem-estar humano estabelecida pela Avaliação
Conforme indicado no início deste capí- Ecossistêmica do Milênio (MILLENNIUM...,
tulo, esta seção visa estabelecer algumas rela- 2003) - saúde individual, boas relações sociais
ções entre os serviços culturais abordados e e liberdade de escolha e ação.
o bem-estar humano. Uma das relações mais O bem-estar humano é composto por
fortes é o lazer e o turismo como promotores determinados atributos, tais como necessida-
de encontros de pessoas de grandes centros des materiais básicas: alimento e abrigo, saúde
urbanos, caóticos e mal cuidados do ponto de individual, segurança, boas relações sociais e
vista socioambiental, com áreas protegidas e liberdade de escolha e ação (MILLENNIUM...,
suas localidades, incluindo seus habitantes. 2003; MILLENNIUM... 2005). Diante de com-
Tais encontros assumem diferentes funções ponentes apontados da forma sugerida, faz-se
e significados, desde válvula de escape de um necessária a ressalva que o significado ou mes-
cotidiano estressante nos finais de semana, mo os sentidos de cada atributo assumem dife-
até a possibilidade de deslocamentos de com- renças de acordo com cada comunidade, grupo
preensão sobre as relações entre sociedade e social, etc. Como decorrência desta ressalva,
natureza, como mostra a Figura 24, que retra- cabe observar que o direito de se viver bem
ta a nascente do Tietê, em Salesópolis, princi- não deve ter uma natureza dada, mas sim cria-
pal atração turística da cidade, destacando a da, construída, conquistada, de modo que todo
importância da preservação da natureza e dos indivíduo e consequentemente toda comunida-
recursos hídricos e premência pela reflexão de tem potencial para desenvolver seus ideais
crítica sobre o modelo de desenvolvimento de bem-estar humano, assim como produzir os
atualmente hegemônico. meios para alcançá-lo.
Figura 24 I
Nascente do Tietê,
Salesópolis.
Foto: Sergio Luiz Jorge.
Fonte: Expressão Studio
TUR.SP ( 2019).
490 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 25 I
Canoagem ecológica,
São Vicente.
Foto: Elias Gomes.
Fonte: Expressão
Studio TUR.SP (2019).
No que se refere à importância do serviço do ser humano para uma atração pelas formas
ecossistêmico tratado neste capítulo para a saú- de vida na natureza (KELLERT; WILSON, 1993
de mental, um exemplo interessante é apontado apud ALHO, 2012). A biofilia é definida como a
em estudo que analisou os padrões cerebrais conexão que o ser humano, inconscientemente,
(frustração, atenção dirigida, excitação e calma procura manter com a natureza íntegra, com as
mental ou estado meditativo) de 12 jovens estu- plantas e os animais. A biofilia implica, portan-
dantes saudáveis em diferentes locais (bairros to, na afiliação natural de pessoas pelas coisas
históricos, bairros comerciais e bairros com vivas da natureza, ao contrário da fobia, que
características de parques). O resultado mos- se refere a aversão sentida diante da poluição,
trou que em áreas predominantemente verdes do amontoado de lixo, do mau cheiro no ar, da
os padrões cerebrais apresentavam estados mortandade de peixes por contaminação de
meditativos, ao contrário das áreas comerciais rios, dos desmatamentos criminosos, dos aglo-
onde os padrões cerebrais correspondiam a merados humanos marginalizados, mal nutri-
estados de excitação (REYNOLDS, 2013). dos e doentes (ALHO, 2012).
Destas conclusões pode-se inferir que Nesse contexto, o turismo sustentável, ao
as áreas verdes, inclusive aquelas integradas promover a conservação dos ecossistemas e
às grandes cidades, beneficiam – individual respectivos territórios geográficos, históricos
e coletivamente – a saúde da população que e culturais, proporciona o contato direto com
tem acesso aos parques e outros espaços o meio natural conservado no interior das
similares. Tais benefícios tendem a ser maio- UC e no entorno delas, ou seja, proporciona o
res à medida em que se afasta de grandes acesso aos serviços ecossistêmicos tratados
áreas urbanizadas e carentes de vegetação e neste capítulo.
se aproxima de áreas com abundância de ele- Ao incentivar a visitação pública aos
mentos naturais. ecossistemas protegidos como UC, valorizan-
A defesa da biodiversidade apresenta-se do modelos alternativos de desenvolvimento
como uma característica intrínseca às pessoas, local, auto-organizado e solidário, o turismo
pela aplicação do princípio da biofilia, que pos- sustentável pode sensibilizar visitantes e, ain-
tula a existência de uma orientação psicológica da, convidá-los à reflexão, mobilizando-os para
492 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 26 I
Trilha do Bugio,
Centro de Aventura
Rio Abaixo, Juquitiba.
Foto: Sergio
Luiz Jorge.
Fonte: Expressão
Studio TUR.SP (2019).
LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 493
vários sentidos: culturais, históricos, ecológi- a atividade turística serve ao local, enquanto
cos, educadores, afetivos, etc., sendo esta sua território e como comunidade?
principal finalidade. Ao se afastar destas características,
Para se construir territórios sustentáveis o turismo tende a assumir sua força de
que promovam o bem-estar humano de suas reproduzir um modelo de desenvolvimen-
comunidades, é necessário atenção para que to predatório. Diante de tais considerações,
suas dinâmicas sociais, políticas e de infra- pode-se supor que, para haver proposição
estruturas não estejam somente vinculadas à de desenvolver o turismo sustentável em
venda de serviços e produtos relacionados ao determinada localidade, é necessário que tal
turismo. É preciso que os territórios expres- processo seja tomado pela preocupação de
sem a vida das comunidades em suas relações, promover a autoafirmação das identidades
culturas, histórias, modos de habitar, religio- locais a partir do já mencionado processo de
sidades, formas de organização política que, auto-organização.
por vezes, têm nos ecossistemas a base de suas Estas discussões são ilustradas pela Figu-
características peculiares, como detalhada- ra 27, que mostra uma peculiaridade da tradi-
mente analisado no capítulo Serviços culturais cional cozinha caiçara a base de frutos do mar,
folclorísticos: a dimensão do folclore caipira. na praia de Itaguare, em Bertioga.
Se determinada comunidade irá optar Os impactos e tendências nas relações entre
pelo turismo sustentável como oportunidade os serviços culturais de lazer e turismo e o bem-
ou fator de desenvolvimento local, cabe à pró- -estar humano, considerando os vetores de alte-
pria comunidade decidir. Para tanto, importa ração ambiental (Quadro 5) são sintetizados na
observar algumas características que devem Quadro 6. Ainda que o turismo sustentável e
assumir as propostas que visam fomentar a suas manifestações potencializem impactos posi-
atividade turística em territórios como o da tivos no bem-estar humano, (conforme intensi-
RBCV: o turismo organizado com as comunida- dade das cores), os vetores de alteração ambien-
des; a natureza de complementação de renda; tal (representados pelas setas) podem diminuir a
a compreensão de ser uma atividade que pro- tendência da continuidade desses impactos posi-
porciona situações de natureza educadora; a tivos, em função da fragilização dos ecossistemas
busca recorrente ao questionamento: em que e perda de territórios de comunidades rurais.
Figura 27 I
Rota das Ostras,
Bertioga.
Foto: Elias Gomes.
Fonte: Expressão
Studio TUR.SP (2019).
494 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Saúde
Segurança
Oportunidades para
Havendo desterrioralização de comunidades rurais e outras
Avaliação
de perda dedo impacto
Autonomia: possibilidade
Autonomia:
possibilitem fortemente
de autogestão individual e locais definam o modo de uso, há uma tendência de queda
CONCLUSÕES
longoOs de décadas,
dados, vêm reflexões
indicadores, consumindo e degra-
e discussões desenvolvidos
dando territórios
demonstram inteiros.
que, por um lado, são evidentes os serviços ecossistêmicos da
RBCV para Tais movimentos
o lazer e o turismo, evoluem
na forma deeinúmeras
ganham for-
possibilidades de
Os dados, indicadores, reflexões e discus- acesso
ça na esteira de posturas sociais e políticas que
e contato com paisagens, monumentos naturais, ecossistemas
sões desenvolvidos demonstram que, por um conservados,
comprometem a qualidade
manifestações culturais,ambiental
folclorísticaseea toda
qualida-
uma gama de
lado, são evidentes os serviços ecossistêmicos bens deambientais,
de vida, aelementos
reduçãonaturais
de desigualdades, a inclusãoreflexões
e situações que possibilitam
com perspectiva crítica educadora, atreladas a momentos de lazer.
496 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
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LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 501
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LAZER E TURISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ECOTURISMO, TURISMO RURAL E TURISMO DE AVENTURA 503
GLOSSÁRIO
A N
Área de Proteção Ambiental | Categoria de UC Núcleo emissor | O mesmo que emissor ou
de uso sustentável estabelecida pelo SNUC, defi- emissivo.
nida como área em geral extensa, com certo grau
Núcleo receptor | O mesmo que receptor ou
de ocupação humana, dotada de características
receptivo.
físicas e de seres vivos, além de atributos estéti-
P
cos ou culturais, especialmente importantes para
a qualidade de vida e o bem-estar das populações
humanas. Tem como objetivo proteger a diversida- Patrimônio cultural | Segundo a UNESCO é
de biológica, disciplinar o processo de ocupação e composto por monumentos, grupos de edifícios
assegurar a sustentabilidade dos recursos naturais. ou sítios que tenham um excepcional e universal
valor histórico, estético, arqueológico, científico,
Atividade antrópica | Ação do ser humano etnológico ou antropológico.
sobre o meio.
Atrativo turístico | Todo lugar, objeto ou acon- R
tecimento de interesse turístico que motiva o des- Receptor, receptivo | Região de destino de visi-
locamento de grupos humanos para conhecê-los. tantes e turistas.
B S
Biofilia | A biofilia é definida como a conexão que Sociobiodiversidade | Conceito que expressa
o ser humano, inconscientemente, procura man- a inter-relação entre a diversidade biológica e a
ter com a natureza íntegra, com as plantas e os diversidade de sistemas socioculturais.
animais.
T
Bivaque | Acampamento provisório, rudimentar, Turista | Segundo a OMT, é toda pessoa sem dis-
para passar a noite na natureza, sobre uma tenda tinção de raça, sexo, língua e religião que ingres-
de campismo ou ao ar livre num saco de dormir. se no território de uma localidade diversa daquela
D
em que tem residência habitual e nele permaneça
pelo prazo mínimo de 24 horas e máximo de seis
meses, no transcorrer de um período de 12 meses,
Deslocamento doméstico | Viagens e excur-
com finalidade de turismo, recreio, esporte, saúde,
sões internas às fronteiras de um país. motivos familiares, estudos, peregrinações religio-
sas ou negócios, mas sem proposta de imigração.
E
U
Emissor, emissivo | Região de origem dos visi-
tantes e turistas. Unidade de conservação | Segundo o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), é
G um espaço territorial e seus recursos ambientais,
incluindo as águas jurisdicionais, com característi-
Gentrificação | O conceito refere-se a processos cas naturais relevantes, legalmente instituído pelo
de mudanças das paisagens urbanas, aos usos Poder Público, com objetivos de conservação e
e significados de zonas antigas /ou populares da limites definidos, sob regime especial de adminis-
cidade que apresentam sinais de degradação físi- tração, ao qual se aplicam garantias adequadas
ca, passando a atrair moradores de rendas mais de proteção.
elevadas. Devido a aspectos como arquitetura das
Unidade de produção familiar | Onde há pre-
construções, diversidade dos modos de vida, infra-
dominância de mão de obra familiar como estra-
estrutura, equipamentos culturais e históricos,
tégia, mesmo quando há trabalho contratado.
localização, baixo custo em relação a outros bair-
V
ros, os “gentrificadores” (gentrifiers) se mudam
gradualmente para tais locais, passando a deman-
dar e consumir outros tipos de estabelecimentos Visitante | São as pessoas que se deslocam
e serviços inéditos (ENCICLOPÉDIA DE ANTROPO- para um lugar diferente de onde moram. O tempo
LOGIA, 2019). de permanência deve ser inferior a 12 meses.
504 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
PARTE 4
DIAGNÓSTICO DOS SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS DE SUPORTE
Coordenadora
Natália Macedo Ivanauskas | IF/SIMA
Autores
Natália Macedo Ivanauskas | IF/SIMA
Alexsander Zamorano Antunes | IF/SIMA
Sonia Aragaki | IBt/SIMA
Kátia Mazzei | IBt/SIMA
Fausto Pires de Campos | IF/SIMA
Vinícius Leonardo Biffi |EBSA
506 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
............................................................................................................... 509
Resumo ....
1 | Introdução...................................................................................................... 510
Conclusões........................................................................................................... 530
Referências........................................................................................................... 531
Glossário.............................................................................................................. 538
508 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
QUADRO
Quadro 1 Frugívoros generalistas dispersam sementes de plantas exóticas invasoras
TABELAS
SIGLAS
CBD Convention on Biological Divertity
CDB Convenção sobre Diversidade Biológica
CH4 Metano
CO2 Dióxido de Carbono
e.g. exemplo geral
ha hectare
IUCN International Union for Conservation of Nature
MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
N2O Óxido nitroso
PEFI Parque Estadual das Fontes do Ipiranga
RBCV Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo
spp Várias espécies de determinado gênero, referente à classificação internacional de espécies
UC Unidades de Conservação
UN United Nations – Organização das Nações Unidas
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 509
RESUMO
1 | INTRODUÇÃO 2 | DISTRIBUIÇÃO DA
DIVERSIDADE BIOLÓGICA
NA RBCV
O termo “diversidade biológica” pode ser consi-
derado como a variabilidade de organismos
vivos de todas as origens, compreendendo, den-
A distribuição da diversidade biológica
presente na RBCV pode ser inferida por meio da
tre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos descrição das principais formações vegetais pre-
e outros ecossistemas aquáticos e os complexos sentes em sua área de domínio e na composição
ecológicos de que fazem parte; compreendendo de sua flora e fauna.
ainda a diversidade dentro de espécies (diversida- Denomina-se “flora” as espécies que com-
de genética), entre espécies (diversidade taxonô- põem uma determinada vegetação, assim como
mica ou de espécies) e de ecossistemas (diversida- “fauna” é o termo utilizado para as espécies ani-
de de ecossistemas) (UN-CBD, 1992: Art. 2). mais que habitam determinado local, lista esta
De acordo com Primack e Rodrigues obtida com maior dificuldade em função da
(2001), os três níveis de diversidade biológica mobilidade dos animais e de sua maior indepen-
são necessários para a sobrevivência contínua dência em relação ao meio onde vivem ou por
das espécies e das comunidades naturais e todos onde transitam, ocasional ou periodicamente
são importantes para a espécie humana. Assim, (RIZZINI, 1997).
a diversidade de espécies representa o alcance A palavra “biota” expressa a integração das
das adaptações evolucionárias e ecológicas das comunidades vegetais e animais, portanto os
espécies em determinado ambiente e fornece organismos vivos (bióticos) e inter-relacionados
recursos às pessoas, como aqueles usados na uns com os outros. Esta biota, quando presen-
alimentação, abrigo e medicamento. Já a diver- te em uma área determinada e interagindo com
sidade genética de plantas e animais é a base de o meio físico (abiótico), de modo que um fluxo
programas de melhoramento para a agropecu- de energia conduza a uma estrutura trófica e à
ária. Por fim, a resposta de populações e comu- ciclagem de materiais entre componentes vivos
nidades às condições ambientais, contribuindo e não vivos, define um “ecossistema” (ODUM;
para o funcionamento adequado de ecossiste- BARRET, 2007).
mas, resulta em benefícios tais como o controle Para se conhecer uma vegetação não basta
de enchentes, proteção do solo contra a erosão e conhecer a flora local, mas também é necessário
filtragem do ar e da água. compreender as relações destas espécies de plan-
A diversidade biológica ocupa posição de tas quando agrupadas em comunidades (FELFILI;
destaque entre os serviços de suporte, definidos REZENDE, 2003). Assim, uma “formação vegetal”
como aqueles necessários para a produção dos pode ser definida como uma comunidade de plan-
outros serviços ecossistêmicos. Os serviços de tas presentes num determinado local que, apesar
suporte se diferenciam das demais categorias na de organizadas numa estrutura complexa, apre-
medida em que seus impactos sobre o homem sentam fisionomia homogênea (VELOSO, 1991).
são indiretos e/ou ocorrem no longo prazo Raramente uma região possui um único tipo de
(ANDRADE; ROMEIRO, 2009). vegetação, quase sempre existe interpenetração
Este Capítulo contém informações sobre de vários tipos numa distribuição em mosaico, em
a diversidade biológica presente na RBCV, com função de variações climáticas ou edáficas.
ênfase nas formações vegetais presentes, na flo- A alta diversidade biológica presente na
ra e na fauna. Também são comentados alguns RBCV e, portanto, sua contribuição para os demais
vetores de alteração do serviço de suporte e serviços ecossistêmicos, está relacionada à manu-
apresentados exemplos relacionados à contri- tenção de seus habitats, à eficiência nas interações
buição da biodiversidade para os demais servi- entre a fauna e a flora local e ao controle dos veto-
ços ecossistêmicos e o bem-estar humano. Lon- res de pressão que ameaçam esses ecossistemas.
ge de exaurir o assunto, espera-se promover e Também é necessário um programa eficiente de
ampliar o conhecimento sobre a importância da pesquisas de longo prazo, que permitam o moni-
conservação dos habitats naturais para a popu- toramento da biodiversidade e a adoção de estra-
lação metropolitana. tégias de conservação in situ e ex situ.
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 511
regionalista para a Savana presente em território bra- próxima da encosta, encontra-se uma floresta
sileiro e equivalente à existente na África e Ásia. O ter- alta, com árvores de 10-15m, instaladas sobre
mo “Savana” é aplicado globalmente a uma vegetação na
qual as árvores estão distantes entre si e com a presença os aluviões provenientes das serras ou em ter-
de um estrato herbáceo bastante desenvolvido. raços fluviais, reconhecidos pelo relevo plano e
512 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 1 |
Vegetação natural
presente na RBCV.
Fonte: Elaboração
própria.
Com base em
São Paulo (2005).
ligeiramente mais elevado do que os arredores, O solo é constituído por silte e argila fina, rica em
também conhecida como Floresta Alta de Res- matéria orgânica, fortemente influenciado pelas
tinga (EITEN, 1970). Os aluviões provenientes marés. As condições altamente seletivas dos
das serras gradualmente se juntam aos cordões manguezais resultaram no estabelecimento, em
arenosos depositados pelo mar, causando alte- toda a costa brasileira, de comunidades forma-
rações no porte da vegetação. A floresta passa das em grande parte por apenas três espécies de
então a ter porte cada vez mais baixo, denomi- árvores: o mangue-vermelho (Rhizophora man-
nada de Floresta Baixa de Restinga, até atingir a gle L.), o mangue-branco (Laguncularia racemosa
vegetação sobre dunas. C.F.Gaertn.) e o mangue-siriúba (Avicennia shaue-
Os manguezais estão presentes nos estu- riana Stapf & Leechm. ex Moldenke).
ários, que são corpos d’água costeiros que se Com relação a outros tipos vegetacionais,
encontram, permanente ou periodicamente, dado o grau de perturbação das florestas da
abertos ao mar e no qual existe variação da sali- região metropolitana, é difícil determinar preci-
nidade devido à mistura de água salgada com a samente qual a cobertura vegetal original à épo-
água doce proveniente dos rios do continente. ca do descobrimento, até onde se estenderiam
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 513
Contato Savana/
questões fitogeográficas referem-se em geral
Floresta Ombrófila Densa 9.727,55 Tabela 1 |
à presença ou não de campos naturais, assim
Área de cobertura
Mangue 8.996,61
como o relato histórico de populações naturais
de araucária, informados com maior detalhe em natural presente na
Floresta Estacional Semidecidual 1.690,89 RBCV.
Fonte: Elaboração
Catharino e Aragaki (2008).
Savana 124,32
própria. Com base
A Tabela 1 sintetiza a área dos tipos flores-
tais de ocorrência na RBCV. em São Paulo (2010).
Figura 2 |
Localização de
levantamentos
florísticos
realizados na RBCV.
Fonte: Elaboração
própria
variedades, que pertencem a 69 gêneros e 24 pequenas áreas que não chegam ser representa-
famílias (PRADO; LABIAK, 2009). dos nos mapeamentos das formações vegetais,
Esses dois estudos em florestas evidenciam devido às escalas adotadas. No Núcleo Curucutu
a alta riqueza de espécies na RBCV, pois em cada do Parque Estadual da Serra do Mar (GARCIA;
um deles foi amostrado mais de 1.000 espécies. PIRARNI, 2005), foram registradas 222 espé-
Se considerarmos o tamanho dessas unidades cies de campo e 373 de matas de altitude. Desta-
de conservação (500 e 300 ha), essa informação caram-se Poaceae com 56 espécies, Orchidaceae
torna-se mais relevante ainda. com 45, Asteraceae com 43 e Myrtaceae com 32
Como exemplos em outras formações, pode- espécies. Neste ambiente peculiar (umidade relati-
mos citar o trabalho realizado por Garcia e Pira- va alta, temperatura baixa e solos rasos ou pou-
ni (2005) nos campos naturais. Estes ocupam co profundos), na somatória temos 595 espécies.
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 515
Em outro ambiente restritivo (solo mais listas vermelhas, embora os planos de mane-
arenoso e influência da salinidade do mar), Mar- jo realizados em unidades de conservação de
tins et al., (2008) realizaram um levantamento proteção integral na região tenham contribu-
florístico em comunidades vegetais de Restinga ído muito para o avanço desse conhecimento.
em Bertioga (Itaguaré, São Lourenço e Guara- Os trabalhos de Barros et al., (2002), Catharino
tuba). Foram registradas 33 espécies de Praia e (2006), Franco et al., (2007) e Catharino e Ara-
Duna, 101 para Escrube, 301 para Floresta Alta gaki (2008) também fazem menção direta a
de Restinga, 434 para Floresta Alta de Restinga espécies ameaçadas, demonstrando que há um
Úmida e 45 espécies para Vegetação entre Cor- grande número de espécies na região metropoli-
dões. Os autores utilizaram as fitofisionomias tana com algum risco de extinção.
citadas na Resolução CONAMA 7/96 (CONAMA, Nos estudos florísticos que incluem ervas,
1996) para a definição dos vários ambientes lianas e epífitas, sempre há menção de espécies
encontrados na restinga. No total foram regis- ameaçadas de extinção (vide BARROS et al.,
tradas 611 espécies, representando 351 gêneros 2002; KIRIZAWA et al., 2009). Até mesmo em
e distribuídos em 106 famílias. Orchidaceae com fragmentos pequenos, como o Parque Santo Dias
47 espécies foi a família mais rica, seguida de (situado no município de São Paulo e com cerca
Myrtaceae com 39, Bromeliaceae com 36, Rubia- de 10ha), é possível encontrar espécie endêmica
ceae com 34 e Fabaceae com 32 espécies. Entre como a palmeirinha-prateada Lytocaryum hoeh-
as espécies ameaçadas de extinção (MAMEDE et nei (Burret) Toledo e considerada “quase amea-
al., 2007), têm-se Croton sphaerogynus, Billber- çada” (GARCIA; PIRANI, 2001).
Figura 3 |
Nível de
conhecimento da
fauna na RBCV.
Fonte: Elaboração
própria
que contemplam determinados setores da RBCV UMETSU, 2006; RIBEIRO et al., 2006; MAGA-
(ex. CARVALHO, 1979-1980; HEYER et al., 1990; LHÃES; VASCONCELLOS, 2007; MENEZES et
MORELLATO, 1992; BERTOLUCI; HEYER, 1995; al., 2007; PAPAVERO; TEIXEIRA, 2007; PIMEN-
OLMOS; SILVA E SILVA, 2003; 2007; WILLIS; TA et al., 2007; SERRA; CARVALHO; LANGEA-
ONIKI, 2003; RIBEIRO; EGITO; HADDAD, NI, 2007; MALAGOLI; BAJESTEIRO; WHATELY,
2005; AURICHIO; AURICHIO, 2006; DEVELEY; 2008; ARAÚJO et al., 2009; MARQUES et al.,
MARTENSEN, 2006; DIXO; VERDADE, 2006; 2009; LOPES; KIRIZAWA; MELO, 2009; CAVAR-
NEGRÃO; VALLADARES-PÁDUA, 2006; PARDINI; ZERE; MORAES; SILVEIRA, 2010; LIMA, 2010;
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 517
DONATELLI; FERREIRA; COSTA, 2011; MARCE- aos grupos continentais. A localidade melhor
NIUK; HILSDORF; LANGEANI, 2011; MORINI; conhecida é o Parque Estadual Marinho da Laje
MIRANDA, 2012; VASCONCELLOS-NETO; POLLI; de Santos, principalmente com relação aos pei-
PENTEADO-DIAS, 2012; ABREU-SANTOS et al., xes e aves marinhas (CAMPOS; CAMPOS; FARIA,
2014; CAVARZERE et al., 2014; TREVINE et al., 2007; LUIZ Jr et al., 2008).
2014; GARBINO, 2016; YOSHIDA et al., 2016; DA As espécies de vertebrados continentais
SILVA et al., 2017; TONETTI et al., 2017). ameaçados encontrados na área da RBCV repre-
Além disso, começaram a ser disponibili- sentam 43% do total de espécies de vertebrados
zadas as informações obtidas com a realização ameaçados no estado de São Paulo. A situação
dos Planos de Manejo das Unidades de Conser- mais preocupante é a das espécies endêmicas à
vação de Proteção Integral da RBCV. Os Par- RBCV, pois 32% delas são consideradas ameaça-
ques Estaduais da Serra do Mar e da Cantareira das. Embora as medidas de conservação devam
foram os primeiros a terem seus planos conclu- priorizar essas espécies, infelizmente para pelo
ídos e aprovados no CONSEMA, respectivamen- menos duas delas parece ser tarde demais, pois
te em 2006 e 2009. A metodologia adotada nes- já são consideradas extintas: a perereca-gladia-
ses planos foi a Avaliação Ecológica Rápida, um dora-de-sino Boana cymbalum, da localidade de
levantamento expedito em que os pesquisado- Campo Grande da Serra - Santo André; e a perere-
res participantes da avaliação da biodiversida- ca-verde-de-riacho-de-Paranapiacaba Phrynome-
de definem os sítios amostrais para a coleta de dusa fimbriata, conhecida somente por um único
dados, priorizando as áreas sem conhecimento exemplar coletado no Alto da Serra de Paranapia-
ou com pouco conhecimento. Nessa avaliação caba em 1898.
da biodiversidade é efetuado o cruzamento Várias das espécies ameaçadas não endê-
das informações obtidas nesses levantamentos micas também não têm sido encontradas recen-
com os dados constantes na literatura espe- temente na RBCV e possivelmente estão extin-
cializada. Como resultado, tem se ampliado o tas na região. Por exemplo, o mico-leão-preto
conhecimento sobre a fauna dessas unidades e Leontopithecus chrysopygus.
até mesmo encontrado espécies não assinala- Seria importante a confecção de uma lista
das anteriormente na área da RBCV. regional, já que espécies que não integram a lista
A fauna vertebrada local é rica (Tabela 3), estadual, por contarem com populações estáveis
correspondendo a 60% da fauna continental em outras regiões, podem estar ameaçadas no
do estado de São Paulo, apresentando espécies território da RBCV.
endêmicas e várias consideradas ameaçadas Cabe ressaltar que várias extinções locais
de extinção (MACHADO; DRUMMOND; PAGLIA, já ocorreram na área, envolvendo tanto espécies
2008; BRESSAN; KIERULFF; SUGIEDA, 2009; listadas como ameaçadas quanto espécies de
SÃO PAULO, 2018). menor preocupação conservacionista no estado.
Apesar da fauna marinha do sudeste do Por exemplo, animais de grande porte como o
Brasil ser a melhor conhecida do país e de áreas muriqui Brachyteles arachnoides, a onça-pintada
do litoral norte do estado de São Paulo apre- Panthera onca e a jacutinga Aburria jacutinga,
sentarem longa tradição de inventário biológico atualmente são encontrados apenas em trechos
(AMARAL et al., 2010), o conhecimento sobre a da Serra do Mar. Mesmo em seus redutos, essas
fauna marinha na área de abrangência da RBCV espécies podem estar extintas ecologicamente,
pode ser considerado fragmentário em relação ou seja, suas populações foram tão reduzidas
Tabela 3 |
Valores de riqueza,
total de espécies
Grupo Riqueza Endêmicas Ameaçadas Exóticas endêmicas,
Peixes 122 8 14 15 ameaçadas de
extinção e exóticas
Anfíbios 130 20 6 2 estabelecidas,
registrados até o
Répteis 125 0 2 3
momento para a área
Mamíferos 149 0 20 8 continental da RBCV.
Fonte: Elaboração
Aves 625 0 79 9
própria
518 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
que o papel desempenhado pelos indivíduos Se planos de ação não forem concretizados,
remanescentes se torna irrelevante para o populações de espécies ameaçadas terão um ris-
ecossistema. co ainda maior de extinção em função do sinergis-
No ambiente marinho da RBCV, 19 espécies mo de pressões adversas, incluindo mudanças de
de invertebrados, cinco espécies de tartarugas, uso da terra, fragmentação de habitats e o cenário
quatro de aves e três de cetáceos são considera- de mudanças climáticas. Sem adaptação, algumas
das ameaçadas de extinção, enquanto 116 espé- das espécies definidas como “criticamente amea-
cies de peixes foram classificadas como sobrex- çadas” serão extintas nas próximas décadas e as
plotadas ou ameaçadas de sobrexplotação. espécies classificadas como “ameaçadas ou vul-
As principais ameaças à conservação da neráveis” se tornarão muito mais raras ao longo
fauna continental da RBCV estão sintetizadas na deste século (CANHOS et al., 2008).
Figura 4. No contexto da RBCV, já há informação
As listas de espécies ameaçadas certamen- suficiente sobre a presença de espécies ameaça-
te são ferramentas muito úteis para a valoração das da flora e da fauna nos diferentes ecossis-
de áreas naturais. No entanto, o incremento de temas que compõem esta área protegida. Resta
espécies a cada revisão dessas listas pode ser agora partir para a tomada de decisões na busca
atribuído não só ao grau de ameaça que paira da conservação da biota ali existente.
sobre essas populações, mas também ao avanço
Figura 4 |
Distribuição
das espécies
continentais
ameaçadas
de extinção
registradas na
RBCV em relação
às principais
fontes de impacto.
Fonte: Elaboração
própria
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 519
Frente à acelerada degradação dos ecos- nas áreas vegetal, animal e de microorganismo,
sistemas naturais, incluindo áreas modificadas de preferência no país de origem desses recursos
por atividades agropecuárias, evidencia-se que genéticos (PEIXOTO et al., 2006).
o estabelecimento de processos para conservar a O resgate e a conservação de germoplasma
biodiversidade e os seus recursos genéticos asso- é um componente essencial, embora não seja a
ciados é um problema urgente e tem sido abor- única estratégia para a conservação ex situ. Ger-
dado mundialmente de duas maneiras comple- moplasma pode ser definido como a soma total do
mentares: pela conservação in situ, que mantém material genético de um organismo, ou amostra de
as espécies no ambiente natural, e pela conser- população de determinada espécie, com a habili-
vação ex situ, na qual as espécies são amplamen- dade de se reproduzir (WALTER; CAVALCANTI;
te manejadas fora do seu ambiente natural BIANCHETTI, 2005). No caso de germoplasma
(WALTER; CAVALCANTI; BIANCHETTI, 2005). vegetal, pode ser coletado, trabalhado e conserva-
No cenário da conservação in situ, as prin- do na forma de sementes, mudas, estacas, grãos de
cipais estratégias para a preservação da biodi- pólen ou, ainda, por meio da cultura de tecidos.
versidade são a criação, implantação e manuten- Assim, coleta-se germoplasma com o obje-
ção de Unidades de Conservação (TERBORGH; tivo de conservar e ampliar a base genética que
van SCHAIK, 2002). pode ser utilizada em programas de melhora-
Em relação ao ambiente marinho, a manu- mento vegetal para espécies tradicionalmente
tenção de trechos preservados, onde as espécies cultivadas, ou como alternativa, por meio da
possam crescer e reproduzir-se com sucesso, pesquisa e conservação para espécies de uso
permite um constante repovoamento de áreas potencial (WALTER et al., 2005).
exploradas. A degradação da região costeira fez O Jardim Botânico e o Parque Zoológico de
das ilhas de mar aberto, como o Parque Estadu- São Paulo são exemplos de centros de conser-
al Marinho da Laje de Santos, um refúgio para vação ex situ de animais e plantas presentes na
organismos recifais. RBCV (Figura 5).
Além das unidades já estabelecidas na No caso da flora, o jardim botânico possui
RBCV, outras áreas reconhecidas como impor- papel importante no trânsito e ampliação de
tantes para a preservação da fauna regional são: germoplasma, principalmente por estar associa-
os manguezais de Cubatão e Santos; as matas de do a um herbário.
baixada e restingas entre Itanhaém e Mongaguá; Um herbário pode ser entendido como
os brejos na área de ocorrência do bicudinho- uma coleção de espécimes vegetais prensados
-do-brejo-paulista Formicivora paludicola (única e desidratados (Figura 6), usualmente acondi-
ave endêmica ao estado de São Paulo) nos muni- cionados em armários de aço e organizados de
cípios de Arujá, Biritiba-Mirim, Mogi-das-Cruzes acordo com um sistema de classificação (WAL-
e Salesópolis; e a Serra do Japi nos municípios de TER; CAVALCANTI, 2005).
Cabreúva e Jundiaí (BENCKE et al., 2006; METZ- Estas coleções botânicas são imprescin-
GER; RODRIGUES, 2008; SILVEIRA et al., 2009). díveis para o estudo da diversidade vegetal,
A maioria das UC já está, ou tende a ficar, pois documentam a existência de espécies em
isolada uma das outras, o que terá impacto sobre um determinado tempo e espaço; documen-
as populações de espécies que necessitam de tam elementos da flora de áreas preservadas
áreas de vida amplas e sobre o fluxo gênico de e de áreas hoje perturbadas ou empobreci-
uma maneira geral. Corredores ecológicos inter- das; são indispensáveis em pesquisas taxo-
ligando as UC devem ser planejados e implanta- nômicas e filogenéticas e essenciais na iden-
dos o quanto antes, através da conservação e da tificação precisa das espécies (PEIXOTO et al.,
restauração de áreas de vegetação nativa. 2006). Somente no município de São Paulo
No âmbito das estratégias de conservação existem três herbários oficiais: a Coleção de
ex situ, as coleções biológicas também passaram Fanerógamas e Algas do Herbário do Estado
a adquirir importância crescente, uma vez que a "Maria Eneyda P. Kaufmann Fidalgo" (SP), do
Convenção sobre Diversidade Biológica determi- Departamento de Botânica da Universidade
na que os países estabeleçam e mantenham insta- de São Paulo (SPF) e o Herbário Dom Bento
lações para a conservação ex situ e para pesquisas Pickel do Instituto Florestal (SPSF).
520 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Figura 5 |
Jardim Botânico
(A) e Parque
Zoológico(B) de
São Paulo.
Fonte: Expressão
Studio (TUR.SP,
2019); Rubens Chiri
(FC&CP-SP, 2019).
Figura 6 |
Exemplos de
exsicatas
depositadas
no Herbário Dom
Bento Pickel.
Foto: João Batista
Baitello.
Para a fauna, de maneira similar, são de a ausência de animais pode ocasionar sérias
grande importância as coleções zoológicas, implicações para a continuidade dos proces-
representadas na RBCV por uma das instituições sos ecológicos e o funcionamento adequado de
mais importantes da América Latina no tema, o ecossistemas.
Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. As plantas dependem dos animais para
ecossistêmicos de suporte
(KAGEYAMA; GANDARA, 2004). Já os animais
dependem das plantas como local de abrigo e
fonte de alimento (GALETTI; PIZO; MORELLA-
Em ambientes tropicais a interação entre TO, 2003; REIS; ZAMBORIN; NAKAZONO, 1999).
plantas e animais é muito intensa, tanto que A interação é, portanto, bidirecional, pois em
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 521
Figura 7 |
Pavó Pyroderus
scutatus
consumindo fruto
de juçara
Euterpe edulis.
Foto: Fausto Pires
de Campos.
espécies vegetais são dispersas por aves e germinando e, em áreas onde os dispersores
mamíferos (ALMEIDA-NETO et al., 2008). primários estão ausentes, tornam-se importan-
Entre as espécies vegetais que os autores con- tes para a manutenção de espécies vegetais do
seguiram definir o tipo de dispersor primário, estádio avançado (GALETTI et al., 2010).
e ciclagem de nutrientes
feros e 10% por ambos. Outros vertebrados
com potencial de dispersores de sementes na
região são peixes Characiformes e o lagarto teiú
Salvator merianae (CASTRO; GALETTI, 2004; As copas das árvores e a serapilheira
CORREA et al., 2007). depositada e acumulada sobre o solo funcio-
Enquanto morcegos e passeriformes são de nam como uma camada isolante entre este
grande importância para a dispersão de semen- e a atmosfera, reduzindo as perdas de água
tes de espécies dos estádios iniciais de sucessão por evaporação. A serapilheira também evi-
secundária, e consequentemente para o proces- ta ou amortece o impacto direto das gotas de
so de restauração, muitas espécies vegetais dos chuva. Desta forma, os agregados do solo não
estádios avançados produzem frutos ou semen- são desintegrados em suas partículas básicas
tes grandes que podem ser consumidos ou dis- (areia, silte e argila), evitando assim o desen-
persos por um número restrito de espécies. Na cadeamento do processo erosivo (GONÇALVES;
RBCV, se incluem nesse grupo seleto: a jacutinga NOGUEIRA; DUCATTI, 2003).
Aburria jacutinga, os jacus Penelope spp., tuca- A abundância e a distribuição das raízes
nos Ramphastos spp., a araponga Procnias nudi- nas camadas de solo também contribuem para
collis, o pavó Pyroderus scutatus, o muriqui Bra- a sua estruturação. Além disso, os troncos e os
chyteles arachnoides, a anta Tapirus terrestris e resíduos vegetais funcionam como obstáculos ao
as cutias Dasyprocta spp. Estas últimas, apesar caminhamento dos excedentes hídricos, redu-
de predadoras de sementes são capazes de esto- zindo a velocidade da enxurrada, aumentando
car sementes grandes, das quais várias acabam as taxas de infiltração e, consequentemente, a
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 523
Quadro 1 |
Frugívoros gene-
ralistas dispersam
sementes de plantas
exóticas invasoras
Figura 8 |
Jacuguaçu Penelope
obscura consumindo
fruto de palmeira-
-leque
Livistona chinensis,
espécie exótica
invasora.
Foto: Alexsander
Zamorano Antunes.
captação de água pelo solo e o reabastecimen- estabilização dos agregados e agem diretamente
to do lençol freático (GONÇALVES; NOGUEIRA; pelo entrelaçamento de hifas e micélios de fun-
DUCATTI, 2003). gos nas partículas de solo e microagregados,
O aumento dos teores de matéria orgânica formando macroagregados e, portanto, melho-
no solo também resulta na maior capacidade de rando suas propriedades físicas como a aeração
retenção hídrica, garantindo melhor suprimento (GONÇALVES; NOGUEIRA; DUCATTI, 2003).
às plantas e acentuando todos os processos rela- Além de melhorar as propriedades físicas
cionados à fertilidade e à atividade biológica do do solo, o aumento da atividade biológica tam-
solo. O aporte de matéria orgânica fornece subs- bém contribui para a sua fertilidade, por meio
trato aos microrganismos que, por sua vez, pro- da adição de matéria orgânica, da ciclagem de
duzem substâncias diretamente envolvidas na nutrientes e da fixação biológica de nitrogênio.
524 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
sementes e grãos de pólen (URBAN; SCHU- seu desenvolvimento são limitadas em exten-
GART Jr., 1986). Por outro lado, o isolamento são. Este é o caso, por exemplo, das florestas
age negativamente na riqueza de espécies, ao estacionais deciduais presentes sobre áreas de
diminuir a taxa (ou o potencial) de imigração solos rasos, das florestas de brejo localizadas
(ou de recolonização). sobre solos hidromórficos em áreas de várzea
Muitas vezes, a distância entre fragmentos ou nascentes ou mesmo da vegetação sobre
é maior do que um animal é capaz de atraves- dunas e manguezais (IVANAUSKAS; ASSIS,
sar fora do seu habitat. Dispersores de plan- 2009).
2.6.2 | Poluição
tas importantes como aves e morcegos evitam
áreas abertas por estarem mais expostos à ação
de predadores, pela ausência de poleiros para
pouso ou mesmo pela falta de atrativos como Há evidências de que espécies respon-
frutos e sementes (HOWE; SMALLWOOD, 1982). dem diferentemente às mudanças ambientais
A presença na paisagem de fragmentos e, portanto, são adaptadas à diferentes habi-
fonte de propágulos é um dos principais fato- tats (CONDIT et al., 1996). No entanto, como a
res responsáveis pela colonização e enrique- capacidade de adaptação de muitas espécies é
cimento de áreas degradadas (IVANAUSKAS; limitada, a poluição da água, do solo ou do ar
RODRIGUES; SOUZA, 2006). Assim, é preci- podem ter efeitos nocivos sobre a biodiversida-
so reestabelecer processos de dispersão de de residente ou migratória, com danos signifi-
sementes dos fragmentos para as novas áreas, cativos e irreversíveis aos ecossistemas.
principalmente via dispersão zoocórica. Numa A contaminação dos corpos d'água por
matriz permeável à fauna, e que contenha frag- esgotos domésticos sem tratamento e resíduos
mentos fontes de propágulos, comunidades industriais são fatores determinantes para a
florestais podem se estabelecer sem qualquer contínua redução da fauna aquática paulista. Já
tipo de intervenção humana, o que demonstra a a degradação de manguezais pode levar a uma
importância do processo de regeneração natu- redução dos estoques pesqueiros. Outra fonte
ral para a Floresta Atlântica. de poluição do solo e da água provém do uso
Muitas espécies da fauna também utili- inadequado de insumos agrícolas e do descarte
zam ampla variedade de habitats em diferentes incorreto de lixo.
períodos ou estágios de sua história de vida, As macrófitas aquáticas também aumen-
como as áreas críticas para a reprodução, áreas tam proporcionalmente com a poluição gera-
migratórias, rotas ou corredores migratórios da pelo despejo de esgotos nas represas que
(tanto latitudinal como altitudinal) ou áreas abastecem a cidade de São Paulo, levando ao
naturais que contenham concentrações sazo- desequilíbrio desses sistemas aquáticos e com
nais de espécies importantes globalmente (JEN- riscos à saúde pública, pois alteram a qua-
NINGS et al., 2003). Estes habitats podem ser lidade da água destinada ao abastecimento
geograficamente distintos ou podem ser dife- público.
rentes ecossistemas ou habitats dentro de uma A poluição do ar na área metropolitana
mesma região. De qualquer modo, a redução ou tem sua origem na emissão de gases de veícu-
fragmentação desses habitats pode afetar sensi- los com combustíveis fósseis (carros, ônibus e
velmente a fauna local ou migratória. caminhões) e emitidos também por atividades
Redução de habitat, fragmentação e isola- industriais. Por exemplo, a Reserva Biológi-
mento na paisagem devido a atividades huma- ca do Alto da Serra de Paranapiacaba foi alta-
nas, como a conversão de ecossistemas natu- mente degradada a partir da década de 1950,
rais em áreas urbanas ou agrícolas, podem com a contínua ação dos poluentes emitidos
diminuir a extensão de certos ecossistemas, na atmosfera pelo pólo industrial de Cubatão
a ponto de torná-los raros na paisagem e com (KIRIZAWA et al., 2009) e o Parque Estadual
maior risco de degradação no futuro. No entan- das Fontes do Ipiranga (PEFI) também teve sua
to, o problema se agrava para os ecossistemas vegetação degradada pelo funcionamento de
que são naturalmente raros, pois as condições uma indústria siderúrgica no entorno na déca-
microclimáticas ou edáficas necessárias para o da de 1980 (BARROS et al., 2002).
526 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
2.6.3 | Superexploração
de de recursos alimentares (GALETTI; ALEI-
XO, 1998). De acordo com Chediack e Baqueiro
(2005), o corte das palmeiras adultas afeta a
Os sistemas naturais paulistas vêm sendo dinâmica da população, pois são estas que pro-
manejados, desde antes da colonização do Brasil, duzem as sementes necessárias para a contí-
por diferentes tribos indígenas (DEAN, 1995). No nua reposição de indivíduos e, com a sua morte,
entanto, desmatamentos mais extensos só vie- o banco de sementes é afetado.
ram a ocorrer a partir de 1920 (VICTOR, 1975). A caça, a captura de animais silvestres
Áreas de Floresta Atlântica e Cerrado foram para servirem como animais de estimação
desmatadas para lenha e carvão, para dar lugar e o extrativismo vegetal devem ser coibidos
às atividades agropecuárias e à expansão urba- ostensivamente no interior de UC de prote-
na. Os remanescentes foram degradados pela ção integral. Uma questão bastante polêmica
remoção de espécimes valiosos para a comer- relacionada a esses impactos é a presença de
cialização madeireira. No entanto, mesmo com populações indígenas e tradicionais no interior
a sensível redução da cobertura natural paulis- ou no entorno das UC. A combinação de cres-
ta, desmatamentos e práticas exploratórias não cimento demográfico dessas populações, com
sustentáveis ainda são comuns, revelados pelos uma maior integração ao “mundo exterior” e
processos relacionados à crimes, mitigação ou com o atual nível de fragmentação e degrada-
compensação por danos ambientais que ainda ção dos remanescentes de vegetação nativa, faz
são registrados pela Secretaria de Infraestrutu- com que as atividades de subsistência pratica-
ra e Meio Ambiente. das tenham um impacto elevado sobre a fauna
Em relação à manutenção dos processos (OLMOS et al., 2001). É preciso buscar o diálo-
ecossistêmicos, a composição de espécies pare- go entre biólogos da conservação e lideranças
ce ser mais relevante do que o número de espé- desses grupos para se encontrar alternativas
cies (riqueza). Os ecólogos reconhecem que há que possibilitem a manutenção de populações
espécies que desempenham papéis mais rele- viáveis de vertebrados de grande porte em
vantes do que outras dentro dos ecossistemas, amostras pouco alteradas dos ecossistemas
as chamadas espécies-chave e engenheiras. originais.
Por outro lado, principalmente em áreas com Também vale a pena lembrar que a caça
grande riqueza biológica, muitas espécies ocu- diminui a disponibilidade de presas para os
pam nichos com características semelhantes, a carnívoros podendo ocasionar o ataque aos
chamada redundância funcional. A diversidade rebanhos em áreas de agropecuária próximas
é um fator de estabilidade e a redundância é a remanescentes de vegetação nativa (VERDA-
um dos fatores de resistência e resiliência dos DE; CAMPOS, 2004; PALMEIRA et al., 2008).
ecossistemas. No ambiente marinho, a exploração des-
A caça, além de afetar as populações das controlada de várias espécies ocorre através da
espécies alvo, interfere na dinâmica dos ecossis- sobrepesca, do uso de apetrechos de pesca de
temas, pois estas espécies são geralmente herbí- baixa seletividade, da pesca ilegal com explo-
voros e frugívoros de grande porte e predadores sivos ou aparelhos de ar comprimido, do cor-
de topo de cadeia (GALETTI et al., 2009). te de nadadeiras de cações e tubarões, da caça
A exploração da fauna e o extrativismo submarina, da captura irregular para aqua-
vegetal de espécies ornamentais, como riofilia e da captura acidental de tartarugas,
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 527
aves e golfinhos. As colônias reprodutivas de menos controladas. As ações para atingir tais
aves marinhas estabelecidas nas ilhas costei- objetivos devem ser originadas de pesqui-
ras sofrem ainda hoje com a coleta de ovos. sas científicas e as UC de proteção integral
3 | BIODIVERSIDADE E SUA
nais e extinções, e alterar a dinâmica dos ecos-
SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS
causam prejuízos econômicos e podem repre-
sentar riscos à saúde humana.
E BEM-ESTAR HUMANO
Cães e gatos domésticos também podem
ter alto impacto sobre a fauna nativa, princi-
palmente em fragmentos florestais e em rema-
nescentes próximos a áreas urbanas (GALET- Todo habitat natural possui algum valor
TI; SAZIMA, 2006; CAMPOS et al., 2007). Sua ambiental e social. Quando estes valores forem
presença em unidades de conservação de considerados de caráter excepcional ou de
proteção integral não deve ser tolerada. Cam- importância crítica, o local pode ser considera-
panhas dirigidas aos moradores do entorno do como de alto valor para a conservação. Essa
das UC, que abordem a guarda responsável de área então deve ser manejada de maneira apro-
animais domésticos, podem apresentar bons priada, para que os valores identificados sejam
resultados, e os gestores devem envidar esfor- mantidos ou aumentados.
ços para que os animais sem responsáveis No caso da RBCV, suas áreas naturais
sejam adotados e retirados das unidades de podem ser consideradas de alto valor para
proteção integral. a conservação por se enquadrarem entre os
As populações de espécies exóticas vários atributos que caracterizam os seis tipos
invasoras devem ser erradicadas ou ao básicos sintetizados por Jennings et al. (2003):
528 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
da água e do solo
A redução das emissões de CO2, CH4 e o
N2O para a atmosfera é uma das principais
estratégias para a redução do chamado "efeito
Um serviço ecossistêmico de suporte estufa"; outra estratégia é diminuir a concen-
oferecido pela vegetação é a estabilização tração desses gases e incorporá-los na biomas-
mecânica do solo, incluindo o controle da sa vegetal da biosfera, processo denominado
erosão, deslizamento de terras, avalanches e de "sequestro de carbono" (PAULA; CAVALLET,
sedimentação a jusante. A presença de vege- 2008) (ver capítulo Serviço Ecossistêmico de
ração natural é mais valorizada em áreas Fixação de Carbono em Superfície e Redução de
onde as consequências em termos de perda Gases de Efeito Estufa na Atmosfera).
da terra produtiva, danos aos ecossistemas, Uma das formas recomendadas para
à propriedade ou perda de vidas humanas contribuir na redução das mudanças climá-
são potencialmente catastróficas. Por ocu- ticas é viabilizar a conservação de florestas e
par áreas especialmente frágeis do ponto de incentivar reflorestamentos para sequestro de
vista ambiental, como as encostas, margens carbono, promovendo assim o incremento da
de rios e várzeas, a população de baixa ren- biomassa florestal por meio do Mecanismo de
da tem sido a maior vítima dessas catástro- Desenvolvimento Limpo (MDL). Projetos assim,
fes (SANTOS, 2003). Este tema é detalhado no além de reduzir CO2 da atmosfera, contribuem
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 529
consideravelmente para a conservação da bio- et al., 2005). Outros aspectos sobre o tema são
diversidade e para o desenvolvimento sustentá- apresentados no capítulo O Produtor e o Serviço
vel, provendo diversos bens e serviços úteis ao Ecossistêmico de Provisão de Alimento.
homem (COTTA; TONELLO, 2006) (ver capítulo A crescente demanda por produtos natu-
Serviço Ecossistêmico de Regulação Climática). rais de origem mineral, animal ou vegetal,
culturais
A perda da diversidade agrícola, nos mais
diferentes níveis, está associada a mudanças
sociais, econômicas e culturais ocorridas na
agricultura, especialmente a partir da revolu- As sociedades humanas desenvolveram
ção verde (SANTILLI, 2010). Plantios comer- profundo conhecimento de como usar e mane-
ciais de variedades com estreita base genéti- jar os ambientes em que vivem, permitindo a
ca podem ser desastrosos, pois os cultivares coexistência de homens, plantas e animais
modernos são mais vulneráveis a epidemias (JACOBSEN, 2005).
causadas por patógenos e pragas. Nesse con- Sistemas naturais são essenciais para o
texto, conservar e utilizar as variedades sil- bem-estar humano, principalmente quando
vestres de uma determinada cultura para fins tem o seu valor associado à proteção de fontes
de melhoramento genético aumenta as chan- básicas de subsistência e à segurança de comu-
ces de manter a competitividade da produção nidades locais que dependem destes ecossiste-
desta cultura ao longo do tempo (RANGEL mas. O valor da área também é elevado quando
530 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
CONCLUSÕES
o declínio das populações e das práticas das
comunidades tradicionais da região (GALIN-
DO-LEAL; CÂMARA, 2005).
De acordo com Jennings et al., (2003), A RBCV abriga diferentes formações vege-
emprego, renda e produtos são valores que tais com alta diversidade biológica, no entanto
devem ser conservados, se possível, sem pre- muitas espécies da flora e da fauna estão amea-
judicar outros valores e benefícios. Entretan- çadas de extinção em função da perda e degra-
to, para os mesmos autores o manejo de áreas dação de seus habitats, seguida da sobrexplora-
de alto valor para a conservação também não ção e da introdução intencional ou acidental de
implica na extração excessiva e insustentável espécies exóticas invasoras.
de recursos, mesmo quando as comunidades A perda irreversível de espécies pode
atuais dependem economicamente da floresta. levar a impactos adversos em atividades
O emprego excessivo de práticas tradicionais socioeconômicas, em função da alteração de
também pode degradar as áreas naturais ou serviços ecossistêmicos prestados pela bio-
outros valores ali presentes. diversidade. A fim de contornar esta situação,
Nesse contexto, é importante ressaltar é necessário ampliar e integrar as áreas de
a presença de grupos de populações tradicio- conservação in situ e ex situ e promover o uso
nais em UC, tanto de uso sustentável como de racional dos sistemas naturais essenciais para
proteção integral, trazendo grandes desafios o bem-estar humano.
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 531
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GLOSSÁRIO
A
Anemocórica | Espécie vegetal cujos propágu- por uma barreira geográfica efetiva, gerando sub-
los são dispersos pelo vento. populações isoladas que, com o passar do tem-
po, passaram a se comportar como de espécies
D distintas.
Decidual | Que permanece sem folhas por um cer- Estacional | Florestas estacionais estão sujeitas
to tempo, periodicamente. Quando as árvores do a um período desfavorável, que pode ser o longo
dossel perdem folhas periodicamente, a floresta é período de estiagem do clima tropical (médias de
chamada de decídua ou caducifólia, quando isso 22ºC, 4 a 6 meses secos) ou o frio intenso na fai-
não ocorre, é denominada de perenifólia. xa subtropical (seca fisiológica, com médias de
18ºC, mas com pelo menos 3 meses de tempera-
Dióica | Àquela em que os sexos se encontram turas inferiores a 15ºC).
separados em indivíduos diferentes.
F
E
Fanerógamas | Nome dado às plantas que pro-
Edáfico | Relativo ou pertencente ao solo. duzem flores, em oposição às criptógamas.
Escrube | Fisionomia vegetal composta de Febre Maculosa | Doença causada pela bacté-
arbustos e arvoretas (árvores com menos de 3m ria Rickettsia rickettsii, transmitida ao homem e
de altura). animais, por diferentes espécies de carrapatos.
Espécie endêmica | Espécie restrita à uma úni- Fenologia || Estudo das relações dos proces-
ca área geográfica ou a um único ecossistema, sos biológicos periódicos com o clima. Exemplo
por exemplo, espécies endêmicas do estado de de fenofases em plantas: brotação, floração,
São Paulo, da bacia do rio Ribeira de Iguape ou frutificação.
do manguezal.
Filogenética | Refere-se às relações evolutivas
Espécies vicariantes | Espécies muito seme- (de parentesco) entre os organismos.
lhantes que apresentam um ancestral comum
relativamente recente, cuja área de distribuição Fluxo gênico | Transferência de genes de uma
original foi fragmentada em duas ou mais áreas, população para outra.
A BIODIVERSIDADE COMO SERVIÇO ECOSSISTÊMICO DE SUPORTE 539
P Z
Patógeno | Agente biológico (bactéria, fungo, Zoocórica | Espécie vegetal cujos propágulos
etc) capaz de causar doenças. são dispersos por animais.
540 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
PARTE 5
FERRAMENTAS DE APOIO
À TOMADA DE DECISÃO
5.1 VALORAÇÃO
ECONÔMICO-ECOLÓGICA
DE ECOSSISTEMAS
E SEUS SERVIÇOS
Coordenador
Ademar Ribeiro Romeiro | UNICAMP
Autores
Ademar Ribeiro Romeiro | UNICAMP
Alexandre Gori Maia | UNICAMP
Bruno Puga | UNICAMP
Daniel Caixeta Andrade | UFU
Oscar Sarcinelli | UNICAMP
Sérgio Gomes Tôsto | EMBRAPA TERRITORIAL/UNICAMP
542 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
1 | Introdução........................................................................................................ 546
Referências........................................................................................................... 567
Glossário.............................................................................................................. 569
544 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
QUADROS
Quadro 1 Principais fontes de vieses do MAC.
Quadro 2 Principais diferenças teóricas e metodológicas de abordagens de valoração de serviços
ecossistêmicos.
TABELA
Tabela 1 Valor dos serviços ecossistêmicos e técnicas de valoração mais utilizadas.
SIGLAS
AC Avaliação contingente
AJ Análise conjunta
DAP Disposição a pagar
EUA Estados Unidos da América
FECOP Fundo Estadual de Prevenção e Controle da Poluição
FNMC Fundo Nacional sobre Mudança do Clima
GEE Gases de Efeito Estufa
GUMBO Glogal Unified Metalmodel of the Biosphere
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IPE Instituto de Pesquisas Ecológicas
MAC Método de avaliação contingente
MEA Millennium Ecosystem Assesment
MIMES Multiscal Integrated Models of Ecosytem Services
ONG Organização não governamental
PCJ Refere-se ao comitê das bacias hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiai
PEMC Política Estadual de Mudanças Climáticas
PNUMA Programa das Nações Unidades para o Meio Ambiente. O mesmo que UNEP
PSA Pagamento por Serviços Ambientais
REDD Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação
SIMA Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente
TEEB The Economics of Ecossistems and Biodiversity
UC Unidade de conservação
UFEX Unidades Fiscais de Extrema
UFU Universidade Federal de Uberlância
UNICAMP Universidade de Campinas
VALORAÇÃO ECONÔMICO-ECOLÓGICA DE ECOSSISTEMAS E SEUS SERVIÇOS 545
RESUMO
2| AVALIAÇÃO AMBIENTAL
pode ser tratado como uma caixa preta que não
é necessário abrir no processo de valoração.
E AVALIAÇÃO
Perdas irreversíveis não são relevantes, uma
ECONÔMICOECOLÓGICA:
vez que os recursos naturais são substituíveis
PRESSUPOSTOS
por capital. Esses pressupostos tornam o pro-
cesso de valoração ambiental bastante simples.
TEÓRICOS E PROCEDIMENTOS
A consideração de pressupostos mais realistas
METODOLÓGICOS
sobre o comportamento e a capacidade humana
na avaliação de recursos naturais e a abertura
ação de um agente econômico interfere nega- existência). Nesse caso, somente é possível ava-
tivamente no bem-estar de outro sem que este liar diretamente a disposição a pagar dos agen-
último tenha o direito de ser compensado por tes econômicos.
isso. Por exemplo, o uso por um agente econô- Desse modo, de acordo com a economia
mico da água de um rio para o despejo de resí- ambiental, a precificação dos bens e os serviços
duos industriais pode afetar outros agentes que ecossistêmicos permitiriam que os agentes eco-
fazem uso desse recurso para outras finalidades, nômicos fizessem um cálculo de custo-benefício
como pesca ou abastecimento humano. Essa ao utilizar um dado recurso natural. Por exem-
situação decorre do fato de que a água do rio é plo, procurando minimizar o custo total de uti-
recurso natural público, cujo serviço de disper- lização do recurso hídrico composto pelo valor
são de resíduos pode ser apropriado livremente. dos gastos com a instalação e a manutenção de
Teoricamente, se esse recurso fosse pri- sistemas de tratamento de resíduos (custo de
vatizado, desapareceria o problema, que seria controle), somado ao valor do gasto com o paga-
internalizado na medida em que proprietários e mento por usar o serviço de dispersão de resí-
usuários do recurso negociariam entre si o preço duos do rio (custo da poluição). Como o custo
a ser pago por sua utilização. Entretanto, dada a dos sistemas de tratamento tende a se elevar
impossibilidade política e operacional de confe- fortemente na medida em que se passa de siste-
rir direitos de propriedade a recursos naturais mas primários para secundários,2 e assim suces-
deste tipo, resta como alternativa a sua valo- sivamente, o cenário mais provável é aquele da
ração (precificação) e a cobrança pelo Estado. busca de minimização do custo total através de
Desse modo, os agentes econômicos passariam uma combinação ótima entre investimento em
a pagar pelo uso desse recurso, eliminando-se a sistemas de tratamento com investimento em
externalidade e ao mesmo tempo estimulando pagamento por poluir. Nesse ponto de equilí-
seu uso mais racional. brio, denominado de poluição ótima, em que
Um conjunto de métodos de valoração foi custos marginais de controle e de poluição são
desenvolvido pela economia ambiental com essa iguais, o custo total é minimizado. Diante do
finalidade, os quais podem ser classificados em exposto, parece claro, portanto, que a quantida-
duas categorias principais: (1) métodos que ava- de de recurso natural a ser utilizada é definida
liam diretamente a disposição a pagar dos indiví- por um processo de avaliação custo-benefício da
duos por este ou aquele recurso natural (no caso alocação dos gastos entre investimento em siste-
do exemplo apresentado, avaliam a demanda mas de controle da poluição e investimento em
pelo rio limpo); (2) métodos que avaliam indi- pagamento por poluir.
retamente a disposição a pagar dos indivíduos Do ponto de vista ecológico, que tipo de
por um dado recurso natural através do valor problema pode resultar desse processo de deci-
de mercado dos bens ou dos serviços ecossistê- são sobre o uso de recursos ambientais? O pro-
micos por este produzidos; considerando nova- blema é aquele do risco de perda irreversível de
mente o exemplo acima, o valor do rio seria esti- bens e serviços ecossistêmicos, uma vez que o
mado somando-se o valor da produção de peixes ponto de equilíbrio assim definido – poluição
com o valor comercial sacrificado pela poluição ótima – pode não ser um ponto de equilíbrio
(método de produção sacrificada) com aque- ecológico, isto é, sustentável no longo prazo. Mas
le do tratamento da água para torná-la potável este não é um problema do ponto de vista da
novamente (método do custo de reposição). Se economia ambiental, dado que esta supõe que
o rio fosse utilizado para o lazer aquático, tam- os recursos naturais são substituíveis por capi-
bém seria necessário somar o valor das perdas tal. Nessa ótica, o risco de perdas irreversíveis,
desse tipo de serviço. É preciso considerar, ain-
da, que, além da motivação utilitária para pagar
pelo valor de uso presente ou futuro dos bens e 2
O sistema de tratamento de resíduos é caracterizado por
serviços ecossistêmicos oferecidos por determi- vários processos de tratamento. Por exemplo, os siste-
mas primários separam a matéria poluente da água em
nado recurso natural, admite-se que possa haver
um processo físico de sedimentação. Os sistemas secun-
motivações não utilitárias a pagar pela simples dários, por sua vez, usualmente utilizam processos bio-
existência de um dado recurso natural (valor de lógicos para reduzir a carga poluente.
548 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
custos das soluções alternativas para disponibili- de resiliência para a produção desses serviços, o
zar a água para consumo humano, por outro. Ou que conduz à necessidade de determinação de
seja, no esquema analítico da economia ecológica, níveis de tolerância à erosão (escala).
o sistema de preços não define a escala de uso do Nesse contexto, os economistas ecológicos
recurso como no esquema anterior, mas, ao con- aceitam a ideia defendida pelos ecólogos (ter-
trário, ele é influenciado por esta. O avanço dos mo aqui utilizado no sentido amplo que inclui
conhecimentos técnico-científicos influencia os especialistas em ciências naturais), de que a
preços dos recursos naturais na medida em que decisão de uso ou não de um determinado bem
pode modificar a magnitude da escala até então ou serviço ecossistêmico deve ser condiciona-
considerada sustentável, bem como revelar a exis- da à avaliação sobre sua importância ecológica
tência de novos bens ou serviços ecossistêmicos para a sustentabilidade no longuíssimo prazo.
produzidos pelo recurso que está sendo valorado. Alguns analistas consideram que seria possível
Em relação a este último aspecto, o melhor estabelecer uma métrica não monetária, capaz
conhecimento da estrutura e das funções ecos- de integrar numa medida comum de valor os
sistêmicas mostra que um dado serviço ecossis- valores ecológicos dos ecossistemas determina-
têmico frequentemente resulta de mais de uma dos pela integridade de suas funções, bem como
função ecossistêmica, as quais se inter-relacio- por parâmetros ecossistêmicos de complexida-
nam e podem ser responsáveis por outros ser- de, diversidade e raridade.
viços. Desse modo, considerar isoladamente A teoria do valor energético é um dos prin-
um dado serviço ecossistêmico representa uma cipais resultados do esforço para resolver o pro-
abordagem reducionista que subestima o valor blema da incomensurabilidade das diferentes
do ecossistema que o produz. Um exemplo clás- unidades biofísicas em que as variáveis ecoló-
sico desse reducionismo é a frequente aborda- gicas se expressam. Trata-se de uma teoria do
gem da economia ambiental frente à valoração valor baseada em princípios termodinâmicos,
dos solos agrícolas degradados pela erosão. na qual a energia solar é considerada a unidade
Considerando o solo como um simples depósito de conta. Presentemente, o sistema predomi-
de nutrientes minerais, um esquema convencio- nante de determinação dos valores ecológicos
nal de valoração calcularia o valor do solo pelo com base em análises energéticas é conhecido
custo de reposição dos nutrientes perdidos com como análise emérgetica.
a erosão.6 No entanto, o solo forma um ecos- Esse método procura recuperar toda a
sistema complexo, cujos elementos estruturais memória energética de um dado ecossistema
interagem produzindo um conjunto de funções convertendo, através de fatores de transformi-
ecossistêmicas que, por sua vez, dão origem a dade previamente calculados, todas as formas
outros serviços ecossistêmicos, além do estoque de energia utilizadas no seu processo de forma-
de nutrientes que contém. ção/produção em equivalentes de energia solar
São pelo menos mais quatro serviços ecos- (emergy = embodied energy). Para muitos críti-
sistêmicos produzidos por um solo bem prote- cos, entretanto, essa redução de relações com-
gido contra a erosão e manejado de modo eco- plexas a uma única unidade, mesmo que física,
logicamente adequado: produção de nutrientes implica perda de informações relevantes, tais
minerais, capacidade de armazenamento de como o valor de diferentes serviços ecossistêmi-
água, condições ideais de enraizamento e aera- cos, de acordo com sua habilidade de sustentar
ção para as plantas; e produção de antibióti- e manter o sistema como um todo.
cos vegetais. Portanto, o método de valoração Finalmente, em relação à dimensão socio-
pelo custo de reposição subestima fortemente cultural do valor dos ecossistemas, novos méto-
o valor dos serviços ecossistêmicos ameaçados dos vêm sendo desenvolvidos com a finalida-
pela erosão. O melhor entendimento do ecossis- de de captá-la, como a avaliação participatória
tema solo mostra também que existem limiares (participatory assessment) ou a valoração grupal
(group valuation). Esses métodos buscam cap-
tar as visões que diferentes grupos de indivídu-
6
É verdade que esta visão reducionista dos economistas
ambientais foi historicamente respaldada por agrônomos os têm sobre as diversas categorias de serviços
entusiasmados com a química agrícola. ecossistêmicos e suas dimensões culturais e
550 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
éticas, reconhecendo que os seres humanos pos- de uma alteração ambiental na produção de
suem uma racionalidade limitada e que é neces- bens e serviços comercializáveis. Seria o caso,
sário ponderar quesitos de ordem social. por exemplo, da produção de peixes sacrificada
Outro método é aquele conhecido como pela poluição do rio. Por definição, no entanto,
discourse-based valuation, o qual parte do prin- seu uso é limitado à avaliação de valores de uso,
cípio de que a valoração não deveria se basear na deixando de fora os valores ecológicos e sociais.
medição de preferências individuais, mas de um Mesmo em relação aos valores de uso, sua
processo de debate livre, aberto e democrático. aplicação corrente sem um melhor conhecimen-
A ideia básica é que pequenos grupos de agentes to sobre o funcionamento dos ecossistemas que
envolvidos no processo (stakeholders) podem, produzem os bens e os serviços que se preten-
conjuntamente, deliberar sobre a importância de valorar têm resultado em subestimações dos
relativa dos serviços ecossistêmicos, tendo em valores dos bens e serviços dos ecossistemas
conta considerações sobre a equidade entre avaliados. Como já mencionado, esse melhor
diferentes grupos sociais. conhecimento poderia revelar a existência de
MÉTODOS CORRENTES
ção é real e deveria ser valorada. Apesar dessas
limitações, os valores obtidos com a aplicação
desses métodos podem ser suficientes para
Diversos métodos podem ser utilizados no estimular diretamente os agentes econômicos
processo de valoração. Cada um apresenta uma a usar os ecossistemas e seus serviços de modo
limitação específica, que depende, sobretudo, do ecologicamente mais racional ou justificar a
tipo de valor econômico que o mesmo é capaz de implementação de políticas ambientais que pro-
estimar (Figura 1). duzam o mesmo resultado.
Os métodos que avaliam indiretamente Uma representação esquemática dos prin-
um recurso natural pelo valor de mercado dos cipais métodos de valoração é apresentada na
bens ou dos serviços ecossistêmicos por este Figura 2. Uma breve descrição das técnicas é
produzidos (métodos indiretos) são mais sim- apresentada na sequência, começando pelos
ples e menos onerosos, estimando o impacto métodos indiretos.
Valor Econômico
Valor de Opção
Intenção de consumo direto ou indireto do
bem ambiental no futuro.
reposição, nem todas as complexas propriedades e seu preço de mercado. Pode ser aplicado a
de um atributo ambiental serão repostas pela sim- qualquer tipo de mercadoria, embora seu uso
ples substituição do recurso. Em geral, o método seja mais frequente em preços de proprieda-
tem sido aplicado com base em concepções extre- des. Por exemplo, para se avaliar o valor de um
mamente reducionistas dos ecossistemas, como atributo ambiental associado à localização de
no caso do solo erodido citado no tópico anterior, um imóvel. Estatisticamente, o método utiliza
produzindo valores fortemente subestimados. uma regressão múltipla para ajustar o preço da
residência às diversas características que pos-
Custos de oportunidade sam inferir no seu valor. Farão parte do modelo
Embora desejável do ponto de vista econométrico as características estruturais da
ambiental, a preservação gera um custo social residência (área construída, cômodos, etc.), as
e econômico que deve ser compartido entre os características ambientais (índices de poluição,
diversos agentes que usufruem dos benefícios parques, etc.), assim como índices socioeconô-
da conservação. Toda conservação traz consigo micos da região (etnia, nível econômico, índices
um custo de oportunidade das atividades econô- de criminalidade, etc.).
micas que poderiam estar sendo desenvolvidas Uma das principais limitações desse méto-
na área de proteção, representando, portanto, do está no fato de que, embora seja necessário, é
as perdas econômicas da população em virtude muito difícil determinar todas ascaracterísticas
das restrições de uso dos recursos ambientais. que possam influenciar o preço da propriedade.
No caso de um parque ou reserva florestal com Mesmo identificadas, algumas características
exploração restringida, o custo de oportunida- ambientais podem não ser quantificadas, como
de de sua preservação seria dado pelos benefí- exige o modelo econométrico. A análise estatís-
cios de uma possível atividade de exploração de tica selecionará apenas as características signi-
madeira. Por outro lado, os benefícios ecológi- ficantes, ou seja, aquelas que apresentarem alta
cos da preservação poderiam ser expressos pela correlação com o preço da propriedade. Assim,
renda gerada em atividades sustentáveis, como variáveis ambientais importantes poderão ser
o ecoturismo e a exploração de ervas medici- excluídas do modelo caso passem despercebidas
nais. Alguns cuidados especiais devem ser toma- pelos proprietários ao expressarem o valor para
dos na estimativa. Atividades insustentáveis suas residências. Há que se considerar também
irão gerar danos irreversíveis e reduzir a oferta o pressuposto implícito de uma igualdade de
do bem ou do serviço ecossistêmico ao longo do informações entre os indivíduos e a liberdade de
tempo, e esse fato não pode ser desconsiderado escolha das residências em todo o mercado. Isso
na estimativa do valor presente dos custos de não acontece na realidade, em que há assimetria
oportunidade dessas explorações. de informações e restrição de compras de resi-
às variáveis de custo de viagem, tempo, taxa entre tempo e custo de viagem, já que essas vari-
de entrada, características socioeconômicas do áveis tendem a ser altamente correlacionadas.
visitante e outras variáveis que possam expli- Enquanto alguns visitantes optam livremente
car a visita ao patrimônio natural. Os dados são entre hora de trabalho ou lazer, pois possuem
obtidos através de questionários aplicados a uma jornada flexível de trabalho, uma grande
uma amostra da população no local de visitação. maioria restringe suas atividades de lazer às
As entrevistas devem respeitar os distin- horas vagas ou às férias anuais, pois possuem
tos períodos do ano (verão e inverno, diurno e uma jornada fixa de trabalho. Se a pessoa está
noturno), evitando um possível viés sazonal na abrindo mão de uma hora de trabalho para visi-
amostra. A taxa de visitação pode ser expressa tar o patrimônio natural, a taxa salarial seria
em número de visitas pela população (por exem- uma boa estimativa do custo de oportunidade.
plo, visitas para cada mil habitantes), ou visitas O tempo de viagem seria então uma ponderação
por indivíduo num determinado horizonte de do valor da hora de trabalho da pessoa. Entre-
tempo (visitas para cada indivíduo durante um tanto, caso a visita esteja sendo feita durante as
ano, por exemplo). Como a distância de uma horas disponíveis de lazer, o valor do tempo de
região ao patrimônio natural é um fator prepon- viagem deve considerar apenas o custo de opor-
derante para determinação da taxa de visitação tunidade de outras atividades recreacionais dis-
dos moradores, é possível então melhorar a poníveis para a pessoa.
precisão das estimativas classificando os indiví- Outro cuidado a ser tomado é em relação ao
duos segundo sua área de origem (bairro, cida- tempo de permanência e aos múltiplos destinos
de, país). Desse modo, é possível haver um maior da viagem. Se o turista permanecerá mais de um
controle sobre a representavidade da amostra dia na região, seus gastos não estarão apenas rela-
ao mesmo tempo em que se facilita a obtenção cionados ao custo de transporte, mas, principal-
de variáveis comuns a cada região. mente, à hospedagem e à alimentação durante os
A função de custo de viagem apenas cap- dias de passeio. Quando o turista apresenta múl-
ta valores de uso direto e indireto dos recursos tiplos destinos em uma mesma viagem, é muito
ambientais, pois somente aqueles que visitam difícil determinar quanto da estadia e seus gastos
o patrimônio natural fazem parte do universo referem-se a um local em particular. O método
amostral. A função assume complementaridade não pode assumir independência entre as diver-
fraca entre a visita ao patrimônio e a disposição sas atividades recreacionais de uma região.
a pagar pelo serviço ecossistêmico, ou seja, a dis- O estudo da utilidade gerada pela visitação
posição a pagar do indivíduo será nula caso ele de um parque público deve considerar a existên-
não visite o local ou, ainda, a utilidade marginal cia de outros patrimônios substitutos nas proxi-
do recurso ambiental será nula caso o número midades. Todos substitutos visitados deverão ser
esperado de visitas seja também nulo. considerados no modelo estatístico, e isso requer
A estimativa do custo de viagem não pode a construção de um modelo múltiplo de estima-
desconsiderar o tipo de transporte utilizado ção, em que a utilidade de cada recurso possa ser
pelo visitante. Avião, ônibus ou automóvel, expressa por uma variável que represente seu
como exemplos, apresentam diferenças signifi- peso em relação às demais. A experiência tem
cativas no custo de viagem que irão influenciar revelado que, desde que se observam os proce-
a estimativa dos benefícios totais do patrimônio dimentos mencionados, o método proporciona
natural. Outro detalhe importante é a definição uma boa medida da disposição a pagar dos agen-
dos custos a serem contabilizados: gastos dire- tes econômicos para usufruir dos benefícios per-
tos com combustível e pedágio, e indiretos como cebidos de um dado patrimônio natural.
alimentação, desgaste e depreciação do veículo. Tanto o método de preços hedônicos quan-
A diferença no valor total tende a ser significa- to o de custo de viagem sofrem da limitação ine-
tiva dependendo do tipo de gasto considerado. vitável da percepção individual dos benefícios
O tempo de viagem deve representar o de um dado serviço ecossistêmico em toda a sua
custo de oportunidade do lazer da pessoa, uma complexidade. Mas, em relação aos atributos
estimativa do valor de cada hora de viagem do ambientais percebidos pelos gentes, a disposi-
indivíduo, evitando uma possível colinearidade ção a pagar revelada não apresenta vieses.
VALORAÇÃO ECONÔMICO-ECOLÓGICA DE ECOSSISTEMAS E SEUS SERVIÇOS 555
Comportamento O indivíduo não revela sua verdadeira DAP, subestimando o recurso com medo de que venha a
estratégico ser realmente cobrado, ou superestimando o bem, ao captar o espírito hipotético da pesquisa e
tentando elevar a média dos pagamentos para viabilizar o projeto.
Aceitabilidade A pessoa aceita uma DAP ofertada, embora não esteja realmente disposta a pagar o valor suge-
rido. Não se trata de uma atitude estratégica, e a pessoa apenas não se interessa em responder
seriamente, muitas vezes ciente de que se trata de uma situação hipotética, ou queira apenas
justificar um comportamento politicamente correto.
Rejeição São oferecidas respostas negativas quando, na verdade, as pessoas estariam dispostas a cola-
borar com o projeto. Ocorre muitas vezes devido ao desinteresse, à irritação ou à ansiedade, para
que a entrevista logo se encerre.
Informação A qualidade das informações passadas ao entrevistado pode distorcer a DAP. Contribuem para
este viés não só a qualidade dos cenários como também o efeito do entrevistador.
Warm-glow Os valores altos e baixos correspondem mais para uma aprovação ou para uma rejeição do proje-
to da DAP pelo serviço ecossistêmico.
Parte-todo A soma das contribuições parciais acaba excedendo o todo. O entrevistado valoriza um maior
ou menor atributo que aquele que o pesquisador está avaliando. Deriva principalmente da difi-
culdade de se identificar separadamente os complexos atributos ambientais e suas relações no
ecossistema.
Efeito ponto O valor inicial de uma DAP no formato referendo ou jogo de leilão pode influenciar a valorização fi
de partida nal, causando superestimação caso seja apresentado um valor muito alto, ou subestimação caso
o valor apresentado seja muito baixo.
“Encrustamento” Contribuições maiores deveriam ser esperadas para programas mais amplos de preservação,
embora pesquisas constatem que a DAP não costuma ser sensível à escala utilizada. Possíveis
explicações: i) as pessoas avaliam o serviço ecossistêmico sem considerar adequadamente des-
crição de suas características; ii) desinteresse ou falhas na especifi cação do cenário; iii) as res-
postas correspondem a uma satisfação moral pelo bem e não como um valor em si.
Quadro 1 |
Localização A distância do serviço ecossistêmico tende a afetar a DAP da pessoa e, consequentemente, a limi- Principais fontes
tação da população contribuinte interferirá no resulta fi nal da valoração. Embora sejam espera- de vieses do MAC.
das disposições a pagar maiores nas proximidades do recurso avaliado, em alguns casos a maior
Fonte: Elaboração
parte dos benefícios pode corresponder a valores de uso ou existência fora da região de estudo.
própria.
556 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
4 | VALORAÇÃO
ECONÔMICO-ECOLÓGICA7
sensibilidade, persistência e confiabilidade. Den-
tre elas, as propriedades de variabilidade e resi-
liência apresentam importância crucial para uma
análise integrada das interconexões entre ecossis-
Como foi mencionado, para a abordagem
temas, sistema econômico e bem--estar humano.
econômico-ecológica o conhecimento apro-
A variabilidade dos ecossistemas consis-
fundado da dinâmica ecológica decorrente da
te nas mudanças dos estoques e fluxos ao lon-
complexidade dos ecossistemas é uma condição
go do tempo devido, principalmente, a fatores
necessária para que a valoração econômica dos
estocásticos, intrínsecos e extrínsecos, enquan-
serviços ecossistêmicos possa efetivamente sub-
to que a resiliência pode ser considerada como
sidiar a adoção de políticas de gestão sustentá-
a habilidade de os ecossistemas retornarem ao
vel dos recursos naturais.
seu estado natural após um evento de perturba-
Os ecossistemas resultam das complexas,
ção natural, sendo que, quanto menor o período
dinâmicas e contínuas interações entre seres
de recuperação, maior é a resiliência de deter-
vivos e não vivos, em seus ambientes físicos e
minado ecossistema. Pode também ser definida
biológicos. Trata-se de sistemas adaptativos
como a medida da magnitude dos distúrbios que
complexos, nos quais propriedades sistêmicas
podem ser absorvidos por um ecossistema sem
macroscópicas como estrutura, relação pro-
que o mesmo mude seu patamar de equilíbrio
dutividade-diversidade e padrões de fluxos de
estável. As atividades econômicas apenas são
nutrientes emergem de interações entre os com-
sustentáveis quando os ecossistemas que as ali-
ponentes, sendo comum a existência de efeitos
cerçam são resilientes (ARROW et al., 1995).
de retroalimentação (feeedback) positivos e
O ponto de mudança de patamar (ou de
negativos (LEVIN, 1998), responsáveis por um
ruptura) é definido como o limiar de resiliência
equilíbrio dinâmico evolutivo. Eles incluem não
do ecossistema. Os limiares, ou pontos de ruptu-
apenas as interações entre os organismos, mas
ra (breakpoints), são aqueles pontos-limite além
entre a totalidade complexa dos fatores físicos
dos quais há um dramático e repentino desvio
que formam o que é conhecido como ambiente
em relação ao comportamento médio dos ecos-
(TANSLEY, 1935).
sistemas (MEA, 2003). O grande problema está
O conjunto de indivíduos e comunidades
em que esses limiares não são conhecidos na
de plantas e animais (recursos bióticos), sua
maioria dos casos, em especial quando se tra-
idade e sua distribuição espacial, juntamente
ta de macro-ecossistemas regulatórios como
com os recursos minerais, terra e energia solar
aquele responsável pela estabilidade climática.
(recursos abióticos), compõem a estrutura ecos-
Nos casos em que o risco de perdas irreversíveis
sistêmica, a qual fornece as fundações sobre as
decorrentes de sua ruptura é muito elevado, a
quais os processos ecológicos ocorrem (TUR-
única solução é a adoção de políticas baseada no
NER; DAILY, 2008; DALY; FARLEY, 2004). A maio-
Princípio da Precaução.
ria dos ecossistemas apresenta milhares de ele-
O entendimento da dinâmica dos ecossiste-
mentos estruturais, cada um exibindo variados
mas requer um esforço de mapeamento das cha-
graus de complexidade. Esses elementos, por
madas funções ecossistêmicas, as quais podem
sua vez, exibem comportamentos evolucioná-
ser definidas como as constantes interações
rios e não mecanicistas (COSTANZA et al., 1993).
existentes entre os elementos estruturais de um
Devido a isso, os ecossistemas são caracteriza-
ecossistema, incluindo transferência de energia,
dos por comportamentos não lineares, o que
ciclagem de nutrientes, regulação de gás, regula-
faz com que não seja possível fazer previsões de
ção climática e do ciclo da água. Essas funções se
intervenções baseadas apenas em conhecimen-
traduzem em serviços ecossistêmicos, na medida
tos sobre cada componente individualmente.
em que beneficiam as sociedades humanas. Den-
Como sistemas complexos, os ecossis-
tre eles, pode-se citar a provisão de alimentos,
temas apresentam várias características (ou
a regulação climática, a formação do solo, etc.
propriedades), como variabilidade, resiliência,
(DAILY, 1997; COSTANZA et al., 1997; DE GROOT
et al., 2002). São, em última instância, fluxos de
7
Baseado em Andrade; Romeiro (2009a e 2009b). materiais, energia e informações derivados dos
558 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
5 | MARCO REGULATÓRIO
SOBRE PAGAMENTO POR
garantir seu fornecimento (condicionalidade).
Outros autores, como Vatn (2010), enxergam tal
SERVIÇOS AMBIENTAIS NO
conceituação apenas como uma definição sob
Teoria microeconômica como substrato teórico Economia ecológica como fonte de inspiração teórica
Exclusivamente antropocêntrica e utilitarista Consideração do direito de existência das espécies e
de valores deontológicos
Uso exclusivo de técnicas de valoração Avaliação ecossistêmica e uso de ferramentas de
suporte (modelagem e técnicas de valoração)
Ênfase exclusiva na dimensão econômica de valores Consideração das dimensões ecológica e sociocultu-
ral, além da dimensão econômica
Pressuposto de agentes racionais e com informação Reconhecimento das limitações cognitivas dos agen-
perfeita tes econômicos
Serviços ecossistêmicos em geral não são essenciais Caráter essencial de grande parte dos serviços ecosis-
Quadro 2 | e podem ser substituídos têmicos e impossibilidade de substituição dos mesmos
Principais
diferenças teóricas Escala de uso dos serviços não é importante Centralidade do conceito de escala
e metodológicas
de abordagens Objetivo de correção de falhas de mercado Prioridade é a definição de uma escala de uso susten-
de valoração (externalidades) para viabilizar a alocação tável
de serviços
ecossistêmicos. Ponto ótimo é dado em função das preferências A obtenção de pontos ótimos é irrelevante. O respeito à
Fonte: Elaboração dos agentes econômicos resiliência é central
própria.
VALORAÇÃO ECONÔMICO-ECOLÓGICA DE ECOSSISTEMAS E SEUS SERVIÇOS 561
como via mecanismos de incentivos públicos ou O objetivo é instituir a Política Nacional de Paga-
subsídios. Portanto, os incentivos econômicos mento por Serviços Ambientais e as atividades
são apenas um dos diversos fatores que podem governamentais relacionadas aos serviços ecos-
influenciar padrões na relação entre uso da terra sistêmicos, criando também um Fundo Federal e
e provisão dos serviços ecossistêmicos. um Cadastro Nacional de PSA. O PL define quais
As possibilidades para implementar políti- serviços (de provisão, de suporte, de regulação e
cas de PSA no Brasil por parte dos entes públicos culturais) farão jus à remuneração, podendo ser
são distintas, variando de acordo com a esfera pagos pela manutenção, restauração e melhora
administrativa, podendo ser municipal, estadual na provisão dos mesmos, divididos em três pro-
e federal. A falta de um marco regulatório expõe gramas – floresta, água e Reserva Particular do
as iniciativas já estabelecidas em uma situação Patrimônio Natural (RPPN).
Ecossistemas e da Biodiversidade –
ram a dianteira e criaram legislações específicas
DA TEORIA À PRÁXIS
al de Mudanças Climáticas (PEMC), através da Lei
13.789, tendo como objetivo o estabelecimento
de compromissos estaduais frente ao desafio das
mudanças climáticas, bem como contribuir para Os serviços ecossistêmicos devem ser
a redução ou para a estabilização dos Gases de incluídos no processo de tomada de decisão,
Efeito Estufa (GES) (SÃO PAULO, 2009). A partir através da valoração econômico-ecológica.
desta, foi instituído o Programa de Remanescen- Essa abordagem é amplamente discutida pela
tes Florestais, sob a coordenação da Secretaria de chamada Avaliação Ecossistêmica do Milênio
Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA). A regula- (Millenniium Ecosystem Assessment - MEA), pro-
mentação da PEMC define: i) serviço ecossistêmi- cesso de avaliação científica sobre os serviços
co como aqueles benefícios que as pessoas obtém dos ecossistemas e sua relação com o bem-estar
dos ecossistemas; ii) serviços ambientais: como humano, desenvolvido de 2001 a 2005.
serviços ecossistêmicos que têm impactos posi- O MEA contou com a participação de mais
tivos além da área geradora; iii) Pagamento por de 1.300 especialistas de todas as disciplinas e
Serviço Ambiental: transação voluntária de paga- áreas, procedentes de mais de 100 países. Sua
mento ao provedor que conserve ou recupere um principal conclusão é que a sociedade humana
serviço ecossistêmico, mediante a comprovação pode diminuir as pressões que exerce sobre os
da execução das ações contratadas. serviços naturais do planeta. Todavia, a sua uti-
Tal arcabouço permite certa flexibilidade lização predatória contribui para alterar a fun-
na proposição de políticas envolvendo o PSA. cionalidade dos ecossistemas, resultando em
Os projetos de PSA são definidos através de perdas crescentes, sinérgicas e acumulativas.
norma própria (Resoluções da SIMA) e devem Também foi estabelecido um processo de con-
observar as diretrizes e critérios definidos na tinuidade, por meio da promoção de avaliações
Lei 13.798/2009 (SÃO PAULO, 2009), bem como em múltiplas escalas dos serviços ecossistêmi-
definir as áreas prioritárias estabelecidas para cos em âmbito regional, nacional ou subnacio-
a execução (como conectividade entre remanes- nal, as chamadas avaliações subglobais. O livro
centes, mananciais de abastecimento público, Serviços Ecossistêmicos e Bem-Estar Humano
entre outros). Além disso, cada projeto deve- na RBCV é decorrente da participação da RBCV
rá possuir seus critérios de elegibilidade, de nesse processo, como Avaliação Subglobal apro-
monitoramento, de valores a serem pagos e de vada pelo MEA.
prazos. Atualmente, dois programas de PSA são O MEA elenca algumas características dese-
executados a partir dessa estrutura, um voltado jáveis destes processos: uso da melhor informa-
para nascentes de mananciais de abastecimen- ção disponível, transparência e participação,
to público (Mina d´Água,) e outro para Reservas equidade e vulnerabilidade, forças e fraquezas
Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). organizacionais e cognitivas, incorporar lições
Um dos mecanismos financeiros utilizados de decisões passadas, contabilidade (accounta-
para a execução dos projetos, criado em 2002, bility), eficiência e efeitos multiescalares (MEA,
o Fundo Estadual de Prevenção e Controle da 2005). Como visto anteriormente, a Economia
Poluição (FECOP), é vinculado à Secretaria de Ecológica busca influenciar as políticas com
Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA) e tem base em três pilares fundamentais (escala sus-
como objetivo apoiar e incentivar a execução de tentável, distribuição justa e eficiência econômi-
projetos relacionados à preservação e à melho- ca), sendo importante a consideração de vários
ria das condições do meio ambiente do estado. critérios na definição de políticas. Ferramentas
Tal fundo é constituído de recursos advindos importantes, como análise multicritério e valo-
de multas ambientais, bem como de doações e ração não monetária, devem servir de inputs
a possibilidade de recebimento de remuneração para políticas da mesma forma que as análises
por créditos de carbono. econômicas.
VALORAÇÃO ECONÔMICO-ECOLÓGICA DE ECOSSISTEMAS E SEUS SERVIÇOS 563
As iniciativas recentes de valoração e con- distintos. Os valores dos primeiros são dados
tabilidade do capital natural (seja com o MEA e fundamentalmente pelo custo de oportunida-
mais recentemente com o TEEB) são provas de de, isto é, pelo custo incorrido por um agente
como a economia ecológica tem se feito presen- econômico na recuperação e/ou preservação
te e influenciado o debate outrora dominado por de um dado ecossistema (por exemplo, o valor
análises meramente custo-benefício. da produção agropecuária na área ocupada ou
ecossistêmicos
floresta, teriam que ser somados os valores de
serviços com a provisão de água, polinização,
A criação do mercado de serviços ecossis- produtos florestais, fixação de carbono, cujo
têmicos depende primeiramente da clara defi- total certamente seria distinto daquele do cus-
nição dos direitos de propriedade, etapa comu- to de oportunidade agropecuário do espaço em
mente problemática, principalmente nos países questão.
em desenvolvimento devido à falta de docu- O valor monetário dos serviços ecossistê-
mentos comprobatórios de posse e arranjos micos representa uma justificativa importante,
comunais de propriedade da terra. A definição mas conjunta à dimensão propriamente ecoló-
do serviço a ser transacionado (commodity) e gica (de sustentabilidade), para a preservação
dos meios de monitoramento e verificação nem e/ou recuperação de determinado ecossistema.
sempre são feitos. Adicionalmente no sentido de que a decisão de
Tais dificuldades na estruturação desses preservação e/ou a recuperação de um deter-
mercados explicam em grande parte o papel minado ecossistema não pode ser tomada ape-
preponderante dos intermediários. Instituições nas com base numa análise custo-benefício, que
públicas, organizações não governamentais compara os custos dessa recuperação e/ou pre-
(ONG), comitês de bacia e até empresas privadas servação (serviços ambientais) com os benefí-
atuam como intermediários. Usualmente são eles cios monetários (serviços ecossistêmicos).
6.2 | O ICMS-Ecológico
que definem o preço, as regras do jogo e escolhem
os provedores do serviço através da seleção de
determinados critérios, o que pode gerar preocu-
pações quanto à equidade. Esquemas de desenho Enquanto que o PSA pode ser entendido
de mercados voltados aos recursos hídricos são como a transferência monetária do custo de
a maioria, visto que são facilitados pela estrutura oportunidade para atores privados, o ICMS-
dos intermediários (comitês ou empresas) e pela -Ecológico possui a mesma lógica, mas para
facilidade em ligar os provedores (geralmente os o setor público. O conceito é de compensar
proprietários rurais à montante) aos recebedores os municípios pelos custos de oportunidade
(a população à jusante). A maior dificuldade na referentes às restrições de uso da terra com o
criação de políticas de PSA é justamente a ques- estabelecimento e a manutenção de áreas de
tão do financiamento. Quando não se logra esta- conservação dentro de seus territórios. O Bra-
belecer o vínculo provedor-recebedor, depende- sil foi o país pioneiro a utilizar tal mecanismo,
-se em grande parte de fundos públicos ou de em 1991 no estado do Paraná, conhecido tam-
doações internacionais, o que pode minar os bém por Ecological Fiscal Transfer. Atualmente,
potenciais resultados. 13 estados possuem legislação própria regula-
Como demonstrado anteriormente, a mentando tal mecanismo. Além do Brasil, tam-
valoração econômico-ecológico é um excelente bém países como Portugal e Alemanha têm uti-
instrumento para subsidiar a adoção de políti- lizado dessa redistribuição fiscal como política
cas conservacionistas e tem papel fundamental ambiental.
nas políticas de PSA. No entanto, é preciso ter O Imposto sobre Circulação de Mercado-
cuidado e não confundir os conceitos de servi- rias e Serviços (ICMS) é um imposto interesta-
ços ambientais com aquele de serviços ecossis- dual e intermunicipal, o qual é passível de ter
têmicos, pois os valores respectivos são muito sua distribuição alterada por critérios estaduais.
564 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
7 | PERSPECTIVAS DE
VALORAÇÃO DE SERVIÇOS
comitê das bacias hidrográficas dos Rios Piraci-
caba, Capivari e Jundiaí (PCJ), empresas locais
ECOSSISTÊMICOS NA RBCV
e ONGs. A centralidade das decisões é feita
primordialmente pela Secretaria Municipal do
Meio Ambiente de Extrema, a qual conta com
um considerável corpo técnico e material, além A despeito das ressalvas no uso das téc-
de viveiro de mudas. A métrica de pagamento nicas de valoração convencionais (seção 3), o
em Extrema leva em conta o custo de oportu- fato é que seu uso tem sido largamente gene-
nidade da principal atividade agropecuária da ralizado. Em uma tentativa de reunir os resul-
região (gado), traduzido em forma de Unidades tados encontrados por uma grande quantidade
Fiscais de Extrema (UFEX). No entanto, não dispersa de estudos de valoração dos serviços
remunera apenas pela área imobilizada para ecossistêmicos nos diversos biomas do plane-
reflorestamento ou conservação, mas sim pela ta, Costanza et al. (1997)13 estimaram o valor
área total da propriedade. O entendimento da anual dos fluxos globais de 17 serviços em 16
administração do Programa é de que deve se tipos de ecossistemas. Na primeira avaliação
entender a propriedade inteira como geradora (1997), os resultados mostram que o capital
de serviços ambientais, por isso a necessidade natural da Terra rende, anualmente, um fluxo
de ações de saneamento ambiental e a difusão médio estimado de US$ 33 trilhões (preços de
de melhores práticas agrícolas. A presença das 1994) por ano,14 cerca de 1,3 vez superior ao
autoridades ambientais locais e a relação com produto bruto mundial (US$ 25 trilhões). Em
os proprietários rurais podem ser creditadas uma estimativa para o ano de 2011, os serviços
como alguns dos fatores de sucesso do progra- globais dos ecossistemas totalizam U$ 125 tri-
ma, visto que a presença nas propriedades é lhões/ano (assumindo a atualização dos valores
diária e a comunicação constante. e alterações nas áreas dos biomas) (COSTANZA
O Programa tem sido bem sucedido et al, 2014).
nas suas metas de conservação e adequação A Tabela 1, a seguir, retirada de De Groot
ambiental, mas em tese paga pelas externalida- et al. (2002) e baseada nas informações suple-
des positivas de outras cidades. Cabe lembrar mentares do estudo de Costanza, apresenta os
que as bacias hidrográficas de Extrema são par- intervalos de valores encontrados para cada
te das áreas de contribuição da bacia dos rios serviço ecossistêmico, bem como as técnicas
Piracicaba-Capivari-Jundiaí e, especialmente, de valoração mais utilizadas e sobre as quais se
do Sistema Cantareira, responsável pelo abas- basearam as estimativas.
tecimento de cerca de metade da população da Pelas informações ali contidas, é possível
cidade de São Paulo. Do ponto de vista de liga- traçar um perfil sobre quais técnicas usual-
ção entre provedor-recebedor, o maior bene- mente são mais utilizadas para captar o valor
ficiário (a população das cidades à jusante) de um serviço ecossistêmico, embora esse pos-
não contribui diretamente com a manutenção sa ser calculado a partir de vários métodos.
e a provisão de água de qualidade para seus Para a categoria de provisão, por exemplo, os
habitantes. valores dos serviços são geralmente calculados
Apesar do sucesso do programa, podemos através de observação direta de preços de mer-
questionar a possibilidade de ampliação dos cado, uma vez que esses serviços são transacio-
moldes deste para cidades da região. O municí- náveis nos mercados convencionais.
pio já vem de uma agenda ambiental rígida ao Para os serviços de regulação, técni-
longo dos anos e passou por uma transformação cas indiretas (mercados substitutos e/ou
das atividades econômicas tradicionais. Extre-
13
Segundo o Institute of Scientific Information (Web of
ma se transformou nos últimos anos em um polo Science), Costanza et al. (1997) é um dos trabalhos mais
industrial, principalmente devido aos incentivos citados na área ecológica/ambiental.
fiscais e à proximidade com a metrópole de São 14
Valor referente à média dos fluxos. O intervalo encontrado
pelos autores é de US$ 16 a US$ 54 trilhões por ano (pre-
Paulo, o que deu condições financeiras para o
ços de 1994). O valor médio dos fluxos globais de serviços
orçamento municipal, fonte principal do “Con- ecossistêmicos é considerado uma estimativa conservado-
servador de Águas”. ra pelos autores, dada a natureza das incertezas envolvidas.
566 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Intervalo
Servicos Ecossistêmicos 1 Técnica mais utilizada 3
de valores 2
Serviços de Provisão
Alimentos 6-2.761 preços de mercado
Materiais 6-1.014 preços de mercado
Recursos genéticos 6-112 preços de mercado
Recursos ornamentais 3-145 preços de mercado
Oferta de água 3-7.600 preços de mercado
Serviços de Regulação
Regulação de gás 7-265 custo evitado
Regulação climática 88-223 custo evitado
Regulação de distúrbios 2-7.240 custo evitado
Regulação de água 2-5.445 prod. marginal (fator-renda)
Retenção de solo 29-245 custo evitado
Tratamento de resíduos 58-6.696 custo de reposição
Controle biológico 2-78 custo de reposição
Polinização 14-25 custo de reposição
Serviços Culturais
Tabela 1 |
Recreação e (eco)turismo 2-6.000 preços de mercado e aval. contingente
Valor dos serviços
ecossistêmicos Informação estética 7-1.760 preços hedônicos
e técnicas de
valoração mais Informação histórica e espiritual 1-25 avaliação contingente
utilizadas. Serviços de Suporte
Fonte: Adaptado
de De Groot et al. Formação do solo 1-10 custo evitado
(2002: p. 405-406). Ciclagem de nutrientes 87-21.100 custo de reposição
Com base nos
resultados de Refúgio 3-1.523 preços de mercado
Costanza et al.
Berçário 142-195 preços de mercado
(1997).
1
Os serviços ecossistêmicos foram agrupados segundo a classificação em categorias funcionais (provisão, regulação, culturais e de suporte). Os serviços
listados são aqueles cujos valores foram calculados por Costanza et al. (1997).
2
Os valores são de 1994 e se aplicam a diferentes tipos de ecossistemas.
3
Refere-se à técnica mais utilizada e sobre a qual se baseou o cálculo dos valores apresentados. Preço de mercado refere-se aos preços diretamente observá-
veis no mercado. Este último refere-se apenas a valores adicionados (preço de mercado menos custos de capital e trabalho).
complementares) são preferidas, dado que demais tipos de serviços podem trazer embuti-
tais serviços não são precificados pelos mer- do o valor dos serviços de suporte. Para evitar
cados. Os serviços culturais foram principal- esse viés e tornar os estudos de valoração mais
mente valorados através das técnicas diretas comparáveis, De Groot et al. (2002) sugerem
(DAP direta e indireta), enquanto que os ser- que seja feito um ranking dos métodos de valo-
viços de suporte não apresentam um padrão ração preferíveis para cada classe de serviço
identificável, utilizando ora preços de merca- ecossistêmico. A Tabela 1 pode ser uma pri-
do, ora técnicas indiretas de valoração (custos meira tentativa nessa direção.
evitados e custos de reposição). Várias foram as limitações do estudo de
Quanto aos serviços de suporte, é preci- Costanza et al. (1997: p. 258), o que pode ter sig-
so lembrar que sua valoração pode, em muitos nificado sérios vieses nas estimativas feitas. A
casos, configurar em dupla-contagem, já que, seguir, resumem-se as principais, como expli-
como o próprio nome indica, esses serviços citamente reconhecidas no estudo: i) inexis-
fornecem suporte aos demais. Logo, o valor dos tência de estudos de valoração para algumas
VALORAÇÃO ECONÔMICO-ECOLÓGICA DE ECOSSISTEMAS E SEUS SERVIÇOS 567
categorias de serviços e para alguns ecos- que estimativas pontuais presentes na lite-
sistemas (deserto, tundra, etc.); ii) em mui- ratura são transportadas para estimativas
tos casos, os valores são baseados na atual globais; v) para evitar dupla contagem, não é
disponibilidade a pagar dos agentes pelos apropriada a utilização de uma estrutura de
serviços ecossistêmicos, muito embora tais equilíbrio parcial. Seria necessário o uso de
agentes possivelmente são mal informados uma estrutura de equilíbrio geral, na qual fos-
e suas preferências podem não incorporar sem reconhecidas as interdependências entre
adequadamente justiça social, sustentabilida- funções e serviços ecossistêmicos.
de ecológica e outros objetivos importantes Apesar das suas limitações, o estudo de
para a qualidade de vida; iii) a abordagem de Costanza et al. (1997) mostra que a prática
valoração utilizada assume que não existem usual da valoração de ecossistemas e seus servi-
limiares, descontinuidades ou irreversibilida- ços é bastante disseminada, além de importante
des nos ecossistemas e seus processos; iv) há para a constituição de parâmetros mínimos para
explícita desconsideração da heterogeneidade a elaboração e a implementação de políticas que
espacial dos serviços ecossistêmicos, uma vez impactam os ecossistemas e seus serviços.
REFERÊNCIAS
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GLOSSÁRIO
A
Análise conjunta | Método que identifica as pre- Função de produção | Função que relaciona a
ferências declaradas de entrevistados através da quantidade de diversos insumos necessários à
comparação de cenários. produção de um bem ou serviço.
Avaliação contingente | Método que, por meio
de entrevistas à população, estima a disposição
desta a pagar por um bem ou serviço ecossis-
G
têmico. Gastos defensivos | Método que estima gastos
necessários com atividades substitutas ou com-
Análise de custo-benefício | Método de análise
plementares, para suprir mudanças nos bens ou
que compara custos e benefícios econômicos de
nos serviços ecossistêmicos.
uma intervenção.
C I
Internalização | Fazer com que o agente que
Custos evitados | Método que estima custos
promove uma ação seja responsável pelos impac-
com atividades substitutas ou complementares,
tos a outros agentes.
que seriam realizadas caso ocorressem mudan-
ças nos bens ou no serviço ecossistêmico.
Custos de controle | Método que estima gastos M
com atividades de controle necessárias para evi-
tar a variação do bem ou do serviço ecossistêmico. Mercado de bens substitutos | Métodos que
estimam o valor econômico de um bem ou de um
Custos de reposição | Método que estima gas- serviço ecossistêmico a partir do preço de merca-
tos necessários para reposição ou reparação de do de algum substituto.
um bem ou serviço ecossistêmico após qualquer
um destes ser modificado. Métodos diretos | Métodos baseados na DAP
declarada pelos agentes econômicos.
Custo de oportunidade | Custo de atividades
econômicas que poderiam estar sendo desenvol- Mercado hipotético | Simulação de um merca-
vidas em uma área de preservação. do para um bem ou um serviço.
Custo de viagem | Custos associados aos gas-
Método de valoração | Métodos que atribuem
tos praticados pelos visitantes para se desloca-
valores econômicos aos bens ou aos serviços
rem a um local de visitação.
ecossistêmicos.
D P
DAP | Disposição a pagar por algum bem ou ser-
Poluição ótima | Nível de poluição em que os
viço, declarada por um agente econômico.
custos marginais de controle igualam-se aos
benefícios marginais de controle.
E Precificação | Atribuir preço a um bem ou a um
Erosão | Processo pelo qual o solo é removido da serviço ecossistêmico.
superfície.
Preços hedônicos | Valores econômicos atri-
Externalidade | Efeito da ação de um agente buídos por meio de relações entre a provisão de
sobre o bem-estar de outro agente. bens e serviços ecossistêmicos com o preço de
um produto no mercado.
F
Função dose-resposta | Função que relaciona o
S
nível de provisão do recurso ambiental ao respec- Stakeholder | Agentes que promovem determi-
tivo nível de produção de produtos no mercado. nada ação ou são afetados por ela.
570 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
MÃOS UNIDAS PARA OS
SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS
E PARA A BIODIVERSIDADE
SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Foto de abertura do
MÃOS UNIDAS PARA OS SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS E PARA A BIODIVERSIDADE
capítulo:
Atividade de
reflorestamento no
NEE Parelheiros
(PJ Mais).
Fonte: Elaine
Aparecida
Rodrigues (2015).
Marcos Penido
Apresentação
Secretário Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente de São
Paulo (SIMA). Graduação em Engenharia Civil, funcionário de carreira
da CDHU. Ocupou cargos de responsabilidade no
Estado e na Prefeitura de São Paulo, à frente de desafios
de programas de infraestrutura urbana.
Rodrigo Levikovicz
Apresentação
Diretor executivo da Fundação Florestal (FF/SIMA).
Graduação em Direito (PUC). Especialização em Direito Ambiental
e Direito Público (ESPGESP). Mestre em Direitos Difusos e Coletivos
(PUC-SP). Procurador do Estado de São Paulo.
Walt Reid
Prefácio
Diretor do Programa de Conservação e Ciência da David and
Lucile Packard Foundation. Graduação em Zoologia
(Universidade da Califórnia). Pós-Doutor em Zoologia
(Universidade de Washington). Foi professor na Universidade
de Stanford, criador e diretor da Avaliação Ecossistêmica
do Milênio, vice-presidente do World Resources Institute.
Bárbara Junqueira
Revisora contribuinte
Diretora Geral Rumos Sustentabilidade. Graduação em Engenharia
Florestal (ESALQ/USP). Especialização em Direitos Humanos (USP),
Neurociências (PUC-RS) e Quesitos Técnicos e Legais em Meio
Ambiente (CETESB). Áreas de atuação: educação ambiental,
restauração florestal participativa, manejo florestal, florestas urbanas,
silvicultura avaliação de serviços ecossistêmicos.
Contato: +55 11 96410 8790; [email protected]
Corina Sidagis-Galli
Provisão e regulação da água
Pesquisadora científica na Associação Instituto Internacional de
Ecologia e Gerenciamento Ambiental (IIEGA).
Graduação em Ciências Biológicas (Universidad de la República).
Doutora em Ciências da Engenharia Ambiental (USP).
Áreas de atuação: limnologia (biogeoquímica de rios e reservatórios,
quantificação da emissão de gases de efeito estufa
na interface sedimento-água e água-atmosfera e diagnóstico e
monitoramento da qualidade da água de rios e reservatórios).
Contato: [email protected]
580 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Dirceu Caróci
Designer gráfico
Colaborador independente. Graduação em Design Gráfico.
Desenvolveu projetos para o jornal DCI - Diário Comércio Indústria &
Serviços; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Páginas & Letras
Editora e Gráfica e para o Instituto Florestal. Áreas de atuação:
pré-impressão, especialista em diagramação e editoração
Contato: +55 11 97515 3017; [email protected]
MÃOS UNIDAS PARA OS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E PARA A BIODIVERSIDADE 581
Elisabete Salay
Provisão de alimentos
Professora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Doutora em desenvolvimento pela École des Hautes Études en Sciences
Sociales. Publicou 72 artigos, capítulos e livros. Orientou
15 doutorados e 10 mestrados. Coordenou diversos projetos.
Assessorou instituições relevantes. Apresentou 159 comunicações.
Foi professora da UNICAMP. Atualmente é consultora.
Áreas de atuação: política de alimentação e nutrição.
Contato: [email protected]
Elizabeth Nascimento
Provisão de alimentos
Professora e pesquisadora na Faculdade de Ciências Farmacêuticas
da Universidade de São Paulo (FCF/USP). Graduação em Farmácia e
Bioquímica, Mestre em Toxicologia, Doutora em Ciência dos Alimentos
(USP), avaliadora e inspetora do Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial e consultora do International Life
Sciences Institute. Áreas de atuação: toxicologia, com ênfase em
toxicologia de alimentos, ambiental e avaliação do risco químico.
Contato: [email protected]
Kátia Canil
Controle de processos geohidrológicos
Professora e vice-coordenadora do Laboratório de Gestão de
Risco (LabGris) da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Graduação em Geografia. Mestre e Doutora em Geografia Física
(FFLCH/USP). É colaboradora do Programa de Pós-Graduação em
Planejamento e Gestão Territorial (UFABC). Trabalhou como
pesquisadora no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)
do Estado de São Paulo (1990-2013). Áreas de atuação:
gestão de riscos, planejamento urbano territorial, geomorfologia.
Contato: [email protected]
Kátia Mazzei
Biodiversidade | Provisão de Alimentos | Turismo
Pesquisadora científica do Instituto de Botânica (IBt/SIMA).
Graduação em Geografia (USP). Mestre e Doutora em Geografia Física/
Biogeografia (USP). Foi pesquisadora do Instituto Florestal e
professora visitante na IES UNISA. Áreas de atuação: criação e gestão
de UC, elaboração de planos de manejo, corredores de fauna e
monitoramento ambiental, aplicação de geotecnologias em
planejamento territorial ambiental, sensoriamento remoto para
restauração ecológica e conservação de grandes carnívoros.
Contato: +55 11 5067-6188; [email protected]
Leticia Guedes
Assistente de produção
Estagiária do Instituto Florestal (IF/SIMA) (2016-2018).
Graduada em Direito (UNISAL).
Áreas de atuação: apoio na elaboração de publicações; pesquisa em
legislação ambiental e políticas públicas; sistematização de normas e
dados de processos relacionados às UC.
Contato: +55 11 97416 3905; [email protected]
584 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Lúcio Fagundes
Provisão de alimentos
Pesquisador independente. Graduação em Engenharia
Agronômica. Mestre em Ciências Biológicas (Área de Zoologia).
Foi pesquisador científico no Instituto de Pesca (IP) (até 2018).
Áreas de atuação: viabilidade econômica na maricultura e
socioeconomia pesqueira.
Marcio Rossi
Provisão de alimentos | Controle de processo geohidrológicos
Pesquisador científico do Instituto Florestal (IF/SIMA).
Graduação em engenharia Agronômica (UNESP). Doutor em
Geografia (USP). Atuou como Pesquisador Científico do Instituto
Agronômico de Campinas (IAC). Foi diretor de pesquisa do IFl
e coordenador acadêmico do PIBIC/CNPq/IF.
Áreas de atuação: agronomia; gênese, morfologia e classificação dos
solos; pedologia; planejamento de áreas naturais;
levantamento e mapeamento do meio biofísico.
Contato: [email protected]
Marco Antonio Garcia Martins
Regulação da qualidade do ar
Pesquisador associado da Escola de Saúde Pública da Harvard -
Boston/EUA (HSPH). Graduação em Engenharia Agronômica (UNESP).
Mestre em Biologia Vegetal (UNESP). Doutor em Ciências (USP) e
Pós-Doutor em Saúde Ambiental (Harvard). Integra equipe de
pesquisadores do Departamento de Saúde Ambiental,
responsável pelo desenvolvimento de técnicas para medições de
poluentes atmosféricos e da exposição humana a eles.
É especialista em qualidade do ar (LPAE); foi pesquisador do INAIRA –
USP e consultor internacional. Áreas de atuação:
poluição atmosférica e ambiental e sua relação com a saúde.
Contato: [email protected]
586 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Maurício Ranzini
Provisão e regulação da água
Pesquisador científico do Instituto Florestal (IF/SIMA). Graduação
em Engenharia Florestal. Mestre em Ciências Florestais (ESALQ/USP),
Doutor em Ciências da Engenharia Ambiental pela (EESC/USP),
Pós-Doutor (NUPEGEL/USP). Áreas de atuação: recursos florestais e
engenharia florestal, com ênfase em hidrologia florestal, e
participação em planos de manejo na área de hidrologia superficial.
Contato: [email protected]
Oscar Sarcinelli
Valoração econômica-escológica
Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental (NEAUNICAMP).
Graduação em Administração. Mestre e Doutor
em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente
(NEA/UNICAMP). Pós-Doutor em Economia e Meio Ambiente.
Participou em projetos de conservação florestal em São Paulo,
Amazonas e Mato Grosso do Sul. Áreas de atuação: recuperação, em
larga escala da vegetação natural, conservação ambiental, agricultura
sustentável, estratégias para conservação de serviços ambientais,
valoração econômica do meio ambiente.
Contato: [email protected]
Priscila Weingartner
Ilustradora
Assistente de pesquisa do Instituto Florestal (IF/SIMA).
Pós-graduação em Análise de Impactos Ambientais com enfoque no
Impacto da Comunicação Visual em UC. Foi diretora do Serviço de
Comunicações Técnico-Científicas do IF.
Áreas de atuação: comunicação, apoio à pesquisa de campo em
vegetação e flora, organização e realização de eventos,
educadora em curso de EaD, ilustradora.
Contato: [email protected]
Renato Tagnin
Provisão e regulação da água
Pesquisador do Centro Universitário SENAC (SENAC/CAS).
Graduação em Arquitetura e Urbanismo (Faculdade Braz Cubas).
Mestre em Engenharia Civil e Urbana (USP), Doutor em
Ciências (FAU/USP). Coordenou programas de controle de
inundações, de recuperação de mananciais e o Conselho
Municipal de Meio Ambiente de São Paulo. Foi consultor do MMA.
Áreas de atuação: planejamento ambiental e gestão de água.
Contato: [email protected]
Ricardo Hirata
Provisão e regulação da água
Professor titular do Instituto de Geociências (USP) e diretor do
Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (CEPAS|USP).
Graduação em Geologia (UNESP). Mestre e Doutor (USP) e
Pós-Doutor pela Universidade de Waterloo (Canadá). Foi consultor da
UNESCO, da International Atomic Energy Agency (IAEA); e OPAS/OMS.
Possui mais de 30 anos de experiência em recursos hídricos e águas
subterrâneas, em projetos no Brasil e em mais de 26 países.
Áreas de atuação: hidrogeologia.
Contato: +55 11 99482 0864; [email protected]
590 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Rodrigo Machado
Lazer e turismo
Especialista ambiental da Secretaria de Infraestrutura e Meio
Ambiente de São Paulo (SIMA). Graduação em Turismo. Mestre
em Educação e Doutor em Ciência Ambiental (USP).
Atua na Coordenadoria de Fiscalização e Biodiversidade.
Áreas de Atuação: participação social, educação ambiental,
políticas públicas em meio ambiente.
Contato: +55 11 3133 4194; [email protected]
Sandra Costa-Böddeker
Provisão e regulação da água
Pesquisadora associada ao Institüt für Geosysteme und
Bioindikation (IGeo). Graduação em Ciências Biológicas. Doutora em
Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente (IBt). Áreas de atuação:
engenharia ambiental, climatologia e ecologia, com foco em ecologia
aquática - paleoecologia/paleolimnologia, bioindicadores,
biogeoquímica de sedimentos aquáticos, reconstrução de
paleoambientes, impactos antrópicos em ambientes estuarinos.
Contato: [email protected]
Sidnei Raimundo
Lazer e turismo
Professor associado da Escola de Artes, Ciências e Humanidades
da Universidade de São Paulo (EACH/USP). Graduação em
Geografia (USP). Mestre em Geografia Física (USP). Doutor em
Geografia (análise ambiental e dinâmica territorial) (UNICAMP).
Pós-Doutor em Geografia do Turismo (Universidade de Girona,
Espanha). Trabalhou com manejo de áreas protegidas no IF.
Orientador em programas de pós-graduação. Áreas de atuação:
impactos socioambientais do lazer e turismo, geografia do turismo,
ecoturismo e lazer na natureza.
Contato: +55 11 3091 8861; [email protected]
Sonia Aragaki
Biodiversidade
Pesquisadora científica do Núcleo de Pesquisa Curadoria
do Herbário do Instituto de Botânica (IBt/SIMA).
Graduação em Ciências Biológicas. Doutora em Biologia Vegetal
e Meio Ambiente. Áreas de atuação: florística, fitossociologia,
fragmentos urbanos, com levantamento nas diferentes
formações florestais do Estado de São Paulo.
Contato: +55 11 5067 6093; [email protected]
Sueli Herculiani
Folclore caipira
Analista de recursos ambientais do Instituto Florestal (IF/SIMA).
Graduação em Pedagogia. Áreas de atuação: educação ambiental,
comunidades tradicionais (população tradicional caipira) e
planejamento ambiental.
Thais Mauad
Controle da qualidade do ar
Professora associada do Departamento de Patologia e
Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Pesquisadora do
Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental (LPAE da FMUSP.
Graduação em Medicina (USP). Doutora em Patologia (USP). Foi
supervisora da Divisão de Autópsias (FMUSP); coordenou o INCT
(Análise Integrada do Risco Ambiental) e integrou o Comitê Internacional
ATS/ERS para nova definição de asma grave. É coordenadora do Grupo
de Estudos em Agricultura Urbana (IEA/USP). Áreas de atuação:
medicina, com ênfase em anatomia patológica (patologia pulmonar,
asma e outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas).
592 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E BEM-ESTAR HUMANO NA
RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Valdir de Cicco
Provisão e regulação da água
Pesquisador científico do Instituto Florestal (IF/SIMA).
Graduação em Engenharia Florestal (UFV). Mestre e Doutor
(USP). Áreas de atuação: hidrologia florestal.
Contato: +55 11 98251 9905; [email protected]
Veridiana Martins
Provisão e regulação da água
Professora do Instituto de Geociências da USP (CEPAS/USP).
Graduação em Geologia. Mestre e Doutora. Membro do Centro de
Pesquisas de Águas Subterrâneas e Centro de Pesquisas em Geologia
Isotópica. Áreas de atuação: geoquímica isotópica aplicada a questões
ambientais e geologia ambiental.
Contato: [email protected]