Curativos

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10/03/2011 Curativos

CURATIVOS
Marilú Barbieri Victoria

“Tendo em mente que é da vitalidade das partículas atmosféricas que toda desfortuna surge,
parec e que o mais importante é cobrir as feridas com algum material c apaz de matar estes germes
sépticos, …”
Joseph Lister (1867)

INTRODUÇÃO

No momento do trauma são interrompidas as conexões vasc ulares e nervosas, sendo que, quanto
mais extenso o traumatismo, maior é o número de elementos lesados. Podem ser encontrados nas
feridas tecidos desvitalizados, sangue extravasado, mic roorganismos ou corpos estranhos, como
terra, fragmento de madeira, vidro e outros, dependendo do tipo de acidente e do agente causal.

Após lesão tecidual de qualquer natureza, o organismo desencadeia a c icatrizaç ão, considerado
um processo extremamente complexo, composto de uma série de estádios, interdependentes e
simultâneos, envolvendo fenômenos químicos, físicos e biológicos.

Conforme a intensidade do trauma, a ferida pode ser considerada superfic ial, afetando apenas as
estruturas de superfície, ou grave, envolvendo vasos sangüíneos mais c alibrosos, músculos,
nervos, fásc ias, tendões, ligamentos ou ossos.

Independentemente da etiologia da ferida, a cic atrizaç ão segue um c urso previsível e contínuo,


sendo dividida didaticamente em três fases (fase inflamatória, fase proliferativa e fase de
maturação).

O c uidado c om feridas traumátic as é determinado pela forma c omo são tratadas. Cada tipo de
fechamento da ferida tem um efeito sobre a cicatrização. Pode ocorrer c icatrizaç ão por primeira,
segunda ou terceira intenção.

Os objetivos do curativo são a proteção da ferida, prevenção de infecç ão em c aso de fechamento


por segunda intenção ou uso de dreno e facilitação do processo de c icatrizaç ão.

A escolha do curativo irá depender do tipo de procedimento, tamanho da ferida, presença de


drenagem ou sinais de infecção do sítio c irúrgico (ISC).

FERIDAS LIMPAS: nas feridas limpas, não drenadas, recomenda-se o uso de


curativos nas primeiras 24 horas após a cirurgia. Se a incisão estiver seca,
rec omenda-se limpeza c om água e sabão e sec agem com gaze estéril. Não é
rec omendado uso de PVP-I nestas feridas. Não há evidências de prejuízo à
cicatrização e de aumento de ISC em feridas descobertas. Se houver saída de
secreção serosa ou sanguinolenta, a limpeza deve ser feita com SF0,9% estéril,
repetindo-se quantas vezes for nec essário, até interrupç ão da drenagem. Cobertura
da incisão é recomendável para evitar que a secreç ão suje a roupa de cama e do
pac iente. Esta cobertura pode ser feita c om uma únic a c ompressa de gaze estéril,
com o mínimo de fita adesiva ou curativo adesivo sintético. Em caso de indicação de
cobertura em feridas limpas, a literatura aponta vantagem para o uso de gaze seca e
esparadrapo, quando comparada com materiais sintéticos. As c oberturas devem ser
limitadas somente ao loc al da inc isão. Coberturas semi-oclusivas (filmes plástic os) são
parcialmente permeáveis e impedem o contato com substânc ias contaminadas,
podendo ser utilizadas neste tipo de feridas, especialmente quando é utilizada sutura
intradérmica. Seu fator limitante é o aumento de custos.

FERIDAS INFECTADAS: o proc esso de cicatrização só será inic iado quando o agente
agressor for eliminado e o exsudato e os tecidos desvitalizados retirados. Fundamental
nesta situação é a limpeza meticulosa. O excesso de exsudato deve ser removido,
juntamente com exotoxinas e debris, pois a presença desses componentes pode
retardar o cresc imento celular e prolongar a fase inflamatória, o que prejudic a a
formaç ão do tecido de granulaç ão. A limpeza pode ser realizada com SF0,9% estéril

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com auxílio de gaze ou seringa, até o final do processo infeccioso, e os curativos
deverão ser troc ados sempre que saturados. O uso da SF0,9% limpa e umedec e a
ferida, favorecendo a formação do tecido de granulação, amolec endo os tecidos
desvitalizados e favorec endo o debridamento autolítico. As soluções anti-sépticas, em
sua maioria, não são indicadas para feridas abertas, por apresentar aumento das
reações inflamatórias e dificultar o processo de cic atrizaç ão. Existem alguns fatores
que interferem no proc esso de cicatrização. Alguns fatores sistêmic os são:
oxigenação e perfusão tecidual defic ientes; distúrbios nutricionais; presenç a de
infecção; distúrbios do sistema hematopoiético; distúrbios metabólicos e
hidroeletrolíticos; distúrbios neurológicos; tabagismo; distúrbios de coagulaç ão;
distúrbios vasculares; imunossupressão; falênc ia renal; uso de corticosteróides;
radioterapia e quimioterapia; idades extremas e doenças crônicas. Fatores loc ais
também são importantes: presença de infecção; presenç a de corpos estranhos,
tecidos nec rótic os e c rostas; ressec amento; edema; pressão, fricç ão e cisalhamento;
localização da ferida.

TRATAMENTO

ANTIBIÓTICOS TÓPICOS EM FERIDAS: o uso de agente antimicrobiano tópico é muito restrito e


deve ser indicado mediante avaliação criteriosa de sua toxicidade c elular.

Vários antimicrobianos tópic os já foram e ainda são utilizados na prática médica de forma ritual e
muitas vezes irrac ional. Drogas c omo aminoglicosídeos, polimixina, clindamicina, eritromic ina,
c loranfenicol, tetraciclina e rifamicina são disponíveis em apresentaç ões tópicas em diversos
veículos isolados ou c ombinados. Os aminoglicosídeos têm baixa penetraç ão nos tec idos, não
agem em metabolismo anaeróbico e podem levar a dermatite de contato. Existem poucos dados
sobre o uso de clindamicina, eritromicina e polimixinas. A rifamic ina, amplamente divulgada,
apresenta o inc onveniente de alterar a c oloração dos tecidos, dific ultando o ac ompanhamento e
induzindo a resistência rapidamente.

Não existe hoje consenso quanto à indic ação de profilaxia ou tratamento tópic o de ISC.
Combinação de esquemas tópicos com orais ou parenterais não é desejada. Disc ussão maior é o
uso de cimento impregnado c om antimic robianos em ortopedia, que possui indicações rigorosas.

POLIVINILPIRROLIDONA-IODO (PVP-I): PVP-I aquoso é um composto orgânico de iodo,


atualmente não indic ado para tratamento de feridas, c onsiderando que não reduz a incidência de
infec ção nas feridas, não age na presenç a de materiais orgânicos e eleva o nível sérico de iodo;
PVP-I degermante só deve ser usado em pele íntegra, com a finalidade de remover sujidade e
reduzir a flora transitória e residente, devendo ser retirado após o uso. Tem indicaç ão também na
degermaç ão da pele, mãos, área cirúrgica e proc edimentos invasivos; PVP-I alc oólic o é indic ado
para uso em pele íntegra, após degermaç ão das mãos, com a finalidade de fazer luva químic a e
demarcar a área operatória, reduzindo a flora da pele; SF 0,9% é utilizada para limpeza de todos
os tipos de feridas e inserç ão de cateteres venosos e arteriais, por ser inócua.

CLOREXIDINA: não é inativada na presença de matéria orgânica, porém, existem pouc os dados
disponíveis para uso em feridas abertas, e o risco de sensibilização não deve ser esquecido.

COLAGENASE: é uma das enzimas utilizadas no debridamento químico. Ela dec ompõe as fibras de
c olágeno natural que constituem o fundo da lesão, por meio das quais os detritos permanecem
aderidos aos tecidos. A eficác ia demonstrada pela colagenase no debridamento pode ser explicada
por sua exclusiva capac idade de digerir as fibras de colágeno natural, as quais estão envolvidas
na retenç ão de tecidos necrosados. Alguns autores citam que, além do caráter enzimátic o, a
c olagenase demonstra uma ação excitadora para o tecido de granulaç ão, com ac eleração do seu
c rescimento e enchimento do vazio da lesão, bem como sua epitelizaç ão. O ensaio clínic o desta
enzima demonstra ainda que está indicada exclusivamente nas feridas com tecido necrótico.

PROFILAXIA DO TÉTANO: além destes cuidados, é sempre importante lembrar da profilaxia do


tétano quando as feridas forem c onsideradas tetanogênic as. Não se deve perder a oportunidade
de vacinar as crianças (verific ar sempre o cartão de vacinação) ou fazer a dose de reforço nos
adultos. Avaliar inc lusive a necessidade de soro anti-tetânico, a depender da carac terística da
ferida.
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CARACTERÍSTICAS DE UM CURATIVO IDEAL:

Manter a umidade no leito da ferida;


Manter a temperatura em torno de 37o C no leito da ferida;
Absorver o excesso de exsudato, mantendo uma umidade ideal;
Prevenir a infecção, devendo ser impermeável a bac térias;
Permitir sua remoção sem causar traumas no tecido neoformado;
Não deixar resíduos no leito da ferida;
Limitar a movimentação dos tecidos em torno da ferida;
Proteger contra traumas mecânicos.

Curativos que utilizam coberturas auto-aderentes (à base de hidrocolóides, filme transparente)


dispensam o uso de instrumental (pacote de curativo). Recomendam-se luvas de procedimento,
uma vez que o leito da ferida não vai ser toc ado. Após a limpeza da lesão com SF0,9% em jato,
sec ar a pele em volta da ferida e aplicar a cobertura que deverá cobrir 2 c m de pele íntegra em
torno da lesão.

Curativos primários (alginato de cálcio, carvão ativado) ficam em contato direto com a lesão e
exigem uma cobertura. Deve-se usar obrigatoriamente luvas estéreis no momento da manipulação
da placa e da adaptação dela no leito da ferida.

PROCEDIMENTO:

Lavar as mãos com a técnica c orreta e fazer antissepsia com álc ool glicerinado antes e após
o proc edimento;
As pinç as usadas durante o curativo devem estar com as pontas para baixo, prevenindo a
contaminação;
Usar gaze uma só vez;
Lavar a ferida c om SF 0,9% em jato, usando um frasco de SF0,9% de 250 ml furado com
uma agulha 25/8, a fim de promover pressão suficiente para remover o exsudato da ferida e
eventuais c orpos estranhos;
Secar a pele ao redor da ferida sem tocar no leito desta;
Adequar o c urativo ao tamanho da ferida;
Remover ao máximo as sec reções, c orpo estranho e tecido nec rótic o;
Fec har os curativos primários c obertos com gaze ou compressa, fazendo uma proteção da
pele do pac iente com adesivo microporoso e vedar c om esparadrapo c omum, para manter o
meio úmido;
Observar e anotar o aspecto da lesão e o c urativo realizado, na papeleta e no instrumento
de evolução de feridas.

COLETA DE CULTURA:

Feridas, abscessos e exsudatos: limpar a ferida c om SF0,9%, coletar o material purulento


na parte mais profunda da ferida, aspirando c om seringa ou agulha. A escarific ação das
bordas é o material adequado para c ultura. Swabs são menos rec omendados;
Lesões abertas úmidas e úlceras: limpar ao redor da ferida c om gaze embebida em álcool
a 70%, remover crostas c om SF0,9%, passar o swab na base e bordas, colocá-lo em meio
de cultura e enviar imediatamente ao laboratório. Não c oletar pus emergente;
Espécime cirúrgico (biópsias e secreções): técnic a de coleta asséptica, deverá ser
coletada pelo médico. Enviar o fragmento imediatamente ao laboratório;
Fragmento de tecido: colher o material assepticamente, coloc ando em frasco estéril ou
contendo SF0,9% estéril.

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NOMES INDICAÇÕES OBSERVAÇÕES
Usado como curativo primário, por ser
aplicado sobre o leito da ferida,
Indic ado em lesões infectadas ou não, necessitando de um curativo
c om média ou alta excudação, c om sec undário para oc luir ou fixá-lo. A
ALGINATO
sangramento ou em presença de frequênc ia de troca deve ser avaliada
necrose e fibrina. de acordo c om a quantidade de
exsudato presente na ferida, podendo
permanec er até 4 dias.
A troc a do curativo deve ser realizada
sempre que oc orrer vazamento do gel.
Indic ado em feridas não infectadas,
Poderá permanecer por até 7 dias. O
c om médio e baixo volumes de
HIDROCOLÓIDE gel formado com o exsudato da ferida
exsudação. Pode ser usado em
tem c or amarelada e odor
presença de tecido nec rótico e fibrina.
desagradável que desaparece após a
limpeza da ferida.
Os grânulos preenchem o espaço
Indic ado para feridas profundas e
HIDROCOLÓIDE morto no leito da ferida, aumentem a
altamente exsudativas. São assoc iados
EM GRÂNULOS absorç ão do exsudato, ampliando o
ao uso das placas.
tempo de permanência das placas.
Não deve ser usada ou misturada com
Indic ada para feridas nec róticas e na
PAPAÍNA (1%, substâncias derivadas ou c ompostas
presença de fibrina, sendo contra-
5% OU 10%) de ferro ou iodo, pois é fac ilemnte
indicada em c asos de lesão isquêmica.
oxidada.
COLAGENASE A
Indic ada em lesões isquêmicas e feridas
10% SEM -
necróticas.
CLORANFENICOL
Curativo primário, exigindo sempre a
CARVÃO Indic ado para lesões infectadas, com c obertura com um secundário. Deve
ATIVADO COM média e alta exsudação, c om ou sem ser trocado sempre que estiver
PRATA odor. saturado, podendo permanecer por até
7 dias.
Indic ado para locais de inserç ão de
c ateteres periféricos, cateteres
c entrais tunelizados ou não, c ateteres
CURATIVOS DE Em c ateteres, deve ser trocado a
de pressão intrac raniana, cateteres
FILMES c ada 72 horas; nas áreas de pressão,
umbilic ais e para proteção de áreas de
TRANSPARENTES pode permanecer por 7 dias.
proeminências ósseas em pacientes de
alto risco para desenvolvimento de
úlcera de pressão.
A frequência de troca dessa c obertura
É indicada para feridas com perda
depende do volume de exsudato
tecidual profunda, parcial ou total,
drenado, podendo permanec er no leito
sendo que nas c avitárias é utilizad ana
ESPUMA DE da ferida por até 5 dias. Na
forma de enchimento. Em feridas c om
POLIURETANO apresentação de envoltório, faz-se
perda tec idual superficial ou onde há
necessária a utilização de cobertura
predomínio de tecido necrótico, está
sec undária, como gaze dupla estéril ou
c ontraindic ado.
filme poliuretano.

Por ser um produto de fácil ac esso e


baixo c usto, é amplamente difundido.
Apresenta inúmeros inconvenientes
AÇUCAR Feridas infectadas
c omo: nec essidade de troc as
frequentes a c ada 2 ou 4 horas, dor
intensa pela acidificaç ãoi do meio.
Indic ados para o tratamento de feridas,
TRIGLICERÍDEOS
infec tadas ou não, debridadas
DE CADEIA
previamente, médio ou pouco
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MÉDIA E ÁCIDOS exsudativas. A ferida deve ser irrigada As trocas devem ser diárias.
GRAXOS c om a soluç ão e coberta c om um
ESSENCIAIS c urativo oclusivo.

LEITURA SUGERIDA

1. APECIH. Prevenç ão da infec ção de sítio cirúrgic o. São Paulo: 2001.

2. BORGES, E. L. et al. Feridas: c omo tratar. Belo Horizonte: Coopmed, 2001.

3. FERNANDES, A. T. et al. Infecção hospitalar e suas interfaces na área da saúde. São Paulo:
Atheneu, 2000.

4. MARTINS, M. A. Manual de infecção hospitalar epidemiologia, prevenção e c ontrole. 2a.ed. Belo


Horizonte: Medsi Editora Médica Científica, 2001.

5. MONTE, R. L.; VICTORIA, M. B. Manual de rotina para c oleta microbiológica. Manaus: Gráfica
Máxima, 2002.

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