Becker (1993) Epistemologia e Ação Docente PDF

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SUMÁRIO

enfoque: Q u a l é a questão?
COMPLEXIDADE, MULTIREFERENCIALIDADE, SUBJETIVIDADF: três referências
polêmicas para a compreensão do currículo escolar
Teresinha Fróes Burnham (UFBA) 3

pontos de vista: O que pensam outros especialistas?


REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO: as relações entre senso comamr
saber popular e saber escolar
15
Alice Ribeiro Casimiro Lopes (ETFQRJ)
REFLETINDO SOBRE O SIGNIFICADO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Siomara Borba Leite (UERJ) 23
CURRÍCULO E CONHECIMENTO: níveis de seleção do conteúdo
José Alberto Pedra (UFPR) 30
PENSANDO A ESCOLA E O CURRÍCULO À LUZ DA TEORIA DE J. HABERMAS
Elizabeth Fernandes de Macedo (UCPet) 38
CONHECIMENTO, CURRÍCULO E ENSINO: questões e perspectivas
Antonio Flávio Barbosa Moreira (UFRJ e UERJ) 45
CURRÍCULO, TRABALHO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: percurso dessa
temática na revista "Em Aberto" na década de 80
Maria Antonieta de Campos Tourinho (UFBA) 54
A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO, O CURRÍCULO E A ESCOLA BÁSICA
Victoria Maria Brant Ribeiro (UFF) 67
NOVAS ABORDAGENS NO CAMPO DO CURRÍCULO
Lucíola Licínio de C. P. Santos (UFMG) 73

espaço aberto: Manifestações rápidas, entrevistas, propostas, experiências, traduções, etc.


EPISTEMOLOGIA E AÇÃO DOCENTE
Fernando Becker (UFRGS) 77

Em Aberto, Brasília, ano 12. n.58, abr./jun. 1993 ISSN 0104-1037 1


MENINA/MULHER: o currículo enquanto travessia social da/na escola
Márcia_Souto Maior M. Sá (UCPet) 96
EDUCAÇÃO AMBIENTAL: uma apresentação bem sucedida
(longe do ideal — perto do exeqüível)
Maria Flávia Guazzinelli (UFBA) 106
A PRODUÇÃO INTELECTUAL BRASILEIRA SOBRE CURRÍCULO A PARTIR DOS ANOS 80
Rosa Fátima de Souza (UNESP) 117
PROPOSTAS CURRICULARES DOS ESTADOS E A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA 129

resenhas: ESCOLA E CULTURA: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento


escolar - de Jean-Claude Forquin
Miguel André Berger 135
UM ENFOQUE FENOMENOLÓGICO DO CURRÍCULO: educação como poíesis - de Joel Martins
Ester Maria de Figueredo Souza
Leliana Santos de Sousa 137

bibliografia 139

painel: APRESENTAÇÃO
CARTA AO LEITOR
RESUMOS DE PESQUISAS

Em Aberto, Brasília, ano 12. n. 58, abr./jun. 1993


ENFOQUE: Qual é a questão?

COMPLEXIDADE, MULTIRREFERENCIALIDADE, SUBJETIVIDADE: Essa complexidade que os pensadores contemporâneos nos apresentam, enfatizando
três referências polêmicas para a compreensão do currículo escolar a destruição de formas tradicionais de relação dos homens entre si e destes com o
mundo exterior a si, tem trazido profundas polêmicas, com posições que se opõem
Teresinha Fróes Bumham* dentro de limites que vão desde a consideração da modernidade como um projeto
inacabado, como é o caso de Habermas, passando pelo anúncio da pós-modernidade,
como insiste Maffesoli (apesar da crítica a esta perspectiva como um
A interminável busca do homem pela compreensão do mundo, tanto do seu próprio descompromissado modo de denunciar a decadência de um modelo de sociedade),
mundo interior, quanto daquele exterior, do qual é parte integrante e integrada, tem até aquele que, embora não aceite a pós-modernidade como um marco definitivo de
levado ao incansável processo de construção do conhecimento, pelos mais diversos periodização da história, considera que vivemos (desde a década de 50) um processo
modos. A filosofia, a epistemologia, a antropologia, a sociologia, a psicologia, a de retração no conformismo, a despeito da ocorrência de importantes movimentos na
psicanálise, a pedagogia... têm mostrado a profunda complexidade desse processo, na direção de significativas transformações sociais que, contudo, não conseguiram propor
medida em que a construção do conhecimento sobre o mundo exterior nâo se separa uma nova visão de sociedade, como afirma Castoriadis. As implicações de todas
da construção do próprio complexo sujeito-objeto-processo-instrumento-produto do essas discussões para a educação têm sido objeto de trabalho em alguns centros
conhecimento, que é o próprio homem. universitários de diferentes países, dentre os quais se destaca a Universidade de Paris
VIII, onde pesquisadores como Ardoino e Barbier, entre outros, vêm desenvolvendo
A sociedade contemporânea depara-se numa profunda crise — no bojo da qual e estudos que, quer mais indiretamente, quer diretamente, trazem significativas
permeando todas as suas dimensões, encontra-se aquela do conhecimento. contribuições para uma profunda reflexão e para uma possível e radical transformação
Principalmente de um determinado tipo de conhecimento: o científico-tecnológico, aí na educação, principalmente no que diz respeito à instituição escolar e ao seu papel na
implicada a grande questão das concepções de homem e de sociedade. sociedade contemporânea.

O grande debate sobre o fim da modernidade tem trazido uma fecunda contribuição à Considerando que a escola é uma instituição social, criada na e pela modernidade para
crítica da sociedade tecnológica, principalmente no que diz respeito ao deslocamento a formação dos cidadãos de uma sociedade e que para tal formação é fundamental a
da crítica da supremacia do conhecimento cientifico (como, por exemplo, está colocado construção de sujeitos coletivos, indivíduos sociais, num/para um momento do eu
na teoria crítica desenvolvida pela Escola de Frankfurt) para uma crítica ao primado da permanente, tenso e duplo processo de instituição/continuidade, é importante procurar
tecnologia, especificamente da tecnologia da informação (como precisa Vattimo, 1987, aprofundar o entendimento do papel do currículo para essa construção.
p. 15, nota 12). Além disso, pensadores contemporâneos nos trazem elementos
outros, fundamentais, para uma prospecção bastante critica, tanto da história, "Formar o cidadão!". Expressão tão desgastada no discurso político-educacional, mas
principalmente da historicidade entendida como um modo de consciência da inserção que teve um significado histórico na concepção liberal-burguesa de educação, precisa
do homem na história, considerado como processo objetivo (Vattimo, 1987, p.11), ser radicalmente questionada na atualidade em que vivemos. O que significa ser
quanto da arte, especialmente na perspectiva da "explosão" da estética fora dos limites cidadão nesta sociedade plural, que vai desde a dimensão de uma sociedade
institucionais fixados pela tradição (Vattimo, 1987. p. 46). tecnológica de ponta, até aquela outra, de uma república dos guabirus? Onde as
fronteiras geopolíticas perderam o seu significado e os países considerados — em
função de indicadores econômicos — como de primeiro mundo, abarcam, hoje, no
* Professora-adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia interior de suas respectivas sociedades, todo o espectro dos vários terceiro e quarto
(UFBA). mundos em que (aqueles mesmos indicadores econômicos) dividiram o planeta? Onde

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a história dos vencedores perde a hegemonia e os vencidos desenvolvem outras Considerar currículo, desta perspectiva, pressupõe a assunção/reconstrução de uma
formas de fazer história? Onde a genialidade, a singularidade, a imortalidade da arte dá rede de referenciais, a partir da qual seja possível analisá-lo, compreendê-lo, segundo
lugar a uma multiplicidade de formas de expressão produzidas por sujeitos comuns, um compromisso com a sua transformação e com base na certeza de que, como
formas essas que destroem as barreiras das galerias, dos teatros, das salas, para se processo social, o currículo apresenta possibilidade concreta de contribuir para a
espalharem pelas ruas, pelas residências, pelas quadras de escolas de samba, através construção desse sujeito autônomo e de uma sociedade democrática.
dos meios de comunicação de massa, sob formas reprodutíveis, não raramente
apresentadas tosca e fugazmente? Onde outras formas de manifestação do A rede de referenciais a que nos referimos tem sido, mais recentemente, ampliada e
conhecimento humano vêm sofrendo modos revolucionários de transformação, como é aprofundada, a partir de trabalhos dos três pensadores franceses que citamos
o caso da ciência e da tecnologia? Onde a religião e o mito estão sendo tomados de anteriormente. Consideramos significativo trazer algumas de suas produções teóricas
modo tão significativo como outras formas, mas não formas inferiores de saber (como e um pouco de nossa compreensão sobre elas, para discussão, nesta oportunidade
queria a postura cientificista)? em que outros importantes referenciais estão sendo aqui apresentados (Cf. Fernandes,
Leite, Lopes, Moreira, Pedra, Ribeiro, Santos, nos artigos deste número).

Todo esse questionamento nos remete ao currículo e ao seu significado na sociedade Embora muito limitadamente, queremos trazer para a discussão proposta as
contemporânea. Remete-nos, mesmo, a aprofundar, para melhor compreender, não só concepções de complexidade, multirreferencialidade e subjetividade, que nos têm
a polissemia do termo, como se pode constatar na literatura pertinente, inclusive nos aberto novos caminhos para incursionar pelos fascinantes meandros do currículo
artigos de Pedra e Ribeiro, a seguir, mas ao seu significado como processo social, que escolar. Obviamente, tais concepções são componentes de referenciais teóricos muito
se realiza no espaço concreto escola, com o papel de dar àqueles sujeitos que ai ricos, que o espaço deste artigo não permite tratar devidamente; contudo, resolvemos
interagem, acesso à diferentes referenciais de leitura e relacionamento com o mundo, correr o risco de separá-las do todo do referencial e tratá-las fragmentariamente, não só
proporcionando-lhes não apenas um lastro de conhecimentos e de outras vivências para instigar a discussão que acreditamos merecer o trabalho desses pensadores,
que contribuam para a sua inserção no processo da história, como sujeito do fazer como também para tomar mais coletiva a sua compreensão, a partir da ótica de uma
dessa história, mas também para a sua construção como sujeito (quiçá autônomo) que professora interessada em se aventurar na fascinante complexidade do currículo.
participa ativamente do processo de construção e de socialização do conhecimento e,
assim, da instituição histórico-social de sua sociedade. Na construção desse sujeito, o
currículo significa um dos principais processos, na medida em que aí interagem um Entrando no Emaranhado da Complexidade
coletivo de sujeitos-alunos e sujeitos-professores, além de outros que não estão tão
diretamente ligados à relação formal de ensinar-aprender. Nesta interação, mediada É muito comum ouvir, de professores e outros educadores, que currículo é uma "coisa"
por uma pluralidade de linguagens: verbais, imagéticas, míticas, rituais, mímicas, muito complicada, que trabalhar com currículo envolve um grande desafio, que é difícil
gráficas, musicais, plásticas... e de referenciais de leitura de mundo — o conhecimento ensinar a muitos alunos, porque eles são muito diferentes. Enfim, é comum representar
sistematizado, o saber popular, o senso comum... — os sujeitos, intersubjetivamente, o currículo como uma área de trabalho que traz uma multiplicidade de dimensões e que
constroem e reconstroem a si mesmos, o conhecimento já produzido e que produzem por isso mesmo, requer uma compreensão muito ampla, um grande lastro de
as suas relações entre si e com a sua realidade, assim como, pela ação (tanto na conhecimento para se poder dar conta dessas diferentes dimensões. Os textos de
dimensão do sujeito individual quanto social), transformam essa realidade, num Becker, de Gazzinelli e de Sá, publicados neste número, trazem evidência de que o
processo multiplamente cíclico, que contém, em si próprio, tanto a face da continuidade,
trabalho entre professores e alunos, no concreto de espaços curriculares diferentes,
como a da construção do novo.
mostram essa multiplicidade de maneira bem explícita e nos dão exemplos de

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tendências do trabalho com currículo, não de uma perspectiva teórica de provisório, que possibilita a sua explicação, retroativamente.
pesquisadores, mas com base em prospecções efetivamente realizadas no interior
daqueles espaços. Ao invés desse tão conhecido e hegemônico estatuto de análise, Ardoino (1992) nos
apresenta um outro, bem diverso daquele estatuto cartesiano. Análise, aqui, significa
Mas, será que ao dizermos que currículo é uma área complicada, difícil, é isto mesmo muito mais, na medida em que se considera o complexo como processo e nâo como
que estamos querendo dizer? Será que estamos sabendo comunicar o que estamos um objeto estático e individual. Analisar passa a ser acompanhar o processo,
percebendo, sentindo, no cotidiano do nosso trabalho, nas reflexões teóricas que compreendê-lo, apreendê-lo mais globalmente através da familiarização, nele
procuramos desenvolver? Buscando compreender melhor essa complexidade que é o reconhecendo a relativamente irremediável opacidade que o caracteriza. Passa a ser,
currículo e os modos de nela penetrar, encontramos um significativo referencial teórico também (diferentemente da explicação racional que o outro estatuto de análise exige),
nos trabalhos dos professores de Paris VIII, anteriormente indicados e em especial produzir a explicitação, a elucidação desse processo, sem procurar interromper o seu
num texto de Ardoino (1992), possivelmente preparado para uma de suas aulas. E a movimento, mas realizar esta produção ao mesmo tempo em que tal processo se
nossa interrogação sobre qual seria a melhor maneira de abordar tal complexidade renova, se recria, na dinâmica intersubjetiva da penetração na sua intimidade, na
veio a ter uma (dentre possivelmente muitas outras que ainda desconhecemos) multiplicidade de significados, na possibilidade de negação de si mesmo, que
orientação. É claro que o referencial apresentado por este autor é bastante polêmico, caracteriza o sujeito das relações sociais. É uma análise que pretende ser
como poderemos constatar, e uma das razões para isso é que ele assume uma hermenêutica, que pressupõe a interpretação, a produção do conhecimento, já que se
postura — que já não é nova, mas ainda sofre resistências — de rompimento com as supõe que o processo-objeto1 não contém em si mesmo todas as condições de sua
formas racionalistas e fragmentárias de tratar com o conhecimento. E esta é a principal inteligibilidade. Além disso, a análise da complexidade precisa ser situada na relação
razão do nosso interesse em estudá-lo e trazê-lo à discussão. que une o processo-objeto sobre o qual nos interrogamos ao sujeito desejante de
produzir conhecimento.
A concepção que Ardoino (1992) coloca diante de nós é extremamente fecunda,
começando por dizer que complexidade é o que contém, engloba (...), o que reúne Procurando compreender tal possibilidade de análise em relação ao currículo, ainda é
diversos elementos distintos, até mesmo heterogêneos, envolvendo uma polissemia Ardoino (1989,1992) quem nos põe frente à forma de penetrarmos nessa complexidade:
notável. Tratar com a complexidade, de acordo com este autor, implica lançar mão de (re)construindo o processo-objeto inicial através de substitutos mentais, as
um estatuto de análise bem diferenciado daquele da análise cartesiana, em que esta representações, que, na sua visão, constituem literalmente esta complexidade, uma
significa instrumento de decomposição, desmonte, desconstrução de um todo em suas vez que tomam como referência modelos de inteligibilidade que se esforçarão para
partes elementares, com vistas a uma síntese, uma explicação ulterior. É necessário dela dar conta. Num primeiro momento, diz o autor, parece que se_dá um
que nos detenhamos um pouco nessa afirmativa, se realmente quisermos entender empreendimento de teorização da prática, como se o processo de conhecimento
melhor o currículo enquanto complexidade, uma vez que: não é possível observar e devesse transformar o real, ou sobretudo as representações deste, que se construíram
descrever o complexo como um objeto simplificável em suas supostas particularidades, mentalmente até elaborar uma nova representação desses representações. A partir
componentes, linhas de força, articulações naturais, para tomá-lo inteligível, através de dessa nova representação é possível invocar, num segundo momento, formas de
um trabalho mental de simplificação e depuração.

Não é possível, também, através dessa nova análise buscar, no complexo com que 1
Embora Ardoino não tenha empregado esta expressão e se referia ora ao objeto, ora ao
estamos lidando, uma transparência que presumimos existir (no objeto simplificável) e processo, como sinônimos, resolvemos adotá-la para tornar mais ciara a acepção de objeto
que, portanto, podemos (ou devemos?) reencontrar nesse objeto, a partir de um estado do conhecimento como o próprio processo de sua construção.

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análise que procurarão dar conta desse processo-objeto; através do exercício da organização burocrática dessa multidisciplinaridade, mas também no próprio processo
reflexividade (da qual trataremos adiante). de trabalho no interior da escola e de cada disciplina. A heterogeneidade que se
verifica nas estruturas conceituais e nos processos cognitivos (sempre tratados isolados
O que é sobretudo importante nessa outra análise é a aceitação da heterogeneidade uns dos outros) dessas disciplinas; a separação que se tem observado entre o
que constitui o complexo e, portanto, a compreensão de que o exercicio de reflexividade conteúdo dessas disciplinas e a vida concreta dos sujeitos que interagem no interior do
requerido por ela vai exigir um amplo espectro de referenciais. Por esta razão, é que processo curricular, a multiplicidade de linguagens que é requerida até mesmo numa
Ardoino reafirma não se poder compreender esse complexo, como realidade/ disciplina/área específica (como é o caso de Estudos Sociais e Ciências, na escola
representação, a partir de um único referencial de análise ou paradigma especifico. A fundamental), já é suficiente para encararmos o currículo como uma complexidade em
observação, a investigação, a escuta, o entendimento, a descrição dessa si mesmo. Mas esta complexidade vai muito, muito mais longe do que os limites acima
complexidade, como bem dizem Ardoino (1989) e Barbier (1992a), dá-se por óticas e delineados, se considerarmos ainda (além de inúmeros outros dos seus componentes),
sistemas de referência diferentes, aceitos como definitivamente irredutíveis uns aos a própria complexidade que é cada sujeito-aluno e cada sujeito-professor, que
outros e escritos em linguagens distintas. Tal estatuto de heterogeneidade traz a cotidianamente mantêm/constroem relações entre si, mediadas (ou, pelo menos,
intelecção da complexidade sempre de um modo um tanto paradoxal: apóia-se na supostamente mediadas) por um processo de socialização/construção de
perspectiva da implicação2, que assume estarem co-presentes na realidade (em conhecimento; que esses mesmos sujeitos convivem submetidos a formas de controle,
situações, fenômenos, processos...), sem perder as suas especifícidades e as suas possibilitadas não somente pelos mecanismos implícitos do currículo oculto, mas
competências, o sujeito — objeto-processo e o objeto-processo — sujeito do também por modos explicitamente autoritários de exercício de poder (quer nas relações
conhecimento3. administrativas instituídas pela burocracia escolar, quer na interação professor-aluno
durante as atividades chamadas pedagógicas).
Esta concepção de complexidade, que inclui, nela própria, a forma de sua intelecção,
tem um fecundo significado para os estudos de currículo. Chamando a atenção para a
heterogeneidade e a polissemia do que se encara como complexo, podemos colocar Procurar compreender melhor o currículo para transformá-lo na direção do compromisso
no âmbito de nosso foco de análise relevantes elementos para o entendimento do que explicitamos anteriormente, traz implicações muito sérias para o trabalho e as
processo curricular com a heterogeneidade, a polissemia, as contradições, etc. que o demais relações de todos aqueles que aí militam. Considerar a análise do currículo
constituem. Basta lembrar que o currículo da escola brasileira estrutura-se formalmente, como um processo de familiarização, de penetração na sua complexidade, requer
de modo geral, segundo parâmetros herdados do positivismo, de forma multidisciplinar, abertura dos sujeitos que ali interagem, entendendo tal abertura segundo a polissemia
fragmentária, exigindo a compartimentalização do conhecimento, não apenas na que esta complexidade exige: abertura de si-para-si-mesmo, quer como aluno, como
professor ou como sujeito participante da coletividade da escola; de-si-para-com-o-
outro, qualquer que seja o lugar que este outro ocupe nas relações escolares; de-si-e-
com-o-outro-para-o-mundo múltiplo em que convivemos. Mas essa abertura não é
2 bastante para tal penetração; ela não tem significado se não se constituir na condição
Por implicação Barbier(1985) já definia o engajamento pessoal e coletivo do pesquisador por
sua práxis científica, em função de sua história familiar e libidinal, de suas posições passada de possibilitar a construção de sujeitos autônomos, que enquanto indivíduos sociais,
e atual nas relações de produção e de classe, e de seu projeto sócio-político em ato, de tal compreendam o seu potencial coletivo de contribuir para a transformação dessa nossa
modo que o investimento que resulte inevitavelmente de tudo isso seja pane integrante e sociedade autoritária e injusta, numa sociedade democrática — ou, como diz
dinâmica de toda atividade do conhecimento (p.120). Castoriadis (1982,1987,1992), instituir uma nova sociedade autônoma, instituinte de
3
Aqui indicamos o duplo de sujeito-objeto, objeto-sujeito do conhecimento, em que objeto sujeitos sociais também instituintes e autônomos.
toma a acepção indicada na nota 1.

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Reconhecer a relativamente irremediável opacidade que caracteriza a complexidade referenciais, o grupo de Paris VIII, segundo Barbier (1992a), animado por J.Ardoino e
do currículo pode ser um dos mais complexos desafios dessa nova análise, quando G.Berger, advoga denominar multirreferencialidade. Ardoino (1989, 1992) argúi que
nos deparamos com o nosso concreto campo de trabalho, principalmente porque esta é uma perspectiva de apreensão da realidade através da observação, da
fomos educados na tradição da busca da verdade, da coerência total do sujeito, da investigação, da escuta, do entendimento, da descrição, por óticas e sistemas de
hierarquia. Penetrar nesta opacidade sem a ilusão de que somos suficientemente referência diferentes, aceitos como definitivamente irredutíveis uns aos outros e traduzi-
onipotentes para removê-la e restituir a transparência que pretendíamos existir diante dos por linguagens distintas, supondo como exigência a capacidade do pesquisador de
de nós, não é o que estamos acostumados a fazer. Num recente trabalho, chamávamos ser poliglota e, acrescentamos, de ter uma postura aberta, conforme explicitamos
a atenção para um dos mais sérios problemas da educação brasileira: o vazio de acima. Esta perspectiva, acrescenta este último autor, encaminha a si mesma (como
significado político-epistemológico da nossa escola pública. Este problema, sem dúvida, implicação), uma visão de mundo propriamente cultural e requer uma compreensão
envolve uma das áreas de opacidade do currículo escolar e, temos que admitir, só hermenêutica da situação em que os sujeitos aí implicados interagem, intersubjetiva-
muito recentemente começa a ser estudado a partir da perspectiva dos sujeitos que mente.
nele, com ele e sobre ele atuam, procurando entender por que a escola pública e o
currículo, historicamente instituídos para permitir o acesso ao conhecimento Esta concepção de multirreferencialidade, de acordo com Barbier (1992a, 1992b), liga-
sistematizado (e atualmente instada a assumir o status de instituição que também se inseparavelmente àquela de referência, compreendida como um núcleo de
deve produzir conhecimento), no Brasil, "vem se restringindo a exercer um papel quase representações "de que é portador cada ator social, tanto do ponto de vista organiza-
que meramente cartorial de emitir diplomas e certificados de conclusão de níveis de cional, ... institucional, ideológico, quanto libidinal, etc.(1992a, p.36). Neste etc. o autor
escolarização ou de habilitações profissionais, sem um minimo de rigor e de qualidade inclui outros pontos de vista que são sempre deixados de lado pelos seus próprios
nos serviços que oferece..."? (Bumham, 1992, p.95). A preocupação com este colegas, tais como as referências ao "'sagrado', ao 'transpessoal', à auto-superação...
problema não é nova, mas se vinha tratando sobre ele de um modo que procurava às características míticas, simbólicas e artísticas... irredutíveis a toda interpretação
explicá-lo a partir de referenciais externos, buscando, à luz de grand teoria(s), encontrar científica e inseparável do núcleo de referências e de valores últimos do sujeito"(1992a,
a transparência de suas causas, o que não vinha dando conta da elucidação do (e não p.36). O sujeito, porém, não se limita apenas às suas óticas e sistemas de referências
sobre o) referido problema. particulares, uma vez que ele vive concomitante e duplamente num mundo interior
(privado) e num mundo exterior a si mesmo (no caso do indivíduo social, mundo
Analisar a complexidade, como já indicamos anteriormente, requer o olhar por público), este último passando a fazer parte do sujeito através do permanente processo
diferentes óticas, a leitura através de diferentes linguagens, enfim, a compreensão por de socialização que permite a inserção deste mesmo sujeito, como parte dele (conforme
diferentes sistemas de referência. E um dos suportes teóricos que nos permite penetrar veremos adiante). Em razão desta duplicidade de mundos em que vive o sujeito,
na possibilidade de trabalhar com esta multiplicidade de referenciais vem também Barbier informa que distingue a multirreferencialidade em interna e externa.
sendo objeto das (pre)ocupações dos professores de Paris VIII, como veremos a
seguir. A multirreferencialidade interna é considerada a opacidade de referências que um
sujeito humano dotado de desejos desenvolve durante seus múltiplos itinerários
existenciais, traçando assim sua 'itinerância', que não pode ser abordada senão de
uma maneira compreensiva e fenomenológica, já que é portadora de sentidos
Procurando Entender a Multirreferencialidade (...significações, direções, sensações) (p.37).

A perspectiva que permite a possibilidade de trabalhar com uma multiplicidade de A multirreferencialidade externa remete à rede simbólica de referências

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teóricas, de sistemas de conceptualizações científicas e de visões filosóficas predominantes na orientação do trabalho cotidiano do currículo, embora na maioria
do mundo, que necessariamente encharca de sentido o sujeito (p.37). dos casos não sejam explicitamente assumidos pelos educadores, são de cunho
reducionista (como ilustra o texto de Becker, em uma próxima seção deste número) e
De modo geral, existe uma tendência a se confundir a perspectiva de que só muito recentemente na história da pesquisa educacional têm sido assumidas —
multirreferencialidade, com aquela da multidimensionalidade, contudo, citando Berger, e ainda deixando muito a desejar (cf. por exemplo, André, 1993) — pesquisas no e do
Barbier procura mostrar a diferença entre as duas, nos seguintes termos: a cotidiano escolar, que tentam penetrar a e na escola, a partir de e com os próprios
multidimensionalidade remete à idéia de que é possível construir de uma maneira sujeitos que ali interagem, procurando investigar, do ponto de vista destes, os múltiplos
aditiva, ou pelo menos complementar, um conjunto de categorias explicativas referenciais que orientam as suas ações, quer enquanto sujeitos individuais ou sujeitos
correspondentes às variáveis do objeto e que permitem pelo menos de maneira sociais.
exponencial apreendê-la no interior da sua totalidade.
Somando-se a estas limitações aquela relacionada com a fidelidade a um único
A multirreferencialidade parte da idéia de que o objeto é efetivamente paradigma de investigação, bem como a outra, de estudar fragmentariamente aspectos
suscetível de tratamentos múltiplos, em função não só de suas do currículo — a interação professor-aluno, o desempenho de alunos, o conteúdo dos
características, mas também dos modos de interrogação dos atores [sobre programas ... —, podemos inferir que longe estamos de poder apreender a
esse objeto] e que esta multiplicidade é radical. Cada abordagem, cada complexidade do currículo escolar como processo-objeto de estudo se continuarmos a
referente é como se fosse o limite do outro...É isso, pois, que faz a reproduzir tais práticas.
especificidade da multirreferencialidade, e não a complementaridade, a
atividade, a pretensão de uma transparência pressuposta, e de um domínio Dois estudos realizados por professoras (Luz, 1990; Silva, 1988) demonstram,
possível [deste objeto], mas a afirmação de um vazio necessário, da respectivamente, que o livro didático e as práticas educativas em escola pública
impossibilidade de [se alcançar] um ponto de vista superior a todos [os discriminam a etnia e assumem, como bem diz o título de um deles a pedagogia do
demais] pontos de vista e a afirmação da limitação recíproca dos diversos embranquecimento, numa patente demonstração do preconceito étnico e do
campos disciplinares. Há [pois] diversos campos de referência possíveis, . desrespeito a um coletivo de sujeitos que, pelo menos no texto constitucional, tem os
nenhum esgota o objeto, nenhum pode, sobretudo, ser reduzido a outro, ou mesmos direitos de cidadania... Estes exemplos nos revelam que, a despeito da
nenhum pode ser explicativo do outro campo. (Berger, apud Barbier, 1992a, história dos movimentos sociais, no mundo inteiro, revelar a luta contra a discriminação
p.38). étnica, amplamente divulgada pelos meios de comunicação e, portanto, de
conhecimento público, muitos sujeitos que trabalham com o currículo ainda
Como podemos verificar, também a concepção de multirreferencialidade é muito permanecem prisioneiros de preconceitos dos quais, certamente, não têm consciência.
recente no campo da pesquisa educacional e começa a levantar polêmica, E uma das grandes contribuições que a perspectiva da multirreferencialidade pode
especialmente porque rompe com a ortodoxia da fidelidade do pesquisador a um e trazer à escola é a abertura para se trabalhar com as linguagens, os valores, as
único paradigma epistemológico/metodológico. E esta situação de polêmica pode nos crenças, enfim, uma multiplicidade de expressões das diversas culturas que se
levar a interrogar sobre as razões de considerarmos imprescindível o aprofundamento encontram na escola.
dos estudos sobre esta perspectiva quando temos como foco de interesse o estudo do
currículo escolar. Embora a resposta a tal interrogação nos pareça óbvia, quando Os exemplos acima dão pistas para a importância da necessidade de, no campo do
assumimos a concepção e o compromisso de trabalho com currículo explicitados, vale currículo, não se deixar de considerar que os sujeitos que aí interagem como indivíduos
lembrar que estudos no campo concreto da escola mostram que os paradigmas sociais, apesar de fazerem parte de um coletivo, mantêm o seu próprio mundo interior,

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particular. E é por isso que faremos uma incursão, ainda que muito superficial, sobre o Verdadeira assombração, o sujeito estaria novamente entre nós. Nunca tendo acredita-
terreno da formação da subjetividade humana, procurando estabelecer algumas pontes do nesta morte, o autor diz que os discursos sobre ela nunca passaram de um verniz
com possibilidades que o currículo pode abrir para ajudar na construção da pseudoteórico de uma evasão diante da responsabilidade — do psicanalista, do
subjetividade humana. pensador, do cidadão e enfatiza: o sujeito não voltou porque nunca partiu. Sempre
esteve presente — certamente não como substância, mas como questão e projeto.
Para a psicanálise, a questão do sujeito é a da psique — da psique como tal e da
Explorando o Terreno da Subjetividade psique socializada... Compreendida assim, a questão do sujeito é a do ser humano em
suas inúmeras singularidades e universalidades (p.201).
Compreender o currículo como complexidade e que, como tal, não é possível tratar
dele e com ele, de modo simplista, a partir de paradigmas específicos e limitados se Afirmar que o sujeito nunca partiu pode nos dar a impressão de que o autor assume
quisermos avançar no sentido de elucidar a emaranhada e heterogênea rede de que a questão da subjetividade sempre esteve entre nós, isto, porém, não se justifica,
relações que o constituem é um desafio para todos os que trabalham na área. Elucidar pois é ele mesmo quem esclarece que a subjetividade é uma criação histórica
esta rede de relações, em termos mais amplos e mais profundos, pressupõe conside- relativamente recente (a ruptura que a cria se dá na Grécia antiga), ela é uma
rá-la da perspectiva da multirreferencialidade e, desta forma, abordá-las a partir de e virtualidade de todo o ser humano, não uma fatalidade, com certeza (p.236). Esta
com múltiplos sistemas de referência tanto internos aos sujeitos que aí atuam, quanto afirmação revela um dos indícios do longo caminho que este autor percorre no estudo
externos a eles. Fica claro, portanto, que o que se argúi aqui é a consideração do da subjetividade humana, através da filosofia, o mesmo ocorrendo no campo da
currículo como um processo não só historicamente construído (instituído) para a sociopsicanálise, no qual queremos nos deter um pouco, no sentido de melhor nos
socialização mas que também participa da construção (instituinte) dos sujeitos sociais posicionarmos em relação à importância desses estudos para o trabalho na área do
e que, ainda, contribui para o duplo processo de continuidade/instituição de uma currículo escolar.
sociedade, isto é, para a manutenção/(re)construção/criação das relações dos sujeitos
sociais, no complexo das relações de um mundo histórico-socialmente construído Castoriadis, no campo referido, passa por e ultrapassa referenciais já construídos —
(instituído) e em permanente processo de (re)construção/criação (instituindo-se através enfatizando a teoria freudiana e referindo-se en passant a outras contribuições mais
de relações instituintes). recentes — na medida em que os critica no que diz respeito às restrições que a grand
sociologia impõe ao estudo do sujeito, principalmente quando tomado na perspectiva
E o que significa penetrar o currículo a partir da ótica da sua contribuição para a do indivíduo, assim como a psicanálise tem resistido ao estudo do indivíduo social e do
construção da subjetividade humana? E o que significa, na perspectiva que aqui processo de socialização na construção do sujeito humano. Dessa forma, o processo
assumimos, esta subjetividade? Para tentar responder a estas questões buscamos de instituição do indivíduo social é abordado nos seus trabalhos, procurando preencher
suporte teórico em Castoriadis (1982, 1987, 1992), que oferece um dos mais a lacuna que existia entre as fronteiras acima indicadas. Para tanto começa a nos
consistentes referenciais de estudo sobre a subjetividade humana, no bojo de suas apresentar tal processo de instituição a partir do primeiro estado do sujeito, o recém-
reflexões filosóficas/sociopsicoanalíticas (ou psicossocioanalíticas, como outros nascido, o núcleo monádico do sujeito originário — ou, mais simplesmente, mônada
preferem chamar). psíquica —, o que corresponde ao estado em que o sujeito e o mundo ainda não estão
separados (daí o termo mônada), mas envolvem-se inteiramente; quando o próprio
Fazendo uma crítica aos modismos nos parágrafos iniciais do texto O Estado do sujeito é indiviso: não há afeto, representação ou intenção separados, mas um só afeto
Sujeito Hoje, Castoriadis (1992, p.201-238) refere-se à recém-passada moda em que que é imediatamente representação (de si) e intenção de permanência atemporal deste
se festejava a morte do homem e o des-ser do sujeito, comentando ironicamente: 'estado' (1982, p.337). Em outras palavras, o autor diz que esta mônada é

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indeterminad[a] e incontrolável, psique em si mesma radicalmente inadaptada à vida responsável pela inserção desse sujeito, nessa dimensão da socialização, é o curriculo,
..., esclarecendo ainda que a mônada psíquica nâo sobreviveria por um só instante se que em muito contribui para as rupturas que levarão a psique do estado de mônada a
não fosse submetida à socialização...(1987, p.385). Procurando esclarecer o mistério indivíduo social.
desta sobrevivência, Castoriadis afirma que esta mônada não permanece como tal
uma vez que, ao entrar no mundo, se insere num processo de socialização que O desenvolvimento do indivíduo social se dá, portanto, á custa de perturbações
começa no primeiro dia de vida—se não antes — e só termina com a morte. E através sucessivas e de remanejamentos em profundidade da organização psíquica (1982,
desse processo que se forma o indivíduo social, a partir de rupturas (desta mônada) p.340); a história do indivíduo social é, segundo esta posição teórica, a história da
que se originam na relação com a mãe, primeira representante da sociedade, junto ao socialização da psique, já que o indivíduo social é uma entidade falante, que tem uma
recém-nascido: e como essa sociedade... participa enormemente da história humana, identidade e um estado social, ajusta-se mais ou menos a certas regras, busca certos
a mãe é... o porta-voz de milhares de gerações passadas (1992, p.220). fins, aceita novos valores e age conforme motivações e modos de fazer suficientemente
estáveis... um indivíduo que funciona adequadamente: para ele mesmo na maior parte
Esta primeira incursão nos domínios do sujeito já nos mostra que é ele, como dissemos do tempo... e sobretudo, do ponto de vista da sociedade (1992, p.220). Nesta
anteriormente, uma complexidade em si mesmo. Para que esta mônada a-real, a- passagem, o autor de A Instituição Imaginária da Sociedade nos apresenta o indivíduo
social, passe a fazer parte das relações sociais que já encontra instituídas no mundo, social considerado sob o ponto de vista da sociedade instituída, que pretende a sua
interagindo como ser biológico-psíquico-social, com outros seres humanos, com e nos própria continuidade, a manutenção do status quo e, portanto, de indivíduos sociais
estratos natural e cultural, ela terá que se desenvolver, gradual e permanentemente, instituídos a partir da imposição de formas de linguagem, visões de mundo (ideologias?),
como indivíduo social, uma das regiões da subjetividade humana. O caminho de modos de manifestação da cultura, formas de construir e lidar com o conhecimento,
construção que vai do indiviso ser/mundo — afeto/representação/intenção ao ser padrões de desempenho e de interação. Contudo, ao longo de toda a sua obra,
diferenciado do mundo, dividido, fragmentado, indivíduo social, psique socializada, não Castoriadis nos faz ver também o lado instituinte da sociedade que tem como projeto
provoca a anulação da onipotente mônada O sujeito permanece numa duplicidade a sua própria transformação, ou melhor, a criação de uma nova sociedade, autônoma.
que cria/mantém no sujeito uma interminável tensão, tanto de oposição interna (em si) Mas este é assunto para outra oportunidade. No momento, arriscamos apenas chamar
como de opsição entre si e o mundo instituído; um sujeito que apesar de permanecer a atenção para o que é explicitado no livro acima referido: a instituição da sociedade,
construindo uma identidade, mantém-se duvidando de si mesmo; que age que é indissociavelmente também a instituição do indivíduo social, é imposição à
deliberadamente, mas também segue a lógica de um desejo inconsciente; que faz psique de uma organização que lhe é essencialmente heterogênea (1982, p.340). Aí
concessão a valores, padrões que lhe são estranhos, apesar de não aceitá-los; enfim, estão embutidas duas histórias em construção — a da psique (originalmente a
que se integra ao já instituído, sem nunca deixar de querer ser instituinte. mônada) e a da socialização do sujeito e, conseqüentemente, da sociedade humana,
já que essa imposição faz emergir gradualmente o enigma da separação (entre a
Nesse processo de socialização, participam todas as instituições sociais com as quais mônada original e o mundo) que instaura no sujeito um mundo privado e um mundo
o sujeito estabelece algum tipo de ligação e todos sabemos que na sociedade público ou comum. Essa separação eqüivale a um violento processo de rupturas que
força a psique a uma relação com os outros, a uma invasão dos outros como outros,
contemporânea a escola é, dentre essas instituições, a que tem como papel explícito
mediante a qual constitui-se, para o sujeito, uma 'realidade (1982, p.344).
(no discurso jurídico e acadêmico, pelo menos), uma das dimensões dessa
socialização, aquela que se processa pelo acesso ao conhecimento histórico-
socialmente produzido pela humanidade e pela mediação desse mesmo conhecimento Mas a construção da subjetividade humana não se basta no indivíduo social, psique
e de outras instituições sociais (a linguagem, a burocracia, o ethos...), no emaranhado socializada. Vale lembrar, ainda que en passant, que entre as instâncias que formam
de relações sociais entre os sujeitos que ali atuam. E, no interior da escola, o processo a psique se encontra o consciente; que no processo de socialização representantes/

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instituições sociais agem continuamente para a construção permanente do e sobre o representações de si mesmos, da alteridade e do mundo, o curriculo passa a ser um
consciente; e que muito se tem, impropriamente, identificado o sujeito humano com locus social de produção e socialização de diversas formas de conhecimento.
essa instância. Castoriadis nos chama a atenção para a impropriedade dessa identifica-
ção, pois, embora reconhecendo que o consciente tem como traço decisivo...a auto- A outra característica fundamental da subjetividade humana, a capacidade de ativi-
referência — isto é, o consciente sabe que sabe —, argúi que só este traço não dade deliberada ou vontade, é concebida por este mesmo autor como a possibilidade
caracteriza a subjetividade humana. de um ser humano integrar nas retransmissões que condicionam os seus atos os
resultados de seu processo de reflexão... Em outras palavras:... a dimensão refletida
E o que, então, caracteriza essa subjetividade, segundo o referencial que esse autor do que nós somos enquanto seres imaginários, a saber criativos, ou ainda: a dimensão
nos oferece? A esta questão, Obtemos como resposta que a subjetividade humana se refletida e prática de nossa imaginação como fonte de criação (p.226). Esta concepção
caracteriza por duas possibilidades: a reflexividade e a vontade ou capacidade de de atividade deliberada ou vontade, esclarece o autor, vai muito mais além do que
aquela comumente aceita, daquilo que determina ou desencadeia um gesto motor, ou
atividade deliberada.
a sua inibição; ou da concentração da atenção num objeto de pensamento, de forma
seguida e sistemática, ou, ainda, um ato indicado pelo simples cálculo lógico. Esta
A reflexividade é entendida como a possibilidade de que a própria atividade do 'sujeito' possibilidade de o sujeito integrar reflexividade e. vontade, nos chama a refletir sobre o
tome-se 'objeto', a explicitação de si como um objeto não-objetivo, ou como objeto por papel do currículo na perspectiva de um processo que, ao participar da socialização da
posição e não por natureza. (1992, p.224). Aqui o autor traz um fecundo material para psique, visa à alteração da relação entre as instâncias psíquicas, {ajudando o sujeito a
discussão, principalmente para aqueles que estão interessados em trabalhar com o analisar a opacidade de conteúdos da instância inconsciente e tornar mais deliberadas
currículo na perspectiva da construção do sujeito que apreende, reflete, reconstrói a si as escolhas, por exemplo) e entre o sujeito e o mundo (contribuindo para desambigüizar
próprio e suas relações com o mundo. Ser objeto por posição e não por natureza formas de controle ideo-político no estrato cultural e a assumir posturas com lucidez).
significa, na nossa compreensão, assumir a dupla postura de sujeito-objeto da sua A alteração dessas relações implicam, ainda, a assunção de um currículo estreitamente
própria existência, sujeito que se separa de si mesmo para se conhecer melhor, vinculado à própria vida do sujeito social, às atividades que lhe são próprias, às
refletindo sobre si próprio como objeto do conhecimento humano. Daí por que este relações que o definem como sujeito social, embora para tanto não possa prescindir da
mesmo autor acrescenta que a reflexão implica a possibilidade da cisão e da oposição mediação do conhecimento humano sócio-historicamente produzido e do processo de
interna... portanto, a possibilidade de questionamento de si mesmo (p. 224). E esta é construção de variadas formas de conhecimento no processo mesmo do curriculo.
uma tarefa que o currículo escolar não tem conseguido dar conta, na medida em que Implicam, também, essas alterações visadas, a possibilidade de o sujeito penetrar em
a sua fragmentação em disciplinas do conhecimento, aparentemente estruturadas si mesmo e no mundo, através do referencial de análise explicitado quando discutimos
segundo paradigmas reducionistas, cientificistas, que tratam o e do conhecimento de a questão da complexidade.
forma a-histórica, a-social, ascéptica, mítica, retiram desse conhecimento a autoria do
homem, a sua posição de criador/construtor. Dessa forma, o sujeito humano deixa de
A condição de possibilidade absoluta tanto da reflexividade quanto da vontade é, para
ser objeto do currículo escolar e se perde uma grande oportunidade de contribuir para
Castoriadis, a imaginação, pois é por meio desta imaginação que o sujeito pode
a construção da subjetividade humana, deixando-se de refletir sobre si próprio.
colocar como uma 'entidade' alguma coisa que não o é: seu próprio processo de
Esquecemos que na medida em que alguém pode ser para si mesmo um objeto por
pensamento... [pode] ver duplo ...se ver duplo, ...se ver ao mesmo tempo em que se vê
posição e não por natureza é que outrem, no verdadeiro sentido do termo, toma-se
como outro. Eu me represento e o faço como atividade representativa, ou: eu me ajo
possível (p.224). E quando se reflete sobre si mesmo e sobre o outro, descobre-se o
como atividade agente (1992, p.225). Este significado da imaginação na constituição
outro e com ele, através dele, redescobre-se e recria-se o mundo e se constrói novas
da subjetividade humana é ampliado quando, relativamente à vontade, é dito que é

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necessário poder imaginar outra coisa fora daquilo que é para poder querer; e é um certo discurso pedagógico), querendo chegar a um estágio (!) de dominação do
necessário querer outra coisa fora daquilo que é, para liberar a imaginação (p.226). inconsciente pelo consciente. Desconhecemos a importância da imagem, da fantasia,
Não poderíamos fazer jus à riqueza da contribuição da obra deste autor no que diz do sonho em vigília na construção do sujeito humano e, portanto, nâo lhes damos lugar
respeito ao privilégio que atribui à imaginação humana (tão criticada e relegada pelos nas atividades curriculares. E, ainda assim, bradamos que estamos formando a
referenciais que este autor ultrapassa) na construção do sujeito e da sociedade, cidadania... Talvez aqueles que estão contribuindo para a formação desse tipo de
principalmente na perspectiva da transformação do estado de heteronomia em que se cidadania ainda não analisaram suficientemente o que ela significa do ponto de vista
encontra, na direção da criação de uma outra, nova sociedade autônoma, da manutenção dessa sociedade desigual e injusta, onde aceitamos o que somos
permanentemente instituintes de sujeitos também autônomos. Contudo, queremos porque não sabemos como fomos construídos e como nos construímos, a partir da
apenas pontuar a relevância das relações que estabelece entre reflexividade, vontade internalização de normas, valores, padrões... instituídos para manter essa sociedade
e imaginação referindo-nos ao currículo. tal e qual e talvez porque também não nos demos conta de que, apesar desse
processo de socialização que sofremos, sempre o sujeito humano assume papel
Se o sujeito pode tomar o seu próprio pensamento uma entidade, pode se ver como instituinte e, portanto, transformador e por isso a sociedade instituída permanece em
instâncias separadas da psique, pode imaginar (o que não é) para querer e querer (o permanente processo de instituição. Contudo, o desafio que se encontra diante de nós
que não é) para liberar a imaginação, enfim, se o sujeito pode se reinventar e reinventar é transformar o currículo num dos processos de construção de sujeitos sociais que
o mundo através da imaginação, da atividade criativa, como aceitar o currículo como através da reflexividade, da atividade deliberada e do imaginário, possam ter clareza
um processo (na multiplicidade de tantos outros) de construção e socialização deste de que tanto eles próprios quanto a sociedade é instituída pelos homens que a
sujeito nas condições em que ele [o currículo] se apresenta contemporaneamente na compõem e, por isso mesmo, apresenta a possibilidade de ser (re)criada como uma
escola brasileira? Estudos nos têm mostrado a frágil articulação entre o conteúdo/ sociedade autônoma, portanto permanentemente instituinte. E esse desafio pode ser
forma do currículo e a vida concreta dos sujeitos que interagem na escola, bem como enfrentado se construirmos a certeza de que
o vazio, no espaço curricular, de criação, construção do conhecimento (cf. Burnham,
1992, Bumham et alii, 1993) e a inibição do imaginário nas relações pedagógicas Queremos indivíduos autônomos, isto é, capazes de uma atividade refletida
(Postic, 199). O currículo escolar, que sempre foi caracterizado por relações autoritárias, própria. Contudo... os meios e os objetos dessa atividade, e mesmo... seus
pelo aparente privilégio à razão e pela função de transmitir conhecimento, mais meios e métodos só podem ser fornecidos pela imaginação radical da
recentemente tem perdido essas suas características e se limitado a um mero espaço/ psique. É aí que se encontra a fonte de contribuição do indivíduo à criação
tempo, onde sujeitos se confinam durante um período de seus dias, sem clareza do social-histórica. E é por isso que uma educação não mutilante, uma
que vão fazer (às vezes esse que fazer limita-se ao trabalho com o livro didático ou, na verdadeira paideia é de uma importância capital. (Castoriadis, 1992, p. 60-
ausência deste, com um rol de assuntos) e do para que ali se encontram. A imaginação, 161).
a exploração de si mesmo e do mundo para a reinvenção a que nos referimos acima
não têm lugar no currículo. Parece, mesmo, que apesar do compromisso de alguns
educadores, o currículo se transforma num locus de obstáculos para a imaginação, a Referências Bibliográficas
vontade e a reflexividade; a atividade própria do sujeito, elemento fundamental para o |
estabelecimento de uma rede de relações sociais (de aprender, de criar, de construir) ANDRÉ, M. E. D. A. Cotidiano escolar e práticas sócio-pedagógicas. Em Aberto, v.11,
entre os sujeitos que habitam esse locus, é tão ignorada quanto o seu desejo, o seu n.53, jan./mar. 1992, p.29-38.
pensar e o seu agir. Desconhecemos, no campo do currículo, a importância do estudo
da psique e nos lançamos à obra de conscientizar os nossos alunos (como expressa
ARDOINO, J. Complexité. Paris: Université de Paris VIII, jun. 1992. mimeo.

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. De Ia clinique. Paris: Université de Paris VIII, abr. 1989. mimeo. . As encruzilhadas do Labirinto II: domínios do homem. Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1987.
BARBIER, R. L'Approche transversale: sensibilization á l'ecoute nythopoetique en
education. Paris: Université de Paris VIII, 1992a. (Note de synthèse en vue de
. As encruzilhadas do Labirinto III: o mundo fragmentado, Rio de Janeiro, Paz
l'habilitation à diriger des recherches).
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. L'Ecoute sensible en education. Texto original da conferência apresentada


na 15ª Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, Minas Gerais, 1992b. LUZ, N. C. do P. Insurgência negra e a pedagogia do embranquecimento. Salvador,
1990. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação. Universidade Federal da
BURNHAM, T. F. Vazio de significado político-epistemológico na escola pública. ln: Bahia.
SOARES, M. B., KRAMER, S., LÜDKE, M. e outros. Escola Básica. São Paulo,
Papirus:CEDES:ANDE:ANPEd, 1992. (Coletânea CBE)
SILVA, A.C. da. O estereótipo e o preconceito em relação ao negro no livro de
Comunicação e Expressão do 1º grau - nível I. Salvador, 1988. Dissertação
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(Mestrado) - Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia.
Federal da Bahia, 1993. (Relatório de Pesquisa)

CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, VATTIMO, G.Ofim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna.
1982. Lisboa Editorial Presença, 1987.

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PONTOS DE VISTA: O q u e p e n s a m outros especialistas?

REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO: foram objeto de discussão nos Grupos de Trabalho de Educação Popular, Metodologia
e Didática e Currículo1.

as relações entre senso comum, saber popular e saber escolar*


No trabalho que apresentamos na ANPEd (Lopes, 1992), iniciamos uma discussão a
respeito das relações entre currículo e conhecimento, a partir da noção de ruptura
epistemológica entre conhecimento comum e conhecimento cientifico no âmbito das
Alice Ribeiro Casimiro Lopes"
ciências físicas. Procurávamos explicitar que a valorização do saber popular e do
cotidiano na escola não pode perder de vista a necessidade de desconstrução do
conhecimento comum, obstáculo à compreensão e ao desenvolvimento do
Introdução
conhecimento científico2.
A discussão sobre teorias curriculares tem como um dos eixos fundamentais a
construção social do conhecimento. Questões como o confronto de saberes na escola, Dando continuidade às discussões desse trabalho, temos por objetivo compreender
a necessidade de valorização do saber popular, a crítica às concepções positivistas de melhor as relações entre senso comum e saber popular, inclusive salientando a
conhecimento são alvo de estudos de diferentes autores da sociologia do currículo diferenciação de ambos, nem sempre bem definida. Em um segundo momento
(Giroux e Simon, 1988; Giroux, 1988; Young apud Moreira e Barros, 1992). procuraremos discutir o confronto dos diferentes saberes — saber popular, saber
Por outro lado, a reflexão sobre conhecimento comum e conhecimento científico, sobre científico e saber escolar—na esfera curricular.
o processo de produção do conhecimento e a hierarquia dos saberes na sociedade,
ultrapassa os limites da discussão do currículo escolar, mostrando-se como ponto de
fundamental importância no âmbito da pesquisa educacional. Senso Comum e Saber Popular

Sendo a escola um espaço privilegiado de legitimação de alguns saberes em detrimento A defesa de uma perspectiva descontinuísta e pluralista para o conhecimento é, por
de outros, é objeto de estudo da educação o processo pelo qual é priorizada uma dada vezes, compreendida equivocadamente como uma hierarquização axiológica de
forma de conhecimento. Ou seja, quais mecanismos de poder em uma sociedade saberes3. Na medida que essa perspectiva advoga a existência de uma ruptura entre
permitem a validação de algumas formas de conhecimento como verdade, mantendo
outras no terreno da doxa (opinião) ou do mito. 1
Dentre os trabalhos cujo texto tivemos acesso direto, cinco apresentam a problemática da
relação entre saber popular e saber acadêmico/erudito/científico, fazendo ou não menção ao
Através de uma análise dos títulos e resumos dos trabalhos apresentados na 15ª senso comum: Algebaile (1992), Gohn (1992), Moreira e Barros (1992), Pereira (1982) e
Reunião Anual da ANPEd em 1992, constatamos que as questões acima referidas Wortmann(1992).
2
Nesse ponto utilizamos o termo conhecimento cientifico fazendo referência apenas às
ciências físicas, o que nâo implica negar a cientificidade da pesquisa do social. No decorrer do
* Texto apresentado na XVI Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, MG, de 12 a 16/9/93, e trabalho os termos ciência e conhecimento científico são utilizados com o significado de
revisto a partir das discussões no Grupo de Trabalho de Currículo, ao qual agradecemos conjunto das diferentes ciências — físicas, biológicas e sociais —, exceto quando nos referimos
sugestões e incentivos. diretamente ao pensamento de Bachelard.
3
Pessanha (1987), Oliveira (1990) e Lopes (1992). O primeiro trabalho utilizou os referenciais
" Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora de de Chaim Perelman e Gaston Bachelard; os dois últimos utilizaram apenas o de Gaston
Fisico-Química da Escola Técnica Federal de Química do Rio de Janeiro. Bachelard.

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conhecimento comum e conhecimento científico, seja no âmbito das ciências sociais essa questionada por ele", de maneira bastante clara:
ou das ciências físicas, e a necessidade de desconstrução do conhecimento comum,
depreende-se daí uma desvalorização do saber popular. A ciência seria, por assim O senso comum é um 'conhecimento' evidente que pensa o que existe tal
dizer, um saber superior e, portanto, o único que possuiria o poder de fornecer como existe e cuja função é a de reconciliar a todo custo a consciência
respostas às necessidades humanas. comum consigo mesma. É, pois, um pensamento necessariamente
conservador e fixista. A ciência, para se constituir, tem de romper com
O equívoco dessa interpretação nos parece advir da indiferenciação de senso/ essas evidências e com o 'código de leitura' do real que elas constituem;
conhecimento comum e saber popular. Ou seja, o senso comum é definido como forma tem, nas palavras de Sedas Nunes, 'de inventar um novo 'código' —, o que
de expressão do saber popular, maneira de conceber e interpretar o mundo pelas significa que, recusando e contestando o mundo dos 'objetos' do senso
camadas populares (Gohn, 1992). Dessa forma, rejeitar o senso comum ou criticá-lo comum (ou da ideologia), tem de constituir um novo 'universo conceptual',
passa a ser encarado como menosprezo ao saber popular e a qualquer forma de saber ou seja: todo um corpo de novos 'objetos' e de novas relações entre
não científico. 'objetos', todo um sistema de novos conceitos e de relações entre conceitos.
(Santos, 1989, p. 32; grifos nossos)
Por outro lado, muitas vezes procura-se valorizar o saber popular como sendo uma
forma de ciência: a ciência das camadas populares. Como há também quem afirme Por essas palavras, constatamos um pensamento na linha descontinuísta: há
que os conhecimentos prévios dos alunos sobre os fenômenos naturais, formulados no necessidade de rompermos com o conhecimento comum para construirmos o
contato direto cotidiano, se constitua como a ciência das crianças (Duit, 1987). conhecimento científico. Ou, se nos detivermos no campo das ciências físicas,
podemos afirmar com Bachelard que o conhecimento comum é essencialmente um
Em ambos os casos, trata-se de valorizar o saber popular e o saber das crianças
tomando-se de empréstimo o poder e a legitimidade de um saber socialmente aceito —
a ciência —, a partir de uma falsa igualdade epistemológica.
4
O autor é contrário à consideração do senso comum necessariamente como fixista e
Toda produção de significados, sem dúvida, constitui um saber, contudo nem todos conservador, porque acredita que isso dependa do conjunto de relações sociais, e se
contrapõe à oposição ciência-senso comum enquanto equivalência a uma oposição luz-trevas
esses saberes são científicos. As ciências, como afirma Foucault, se caracterizam por
por considerar que a ciência também nunca se livra completamente dos preconceitos.
serem discursos que obedecem a determinadas regras preestabelecidas de construção
Estabelece uma vocação solidarista e transclassista para o senso comum por ser o menor
de proposições (Lecourt, 1980; Machado, 1981). Regras essas estabelecidas pelo denominador comum daquilo que um grupo ou um povo coletivamente acredita e defende
conjunto da comunidade cientifica. uma segunda ruptura epistemológica, à maneira de Bachelard, que permita a modificação
tanto da ciência quanto do senso comum. Suas posições são instigantes, mas nos parecem
Assim sendo, consideramos ser importante iniciarmos a discussão a partir da incorrer no mesmo erro de uniformizar senso comum e saber popular. Por outro lado, o fato de
explicitação de cada um desses domínios — senso comum e saber popular — se defender, como Bachelard, que a ciência rompe com o senso comum não implica em
considerar uma ciência asséptica e sem erros. Ao contrário, dentro da filosofia do racionalismo
enquanto saberes diferenciados.
aplicado somos levados a compreender que a ciência vive em processo de retificação
constante. Concordamos com a vocação transclassista do senso comum, característica de
Senso Comum sua universalidade, o que não altera a crítica epistemológica que dele possa ser feita. Quanto
à sua proposta de uma segunda ruptura epistemológica só temos a dizer que não se trata de
Santos apresenta a idéia que muitos cientistas sociais fazem do senso comum, idéia uma ruptura.

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obstáculo ao conhecimento científico por se prender ao aparente, à experiência primeira Nesse sentido, não podemos considerar o senso comum como a forma de pensar das
e à generalidade (Bachelard, 1947). Mesmo em autores que não discutem o tema do classes populares porque isso significaria considerar que sua filosofia só permeia
descontinuísmo há comentários críticos ao senso comum. essas classes. E também significaria considerar que filósofos e cientistas são capazes
de suplantar definitivamente o obstáculo epistemológico do senso comum.
Gramsci (1978, p.143) acentua que o traço fundamental mais característico do senso
comum é o de ser uma concepção "... desagregada, incoerente, inconseqüente, Ao contrário, o que constatamos é a penetração do senso comum, em maior ou menor
adequada à posição social e cultural das multidões, das quais ele é a filosofia". grau, nas diferentes classes e nos diferentes grupos sociais. A diferença que podemos
encontrar entre filósofos e cientistas — quando assumem a necessidade histórica de
questionar o senso comum — é a de procurarem manter uma constante vigilância
Kosik igualmente acentua os limites do conhecimento comum por se deter nos
fenômenos evidentes e imediatos — o mundo da pseudoconcreticidade — epistemológica em seu trabalho. O que não os impede muitas vezes de se deixarem
considerando-os como dados naturais. levar por concepções conservadoras do senso comum durante suas atividades
corriqueiras do cotidiano.

A práxis utilitária cotidiana cria 'o pensamento comum' — em que são


O grau de persistência do senso comum, obstaculizando o conhecimento científico, é
captados tanto a familiaridade com as coisas quanto a técnica de tratamento
associado a seu grau de universalidade. Como exemplo disso, temos as pesquisas
das coisas — como forma de seu movimento e de sua existência. O referentes às concepções alternativas das crianças para os fenômenos naturais
pensamento comum é a forma ideológica do agir humano de todos os dias. (Erickson, 1979 e 1980; Hewson e Hewson, 1988). Constata-se um índice bastante
(Kosik, 1976,p.15) acentuado de semelhança nos modelos explicativos para um dado fenômeno em
culturas e classes sociais bastante diversas, bem como uma acentuada resistência à
À ciência, portanto, cabe destruir a pseudoconcreticidade visando a alcançar a mudança nessas concepções prévias, construídas a partir de uma filosofia realista do
concreticidade — num processo de realização e não de desvelamento — através do senso comum.
pensamento dialético que constrói a relação entre fenômenos e essência.
Merecendo maiores pesquisas, mas permitindo-nos algumas inferências, temos o
Mas a partir de Bachelard podemos compreender que esse processo de ruptura com campo dos valores, preconceitos e pré-conceitos (a exemplo de provérbios que se
as aparências não é feito de uma única vez, como um salto que nos permitisse passar repetem em diferentes sociedades), onde também encontramos acentuada
do conhecimento comum ao conhecimento científico. E, uma vez alcançado esse novo uniformidade5.
patamar do conhecimento, os enganos ficariam para trás.

Ao contrário, o conhecimento comum, como todo obstáculo epistemológico, nunca é


definitivamente suplantado. Persiste a necessidade de vigilância epistemológica
constante, contra as sínteses fáceis, as idéias claras do realismo ingênuo do senso 5
Agnes Heller (1989) apresenta o preconceito como uma das categorias do pensamento e do
comum. Em outras palavras, podemos dizer que o processo de ruptura é permanente: comportamento cotidianos, possuindo uma universalidade que também lhe garante uma
conhecemos sempre contra um conhecimento anterior, produzindo atos função importante na esfera acima da cotidianidade. Segundo a autora "o êxito de uma arte
epistemológicos capazes de suplantar os obstáculos ao desenvolvimento do ou de uma ciência cheias de preconceitos produz-se exclusivamente na esfera da
conhecimento (Bachelard, 1965). cotidianidade".

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Não é possível sustentar que o senso comum não se modifica em diferentes sociedades constitui um senso comum geral. Mas é um conhecimento necessário para aquele
ou que não seja condicionado pelas relações sócio-econômicas vigentes. Ao contrário, dado grupo viver melhor. Nesse contexto se inclue o saber das classes populares com
seu grau de universalidade é sem dúvida historicamente situado — o que implica respeito às ervas medicinais, à construção de casas, à culinária, aos diferentes tipos de
também não podermos considerar ser o senso comum atual o mesmo de séculos artesanatos, muitos deles associados à produção de artefatos para o trabalho, etc.
atrás. Gramsci inclusive defende a posição de que o senso comum dos séculos XVII e
XVIII possuía uma certa dose de experimentalismo e de observação direta da realidade, Portanto, objetivando-se maior precisão, devemos nos referir aos saberes populares,
ainda que empírica e limitada, sendo o senso comum de hoje mais limitado em seu enfatizando seu caráter de multiplicidade. Não podemos falar de um saber das classes
valor intrínseco (Bachelard, 1947). dominadas brasileiras, por exemplo, mas de diversos saberes de diferentes grupos
sociais específicos das classes populares. Ou seja, enquanto o senso comum aponta
Em torno dessas considerações, uma primeira diferença nítida entre senso comum e para a universalidade e para a uniformidade, o saber popular aponta para a
saber popular é o caráter transclassista do primeiro (Santos, 1989). O senso comum se especificidade e para a diversidade.
constitui do conjunto de saberes capazes de orientar os seres no mundo
indistintamente: sejam classes dominantes ou dominadas. Por isso mesmo tende a ser Outra característica que podemos indicar para o saber popular é a de ser colocado à
orientado em favor de grupos e classes hegemônicos, cumprindo a função de margem das instituições formais, fruto da situação de classe de quem o produz,
manutenção da ordem estabelecida. Não apenas a ordem econômica, mas a ordem de organizando-se no que podemos denominar microinstituições dispersas e distantes
valores, ideologias, mentalidades: conjunto de significados subjacentes a todo pensar dos saberes que têm seu estatuto de cientificidade garantido pelos mecanismos de
humano que não transcende as aparências. poder da sociedade 6 .

Contudo, é necessário salientar a íntima relação existente entre os diferentes saberes


populares e o senso comum, relação essa basicamente ideológica. O resgate de
Saber Popular
saberes populares deve ser atravessado necessariamente pela crítica ao senso comum
e às formulações ideológicas que contribuem para a dominação neles existentes7.
Em sintonia com o que foi abordado até aqui, saber popular é fruto da produção de Nisso consiste a maior dificuldade filosófica desse processo, já que precisamos manter
significados das camadas populares da sociedade, ou seja, as classes dominadas do a justa medida de ação a fim de evitarmos tanto as posturas de desvalorização dos
ponto de vista econômico e cultural. As práticas sociais cotidianas, a necessidade de saberes populares, quanto as posturas paternalistas de enaltecimento do senso
desenvolver mecanismos de luta pela sobrevivência, os processos de resistência comum.
constituem um conjunto de práticas discursivas formadoras de diferentes saberes.

Enquanto um saber produzido a partir das práticas sociais de grupos específicos, o


saber popular pode ser considerado como um saber cotidiano do ponto de vista desse
pequeno grupo, mas nâo é cotidiano do ponto de vista da sociedade como um todo, 6
como ocorre com o senso comum. Nesse ponto, a discussão que fazemos sobre o saber popular está baseada na discussão
empreendida por Alfredo Bosi (1987) para a cultura popular.
7
Para maiores comentários sobre essa relação ideológica que não nos permite encarar o
De uma maneira geral, o saber popular não é um conhecimento necessário para que saber ou a cultura popular em uma perspectiva romântica e ingênua ver Giroux e Simon
esses grupos se orientem no mundo, ajam, sobrevivam, se comuniquem, o que (1988).

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Retomando uma questão abordada em nosso trabalho anterior (Lopes, 1992), a Ademais, entendendo-se o senso comum enquanto obstáculo ao desenvolvimento e à
valorização dos saberes populares não deve passar pelo estabelecimento de uma compreensão do conhecimento científico, é importante que o espaço escolar apresente
igualdade epistemológica entre os diferentes discursos, almejando conferir aos a ciência não como um saber pasteurizado, livre de entraves, retrocessos e erros. Ao
primeiros um grau de cientificidade que não possuem. Devemos, sim, compreender contrário, colocando-se dentro de uma perspectiva histórica, é possível apresentar os
quais mecanismos intrínsecos a cada discurso permitem distinguir o falso do verdadeiro. diferentes momentos em que a ciência precisou romper com o senso comum que
E qual o estatuto daqueles que possuem o poder de dizer o que é verdadeiro ou falso impedia os cientistas de compreenderem novas concepções.
(Foucault, 1986).
Quanto ao segundo ponto, concordamos com a proposição de Moreira e Barros (1992)
Admitindo-se a pluralidade, estaremos aceitando diferentes saberes como possíveis e quando afirmam que é preciso abrir espaço na própria proposta curricular para a
válidos dentro de seus limites de atuação, sendo fundamental a compreensão desses produção cultural dos saberes populares, a partir da identificação dos núcleos de bom
critérios de validade, ou seja as relações entre poder e verdade. E sejam eles ciência senso nela presentes. Dentro dessa perspectiva, os saberes populares não devem ser
ou não, têm na suplantação do senso comum um objetivo a alcançar. simples pontes para a aquisição do saber científico, meras ilustrações ou mecanismos
de motivação.

Saber Escolar: o currículo e os diferentes saberes Em outras palavras, precisa ser enquanto saber legitimado que os saberes populares
devem constar do currículo, permitindo seu diálogo com os saberes científicos, em
processo de mútuo questionamento, bem como de crítica do senso comum.
Neste terceiro momento nos preocuparemos em discutir a problemática da relação do
currículo com os diferentes saberes, sejam eles científicos ou populares. Por outro lado é preciso salientar, como o fazem Moreira e Barros (1992), que essa
proposta não se coaduna com a limitação dos horizontes do aluno, mantendo-o restrito
Três questões então se colocam como necessárias: ao que já é conhecido por sua comunidade e sua família ou se apegando ao
pragmatismo excessivo8. Ao contrário, visa a tomar os conteúdos que fazem parte do
1) a crítica ao senso comum que permeia todos os saberes;

2) a inclusão dos saberes populares no currículo; 8


Algebaile (1992, p. 13) afirma que "O repasse de conhecimentos desvinculados das
condições práticas do aluno é, em tudo, inócuo. Para que serve um conhecimento que não
3) o questionamento da transposição dos saberes científicos no currículo, conformando tem como ser aplicado? Para que serve um saber se, aos olhos do aluno, ele não guarda
o saber escolar. qualquer relação com sua realidade concreta?" Tal proposição nos parece excessivamente
pragmática, podendo levar à limitação dos horizontes do aluno referida no texto. Muitos
conhecimentos não podem ser imediatamente aplicados, estão desvinculados do cotidiano
No que diz respeito à primeira questão, já abordamos o tema na discussão sobre o
mais próximo do aluno e no entanto são fundamentais para compreensão do mundo que o
senso comum e em nosso trabalho anterior (Lopes, 1992). Temos a acrescentar o fato cerca. Notadamente constata-se isso nas ciências físicas, cujo ensino tem como um dos
de que o senso comum, por permear todos os discursos, deve ser objeto de crítica objetivos primordiais fornecer ao aluno uma linguagem a mais para 'ler" o mundo. A relação
constante, porém não a partir de uma perspectiva pura e simplesmente depreciativa, e teoria-prática é fundamental, e deve ser um dos critérios para nortear a escolha dos conteúdos
sim tendo em vista a demonstração de sua incapacidade em dar conta de uma série de a serem ensinados, mas não pode ser entendida como aplicação apenas ao imediato e
fenômenos. circunstancial.

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currículo escolar instrumentos de ação nas vidas dos estudantes, capazes de promover ... a cultura escolar dota assim os indivíduos de um corpo comum de
uma mudança de cultura e de concepção de mundo direcionada para a transformação categorias de pensamento e cumpre por isso uma função de integração
social. lógica ao mesmo tempo que de integração moral e social; estando os
espíritos assim modelados predispostos a entreter com seus pares uma
Passando à abordagem da segunda questão, iniciaremos com a discussão do que relação de cumplicidade e de comunicação imediatas. (Bourdieu apud
vem a ser saber escolar. Fourquin)

Concordamos com Chervel (1990) quando afirma que a escola não é pura e Mas a julgar, por pesquisas recentes, abordando o ensino de disciplinas de ciências
simplesmente um agente de transmissão do saber, vulgarizador ou simplificador de um físicas (Lopes, 1990; Oliveira, 1990), podemos elaborar a hipótese de que a escola
conhecimento produzido em outro local (universidades e institutos de pesquisa). Ou brasileira muito mais tem contribuído para transmitir os valores e conceitos do senso
seja, ensinar não consiste apenas no arranjo de métodos que permitam a assimilação comum: não apenas transmitindo equívocos científicos, mas uma epistemologia
rápida e eficiente da maior parcela possível dos conteúdos dos saberes científicos. No associada às concepções realista e antropocêntrica do senso comum. Ou seja, o
processo de ensino-aprendizagem se constrói um saber escolar, muitas vezes bastante potencial criativo da escola, ao qual se refere Chervel (1990), não tem construído um
distante da ciência de referência, sendo esse processo de construção a tarefa dos saber escolar a favor sequer dos saberes científicos.
educadores.
Consideramos, portanto, que não basta discutirmos a necessidade de inserção dos
Dentro da mesma perspectiva segue Fourquin (1992), afirmando que a escola não se saberes populares no currículo — por que fazer? como fazer? Precisamos analisar o
limita a fazer uma seleção entre os saberes e materiais culturais disponíveis em uma processo de apropriação dos conhecimentos científicos pela escola.
sociedade em dada época, tornando-os efetivamente transmissíveis e incorporados
aos alunos a partir de uma "transposição didática" e uma "interiorização" dos saberes Afinal, é enquanto saber científico que o conhecimento escolar é trasmitido. Ou seja, é
em esquemas operatórios ou de habitus. A escola é verdadeiramente produtora de enquanto saber legitimado, dotado de poder que o conhecimento escolar se constitui.
configurações cognitivas e de habitus originais constituindo uma cultura escolar. Como Mesmo quando é rejeitado pelos educandos, por ser considerado saber desinteressante
qualquer produção de conhecimento, não se trata de uma criação a partir do nada, um e sem valor para seu cotidiano, o saber escolar é encarado como verdadeiro, no
começo absoluto, salienta o autor, mas o reconhecimento de uma autonomia relativa mínimo válido e importante para alguém: cientistas, especialistas em geral e
da instituição escolar frente aos saberes construídos na sociedade. professores.

A distinção entre a epistemologia do saber científico e a epistemologia do saber escolar A análise da epistemologia do saber escolar permite, portanto, a compreensão desta
também é apontada por Wortmann (1992) e Develay e Astolfi (1990), embora no rede de significados que a escola produz e das concepções de ciência e conhecimento
sentido de uma maior preocupação com o processo de transposição dos saberes, que produzidas no espaço escolar. Concepções essas que vão se introduzir na sociedade
os despersonaliza e os descontemporaliza. como um todo, mesmo entre os não freqüentadores dos bancos escolares.

Associando essas discussões, percebemos que a escola está continuamente


reelaborando os saberes científicos — podendo vir a fazer o mesmo com o saber Conclusões Preliminares: novas questões
popular — , construindo um saber escolar que prevalece sobre os demais e forma
cultural e socialmente os alunos. Muitos pontos dentro do tema aqui apresentado merecem maiores aprofundamentos

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teóricos, abrindo-se como novas perspectivas de investigação e reflexão. Dentre eles —a discussão com respeito às resistências à mudança do senso comum, acarretando
temos: grande lentidão em seus processos de incorporação de novos valores e conceitos
(Heller, 1991). Esse tema necessita de investigações que ultrapassem perspectivas de
— a análise de como ocorrem as relações entre saber escolar e materiais culturais da análise unicamente pela psicologia da aprendizagem, como ocorrem nos trabalhos
sociedade. Ainda que no processo de transposição didática o saber escolar sobre mudança conceituai, e avancem dentro do contexto da sociologia do
descaracterize o saber cientifico, ele se mantém como um saber valorizado conhecimento.
socialmente, com legitimidade e poder. Compreender a epistemologia do saber escolar,
seu espaço na cultura da sociedade, sua função social e os processos que garantem — o enfoque de como o currículo escolar pode interrelacionar saberes populares e
sua legitimidade apresentam-se como questões importantes dentro do contexto da saberes científicos na construção de um saber escolar que não os descaracterize e
pesquisa sobre currículo. contribua efetivamente para a construção de um conhecimento comprometido com a
melhor compreensão e transformação do mundo.
— a discussão com respeito à cotidianidade e suas implicações para o saber popular
e o senso comum (Heller, 1991; Lefebvre, 1991). O saber cotidiano na acepção de Referências Bibliográficas
Ágnes Heller pode ser compreendido como o senso comum, o saber que orienta o
cotidiano de cada um de nós. Mas por outro lado, o saber cotidiano das classes ALGEBAILE, E. Da hierarquia de saberes à definição da função social do
populares pode ser interpretado como uma trama dos diferentes saberes populares e conhecimento. Trabalho apresentado na 15ª Reunião Anual da ANPEd, Caxambu,
do senso comum. Como se constrói essa trama, qual o espaço que se mantém para os set. 1992.
saberes populares na vida cotidiana, qual seu possível potencial de questionamento do
senso comum e quais as possíveis diferenças entre a epistemologia dos saberes BACHELARD, G. L'activité rationaliste de Ia physique contemporaine. Paris: PUF,
populares e a epistemologia do senso comum, mostram-se como questões preliminares 1965.
a serem desenvolvidas.
BACHELARD, G. La formation de l'esprit scientifique. Paris: J. Vrin, 1947.
—o desenvolvimento da discussão com respeito à existência de ruptura epistemológica
entre conhecimento comum e conhecimento científico nas ciências sociais9. Isso BOSI, Alfredo. Cultura brasileira, ln: MENDES, D. Trigueiro. Filosofia da educação
permitirá que compreendamos até que ponto o conhecimento comum também é um brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.
obstáculo à compreensão e ao desenvolvimento do conhecimento científico do social,
em que termos se dão esses entraves e como superá-los. CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de
pesquisa. Teoria e Educação, Porto Alegre, n.2, p.177-229,1990.

DEVELAY, M., ASTOLFI, J. A didática das ciências. Campinas: Papirus, 1990.


9
Não nos referimos aqui à perspectiva althusseriana que interpreta a descontinuidade como
um corte epistemológico entre ideologia e ciência, na medida que essa interpretação acaba
DUIT, Reinders. Research on students'altemative frameworks. ln: INTERNATIONAL
por considerar que a ciência rompe em definitivo com a ideologia. Nem tampouco
SEMINAR MISCONCEPTIONS AND EDUCATIONAL ESTRATEGIES IN SCI-
consideramos que uma possível ruptura entre conhecimento comum e conhecimento científico
nas ciências sociais possa ser interpretada nos mesmos moldes que para as ciências físicas, ENCE AND MATHEMATICS, 2. Proceedings. Ithaca: Cornell University, 1987.
como tentou fazer Althusser. Essa questão ainda exige maiores esclarecimentos. v.1:Sciencep.151-162.

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REFLETINDO SOBRE O SIGNIFICADO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO* Hilton Japiassu sugere a coexistência de duas facetas básicas do conhecimento: o
"conhecimento-estado" e o "conhecimento-processo". O conhecimento é estado
enquanto é produto da investigação sobre o real e é processo enquanto trajetória,
Siomara Borba Leite** sempre provisória, de desvendamento do real. Na condição de produto, a ciência é
neutra, objetiva e impessoal; na condição de processo, ela é parcial, subjetiva,
condicionada sócio-cultural e psicologicamente.
Introdução
Na qualidade de produto, o conhecimento parece ser estático, acabado, evolutivo e
O trabalho que está sendo apresentado é parte de nossa tese de doutoramento que acumulativo, pois se resume a um conjunto de informações sobre o real elaborado e
investigou a questão da democratização da escola básica através do conhecimento sistematizado no trabalho de investigação da realidade. Mas, mesmo nessa condição
(Leite, 1991). Compreender o significado, as dimensões, as possibilidades e as de produto, de resultado de uma determinada pesquisa que lhe assegura a aparência
contradições do conhecimento científico foi um dos aspectos fundamentais da nossa de terminalidade, o conhecimento alcançado está sujeito a discordâncias em nível da
pesquisa. Trazer esta reflexão para o âmbito do debate proposto pelo tema própria científica.
"Conhecimento científico e conhecimento escolar" tem por objetivo oferecer alguns
elementos para o entendimento do que é o conhecimento científico e sua articulação Na qualidade de processo, o conhecimento é dinâmico, está envolto por um contexto
com o conhecimento escolar. de controvérsias e divergências, traz subjacente uma série de compromissos,
interesses e alternativas que contestam a sua condição de universalidade, que
O conhecimento científico, transmitido e assinalado em sala de aula, caracteriza-se por inviabilizam a sua condição de processo e produto indiscutíveis, que impedem a sua
duas manifestações básicas. De um lado, o conhecimento propriamente dito, produto condição de complexibilidade não sujeita a embates. Estes diferentes compromissos,
de determinada prática, um corpo de informações sistematizadas sobre o real, um interesses e alternativas que estão subjacentes ao processo de produção de
dado momento de sua prática: e, de outro, o seu significado, o conhecimento como conhecimento têm marcado o debate entre as diferentes perspectivas que defendem
processo, o conhecimento em geral, o trajeto de apropriação do real. A primeira modos diferentes de aproximação do real.
dimensão é apreendida quando da aquisição de informações; a segunda é esclarecida
pela reflexão filosófica. Todo produto tem por trás um processo e apesar de o produto ser p resultado de um
determinado processo, ele nunca retrata o processo. O produto aparece acabado,
pronto e arrumado. O processo, por sua vez, é provisório, inacabado, desarrumado. É
Conhecimento enquanto Processo e enquanto Produto no momento dialético do processo que as decisões são tomadas, tendo por base toda
a dinâmica social na qual está envolvida a possibilidade construtiva do homem. É no
O conhecimento é uma realidade complexa que, entre outras características, apresenta momento dialético do processo de produção do conhecimento que o saber contribui
duas facetas básicas: produto e processo. O conhecimento é, ao mesmo tempo, para a construção de um determinado mundo, de uma determinada sociedade, de uma
produto e processo. determinada condição de humanidade e opta por ela.

Concentrando a discussão na questão do conhecimento, queremos destacar a


* Texto apresentado na XVIª Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, MG, de 12 a 16/9/93. importância do processo de produção do conhecimento. Não_podemos esquecer o
** Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro momento de processo do conhecimento e devemos "agamá-lo" como alternativa para
(UERJ).

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não perdermos de vista a realidade dialética do conhecimento, pois é nesta condição produção do saber. Ainda que processo e produto sejam dois momentos distintos da
de estar em formação, de ser processo que o conhecimento é história e, assim, atividade do conhecimento, eles não se constituem em momentos excludentes. Se o
possibilidade de ruptura. processo é o momento do conhecimento no qual ocorrem o embate ideológico, a luta
política, a história, e o produto é o resultado provisoriamente estático, encarcerado do
Enquanto processo de revelação do real, o conhecimento é momento dinâmico, onde real, o processo-produto não pode acontecer sem o produto-processo. Existe, portanto,
a dimensão ideológica aparece através das diferentes alternativas de concepção e de um relação dinâmica e estreita entre produto e processo que dificulta a compreensão
explicação do mundo. Neste sentido, o conhecimento-processo é o momento do significado do conhecimento como sendo processo ou só produto e afirma a
contraditório, por excelência, desde que é o momento em que as várias opções, os necessidade de perceber a representação do significado do conhecimento como
compromissos e os interesses se manifestam nos modos de conceber o conhecimento sendo um conjunto de realidades dependentes, articuladas, coexistentes, produto e
e de abordar o real. processo.

O produto do processo de investigação da realidade é concebido como sendo neutro, A investigação do significado do conhecimento mostra que o processo de produção do
objetivo e universal. Nesta condição de produto, ele não manifesta a dimensão conhecimento é um processo de interferência do homem sobre o real e do real sobre
ideológica que perpassou todo o processo de aproximação do real. O conhecimento- o homem, isto é, um processo de interação que envolve o sujeito e o mundo. Sendo um
produto é a exposição de um determinado momento do real. Embora tenha todo um processo que conta com a presença do homem, ele é histórico e é ação. Enquanto
dinamismo próprio, é o momento mais "parado" do real. É o momento em que o homem processo de descobrimento do real, a "verdade" do mundo e do homem não é dada; é
tem a ilusão de "segurar", de "prender" a totalidade. O produto é o resultado buscada. E nesta procura ela é construída, marcando o homem e o mundo,
provisoriamente estático, encarcerado do real. transformando o homem e o mundo, deixando gravadas no homem e no mundo as
marcas da ação do homem sobre o mundo e do mundo sobre o homem.
Este momento da "estaticidade" do conhecimento-produto, este momento da
"estaticidade" do saber ocorre basicamente na circunstância da ciência ensinada Sendo o processo de desvendamento do mundo distinguido pela interrelação homem-
quando o que é transmitido aos alunos é "o resultado de tateamentos, de erros realidade, a ideologia passa a ser categoria importante para se compreender o
corrigidos" (Japiassu, 1982, p.61), isto é, o conhecimento simplificado e organizado significado do conhecimento na medida em que o sujeito está presente nesta relação.
que esconde o dinamismo de um processo historicamente determinado. Assim, a O homem traz consigo valores, sentimentos e experiências históricas, compreensivas,
condição do conhecimento de ser produto se distancia da sua condição de processo, que determinam a sua ação e que estão incorporadas ao produto da sua ação, mesmo
que é a ciência em formação, dotada de um dinamismo caracterizado pela possibilidade que a sua ação seja a de revelação do real e o produto da sua atividade seja o
do erro e do acerto, pelo tateamento, pela existência de avanços e de recuos e, acima conhecimento enquanto corpo de informação sobre o mundo.
de tudo, dinamismo marcado pelas perspectivas do passado e do futuro, pela
perspectiva da história, da temporalidade. 0_caráter revolucionário do conhecimento-processo e do conhecimento-produto é
marcado pela questão da historicidade. O conhecimento é produto histórico. O
Uma questão que não pode ser descuidada diz respeito à interação entre processo e O conhecimento-processo é a própria história, é a experiência da história, da existência
produto do conhecimento. A acumulação de conhecimentos anteriores — produto — é social. E é no momento da história que as contradições intrínsecas, próprias a toda
fundamental para a realização do processo de desvendamento do real. No momento relação social aparecem. O conhecimento-produto encobre a realidade conflituosa do
do processo, a ideologia e a acumulação dos conhecimentos anteriores — produtos — aparecimento das idéias e da constituição do saber científico através da apresentação
estão presentes e são condições intrínsecas e necessárias à plenitude do processo de de informações aparentemente harmoniosas, organizadas, lógicas. O conhecimento-

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produto esconde não só o conflito presente no próprio processo de sistematização do A Questão Metodológica nas Ciências do Homem
saber, como também não mostra a existência social contraditória das idéias, dos
conceitos, do corpo do conhecimento. O conhecimento-produto é o resultado acabado, Da discussão do significado do conhecimento, onde enfatizamos o processo de
pronto e arrumado do processo de desvendamento do real: é a narração do vivido. O produção do conhecimento como momento determinante do conhecimento científico,
conhecimento-processo é a própria vivência: é inacabada, provisória, desarrumada. chegamos à necessidade de explicitarmos o processo de produção do conhecimento
nas ciências humanas, isto é, tornou-se imprescindível refletirmos sobre a problemática
O dinamismo processo-produto traz incorporado a ideologia, já que esta é intrínseca à metodológica nas ciências do homem uma vez que, no âmbito das ciências naturais, a
ação humana e inseparável dela. Entretanto, a ideologia aparece, de modo claro, no perspectiva da investigação já está definida e consolidada.
processo de apropriação do real. Enquanto o conhecimento é produto, a ideologia
desaparece nos meandros da "objetividade" científica. A questão das ciências humanas e sociais, caraterizadas como sendo "todos os
empreendimentos de elucidação das palavras, dos gestos e dos atos humanos"
Ao analisar a obra de Walter Benjamin, Leandro Konder (1988, p.7) mostra que o (Japiassu, 1982, p.15), tem sido amplamente discutida por filósofos e sociólogos.
pensador alemão sugere a necessidade de se reexaminar constantemente o saber Nestas duas áreas, os estudos já estão bem avançados no sentido da discussão do
acumulado pela humanidade, pois este saber, apesar de se mostrar harmônico, estatuto de cientificidade das ciências do homem. Êste debate é antigo e, ao mesmo
coerente, formalmente lógico, tem, por debaixo de si, uma existência contraditória que tempo, contemporâneo, embora não esteja declaradamente presente nos trabalhos de
significa, potencialmente, possibilidade de negação deste saber. investigação do real social e humano, sendo escamoteado como uma questão sem
sentido e que, de alguma forma, já foi resolvida em um determinado momento da
De acordo com a análise de Konder, o filósofo Benjamin não entende o saber reflexão epistemológica e da análise da sociologia do conhecimento.
acumulado pela humanidade como realidade tão pura como se manifesta. O
conhecimento, enquanto ato social, é produto de contradições; ele é "síntese" de As literaturas filosóficas e sociológicas partem de uma critica ao modo de conceber as
múltiplas determinações, conseqüentemente, não pode ser assumido como "dado". As ciências do homem, mostrando a fragilidade metodológica destas, ao assumirem como
suas determinações têm de ser consideradas como elementos, como aspectos do modelo possível, o modelo de investigação do real. elaborado para o conhecimento de
próprio produto do processo de investigação do real. realidades estáticas, naturais e positivas. As dificuldades de realização da pesquisa
em ciências humanas e sociais são, portanto, marcadas pelo significado e pela
A crítica de Benjamin ao saber tradicional—conhecimento aparentemente harmonioso,
posição destas ciências no âmbito maior do conhecimento científico, ressaltando a
mas subjetivamente contraditório—indica, de modo geral, um caminho para se pensar
complexidade da investigação e da produção do conhecimento sobre o homem.
o conhecimento escolar. O conhecimento, que deve ser transmitido na. escola, revela-
se harmônico, coerente, lógico, mas, na realidade, é produto da existência contraditória
do mundo que o antecede e está subjacente ao próprio conhecimento e que se As discussões sobre estas dificuldades têm sido realizadas a partir de diferentes
manifesta no momento do processo de desvendamento do real. dimensões teóricas. A Sociologia, na perspectiva da sociologia do conhecimento, tem-
se voltado para a questão da problemática metodológica interessando-se "mais que.
A volta ao momento anterior do conhecimento-produto, sublinhando a importância das tudo pelo débito social do conhecimento, ou seja, pela ingerência dos condicionamentos
contradições como espaço da produção do saber, respalda a afirmação da necessidade sócio-históricos na formação do processo científico" (Demo, 1987, p.9). Assim, a
de se reparar na potencialidade revolucionária do processo de conhecimento do reflexão elaborada pela sociologia do conhecimento tem caminhado no sentido de
mundo, que é, então, visto como o momento em que o conhecimento assume a sua afirmar a construção do objeto, a necessidade de explicitação das categorias e dos
condição de humanidade. conceitos-chaves, organizados em uma teoria simples e geral, e a presença da

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intencionalidade, dos valores e das determinações estruturais nos dados coletados do na prática das ciências exatas, é a garantia da cientificidade do conhecimento. É o
real, que se constituem em respostas às indagações sobre a realidade empírica e não caminho que deve ser percorrido para evitar a intromissão e a permanência dos
em informações a serem analisadas a respeito do fenômeno social. valores no produto final do processo de explicação do real. Ora, a mesma forma de
entender o método é proposta para o trabalho de investigação do mundo do homem.
Por sua vez, a reflexão filosófica, na dimensão da epistemologia, crítica o estatuto de As ciências do homem, na busca obstinada da objetividade própria e possível das
cientificidade das ciências que estudam o homem na sua manifestação individual e ciências naturais e exatas, supõem que este método cientifico é capaz de garantir a
social, argumentando que as ciências do homem já nasceram copiando, decalcando o cientificidade da verdade provisória sobre o homem.
modelo das ciências da natureza o que, em outras palavras, significou afastar-se da
filosofia, abstrair o objeto e privilegiar o método como condição da cientificidade O que está subjacente à opção pelo modelo das ciências exatas e naturais para o
(Japiassu, 1982). conhecimento, na sua dimensão de individualidade e de sujeito social, coletivo, é a
preocupação em anular a influência da ideologia no processo de investigação da
Nesta nossa reflexão, como já indicamos, nos propomos a retomar a discussão sobre realidade; é a intenção de superar a determinação dos valores, das crenças, das
a produção do conhecimento nas ciências do homem, apontando certos dilemas e representações, das normas no trabalho de aproximação do real; é o cuidado em
impasses epistemológicos destas ciências e chamando a atenção para a urgência de defender a possibilidade de uma atitude de neutralidade axiológica frente ao processo
pensarmos não só o processo de produção do conhecimento bem como o critério de de compreensão da realidade social mediata e imediata do sujeito.
verdade do produto do conhecimento do real humano e social. Assim, abordaremos a
questão da metodologia da pesquisa nas ciências do homem, focalizando, em partic- Um aspecto que nos parece central em toda essa discussão é a aceitação da
ular, a identidade sujeito/objeto, a questão da ideologia e os critérios de cientificidade possibilidade de um conhecimento neutro, objetivo e universal do homem pelo homem.
das ciências humanas e sociais. Como nos diz H. Japiassu, ao copiar o modelo de investigação das ciências exatas e
naturais, as ciências do homem decalcaram também a sua postura frente ao
Considerando, antes de mais nada, a forma de conceber o processo de pesquisa do conhecimento. Assim, elas não só repetem o trajeto, como repetem igualmente o
real humano, ressaltamos a presença explícita do paradigma de conhecimento das horizonte. Esta repetição é definitiva para o desenvolvimento das ciências humanas e
ciências exatas e naturais no processo técnico de apropriação da realidade do homem. sociais. Buscando a positividade do conhecimento, as ciências humanas e sociais se
Esta presença é uma busca de transposição de modelos de investigação. A assimilação afastaram da filosofia e tentaram fazer do conhecimento sobre o homem, um
possível do método de pesquisa das realidades exatas, naturais e biológicas pelas conhecimento sem o homem, anulando sua característica central que é ser humanidade
ciências do homem se constitui numa dificuldade concreta para o conhecimento do (Japiassu, 1982).
mundo construído, pois busca-se compreender uma realidade que é inexata, imprecisa,
histórica, ideológica, caracterizada pela possibilidade do pensar e do sentir, pela A crítica à concepção tradicional de conhecimento, realizada pela filosofia da ciência e
existência da consciência e do inconsciente e, principalmente, pela capacidade da pela sociologia do conhecimento questiona todos os postulados do conhecimento
ação, por meio de um processo que é marcado pela preocupação com a exatidão, a científico que afirmam a objetividade como critério de verdade da ciência; que fazem
precisão, a positividade, o aparente e a possibilidade de sofrer a transformação. desaparecer o sujeito do processo de investigação, enfatizando o objeto e a
metodologia de pesquisa como o centro da produção do saber. Questionando, então,
Esta tentativa de transpor modelos de pesquisa, além de significar a ênfase no método, a possibilidade do conhecimento não-ideológico, do conhecimento neutro, os filósofos
nos afirma, o que nos parece determinante, a crença na possibilidade de neutralidade e cientistas sociais, preocupados com a questão do conhecimento humano,
e objetividade científicas nas ciências humanas e sociais. O método de investigação, contrapõem a este discurso a categoria da historicidade, a condição de mutabilidade

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do homem, da sociedade e da ciência. As ciências humanas e sociais se propuseram a copiar um modelo de fazer ciência que
assume o sujeito e o objeto de pesquisa como identidades distintas e distantes.
Considerando a história do significado atual do conhecimento, os pesquisadores da Entretanto, esta demarcação clara e definitiva não corresponde à realidade do
questão metodológica chamam a atenção para a relação entre ciência e poder. O conhecimento do homem. Nas ciências humanas e sociais, o sujeito cognoscente e o
saber é um instrumento de poder e do poder, e só o fato de existir esta relação é objeto cognoscível se constituem em uma só unidade. Identidade esta que ultrapassa
suficiente para negar qualquer dimensão de neutralidade na ciência. Assim criticam a o cotidiano da pesquisa. Segundo Japiassu (1982, p.9), um dos impasses fundamentais
crença na possibilidade de superação da interferência ideológica, através da adoção das ciências humanas e sociais é que seu objeto de investigação fala:
dos métodos de investigação das ciências naturais e exatas, os métodos "objetivos" de
conhecimento do real. E enfatizam a categoria da historicidade como possibilidade de toda a desgraça das ciências humanas reside no fato de ter que lidar com
construção de um conhecimento relativo, conhecimento não-absoluto, no sentido de um objeto que fala.
que é provisório, sujeito ao dinamismo histórico para o avanço do processo de
explicação do mundo. Detalhando mais cuidadosamente como se realiza essa identidade/dualidade sujeito/
objeto, é preciso ressaltar a presença da ideologia em todo o processo de produção do
O dinamismo histórico é condição fundamental para a produção do conhecimento. Ao conhecimento. Apesar da vigilância radical para impedir a intromissão dos valores,
falar sobre a produção do conhecimento cientifico, esses pesquisadores negam que proposta pela perspectiva cientificista, a pesquisa em ciências humanas e sociais é
este seja sistematizado somente através de métodos e técnicas de verificação da marcada definitivamente pela existência ideológica do sujeito/objeto. Existência
verdade; salientam que a aproximação provisória do real é realizada através, não só de caracterizada principalmente pela historicidade do homem sujeito/objeto, pela
procedimentos técnicos, metodológicos, mas também e, principalmente, no contexto temporalidade dos valores e pela provisoriedade da verdade, do pensamento, do
das determinações sócio-histórico-ideológicas, ressaltando atualmente o conhecimento. Sendo a ideologia e a história, categorias interativas que constituem o
condicionamento psicológico, onde o consciente social, o inconsciente e o homem como sujeito, indo além das condições imediatas de existências e de produção,
subconsciente exercem papel determinante no processo de desvendamento do mundo. todo o trabalho do homem da aproximação do real humano é carregado de valores e da
O homem conhece não somente com as suas determinações históricas, mas também temporalidade e, portanto, sujeito à superação.
com a sua dimensão de Eu, de subjetividade, de consciência. A ciência é condicionada -
por fatores extracientíficos, isto é, pelos contextos histórico, sócio-econômico, Além deste debate, ao mesmo tempo, antigo e atual, sobre o processo de produção do
tecnológico, ideológico e psicológico. Considerando a ideologia e os condicionamentos conhecimento nas ciências humanas e sociais, o significado dessas ciências tem sido
histórico é psicológico do sujeito que conhece, o conhecimento é atividade que vai discutido também lembrando que as ciências que investigam a realidade humana têm
além da perplexidade do homem frente ao real. um caráter intervencionista. Na medida em que se insere no âmbito da intervenção, do
desvendamento do significado da ação e da instrumentalização para ação, as ciências
Apesar das várias tentativas históricas de a pesquisa em ciências humanas e sociais do homem se afastam da filosofia e não produzem teoria entendida como a explicação
decalcar o modelo de investigação das ciências exatas, controlando rigidamente a simples e geral do real imediato e objetivo. Neste sentido, elas se transformam em
intromissão dos valores, através da repetição do método de pesquisa da realidade estratégias de ação, afastando-se da possibilidade de compreensão e interpretação do
exata e natural, as ciências humanas e sociais se deparam com uma questão funda- real e colocando-se como produtoras, pensadoras de técnicas de intervenção do
mental: a identidade sujeito/objeto, isto é, a dualidade do sujeito, enquanto sujeito e homem na realidade natural, social e humana.
objeto e, simultaneamente, a dualidade do objeto, sendo ao mesmo tempo, objeto e
sujeito. Portanto, ao se investirem de um caráter eminentemente prático, as ciências do

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homem deixam de ser ciências e, ao mesmo tempo, deixam de ser humanas. Deixam pela epistemologia das ciências humanas sobre o significado do conhecimento
de ser ciência, pois a dimensão de cientificidade do conhecimento supõe tratar o real construído no âmbito das ciências do homem.
no pensamento, na reflexão, na teoria. Deixam, também, de ser humanas embora
pensem a ação do homem, não só em termos de explicação desta ação mas, Sendo a educação uma prática social, sujeita ao conhecimento construído no espaço
principalmente, em termos de estratégias de intervenção, pois realizam este das ciências do homem, a pesquisa sobre o significado, os limites e possibilidades
empreendimento negando o homem em sua plenitude ao se comprometerem desta prática, deste processo não pode deixar de lado as questões que dizem respeito
radicalmente com o espirito de positividade dominante nos procedimentos de à produção do conhecimento científico no espaço das ciências do homem. Justamente
explicação do real, natural e exato. ao contrário, elas devem ser pensadas e consideradas ao longo do processo de
investigação da realidade educacional, desde a sua concepção até o momento da
A preocupação em controlar as possibilidades do agir humano, através de uma apresentação dos seus resultados, pois como sugerimos anteriormente, o momento
racionalidade técnico-científica é um complicador da constituição do estatuto de central do conhecimento é o momento de sua produção, é o momento do processo.
cientificidade desta esfera do saber e do trabalho de pesquisa sobre o homem. O que
se tem feito nas investigações sobre o homem está, direta ou indiretamente, mediata Em outras palavras, estamos propondo uma reflexão que acontece fora do espaço do
ou imediatamente, voltado para o aprimoramento de estratégias de ação que buscam pedagógico e distante da prática da pesquisa educacional, mas que está plenamente
"intervir, transformar e controlar os horizontes do agir humano e de seus componentes inserida no espaço da reflexão sobre o pedagógico, sobre o educacional e no espaço
sociais" (Japiassu, 1982, p.9). da prática de construção do conhecimento sobre a realidade pedagógica e educacional.

Em outras palavras, as ciências humanas e sociais têm se voltado, muito mais, para
mudar o real humano e social do que para se apropriar teoricamente deste real. Elas se
converteram em "práticas-técnicas e/ou ideológicas de manifestação da realidade Referências Bibliográficas
humana individual e social" (Japiassu, 1982, p.13). Reconhecemos que o conhecimento
científico tem sempre um compromisso social, mas entendemos que é necessário BENJAMIN, W. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1987. v.1 e 2.
discutir como se dá esse compromisso, pois o compromisso da ciência não se limita a
apenas pensar e propor alternativas concretas de ação. Estas são elaboradas também DEMO, Pedro. Metodologia cientifica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1985.
no processo de interação social, nas relações políticas que marcam a existência
cotidiana e complexa do sujeito da história. . Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1987.

JAPIASSU, Hilton. Questões epistemológicas. Rio de Janeiro: Imago, 1981.


Conclusão
. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 1981a.
Estas são, em linhas gerais, alguns elementos da reflexão epistemológica sobre as
ciências do homem. É uma reflexão que estamos começando a acompanhar e que tem . Nascimento e morte das ciências humanas. Rio de Janeiro: Francisco
por objetivo, em última instância, buscar subsídios para o trabalho de investigar a Alves, 1982.
realidade educacional. Ao trazer esta reflexão para a discussão educacional, o que se
pretende é familiarizar a prática da pesquisa em educação com as questões levantadas . A revolução científica moderna. Rio de Janeiro: Imago, 1985.

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JAPIASSU, Hilton. Psicanálise: ciência ou contraciência?. Rio de Janeiro: Imago, 1989. LEITE, Siomara Borba. A questão do conhecimento e a democratização da escola
básica. Rio de Janeiro, 1991. Tese (Doutorado) — PUC-RJ.
. O estatuto das ciências humanas. Rio de Janeiro, 1988.
LIBÂNEO, J.C. Democratização da escola pública. São Paulo: Loyola, 1985.
. As paixões da ciência. São Paulo: Letras & Letras, 1991. MELLO, G.N. de. Magistério de P grau: da competência técnica ao compromisso
politico. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1983.
KONDER, Leandro. Walter Benjamin: o marxista da melancolia. Rio de Janeiro: Cam-
pus, 1988. SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1986.

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CURRÍCULO E CONHECIMENTO: níveis de seleção do conteúdo explicitados. Tal exigência deriva de uma razão trivial: os dois termos admitem mais de
uma significação.

José Alberto Pedra*


O Currículo

Introdução O termo currículo, por exemplo, já foi definido: 1) como uma série estruturada de
resultados; 2) como um conjunto de matérias; 3) como conjunto de experiências que os
Existe entre a educação e a cultura uma relação íntima e orgânica, seja a educação estudantes desenvolvem sob a tutela da escola e 4) como intento de comunicar os
entendida em seu sentido amplo ou restrito, como a escolar, por exemplo. Tanto em princípios essenciais de uma proposta educativa. Ultimamente, vem sendo entendido
um sentido quanto no outro, é inevitável a idéia de alguém exercendo uma "ação como uma seleção de conhecimentos extraídos de uma cultura mais ampla.
educadora" sobre outro alguém.
Trata-se, então, de um termo polissêmico? Não nos parece que seja exatamente isso.
Tal "ação educadora" supõe a transmissão e a aquisição de conhecimentos, valores e Considerar a multiplicidade de definições curriculares como um caso típico de
atitudes valorizados por aquela cultura. No entanto, os "conteúdos" culturais disponíveis polissemia é um modo de obscurecer, no horizonte da investigação, o mais instigante:
extravasam ao tempo físico definido para a "ação educadora" dos sistemas escolares, a lógica de tal multiplicidade.
razão pela qual aparece, na perspectiva temporal, a necessidade de selecionar da
experiência cultural alguns conteúdos, aqueles que integrarão o currículo escolar. Fixemos, para começo, que o termo currículo surge, na literatura educacional, no início
Ortega y Gasset (1955), já alertara que um dos problemas da educação será sempre do século XX, — nos Estados Unidos — quando a industrialização toma impulso e a
o da inclusão e eliminação de conhecimentos, ou seja, o da seleção de conteúdos necessidade de mão-de-obra industrial se impõe de modo definitivo.
curriculares.
A industrialização fez-se com a expropriação do saber artesanal, produzindo em escala
Como se dá e por que deste modo se dá a seleção? É a questão central deste trabalho. industrial o que antes era produzido em escala familiar. O "saber fazer", que era
Nâo pretende ser uma resposta, mas uma busca de caminhos alternativos para patrimônio familiar, passa ao "poder fazer" industrial.
investigá-la.
Depois de ter expropriado as famílias de suas ferramentas de produção, concentrando-
as na fábrica, os industriais, durante as primeiras décadas do século XX, passaram a
Algumas Definições Preliminares expropriar também os conhecimentos técnicos do operário. Utilizando-se da 'direção
científica' parcelaram o processo de produção, atribuíram uma função específica a
Currículo e conhecimento, tais como aqui serão entendidos, necessitam ser cada operário na linha de montagem e guardaram para si próprios o conhecimento do
processo produtivo como um todo. (Lasch, 1991, p.41-42)

Transformando, por esta via, o conhecimento em uma indústria em si mesmo. O


operário e sua família já não mais detêm o saber fazer, saber que foi fragmentado e
' Professor titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR). distribuído entre as várias "seções" da indústria.

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Foi neste clima que os primeiros estudos sistemáticos sobre o que se tem designado foi, mais apropriadamente, objeto da Psicologia, disciplina que sobre ele exerceu
por currículo começaram a se estabelecer. Não é difícil, por isso mesmo, identificar o profunda influência, delimitando, inclusive, a extensão de suas definições. A
Zeitgeist, e mais particularmente a influência da Teoria da Administração Científica, permanente presença de um termo como "experiência" — de corte tipicamente
nas teorizações de Bobbitt (1918), considerado o iniciador dos estudos sobre o currículo. psicológico — nas diversas definições do currículo é testemunha da extensão daquela
influência.
Se, por um lado, os modos de produção industrial se aperfeiçoavam, influenciando o
pensar e o fazer currículo, surgiam, por outro lado, movimentos sociais que Mas o currículo, se o compreendemos como algo que participa de um processo social
contraditavam os pressupostos "industriais" e, de certo modo, recusavam tal influência. mais amplo, não tem todas suas dimensões contidas no âmbito da Psicologia.

As teorizações de Dewey sobre a educação e o currículo representaram uma certa Tal compreensão começou a tomar consistência no final dos anos 60, quando teve
síntese de tais movimentos em uma América que abandonava o sistema rural e início, na Inglaterra, uma tendência que pretendeu submeter o currículo à análise
transformava-se em uma América fabril e urbana; que aprofundava cada vez mais a sociológica. Tal tendência mostrou-se a público por ocasião da Conferência Anual da
brecha existente entre exploradores e explorados, possuidores e não-possuidores. British Sociological Association, em 1970, conquanto se considere como, "livro
(Tudela, 1988, p.160) fundador, a obra publicada por Michel Young em 1971, cujo título é a explicitação da
nova tendência: Knowledge and Control: new directions in the Sociology of Education.
O eixo de referência de Dewey não se centrava nos princípios da Administração
Científica, mas na experiência da cultura. Se Bobbitt entendia o currículo como um A obra, como pretenderam alguns, era um "novo paradigma teórico" para os estudos do
conjunto de estratégias para preparar o jovem para a vida adulta; Dewey o compreendia currículo. Seguramente uma impropriedade, se o termo "paradigma" for tomado em
como o ambiente que era fornecido ao estudante para experenciar a vida mesma. sentido kuhniano, pois a "Nova Sociologia" — como ficou conhecida a tendência —
(Dewey, 1967) estava sendo estruturada sob bases teóricas alternativas (Durkheim, Marx, Max We-
ber, George Mead, Schutz, Mannheim).
O pensamento bobbittiano — ainda inédito na língua portuguesa — não chegou a
influenciar o pensamento educacional brasileiro, mesmo porque, a cada obra que Assim é que, entre os "fundadores" da "nova sociologia", a abordagem de Bernstein,
publicava, Bobbitt mais se afastava do seu pensamento originário. Em 1934, quando por exemplo, aparece com uma grande influência da Sociologia durkheimiana, Esland
foi solicitado a apresentar uma declaração que sintetizasse sua teoria sobre o currículo, prefere a fenomenologia e Young parece mais próximo do marxismo (Fourquin, 1984).
repudiou de modo quase radical o seu trabalho anterior (Kliebard, 1980). Mas, a
influência do pensamento de John Dewey foi decisivo na construção do pensamento Paradigma ou não — embora o termo "tendência" seja mais adequado — este
curricular brasileiro. movimento trouxe para o estudo do currículo aportações ignoradas até então. O fato de
aparecer, em seu início, como um conjunto variado de referências teóricas, é de menor
Já é possível perceber, com este rápido retrospecto, que as definições do termo importância. O fundamental é que o movimento estabeleceu, definitivamente, novas
currículo não são coisas dadas, coisas que estão aí, pertencentes à natureza, à espera bases para a investigação e compreensão do currículo.
daquele que primeiro as alcance. São, antes que isso, produções humanas e, como
tais, carregam as marcas do tempo e do espaço sociais de suas construções. Retomando, de certo modo, o estímulo de Mannheim em favor de uma sociologia da
educação sustentada pela sociologia do conhecimento, a nova sociologia, ou a
E no entanto, o currículo nem sempre foi objeto privilegiado das análises sociológicas; "sociologia do currículo", começou trabalhando com o pressuposto de que "o modo

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como uma sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e avalia os saberes e trabalhadas em conexão com as leis da aprendizagem. (Elam, 1973)
educacionais reflete a distribuição do poder em seu meio e a maneira pela qual trata de
assegurar o controle social dos comportamentos individuais" (Bernstein, 1971, p.47). Compreendido deste modo, o conhecimento é algo dado, com valor em si mesmo, e se
autonomiza em relação às bases históricas que o tomam possível e lhe dão sentido.
Este pressuposto ainda não foi abandonado, se bem que muito do determinismo que Sequer propõe a suspeita de que a decisão por este ou aquele conhecimento a integrar
possa refletir já não encontre abrigo nas investigações mais recentes. Apple (1982, o currículo é, já, a adesão a um modo de entender o que é conhecimento válido.
1987), por exemplo, propõe e discute questões mais específicas como: "Por que e
como aspectos particulares da cultura coletiva são apresentados na escola como Os conhecimentos que pelo currículo são selecionados, sistematizados, distribuídos e
conhecimento factual, objetivo?" "Como, concretamente, pode o conhecimento oficial avaliados derivam de uma cultura concreta e ultrapassam os denominados
representar configurações ideológicas dos interesses dominantes em uma sociedade?" "conhecimentos científicos" que, por definição, encontram-se expressos nos conteúdos
"Como as escolas legitimam estes padrões limitados e parciais de conhecimento como próprios das diversas disciplinas. Trazem, por isso — por serem culturais —
verdades inquestionáveis?" Como se vê, é o conhecimento mesmo que passa a ser representações do que pode ser considerado conhecimento válido e não-
problematizado. conhecimento. Transmitem, assim, para além do "conhecimento científico", um modo
de ver e classificar o mundo — vivido.
É no interior dessa tendência teórica que melhor se explicita o sentido em que, aqui, se
toma o currículo. E, afinal, qual é esse sentido? Currículo é essencialmente uma Como se dá tal seleção? Evidentemente, são muitas as formas, fiquemos com duas
seleção (Lawton, 1975, p.6). Seleção de conhecimentos, atitudes, valores e modos de delas.
vida, presentes na cultura de uma determinada sociedade, considerados importantes
para serem transmitidos às gerações sucessoras.
Níveis de Seleção e Distribuição do Conhecimento
O currículo é, então, um recorte intencional. Recorte que sempre terá, explicita ou não,
uma lógica justificante. Tal recorte, ou eliminação, para utilizar o termo de Ortega y A seleção dos conteúdos curriculares foi considerada por muito tempo como uma
Gasset (1955), faz-se dos conhecimentos disponíveis em uma determinada cultura. atividade racional, que deveria ser levada a termo tendo por referência alguma teoria
da aprendizagem ou "necessidade social". Tyler (1976) insistia em que a determinação
dos conteúdos curriculares deveria proceder de uma análise prévia da vida cotidiana,
Para Além dos Conhecimentos "Científicos" dos alunos e dos avanços científicos.

Mas, quais conhecimentos são objetos da seleção? É inevitável que se levem em consideração estes três conjuntos quando se organiza
um determinado currículo, mesmo porque não faria qualquer sentido selecionar
É necessário reconhecer, em primeiro lugar, que se toma improdutivo entender conteúdos sem ter por referência seus destinatários, o estado do conhecimento
conhecimento como um conjunto articulado de "verdades que podem ser confirmadas". científico e a realidade cotidiana da cultura.
Compreensão que tomou uma forma sutil e acabada nos estudos sobre "a estrutura do
conhecimento". Tais estudos partiam do pressuposto de que os conhecimentos A questão, no entanto, não é esta, pois a seleção de conteúdos curriculares, mais que
(conteúdos curriculares) tinham uma estrutura que lhes era própria. Os conhecimentos, uma atividade racional, é, sobretudo, um processo no qual múltiplas esferas (sociais e
então, seriam melhor dominados, pelos alunos, se tais estruturas fossem estabelecidas individuais) de mediações se intereruzam, construindo e reconstruindo aqueles

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conteúdos. Isto significa que a seleção dos conteúdos curriculares não deriva de E neste sentido que a seleção dos conteúdos curriculares não poderá ser
alguém ou de algum grupo em particular, mas de negociações que se estabelecem no adequadamente compreendida senão como um processo no qual participa todo o
interior de determinada cultura. Não se conclua daí, entretanto, que tais negociações, conjunto da sociedade (alguns com mais ou menos poderes, outros com maior ou
ou mediações, sejam feitas entre iguais. A cultura é, por definição, uma construção menor consciência), pois selecionar, classificar, distribuir e avaliar conhecimentos põe
humana e, como tal, alberga contradições e conflitos próprios das organizações em ação as múltiplas representações que percorrem os espaços culturais e não
humanas. É neste quadro de contradições e conflito que se dão as negociações. somente aquelas elaboradas pelos grupos dominantes.

Um certo tipo de leitura de Marx conduziu, no entanto, algumas investigações sobre a Afastando as armadilhas da ortodoxia, é possível elaborar hipóteses mais amplas
educação e o currículo a uma compreensão contrária, a um beco sem saida; pior que sobre a seleção do conhecimento no currículo escolar. É possível trabalhar, por
isto, instaurou a desesperança na possibilidade de se utilizar a educação como uma exemplo, com a hipótese de que a relação "currículo e conhecimento" não se encontra
das forças sociais para a emancipação, ao acreditar no poder absoluto das classes determinada, uma vez por toda, pela infra-estrutura econômica. É possível, também,
dominantes na seleção e distribuição do conhecimento (Kemmis, 1988). Giroux (1986, trabalhar com a idéia de que a seleção dos conteúdos curriculares dá-se por mediações
p. 162-163) denunciou um dos erros em que tais investigações incorriam: e não por determinações e que, absolutamente, não se esgota nas decisões provindas
dos "aparelhos do Estado".
As teorias radicais de escolarização têm sido moldadas em versões
positivistas do marxismo que congelavam o momento dialético de incerteza É possível, então, reconhecer alguns níveis de mediação pelas quais a seleção do
do comportamento humano, e optavam pela parte da formulação marxista conhecimento se dá — níveis não hierárquicos, evidentemente, e tampouco etapas de
clássica que enfatiza que a história é feita de fato 'peias costas' dos um processo de decantação pelo qual a seleção iria assumindo forma mais pura. São,
membros da sociedade. A noção de que realmente as pessoas fazem a mais apropriadamente, níveis de resistências e reconstruções.
história, incluindo suas coerções, parece ter sido negligenciada nessa
formulação.
O Nível Jurídico
Ou seja, subjaz a este legado do marxismo ortodoxo um historicismo positivista e uma
ênfase demasiadamente unilateral na suposta força de determinação do processo de O primeiro de tais níveis assume "uma das formas empregadas em nossa sociedade
produção. É um legado "animado por uma recusa a proceder a análise da vida diária, para definir tipos de subjetividade, formas de saber e, em conseqüência, relações entre
nas quais a subjetividade e a cultura possam ser tratadas como mais do que um reflexo os homens e a verdade": a forma juridica. (Foucault, 1980, p.17)
das necessidades do capital e suas instituições". (Giroux, 1986, p.163)
Tome-se, como exemplo, os debates em tomo da Lei de Diretrizes e Bases da
O currículo escolar, tanto como os demais aspectos da vida social, está impregnado e Educação Nacional, os quais tiveram início na década de 34, quando a nova
modelado por ideologias. Nada há de estranho, assim, em considerar que as ideologias Constituição (a de 34) inovou ao atribuir à União competência para traçar as diretrizes
dominantes nos conteúdos curriculares reflitam as formas ideológicas dominantes na e bases da educação nacional e observe-se o resultado jurídico (Lei 4.024/61).
cultura de uma sociedade. No entanto, o fato de ser dominante indica que existem
outras ideologias com as quais deve concorrer para manter-se enquanto tal. Tal Era uma matéria polêmica e, ademais, como ocorria pela primeira vez em um texto
concorrência dá-se, não de uma vez por todas e em um tempo e lugar específicos, mas constitucinal brasileiro, não se tinha muito claras as questões e dificuldades que
cotidianamente, no interior das relações sociais. adviriam. Havia, não obstante, dois projetos pedagógicos concorrentes: o dos Pioneiros

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(Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo...) e o dos Pensadores Católicos a outras instituições o papel da tarefa educativa, os defensores desta posição entendem
(Alceu de Amoroso Lima, Leonel Franca) que defendiam versões ideológicas que, se o Estado não direcionar o ensino e monopolizá-lo, haverá conflitos de
antagônicas. orientações." (Cury, 1978, p.92)

O projeto pedagógico do grupo católico não se reduzia à defesa da escola particular. O A segunda posição prevalecerá como uma forma conciliadora, não apenas no meio
que se defendia (e como se defendia), era uma determinada compreensão do mundo dos Pioneiros (ou escolanovistas), mas entre os grupos envolvidos no debate.
e do homem. A questão fundamental, defendida pelos católicos, não foi a escola
particular, mas o ensino religioso. Se a ideologia que sustentava o Projeto dos Pioneiros Seria impossível tratarmos aqui do confronto entre os Pioneiros e os pensadores
deve ser buscada na filosofia de John Dewey, a do grupo católicos deve ser buscada católicos com todo o colorido e dramaticidade que merece. O senso de medida e
nas encíclicas Rerum Novarum e Divini lllius Magistri. oportunidade indica ser mais prudente deixar que as muitas lacunas sejam preenchidas
pelas inúmeras obras disponíveis no mercado que tratam particularmente do tema.
Sem religião é "impossivel, teórica e praticamente, formar homens", escreveu Leonel Nossa intenção foi a de — e somente—indicar a presença de dois grupos organizados,
Franca, e acrescentou, considerando que a educação — por princípio — é uma função com ideologias nitidamente diferentes, Confrontando-se na definição das bases jurídicas
inerente e inseparável da missão natural da familia: "o professor, público ou particular, que dariam estrutura e regulamentariam o funcionamento da educação nacional e,
é, por função, um delegado e representante da autoridade paterna. Não lhe assistem conseqüentemente, os modos pelos quais o conhecimento escolar seria selecionado,
direitos contra os direitos das famílias." (Franca apud Villalobos, 1969, p.12) distribuído e avaliado.

O debate não se encerraria nos anos 30. Duraria mais 31 anos, até a aprovação da Lei A Lei nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961 é uma síntese de trinta anos de debate.
de Diretrizes e Bases da Educação, em 20 de dezembro de 1961. A questão que fora Nela ficaram consagrados alguns dos ideais dos pensadores católicos tanto quanto
polêmica nos anos 30 — a educação religiosa — cedeu, lentamente, dando lugar a dos Pioneiros e, ademais, foram incluídas (poucas, é verdade) soluções provindas de
uma outra questão que já estava latente e monopolizaria os debates nos anos outros grupos de pressão aqui não anunciados (professores, estudantes, escritores,
seguintes: a estatização do ensino. jornalistas, operários, representantes das minorias religiosas) que, em certos assuntos,
"ofereciam algumas inovações importantes, que refletiam pontos de vista mais radicais,
O grupo católico era mais coeso nesta questão: era contra. Os escolanovistas, no sobretudo no tocante à questão dos destinos a serem dados às verbas públicas e à
entender de Cury (1978, p.91-92), conviviam com três posições diferentes. A primeira forma de verificação do rendimento escolar." (Villalobos, 1969, p.152)
delas, mais flexível, aceitava a "liberdade de ensino" — incluindo aí a iniciativa partic-
ular—"desde que sintonizada com um plano nacional de educação". Não será difícil perceber os conhecimentos previstos para a educação nacional, se
compulsarmos o texto final da LDB e buscarmos aí a letra f do Art 12 — Dos Fins da
Uma segunda posição — mais pragmática e oportunista —, talvez a dominante entre Educação —: "O preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos
os escolanovistas, "tolera a existência de escolas particulares, submetidas à científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as
fiscalização do Estado". Tal tolerância, explica Cury (1978, p.92), "é consentida, já que dificuldades do meio". Ficam definidos como conhecimentos válidos: o científico
os recursos econômicos do Estado são escassos para cobrir toda a população." (alguém diria quais e o que é) e o tecnológico. Assegura-se, também, que outros
conhecimentos sejam transmitidos (Art 4º), mas somente na forma da lei.
A terceira posição, a qual Moraes (1985, p.93) identifica como a mais radical e até
irreal, "é a que faz opção nítida pela centralização e monopólio pedagógico. Negando Definidos, como conhecimentos válidos, os científicos e tecnológicos, cabe ao Conselho

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Federal de Educação (Art. 9º) convertê-los em conteúdos de disciplinas obrigatórias O Nível Institucional
para os sistemas de ensino médio e estabelecer a duração e o currículo mínimo dos
cursos de ensino superior. Aos Conselhos Estaduais cabe, para o ensino médio, Não é incomum (na verdade é freqüente) encontrarem-se escolas totalmente
completar o número das disciplinas obrigatórias, além das definidas pelo Conselho inadequadas para o desenvolvimento do expresso nas leis de ensino. Tal
Federal, e relacionar as de caráter optativo que poderiam ser adotadas pelos inadequabilidade vai desde a precariedade do edifício escolar até a qualificação do
estabelecimentos de ensino. corpo docente. A inadequabilidade não será casual. Terá, por isso mesmo, efeito direto
no desenvolvimento dos conhecimentos já previamente selecionados que sofrerão,
O ensino secundário assume feições propedêuticas, claramente enunciadas no § 2º do inevitavelmente, uma nova seleção, agora pelas condições materiais e psicossociais
Art. 42: "A terceira série do ciclo colegial será organizada com currículo diversificado, da escola concreta.
que vise ao preparo dos alunos para os cursos superiores e compreenderá, no mínimo,
quatro e, no máximo, seis disciplinas, podendo ser ministrada em colégios Será um contra-senso, então, afirmar que o conhecimento tratado em uma escola com
universitários" (grifo nosso). professores de precária formação profissionai, dispondo de não mais que uma sala de
aula, sem laboratórios ou bibliotecas, é o mesmo tratado por outra escola, que oferece
O ensino religioso — tão arduamente defendido pelos católicos, com a adesão de melhores condições materiais e profissionais. E, no entanto, ambas devem cumprir a
outras tendências religiosas — foi tratado em um artigo especial, o de número 97 — mesma programação curricular (a oficial).
nas disposições gerais e transitórias — cuja redação é muito expressiva: "O ensino
religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa, Ademais, está claro que o conhecimento estabelecido naquele nivel de negociação —
e será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de acordo com a confissão p jurídico — embora esteja destinado a toda população escolar, de fato a todos não
religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal atinge. Deve ter-se em conta que, seja qual for a opção curricular que em cada caso se
ou responsável" (grifos nossos). adote, os componentes culturais convertidos em conteúdos do currículo oferecem
desiguais oportunidades de conexão entre a experiência escolar e a extra-escolar nos
O conhecimento religioso, mesmo em seus aspectos culturais (o cristão, o yorübá, o alunos procedentes de diferentes meios sociais.
islâmico...) não foi sancionado, senão como pura expressão cultural (naturalização de
experiências humanas). Não era científico e, tampouco, tecnológico. A escola, como já vimos, não pode ser entendida como uma entidade com vida própria,
capaz de produzir efeitos por si mesma. Ela é um espaço privilegiado onde as relações
Seria ingenuidade, no entanto, imaginar que os conhecimentos sancionados e de poder e conhecimento se reencontram e tomam novos significados. É neste espaço
delimitados em forma de disciplinas pelos Conselhos Federal e Estaduais redundariam que o conhecimento prescrito deve enfrentar possibilidades que não foram previstas
nas transformações sociais imaginadas pelos "escolanovistas" e legisladores. Na nos ordenamentos jurídicos.
verdade, nem as escolas se beneficiaram, pois, "quando mais se falou em democracia
no interior da escola, menos democrática foi a escola". (Saviani, 1983, p.52) Aí, o conhecimento toma voz e fisionomia. É construído e reconstruído em um processo
de negociação entre a instituição (que confere as regras institucionais), professores e
A seleção de conhecimentos não se esgota, evidentemente, nos ordenamentos alunos.
jurídicos, mas se estende na tessitura do real, do qual a própria legislação é uma parte.
Na verdade, não se consegue ir demasiado longe, se não se contrastam as declarações O professor é detentor de um conhecimento, mas de um conhecimento que não é
com as práticas efetivas. interpretado na neutralidade. Sua história pessoal, suas crenças e suas representações

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atuam como filtros interpretativos que dão direção e sentido ao conhecimento que experiência escolar. É quando surgem as perguntas, que são, afinal, um programa de
transmite. Disso dão-nos conta as investigações de Mollo (1978) e Albert (1986). Os investigação:
alunos, há muito já se sabe, não chegam à escolas com suas mentes vazias, trazem
consigo as representações do grupo social a que pertencem, representações que 1) Quais significados subjacentes são negociados e transmitidos nas escolas
selecionam e descontextualizam as informações que recebem para que possam por detrás da "matéria" formal dos conteúdos curriculares?
integrar-se às estruturas de pensamento já constituídas. (Moscovici, 1978; Jodelet,
1986). 2) O que ocorre quando o conhecimento é filtrado pelos docentes?

Não é incomum ouvir-se de alunos que as aulas de Matemática, por exemplo, "parecem 3) Quais categorias são utilizadas para decidir o que é normal e o quê?
não acabar nunca", e no entanto a aula de Matemática dura tanto quanto as demais.
Não provirá este "tempo que não acaba" de uma determinada representação do 4) Qual é a referência básica e organizadora do conhecimento normativo e
conhecimento matemático, considerado quase sempre como "conhecimento" difícil, conceptual que realmente recebem os alunos?
adequado para gênios? De onde, afinal, saem os gênios?
5) Qual é, afinal, o currículo que se leva a cabo?
Em um trabalho antigo, mas ainda fonte de relevância, Apple e King (1977, p.110)
tentam responder a uma pergunta que eles mesmos propõem: O que as escolas
ensinam? Entendendo as escolas como instituições que personificam as tradições
coletivas e as intenções humanas e estas últimas, como produtos de ideologias sociais Para Concluir
e econômicas, impõem uma delimitação à pergunta originária que é, também, um
melhor esclarecimento: "a melhor formulação do nosso ponto de partida seria a seguinte A análise das estruturas jurídicas tem revelado um potencial importante para a
pergunta: De quem são os significados que se seleciona e se distribui nos currícula compreensão das ideologias e das práticas sociais dos povos, aí incluindo,
explícitos e ocultos das escolas?". naturalmente, "as formas de saber" (Foucault, 1980) Há de admitir-se, porém, que "as
formas de saber, tal como o próprio "saber", não são obra do aparato jurídico, mas de
Está evidente que as preocupações de Apple e King não se dirigem para as "matérias" interesses contraditórios que tomam vida e circulam na tessitura social. Assim, se por
que compõem o currículo, mas para os significados e, principalmente, significados de um lado as estruturas jurídicas dimensionam e demarcam as amplitudes dos
quem. Tais significados surgem de alguma parte, da cultura naturalmente. Mas, como conhecimentos escolares, por outro lado, serão objeto de interpretação e reconstrução
não existem culturas abstratas, somente culturas reais, compostas por grupos sociais por aqueles que devem fazê-las funcionar. E é neste ponto que talvez tomem o seu
concretos, tais significados serão aqueles de tais grupos sociais. Não é necessário, no sentido mais expressivo as estruturas profundas da experiência escolar, pois, se Apple
entanto, ir-se longe demasiado para entender que, conquanto sejam os significados e King têm razão, somente observando esta estrutura profunda podemos começar a
presentes no currículo, provenientes dos grupos sociais que compõem a cultura, não entender como as normas sociais, as instituições e as ideologias se alimentam da
são os de todos os grupos. interação diária dos atores enquanto estão exercendo suas práticas correntes em sala
de aula, pois "As definições sociais do conhecimento escolar, que estão dialeticamente
As análises de Apple e King, após um retrospecto macro-histórico, com finalidades relacionadas e contidas em um contexto muito mais amplo das instituições sociais e
contextualizadoras, voltam-se para a análise do microespaço institucional, da sala de econômicas ambientais, se mantêm e se recriam nas práticas de ensino e nas
aula. Passam a preocupar-se com o que designaram como estrutura profunda da avaliações escolares. (Apple e King, 1977, p.116)

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PENSANDO A ESCOLA E O CURRÍCULO À LUZ DA TEORIA DE J. HABERMAS* dia-a-dia. No Brasil, Habermas tem sido trabalhado nos últimos anos com maior
intensidade na área educacional. Contam-se grupos de estudos que atuam buscando
clarificar o potencial pedagógico da Escola de Frankfurt (Universidade Federal de São
Elizabeth Fernandes de Macedo' Carlos), assim como estudos sobre Educação e Trabalho que começam a introduzir o
pensamento habermasiano (Universidade Federal do Rio de Janeiro). O número de
trabalhos acadêmicos, sejam publicações em periódicos e coletâneas de estudos
Introdução (Domingues, 1986; Markert, 1986 e 1992), sejam teses de doutoramento (Mazzi,
1992), também sofreu um incremento a partir da segunda metade dos anos 80.
Acoplar a proposta sociológica de J. Habermas, pensador alemão ligado à Escola de
Frankfurt, às discussões sobre escola e currículo tem apontado para muitos caminhos Neste texto objetiva-se discutir, introdutoriamente, o pensamento de Habermas
possíveis e que nos parecem promissores. Hoje, já não são tão poucos os textos que buscando assinalar possibilidades de se construir um currículo emancipatório dentro
buscam integrar o pensamento de Habermas à educação, no entanto a maioria destes da instituição escola, tal como ela se apresenta hoje.
trabalhos (Ewert, 1991; Giroux, 1983; Grundy, 1987; Manem, 1977) tem partido de
suas primeiras formulações acerca da relação entre conhecimento e interesse. Tal
estudo (1987a e 1987b) é, sem dúvida, o mais conhecido do autor no Brasil e encontra- Ação Comunicativa e Agir Estratégico
se na base de seu pensamento. No entanto, após ter sofrido inúmeras críticas por ter
tentado fundamentar a idéia de emancipação em nivel epistemológico, o autor buscou Ao trabalhar o conceito de ação comunicativa, Habermas (1990b) introduz um novo
ultrapassar os conceitos básicos de reflexão e auto-reflexão presentes neste primeiro componente na busca do conhecimento verdadeiro, capaz de levar à emancipação.
trabalho, passando a operar com a comunicação como categoria capaz de levar à Aprimorando e, em certa medida, ultrapassando o conceito de auto-reflexão, esboçado
emancipação. (Habermas, 1990b) em Conhecimento e Interesse¹ (1987b), o autor propõe uma teoria onde a linguagem
assume papel de grande relevância, na busca da emancipação.
A revisão da literatura americana sobre o assunto, realizada por Ewert (1991), aponta
um razoável número de estudos que acoplam a Teoria da Ação Comunicativa, trabalho A teoria da ação comunicativa tem sua expressão na linguagem e sua base na ética.
a que Habermas (1990a e 1990b) tem se dedicado mais recentemente, às questões da Trata-se de uma tentativa de compreender as condições universais de produção de
educação. A grande maioria destes textos, no entanto, atua na perspectiva de enunciados que visem ao entendimento, uma vez que todas as normas de ação social
compreender como a linguagem utilizada nas escolas tende a funcionar como um são entendidas como derivadas do agir voltado para o entendimento. No entanto, para
instrumento de dominação e de imposição de um discurso hegemônico, dificultando a que haja comunicação é necessário que seja criada uma intersubjetividade tal entre os
tematização das categorias pedagógicas com as quais os professores lidam em seu interlocutores que sirva de cenário, onde os conteúdos serão transmitidos e
compreendidos. A participação num ato de fala, através do qual são tematizadas as
questões relevantes, pressupõe, portanto, que os interlocutores sejam competentes na
utilização da linguagem.
* Texto apresentado ao Professor Antônio Flávio Moreira como trabalho final do curso Teoria
do Conhecimento e Currículo.
** Professora da Pós-graduação em Educação da Universidade Católica de Petrópolis. 1
Optou-se por não trabalhar com esse texto uma vez que ele já é bastante conhecido no
Doutoranda em História da Educação da UNICAMP. Brasil.

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Toma-se fundamental, neste momento, definir o que o autor denomina ato de fala, de o consenso entre os falantes: (a) a compreensibilidade do conteúdo transmitido; (b) a
modo a diferenciá-lo das atividades não- lingüísticas. As ações linguísticas, para veracidade dos interlocutores; (c) a veracidade dos conteúdos proposicionais; e (d) a
Habermas (1990b), caracterizam-se por sua feição reflexiva, ou seja, elas podem se validade das razões pelas quais o locutor pratica o ato lingüístico. Enquanto as duas
interpretar a si mesmas, visto que possuem estrutura auto-referencial. Cumpre ressaltar primeiras expectativas podem ser resolvidas no próprio contexto da interação, as duas
que o sentido deste ato de fala, em seu caráter performativo, somente pode ser últimas somente podem ser resolvidas através de sua problematização em um discurso,
captado por um interlocutor que se coloque na perspectiva de segunda pessoa, ou onde ao invés de trocarem informações, os falantes buscam argumentos cogentes
seja, por aquele que adote a postura de participante do ato lingüístico. Assim, os atos capazes de sustentar suas pretensões de validade. Nesta perspectiva, a veracidade
de fala, além de assumirem um caráter reflexivo, visam a fins que somente podem ser dos conteúdos é atingida se o discurso levar a um consenso sobre si.
atingidos através da cooperação, diferenciando-se dos atos não-lingüísticos que
pressupõem uma intervenção causal no mundo objetivo orientada para um fim. A idéia Pode-se observar que o conceito de verdade expresso por Habermas (1990b) não se
de cooperação traz embutida um outro conceito fundamental para o pensamento de refere à adequação do sistema teórico discursivo à realidade, mas ao consenso criado
Habermas (1990b) — o entendimento que busca o consenso entre os falantes. O autor entre os falantes acerca da veracidade das questões problematizadas. A partir desse
propõe que a idéia de entendimento encontra-se presente no interior do meio lingüístico, consenso, estabelecido através da ação comunicativa, Habermas pressupõe que
advogando que, embora tanto as atividades lingüísticas, quanto as não-lingüísticas ocorra a universalização dos interesses que guiam o conhecimento. No entanto, para
encarnem conteúdos proposicionais, o modo de empregar o saber condiciona o sentido que o conhecimento possa ser encarado como emancipatório, torna-se necessário que
da racionalidade. Ao ser utilizado em ações teleológicas, o saber proposicional se garantam as condições de estabelecimento da verdade consensual, que, entretanto,
relaciona-se à racionalidade orientada por fins, enquanto no uso comunicativo a só pode ser alcançada se se acreditar na possibilidade de um processo de discussão
racionalidade orientada para o entendimento assume posição de relevo. Nota-se, neste no qual os participantes atuem livres de coerções.
ponto, que o conceito de racionalidade do autor (1990b) "não tem tanto a ver com a
posse do saber, mas com o modo como os sujeitos capazes de falar e agir empregam
Toma-se, então, necessário buscar clarificar como o autor visualiza a possibilidade de
o saber (p.69).
um processo de interação, mediado pela linguagem, onde os participantes atuem livres
das coerções naturais e/ou intrapsíquicas. Habermas (1990b) cria o conceito de
A eficiência da racionalidade de processos comunicativos não pode ser medida da situação de fala ideal, onde os participantes são automaticamente verdadeiros. Embora
mesma forma que a racionalidade orientada para um fim, cuja eficiência se estabelece tal situação seja definida como ideal e empiricamente impossível de ser atingida, nâo
de forma causal e em relação ao mundo físico. A racionalidade dos processos de se trata de uma situação arbitrária, visto que é pressuposta como real em cada
entendimento é medida pelo conjunto de condições de validade exigidas para atos de discurso onde uma questão é tematizada. Neste quadro, a verdade é determinada a
fala, por pretensões de validez, que se manifestam através dos atos de fala, e por partir de argumentações capazes de convencer, sobre um dado ponto de vista, os
razões para o resgate discursivo dessas pretensões (Habermas 1990b, p.70). demais participantes da interação. A verdade consensual assim obtida será tanto mais
estável quanto maior o número de participantes que interagem na busca de seu
A linguagem pode,pois, ser utilizada tanto como meio de transmissão de informações atingimento. Certos consensos, que constituem o conhecimento senso comum, têm
— agir estratégico — quanto como meio de integração social — agir comunicativo. uma extraordinária estabilidade, visto que são estabelecidos em uma discussão onde
Neste último caso as ações são coordenadas pela força consensual do entendimento o número de participantes admitidos a opinar é geralmente muito grande. Pressupõe-
presente na própria linguagem. se, desta forma, que o número de sujeitos submetidos à coerção possa ser
estatisticamente irrelevante, em função do elevado número de participantes não
Assim, em cada situação de fala existem quatro pretensões de validade que explicitam submetidos a processos coercitivos.

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Além destes consensos que constituem o conhecimento senso comum, os consensos No entanto, para participar de um ato de fala voltado para o consenso é necessário que
factuais, sobre os quais se apóia o empiricismo, possuem também grande estabilidade os interlocutores dominem a linguagem na qual as informações serão problematizadas.
uma vez que são estabelecidos com base no controle do ambiente, onde o Surge, assim; a questão da legitimação do conhecimento científico. Conforme já
conhecimento se constitui ligado, primordialmente, ao interesse técnico. Habermas analisado, as descrições do mundo em nível senso comum possuem elevado grau de
trabalha com os conceitos de verdade trivial e fato trivial para se referir a consensos estabilidade devido à participação no consenso de um grande número de interlocutores,
que se fundamentam em situações factualmente observáveis, obtidos através de uma além de, via de regra, se referirem a fatos triviais. No entanto, em nível cientifico, os
discussão onde não tenham sido utilizadas argumentações muito elaboradas (Rocha, argumentos são freqüentemente mais complexos e o consenso é normalmente atingido
1990, p. 194). pela seleção de uma dentre várias outras explicações possíveis. O consenso será
supostamente verdadeiro a partir do julgamento de determinadas pessoas que se
No entanto, no que se refere aos consensos de menor estabilidade, estabelecidos constituem, em dado momento histórico, como juizes privilegiados da verdade
entre um número menor de participantes e/ou que não digam respeito a fatos triviais, científica. Tais pessoas são aquelas que dominam a linguagem na qual o assunto é
como se pode determinar que o consenso tenha sido alcançado com participantes problematizado. Considerando relevante o caráter histórico do conhecimento, observa-
livres de processos de coerção? Habermas (1990a e 1990b) propõe que apenas os se que tais grupos são constituídos a partir de certo consenso da sociedade, ou pelo
participantes da situação de discussão podem reconhecer que o consenso verdadeiro menos da sociedade culta, acerca da sua função de especialistas, o que lhes permite
foi obtido, quando, consensualmente, concordarem que todas as controvérsias sobre a opinar sobre a adequação ou não de determinado modelo de explicação dos
liberdade de aceitação ou recusa de argumentos foram resolvidas. fenômenos.

Com essa proposta, a teoria crítica de Habermas parece chegar a um relativismo


Trabalhou-se até o momento supondo que a obtenção do consenso verdadeiro era
absoluto, que poderia, inclusive, levar ao estabelecimento de diferentes verdades, em
possível pela problematização das questões relevantes e assumiu-se que as "verdades"
função da criação de grupos intersubjetivos diversos. Tal afirmativa encontra, entre-
presentes no mundo vivido cotidiano de cada um fossem geradas por um consenso de
tanto, duas objeções no pensamento de Habermas: a primeira delas refere-se ao
grande estabilidade. Entretanto, Habermas (1987c) chama a atenção para o fato de
caráter dinâmico de seu consenso, pois a teoria consensual da verdade, ao mesmo
que a sociedade capitalista moderna, na maioria das vezes, dificulta a problematização
tempo em que propõe a inexistência de uma verdade neutra, assume que a verdade é
das questões através do dogmatismo e, conseqüentemente, inviabiliza a obtenção da
contextual; a segunda diz respeito ao caráter de unicidade da razão para Habermas
verdade consensual assumindo a postura positivista. O mecanismo mais evidente para
(1987a, 1987b).
tal manipulação é o que Marx denominou ideologia — mecanismo que impede a
A unicidade da razão é trabalhada pelo autor a partir da unicidade factual da história. tematização de questões relevantes. Habermas (1987c), estudando as sociedades de
Assim, segundo Rocha (1990) uma história é um elemento integrador do plano da capitalismo tardio, descreve o funcionamento da ideologia tecnocrática a partir de sua
experiência sensória (observação) com o plano da experiência comunicacional teoria.
(compreensão) e se constitui, para conservar a nomenclatura de Habermas, de
descrições — asserções que fazem um liame entre observações — e de narrativas — Para o autor (1987c), a tematização de questões relevantes é impedida pela
asserções que dão a compreensão de uma sucessão de declarações (p.192). transformação das decisões políticas em técnicas. Subsumindo todas as dimensões
da atividade humana à atividade com relação a fins, cria-se um fórum técnico de
Retoma-se, assim, ao conceito de consenso suficientemente amplo para a garantia da discussão de todas as questões postas no mundo vivido. Como as regras do discurso
irrelevância de sujeitos atuando em situação coercitiva. Desta vez, tal amplitude é técnico não são dominadas por todos os cidadãos, aqueles que não são capazes de
garantida pelo desenvolvimento da história. utilizar a linguagem técnica privilegiada são alijados do processo de comunicação.

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Estabelece-se, assim, um nível de dominação bem mais discreto do que aqueles com A dogmatização do conhecimento, estabelecida tanto pelo empiricismo quanto pelo
os quais trabalhou Marx, levando a um processo de despolitização das massas e a positivismo que assumem a existência de uma verdade factual, encontrou uma boa
uma colonização do mundo vivido pela racionalidade técnica. formulação a partir da redução de todas as dimensões da ação humana à ação
instrumental, ligada ao interesse técnico. O conhecimento técnico segue regras
No trabalho de recuperação da dimensão comunicativa das sociedades é que estabelecidas pelo mundo físico e, em conseqüência, a verificação de sua veracidade
assumem relevo os processos de aprendizagem, levados a cabo nas instituições se processa através de sua adequação à explicação do mundo físico. Com isto, os
colonizadas da própria sociedade. Passar-se-á a discutir esta questão apenas no que consensos aí estabelecidos não admitem argumentações muito elaboradas e possuem
diz respeito à instituição escola, priorizando-se a categoria currículo. um alto grau de estabilidade, dificultando sua problematização. Outro fator relevante na
análise da questão diz respeito à linguagem utilizada na construção das
argumentações. Uma vez que a discussão se estabelece cientificamente, a
problematização passa a exigir dos falantes competência lingüística específica dentro
Pensando a Escola e o Currículo do jargão científico, o que contribui para alijar da discussão boa parte das pessoas nela
interessadas. No campo curricular, tal situação se fez patente nas posturas tecnicistas,
Buscar construir uma proposta curricular e pedagógica a partir da teoria de Habermas onde se propunha que a elaboração curricular exigia competências em psicologia,
envolve, inicialmente, uma série de questionamentos acerca de como se organiza a estatística, medidas, princípios de avaliação de programas, entre outras. Cada uma
escola hoje, de modo a que se possa compreender as relações entre o conhecimento, destas áreas constituía-se como um campo específico e o professor leigo no
transformado socialmente em saber escolar, e a teoria habermasiana. Rocha (1990) conhecimento produzido em cada um deles e incompetente para problematizar as
trata rapidamente da questão educacional ao estudar a epistemologia crítica de questões surgidas, utilizando a linguagem legitimada pelo poder — foi alijado do
Habermas. O autor ressalta que o processo educacional se estabelece, inicialmente, processo de discussão do seu fazer diário.
em situação de desigualdade. Esta desigualdade provém do maior domínio do profes-
sor do consenso já estabelecido socialmente (na maioria das vezes acerca de fatos Estas elaborações dão conta da existência de um conhecimento que, além de objetivo,
triviais) e das regras para o uso da linguagem. Assim, a definição do que vem a ser o configura-se como neutro e desinteressado, uma vez que corresponde à verdade
conhecimento escolar é realizada pelo professor a partir de consensos estabelecidos ditada pelas regras técnicas. O desmistificar este pensamento exige um esforço no
socialmente. A problematização de tais consensos pelos alunos requer que eles sentido de buscar reconstruir criticamente as situações que levaram à gênese de tal
participem, anteriormente, destes consensos já produzidos. Ou seja, o consenso postura.
estabelecido deve ser tomado como verdadeiro de modo a que se possam produzir
argumentos para questioná-lo—trata-se da situação de fala ideal, antecipada em cada De outro lado, surgem posturas curriculares fundamentadas na filosofia da práxis.
discurso. Segundo Habermas (1990c), esta também se configura como uma proposta redutora
na medida em que elege a categoria trabalho, identificando-a com a consciência e
O foco central da problemática educacional irá surgir pela dificuldade de tematização estabelecendo que apenas nas relações de trabalho podem ser realizados os potenciais
dos consensos triviais que se estabelece, tanto pelo caráter empiricista e positivista de da racionalidade contidos na história. Desta forma, Habermas (1990b e 1990c) procura
verdade, que transforma os consensos estabelecidos socialmente por toda gente em mostrar que uma dimensão da racionalidade, fundamental nas sociedades modernas,
convicções arraigadas e fundamentadas na realidade objetiva; quanto pela dificuldade que não segue as normas de acumulação técnica do saber — a racionalização do
de problematização do mundo vivido, a menos que se assuma uma atitude de suspeita mundo da vida — permanece, na filosofia da práxis, alijada do processo de
crítica. interpretação do social. Cumpre ressaltar que o autor não propõe que se desconsidera

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a categoria trabalho como importante constituinte do social, apenas busca desconstruir Duarte (1987) parece estabelecer de forma clara este nexo:
a identidade, que Marx localizava no trabalho, entre ação instrumental e ação
comunicativa. Na relação conteúdo-forma, o conteúdo é o pólo determinante, mas essa
determinação não é absoluta. A forma mantém uma autonomia relativa. Na
O ceme da crítica de Habermas à postura marxiana encontra-se ligado à falta de medida em que essa autonomia relativa não é percebida, a forma que vem
desenvolvimento da categoria trabalho por este último, o que levou ao risco da sendo dada àquele conteúdo, e que poderia estar servindo a determinados
subsunção da razão comunicativa à razão instrumental, se não claramente expresso interesses diferentes daqueles que se proclama, acaba refreando o
pelo autor, certamente presente em apropriações do conceito de trabalho desenvolvimento do conteúdo, sendo este apresentado (sem se ter
posteriormente feitas pela área educacional. consciência disso) como algo estático, já acabado (p.33).

Outro ponto importante na discussão da problemática curricular diz respeito à A definição de dialético a partir da teoria crítica (Markert, 1992) pressupõe algumas
dificuldade de problematização do mundo vivido. Habermas (1980) define o mundo considerações acerca de como é trabalhado o conceito de conhecimento e de como é
vivido como o universo não tematizável que se encontra presente em cada situação na organizado o saber escolar. Saviani (1991), por exemplo, propõe a tematização da
qual falantes se movimentam. É como se fosse o cenário no qual ações de fala são realidade do aluno a partir do método dialético, no entanto, ao defender a existência de
produzidas. Em termos educacionais poder-se-ia admitir que existem, subjacentes ao disciplinas estanques e atacar a interdisciplinaridade (1987) parece contradizer-se. O
conceito de conhecimento presente em cada organização curricular, universos de método dialético pressupõe a apreensão sintética do conhecimento, inviável na medida
valores e crenças tanto dos professores e dos alunos, quanto da sociedade na qual em que não forem superadas as barreiras entre as diversas disciplinas que aprisionam
está inserida a escola. O conceito de currículo oculto utilizado por Apple (1989) parece o conhecimento científico. A abordagem proposta por Saviani (1991) privilegia, embora
se referir ao mundo vivido desses atores curriculares. não explicitamente, uma visão analítica dos fenômenos. Ou seja, a prática social
problematizada será encarada sob diversos ângulos de modo a que possa ser
Poder-se-ia acreditar que o caráter dogmático que tem assumido o processo compreendida em sua plenitude. A "síntese" assim construída assume um caráter de
pedagógico — que não apenas parte da desigualdade existente entre os falantes integração de diferentes ciências no exame do mesmo objeto. Markert (1992) salienta
(professores, alunos e sociedade) no início do discurso didático, mas aposta nela e não a partir de Negt que:
a problematiza—necessita para se diluir, de um esforço no sentido da tematização de
questões relevantes que se colocam na prática diária. O caminho para tal tematização prática educacional não significa construir um esquema dogmático de ser-
aponta para o papel da escola, enquanto instituição social, no questionamento de consciência como ponto de partida analítica de processos educacionais. Ele
posturas dogmaticamente assumidas e na instrumentalização daqueles que atuam em (Negt) pane da experiência concreta do tempo, que não mais existe na
seu interior na linguagem na qual as argumentações são, normalmente, produzidas. consciência do homem, uma conexão entre o sentido da estrutura
econômica e da situação de vida de cada um. Isto significa para a ciência a
Assume, então, relevo a relação conteúdo-forma, uma vez que o processo de necessidade de reconstruir uma teoria social, incluindo os conhecimentos
dissolução da visão ingênua se relaciona aos dois pólos do binômio. Habermas empíricos e científicos sobre a experiência humana, ao mesmo tempo, fazer
(1987d) acredita que a emancipação através do conhecimento só é possível se a das experiências concretas intrinsecamente contraditórias dos indivíduos a
atitude em relação ao saber for sempre de suspeita crítica, sendo tal suspeita levada a base concreta dos processos de aprendizagem (p.17 e 18).
cabo através de uma postura dialética. E é também dialeticamente que se deve, a partir
do autor, buscar dimensionar a relação conteúdo-forma. A definição de Oliveira e O caráter emancipatório do conhecimento para Habermas, além de envolver a questão

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do método passa, então, necessariamente a se relacionar à organização curricular, na precisam relacionar os mundos do trabalho (e das relações sociais por ele produzidas),
medida em que pressupõe a inexistência de disciplinas estanques e aponta para a cultural, político, visando a integrar a singularidade da ação pedagógica à totalidade da
necessidade de uma perspectiva interdisciplinar para a educação. Para o autor (citado vida social.
por Siebenechler, 1989), a única forma de superação dos limites que se auto-impõem
os diversos cientistas das diferentes áreas é o caminho da suspeita crítica, pois uma Tratado o componente metodologia e assinalado o escopo das dimensões da vida
vez que se especializa o conhecimento, passa-se a formar o homem sem capacidade social que deve ser objeto de atenção em um projeto de escola orientada para a
de problematizar as fronteiras dentro das quais está situada a "sua ciência" e, com isso, emancipação, resta, ainda, definir que tipos de conhecimentos devem compor o saber
sem a responsabilidade ética pela utilização dos conteúdos que domina. escolar. Se se considera todo o conhecimento interessado, como faz Habennas
(1987a), coloca-se a questão fundamental: como imaginar que o conhecimento,
O caminho, portanto, para a construção curricular baseada na teoria de Habermas \ transformado em saber escolar, possa refletir o mundo social dos participantes do
aponta para a interdisciplinaridade, onde, através de uma cooperação entre as diversas ' processo e não os interesses que condicionam e constituem o conhecimento ou, mais
ciências, se possa retomar a unidade e a universalidade tanto do mundo objetivo profundamente, os mecanismos socialmente criados para a dominação de um grupo
quanto social e estético. Merece, ainda, destaque a necessária relação que deve ser ] hegemônico sobre outros?
estabelecida entre a escola (o saber escolar), a estrutura econômica e a situação de
vida dos participantes do sistema educacional. A resposta que parece surgir de Habermas (1990b) aponta para a ação comunicativa
e para a suspeita crítica. Cumpre, entretanto, esclarecer a distinção que o autor
Mas que Características Teria um Projeto Interdisciplinar Baseado na Teoria de estabelece entre objetividade e neutralidade do conhecimento. O conhecimento,
Habermas? embora sempre interessado, possui um núcleo de objetividade garantido pelos
consensos estabelecidos pelo grande número de participantes do processo social.
Inicialmente, cumpre ressaltar que a proposta interdisciplinar de Habermas não se Existiria, assim, um conhecimento objetivo da sociedade. No entanto, a atitude de
relaciona exclusivamente à escola e ao currículo. O autor busca localizar a filosofia suspeita crítica em relação a tal conhecimento deve ser sempre estimulada, tanto na
como instância de reflexão crítica sobre o mundo social e, então, propõe que tal escola, quanto em todas as demais situações sociais. O ponto que emerge de tal
reflexão somente se pode fazer ao se dissolverem os entraves relacionados à postura conduz, entretanto, à necessidade do domínio dos consensos e da linguagem
especialização. A apropriação do conceito e das reflexões para a área educacional na qual estão estabelecidos para sua posterior problematização.
parece, no entanto, legítima visto que se trata de uma atividade social como tantas
outras trabalhadas pelo autor. Ressalte-se, apenas, que a redução operada no escopo Assim, os conteúdos aceitos socialmente como conhecimento objetivo devem ser
da análise não significa que se considere desnecessária, para o estudo do campo objeto do processo educativo, no entanto a postura a ser assumida frente a eles deve
educacional, a compreensão das relações sociais que se estabelecem historicamente, ser de buscar descobrir quais os interesses que os condicionam e quais os processos
mas apenas que tais dimensões serão tomadas como dadas nos aspectos relacionados sociais que os legitimaram.
à educação.
E tal postura, conforme já tratado, pressupõe a abolição das fronteiras entre as
Uma primeira questão que merece ser tratada ao se definir a interdisciplinaridade diversas ciências. Ou seja, é como se o conhecer fosse apropriar-se dos consensos
habermasiana no campo da educação é a unicidade do social, que deve ser estudado estabelecidos, problematizando-os e galgando novos consensos. Nesse processo,
como um todo. Assim, as diferentes dimensões da vida dos atores do processo dissolver-se-iam as ilusões de objetividade/neutralidade tal como postuladas pelo
educacional devem-se integrar na escola; ou seja, o saber e o trabalho escolar positivismo, constituindo-se o "conhecer" como um processo emancipatório.

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CONHECIMENTO, CURRÍCULO E ENSINO: questões e perspectivas* Estudos sociológicos recentes de questões curriculares têm enfocado tanto o currículo
formal como o chamado curriculo oculto das escolas e argumentado que ambos
contribuem para "preparar" pessoas e profissionais. Segundo as análises, é exatamente
Antônio Flavio Barbosa Moreira** na inter-relação entre os conteúdos curriculares e as relações sociais nas salas de aula
que podemos situar algumas das conexões reais que essas instituições mantêm com
a sociedade mais ampla (Apple, 1982b; Silva, 1990).

Introdução Outras análises têm acentuado a relação dialética entre conteúdos e métodos e
ressaltado que modelos e métodos tradicionais não podem ser usados em uma prática
Em recente entrevista ao Jornal do Brasil (11/5/93), o ministro da Educação, prof. pedagógica progressista, centrada em novos conteúdos, já que, subjacentes a
Murílio Hingel, declarou serem objetivos do MEC a universalização da oferta e a determinadas formas de ensino, encontram-se ideologias incompatíveis com uma
melhoria da qualidade do ensino fundamental até o ano 2003. Fica evidente, na fala do perspectiva emancipatória. Com base nesses estudos, podemos considerar equivocada
Ministro, a constatação de que não basta aumentar o acesso à escola sem se qualquer prioridade concedida aos conteúdos em detrimento dos métodos (Apple,
combaterem os fatores que vêm contribuindo para tomá-la tão excludente. 1982a; Santos, 1990).

Enfatiza-se, assim, mais uma vez, a questão da qualidade da escola, exaustivamente A importância de conteúdos, métodos e relações para a definição tanto da qualidade
pesquisada e discutida em seminários e encontros. A realidade da sala de aula, como do caráter da prática pedagógica parece, assim, aceita pelos autores da
todavia, não tem sido afetada, como seria desejável, pelos resultados das investigações sociologia do currículo. Do mesmo modo, autores associados à Didática têm assinalado
e dos debates (Soares, 1992). É preciso, então, que o tema continue objeto da atenção o caráter multidimensional do processo de ensino e proposto a articulação dos diversos
dos educadores, para que se encontrem novas perspectivas de análise, novos estruturantes do método didático e a necessária superação de dicotomizações como
encaminhamentos e novas alternativas. conteúdo X método, dimensão intelectual X dimensão afetiva, dimensão objetiva X
dimensão subjetiva, dimensão lógica X dimensão psicológica etc. (Candau, 1984).
É nossa intenção examiná-lo neste trabalho. Para fazê-lo, apoiamo-nos inicialmente
em Snyders (1993), que concebe a escola como conteúdos e relações específicas. É a partir da intenção de superar dicotomias que pretendemos retomar a discussão da
Aos dois elementos, acrescentamos os métodos, propondo uma abordagem relacionai qualidade da escola fundamental, enfocando, basicamente, seus conteúdos, seus
que descarte valorizações ou submissões indevidas de qualquer um deles. Pensar métodos e suas relações. Em outros trabalhos, temo-nos valido das contribuições de
uma escola de qualidade implica, em última análise, refletir sobre currículo e ensino, autores da sociologia do currículo para discutir currículo e ensino (Moreira, 1990a;
tendo-se em mente, entretanto, que a reflexão não pode ser desenvolvida sem uma 1990b; 1991 e 1992). Buscaremos, no presente estudo, outros subsídios. O primeiro
significativa referência à sociedade. deles será a teoria da cultura elaborada por um dos autores que mais têm influído na
sociologia do currículo, Raymond Williams, renomado crítico literário inglês, associado
ao discurso marxista culturalista. O segundo será o discurso sobre a ciência de
Boaventura Santos (1986), do qual destacaremos, principalmente, as especulações
* Conferência apresentada no 1º Congresso de Ciências Humanas, Letras e Artes de Minas
Gerais. sobre a ciência pós-moderna. As concepções de arte, criação e ciência dos dois
" Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade do autores deverão fundamentar nossa reflexão sobre o currículo e o ensino da escola
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). fundamental brasileira. Por último, esperamos que o pensamento de Georges Snyders,

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professor da Universidade de Paris V, que tanto tem inspirado os autores da pedagogia possam ser analisados separadamente, só são compreendidos mais profundamente
histórico-crítica, se junte aos anteriores, auxiliando-nos, principalmente, a pensar as se situados no contexto do processo global de aprendizagem social. Embora se possa
relações e a alegria na escola e a possibilidade de se ter, no país, uma escola distinguir a arte da ciência, a emoção da razão, as atividades descritas por esses
"interessada em ser interessante". Teceremos considerações sobre uma escola funda- nomes são, de fato, partes intimamente relacionadas de um mesmo processo mais
mental de qualidade, portanto, a partir de uma breve viagem pela arte, pela ciência e amplo.
pela alegria.
Para Williams, aprender a ver um objeto implica aprender a descrevê-lo, o que requer
Pretendemos, ao longo do estudo, defender o ponto de vista de que uma perspectiva interpretar a informação sensória recebida por meio de conceitos e regras, tanto
superadora de dicotomias e visões reducionistas pode oferecer subsídios para uma existentes como criados à medida que novas informações assim exigem. Ao esforço
escola fundamental voltada para desenvolver no aluno espirito critico, flexibilidade, de descrever associa-se o de comunicar experiências e significados, esforço duplo
curiosidade, criatividade, atitude científica e autonomia. esse que se desenvolve de maneiras distintas — na arte, na filosofia, na ciência e no
processo social comum. O que chamamos arte é, então, apenas um dos inúmeros
Iniciemos então a viagem. modos de descrever e comunicar experiências que fazem parte de um conjunto mais
amplo de relações.

Repensando as Concepções de Criação e Arte O desempenho das atividades de descrever e comunicar experiências requer o domínio
e a utilização de habilidades específicas, durante a qual o artista se refaz e, ao mesmo
Subjacente às concepções de criação e arte propostas por Williams está a rejeição da tempo, refaz o ambiente. Não se tem, na verdade, nem o sujeito trabalhando no objeto
dualidade entre o indivíduo e o mundo que ele observa, dualidade essa que representa nem o objeto no sujeito; trata-se de fato de uma interação dinâmica, um processo
uma falsa oposição, por ser a consciência parte da realidade e a realidade parte da contínuo e global. Essa concepção de atividade artística pressupõe a associação de
consciência. É impossível, pois, ao indivíduo, experienciar qualquer realidade sem que conteúdo e forma, pois encontrar a forma é literalmente encontrar o conteúdo.
suas observações e interpretações afetem sua percepção. Por outro lado, é também
impossível negar a existência de uma realidade fora da mente humana. A experiência Como parte de um processo mais amplo, a atividade artística compartilha, com outros
humana, portanto, é ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, ou seja, constitui um setores, a função de, em uma dada sociedade, ajudar a incorporar os significados
processo global único. comuns. Para que o artista possa de fato contribuir para que um sentido comum seja
experienciado, ativado e recriado, é indispensável, além do domínio de significados e
A partir da experiência ocorre o processo de organizar e reorganizar a consciência, habilidades, a capacidade de compatibilizar os meios com significados emergentes e
durante o qual o indivíduo organiza e reorganiza a realidade, aprendendo a controlar o com necessidades e características próprias dos indivíduos que aprendem. O artista
ambiente. Trata-se de um processo criativo, o que significa considerar todo indivíduo está sempre, por conseqüência, ou recriando meios ou criando novos significados.
como criador e recusar a noção de que a criatividade somente pode ser associada às
chamadas manifestações artísticas. Como significados e meios não podem ser separados, o artista bem sucedido é o que
transmite a outros uma experiência de modo tal que ela seja não contemplada ou
O processo de aprender e reaprender, tomado possível pela organização social e pela recebida passivamente, mas ativamente recriada pela audiência e vivenciada como
tradição, originou um considerável número de sistemas de comunicação de grande uma resposta criativa aos meios utilizados. Mas o sucesso também depende da
complexidade, como o gesto, a linguagem, a música e a matemática que, embora recepção da audiência. Em alguns casos, não há um código comum, não se consegue

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vero mundo como o artista, cuja linguagem nem sempre é aceita. Como a comunicação E verdadeiro e objetivo quando se aproxima, ao máximo, dessa realidade, vista, assim,
se passa entre indivíduos reais, que estão aprendendo, as diferenças tornam o como independente dos esforços para conhecê-la. A objetividade relaciona-se, então,
processo desigual, o que se acentua quando novas descrições surgem em cena. ao estabelecimento de uma base empírica sólida, sentenças observacionais
Nesse caso, a comunicação só volta a desenvolver-se quando significados e meios se indubitáveis e à redução lógica das leis e teorias à base empírica. A idéia de objetividade
tornam de novo comuns, permitindo, então, atividades e propósitos comuns. Assim, o liga-se à de neutralidade, que significa tanto a não interferência dos valores do cientista,
processo de oferecimento, recepção e aceitação de novos significados, embora como a independência do conhecimento em relação a suas aplicações. Estabelecem-
provoque tensões, pode também acabar por promover conquistas, crescimento e se, claramente, distinções marcantes entre o indivíduo e a natureza, bem como entre
mudança. o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico (Koschnitzki, 1992;
Santos, 1986).
Como já se acentuou anteriormente, as atividades artísticas não são de ordem distinta
das que ocorrem em outras instituições. Todas integram a textura social mais ampla. Contemporaneamente, são fortes e evidentes os sinais de que esse modelo de
Há, portanto, uma relação fundamental entre os significados que são compartilhados racionalidade encontra-se em crise profunda e irreversível, iniciada com Einstein e com
graças à atividade artística e os significados que são incorporados por meio de outras a mecânica quântica. Os sinais emitidos, argumenta Santos (1986), permitem afirmar
convenções e instituições. Dai fazer sentido procurar relacionar o que se passa na arte que cairão por terra as distinções que fundamentam o modelo, assim como permitem
com o que ocorre na ciência, nosso próximo foco de interesse. especular sobre o paradigma emergente.

É provável, em primeiro lugar, que todo conhecimento científico da natureza passe a


Repensando a Concepção de Ciência constituir conhecimento da sociedade e vice-versa. Nas palavras de Santos (1986,
p.16):
O paradigma dominante da ciência moderna encontrou no racionalismo cartesiano e
no empirismo baconiano suas primeiras formulações, tendo vindo a consolidar-se com A distinção dicotômica entre ciências naturais e ciências sociais deixou de
o positivismo do século XIX. Apesar das discordâncias entre os autores, certas ter sentido e utilidade. Esta distinção assenta numa concepção
características têm sido freqüentemente apontadas como comuns à concepção mecanicista da matéria e da natureza a que contrapõe, com pressuposta
positivista de ciência. evidência, os conceitos de ser humano, cultura e sociedade. Os avanços
recentes da Física e da Biologia põem em causa a distinção entre o
Para o positivismo, o objeto da ciência é o que é passível de explicação por meio da orgânico e o inorgânico, entre seres vivos e matéria inerte e mesmo entre
observação e da experimentação. A Matemática é utilizada como instrumento o humano e o não humano.
privilegiado de análise, como lógica da investigação e, ainda, como modelo de
representação da própria estrutura da matéria. O conhecimento obtido é causal e visa O conhecimento emergente tende a ser um conhecimento não dualista, que repousa
à formulação de leis que expliquem os fenômenos e permitam controlá-los. O método na superação de distinções tradicionalmente aceitas, tais como: natureza/cultura,
utilizado consiste em procedimentos sistemáticos a serem aplicados rigorosamente natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/
pelos que investigam o fenômeno, levando, necessariamente, a resultados objetivo, coletivo/individual, animal/pessoa.
coincidentes.
Em segundo lugar, o novo conhecimento pode ser caracterizado como local e total. É
O conhecimento científico passa a ser o único adequado ao conhecimento da realidade. local por constituir-se em torno de temas adotados por grupos sociais concretos como

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projetos de vida locais. "A fragamentação pós-moderna não é disciplinar e sim temática. obras culturais e a linguagem culta. Se a escola ajudar essas crianças a transcender as
Os temas são galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos limitações da cultura operária que, segundo ele, não conta ainda com realizações que
outros" (Santos, 1986, p.21). Sendo local, é também total, pois reconstitui os projetos possam ser apresentadas nas salas de aula, estará contribuindo para que participem
locais e os transforma em pensamento total ilustrado. Tem-se um conhecimento sobre com mais força e lucidez na luta contra a opressão.
as condições de possibilidade da ação humana projetada no mundo a partir de um
espaço-tempo local. Em seus mais recentes trabalhos, ainda que continue a colocar em primeiro plano o
Tal conhecimento é imetódico e se constrói a partir de uma pluralidade metodológica, confronto do aluno com as conquistas humanas essenciais, procura discutir a
possível apenas a partir da transgressão metodológica. Essa transgressão, por sua possibilidade de uma escola alegre, com professores e alunos felizes. Ouçamos suas
vez, repercute-se no discurso científico. A tolerância discursiva é, então, o outro lado palavras:
da pluralidade metodológica.
os alunos vivem um universo de relações pessoais que lhes parece ter
Em terceiro lugar, diz Santos, todo o conhecimento tende a ser auto-conhecimento. Os
uma incidência essencial sobre suas alegrias e não-alegrias. Como
avanços da Microfísica, da Química e da Biologia das últimas décadas restituiram à
reação, eu tenderia a menosprezar as relações, visto que receio que o
natureza as propriedades de que havia sido expropriada pela ciência moderna. Hoje o
contato pessoal reduza o cultural. Quero, apesar de tudo, dar plena
objeto representa a continuação do sujeito por outros meios. Hoje se sabe que os
expansão à alegria das relações (Snyders, 1993, p.75).
pressupostos, as crenças e os valores são parte integrante da explicação científica. A
criação científica passa, então, a assemelhar-se à criação artística. "Assim
ressubjetivado, o conhecimento científico ensina a viver e traduz-se num saber prático" A base inicial para essa alegria inclui a valorização do aluno, da vivência presente e da
(Santos, 1986, p.25). especificidade da infância. Envolve a tentativa de estabelecer um ponto de equilíbrio
entre a criança como futuro adulto e a criança como criança.
Por fim, reduzem-se, para Santos, as diferenças entre ciência e senso comum. A
ciência pós-moderna dialoga com diferentes formas de conhecimento. Revaloriza o
Para que a relação progrida em direção à alegria é preciso que o professor trabalhe
senso comum que, embora mistificador e conservador, apresenta uma dimensão
competente e amorosamente. Os alunos descobrem, então, a alegria de descobrir com
utópica e libertadora capaz de ser ampliada pelo diálogo com a ciência. Penetrado pelo
um professor que também descobre, talvez um pouco, graças aos alunos. A relação
conhecimento cientifico, o conhecimento do senso comum pode levar a uma
pode, então, ser vivida com gravidade e profundidade, a despeito de seus aspectos
racionalidade, a uma racionalidade feita de racionalidades. Penetrado pelo senso
contraditórios.
comum, o conhecimento científico pode desenvolver-se e tomar-se claro e transparente.
Antes de pensarmos nas implicações das concepções que vimos apresentando para A relação educador-educando, porém, fica insustentável quando os alunos das
uma escola fundamental alternativa, vejamos o que nos diz Snyders sobre uma escola camadas populares percebem que a escola não é feita para eles. No entanto, a alegria
alegre e feliz. volta a desenvolver-se quando o educador se esforça por superar os entraves, sem
descuidar das exigências a serem cumpridas.

Repensando o Prazer e a Alegria na Escola


A relação atinge seu mais alto nível quando se consegue, não suprimir sua contradição
Bastante conhecido no Brasil, Snyders (1981) defende a utilidade da escola para as fundamental, mas compreendê-la e torná-la mais suportável. Por um lado, um profes-
crianças do proletariado e propõe que nela se valorizem os conteúdos, as grandes sor sedutor, que facilita o acesso à cultura. Por outro, o professor aterrorizante,

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.58, abr./jun. 1993


associado a dificuldades e obrigações. A contradição, todavia, pode ser vivida com Em sintese, o conhecimento é uma construção histórica e social, produto de um
alegria. processo dialético complexo no qual interferem fatores culturais, sócio-politicos e
psicológicos. É uma construção empreendida por gerações passadas e presentes,
Importa reiterar que a alegria da relação afetiva não é a única alegria da escola, cuja permeada por significados a serem interpretados e reativados, o que permite encontrar-
vocação é ser uma ponte entre os alunos e a alegria da cultura. A escola é, assim, o se novo sentido no velho e velho sentido no novo (Entel, 1988; Giroux, 1981; Moreira
local privilegiado para conciliar o afetivo e o intelectual. e Barros, 1992).

Mas, pergunta Snyders (1993, p.102):"Como esperar alegria de um lugar onde não Com base nessa concepção, propomos que se abandone a noção de que somente
existe opção?". Ele próprio responde: a obrigação na escola oferece ao aluno alguns cérebros iluminados produzem conhecimento. Ao organizar e reorganizar sua
experiências sem equivalente no mundo cotidiano. Como elas são organizadas e consciência, ao aprender e reaprender, ao interpretar e aplicar à sua experiência
controladas, o aluno pode sentir-se respeitado, protegido, tratado com eqüidade e saberes já conhecidos, ao descobrir novos saberes, o indivíduo cria e recria ativamente
estimulado. Porém, a obrigação não é sempre libertadora, devendo, pois, ser sempre conhecimento. Todos, portanto, produzimos conhecimento e todos precisamos assumir
questionada para que se verifique se é necessária e cumpre um papel positivo. as responsabilidades derivadas do fato de nos reconhecermos como autores de
nossos próprios discursos (Moreira, 1991).
Dos pensamentos de Williams, Santos e Snyders escolhemos determinados aspectos
para abordar, deixando outros de lado. Nossa intenção foi buscar contribuições que Em segundo lugar, insistimos em que se evite a separação, em compartimentos
fundamentassem nossas reflexões. estanques, dos saberes que se ensinam e se aprendem nas salas de aula. Se todos os
sistemas de comunicação criados pelo homem só são compreendidos mais
profundamente quando remetidos ao processo mais amplo do qual são partes, causa
Implicações para o Currículo e para o Ensino da Escola Fundamental: em busca espanto que os currículos ainda se elaborem sem que se atente para a necessidade de
de princípios e alternativas articular os conteúdos de modo a facilitar ao aluno relacioná-los e integrá-los em um
todo coerente. Causa também espanto que se selecionem e se organizem os
Nossa intenção, ao revisitar questões do currículo da escola fundamental, é sugerir ou conteúdos sem que se considere a crescente flexibilização das fronteiras entre as
reiterar princípios que desejaríamos ver de fato norteando as decisões curriculares. diferentes áreas do conhecimento, importante modificação do campo científico hoje.

Reiteramos, inicialmente, a concepção de conhecimento que consideramos adequada A ciência aproxima-se da arte. As distinções entre ciências naturais e ciências sociais
à "nossa escola". Vemos o conhecimento como uma relação entre o sujeito e o objeto: diluem-se. A interdependência das diferentes áreas leva a uma intensificação de
nem é algo que se situa fora do indivíduo e que ele adquire, nem algo que ele constrói práticas inter ou pluridisciplinares, criando novas áreas e novas interfaces e tornando
independentemente das circunstâncias e dos demais indivíduos. Não há, assim, cada vez mais difícil determinar os limites entre os diversos saberes. Como
oposição entre o indivíduo e o objeto que ele constrói e conhece. É impossível ao conseqüência, o pesquisador tem hoje necessidade de se tomar um consumidor crítico
indivíduo conhecer qualquer realidade sem que seus esquemas mentais, suas de diversos campos do conhecimento. O currículo, contudo, continua centrado, como
observações e suas interpretações afetem o que é conhecido. Do mesmo modo, é a ciência moderna, em especializações rigidamente delimitadas (Brandão, 1992;
impossível considerar a realidade como fruto exclusivo da atividade mental do sujeito. Santos, 1986).
O ato de conhecer é tanto objetivo como subjetivo e se constitui em um processo social
global. Sem simplificações ou descaracterizações, é indispensável enfatizar o caráter

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necessariamente interdisciplinar do conhecimento, o que pressupõe uma mudança de mais na atividade do aluno e na discussão que na recepção de conhecimentos. O
atitude, uma substituição de uma visão fragmentada do mundo por uma reflexão mais professor precisa tornar-se habilidoso em meios de comunicação que favoreçam a
global. Conforme Fazenda (1979, p.42) acentua, "a possibilidade de 'situar-se' no descrição, a interpretação e a renovação de experiências e significados. Precisa,
mundo de hoje, de compreender e criticar as inumeráveis informações que nos agridem também, familiarizar-se com as características e os métodos da atividade científica
cotidianamente sô pode acontecer na superação das barreiras existentes entre as hoje. O trabalho na sala de aula precisa abrir-se para uma pluralidade de métodos e de
disciplinas". linguagens, visando a favorecer ao aluno a aquisição de processos variados de
construção de conhecimento, de comunicação e de expressão. O professor precisa,
Em terceiro lugar, sugerimos que outra concepção de verdade informe o currículo da ainda, capacitar-se a atualizar os meios quando novos significados ou as
escola fundamental. Na ciência pós-moderna, não se considera mais a verdade como características, os interesses e as necessidades dos alunos assim o exigirem. Para
permanente e inquestionável. Tal noção foi substituída: verdade é vista como uma novos objetivos e novos conteúdos, novos métodos e recursos podem ser necessários,
tendência, um limite, um conjunto de aproximações sucessivas que constituem um já que, como bem acentua Williams, é equivocada toda tentativa de dicotomizar
processo continuado de construção. Chega-se mesmo a dizer que as tradicionalmente conteúdo e forma, conteúdo e método.
chamadas ciências exatas são hoje cada vez menos exatas. Seus sinais para o futuro
são incertos. Suas interpretações são necessariamente inexatas e suas previsões são Visão semelhante de ensino é defendida por Snyders, para quem o aluno não atinge
estatísticas, envolvendo, portanto, uma certa margem de incerteza. "O futuro é como nem o progresso nem a alegria se não retomar com autonomia o trajeto que o professor
se estivesse sempre um pouco desfocado e tudo o que nele vemos está circundado de ou o livro propõem. Em suas palavras: "o aluno não pode receber a verdade do exterior,
uma pequena área de incerteza" (Bronowski, 1977, p.108). pois a verdade não pode ser transferida de uma mente para outra mente" (Snyders,
1993, p.110). O estudante não é simples consumidor da cultura: ele precisa recriá-la,
Se tanto a ciência como a arte não fornecem cópias exatas do real, como pode o prolongá-la e enriquecê-la. No processo, acrescenta, a alegria sentida pode ajudá-lo a
professor pretender transmitir ao aluno saberes verdadeiros, objetivos, universalmente vencer a submissão e a conciliar independência, herança cultural e autoridade.
válidos? Conseguiremos formar um aluno curioso, imaginativo, questionador, dotado
de visão crítica, politicamente comprometido a partir de um currículo centrado em Em quinto lugar, e de novo estreitamente vinculado ao que vimos expondo, propomos
dicotomizações e em verdades absolutas? Acreditamos que não. Se o cientista não que se evite, em "nossa escola", a dicotomização entre ensino e pesquisa. Se aprender
pode pretender atingir e possuir verdades, também não pode o professor pretender envolve aquisição de um acervo comum de significados, apropriação ativa, renovação
transmitir verdades. Os que possuem certezas caem no dogmatismo. É preciso e criação de significados, ensinar, a nosso ver, aproxima-se de pesquisar e de construir
aprender a conviver com a incerteza que necessariamente caracteriza o processo de conhecimentos. Quando se ensina, diz-nos Freire (1989), não se ensina apenas o
conhecer. Em comentário bastante perspicaz, Alves (1988) afirma que as certezas conteúdo, mas também a forma de conhecer, o caminho do conhecimento. Nestes
andam de mãos dadas com as fogueiras. O que se deve querer, então é um currículo termos, acrescentamos, faz sentido até mesmo a recriação do já sabido com o aluno,
e um professor que ajudem a desconstruir certezas. assim como o empenho em ajudá-lo a conhecer as habilidades, as dificuldades, os
mistérios e os prazeres envolvidos no ato de pesquisar.
Em quarto lugar, e como decorrência do que vimos discutindo, não é mais cabível a
noção de que o professor se comunica com o aluno pela transmissão de conhecimentos Reiterando nossos argumentos, apoiamo-nos em Gil Perez (1986), que defende a
feita em aulas expositivas. O esforço por tornar a sala de aula um espaço de conveniência de se orientar a aprendizagem das ciências pelas atividades de fato
comunicação, de diálogo, de investigação, de construção e reconstrução coletiva de características da pesquisa e advoga um ensino que tanto promova a mudança das
conhecimento exige novas modalidades de organização do ensino que se centrem idéias intuitivas espontâneas dos alunos pelos conceitos fundamentais da ciência

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como familiarize os estudantes com a metodologia científica. Para ele não faz sentido Nossas considerações apontam para uma escola na qual algumas oposições possam
dissociar conteúdos de métodos: não se justificam, por conseguinte, nem a prioridade ser minimizadas: escola/mundo, sujeito/objeto, conhecimento/realidade, arte/ciência,
que o ensino centrado na transmissão põe nos conteúdos, nem a que a 'aprendizagem saber erudito/saber popular, produção de conhecimento/consumo de conhecimento,
por descoberta' põe nos processos. conteúdo/método, esforço/prazer, razão/emoção, obrigação/autonomia. Nessa escola,
reserva-se espaço para o debate, para a busca de alternativas, para a imaginação,
Gostaríamos que esssas oposições não caracterizassem "nossa escola". Sugerimos, para a intuição, para o erro. Nessa escola, as relações tendem a pautar-se pelo
então, que as práticas curriculares dos diversos saberes se processem em respeito, pelo incentivo, pelo desafio, pelo comprometimento e pela alegria. Nessa
concordância com a natureza social, coletiva e orientada do trabalho científico, escola, há lugar para a voz, a linguagem e os saberes das crianças das camadas
consideradas, todavia, as características desses saberes no que tange a conteúdos e populares e nenhum lugar para os preconceitos contra essas crianças. Nessa escola,
à metodologia. Nosso propósito é que as atividades contribuam para tomar mais associa-se a aquisição significativa de conhecimentos à familiarização com o método
flexíveis as fronteiras entre ensino e pesquisa, para favorecer a (re)construção dos científico. Conhecer significa uma aventura da qual participam alunos e professores.
conhecimentos e para desenvolver nos alunos uma atitude positiva para com a Na aventura, conflitos e embates inevitavelmente ocorrem. Na aventura, o compromisso
aprendizagem. com a construção de uma sociedade mais justa e mais democrática pode desenvolver-
se e consolidar-se. Conhecer melhor o mundo pode tornar-se, então, o empenho por
Em sexto lugar, insistimos na importância do que é hoje aceito por autores de diferentes transformá-lo.
áreas e correntes pedagógicas: organizar o currículo e o ensino com base nas Essa escola é possível? Acreditamos que sim, se não faltar coragem politica para
experiências, na cultura e nos conhecimentos anteriores do aluno. Se o ato de conhecer concretizá-la. Algumas alternativas, em municípios do país, indicam a viabilidade de se
é sempre uma relação entre sujeito e objeto, um processo constante de ação e de melhorar a qualidade da escola fundamental, de seu ensino, de seu professor e de
construção, o processo de aprendizagem não se inicia a não ser a partir do que o aluno suas condições de funcionamento. Essas alternativas, a nosso ver, não se materializam
traz para a escola (Lopes, 1992). Quer o processo ocorra por desconstrução do a partir de projetos autoritários, de pacotes impostos aos professores, de currículos e
conhecimento cotidiano do aluno, quer por sucessivas elaborações desse programas elaborados em gabinetes fechados, bem como de tentativas de fortalecer
conhecimento, discussão essa fora do âmbito de nosso trabalho, há que acolher e os mecanismos de controle do trabalho do professor. Realizam-se, sim, a partir de uma
conhecer o que o aluno sabe, crê e valoriza. política educacional mais ampla que contemple a valorização,.a participação e a
formação permanente do professor, a autonomia da escola, a elaboração coletiva de
Nesse sentido, a contribuição de Snyders (1986 e 1993) é inestimável, ao nos apontar propostas pedagógicas, assim como a integração dos esforços de diversas instâncias
tanto a importância de respeitarmos e olharmos com seriedade nosso aluno como a educativas. Esses sucessos pontuais permitem-nos pensar a "nossa escola" como
necessidade de colocá-lo em contato com o que denomina de obras primas da cultura, uma escola possível. Freire (1991, p.126) nos incita a nos engajarmos em sua
ajudando-o a romper os limites de sua cultura. Ainda que não julguemos fácil definir o construção ao afirmar que "uma das tarefas políticas que devemos assumir é viabilizar
que considerar como obra prima e que nos pareça excessiva a ênfase dada aos os sonhos que parecem impossíveis". A luta dos educadores e da sociedade
conteúdos, é altamente positiva a preocupação de não restringirmos o currículo ao que organizada em favor da escola com que sonhamos pode ajudar a reduzir a distância
o aluno já sabe: seus horizontes podem e devem ser ampliados, através da valorização, entre o sonho e a sua concretização.
da discussão e da critica dos diversos saberes. Para isso, porém, a escola precisa
tanto abrir-se para esses saberes como analisar com profundidade o processo de Referências Bibliográficas
apropriação (e talvez de deturpação) dos conhecimentos científicos por professores e ALVES, R. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas regras. São Paulo:
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CURRÍCULO, TRABALHO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: Normalmente cada número é dedicado a um tema referente à educação como, por
percurso dessa temática na revista Em Aberto na década de 80* exemplo: Arte e Educação (nº 15), Tecnologia Educacional (nº 7), Formação de
Professor para o 1º Grau (nº 8) e se estrutura em quatro seções: enfoque—espaço em
que um autor analisa o tema mais genericamente; pontos de vista—autores escrevem
Maria Antonieta de Campos Tourinho textos referentes ao tema; resenhas sobre livros publicados sobre o tema e bibliografia
sobre o tema.

Intertexto — Em Aberto O intertexto foi elaborado a partir das questões, todas relacionadas às categorias —
cunículo, trabalho e construção do conhecimento — construídas para a análise dos
O intertexto, elaborado a partir de fichas sínteses e fichas analíticas de textos sobre textos escolhidos, seguindo, inclusive, a mesma seqüência.
educação publicadas na revista Em Aberto — publicação do INEP, de novembro de
1981 a dezembro de 1984, é o objetivo final deste trabalho.
Relação Educação/Sociedade
Dos textos consultados foram escolhidos dezenove e os critérios para esta escolha se
prenderam fundamentalmente à existência de referências às categorias currículo, O aspecto mais enfatizado pelos autores dos textos consultados no que se refere à
trabalho e construção do conhecimento e também às relações entre elas. relação educação/sociedade é a estreita vinculação entre as duas categorias, a
dinâmica das relações sociais influindo nos caminhos da educação.
O primeiro número de Em Aberto é de novembro de 1981 e é o único deste ano. A partir
de 1982 passa a circular mensalmente até julho de 1983 (nº 17). O nº 18 cobre os Assim, nesta perspectiva, na qual a educação é analisada em um contexto mais amplo
meses de agosto a novembro. Depois deste número, a revista só volta a circular e complexo, Machado (1985) explicita a necessidade de ação recíproca entre a
mensalmente, em março e abril de 1984 (nºs 19 e 20). A partir de maio de 1984, a educação e sociedade; Salgado (1985) revela que os critérios sócio-econômicos das
revista circula bimestralmente (nºs 21,22,23 e 24) e a partir de janeiro de 1985, passa políticas públicas acabam correspondendo à segmentação social e Ribeiro (1989)
a circular trimestralmente até dezembro de 1989, último número que interessa à constata que a análise dos documentos oficiais oferece uma visão histórica do
pesquisa. movimento da sociedade e que através dela pode-se identificar o projeto da classe
dominante para a totalidade social.

Analisando o direito à educação básica, Silva (1985) não se limita aos aspectos
conjunturais, buscando uma perspectiva mais ampla, dando destaque especial para as
relações entre o Estado e os direitos dos cidadãos, enquanto Cury (1988), analisando
* Este texto faz parte do Projeto de Pesquisa "Currículo, Trabalho e Construção do a educação universitária considera que por não apresentar resultados imediatos fica
Conhecimento: relação vivida no cotidiano da escola ou utopia de discurso acadêmico?", no aprisionada no desenvolvimento selvagem e Mignot (1989), analisando os CIEPs,
qual se faz um levantamento da produção acadêmica publicada na década de 80, em 11 critica a ampla margem de autonomia dada à educação, pelos defensores da educação
periódicos da área de educação, realizado pelo Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em
compensatória, frente aos determinantes econômicos e sociais.
Currículo, ligado ao Mestrado em Educação da Faculdade de Educação da UFBa.
** Professora Assistente da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Franco (1984) e Haddad (1988) expressam sinteticamente a tendência de vincular

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estreitamente a educação à sociedade, quando a primeira considera que os males Enfoques que tratam a educação em sua relativa autonomia permitem também uma
estruturais da sociedade atingem a estrutura de ensino e o segundo que uma educação abertura para a sua potencialidade transformadora. Para Salgado (1985), a educação
só se efetiva em uma sociedade onde impere a democracia social. como direito de todos é condição para a cidadania, pois é instrumento indispensável
para a compreensão da realidade e da superação histórica diante das exigências da
A educação está, assim, inserida no processo produtivo e profundamente marcada acumulação capitalista. Madeira (1984) considera que a educação para a democracia
pelo modo de produção capitalista dominante no Brasil. Para Velloso (1984) este modo deve voltar-se para a formação da consciência política do trabalhador. Machado (1985)
de produção tende a evitar o controle do trabalho pelo trabalhador, diminuindo o seu defende que a educação é um instrumental diante do desenvolvimento das forças
papel questionador e o seu espirito de criatividade e iniciativa. Kuenzer (1986) defende produtivas e que é preciso uma intervenção das forças sociais no sentido de
a posição de que o homem se educa enquanto produz as suas condições materiais de democratizar o ensino.
existência em um processo contraditório que ocorre no interior das relações sociais.
Saviani (1984) considera que, no processo da existência humana a educação, sob a A relação educação/sociedade é discutida, nos textos consultados, tendo como base a
rubrica do "não material", o ato de produção e consumo se imbricam. teoria marxista, que se explicita nas categorias e conceitos que perpassam os referidos
textos e nas análises do sistema educacional vinculadas aos aspectos infra-estruturais
A vinculação entre a educação e a sociedade, entretanto, não impede que a primeira da sociedade.
seja enfocada em uma dimensão de relativa independência, tendo um espaço de
discussão mais específico e autônomo. Franco (1984), considerando que a prática De uma maneira geral, os enfoques mecanicistas não prevalecem no discurso sobre
pedagógica realiza a mediação entre a estrutura social e a educação, se dá conta de esta relação, já que é dada, na maioria dos textos, uma relativa autonomia à educação
que as macroanálises não consideram esta mediação sobretudo no que diz respeito ao o que abre espaços para a sua potencialidade transformadora.
mundo do trabalho.
A base teórica marxista também se explicita na crítica à Teoria do Capital Humano.
A relativa autonomia dispensada à educação, pela maioria dos autores nos seus Para Salm (1984) o capital prescinde da educação, já que o crescimento quantitativo
textos, abre espaço para discussões sobre cidadania, democratização, qualidade de do sistema educacional não corresponde às necessidades do mercado, não havendo
ensino, conceitos que aparecem freqüentemente nas suas reflexões, também dependência entre as empresas e o sistema educacional. Esta posição de Salm é
estreitamente vinculadas ao movimento das relações sociais. Ribeiro (1989), articulada à de Madeira (1984) quando denuncia que a demanda por educação
analisando documentos oficiais, constata que a expressão melhoria da qualidade de provocou um aumento quantitativo no sistema educacional, em detrimento de outras
ensino toma significados diferentes a depender do momento sócio-politico-econômico demandas sociais como, por exemplo, a demanda por emprego. Franco sintetiza as
em que o documento foi gerado e que tratar da quantidade e qualidade do ensino críticas quando considera que tentar resolver a questão da cidadania através da
exige, em primeiro lugar, identificar o projeto da sociedade e das necessidades que o educação profissionalizante é uma ilusão que precisa acabar.
determinaram. Zainko (1989) clama pela utopia de um salto de qualidade para que a
escola possa contribuir para a democratização da educação e da sociedade,
demonstrando através desta reflexão como os conceitos estão entrelaçados. Pucci e Escola/Contexto
Sguissardi (1989) pretendem retornar à questão da democratização do ensino, dando
ênfase à dimensão da qualidade, já que tratar de uma é tratar fundamentalmente da Para os autores dos textos consultados a escola está intrinsecamente ligada ao
outra. Almeida (1989), analisando a relação entre o ensino de 2º grau e a formação da contexto sócio-econômico-cultural da atualidade brasileira. Pucci e Sguissardi (1989),
cidadania, questiona a função do Estado como articulador da democracia para todos. pretendendo penetrar no cerne da relação entre aparelho escolar do Estado e processo

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produtivo, explicitam que a escola não pode ser analisada fora do contexto, no que se de uma pedagogia capitalista não significa que a sociedade não deva buscar preservar
articulam com Franco (1984) que considera que os fatores conjunturais que atingem a a escola deste aluno (Salm, 1984), e que não se deva lutar por uma escola pública de
escola estão relacionados à estrutura da sociedade brasileira e com Haddad (1988) qualidade, capaz de acabar com o descaso a que vem sendo submetida (Haddad,
para quem a escola reflete as contradições da sociedade. 1988).

Esta escola, intimamente relacionada com o contexto, recebe, entretanto, enfoques Os obstáculos para a potencialidade transformadora da escola se encontram na baixa
diferenciados a depender do papel que lhe é atribuído na dinâmica do sistema capitalista qualidade do seu ensino, no seu caráter dicotômico e no seu desligamento do real.
do Brasil atual.
Salgado (1985) considera que a escola não instrumentaliza para a compreensão das
Velloso (1984), na análise da relação escola/contexto, privilegia o modo de produção relações sociais e reivindicações de direitos enquanto que Zainko (1989) denuncia que
dominante na medida em que considera que a principal função da escola, no contexto a precariedade do ensino alija o aluno do processo de democratização do saber e da
atual, é desenvolver habilidades necessárias ao processo produtivo. Almeida (1989) luta pela democratização das relações sociais. Madeira (1984) comenta a existência
questiona o fato de a escola se limitar à preparação do aluno para o mercado de de uma educação humanista e propedêutica (bem de consumo) e outra técnica (bem
trabalho capitalista que define como degradado. Mignot (1989) critica a ilusão de que é de investimento) no que se articula com Machado (1985) que considera a necessidade
possível a escola, sozinha, provocar mudanças sociais e democratizar a sociedade. de ação recíproca e articulação entre ambas, destacando o anacronismo da dicotomia
Para Kuenzer (1986), o processo contraditório no qual o homem se educa não se escola humanista x escola profissional diante do desenvolvimento das forças produtivas
encena na escola, pois o processo pedagógico mais específico aí desenvolvido se e com Almeida (1989) que tomando o 2º grau como referência critica sua função
articula ao vivido cotidianamente na fábrica, no sindicato, no campo. Spindel (1985) relacionada diretamente com a formação de mão-de-obra e possível responsável pelo
considera que trabalho e escola não se excluem e não são conflitantes entre si, já que aprimoramento técnico do aluno.
não são instituições fechadas e isto fica claro quando se leva em consideração as
múltiplas realidades com as quais o aluno interage no cotidiano.
Concepção de Escola
A capacidade de reação da escola diante das exigências do contexto brasileiro é
expressada, também, diferenciadamente, pelos autores, a depender de como são As concepções de escola reveladas pelos autores nos textos consultados têm como
enfocadas a identidade e a autonomia destas instituições. Para Saviani (1984), pode- caracteristica comum a inserção destas concepções no contexto da atualidade
se através desta identidade detectar a dimensão pedagógica, que subsiste imbricada brasileira. Assim, as reflexões sobre o papel da escola se processam implícita ou
no interior da prática social global. Silva (1988) considera que a escola pode apenas explicitamente em estreita vinculação com as reflexões sobre as dimensões
reproduzir os interesses de grupos que detêm o poder, porém como é também um econômicas, sociais e culturais do Brasil atual.
fenômeno político, além de social, o seu sentido está em ocupar seu espaço de
autonomia, cumprindo a função de transmitir conhecimento e exercendo papel ativo na As especifícidades, tendo como pano de fundo a visão de mundo de cada autor, se
construção da realidade social. Para Ribeiro (1989), as mudanças no sistema de manifestam principalmente a partir do maior ou menor espaço de autonomia e de
ensino se fazem, em articulação com mudanças na estrutura social, mas isto não deve potencialidade transformadora que são oferecidas à escola na sua relação com a
levar a uma atitude passiva, pois a escola brasileira precisa melhorar. sociedade.

Desta maneira, apesar de o capital tentar usar a escola como veículo de transmissão A dependência do processo produtivo é explicitada por Velloso (1984), que considera

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que a escola desenvolve posturas e hábitos necessários à organização e socializar o saber elaborado e universal são reflexões que delineiam concepções de
desenvolvimento do modo de produção capitalista. Pucci e Sguissardi (1989), escola as quais vão se completando com a colaboração de outros autores que também
analisando as funções da escola na perspectiva do capital e do trabalho, concluem que refletem tendo como pressuposto básico a sua relativa autonomia.
a escola é carente e autoritária, desinteressante e desinteressada e dispensável para
o capitalismo. Franco (1984) considera que a escola é um bem social voltado para a ascensão
profissional. Salm (1984), a partir de leitura de Marx, expressa que ela é uma conquista
Dessa maneira, a escola interessando parcialmente ou sendo completamente da sociedade apesar das contradições que a envolvem. Para Machado (1985), a
dispensável ao capitalismo não desempenha papel significativo na dinâmica da escola é mediadora entre o sujeito e o objeto do conhecimento em uma relação
sociedade brasileira. Entretanto, uma relativa autonomia é reivindicada por Madeira complexa, em razão de serem dimensões históricas socialmente produzidas.
(1984), que considera que a escola não sendo completamente comprometida com o
capital, existe nela lugar para os interesses das classes trabalhadoras. Nas reflexões dos autores consultados, muitas vezes o trabalho aparece como uma
categoria significativa na potencialidade da escola de transformação de si mesma em
Neste espaço de relativa economia, Ribeiro (1989) considera que os caminhos abertos direção a uma melhor qualidade de ensino. Franco (1984) considera o seu papel de
pela conquista do saber podem permitir a construção de uma nova escola brasileira mediação entre educação e trabalho, a ser desvendado pelo educador, caso contrário,
que deve incorporar a qualidade como característica básica. Uma escola pública de a escola limita-se ao adestramento de técnicos em detrimento da formação integral do
qualidade é também concebida por Haddad (1988) o qual defende que, nesta, sejam aluno. Franco (1988) defende uma escola única do trabalho cuja síntese supere o
valorizados aspectos que possam contribuir no avanço das lutas populares por academicismo clássico e o profissionalismo estreito no que se articula com Zainko
melhores condições de vida e por novas estruturas sociais. (1989), que também defende uma estrutura única, sem dualidade entre a escola da
cultura e a escola do trabalho, tendo a politecnia como conteúdo, o que significa o
Na direção de uma escola que possa contribuir no processo de transformação social resgate entre conhecimento, produção e relações sociais e a dialética como método.
também caminham Silva (1988), que a considera importante na luta contra as
desigualdades econômicas e sociais e Mignot (1989), que defende a necessidade de Esta escola, na qual o trabalho significa um princípio educativo, e que segundo se
que neste "palco de lutas sociais" se resgate a sua especificidade, a qual segundo se deduz de Machado (1985) tem como tarefa fundamental a formação cultural e técnica
deduz de Saviani (1984) tem como indício e existência de identidade própria o que lhe do aluno, em consonância com o desenvolvimento das forças produtivas, tem, segundo
proporciona condições de institucionalizar o pedagógico. os autores que a defendem, maior possibilidade em formar o cidadão e responder às
necessidades do aluno trabalhador, o que segundo Pucci e Sguissardi (1989) é função
A socialização do saber, de acordo com Mignot, é o papel fundamental da escola. No da escola no que se articulam com Kuenzer que considera a necessidade de se
que é seguido por Silva (1988) que considera que a escola tem como objetivo funda- recolocar o papel da escola quanto à educação que o trabalhador tem direito,
mental a socialização dos conhecimentos acumulados e por Saviani para quem o traduzindo-a em uma proposta pedagógica que lhe permita superar sua situação de
papel da escola consiste na socialização do saber sistematizado, que diz respeito ao classe subalterna.
conhecimento elaborado e não ao espontâneo e fragmentado, no que se articula com
Salgado (1985), que explicita a missão específica da escola na criação do saber Enfim, uma escola cuja função não esteja relacionada diretamente com a formação de
elaborado e universal. mão-de-obra e de possível responsável pelo aprimoramento técnico do aluno como
critica Almeida (1989), na qual o aluno receba o aprendizado de cidadão como almeja
A especificidade e identidade próprias da escola, a sua função de sistematizar e Spindel (1985) e que segundo se deduz de Silva (1988) seja uma forma de socialização

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do cidadão, já que não tem outra função que a de responder pela formação cultural textos consultados, pode-se encontrar, nas reflexões dos autores, uma certa
necessária ao exercício dos direitos da cidadania. diversidade no trato da questão. Saviani, por exemplo, traça limites para o papel do
currículo, visando a evitar distorções. Outros autores ampliam os limites de suas
concepções vinculando-as explicitamente às relações de produção (Pucci, Sguissardi,
Concepção de Currículo Kuenzer) e Silva, sem esquecer os aspectos estruturais, vincula-os também às
condições psicológicas e cognitivas do aluno. Em oposição também a uma concepção
As concepções de currículo não ocupam um espaço significativo nos textos dos mais abrangente de currículo se coloca Haddad (1988) quando no seu trabalho sobre
autores consultados. Dos que tratam especificamente de relação educação-trabalho educação de adultos, concebe o currículo enquanto programa conteúdos
apenas Pucci e Sguissardi (1989) e Kuenzer (1986) deixam transparecer concepções universalizados devem ser selecionados e também apresentar metodologia adequada.
de currículo. Os primeiros defendem a politecnia, pois para eles a qualidade do ensino
não é obra apenas da relação professor/aluno, mas também da estrutura de produção
das relações de trabalho e a segunda considera a necessidade de uma proposta Concepção do Conhecimento
educacional que coloque a classe trabalhadora na sua função hegemônica, no processo
de transformação das relações sociais, e considere as condições de vida, de trabalho Entre as concepções de conhecimento reveladas pelos autores dos textos consultados
e de educação do trabalhador na sociedade. destaca-se a de Saviani (1984) para quem a ciência é o saber metódico, sistematizado
e para ilustrar esta afirmação recorre ao grego que tem três palavras que se referem ao
Saviani (1984), apesar de considerar que no seu conceito mais abrangente currículo é fenômeno do conhecimento: doxa — opinião, saber próprio do senso comum; sofia —
uma escola funcionando, critica a postura de se considerar tudo o que acontece na sabedoria fundada numa longa existência; epistome—ciência, conhecimento metódico
escola como currículo, pois tudo acaba adquirindo o mesmo peso e abre-se caminho e sistematizado. As outras concepções têm como característica comum a explicitação
para toda sorte de tergiversações, inversões e confusões que podem descaracterizar o da vinculação do conhecimento com o social. Para Mignot (1989) o saber é histórico e
trabalho escolar. Desta maneira considera que currículo é o conjunto de atividades socialmente construído pela-humanidade no que se articula com Machado (1985) para
nucleares, fazendo diferenciações entre atividades curriculares e extracurriculares. quem o processo do conhecimento nasce da realidade concreta e a ela se dirige. Cury
(1988), refletindo sobre a universidade, considera que esta é loca! de produção de
Silva (1988) critica as propostas curriculares constituídas por descrições monótonas de conhecimento tanto quanto a fábrica só que de um conhecimento original, cuja
objetivos, seleção e organização de experiências e formas de avaliação. Critica também fecundidade é vital para a autonomia material e espiritual das sociedades.
as análises reprodutivas que desconsideram a natureza profundamente contraditória e
dialética que permeia a relação entre as práticas econômicas e culturais. O currículo, A produção do conhecimento, desta maneira, se processa no seio das relações
para a autora, resulta do conjunto de dados e conhecimentos selecionados dos bens sociais, determinadas pelo modo de produção, pois é na sua prática cotidiana que o
disponíveis, por um processo que procura adequar o saber instrumental necessário às trabalhador produz e se apropria do conhecimento à medida que sua prática cotidiana
exigências econômicas, políticas e sociais e às condições socioculturais, psicológicas lhe apresenta questões que ele tem que resolver, como se deduz de Kuenzer (1986).
e cognitivas dos alunos. Entretanto, o currículo não abrange todas as atividades e Para Ribeiro (1989), a apropriação deste conhecimento deve proporcionar ao aluno
experiências promovidas pela escola e desenvolvidas pelos alunos. Por eles responde condições para que possa ter participação política e melhorar as condições de vida.
a didática, responsável pela prática educacional como um todo.
Pelas falas acima pode-se concluir que a produção e apropriação do conhecimento,
Desta maneira, apesar do pouco espaço que as concepções de currículo ocupam nos inclusive, como forma de socialização do saber, contribui para a formação da cidadania.

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A luta por melhores condições de vida é outro traço comum encontrado no discurso dos homem no trabalho se constrói e constrói a sociedade e uma dimensão transformadora
autores que vinculam as suas concepções de conhecimento à dinâmica das relações na medida em que, para a primeira, o trabalho modifica a natureza, introduzindo o
sociais. Pucci e Sguissardi (1989) consideram que a cultura geral básica é de significado social e, para a segunda, transforma a natureza, colocando-a socialmente
importância fundamental para a formação do cidadão e reivindicam o desenvolvimento a seu serviço. Esta dimensão transformadora é também expressada por Kuenzer
de saberes politécnicos que são necessários e urgentes para o aluno trabalhador. (1986) quando considera que o trabalho é toda ação material ou espiritual que o
Ribeiro (1989) se refere à necessidade de luta pela conquista do saber, pela homem realiza com o intuito de transformar a realidade. Na abordagem da relação
socialização do saber dominante já que o saber pode-se constituir em arma contra o entre homem/natureza se destaca a contribuição de Saviani (1984), que complementa
capital e Silva (1988) considera que o saber sistematizado e organizado pela classe as reflexões dos outros autores ao expressar que o trabalho diferencia o homem dos
dominante não é totalmente falso e ideológico, pois resulta das relações do homem outros animais e sua ação é antecipada mentalmente e, por isso, não é qualquer tipo
com a natureza e da forma como procura dominá-la através do trabalho. de atividade, mas uma ação intencional.

A produção, a apropriação e a socialização do conhecimento estão, assim, O caráter do trabalho está explicitado em Almeida (1989) e Salm (1984). A primeira
estreitamente vinculadas à questão dos interesses de classe. Enquanto Ribeiro (1989) considera que, analisado no contexto capitalista, o trabalho tem caráter de exploração,
e Silva (1988) defendem, como já foi visto acima, a socialização do saber dominante, promove a divisão da sociedade em classes e a apropriação privada dos bens por
inclusive como potencialidade de transformações das relações sociais, Almeida (1989) parte de uma minoria. O segundo parte de uma crítica à TCH e aos críticos desta teoria.
questiona a ciência burguesa que considera uma ideologização e especialização do Dessa forma faz uma leitura de Marx, mostrando que o trabalho, na sociedade
saber, tendo como preocupação central a base material da sociedade atual, e propõe capitalista, se reduz de trabalho complexo a simples, mas que isso ocorre sem a
a ciência da totalidade, transformadora da realidade, que parta de uma análise científica interferência da escola. Ao mesmo tempo, aponta que o trabalho qualificado tem um
que examine as condições de existência e produção das diversas classes. duplo caráter concreto e abstrato, simultaneamente. Diferencia trabalho qualificado de
treinamento, ainda que implicitamente, revelando que a escola tal como existe não tem
Concepção de Trabalho papel relevante nesse treinamento.

Dos dezenove textos consultados, dez explicitam concepções de trabalho. Estas Kuenzer e Zainko refletem sobre a relação teoria/prática. A primeira, considerando que
concepções se revelam através de reflexões nas quais o trabalho, sempre considerado apesar de a visão social do trabalho romper com a unidade das dimensões intelectual
em sua relação com a sociedade, é apresentado nos seus múltiplos aspectos, tendo e manual do trabalho, este, ao se realizar concretamente, não se toma passível desta
como referenciais básicos o seu significado, ação e o seu caráter. ruptura, já que trabalho é atividade teórica e prática, reflexiva e ativa e, por isso, esta
separação não tem sustentação. A segunda, caracterizando o trabalho como atividade
Os autores consultados que expressam o significado do trabalho têm como teórico/prática, reflexiva e ativa no que se articula com Machado (1985), que ressalta a
característica comum a abordagem do papel do trabalho na relação entre homem/ fundamental importância do resgate do trabalho na construção do saber.
natureza, diferenciando-se apenas no nível de aprofundamento. Enquanto para Silva
(1988), é forma de domínio da natureza, para Salgado (1985) significa muito mais do Apesar de o trabalho ser considerado nas reflexões acima, não apenas na sua
que a produção de bens materiais. Zainko (1989) o considera a base da existência dimensão abstrata, intelectual e reflexiva, mas também no seu caráter concreto,
humana no que se articula com Franco (1988) para quem o trabalho é a atividade manual e ativo, para Pucci e Sguissardi (1989), a maioria dos estudos utilizam
fundamental do homem. Zainko também se articula com Salgado quando ambos dão concepções equivocadas de trabalho, faltando uma adequada concepção teórica do
uma dimensão subjetiva/objetiva ao trabalho na medida em que consideram que o processo produtivo, onde se inclua um conceito não abstrato de trabalho.

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Concepção Ensinar-Aprender outras concepções, quando coloca a necessidade do domínio não apenas teórico, mas
também prático sobre como o saber se articula com o processo produtivo.
Dos dezenove textos, apenas sete explicitam concepções de ensinar-aprender, nas
quais os autores revelam abordagens que trazem no seu bojo a defesa da transmissão-
assimilação do saber sistematizado e a necessidade da superação da dicotomia Organização do Trabalho na Escola
trabalho intelectual-manual tendo como referencial básico o trabalho.
Os discursos dos autores que implícita ou explicitamente se referem à organização do
Autores como Saviani (1984) e Silva (1988) privilegiam o conteúdo, o primeiro, trabalho na escola têm como característica comum a constatação do descompasso
explicitando que o fim a atingir é a transmissão-assimilação do saber sistematizado e entre a maneira como se organiza este trabalho e as necessidades dos alunos.
a segunda, considerando que o melhor domínio possível das matérias do currículo, do
saber sistematizado, deve ser viabilizado. Já Ribeiro (1989), apesar de afirmar que o Saviani (1984), direcionando o seu discurso às dificuldades de acesso ao saber
ensino deve se basear na transmissão efetiva do saber acumulado e organizado, sistematizado, afirma que devido ao conceito ampliado de currículo, a escola passa de
coloca que os instrumentos para aquisição e uso destes conteúdos também devem agência destinada a atender o interesse da população em se aproximar deste saber a
basear o ensino, ao contrário de Saviani que acredita que é no saber sistematizado que uma agência a serviço de interesse corporativistas e clientelistas no que se articula
se deve buscar a fonte natural para elaborar os métodos e as formas de organização com Silva (1988), que afirma que a escola nunca foi organizada de modo a garantir a
do conjunto de atividades da escola. Mignot (1989) também privilegia o conteúdo apropriação, pelas camadas populares, dos conteúdos básicos do saber sistematizado.
quando defende que a escola deve cumprir bem a sua função primeira: ensinar a ler, Para Mignot (1989), a escola deve priorizar aquilo que é essencial para a melhoria do
escrever, contar, tendo como pano de fundo, a superação das dicotomias que processo ensino-aprendizagem, excluindo o acessório que tem dificultado o
caracterizam o sistema educacional. cumprimento da função prática de socialização do saber.

Kuenzer (1986) considera que conteúdos fundamentais como: a aquisição dos Outros autores, também tratando do descompasso acima referido, refletem sobre o
mecanismos de leitura, escrita e cálculo, a compreensão da distribuição do homem no tema, levando em consideração especificamente o aluno trabalhador. Pucci e
espaço físico ou da história da produção estão inegavelmente relacionados ao trabalho Sguissardi (1989) constatam, através de pesquisa em cinco escolas da cidade de São
e, por outro lado, o fazer só pode ser compreendido à luz dos princípios teóricos Carlos, que a escola não atende às necessidades do aluno trabalhador, tanto do ponto
metodológicos. Para a autora, não existem conteúdos que sejam especificamente de vista do conhecimento sobre máquinas, como de princípios científicos que
voltados para a aquisição de um saber geral e outros que formem exclusivamente para fundamentam a tecnologia moderna. Kuenzer (1986) reivindica uma total revisão da
o trabalho. proposta pedagógica que tem caracterizado a escola — tanto no conteúdo como nas
formas metodológicas e de organização—visando a um ensino de qualidade do ponto
A necessidade de superação da dicotomia trabalho manual e trabalho intelectual é de vista da classe trabalhadora, no que se articula com Madeira (1984), que considera
também defendida por Franco (1988), que coloca no mesmo bojo a superação das que a ação pedagógica deve ir ao encontro dos interesses da classe trabalhadora, em
dicotomias: trabalhar/aprender; forma/conteúdo; teoria/prática; formação geral/ direção à formação de sua consciência libertadora.
específica; terminalidade/continuidade.
A vinculação com o social é explicitada por Machado (1985) para quem a organização
Ainda tratando da questão da relação teoria-prática, Zainko (1989) acrescenta às da escola não se desvincula do social já que, inclusive, reflete as desigualdades
reflexões anteriores o elemento de ligação com o social, que não fica explicitado nas sociais.

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Assim, uma revisão desta organização deve ter como ponto de partida as relações Relação entre Currículo e Trabalho
sociais concretas como se deduz de Kuenzer (1986) a qual se articula com Zainko
(1989) quando esta afirma que o ensino deve organizar-se de modo a garantir para o Os autores que tratam desta relação destacam a fundamental importância da
conjunto dos alunos a explicitação da relação entre o saber e o processo produtivo, incorporação do trabalho ao currículo. Kuenzer (1986) coloca a necessidade de
entre ciência e produção. proposta educacional que considere as condições de vida do trabalhador, inclusive, as
que se referem ao trabalho no que se articula com Franco (1988), que considera a
Almeida (1989) comenta que o ensino de 2º grau se divide em modalidades, segundo necessidadede rompimento do espaço interior da escola, redimensionando a questão
os três setores tradicionais da economia — primário, secundário e terciário. educativa, sob a teoria do trabalho de quem trabalha.

Nestas reflexões direcionadas especificamente às necessidades do aluno trabalhador, Referindo-se mais especificamente às necessidades do aluno trabalhador, Franco
Franco (1988) e Salgado (1985) colocam o trabalho como centro desta organização. A (1984) considera que o currículo deve fornecer elementos para a formação integral,
primeira, defendendo que este deve ser o principio organizador das atividades da contemplando o profissional, enquanto Manus (1985) alega que a informação
escola, a qual deve trabalhar o conhecimento científico e tecnológico, resgatar a profissional e a forma de trabalho devem incorporar-se ao currículo e Zainko (1989),
relação entre ciência e cultura, trabalhar com os conteúdos da modernidade, a partir que o currículo deve contemplar as necessidades de apropriação do saber do aluno
dos processos de trabalho e a segunda, defendendo o resgate da contribuição do trabalhador.
saber elaborado, a partir do trabalho, para construção do saber transmitido na escola
como forma de romper o isolamento desta. Ainda nesta direção, Salgado (1985) reflete que o sistema de formação profissional
deve ser repensado, considerando não apenas as necessidades de mão-de-obra no
mercado, mas incluir atividades e saberes que construam a sua cidadania no que se
Currículo no Processo de Construção do Conhecimento articula com Haddad (1988) que, refletindo sobre a educação de adultos, concebe o
currículo como programa cujos conteúdos socialmente acumulados servem como
Dos dezenove autores consultados apenas Saviani (1984) e Silva (1988) se referem ao complemento do trabalho ou como parte de formação básica no ensino regular,
currículo no processo de construção do conhecimento. Para o primeiro autor, a partir do visando à formação do cidadão e do futuro trabalhador.
saber sistematizado é que se estrutura o currículo. Na escola elementar, a primeira
exigência para esse tipo de saber é aprender a ler e escrever a linguagem dos números
e a linguagem da sociedade. Critica a noção de currículo que dissemina a idéia de que Relação Trabalho/Construção do Conhecimento
é tudo o que se faz na escola, tirando o sentido das atividades extracurriculares que só
têm sentido na medida em que podem enriquecer as curriculares. Assim, é importante A característica comum revelada nas reflexões dos autores consultados é a estreita
nâo se perder de vista o que é principal e o que é secundário. Para a segunda autora, vinculação entre o trabalho e a construção do conhecimento, seja dentro ou fora da
a fonte única do currículo é o acesso cultural disponível, do qual são selecionados os escola. Desta maneira, o espaço onde se processa ou deve se processar a vinculação
conteúdos mais representativos e significativos para serem traduzidos em saber esco- entre o trabalho e a construção do conhecimento é pano de fundo para a discussão
lar. Esta seleção e esta organização, entretanto, não são neutras, são opções sociais sobre o tema. Para Madeira (1984), o processo de construção do conhecimento pode
e ideológicas (conscientes e inconscientes) feitas dentre todo o conhecimento social se dar através da discussão dos problemas concretos dos trabalhadores no seu dia-a-
disponível em uma determinada época. Apesar disto, não são totalmente ideológicos e dia, sem necessariamente ter que passar por forma teórica. Enquanto Cury (1988)
acabam propiciando o aparecimento de contra-ideologia. considera que a universidade é local de produção tanto quanto a fábrica; Pucci e

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Sguissardi (1989) constatam, através de pesquisas, que a maioria dos alunos O caráter dicotômico e dual do 2º grau é outro aspecto também criticado pelos autores.
pesquisados aprenderam o oficio na fábrica no que se articulam com Kuenzer (1986) Machado (1985), por exemplo, critica o anacronismo da dicotomia escolar humanista x
para quem devido à sua exclusão de escola, milhões de trabalhadores estão sendo escola profissionalizante e Zainko (1989) defende estrutura única, sem dualidade entre
educados pelo capital, estabelecendo determinadas relações com o conhecimento no a escola da cultura e do trabalho.
trabalho. Kuenzer (1986), entretanto, não exclui a escola como espaço de vinculação
entre o trabalho e a construção do conhecimento, na medida em que considera que Por isso Kuenzer (1986) reivindica a necessidade de tornar claro o que é educação
dois grupos se formam a partir da seleção da escola: o que permanece no seu interior para o trabalho e de se recolocar o papel da escola quanto à educação a que o
e o que é excluído e se apropria diferentemente do saber escolar e na medida em que trabalhador tem direito.
defende como necessária e inadiável a tarefa de tornar claras questões como o que é
concretamente educação para o trabalho e qual o papel da escola, em relação à Desta maneira, o trabalho é uma categoria significativa na potencialidade da escola de
transmissão do saber sobre o trabalho. Franco (1988) também reflete nesta direção na transformação de si mesma na direção de uma melhor qualidade de ensino. Para
medida em que considera que o trabalho como princípio educativo permite o Franco (1988), se a educação não tiver como mediação o trabalho, pode limitar-se ao
alargamento da consciência, reconhecimento da realidade e capacidade de atuação adestramento de técnicos em detrimento da formação integral do aluno. Esta autora
para transformar as condições de vida cultural e material. Para Salgado (1985), o defende uma escola única do trabalho que é também defendida por Zainko (1989), que
conhecimento deve abordar a realidade do aluno que trabalha, permitindo o resgate da sugere a politecnia como conteúdo desta escola, na qual segundo Machado (1985), o
contribuição do saber elaborado a partir do trabalho, no que se articula com Machado trabalho significa um princípio educativo. Esta escola tem como tarefa fundamental a
(1985), que ressalta a fundamental importância do trabalho na construção do saber e formação cultural e técnica do aluno em consonância com o desenvolvimento das
com Kuenzer (1986) para quem o processo de conhecimento é determinado pelo forças produtivas.
trabalho, enquanto que para Franco (1984), ao desenvolver-se integralmente pelo
saber, o indivíduo prepara-se automaticamente para o trabalho. A politecnia é também defendida por Pucci e Sguissardi (1989), que consideram que o
desenvolvimento de saberes politécnicos são necessários e urgentes para o aluno
trabalhador, no que se articula com Franco (1988), que considera que o trabalho como
Trabalho como Principio Educativo princípio educativo permite o alargamento da consciência, reconhecimento da realidade
e capacidade de atuação para transformar as condições de vida cultural e material.
Todos os autores dos textos consultados que tratam da questão do trabalho na
educação, particularmente no 2º grau, defendem explícita ou implicitamente o trabalho
como princípio educativo na medida em que são partidários da politecnia e/ou criticam Processo de Construção do Conhecimento (Individual/Coletivo/Ambos)
a TCH e a educação para o trabalho dentro de uma proposta profissionalizante estreita
como define Franco (1988). Os autores consultados, como Cury (1988), por exemplo, deixam transparecer no seus
textos que o processo de construção do conhecimento, mesmo que passe também por
Entre os que explicitamente defendem uma escola que não esteja diretamente uma etapa individual, alcança sua verdadeira dimensão quando se realiza
relacionada à profissionalização encontra-se Almeida (1989) que, tomando o 2º grau coletivamente. Entretanto, apenas quatro autores se referem explicitamente sobre o
como referência, critica sua função relacionada diretamente com a formação de mão- tema.
de-obra, e Franco (1984) para quem tentar resolver a questão da cidadania através da
educação é uma ilusão que precisa acabar. Referindo-se especificamente ao currículo, Franco (1988) considera que este deve ser

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uma construção coletiva entre educador e aluno enquanto Machado (1985) sugere Escola-Contexto
atividades curriculares que partam de sentimentos e experiências vividas pelos alunos
já que é necessário que tomem consciência social e histórica de si mesmos e ao fazê- Dos textos consultados, dezesseis se referem à relação escola-contexto. Para os
lo se conscientizem do conjunto social do qual fazem parte. autores destes textos, a escola está intrinsecamente ligada ao contexto sócio-
econômico-cultural da atualidade brasileira. Esta escola, intimamente relacionada com
Para Kuenzer (1986), como a produção intelectual e a produção da consciência estão o contexto, entretanto, recebe enfoques diferenciados a depender do papel que lhe é
ligadas à atividade material, têm como ponto de partida não a atividade de cada atribuído na dinâmica do sistema capitalista do Brasil atual. Esta diferença se vincula
homem isoladamente, mas a exercida no conjunto das relações sociais. Para Saviani fundamentalmente à maneira como são tratadas pelos autores a identidade e a
(1984), o trabalho educativo é um ato de produzir direta e intencionalmente, em cada autonomia da escola. Nesta direção é que é considerada a maior ou menor capacidade
indivíduo singular, a humanidade, que é produzido histórica e coletivamente pelo de reação desta instituição diante das exigências do sistema.
conjunto dos homens.

Concepção de Escola
Conclusão
Dos autores consultados, dezessete revelam concepções de escola, as quais têm
As conclusões deste trabalho se desdobram em dois momentos. Em um primeiro como característica comum a sua inserção no contexto da atualidade brasileira. As
momento, elas se prendem à seqüência de respostas dadas pelos autores dos textos especifícidades, tendo como pano de fundo a visão de mundo de cada autor, se
consultados às indagações feitas pelas fichas analíticas sobre currículo, trabalho e manifestam principalmente a partir do maior ou menor espaço de autonomia e de
construção do conhecimento. Em um segundo momento, são tiradas conclusões de potencialidade transformadora que são oferecidas à escola na sua relação com a
caráter mais geral. sociedade. Muitas vezes o trabalho aparece como uma categoria significativa nesta
potencialidade de transformação de si mesma em direção a uma melhor qualidade de
ensino.
Relação Educação-Sociedade

Todos os dezenove autores consultados se referem à relação educação-sociedade. O Concepção de Currículo


aspecto mais enfatizado é a estreita vinculação entre as duas categorias, a educação
sendo analisada em um contexto mais amplo e complexo. Esta vinculação, entretanto, Dos autores consultados apenas seis revelam concepções de currículo. Entretanto,
nâo impede que a educação seja enfocada em uma dimensão de relativa autonomia, apesar do espaço pouco significativo ocupado por estas concepções, pode-se
abrindo-se espaço, desta maneira, para a sua potencialidade transformadora. encontrar, nas reflexões dos autores, uma certa diversidade no trato da questão.
Enquanto uns estabelecem limites mais rígidos para o papel do currículo, outros o
A relação educação-sociedade é discutida nos textos consultados, tendo como base a concebem de forma mais ampla e abrangente. Nestas reflexões também aparecem a
teoria marxista que se explicita nas categorias e conceitos que perpassam os referidos defesa da politecnia, de uma proposta educacional que considere as condições de
textos e nas análises do sistema educacional vinculadas aos aspectos infra-estruturais vida, de trabalho e de educação do trabalhador na sociedade como se deduz de
da sociedade. Kuenzer (1986).

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Concepção de Conhecimento incorporação do trabalho ao currículo, levando-se em consideração, inclusive, as
necessidades do aluno trabalhador.
Pelas falas dos dez autores que revelam as suas concepções de conhecimento pode-
se concluir que a produção e apropriação do conhecimento se processa no seio das Relação Trabalho-Construção do Conhecimento
relações sociais e contribui, inclusive, como forma de socialização do saber para a
formação da cidadania. A produção, apropriação e socialização do conhecimento A característica comum relevada nas reflexões dos nove autores que tratam desta
estão também estreitamente vinculadas aos interesses de classe. relação é a estreita vinculação entre o trabalho e a construção do conhecimento, seja
dentro ou fora da escola. Desta maneira, o espaço onde se processa ou deve se
Concepção de Trabalho processar a vinculação entre o trabalho e a construção do conhecimento é pano de
fundo para a discussão do tema
Dos textos consultados, dez explicitam concepções de trabalho, sempre considerado
em sua relação com a sociedade. O trabalho é concebido nos seus múltiplos aspectos
tendo como referenciais básicos o seu significado e ação e o seu caráter. O trabalho é Relação Currículo-Construção do Conhecimento
assim enfocado como atividade fundamental do homem, na sua relação com o sistema
capitalista, nas dicotomias: trabalho intelectual/manual; trabalho concreto/abstrato; Apenas dois autores, Saviani (1984) e Silva (1988) se referem ao currículo no processo
trabalho simples/complexo. de construção do conhecimento. Para o primeiro autor, a partir do saber sistematizado
é que se estrutura o currículo. Para a segunda autora, a fonte única do currículo é o
Concepção Ensinar-Aprender acervo cultural disponível, do qual são selecionados os conteúdos mais representativos
e significativos para serem traduzidos em saber escolar.
Dos textos consultados, apenas sete explicitam concepções de ensinar-aprender, nas
quais os autores revelam abordagens que trazem no seu bojo a defesa de transmissão- Trabalho como Princípio Educativo
assimilação do saber sistematizado e a necessidade de superação da dicotomia do
trabalho intelectual/manual, tendo como referencial básico o trabalho. Todos os autores dos textos consultados que tratam da questão do trabalho na
educação, particularmente no 2º grau, defendem explícita ou implicitamente o trabalho
Organização do Trabalho na Escola como princípio educativo na medida em que são partidários da politecnia e/ou criticam
a TCH e a educação para o trabalho dentro de uma proposta profissionalizante estreita.
Os discursos dos onze autores, que implícita ou explicitamente se referem à
organização do trabalho na escola, têm como característica comum a constatação do Processo de Construção do Conhecimento(lndividua/Coletivo/Ambos)
descompasso entre a maneira como se organiza este trabalho e as necessidades dos
alunos, alguns levando, especificamente, em consideração, o aluno trabalhador. Apenas quatro autores se referem explicitamente ao tema, porém a maioria deixa
transparecer nos seus textos que o processo de construção do conhecimento, mesmo
que passe também por uma etapa individual, alcança sua verdadeira dimensão quando
Relação Curriculo-Trabalho se realiza coletivamente.

Os oito autores que tratam desta relação destacam a fundamental importância da De uma maneira geral, pode-se destacar as seguintes conclusões:

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.58, abr./jun. 1993


— todos os temas são trabalhados, porém nem sempre por todos os autores; KUENZER, Acácia Zeneida. A apropriação do saber sobre o trabalho: um direito do
trabalhador. Em Aberto, Brasília, v.5, n.30, p. 19-24, abr./jun. 1986.
— todos os temas são tratados contextualizados, vinculados à dinâmica das relações
sociais; MACHADO, Lucília Regina de Souza. Cidadania e trabalho no ensino de 2º grau. Em
Aberto, Brasília, v.4, n.28, p.35-38, out./dez. 1985.
— predominância da defesa da politecnia, do trabalho como princípio educativo;
MADEIRA, Felícia Reicher. Educação/trabalho: um balanço critico. Em Aberto, Brasília,
— autores demonstram, de uma maneira geral, uma postura crítica em relação à TCH v.3, n.19, p.1-13, mar. 1984.
e à profissionalização estreita;
MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Legislação trabalhista: proteção e incentivo ao trabalho
— o mundo do trabalho e o aluno trabalhador são referências constantes nas reflexões do menor. Em Aberto, Brasília, v.4, n.28, p.11-16, out./dez. 1985.
dos autores consultados.
MIGNOT, Ana Cristina Venâncio. CIEP — Centro Integrado de Educação Pública —
alternativa para a qualidade do ensino ou nova investida do populismo na
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A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO, O CURRÍCULO E A ESCOLA BÁSICA Nesse sentido, não há por que seguir mascarando essa função sob rótulos e sim
assumi-la numa prática de construção científica e coletiva do conhecimento escolar.

Victoria Maria Brant Ribeiro* Nos últimos anos, há uma tendência que já o considera como um processo de
produção e/ou construção do conhecimento, a partir das experiências de vida dos
professores e alunos, situadas num contexto sociohistórico mais amplo e que busca
apoio teórico na Psicologia, na Sociologia, na Filosofia e demais ciências sociais.
O que é Currículo
Proponho que tomemos essa tendência como ponto de partida, explicitando-a um
Proponho iniciar uma reflexão sobre currículo a partir de uma e decisiva questão: O que pouco mais: o currículo é uma construção social do conhecimento, que pressupõe a
é currículo? organização e/ou a sistematização dos meios para que esta construção se efetive, a
transmissão dos conhecimentos já produzidos e as formas de apreendê-los. Portanto,
Para tentar respondê-la, começo por dois aspectos que considero importantes. transmissão, assimilação e produção de conhecimento são processos que,
articuladamente, compõem um método científico de construção coletiva do
De um lado, a crítica ao conceito de currículo como instrumento formal, preconcebido, conhecimento escolar, ou seja, um currículo, que inclui: 1) as relações entre os agentes
delimitado, definidor das atividades que o professor deve realizar na escola, porque sociais que dele participam (alunos, professores e pesquisadores) num espaço e num
esse, tal como se apresenta, dificilmente se realiza na prática. tempo determinados e 2) a definição de um suporte teórico que o sustente.

De outro, a busca de clareza sobre o significado de currículo, porque tradicionalmente


se deu a ele um sentido formal, encobrindo o que, de fato, ele deve ser uma
construção social do conhecimento ou, por que não ousar dizer, currículo é ciência por Reconstruindo o Conceito de Currículo
ser um método permanente de construção de conhecimento. Fazer currículo, a meu
ver, é fazer ciência. Não se trata de propor uma nova terminologia para currículo, pois o antigo rótulo, de
alguma forma, enunciava princípios científicos de construção do conhecimento. Trata-
Desde o aparecimento do termo currículo na linguagem pedagógica brasileira, existe se de desconstruir o significado formal para reconstruí-lo numa outra dimensão, que
nele latente a possibilidade de construção do conhecimento, apesar das diferentes evidencia as possibilidades científico-metodológicas de construção democrática do
concepções e interpretações que ele assumiu quanto ao seu emprego. Desde um conhecimento, encontradas na escola.
conjunto de disciplinas que compõem um curso, passando por um conjunto de
atividades que a escola planeja para o aluno, até um processo social responsável pela É preciso, no entanto, levar em conta as seguintes questões que podem criar obstáculos
produção de conhecimento entre o sujeito individual e o sujeito coletivo — para citar os a esse entendimento:
conceitos que mais marcaram a sua história — em todos eles sempre esteve contida
a possibilidade de se construir o conhecimento. 1. a descontrução do conceito, formal e tradicionalmente incorporado à cultura do
professor, que, se sua ineficiência (ou por que não dizer, sua inutilidade) não for clara
e suficientemente identificada, poderá entendê-la como uma ação impositiva da qual
*Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). nenhuma conseqüência relevante à prática educativa poderá ser extraída;

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2. a necessidade de criação de motivos, por parte dos professores, para reconstruir o — o micropoder como instância primeira para a compreensão das relações existentes
conceito, assumindo-o como uma prática coletiva de construção cientifica do entre aqueles que, em interação, constroem o conhecimento.
conhecimento ou, o que é quase o mesmo, assumindo-o como um compromisso de
fazer ciência com o mesmo significado de fazer currículo; Decorrente dessa instância, ou mesmo com ela articulada, as categorias de
subjetividade e entendimento do homem, considerado o processo de criação de
3. a necessidade de clareza na argumentação para que esse compromisso seja normas de convivência que necessariamente se interpõem nessas relações.
assumido consciente e coletivamente, o que implica uma fase anterior de
desconstrução (análise dos seus pressupostos teóricos e da sua realização prática) e Seguramente, o conceito de currículo, como um instrumento formal que reflete as
conseqüente reconstrução do conceito, aprofundando categorias teóricas que dêem intenções de um determinado grupo de educadores, sejam eles do macro ou do
suporte à prática de fazer currículo. microssistema de ensino, sobre os limites da educação de um também determinado
grupo de alunos, está enraizado, consciente e inconscientemente, tanto na prática
Cabe àqueles que com a escola estão comprometidos buscar meios que garantam até como no pensamento dos professores. Cumprindo ou não a função norteadora da
quase o esgotamento destas questões para evitar que elas se tomem obstáculos. organização das atividades escolares, ele incorpora a carga dessa característica.

Entre as diversas categorias que podem ser utilizadas, como balizamento das
Objetivamente, ao longo da trajetória de sua existência, como um componente
discussões, sugiro como mais importantes:
necessário aos sistemas educativos, observou-se um divórcio entre a sua
representação e a prática exercida nas escolas.
— o trabalho, como categoria fundamental para a construção de uma proposta curric-
ular para a formação do homem produtor/consumidor, que não dissocia o seu próprio
desenvolvimento do desenvolvimento da sua sociedade. Ou, em outras palavras, a Nesse sentido, é importante desconstruir essa representação que formaliza um
formação do homem que se reconheça como agente ao mesmo tempo individual e processo que, pela própria essência do seu significado (um caminho, um percurso,
coletivo, realizando ações conjuntas, compartilhando interesses e necessidades, uma estrada) não pode circunscrever-se a normas preestabelecidas, ainda que
criando normas de convivência social democrática, numa sociedade marcada pelas flexíveis, abertas a mudanças, pois que caminhos lineares levam a destinos
desigualdades; conhecidos.

— a ciência e seu duplo papel: a identificação de problemas sociais e a criação de É certo que, mesmo sem produzir efeitos práticos qualitativos, o currículo, tal como é
alternativas que permitam solucionar, democraticamente, as principais questões que conhecido, de alguma forma sustenta a organização escolar, ou justificando práticas
hoje se colocam para a melhoria das condições de vida de toda a população, além da autoritárias, ou servindo como contraponto a práticas anárquicas, ditas de resistência.
possibilidade que cria, em cada indivíduo, de manipular conhecimentos formando o
pensamento abstrato, ou seja, a sua contribuição para a autonomia de pensamento, Desconstruir ou desmitificar esse conceito é desafio que, com certeza, provocará
por meio do desenvolvimento cognitivo; reações as mais diversas e inimagináveis e, necessariamente, levará a buscar
indicadores que permitam superá-lo.
— o cotidiano escolar como o conjunto das circunstâncias que determinam, por um
lado, a construção do conhecimento científico e, por outro, a formação do homem que Superando-o, emerge, de imediato, o segundo desafio: o que colocar no lugar? O que
delas é produto e nelas deverá interferir; desvelar na desconstrução?

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Partindo da crença de que fazer currículo é fazer ciência (e não uma ciência!), dominante, negando ou reduzindo o que ele traz acumulado de sua experiência. A
necessária se faz a composição de um quadro teórico para sustentar a defesa dessa dúvida é se o esforço para que se dê essa apropriação reforça o sentimento de
afirmativa. E uma defesa que não se limite ao campo do conhecimento, mas que leve fracasso e de marginalização no aluno, na medida em que esse conhecimento lhe
em conta o que, de fato, está acontecendo na própria ação de fazer currículo, ou, em parece, às vezes, tão estranho, ou se essa apropriação contribui para a sua
outras palavras, como está se construindo o conhecimento na escola. É preciso que o emancipação.
professor realize um trabalho de auto-reflexão, em que ele verifique que, apesar do
"currículo" (as aspas marcam a diferença de significado), ele é o responsável pela Com base em Gaston Bachelard, podemos afirmar que o saber do cotidiano, o que o
condução de toda e qualquer produção na sala de aula. aluno traz para a escola, encontra-se marcado pela opinião, pelo senso comum, por
pura intuição, pela ausência de reflexão sistemática. É preciso, então, criticar esse
O processo de superação desses dois desafios poderá servir como ponto de apoio aos "conhecimento primeiro", desorganizar "o complexo impuro das intuições primeiras",
professores da escola básica para a definição de princípios metodológicos e seleção psicanalizar os erros, tomar conscientes as descontinuidades do saber. Os progressos
dos conteúdos básicos com os quais, no exercício de sua autonomia e considerando científicos, contrariando aqueles que acreditam numa contínua evolução da ciência,
as circunstâncias locais, poderão planejar suas atividades pedagógicas. explodem a todo instante e em todos os lados, de modo mais ou menos descontínuo
e, por isso, não se pode, hoje, aceitar um continuísmo no campo das ciências.

Um Suporte Teórico para Fazer Currículo Bachelard critica, com ênfase, os "continuistas da cultura no domínio da pedagogia",
defendendo a construção de uma "cultura científica" como a porta aberta ao reino da
Afirmei, antes, sobre o compromisso do professor com a escola, como condição racionalidade.
primeira para se fazer currículo. Supõe-se, para tanto, uma vontade decisiva de
mergulhar nesta ação para torná-la um método efetivo de construção do conhecimento. ... Quanto mais se crê na continuidade entre o conhecimento comum e o
conhecimento científico, mais esforços se fazem para a manter, torna-se
Mergulhar num objeto ou numa ação, entretanto, requer um complicado processo de obrigatório reforçá-la. Faz-se assim sair do bom senso, lentamente,
desvelamentos, de experimentações, interpretações, análises e julgamentos. E tudo suavemente, os rudimentos do saber científico. Tem-se repugnância por
isto não se faz sem uma pré-escolha teórica que a própria ação provoca naqueles que violentar o 'sensocomum'. E, nos métodos do ensino elementar, adiam-se
nela estão envolvidos. A complexidade da questão curricular exige uma multiplicidade de ânimo leve os tempos de iniciações viris, procura-se conservar a
de perspectivas teóricas que explicitem as diversas relações nela presentes. Em razão tradição da ciência elementar, da ciência fácil; considera-se um dever
dessa diversidade, suponho ser necessário utilizar diferentes "lentes" para entendê-la, fazer com que o estudante participe da imobilidade do conhecimento
compondo um quadro teórico nunca definitivo, sempre incompleto e insuficiente, mas inicial. É necessário, apesar disso, conseguir criticar a cultura elementar.
um primeiro "olhar" que esteja aberto ao que a experiência for apontando. Estou Entra-se, então, no reino da cultura científica difícil (Bachelard, 1990,
defendendo que se abra um espaço primeiro para definições teóricas que permitam p.196-197).
avançar, com mais consistência, numa prática curricular.
O que ele defende, portanto, é a ruptura com o conhecimento comum e com a tradição
Um problema que de imediato se coloca é a possibilidade da síntese entre o saber da ciência "fácil", elementar. É preciso iniciar os alunos na ciência "difícil", ou seja, na
comum e o saber científico, ou, mais especificamente, se devemos fazer com que o análise da complexidade de tudo que parece simples. Só assim os alunos sairão da
aluno se aproprie do conhecimento científico, já que ele" vem revestido da ideologia "imobilidade" do conhecimento pronto acabado, para entrar na "cultura cientifica difícil".

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A construção do conhecimento dar-se-ia, portanto, na inversão dos "obstáculos já houve uma ruptura pela demonstração da sua falsidade.
antepostos pela vida cotidiana", por uma "catarse intelectual e afetiva" entre professor
e aluno, em que sejam desvelados os obstáculos que dificultam a construção do Para Bachelard, então, o movimento de construção do conhecimento se dá no sentido
conhecimento. A formação de um espirito científico se faz pela crítica da experiência da razão para o real, um real que nunca se mostra à razão por inteiro e nunca por ela
primeira e pela apreensão da informação segura, clara, nítida, constante. é apreendido em sua totalidade.

... o espirito científico deve formar-se contra a natureza, contra o que é, Outra contribuição de fundamental importância para a apreensão do processo de
em nós e fora de nós, o impulso e a instrução da natureza, contra o construção do conhecimento encontra-se em Michel Foucault.
adestramento natural, contra o fato colorido e diverso. O espírito cientifico
deve formar-se reformando-se. Ele não pode se instruir diante da natureza Considerando que o currículo se caracteriza como um prática social cuja finalidade é
senão purificando as substâncias naturais e ordenando os fenômenos construir o conhecimento nas instituições escolares e que as relações que essa prática
baralhados. (Bachelard, 1990, p.170). instaura entre os agentes são marcadas por discursos com diferentes especifícidades
e, muitas vezes, com predominância de uns sobre os outros, Foucault procura desvelar
Qual seria, então, a maneira de se conhecer e se apropriar desse real? o porquê do aparecimento dos saberes em um determinado momento, com
determinantes temporais externos a eles e como esses saberes se articulam com as
Em princípio, esse real que se nos apresenta, o real imediato e concreto é apreendido instituições.
sem objetividade, apenas no plano do sensível. Segundo Bachelard, para a
epistemologia "uma ida ao objeto não é inicialmente objetivo. É preciso, pois, aceitar Segundo esse autor, é preciso analisar o discurso no seu próprio volume, enquanto
uma verdadeira ruptura entre o conhecimento sensível e o conhecimento científico". E uma prática que obedece a regras, identificar a sua especificidade e as características
mais: que o tornam diferente de outros.

... a objetividade científica só é possível se tivermos primeiro rompido com Esses princípios suscitam algumas questões: que regras orientam o discurso dos
o objeto imediato, se tivermos recusado a sedução da primeira escolha, professores e em que ele se diferencia do discurso do aluno? O que move os
se tivermos estancado e contraditado pensamentos que nasçam da professores na seleção, por exemplo, de determinados livros-texto, com os quais se
primeira observação. Toda objetividade, devidamente verificada, desmente identificam e que, por essa razão, muitas vezes os transformam em seus próprios
o primeiro contato com o objeto. Ela deve primeiro criticar tudo: a programas de ensino? Como (e se) é interpretado e aproveitado o discurso do aluno?
sensação, o senso comum, a própria prática mais constante... (Bachelard,
1990, p.129). A prática discursiva deve ser analisada em sua positividade, ou seja, na forma como se
apresenta enquanto um conjunto de enunciados que contém lacunas, fragmentos da
É nesse momento que se deve instalar a dúvida, uma problematização desse real, em exterioridade, formas de acúmulo de outros enunciados, enfim, tal como, de fato, ela
busca de novas descobertas que não serão as últimas. Essa problematização tem, em aparece, sem que se penetre na interpretação de seu significado. Essa positividade é
Bachelard, o sentido de retificação do conhecimento pela negação da verdade anterior. o antecedente necessário à construção de um conjunto de elementos constituído de
Desse modo, num processo de complementaridade, novos conhecimentos vão se proposições coerentes, de descrições mais ou menos exatas, de bases para teorias,
construindo e um campo novo se constitui quando há um rompimento com os ao qual Foucault dá o nome de saber. E se o saber é um produto das práticas
conhecimentos anteriores, os quais foram tomados como ponto de apoio, mas onde discursivas, para se compreender como ele se constitui é necessário identificar as

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relações que determinam estas práticas, que escolhem o que dizer, a quem, quando, O aprofundamento da categoria trabalho, pelo professor que faz currículo, é fundamen-
enfim, é necessário identificar o poder que dá o caráter de positividade à prática tal para que ele possa refletir sobre a sua própria concepção de trabalho e sobre as
discursiva. possibilidades que vê em concretizar um projeto de sociedade em que "a organização
racional e social do trabalho possa eliminar sua forma alienada e convertê-lo na forma
A conclusão parece clara: o saber está intimamente relacionado ao poder. As rápidas de satisfação de uma série de necessidades livres e conscientemente assumidas...",
transformações das ciências, segundo Foucault (1979, p.3), passam pelas "maneiras (Enquita, 1993, p.296).
de falar e ver", assim como pela regulamentação do discurso e do saber.
Como, então, viver a escola hoje, fazer currículo, sem ter clareza sobre o significado do
Esse é um dado que considero importante para compreender e explicitar o papel do trabalho, uma vez que é o papel da escola formar o homem que será o produtor/
professor como um intelectual que dirige, que conduz a produção/construção do consumidor da sociedade futura? E que modelo terá essa sociedade?
conhecimento escolar. Quem é esse professor que desenvolve um currículo na
escola? De onde ele está falando? Quem é essa equipe que produz um documento Não chegamos, como muitos afirmam, ao fim da sociedade do trabalho. A modernidade
oficial sobre o que, supostamente, está se realizando na escola? Que mecanismos nos que trouxe os avanços científicos e tecnológicos não eliminou as formas quase feudais
permitem explicitar as relações de poder contidas no discurso escolar? Como se de trabalho. Persiste a divisão do trabalho nas empresas, resistem as formas tayloristas
relacionam os diferentes discursos (o da Secretaria de Educação e o do professor) na e fordistas de produção e nelas o homem continua a procurar, ao lado dos meios para
construção do conhecimento? Qual ciência se faz na escola? a sua subsistência, momentos de realização pessoal, momentos de prazer e liberdade
no trabalho.
Esse quadro teórico, no entanto, dá conta, apenas, de uma das dimensões do objeto:
como se dá a construção do conhecimento na escola, no limite da produção da ciência. Ao mesmo tempo, sabemos das dificuldades que o mundo contemporâneo vem
Mas esse limite não significa autonomia, como se a ciência se produzisse nela e por encontrando, no que se refere ao desemprego estrutural, às novas formas de trabalho
ela mesma, na medida em que este campo é perpassado por relação entre pessoas, independente, autônomo, que isola os homens em atividades fora das organizações, à
num processo de produção da sua existência. economia informal e suas conseqüências para o mundo do trabalho.

Mais concretamente, fazer currículo, dentro da concepção que assumo, implica, O trabalho é a força que mobiliza o indivíduo na direção de apreender a sua realidade
necessariamente, interação entre sujeitos que têm um mesmo objetivo, produzindo usando, astuciosamente, a sua inteligência para criar os instrumentos que lhe permitam
objetiva e subjetivamente suas existências, num processo permanente de interagir com a natureza, no sentido de apreendê-la para transformá-la, pondo-a a seu
comunicação, cada um deles lutando pelo seu reconhecimento enquanto sujeito indi- serviço e do seu grupo social, para além de uma concepção meramente instrumental.
vidual que pertence a um coletivo, criando normas de convivência que sejam aceitas Mesmo assumindo as formas rudes, ao longo de sua história, o trabalho guarda esta
pelo conjunto desses sujeitos. Ora, esse processo sugere um campo teórico onde característica fundamental de realização individual, quando considerado como forma
estejam presentes categorias que balizem a compreensão dessas relações, tendo em de obter os ganhos para a sobrevivência, ou quando considerado como forma de se
vista a sociedade em que vivemos, como também sinalizem possibilidades de ação relacionar com a natureza e com os outros homens. Há no trabalho, portanto, uma
para articular o "mundo vivido' ao mundo da produção "material" da existência. Essa dimensão que é individual, interna ao homem, de realização de suas potencialidades e
distinção não a fiz ao acaso, mas a partir do que considero fundamental como base outra que lhe é externa, aparece como seu produto e passa a não lhe pertencer.. A
para fazer ciência hoje ou, mais especificamente, para fazer currículo na escola básica: primeira pode-se entendê-la como parte do mundo vivido; a segunda como parte do
discutir, preliminarmente, o significado de trabalho. mundo objetivo, mundos esses que guardam entre si estreitas relações.

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A racionalidade do modo de produção capitalista coloca o trabalho como uma atividade do sacrifício, ou seja, entre a vida e o trabalho. Urge que os professores definam,
material, produtiva, que permite ao homem reproduzir-se enquanto torça de trabalho conscientemente, o grau de responsabilidade sua e o da escola para promover a
necessária à reprodução do capital. Sem dúvida, esse é um aspecto a ser considerado, emancipação do homem, pelo trabalho, numa sociedade marcada pelo trabalho
pois a produção material da existência é parte da realização humana, faz parte do seu alienado e alienador.
mundo objetivo. Entretanto, isso não esgota as possibilidades individuais, nem tão
pouco é suficiente para que o homem se realize. Há na produção da existência, uma Minha intenção é de não esgotar esse tema, até porque acredito que isso se fará por
dimensão subjetiva onde residem os sonhos, os desejos, as necessidades de lazer, de aqueles que, de fato, fazem o currículo. Os autores citados e os conceitos abordados
trocas sociais, comunicativas, que deve se articular ao mundo objetivo da produção. são apenas contribuições para iniciar o debate e é assim que este texto deve ser
entendido.
Recorrendo a Hegel, pode-se afirmar que trabalho, interação e linguagem,
dialeticamente relacionados, conciliam o sujeito com o objeto, ou seja, para que o
indivíduo se realize plenamente, é preciso que ele se relacione com o mundo objetivo Referências Bibliográficas
por meio do trabalho, em interação recíproca com os outros agentes sociais, com os
quais deverá se comunicar, criando normas de convivência aceitas por todos. Em BACHELARD, Gaston. A epistemologia. Lisboa: Edições 70,1990.
outras palavras, é necessário que ele articule o mundo objetivo com o mundo vivido,
criando mecanismos que concretizem a interpenetração desses dois mundos . . Revista Tempo Brasileiro, n.28, jan./mar. 1972.
subjetivamente inseparáveis.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
Não faz, portanto, sentido limitar a discussão do trabalho em sua dimensão
exclusivamente material, nas relações apenas do mundo objetivo, mas ampliá-la para . Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1991.
as relações do mundo vivido, onde o homem busca a realização de sua liberdade,
mesmo submetido à lógica racional do modo de produção presidido pela fragmentação HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo:
do trabalho a que pretende isolar os homens na sua tarefa de pruduzir a sua existência. Brasiliense, 1990.

Discutir com os alunos, logo no início da sua formação, as diferentes formas de . Técnica e ciência enquanto ideologia. Lisboa: Edições 70,1987.
produzir a existência é fazer ciência, é construir o conhecimento, de modo a torná-los
competentes (técnica e socialmente) para intervir na natureza e se relacionar com os ENGUITA, Mariano. Trabalho, escola e ideologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
outros homens. Faz-se necessário eliminar, desde o começo da escolarização, essa
histórica fragmentação entre o mundo do desejo e da liberdade e o mundo do desprazer, FREITAG, Bárbara. Piaget e a filosofia. São Paulo: UNESP, 1991.

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NOVAS ABORDAGENS NO CAMPO DO CURRÍCULO desta nova tendência no campo educacional. Apesar de reconhecerem que esta nova
orientação permite uma melhor compreensão das culturas marginalizadas, acusam-na
de não oferecer bases para um projeto educacional emancipatório1. Por outro lado,
Lucíola Licinio de C. P. Santos* Philip Wexler (1987, p.127), por exemplo, defende a idéia que "teorias que operam no
reino de processos simbólicos e do discurso, que podem de forma ampla ser chamadas
de 'literária' ou teorias simbólicas, são representações de novas formas históricas de
O campo do currículo tem sido desafiado por diferentes apelos que postulam desde a prática de crítica social."
criação de uma sociedade igualitária, até a formação do cidadão crítico, ou a
organização de um espaço que possibilite a articulação do discurso daqueles que não Wexler analisa esta tendência, denominando-a de "textualismo" (esta tendência inclui
têm voz na sociedade. os trabalhos de Barthes, Lacan, Derrida e Foucault, dentre outros), como uma nova
tendência crítica para a realidade social em que vivemos. Em um mundo dominado
A Nova Sociologia da Educação (NSE), ao ressaltar a construção social do currículo, pelo valor da informação, imerso na cultura de massa, neste tipo de sociedade uma
argüindo sobre os interesses e valores envolvidos na seleção, organização e economia política dos signos joga o mesmo papel que a mercadoria desempenhou em
estruturação do conhecimento escolar, abriu espaço para diferentes estudos. Estes uma sociedade centrada na produção (Wexler, 1987, p.143). Neste contexto, o
estudos procuram mostrar como o conhecimento escolar se estrutura e se organiza de "textualismo", como estudo de processos simbólicos, é um estudo comparável ao
acordo com os interesses daqueles que têm poder na sociedade. Desta forma, estudo do fetichismo ou do processo de reificação da mercadoria. Assim, os estudos
diferentes trabalhos demonstram a presença de ideologia nos livros didáticos, no que envolvem a análise dos processos de constituição do texto possibilitam a crítica ao
currículo oculto ou no discurso do professor, enquanto outros procuram mostrar a processo de mercantilização da linguagem e do discurso.
relação entre currículo e controle social, currículo e estratificação social ou currículo e
formação da força de trabalho.
Alguns Aspectos do Trabalho de Foucault que Contribuem para Análises e
Como ja ressaltei alhures, a nova perspectiva trazida pela NSE teve o mérito de Estudos no Campo do Currículo
desmascarar as visões idealistas que viam o currículo como algo desinteressado e
neutro. No entanto, este tipo de análise, se, por um lado, relaciona o discurso De todos os autores que trabalham no campo que Wexler denominou de "textualismo",
pedagógico ou o texto escolar com o contexto no qual ele se increve, não se debruçou Michel Foucault é o que tem mais contribuido para análise e estudos desenvolvidos no
na análise do próprio processo de produção do que podemos chamar de conhecimento campo educacional e também no campo do Currículo. Ao trabalhar com a relação entre
escolar ou discurso pedagógico. poder e conhecimento, Foucault oferece sugestivos insights para a compreensão do
processo de constituição de conhecimento escolar. Para discutir como o trabalho de
Para compreensão deste processo de produção do conhecimento escolar, cada vez Foucault tem contribuído para estudos no campo do currículo colocaremos,
mais começam a penetrar no campo do currículo os estudos baseados em teorias resumidamente, aquelas idéias desenvolvidas por Foucault que são mais exploradas
literárias de orientação pos-estruturalista. Alguns intelectuais polemizam a penetração no campo educacional.

* Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 1


Ver, por exemplo, Beyer e Liston, 1993.

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Central ao trabalho de Foucault é o conceito de discurso. Para este autor o discurso XVII e XVIII, relacionadas a diferentes formas de dominação. Estas formas de
não pode ser visto apenas como um conteúdo representado por um sistema de signos, dominação se desenvolvem em instituições como a prisão, o asilo, a escola, o exército.
mas o discurso tem que ser visto como práticas que "sistematicamente formam os Dentro destas instituições, através do exercício do poder disciplinar, se desenvolve um
objetos dos quais elas falam (Foucault,1985, p.49). O que Foucault quer ressaltar é o conhecimento sobre o comportamento das pessoas, suas atitudes, seu
fato de o discurso ser um elemento constitutivo da realidade, à medida que forma os desenvolvimento. Este conhecimento modela o homem moderno, colocando em
objetos dos quais ele fala. Assim, por exemplo, o discurso da pedagogia ao falar sobre circulação um novo tipo de saber — as ciências sociais.
o aluno, o professor, o saber, termina tambem definindo o que constitui o aluno, o
professor e o conhecimento. O poder disciplinar e constituído por técnicas de organização do espaço e do tempo,
técnicas minuciosas que definem uma nova "microfisica" do poder. A disciplina, através
Segundo ainda Foucault, os discursos são produzidos a partir de arranjos sociais, da organização do espaço, distribui os indivíduos, inserindo-os em espaços
políticos e econômicos. Desta forma, o que caracterizaria a atividade intelectual é que individualizados e hierquizados. A disciplina é também um controle do tempo,
ela está ligada "ao funcionamento geral de um aparato de verdade" (Faucault,1980, submetendo o corpo ao tempo, de maneira que "cada indivíduo se encontra preso
p.132). Para Foucault, cada sociedade tem "os tipos de discursos os quais ela aceita e numa série temporal, que define especificamente seu nivel ou sua categoria"
faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias as quais capacitam cada (Foucauld,1980, p.144). Além das técnicas de controle do tempo e do espaço, a
um a distinguir as afirmações verdadeiras das falsas, os meios pelos quais eles são disciplina tem na vigilância um dos seus principais instrumentos de controle. Através
sancionados; as técnicas e procedimentos para aquisição da verdade; o status daqueles da vigilância o poder disciplinar é, ao mesmo tempo, "absolutamente indiscreto, pois
que são encarregados de dizer o que conta como verdade" (idem,ibidem, p.130). Desta está em toda parte e sempre alerta" e também "absolutamente 'discreto', pois funciona,
forma, segundo Foucault, cada sociedade tem seu "regime de verdade". permanentemente e em grande parte, em silêncio" (idem,ibidem, p.158).

Discutindo o que ele chama de "economia política da verdade, Foucault afirma que em Desta forma, o poder disciplinar colocou em circulação o discurso das ciências
nossa sociedade "a verdade" está centrada na forma do discurso científico. Ele humanas. Os arranjos de poder na sociedade vão legitimando determinadas 'Verdades".
prossegue afirmando, ainda, que "a verdade" está submetida a um grande processo de Estas verdades fazem parte da própria realidade que elas pretendem apenas descrever.
difusão e consumo que se realiza através do aparelho escolar e dos meios de
comunicação. Acrescenta-se a isso o fato de que a produção e transmissão da
"verdade" são controladas por organismos como a universidade, exército e a mídia Alguns Exemplos do Uso de Foucault no Campo do Currículo
(Foucault,1980, p.131-132).
Começaria citando o trabalho de Cléo H. Cherryholmes, Um Projeto Social para o
Fundamental, ainda, no trabalho de Foucault é a relação entre poder e conhecimento. Currículo: perspectivas pós-estruturais (1993, p.143-172). Neste artigo, o autor, usando
Este autor chama a atenção para o fato de o poder ser visto mais comumente como o trabalho de Foucault analisa diferentes aspectos do desenvolvimento do campo do
algo negativo, algo que "reprime", "recalca", "censura", "abstrai", "mascara", "esconde". currículo nos Estados Unidos. É analisado como o currículo por disciplinas, baseado
Para Foucault, é preciso explorar o lado positivo do poder, seu lado produtivo e na idéia de se fornecer em cada área as idéias fundamentais daquele campo de saber,
transformador. O poder cria campos de conhecimentos e ao produzir diferentes versões predominou nos anos 60. Naquele contexto, os especialistas nas diferentes disciplinas
sobre a realidade também produz esta própria realidade. estavam determinando os conteúdos dos currículos. Os curricularistas não estavam
controlando a situação, ao invés disso a nova prática discursiva determinava quem
No livro Vigiar e Punir, Foucault mostra como ocorrem mudanças, a partir do séculos tinha voz no campo. "A prática discursiva tinha mudado e aqueles que antes tinham

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falado com autoridade sobre currículo estavam do lado de fora e aqueles que Também no campo do conhecimento escolar, encontra-se o trabalho apresentado por
anteriormente estavam do lado de fora do currículo, por exemplo, especialistas Santos (1993), que analisa a constituição do saber pedagógico como resultado das
acadêmicos, estavam agora do lado de dentro" (idem,íbidem, p.159). Era um tempo práticas disciplinares presentes na instituição escolar. Este saber pedagógico forneceria
que a história das minorias, seus pontos de vista estavam fora do currículo, mas as regras e os critérios a partir dos quais os saberes dos diferentes campos são
ninguém se perguntava sobre isso. No entanto, na década de 70, diferentes vozes se recontextualizados, transformando-se em saber escolar.
levantam argüindo sobre a razão do racismo, o sexismo, e as desigualdades sociais
não serem debatidas nas escolas. Naquele momento, crescia nos Estados Unidos o
movimento pelos direitos humanos, contra a pobreza e contra a guerra do Vietnã. O trabalho de Keith Hoskin (1990) mostra como o trabalho de Foucault tem uma direta
Segundo Cherryholmes (1993, p. 159-161), naquele momento a verdade curricular vinculação com a educação, mostrando que Foucault tenha sido antes de tudo um
deixa de ser produzida pelos especialistas das diferentes disciplinas e passa a ser educador disfarçado. Hoskin inicia seu trabalho analisando a etmologia da palavra
produzida por ativistas sociais e por educadores humanistas. disciplina, central ao trabalho de Foucault. Ele mostra como o termo disciplina é um
termo educacional, revelando os dois lados da equação entre poder e conhecimento.
Outro trabalho que focaliza a obra de Foucault com desdobramentos no campo do Desta forma, disciplina tem um significado duplo: "a disciplina que apresenta um certo
currículo é o trabalho de John Knight e colaboradores, Desconstituindo a Hegemonia conhecimento para o aprendiz e a disciplina de manter o aprendiz presente antes do
— política multicultural e uma resposta populista (1990). Os autores analisam duas conhecimento" (idem,ibidem, p.30). Este tipo de análise, que relaciona o conhecimento
políticas aparentemente opostas, relacionadas à orientação da prática curricular na ao poder disciplinar, abre caminho para o estudo da história das disciplinas escolares,
Austrália — uma proposta de orientação multicultural e outra de orientação área de estudos de grande relevância para o campo do currículo.
monocultural. Após a análise do discurso de ambas, os autores concluem que elas
compartilham de uma continuidade epistêmica, em termos de uma não ruptura com o
processo de desigualdades e subordinação social. Segundo os autores "o interesse O trabalho de Valerie Walkerdine (1984) sobre a relação da pedagogia centrada na
em multiculturalismo é interligado à hipocrisia burguesa à qual revela 'multiculturalismo' criança com a psicologia do desenvolvimento, mostra como o conhecimento escolar,
como uma 'história' garantida por 'evidências' empíricas e codificada no interesse da ou o currículo sofre profundas transformações quando estas abordagens se
igualdade ao mesmo tempo que a reprime" (Knight et al., 1990). O Estado procura popularizam no sistema de ensino. Assim, para Walkerdine esta pedagogia muda a
legitimar-se com este tipo de política, mas trabalhar com estas diferenças culturais orientação do currículo escolar. Exemplo disso são as fichas de avaliação do rendimento
apenas no plano educacional termina sendo uma forma de deixar intocada essas escolar que passam a descrever mais o desenvolvimento da criança, do que seu
diferenças no contexto social. Ao mesmo tempo, ao lidar com essas diferenças, conhecimento a respeito do mundo. A aprendizagem de fatos vai sendo substituída
apenas no campo educacional, termina por reduzi-las a diferenças entre indivíduos, pela aprendizagem de conceitos, descrevendo-se o processo cognitivo de aquisição
permanecendo obscurecidas as relações de poder que as criam e sustentam. dos mesmos, mais que sua aplicação ou utilização na solução de problemas do
cotidiano.
Philip Wexler (1987) discute como o discurso pedagógico ou o conhecimento escolar
se define não apenas pelo que ele diz, mas sobretudo pelo que silencia. Ao legitimar
certas formas de conhecimento como verdadeiras, a escola está desqualificando Estes trabalhos foram citados com a intenção de mostrar como o trabalho de Foucault
outros discursos. Neste contexto, no campo do currículo é importante se discutir não pode ser utilizado no campo do currículo, abrindo novas perspectivas de análise e
apenas o chamado "currículo nulo ou vazio", como também a forma que este condiciona radicalizando a crítica sobre as relações de poder nas quais se sustentam os critérios
o chamado currículo manifesto. de seleção e organização do conhecimento escolar.

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Referências Bibliográficas KNIGHT, John et al. Deconstructing hegemony: multicultural policy and a populist
tresponse. ln: BALL, Stephen J. (Ed.). Foucault and education: disciplines and
BEYER, London E., LISTON, Daniel P. Discurso ou ação moral? Uma crítica ao pós- knowledge. London: Routledge & Kegan Paul, 1990.
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crítica em tempos pós-modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

SANTOS, Luciola Licinio de OP. Poder e conhecimento: a constituição do saber


CHERRYHOLMES, Cleo H. Um projeto social para o currículo: perspectivas pós-
pedagógico. Trabalho apresentado na XVI Reunião Anual da ANPED, Caxambu,
estruturais. ln: SILVA, Tomas Tadeu da (Org.). Teoria educacional crítica em
set. 1993.
tempos pós-modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. p.143-172.

FOUCAULT, Michel. The Archeology of knowledge. Londres: Tavistock, 1985. p.49.


WALKERDINE, Valerie. Developmental psychology and the child-centred pedagogy:
. Truth and power, ln: GORDON, Colin. Power/knowledge: select interviews the insertion of Piaget into early education, ln: HENRIQUES, Julien et al. Chang-
and other writings 1972-1977. Brighton: Harvest Press, 1980. p.132. ing the subject. London: Methuen, 1984. p.153-202.

HOSKIN, Keith. Foucault under examination: the crypto-educationalist unmasked. ln:


BALL, Stephen J. (Ed.). Foucault and education: disciplines and knowledge. WEXLER, Philip. Social analysis of education: after the new Sociology. Londres:
London: Routledge & Kegan Paul, 1990. p.29-53. Routledge & Kegan Paul, 1987. p.127.

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E S P A Ç O A B E R T O : M a n i f e s t a ç õ e s rápidas, entrevistas, propostas, e x p e r i ê n c i a s , t r a d u ç õ e s , e t c .

EPISTEMOLOGIA E AÇÃO DOCENTE* reunião, de Conselho de Classe, etc. c) em terceiro lugar, de nossas dissertações de
mestrado — por mim orientadas — cujos resultados e análises são confirmados de
forma inequívoca e até fundamentados pelas análises desta pesquisa. A primeira
Fernando Becker** grande constatação foi a de que epistemologia subjacente ao trabalho docente é a
empirista e a de que só em condições especiais o docente afasta-se dela, voltando a
ela assim que a condição especial tiver sido superada. Ao ser instado a conceituar
Esta pesquisa1, exploratória, busca a crítica da epistemologia do professor, "conhecimento", o (a) entrevistado (a) professa uma epistemologia empirista. Ao sentir
epistemologia quase totalmente inconsciente — epistemologia subjacente ao trabalho solapada sua convicção empirista pela pergunta seguinte, apressa-se em buscar uma
docente — e que pode manifestar-se predominantemente apriorista em alguns casos, fundamentação apriorista. Ao retornar ao ambiente didático-pedagógico, o (a) docente
predominantemente empirista noutros, ou, ainda, como uma mistura mais ou menos retoma suas convicções empiristas. Procura-se, então, desautorizar, sistematicamente,
equilibrada destas duas posições. Esta pesquisa reveste-se de importância na medida o paradigma empirista: o docente toma a apelar para pressupostos epistemológicos
em que a superação da escola atual, na direção de uma escola verdadeiramente aprioristas. Ao proporem-se questões de aprendizagem e desenvolvimento de crianças
democrática, implicará, necessariamente, esta crítica. A matéria prima desta análise foi de meios sociais diferentes ou de crianças, filhos de pais débeis mentais, o (a)
obtida: a) primeiramente, mediante entrevista com 39 professores de todos os niveis de professor(a) volta novamente ao empirismo, embora, em alguns casos, tentando
ensino, homens e mulheres, com idades que variam de 19 a 53 anos, com tempo de refazer este paradigma epistemológico. Só ensaia, quando o faz, uma postura
magistério que varia de três meses a 34 anos, trabalhadores das mais diferentes construtivista ao se defrontar corn sua prática pedagógica. Uma postura docente
disciplinas, de diferentes áreas do conhecimento, lecionando em pré-escola, primeiro democrática é incompatível corn a permanência de posturas epistemológicas empirista
ou segundo grau, universidades — inclusive pós-graduação —, lecionando em escola ou apriorista, isto é, de epistemologias ingênuas.
pública ou particular — confessional ou não —, para clientela do meio urbano,
proveniente de todas as classes sociais; b) em segundo lugar, pela observação de Note-se que não estou afirmando que a mera superação destas epistemologias fixistas
salas de aula de alguns destes professores e de alguns outros não entrevistados; de gera, por si mesma, a postura democrática. Afirmo, sim, que esta superação deve ser
encarada como uma condição prévia da postura democrática, no sistema educacional,
em geral, mas, particularmente na sala de aula.

Introdução
* Este texto foi extraído, com adaptações, do seguinte relatório de pesquisa: BECKER,
Fernando. Epistemologia subjacente ao trabalho docente. Porto Alegre: PPGEdu/FACED/
UFRGS, 1992.387p.(Apoio INEP). Esta pesquisa acaba de ser publicada pela Editora Vozes, Sob o ponto de vista das relações pedagógicas que se constituem na prática de cada
com autorização do INEP, sob o titulo: A Epistemologia do Professor. Colaboraram nesta sala de aula, podemos dizer que um movimento de polarização "espontâneo", aí
pesquisa: Tânia Ramos Fortuna; Paulo Francisco Slomp; Leni Vieira Dornelles; Carla Rosana verificado, tende a valorizar ou (a) o professor, ou (b) o aluno, ou (c) as relações entre
Silva Casagrande; Vera Terezinha de Matos; Tania Beatriz Iwaszko Marques. Esta análise professor e aluno. Esta polarização, diga-se de passagem, é conseqüência e não
dirige-se ao discurso pedagógico, em geral, não devendo e não podendo ser interpretada, em causa do processo escolar. É a partir do fenômeno da polarização que tentamos
momento algum, como fazendo apelo à categorias que visassem a atingir áreas de
buscar algumas causas, mais próximas ou mais remotas. Por que isto? Porque este
conhecimento específicas, grupos de docentes, professores individualmente, etc, etc. leitor.
Em síntese, as análises que se seguem visam atingir o discurso pedagógico como totalidade, fenômeno, a nosso ver, denuncia determinadas concepções pedagógicas que,
sob o ponto de vista da Epistemologia Genética piagetiana. traduzidas didaticamente, fazem avançar, retardar ou até impedir o processo de
" Professor e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação da UFRGS. construção do conhecimento.

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Assim, uma pedagogia centrada no professor tende a valorizar relações hierárquicas várias ciências ("acervo cultural da humanidade"), e a autoridade do saber do profes-
que, em nome da transmissão do conhecimento, acabam por produzir ditadores, por sor; do segundo, resgata-se a experiência de vida, o saber até agora construído e a
um lado, e indivíduos subservientes, anulados em sua capacidade criativa, por outro. capacidade de construir conhecimento que a sala de aula tem por função ativar.
Consideram o sujeito da aprendizagem, em cada novo nível, como tábula rasa. O
Pedagogia do Oprimido (1979), de Paulo Freire, constitui um libelo contundente de Nega-se, por um lado, o saber absoluto atribuído ao professor e o autoritarismo daí
denúncia das produções possíveis deste modelo pedagógico; é a denúncia da derivados; a pretensa incapacidade de o professor influir no aluno e a inutilidade dos
"educação domesticadora". Este modelo encontra apoio, na psicologia, no associa- conhecimentos deste. Por outro lado, nega-se a ignorância absoluta atribuída ao aluno
cionismo, em geral, no behaviorismo e no neo-behaviorismo, de Watson e Skinner, em e a subserviência e a inanição que lhe são cobradas; o autoritarismo do aluno e a
particular. Sua fundamentação epistemológica é fornecida pelo empirismo. pretensa auto-suficiência de seus instrumentos de acesso ao conhecimento.

Uma pedagogia centrada no aluno pretende enfrentar os desmandos autoritários do Nega-se, portanto, o autoritarismo do professor e o autoritarismo do aluno, simulta-
modelo anterior, atribuindo ao aluno qualidades que ele nâo tem, como: domínio do neamente. Trata-se de um modelo pedagógico que, ao contrário do que muitos pen-
conhecimento sistematizado em determinada área, capacidade de abstração sufi- sam, resgata-se a importância dos pólos de relação pedagógica escolar, fazendo-os
ciente, especialmente na área de atuação específica do professor, e volume de crescer em níveis inéditos. Este modelo, traduzido em prática, busca a destruição dos
informações devidamente organizadas, além, é claro, do domínio das didáticas. O fatores que prejudicam ou, até, anulam os pólos da relação, e o resgate da dinâmica
Para onde vão as Pedagogias não-diretivas (1974), de Snyders, mostra o quão própria do conhecimento que faz vislumbrar um crescimento possível, inimaginável
autoritária pode ser uma sala de aula em que vigora tal pedagogia. Celma (1979) é nos modelos (a) e (b). O suporte deste modelo encontra-se na Psicologia Genética de
ainda mais enfático ao denunciar o quanto de autoritarismo pode-se praticar sob uma Piaget, na obra pedagógica de Paulo Freire, em pedagogias de fundamentação marxis-
pedagogia não-diretiva. O suporte deste modelo é dado, na Psicologia, pela obra de ta: na psicologia do desenvolvimento de Vigotsky, em Gramsci, Wallon, etc. Sua
Carl Rogers, pelos mentores da Escola Nova, e, por caminhos mais difíceis de mostrar, fundamentação epistemológica encontra-se no interacionismo de tipo construtivista.
pela psicologia da Gestalt. Apesar das mesclas empiristas, como é o caso de Rogers, Como se vê, são interacionistas ou construtivistas pensadores de origens muito diver-
sua fundamentação epistemológica é dada pelo apriorismo — inatista ou sas.
maturacionista.
Procuraremos, com Piaget, desenvolver, a seguir, as implicações teóricas destes
Uma pedagogia centrada na relação tende a desabsolutizar os pólos da relação envolvimentos epistemológicos, acreditando que o compromisso, mesmo inconsciente,
pedagógica, dialetizando-os. Nenhum dos pólos dispõe de hegemonia prévia. O pro- com determinada epistemologia, redunda em determinação — não a única — na
fessor traz sua bagagem, o aluno também. São bagagens diferenciadas que entram prática pedagógica. Determinação que o delineamento esquemático, quase caricatural,
em relação. Nada, a rigor, pode ser definido previamente devido à infinidade de níveis acima, sugere. Determinação, ainda, que somente será superada por outra
possíveis dessas diferentes bagagens. Se considerarmos a dinâmica própria do epistemologia que seja capaz de criticá-la nos seus fundamentos.
processo de construção do conhecimento (Piaget), os modelos (a) e (b) devem ser
continuamente negados. Mas, como é próprio de um processo de superação aufheben, Nossa hipótese — e várias pesquisas nossas a comprovam — é a de que o ensino
essa negação tem, como reverso, o resgate de qualidade de um e de outro pólo da escolar, em vez de promover, opõe-se à construção do sujeito epistêmico, na medida
relação. em que pratica formas autoritárias deste mesmo ensino. Estas formas depredam as
relações produtoras de conhecimento, depredando, por conseqüência, as condições
Resgata-se, do primeiro, a importância que se dá ao conteúdo, sistematizado pelas prévias da construção do sujeito epistêmico que precisa exercer a autonomia no

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processo para poder ser autônomo no ponto de chegada.
b) Peia observação (freqüência a) de aula, de alguns destes professores e de alguns
Na realidade, a educação constitui um todo indissociável, e não se pode outros não entrevistados; de reunião, Conselho de Classe, etc. Não buscamos
formar personalidades autônomas no domínio moral se por outro lado o correlacionar a entrevista de um professor com suas aulas, isto é, sua prática com suas
indivíduo é submetido a um constrangimento intelectual de tal ordem que representações — o que é altamente desejável e poderia ser feito em alguns casos. A
tenha de se limitara aprender por imposição sem descobrir por si mesmo coleta de dados, porém, não foi feliz neste aspecto.
a verdade: se é passivo intelectualmente, não conseguiria ser livre moral-
mente, reciprocamente, porém, se a sua moral consiste exclusivamente c) Não podemos deixar de fazer menção a algumas de nossas dissertações de
em uma submissão à autoridade adulta, e se os únicos relacionamentos mestrado — por mim orientadas — cujos resultados e análises são confirmados de
sociais que constituem a vida da classe são os que ligam cada aluno forma inequívoca e, até, fundamentados pelas análises da presente pesquisa.
individualmente a um mestre que detém todos os poderes, ele também
não conseguiria ser ativo intelectualmente. (Piaget, 1974, p. 69) Quanto aos graus de ensino, oito docentes trabalham com pré-escola, 11 com primeiro
grau, dois com segundo grau, 19 com terceiro grau, três com pós-graduação (stricto e
Este artigo, baseada em uma pesquisa, eminentemente exploratória, busca a crítica da lato sensu) e um com deficientes; nota-se que o mesmo docente pode trabalhar, ao
epistemologia do professor, epistemologia quase totalmente inconsciente — mesmo tempo, em diferentes graus.
epistemologia subjacente ao trabalho docente —, e que pode manifestar-se
predominantemente apriorista em alguns casos, predominantemente empirista noutros, Quanto à classe social dos destinatários do ensino, nove professores declararam
ou, ainda, como uma mistura mais ou menos equilibrada destas duas posições. trabalhar com classe baixa, 10 com classe média-baixa, 23 com classe média, oito com
classe média alta; na observação informal, no entanto, encontramos alunos de periferia
A superação da escola atual, na direção de uma escola verdadeiramente democrática (classe D) e alunos de classe alta; nos dois casos, em pequena quantidade; nota-se
— escola para todos e competente na transmissão e na produção do conhecimento — que o mesmo docente pode trabalhar, ao mesmo tempo, com classes sociais diferentes.
implicará, necessariamente, esta critica. Não estou afirmando que esta crítica é um Quanto à formação, 28 professores declararam ter curso superior, 10 ter completado o
caminho único, mas, sim, que é um caminho necessário. segundo grau e oito a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e até pós-
doutorado). As disciplinas, nas quais atuam os docentes, não foram rastreadas,
sistematicamente, mas pode-se afirmar que são as mais variadas, constando, entre
A matéria prima desta análise foi obtida: elas, Matemática, Português, História, Geografia, OSPB, Moral e Cívica, Educação
Física, Arquitetura (várias), Direito (várias), Economia e Administração, Engenharia,
a) Mediante entrevista com 39 professores de todos os níveis de ensino, homens e Odontologia, Química, Biologia, Filosofia, Teologia, Psicologia, Currículo por Atividade,
mulheres, com idades que variam de 19 a 53 anos, com tempo de magistério que varia Pré-Escola, etc.
de três meses a 34 anos, trabalhadores das mais diferentes disciplinas, de diferentes
áreas de conhecimento, lecionando em pré-escola, primeiro ou segundo grau, Foram observadas salas de aula em que trabalhavam 12 professoras e três professo-
universidade—inclusive pós-graduação —, lecionando em escola pública ou particular res, com turmas de primeiro e segundo graus e de graduação universitária, nas
— confessional ou não —, para clientela do meio urbano, proveniente de todas as disciplinas de Ciências, Português, Bioquímica, Organização de Empresas, Geografia
classes sociais, predominantemente da classe média; 13 destes professores Humana, etc, em escola pública e particular, envolvendo alunos de classe baixa —
declararam exercer uma segunda profissão e três cursar graduação universitária. inclusive classe D —, de classe média, predominantemente, e, também, de classe

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alta. Foram observados, também, um Conselho de Classe e uma reunião de uma Conhecimento se Adquire pela Prática
turma de oitava série, em colégio público de periferia urbana.
Parece existir uma consciência muito clara da diferenciação das fontes de conhecimen-
É absolutamente importante alertar que análise feita está longe de pretender ser única to:
e exaustiva. Ela mantém-se dentro de um cunho eminentemente exploratório. Tenho a
certeza de que cada leitor poderá fazer uma análise própria deste material, análise que Na verdade existem dois tipos de conhecimento: o conhecimento que vem
poderá ser divergente ou concordante com a minha, mas que, certamente, não será da prática ...e os conhecimentos teóricos que a gente tem aqui no curso.
desprovida de interesse. É, exatamente, por esse motivo que os depoimentos dos
professores foram conservados na sua íntegra após depurados de redundâncias, de A noção de prática, como se vê, está vinculada ao fazer enquanto a de teoria aos
gaguejos, de expressões importantes na fala mas dispensáveis na escrita, etc, etc. Em "conteúdos" que a escola pretende transmitir. Esta dicotomização está amplamente
nome de quem se dispôs a ser entrevistado/observado, ou, em nome de uma análise presente nas concepções epistemológicas do professor. Diz a professora de Educação
que tem ainda muito de precário, eu não poderia selecionar "materiais" que me Física:
parecessem importantes do meu ponto de vista, ignorando que os "materiais" que
seriam rejeitados, nesse caso, poderiam ter interesse sob outros pontos de vista.
É através da prática que se vai adquirindo conhecimento. No dia que eu
tento passar, na sala de aula, alguma coisa através da teoria os alunos
Esta análise pretende apreender o movimento do pensamento de sujeitos particulares
não aprendem... O conhecimento deles está baseado na prática.
quanto às categorias utilizadas na pesquisa Epistemologia Subjacente ao Trabalho
Docente (1992). Trata-se das categorias básicas da epistemologia, particularmente da
E o professor de Educação Física vai mais longe ao eleger esta dicotomia como
epistemologia genética de Jean Piaget: empirismo, apriorismo, interacionismo. Agru-
princípio do planejamento escolar
pamos, num primeiro momento, os depoimentos em tomo de temas (categorias),
independentes do seu aparecimento na dinâmica da entrevista. Procuramos, em
seguida, resgatar este movimento, reintegrando as falas dos docentes na seqüência No começo do ano eu já aviso aos alunos: se vocês tiverem duas aulas
própria das entrevistas; aqui, de apenas uma entrevista. Trata-se de entrevistas em teóricas durante o ano vai ser o máximo. Acho que não tem como a
que os sujeitos, frente às contradições em que se vêem enredados, apelam para prática; é a prática que leva a tudo... A prática é onde eu acredito que as
mudanças de paradigma epistemológico frente à incapacidade de o paradigma em uso crianças aprendem.
dar conta das explicações solicitadas; mudança, na maior parte das vezes,
inconsciente. Em terceiro lugar, entramos em salas de aula para conferir, aí, se a Mas o que é a prática? Outro docente responde: "Se a criança tem o que manusear,
prática docente contradiz ou é coerente com a prática do professor. visualizar, não só ouvir, ela tem a prática.

A professora de Ciências da Computação trabalha, fundamentalmente, com a mesma


concepção:
Empirismo X Apriorismo: a epistemologia do professor
Na nossa área de ciências exatas (a transmissão do conhecimento) tem
Apresentarei apenas três dos mais de 10 temas (categorias) levantados nesta parte da que estar junto com a experiência. O aluno tem que ter um trabalho prático
pesquisa. para concretizar o que tem em aula. Quando os conceitos ficam só na

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teoria da sala de aula, não conseguem aproveitar. Mesmo com uma nitidamente empiristas. Pode-se afirmar que o empirismo é a forma que mais am-
disciplina de enfoque difícil, praticando eles fixam melhor os conceitos. plamente caracteriza a epistemologia do professor. Pode-se dizer, inclusive, que
mesmo os docentes com posições aprioristas — e até inatistas — ou que se aproxi-
A prática não passa de uma estratégia que toma possível a apreensão da teoria; esta mam de uma postura interacionista não conseguem superar totalmente sua episte-
não passa de um conteúdo conceituai, ideal, desvinculado de qualquer prática anterior. mologia empirista. Numa palavra, todos os docentes são, pelo menos em algum grau,
Teoria e prática não são Complementares entre si. Uma depende da outra apenas empiristas. Ela é, também, a postura mais claramente verbalizada; talvez por ser a que
parcialmente. mais se aproxima do senso comum, ou seja, é aquela que é professada aquém de
qualquer questionamento.
O conhecimento aparece, aqui, como tributário de uma fonte externa ao sujeito. A
teoria vem de fora trazida pelo professor; não se questiona sobre a sua origem; ela Caracteriza-se a postura epistemológica empirista por atribuir aos sentidos a fonte de
deve ser transformada em objeto sensível para ser aprendida. A prática é um recurso todo o conhecimento. O conhecimento se dá
sensorial que permite a retenção da teoria pelo sujeito da aprendizagem; não se
interroga a respeito de suas condições prévias. Os questionamentos, se existem, penso que sempre via cinco sentidos, de uma ou outra maneira, ou lendo,
terminam por aí. Trata-se de uma concepção estática, empirista do conhecimento. ou participando, ou atuando, ou desmontando algum objeto, mas de
qualquer maneira, que tenha uma participação ativa do aprendiz junto ao
As relações entre teoria e prática bem denunciam o empirismo predominante nestes fenômeno ou objeto que está estudando.
depoimentos: a prática é vista como um fazer material, mediante o qual retira-se
(abstrai-se) do objeto ou, até certo ponto, da ação a teoria neles contida. A teoria é,
Como se vê, o fato de reconhecer a função da atividade do aprendiz não destrói a
fundamentalmente, algo que está no objeto. Ela é extraída daí pela prática. O aluno
convicção empirista, pois a própria atividade está submetida aos cinco sentidos, à
deve agir (prática de laboratório, p. ex.) para poder, ele mesmo, retirar do objeto a
apreensão (aprendizagem) de algo que vem de fora e que, como tal, determina o
teoria: é o empirismo na sua expressão máxima! A teoria não é vista como o modelo
sujeito. O conhecimento
construído pelo sujeito cognoscente, mediante sua interação com o meio físico e
social. Suas trocas com o meio, através de um processo de abstração apoiada não
se dá à medida que as coisas vão aparecendo e sendo introduzidas por
apenas nas coisas e na ação, mas, sobretudo, na coordenação das ações do sujeito,
nós nas crianças.
leva-o a construir esquemas acomodados e, progressivamente, coordenados entre si
constituindo sistemas, o que constitui a própria teoria. A teoria não é cópia do mundo,
mas modelo construído a nivel subjetivo resultante da troca do sujeito com o mundo. O Conhecimento é perceber a realidade, as formas como se dão as coisas
móvel desta troca é a própria ação do sujeito. É isto que Piaget chamou, mais na realidade; conhecer é perceber principalmente.
recentemente (1977), de processo de abstração reflexiva. Podemos falar, conseqüen-
temente, em conceito empirista de prática e conceito empirista de teoria, em conceito Até esta postura que aparentemente se aproxima do idealismo de Berkeley (esse est
construtivista de prática e conceito construtivista de teoria. percipi) não deixa de ser empirista, pois a realidade é vista, no contexto mais amplo da
entrevista, como o fator externo determinante do conhecimento; este visto como fator
Conhecimento como Acesso Sensorial, Sentido/Percepção/Estímulo subjetivo. O conhecimento

Pouco esforço foi necessário para detectar, nos depoimentos dos docentes, posições é transmitido, sim; através do meio ambiente, família, percepções, tudo.

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A postura empirista revela-se, claramente, no ato de ensinar. A concepção de Conhecimento como Experimentação/Construção/Ato Criativo
aprendizagem, no sentido do behaviorismo de Thorndike, como aquisição de algo
externo ao sujeito dentro da concepção de objeto própria do positivismo caracteriza a Comecemos com uma concepção de conhecimento que oscila entre o inatismo e o
concepção de aprendizagem própria deste empirista: empirismo:

Em termos de primeiras séries, (o conhecimento) é uma coisa muito Como a criança adquiriu (conhecimento) não sei; acho que bastou estar
abstrata; e para se tomar palpável é preciso um ponto de medida; é viva. Acho que olhando o mundo, o ambiente; sofrendo influência das
perceptível quando a criança consegue ler e escrever ou quando repete, coisas ao seu redor começa-se a estabelecer relações com este mundo.
não simplesmente, mas de forma elaborada, com desenhos ou mesmo Traz (ela) todo o relacionamento, as trocas de sua espécie.
falando. O aluno... é como a anilina no papel em branco, que a gente
tinge, passa para o papel. O aluno assimila, elabora, coloca com as Outro docente:
próprias palavras.
A criança já traz parte do conhecimento. Adquire outra parte com o meio
e constrói a partir disto. Na escola ela pode ser trabalhada para 'melhorar
O seguinte depoimento é ainda mais enfático em buscar na explicação associacionista esta carga de conhecimentos.
a elucidação da origem do conhecimento: é uma resposta, uma reação do organismo
a um estímulo ou a situações estimulantes: Ainda na mesma linha:

Acho que existe algo que vem em relação ao conhecimento, mas vai se
Como se opera o conhecimento? O conhecimento se dá pela reação,
aprimorando em relação ao que o meio oferece, que a família, a escola
penso eu, intelectual, no caso da pessoa, através de alguns estímulos, a
oportunizam.
partir de situações estimulantes. Na medida em que a pessoa é
estimulada, ela é perguntada, ela é incitada, ela é questionada, ela é até
obrigada a dar uma resposta. Isso deflagra processos mentais em nível do Neste item encontramos uma epistemologia mais crítica. Apontam os depoimentos
pensamento em que a pessoa vai exercitar operações mentais, cuja para avanços se comparados com os itens anteriores:
natureza não conheço especificamente mas imagino que, a partir de uma
situação estimulante, de uma proposta, de uma pergunta, ou até de uma O bicho eu adestro, é estímulo-resposta. A criança envolve inteligência,
imposição... vai se dar a aquisição do conhecimento, a apreensão de uma pensamento divergente, ela questiona, vai além.
verdade, de um fato.
A professora de pré-escola introduz a noção de experimentação para descrever o que
entende por conhecimento:
Apesar de classificar a resposta como "intelectual" e de reconhecer a existência de
"processos mentais em nível de pensamento em que a pessoa vai exercitar operações Penso que o conhecimento se dá por experimentação, experiência, obser-
mentais", permanece inalterado o fato de que o conhecimento provém do exterior, do vação. Como professora procuro interíerir o mínimo para que a criança
mundo dos estímulos; o conhecimento é a "apreensão de uma verdade", e não a sua toque, mexa, experimente e, para isso, o professor precisa ter um pouco
construção. de sensibilidade para perceber se o aluno está ou não a fim de algo.

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Esta noção de experiência não ultrapassa o senso comum. Restringe-se à prática da de conceber a experiência ou experimentação não como submissão do sujeito a um
criança cuja motivação deve ser respeitada. Embora as afirmações utilizem palavras conjunto de estímulos, mas como ação sobre os objetos e as próprias ações ou
fortes como "transformação", tais palavras são reduzidas a relações mais ou menos coordenações do sujeito seguida, possivelmente, de tomada de consciência. Na
passivas: acepção de Aldous Huxley:

Seria (o conhecimento) uma coisa nova, ou uma transformação de algo já Experiência não é o que se fez. Mas o que se faz com o que se fez.
aprendido, ou estabelecimento de relações; O conhecimento deve ser
abrangente, geral, não devendo ficar numa só linha, sendo afetado por A professora de Arquitetura aproxima-se desta concepção:
várias coisas.
Olha, o conhecimento é o domínio sobre o saber fazer...No outro sentido,
Apesar de a prática pedagógica indicar direções para avançar, as teorizações epis- vejo como aquilo que tu produziste sobre esse saber fazer.
temológicas não conseguem responder a elas:
Está claro, nesta afirmação, que a experiência que produz conhecimento não se
Como professora, meu objetivo é passar o máximo que eu sei para o confunde com o saber fazer, com a prática; mas com a reflexão sobre o saber fazer,
aluno, mas deixando que ele conclua alguma coisa por si. É melhor do sobre a prática. O saber fazer precede o compreender e o fundamenta; o compreender
que ensinar tudo...É até mais criativo, pois a conclusão, a relação é o que supera o saber fazer ao abstrair dele, por abstração reflexiva, as suas razões. Quando
é o mais importante, é o que saiu do aluno. um professor ensina um conteúdo aos seus alunos — transfere um conceito, na
acepção behaviorista —, ele atravessa todo o processo de construção do conheci-
O exemplo do cego é expressivo em questionar a fragilidade das interpretações do mento, obstruindo o processo de abstração reflexiva. Em nome da transmissão do
senso comum. Conhecimento é conhecimento ele impede a construção das estruturas básicas de todo o conhecer, o a
priori de toda a compreensão. É isto que Piaget quer dizer ao afirmar que toda vez que
tentar, por si só, e desvencilhar; é preciso procurar por si só, antes. Tive ensinamos algo à criança, impedimos que ela invente esta e tantas outras coisas.
um aluno cego que eu achei que não conseguiria aprender Geometria
Analítica; eu temia superprotegê-lo e fui rigorosa comigo mesma na sua Sigamos o depoimento crítico do professor universitário de Informática:
avaliação. Mas ele me surpreendeu, pois teve um excelente desempenho;
soube que ele estudava passando para a sua linguagem o conteúdo. O conhecimento menor, para um conhecimento maior vem com a
experimentação. O aluno aprende melhor o que se deu conta. O professor
Esta "passagem" que o cego fazia não pode ser explicada pela epistemologia empirista. não pode dar soluções, precisa deixar lacunas, para que o aluno sinta
Remete-nos ela para a experiência lógico-matemática ou para a abstração reflexiva, na necessidade que algo falta, que desta forma está difícil achar uma solução,
acepção piagetiana, pois a atividade deste cego desenrola-se no plano operatório, não que ele sugira uma idéia, indique o que é mais viável, proponha soluções.
passível de observação no sentido de uma abstração empírica; pseudo-empírica, Há alunos que acompanham, fazem exercícios, sugerem e os que estão
talvez, pois esta faz parte da abstração reflexiva. Mal suspeita esta professora que passivos, aceitando o que o professor propõe, passivamente. Estes não
todos os seus alunos que aprendem fazem como o cego. estão atingindo o conhecimento e sim, recebendo informações sem um
conhecimento de fato... Não adianta, por exemplo, uma aula prática de
Fazemos aparecer, aos poucos, os depoimentos mais críticos. Depoimentos no sentido física com fórmulas, sem vinculara realidade física ao fenômeno... Depois

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que a gente faz a experiência própria, é capaz de apreciar a solução que Em seguida, ao responder "como se passa de um menor para um maior conhecimento",
o outro deu, antes não. É preciso a experiência, o pensar no problema, retoma ao empirismo:
sentir a necessidade, compreender o problema e tentar por
experimentação ter a solução... Ela (a criança) usa basicamente os sentidos dela — a visão, a audição, a
fala...
Ofereço aos leitores destas reflexões, para interpretarem como quiserem, esta jóia de
depoimento de uma professora de segunda série do primeiro grau: Na mesma resposta, porém, reafirma um a priori: o raciocínio. Diz ela:

O professor é um amigo, é uma segunda mãe, que além de transmitir ...a criança tem dificuldade, mas ela tem um raciocínio....
conhecimentos, procura ajudar nas dificuldades... Tu dás o fio e a criança
puxa a meada. O raciocínio é um dado de partida, um fator previamente dado, e não um ponto de
chegada, um produto de construções.

Sua resposta à pergunta, se um animal de laboratório aprenderia o conteúdo da


matéria lecionada por ela, responde: "Não". Mas, a justificativa desta resposta não
Hereditariedade X Meio: a difícil superação reside numa impossibilidade genética, mas no conteúdo:

Depende do conteúdo. Eu posso fazer um esquema de


Acompanhemos as demarches do pensamento da professora de terceira e quarta Skinner...basicamente E-R, não um conhecimento mais aprofundado como
séries do primeiro grau, com graduação e especialização em Supervisão Escolar, com a gente quer dar às crianças. A relação é diferente porque ele (o chipanzé)
dois anos de magistério, com 25 anos de idade, lecionando em escola de periferia não raciocina ou raciocina num nível muito elementar. A gente não
urbana. consegue se comunicar verbalmente com ele. A gente pode, num nível
mais afetivo, digamos, dar uma recompensa por um ato que ele faz, uma
A professora começa afirmando que o recompensa ou um castigo. É através disso que ele vai aprender algumas
coisas básicas, só.
conhecimento é perceber a realidade, as formas como se dão as coisas
na realidade; conhecer é perceber, principalmente.
Poderíamos interpretar assim: o chimpanzé não tem raciocínio, mas ele pode ser
Desta postura empirista que fundamenta a prática do ensino entendido como trans- estimulado ao nível afetivo, como prêmio ou castigo, assim ele aprenderá. Mais
missão, salta para uma postura apriorista negando o ensino-transmissão: transmitir o adiante, toma a falar de níveis de complexidade:
conhecimento
Ele (o aluno) vai ter que fazer de várias formas e de vários níveis...vai-se
é difícil...acho que ninguém pode ensinar ninguém; ...acho que a pessoa prá identificação, depois para a comparação... até conseguir analisar e
aprende praticamente por si...Ensinar, eu chegar e dizer, ela pode decorar, sintetizar (Bloom); só aí é que eu posso verse ele aprendeu ou não aquele
mas ela não conhece aquilo... conhecimento.

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A explicação empirista e o elemento a priori convivem aqui, legitimando-se mutuamen- volta e meia, suplementada pela imposição, que aparece sob variadas formas de
te. No entanto, a ausência de uma teoria capaz de dialetizar estas posturas faz com punição. É neste contexto que faz sentido a afirmação desta professora:
que elas permaneçam justapostas.
Debate mesmo com eles eu não trabalho.
Ao falar das dificuldades de aprendizagem, responsabiliza a falta de motivação do
aluno e aponta, como causa desta, o reforço externo. Retorna ao empirismo, portanto: As dicotomias, aqui, são: "motivação x vontade" e "necessidade x imposição". A
motivação e a necessidade são suplementadas, na prática pedagógica, pela vontade e
Normalmente, quando isso (dificuldade de aprendizagem) acontece, eles pela imposição. Dicotomias não resolvidas pela inexistência de instância teórica capaz
não estão interessados. Eles têm outras coisas na cabeça, outros de superá-las.
interesses, outras motivações. Eles não estão realmente querendo
aprender, não estão sentindo necessidade de aprender aquilo. Então fica Alguém chamou de ventríloquo o discurso pronunciado, mas não assimilado. Quando
difícil. Quando eles querem eles aprendem tudinho, tudinho. a professora fala do papel do professor e do aluno na sala de aula, afirma que

Sigamos o seu pensamento: eles aprendem porque sentem motivação; quando sentem basicamente o autor da aprendizagem é o aluno. O professa basicamente
motivação eles querem, e quando querem, aprendem. Pergunto: e o querer deles vem orienta, incentiva, mostra caminhos..., o professor pode darás condições,
de onde? Diz a professora: quem aprende é o aluno. Ele é que é o centro da sua aprendizagem. O
professor ajuda, mas não pode abrir a cabeça e botar dentro.
Vem da necessidade que eles sen-tem de que isso vai ser útil pra eles. E
principalmente se isso vai trazer uma recompensa imediata. Se eu digo
pra eles que eles vão precisar isso prá quarta ou pra quinta (séries)... Se Toda a fundamentação do porquê da aprendizagem do aluno, da sua motivação, foi
digo assim: quem terminar tudo certinho vai ganhar MB... Aquilo motiva atribuída anteriormente a causas externas, a reforçadores. Agora, ela afirma que é o
eles, eles têm necessidade de fazer para eles se afirmarem. aluno que aprende, o professor apenas ajuda; a causa externa fica, portanto,
desautorizada em nome de algum fator prévio não explicitado.

Retomemos o seu pensamento: o querer deles vem da necessidade e a necessidade Parece-me que, aos poucos, as afirmações aprioristas vão se configurando como
é gerada pela expectativa de um reforço. Temos, aqui, os elementos básicos da noção conveniências de momento que não são, de fato, integradas na reflexão. Ao responder
behaviorista de motivação. A epistemologia que lhe dá sustentação é a empirista. à questão sobre as diferenças de aprendizagem da criança da favela e da classe média
ou alta, e da criança do meio rural em confronto com a do meio urbano, diz ela:
Negar a aula expositiva não significa, necessariamente, a superação do empirismo. A
aula expositiva depende, elas vêm de dois meios diferentes, duas experiências diferentes,
bagagens diferentes...elas vão termais capacidade prá coisas que elas já
não basta porque ele (o aluno) tem que querer aprender. Ele tem que se vivenciaram...a criança do meio rural vai entender, vai saber, vai participar,
esforçar, ele tem que estudar. Fazer as tarefas. já a do meio urbano como não vivenciou aquilo, prá ela vai ser grego.
Depende basicamente da experiência que elas tiveram, que elas vão ter
Tudo isso, claro, é conseguido pela motivação, constituída pelos reforçadores, mas, facilidade para determinado conhecimento.

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Resposta inatacável não fosse o conceito empirista de "experiência", entendido como Não acredito. Acho que é questão de oportunidade, de interesse da
"vivência" de eventos ou situações reforçadoras ou produtoras de motivação, origem criança de querer aprender, sentir necessidade, sentir gosto pelo saber,
da necessidade que leva um aluno a estudar. pelo aprender, buscar mais. Mesmo que exista uma pequena diferença é
muito mais da pessoa. Pode ter pais burros mas se ela tiver outras
A resposta à pergunta: "se uma criança do meio rural vai, desde recém-nascida, para vivências ela vai...
o meio urbano e, vice-versa, uma do meio urbano para o meio rural, as duas quando
crescidas terão a mesma capacidade para aprender?", parece confirmar esta análise. E pais débeis mentais..
Responde ela:
Olha, aí que tá; se a debilidade mental dos pais for passada geneticamente
Essa pergunta é sem-vergonha! Aí que tá! É o meio que ela tá. Se ela foi pros filhos é claro que vai, né. Se o filho não tiver a carga genética
recém-nascida ela vai trazer a carga genética, só. Então vale a mesma atingida, e for colocado no meio de estímulos, de aprimoramento, ela vai
resposta da pergunta antena. conseguir acompanhar qualquer criança e vai até superar. Nada a ver!
...se não afetar a carga genética, se ela for colocada num meio em que
Paradoxalmente, mas coerentemente, dá a entender que a carga genética tem pouca tem estímulos normais como qualquer outra criança...
importância: a vivência ou interiorização de estímulos comanda o espetáculo. Dai a
pergunta: "Qual a importância da carga genética?"
O que a criança faz no dia-a-dia tem influência na sua inteligência?
Olha, geralmente a gente percebe mais a carga genética se o aluno é
deficiente. A questão da inteligência ainda hoje é muito polêmica. Uns A criança, no dia-a-dia, vai estar experienciado, respondendo, vai estar
nascem com mais inteligência, uns desenvolvem mais inteligência. Então, iniciando o seu processo de aprendizagem; acho que isso tem muito a ver
eu fico meio na dúvida a não ser quando a pessoa tem uma deficiência no desenvolvimento da sua inteligência. Acho que inteligência é muito
física, deficiência de aprendizagem, um OI baixo, ou uma deficiência uma questão de desenvolvimento gradativo, diário, evolutivo, com
genética e não de aprendizagem, de meio que ela vive ou de estímulos apropriados; acho que é isso que vai dar um maior
oportunidade que ela teve. desenvolvimento da sua inteligência e conseqüentemente maior
conhecimento, aprimoramento, aprendizagem e é aquela roda que vai
Parece que a hereditariedade não constitui uma variável, mas uma constante que será girando, girando, vai aumentando até chegamos níveis mais avançados.
totalmente determinada pelo meio. Passemos para a próxima pergunta que vai na
mesma direção: "As crianças herdam a inteligência ou a debilidade mental dos pais?"
Delineia-se, pois, de forma inequívoca, a noção empirista de conhecimento. Seu
Responde a professora: crescimento dá-se por complexidade progressiva em função da acumulação
quantitativa.
Se ela nasce de pais inteligentes, mas não for estimulada acho que ela
não vai ser mais inteligente. A pergunta que segue traz à tona uma resposta que confirma a direção de nossa
análise: "Filhotes de macacos criados em ambiente humano, como crianças pequenas,
A capacidade genética não faz diferença? aprendem a falar?"

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O macaco não fala porque sobre estas concepções precárias das relações entre hereditariedade e meio é a
condição básica da superação destes dogmas que tanto nos afastam da identidade
não tem cordas vocais apropriadas da fala. Também o Ql dos macacos, própria do ser humano e, portanto, da compreensão do seu processo de conhecimento
eu não sei se ele consegue, através de estímulos apropriados, desen- e da sua aprendizagem. A professora caminha no sentido de romper com estas
volver o mesmo potencial que uma criança. A gente sabe que ele não tem concepções; sua hesitação é expressão deste desequilíbrio em que se encontra. Diz
cordas vocais... ela:

E por que a criança aprendeu a falar? Acho que essa aí, eu vou ficar meio no ar. A diferença deve-se, basica-
mente, aos estímulos, ao meio, ao modo pelo qual elas são estimuladas.
Porque ela ouve fala; a mãe diz 'mama', 'papá'. Então, é o estímulo que Tenho que estudar mais, não sei realmente te responder. Basicamente o
ela recebe... que vai desenvolvendo... é o desenvolvimento, aparelho fonador e as experiências a que cada um é submetido. E a carga
experienciação, desenvolvimento, e assim vai. genética do macaco que eu não sei, agora, como fica essa relação. Por
que o homem tem um gen... Eu não estudei Zoologia, Biologia; então, eu
Mas o macaco também tem aparelho fonador...? não sei te dar como eu vejo. Prá mim fica uma interrogação.

Não sei te respondera esta pergunta. Quem sabe tu adota um chipanzé e Este desequilíbrio vivido por ela postula estudo teórico e muita reflexão para sua
a gente conversa... (risos). superação, pois o dogma behaviorista da hegemonia do estímulo não será superado a
não ser como forte base teórica.
Qual então a diferença entre o recém-nascido chipanzé e a recém-nascida criança?
Resta saber se a sociedade ou, mais especificamente, o sistema educacional dará
Tá aí uma coisa interessante, dizem que o homem descende dos condições a esta professora de superar as amarras que a prendem ao senso comum,
macacos, mas seria interessante ver qual é a carga genética do homem e à concepção associacionista de aprendizagem e de conhecimento. Para lembrar
do macaco; se eles forem submetidos ao mesmo estimulo, eles vão Bachelard:
conseguir prá mim até hoje esse negócio de o animal não falar seria pelas
cordas vocais; ele não consegue... A ciência supera infinitamente o senso comum.

Como se vê, esta professora chega ao ponto de afirmar a indiferenciação, no que A pesquisa analisou deste modo mais quatro casos. Impressiona como discursos tão
concerne ao conhecimento, da bagagem hereditária do homem e do macaco; o que diferentes aproximam-se epistemologicamente. Os mais diferentes caminhos e a
diferencia é o estímulo. É a expressão máxima do empirismo. O macaco deve ter um mesma epistemologia! Entremos em sala de aula para ver se estas concepções
raciocínio, como diz ela no início da entrevista, e, fica claro, agora, que ele não epistemológicas são confirmadas na prática pedagógica.
consegue expressá-lo por falta de cordas vocais — reside aí a diferenciação do
macaco, com relação ao ser humano, em termos de hereditariedade.
Olhando a Sala de Aula: empirismo x construtivismo
O que surpreende, no entanto, é que basta uma entrevista de uma hora de duração
para que estes dogmas do senso comum sejam colocados na berlinda. A reflexão Esta parte da pesquisa visa complementar a investigação da epistemologia do profes-

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sor pela freqüência a algumas aulas de alguns docentes entrevistados, e de alguns não o ditado, copiar da lousa e conferir se o ditado e a cópia estão corretos.
entrevistados, e pela observação de eventuais outras atividades importantes da escola.
O desafio à inteligência destas crianças é quase nulo. Sua capacidade ativa e cognitiva
A) Observação, feita por Fernando Becker, da aula de Ciências, da quinta série, turma é subestimada, reduzida a níveis de quase debilidade mental. Suas atividades ou
com 30 alunos, em escola de periferia urbana. verbalizações espontâneas são consideradas "bagunça". Nesta aula nada se cria, tudo
se copia. Considera-se, inclusive, que a criança não sabe ir ao banheiro.
A professora enche o quadro negro de informações redigidas em boa linguagem,
copiada da cartilha: massa de ar quente: "frentes frias e frentes quentes; outros fatores O comportamento, porém, mantém-se sob controle; a professora ironiza o espreguiçar
importantes para a previsão do tempo: umidade; temperatura e pressão atmosférica". da aluna, organiza "comboios" para ir ao banheiro, ameaça com o guarda, perambula
Os alunos copiam, meio irrequietos. As poucas conversas giram em tomo de dúvidas por entre os alunos insistindo na correção gramatical das cópias, investigando o motivo
na leitura do quadro; a professora pergunta: "Qual o motivo da conversa?" Uma aluna de conversas.
que terminou recosta a cabeça de lado, na parede, olhar perdido. A professora senta à
espera do fim dos trabalhos de cópias; perambula pela sala, conferindo, junta um lápis Somente uma epistemologia empirista pode servir de inspiração para uma didática tão
aqui, responde uma dúvida de cópia ali. Queixa-se de não ter laboratório, nem sequer perversa. A professora, cheia de boas intenções, demonstra uma consciência quase
uma pia na sala de aula. Conta a aula em que saiu para a rua para estudar o "ciclo da nula desta situação. É ela o "recurso humano" certo para esta pedagogia, para a
água", para es-tudar as nuvens; "eles são alunos de sala de aula; quando saem, muda pedagogia da reprodução.
o coreto, dá bagunça", justifica. Ela falava e os alunos anotavam; depois apresentaram
"relatório". Qualquer conversa e a professora interpela: "Para quê essa conversa?" B) Observação, feita por Paulo Slomp, da aula de Organização de Empresas, do Cur-
"Vocês sabem o significado da palavra denso?" Dá como significado: "pesado = so de Processamento de dados, na Escola Técnica de Comércio (anexa a uma
denso". Daí lê a frase do quadro: "ar frio é mais denso; o ar frio é mais pesado". A universidade federal).
diferença de tempo entre o aluno que copia mais rápido e o mais lento é de 28min. Os
que terminam ficam sem fazer nada. Faltam 7min. para terminar a aula: vai à fila de O professor inicia a aula dizendo: "Vou re-capitular o conteúdo, comentando cada um
carteiras junto à parede da porta e diz: "Quem, desta fila quer ir ao banheiro?" De dos subitens" (a partir de um esquema que apresenta na lousa). Sobre a questão de
quatro, três se le-vantam; dá a ficha para um e diz: "Vai o comboio junto"; passa assim "Hierarquia e autoridade" diz que "é preciso fazer cumprir as regras e regulamentos" e
por todas as filas e diz: 'Voltam todos juntos: se o guarda pegar eu não vou buscar". dá como exemplo a Constituição Federal. "As regras têm que ser escritas e quem sai
Debocha do "cansaço" (tédio?) de uma aluna: "Tu deves trabalhar muito? Tu trabalhas fora das regras é preciso aplicar penas, corrigir desvio de rota".
até meia-noite?"
A sala possui janelas altas, pequenas, tipo basculante; é pintada de cor cinza, tem No ponto sobre "Qualificação técnica e indicação por mérito", fala que "a pessoa não
quadro verde, luzes fluorescentes acesas (enquanto lá fora há um claro sol de inverno); pode se deixar conduzir por impulsos" e dá o exemplo do chefe que promove para os
pelas paredes distribuem-se algumas pinturas em papel tamanho ofício. melhores cargos os funcionários com quem ele simpatiza e não aqueles que têm
capacidade técnica e mérito. Fala sobre "Ql" (Quem Indica: deputados, senadores,
Uma hora-aula dura 50 minutos. Cinco minutos são gastos até o início dos trabalhos. etc). Há cochichos entre os alunos.
Durante meia hora a professora dita ou copia a cartilha na lousa, o que deve ser feita
pelos alunos nos seus cadernos de cópia. Durante os 15 minutos restantes ela confere Recapitulado o ponto três, avisa que na aula de hoje será tratado o ponto quatro. Sobre
os cadernos dos alunos e administra a ida ao banheiro. A aula resume-se em reproduzir "Racionalização e divisão do trabalho" diz que "Racionalização" é "não desperdiçar",

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etc. Sobre "divisão do trabalho" diz que cada um tem que fazer o seu e quem for fazer eles, os alunos, estão no periodo de qualificação para o trabalho, assistindo aula.
a divisão do trabalho tem que conhecer todas as tarefas, do início ao fim. Quando começarem a trabalhar vão ganhar dinheiro e com dinheiro poderão ir viajar
para o exterior, ter casa na praia, etc. Mais adiante, depois de falar sobre uma questão,
advertiu: "Isso pode cair na prova, heim!". Bate com a caixa de giz na mesa para pedir
Sobre "Ritmo, tempos e movimentos" dá o exemplo do "tempo que demora para ir da silêncio.
escola até a rua 7 de Setembro". Uma aluna diz que demora 15 minutos. Outro diz que
leva 10 minutos. Ele diz que o tempo para executar uma tarefa numa empresa também Sobre "Introduzir máquinas nas tarefas repetitivas, que podem ser feitas mecanica-
é assim: existe um tempo otimista (10min), um pessimista (20min) e o mais provável mente, diz: "Uma desvantagem é que a máquina pode gerar desemprego. Mas máquina
(15min). também tem vantagem: máquina não faz greve, não tem licença maternidade, férias,
décimo-terceiro, FGTS, vale-refeição, vale-transporte. Ela pode substituir o homem,
Usa a palavra Lay-out e uma aluna pergunta o que significa. Ele responde que é a com vantagens".
disposição dos móveis num escritório, numa casa, numa sala de aula. E conclui afir-
mando que "isso também é um estudo científico". c) Dita aos aluno: "Unidade de comando não significa que o chefe decide sozinho e
impõe sua decisão para que todos a cumpram. Quer dizer que o chefe escuta a todos
Sobre "Unidade de comando e direção" menciona que "não pode haver mais de um os participantes da organização, discute os diversos pontos de vista com seus auxiliares
chefe". Se alguém tem que obedecer ao chefe A e ao chefe B e os dois dão ordens e só depois, levando em consideração o parecer de todos, toma a decisão final".
diferentes, existe então duplicidade de co-mando. "A pessoa não sabe quem vai dirigir
seus passos, suas ações". d) Continua ditando: "Não significa que as decisões são centralizadas numa única
pessoa. Pode descentralizar desde que todos tenham em mente os mesmos objetivos
Sobre "Centralização e descentralização" ele fala que: "centraliza-se a coordenação e e trabalhem para alcançá-los. A centralização consiste em reduzir ao mínimo os
o controle e descentraliza-se as tarefas, a execução". Dá o exemplo da própria aula: centros de decisões, possivelmente a um só, localizado na direção geral. A
"Eu fiz o cronograma de todo o semestre e então posso avaliar se tenho que acelerar descentralização consiste em colocar os centros de decisões próximos aos orgãos de
ou se posso me demorar mais". "Alguma dúvida?", pergunta. Sintomaticamente, nin- execução para que as decisões sejam mais rápidas e dêem à organização maior
guém responde. "Vamos escrever, então". eficiência. Observação: manter centralizada a coordenação e controle, e
descentralizada a execução das tarefas".
Passou a ditar um texto onde os subitens do ponto quatro eram explicados, reprodu-
zindo mais ou menos o que ele já havia falado. Está no final da aula e ele começa a fazer a chamada. Todos conversam. Ele pede
silêncio por duas vezes. Após a chamada, anuncia que a prova será na próxima aula.
a) "Racionalização é produzir mais e melhor, com custos de produção mais baixos, Os alunos ficaram surpresos: "Ôpa! O quê?"
etc*
Penso que, dado o relato desta aula, devemos proceder, preferencialmente, a uma
b) "Estabelecer a seqüência das ações", etc. análise da ideologia subjacente ao trabalho docente, relegando para segundo plano a
análise da epistemologia subjacente, embora seja estreita a relação entre ambas, pois
Nesta altura, surgiu o assunto de ganhar na loteria. O professor fala em "viagem para sua epistemologia é nitidamente empirista. A carga ideológica, inerente ao "conteúdo"
a Europa, casa na praia, carro do ano", e que para ter isso é preciso trabalhar. Mas ensinado pelo professor, ultrapassa em muito o que comumente alertamos a respeito.

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.58. abr./jun. 1993


Ele nem sequer menciona este fato. Parece que não só o ignora mas, até, o assume falar sobre "introduzir máquinas nas tarefas repetitivas, que podem ser feitas
como parte integrante da matéria a ensinar e na qual acredita sem restrições, mecanicamente", mostra o que pensa a respeito do trabalhador, dizendo: "Uma desvan-
"religiosamente". tagem é que a máquina pode gerar desemprego. Mas máquina também tem vantagem:
máquina não faz greve, não tem licença maternidade, férias, décimo-terceiro, FGTS,
Sobre "Hierarquia e autoridade" diz o professor que "é preciso fazer cumprir as regras vale-refeição, vale-transporte. Ela pode substituir o homem, corn vantagens". Só não
e regulamentos" sem perguntar pela natureza destas regras, por quem as confeccionou diz de quem serão as vantagens.
e com que finalidade as constituiu; e equiparando-as com a Constituição Federal,
afirma: "As regras têm que ser escritas, e quem sai fora das regras é preciso aplicar A conversa que se segue bem revela em que universo imaginário estamos. Na
penas, corrigir desvio de rota". Sobre "Qualificação técnica e indicação por mérito", diz conversa sobre "ganhar na loteria", o professor fala em "viagens para a Europa, casa
que "a pessoa não pode se deixar conduzir por impulsos, e dá o exemplo do chefe que na praia, carro do ano, e que para ter isso é preciso trabalhar. Mas os alunos estão,
promove para os melhores cargos os funcionários com quem ele simpatiza e não ainda, no período de qualificação para o trabalho, assistindo aula. Quando começarem
aqueles que têm capacidade técnica e mérito. "Capacidade técnica" e "mérito" são a trabalhar vão ganhar dinheiro e com dinheiro poderão ir viajar para o exterior, ter casa
termos ideologicamente carregados, mas não são alvos de um questionamento sequer. na praia, etc". O mito de que trabalhando ganharão muito dinheiro está presente de
forma totalmente inconsciente na sua fala. A avaliação é tida como forma de coação
Referindo-se à "Divisão do trabalho", diz que "cada um tem que fazer o seu" e apenas para que se estude — isto é, se reproduza — o que o professor quer "Isso pode cair
quem for fazer a divisão do trabalho tem que conhecer todas as tarefas, do início ao na prova, heim!". Neste contexto ideológico, faz sentido que, para obter silêncio para a
fim. A "divisão do trabalho", responsável por tanto empobrecimento humano, sequer é sua fala, bata com a caixa de giz na mesa.
questionada. Sobre "Centralização e descentralização", afirma: "centralizam-se a
coordenação e o controle e descentralizam-se as tarefas, a execução". A divisão do No final, anuncia, de surpresa, que a prova será na próxima aula. Os alunos reagem:
trabalho intelectual e do trabalho braçal, subjacente à centralização-descentralização, "Ôpa! O quê?" Os alunos não sabiam que no planejamento da disciplina estava
que serve de justificativa para o afastamento do trabalhador da formação intelectual prevista uma avaliação formal para a próxima aula. Este elemento "supresa" visa a
não merece sequer uma pausa para reflexão. E exemplifica com a programação quê? Qual é sua função pedagógica, sua função educativa? Como um aluno pode
centralizada da sua disciplina: "Eu fiz o cronograma de todo o semestre e então posso organizar seu estudo se o futuro escolar é uma caixa de surpresa que só o professor
avaliar se tenho que acelerar ou se posso me demorar mais. Parece que nunca ouviu conhece? E esta caixa de surpresa, como se viu, faz parte do planejamento, mas de
falar em planejamento participativo. Depois não sabe porque seus alunos não forma nenhuma é explicitada.
participam! Diz que "não pode haver mais de um chefe" ao referir-se à "Unidade de
comando e direção", pressupondo, claro, que a unidade de poder viabiliza o controle C) Observação, feita por Paulo Slomp, da aula de Geografia Humana, ministrada para
absoluto do trabalhador; mas ele não questiona a respeito. Idealmente, a justificativa o curso noturno de História, de uma Faculdade da rede privada de ensino; turma com,
que usa para tal argumento é impecável: "Se alguém tem que obedecer ao chefe A e aproximadamente, 30 alunos.
ao chefe B, e os dois dão ordens diferentes, existe, então, duplicidade de comando" e
"a pessoa não sabe quem vai dirigir seus passos, suas ações". O professor escreve no quadro-negro:

Afirma que "Racionalização é produzir mais e melhor, com custos de produção mais Dinâmica do Capital
baixos, etc", mas não diz a que custo e de onde vem o rebaixamento do custo da
produção. Convenientemente, não fala de salários. Também nâo fala de mais-valia. Ao 1) Formação e reprodução do capital

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2) Criação e apropriação de excedente aula e, por várias vezes, discordou do professor. A discussão foi tomando um caráter
pessoal: a aluna tentando "defender" o marido que o professor utilizava como exemplo,
Quem cria o excedente? para explicar a lógica do capitalismo e a ação do capitalista apropriando-se do
excedente.
Maneiras de transferir o excedente às classes dirigentes:
•- empréstimos: inflação; Um aluno pergunta se a especulação financeira acontece só no Brasil. O professor se
— incentivos fiscais; vê obrigado a ampliar o âmbito de seu pensamento e dizer que não é só no Brasil. Há
— investimentos estatais em áreas pouco produtivas; um entra-e-sai de alunos na sala. O professor grita: "Quem produz mais que o
— variação dos preços relativos. necessário para sua própria reprodução?" Em seguida, ele mesmo responde: "É o
assalariado!".
3) Concentração do capital
Entra um aluno do Diretório Acadêmico e anuncia que no próximo fim-de-semana
4) Internacionalização do capital haverá uma promoção para integrar os alunos entre si e com os professores. Vai ter
almoço (NCz$ 15,00), futebol, vôlei, música, poesia, exposição de trabalhos artísticos
Depois de escrever, iniciou a chamada. Ele sabia o nome de vários alunos. Às vezes de alunos, etc. (Isto soou um pouco estranho porque geralmente é o Diretório que
os alunos respondiam que Fulano "ainda não chegou", como forma de dizer que Fulano pretende politizar os alunos. A situação estava invertida: o professor dando uma aula
provavelmente viria à aula. politizada e o aluno do Diretório dando um aviso totalmente despolitizado sobre uma
promoção para integrar os alunos dessa instituição).
Inicia sua fala dizendo que é preciso entender a dinâmica do capital para poder
entender o funcionamento da sociedade nos seus mais variados aspectos, inclusive, a Um aluno pergunta sobre a produção através de robôs, no Japão. O professor explica
Geografia, o espaço. "isso evita cumprir de maneira ingênua o nosso papel". Duas alunas conversam em
voz alta. Depois, baixam a voz e uma diz: "Não tô entendendo bem", referindo-se ao
Os tópicos 1 e 2 foram vistos na aula passada e o professor começa a recapitulá-los. conteúdo da aula. Um aluno pergunta sobre um pequeno agricultor onde só a familia
Um aluno pergunta o que é "D". Ele explica. Diz que "poupança é o não-consumo" e cita trabalha na terra: é capitalista? O professor responde.
o exemplo de alguém que quer abrir uma creche e outro quer receber um terreno de
herança. (Havia 24 alunos na sala). Ele fala da dupla exploração da mulher e também dos menores. Em algumas situações
o professor gritava uma frase no meio da sua fala. Interrompeu uma aluna que
O professor fala na especulação financeira existente no pais. Faz a seguinte pergunta: começava a falar, pedindo "um minutinho", e terminou o que queria falar. A aluna não
"Como o capital se multiplica?" Ninguém responde e ele segue falando. Pergunta voltou a se manifestar.
várias vezes: "Quem cria o excedente?", e ninguém responde. Menciona o papel do
protestantismo no desenvolvimento do capitalismo. Uma aluna fala em "mais-valia"; ele Aconteceu, outras vezes, que alguém levantava o braço para pedir a palavra e o
aproveita e segue falando sobre isso. À essa mesma aluna, o professor pergunta se ela professor continuava falando. O aluno baixava o braço, mas depois não voltava a pedir
trabalha. Ela diz que ajuda o marido, proprietário de um depósito de coca-cola. O a palavra.
professor, daí por diante, usa o exemplo do marido da aluna como capitalista e seus
empregados como trabalhadores explorados. A aluna viu-se envolvida no conteúdo da Ao contrário do professor anterior, este docente entende o conhecimento como instância

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capaz de se distanciar de qualquer realidade e de negar compromisso com ela. A teoria neste plano didático-pedagógico: a crítica epistemológica. O professor trabalha com o
pode ser esta instância; ela "é necessária à crítica". Assim, uma teoria capaz de conhecimento e não fundamenta criticamente a "matéria prima" do seu trabalho. É
"entender a dinâmica do capital", será capaz de entender o "funcionamento da "sujeito" de uma epistemologia inconsciente, e, com alta probabilidade, de uma
sociedade em todos os seus aspectos". Este entendimento é "condição de superação epistemologia que não gostaria e não admitiria ser a sua.
da ingenuidade".
Está aí a condição da coerência do professor, com o que pensa e com o que faz; com
Daí as perguntas que visam a produzir um efeito didático para levar o aluno a refletir a a teoria e com a prática. Uma prática não se transforma sem teoria (crítica) e uma teoria
realidade da dinâmica do capital e a pensar em temas como o da "especulação que não impregna a prática corre o perigo de tornar-se estéril. O seu exercício didático-
financeira no país". Perguntas como "Quem cria o excedente?", "Como o capital se pedagógico carece, num primeiro momento, de uma fundamentação teórico-
multiplica?", "Quem produz mais que o necessário para sua própria reprodução?", epistemológica consistente; num segundo momento, de uma reconstrução de sua
pretendem desafiar o aluno na direção desse objetivo. Ao contrário da aula anterior, o prática à luz desta fundamentação.
assalariado assume papel central na dinâmica da produção capitalista.
A nosso ver, esta dinâmica da reconstrução complementar da teoria e da prática é
É neste contexto que faz sentido assumir a pergunta da aluna sobre "mais-valia", falar necessária para que esta sala de aula rompa com a inanição, herdada do senso
sobre o "papel do protestantismo no desenvolvimento do capitalismo" e, até, desajei- comum acadêmico, que não deixa que ela se encaminhe na direção da dinâmica
tadamente, tomar o proprietário do depósito de coca-cola — marido de uma aluna — própria da construção do conhecimento; que é, no fundo, a dinâmica própria da vida.
como exemplo de capitalista, e seus empregados como exemplos de explorados. Faz
sentido, também, falar da exploração da mulher e de menores. Perde o sentido e cai no
ridículo o representante dos alunos que irrompe na sala de aula para falar em festinha Conclusão
de integração de professores e alunos, como se as diferenças econômico-sociais entre
as pessoas pudessem ser anuladas pela prática conjunta de esportes e por um almoço Foi perseguindo o movimento do pensamento dos entrevistados e apreendendo suas
"comunitário", por mais importância que possam ter tais eventos. ações na prática de sala de aula que encontramos certas constantes. São estas que
pretendemos explorar, aqui, a fim de apontar as direções para onde nos conduziu esta
Entretanto, há sinais de que a postura pedagógica do professor e dos alunos e o pesquisa e os pontos para onde ela nos trouxe.
exercício didático do professor não acompanham o teor crítico desta aula. A solida-
riedade dos alunos para com colegas retardatários ou faltosos, os gritos esporádicos A primeira grande constatação que se delineou, desde as primeiras análises, mas que
do professor, a inibição do exercício da palavra dos alunos, provocada pelo exercício precisou, para chegar onde chegou, de demoradas leituras e releituras das entrevistas
da palavra do docente, mostram que a crítica construída em nível do conteúdo curri- dos docentes e dos protocolos de observações de sala de aula e de reuniões, foi a de
cular não aconteceu ainda em nível das relações intraclasse. Podemos acrescentar: que a epistemologia subjacente ao trabalho docente é a empirista e a de que só em
nem acontecerá se esta crítica não for exercida diretamente sobre os procedimentos condições especiais o docente afasta-se dela, voltando a ela assim que a condição
didático-pedagógicos, de professor e de alunos. especial tiver sido superada.

Nossa hipótese é a de que a transformação da postura pedagógica implica uma Ao ser instado a conceituar "conhecimento" (primeiras perguntas), o (a) entrevistado(a)
instância crítica que não se confunde com a crítica eventualmente inerente ao conteúdo professa uma epistemologia empirista. Ao sentir solapada sua convicção empirista
curricular. A crítica a esta postura passa por outra mediação sem a qual nada se fará pela pergunta seguinte, apressa-se em buscar uma fundamentação apriorista. Ao

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retomar ao ambiente didático-pedagógico (questões seguintes), o (a) docente retoma aluno de primeiras séries decora a tabuada: ele age sobre a tabuada a fim de
suas convicções empiristas. Procura-se, então, desautorizar sistematicamente interiorizá-la tal e qual e não a fim de transformá-la. Ela não é "vista" como transfor-
(perguntas posteriores) o paradigma empirista: o docente torna a apelar para mável; ela simplesmente é. A verdade está no que ela é, e não na sua transformação.
pressupostos epistemológicos aprioristas. Ao se proporem questões de aprendizagem É por isso que discursos sobre pedagogias ativas podem estar saturados de equívocos
e desenvolvimento de crianças de meios sociais diferentes (uma questão) ou de e ambigüidades. Podem ser enganosos.
crianças, filhos de pais débeis mentais (outra questão), o (a) professor(a) volta
novamente ao empirismo, embora, em alguns casos, com insegurança e com tentativas Uma postura docente democrática é incompatível com a permanência de posturas
de refazer este paradigma epistemológico. Só adota, quando o faz, o modelo epistemológicas empirista ou apriorista. Note-se que não estou afirmando que a mera
construtivista ao se defrontar com sua prática pedagógica. superação destas epistemologias fixistas gera, por si mesma, a postura democrática;
afirmo, sim, que esta superação deva ser encarada como uma condição prévia da
Isto sugere um caminho didático para a formação de professores: refletir, primeira- postura democrática. A proposta educacional democrática implica, pois, a superação
mente, sobre a prática pedagógica da qual o docente é sujeito. Apenas, então, de tais modelos epistemológicos. Superação no sentido de que o conhecimento é uma
apropriar-se de teoria capaz de desmontar a prática conservadora e apontar para as construção que acontece na interação do organismo com o meio ambiente, do sujeito
construções futuras. Em geral, a formação de professores segue o caminho (currículo) com o objeto, do indivíduo com a sociedade. Esta interação construtiva constitui o
inverso: apropriar-se da teoria e, em seguida, impô-la à prática, através de receituários pressuposto do discurso e da prática de relações democráticas na escola. Sem esta
didáticos, independentemente de sua pertinência a esta mesma prática. interação construtiva radical não há superação do autoritarismo, antidemocrático na
própria essência.
Duas questões, relacionadas entre si, chamaram-nos especial atenção, sobretudo,
pela dificuldade de desvendá-las. A concepção de experiência e a função da ação. Numa palavra, como pode um educador ser plenamente político se sua prática
pedagógica está fundada em epistemologias ingênuas?
A "experiência" é amplamente entendida como "vivência". Isto significa que experiência
não é entendida como ação — e abstração reflexionante a partir desta ação — mas Referências Bibliográficas
como ação de submissão a um estímulo até o ponto em que este estímulo "cole", adira
na mente; o que se faz pela repetição. "Vivência" significa, portanto, submissão ao BECKER, Fernando. Epistemologia subjacente ao trabalho docente. Porto Alegre:
meio, ao mundo do objeto, ao estímulo, e não a sua transformação. O sujeito reproduz, UFRGS, FACED, 1992.
pela experiência, o meio; não o transforma. "Vivência" é esta sensação interna de que
o objeto penetrou a subjetividade, submetendo-a: é como se o sujeito tivesse perdido BECKER, Fernando. Da ação à operação: o caminho da aprendizagem; J. Piaget e P.
algo de si e tivesse se transformado um pouco mais em objeto. Em vez de um processo Freire. Porto Alegre: Palmarinca, 1993.
com desdobramentos correlativos no sentido da subjetividade e da objetividade, apenas
reificação. Em vez de crescimento correlativo no sentido do sujeito e do objeto, apenas BECKER, Fernando. Saber ou ignorância: Piaget e a questão do conhecimento na
"coisificação". O empirismo traz em si o dualismo, a irredutibilidade dos pólos subjetivo escola pública. Psicologia-USP, São Paulo, v.1, n.1, p.77-87, jan./jun. 1990.
e objetivo.
BECKER, Fernando. Saber ou ignorância: Piaget e a questão do conhecimento na
E a ação, como entra nessa história? Para que o objeto penetre a subjetividade, é escola pública. ln: COLETÂNEA de textos de psicologia, São Paulo, HEM/CEPAM,
preciso que este sujeito aja no sentido de receber este objeto. Isto acontece quando um SEC, 1990. v . 1 , p.167-193.

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MENINA/MULHER: o currículo enquanto travessia social da/na escola* O percurso escolar das meninas, cujo ponto de partida é o Jardim de Infância aos
quatro anos de idade tem como ponto de chegada, nesta escola, a finalização do
primeiro segmento do 12 grau, pode ou não ter sua rota aumentada através de um rito
de passagem: a seleção de alunas que cursarão de 5ª a 8ª série num outro colégio —
Márcia Souto Maior M. S á " local onde supostamente nasce a carreira profissional de alunas.

A fim de compreender a cosmologia de significados presentes na escola foi necessário


O presente artigo tem sua origem numa pesquisa antropológica em educação (Sá, tecer uma malha teórica que desse sustentação ao difícil equilíbrio entre o
1991). Versa sobre a socialização de crianças numa escola religiosa católica que empiricamente visível e constatável e a dimensão invisível do código social. Tal
atende a uma clientela feminina proveniente das camadas populares. Está organizado tessitura teórica, costurando os fios de pensamento de diversos autores — Berger e
em quatro momentos: o ethos escolar; a gramática da socialização; a trajetória Luckman (1985), Foucault (1987), Ariès (1973) e Geertz (1978) — permitiu o diálogo
pedagógico-social da aluna e o rito de passagem. À guisa de conclusões, proponho a com autores e sujeitos investigados ao longo da pesquisa, investindo, neste ato de
abertura de algumas questões. linguagem, na atividade crítica de compreensão do real.

O processo de socialização escolar de meninas é entendido, aqui, como currículo A Antropologia Cultural, através da visão de Velho (1987), Guimarães (1980) e Da Matta
oculto — mapa orientador da aprendizagem de valores sociais. Tal aprendizagem, (1987), forneceu a tonalidade de fundo da tessitura teórica e possibilitou um olhar e um
subjacente aos conteúdos acadêmicos, envolve uma construção concomitante dos situar-se criticamente no processo de investigação/distanciamento do real. Entendendo
agentes socializadores e das alunas, num vir-a-ser contínuo e dialético. o real como uma tonalidade complexa e dinâmica, o proceder etnográfico da
Antropologia reconhece ser o conhecimento produzido na pesquisa de campo uma
Os agentes participam do processo de aprendizagem como atores que exercem o aproximação provisória, limitada e parcial, em outras palavras, uma das possíveis
papel de educadores, tendo como tarefa a transmissão das disciplinas, normas, versões do real.
valores e regras de comportamento. As alunas sofrem a ação dos agentes, ao
modificarem e internalizarem valores e significados construídos histórica e socialmente, Ethos Escolar
dentro e fora da comunidade escolar.
A partir da recente discussão travada no seio da Antropologia acerca do ethos (Geertz,
O dentro e fora da escola — como as categorias sociológicas casa/rua (DaMatta, 1978) e da concepção histórica da escola (Ariès, 1973) é possível compreender os
1987) — agem como painéis de significação que estabelecem relações entre as aspectos simbólicos das situações sociais cotidianamente vividos por agentes e alunas.
especifícidades do microcosmo pesquisado (escola) e a complexa rede social em que
nos movemos: a sociedade brasileira (rua). Na visão de Geertz, o ethos de um povo diz respeito ao tom, ao caráter e à qualidade
de vida, à construção de um estilo moral e estético à sua disposição. E a atitude
subjacente a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo (eidos)
caminha junto com a de ethos nos informando que o povo tem um quadro elaborado
* Trabalho apresentado na XV Reunião da ANPEd, Caxambu, 1992. das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito de natureza, de si
'* Professora do Curso de Pós-graduação em Educação da Universidade Católica de mesmo, de sociedade. Esse quadro é colorido por suas idéias mais abrangentes sobre
Petrópolis. Aluna do Doutorado em Educação Brasileira da FACED/UFRJ. a ordem.

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Já Ariès (1973), fiel à tradição historiográfica, sublinha que o longo processo de sempre meninas. Assim foi elevada à categoria de escola para classe média, que via
escolarização das crianças teve início de forma definitiva e imperativa a partir do século nessa instituição a oportunidade de educar bem suas filhas, através de um bom ensino,
XVIII. Até esse período, a aprendizagem era realizada pelas crianças lado a lado com completo em todos os sentidos.
os adultos, dos quais recebiam uma educação prática.
O bom ensino significava (e ainda significa) o que uma menina deveria (e ainda deve)
A respeito de muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada aprender para se tomar mulher. Daí decorre toda uma constelação de valores e
dos adultos e mantida à distância numa espécie de quarentena, antes de significados sociais cuja construção histórico-social parece ter pautado a aprendizagem,
ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio. Começou a vida e a visão do mundo de um grande número de mulheres de classe média no Rio
então, um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos de Janeiro, durante um certo tempo2.
loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia até os nossos
dias, e ao qual se dá o nome de escolarização. (Ariès, 1973, p.11). Os relatos dos sujeitos investigados explicam porque mudou a clientela atendida.
Assim em depoimentos de professoras mais antigas é recorrente a fala de que outras
escolas para a classe média foram criadas e por isso a competição entre elas ficou
O interesse do autor é traçar a história das mentalidades e das categorias sociais cujas mais acirrada, a instituição retomou seu projeto inicial, especializando-se em uma
relações conformam a trama da ordem e suas representações. Seguindo este critério única clientela: meninas carentes.
pode-se afirmar que a pesquisa em história social se assemelha à investigação
•antropológica por sua estratégia — associar traços e características considerados Por se tratar de uma escola particular religiosa cuja organização social diária comporta
significativos no tecido social e na ordem cultural em que estão inseridos. Ariès um regime de internato e semi-internato torna-se "natural" que seu projeto social seja
empenha-se em examinar/interpretar a emergência e a configuração social dessas lidar com a carência das alunas.
novas figuras históricas denominadas família, criança, afetos familiares e preocupação
com a educação. O projeto social formulado e elaborado dentro de um campo de possibilidades,
circunscrito histórica e culturalmente, tanto em termos da própria noção de indivíduo
Na pesquisa em questão essas figuras históricas fazem parte do repertório de como dos temas prioridades e paradigmas culturais existentes (Velho, 1987), diz
representações dos processos (agentes socializadores) deste universo social dando o respeito a todos os grupos que coexistem neste ethos escolar, irmãs que atuam como
tom da prática pedagógica, definindo um estilo moral e estético tanto para si mesmos moradoras e administradoras da escola; professoras; funcionários; famílias e alunas.
como para o comportamento de suas alunas e famílias. Sua matéria-prima é cultural e em alguma medida, tem de fazer sentido, num processo
de interação com aquilo que diz respeito ao fazer pedagógico, ao currículo, etc. Ora,
A análise sócio-histórica revelou que aos 102 anos de existência, a instituição, criada tanto o projeto como a conduta dos indivíduos encontram-se sempre referidos a outros
para ser asilo de meninas órfãs ou filhas de indigentes, só deixou de sê-lo por curto projetos e condutas localizáveis no tempo e no espaço da sociedade em que estão
espaço de tempo (entre 1920 e 1950). Nascida com o propósito de servir à inseridos e por isso as filiações hierárquicas superpostas à escola (Sociedade
MISERICÓRDIA de seus patronos e benfeitores (pessoas ditas caridosas) passou a
receber, alguns anos depois, menos meninas pobres¹, e mais meninas ricas, mas 2
Em viagens e cursos pelo pais tenho tido a oportunidade de encontrar diversas mulheres
egressas de instituições semelhantes, inclusive três vezes, em três estados diferentes, ministrei
cursos em estabelecimentos cujo mapa fisico-social era bastante similar ao do universo da
1
No texto destacarei em itálico as categorias e expressões próprias dos sujeitos investigados. pesquisa.

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Mantenedora, Congregação Religiosa e Igreja) alimentam e enfatizam a eficácia As famílias (reais), fonte de inúmeras queixas por parte das professoras e irmãs,
simbólica do projeto social desta instituição. caracterizam-se pelo alto nivel de desagregação e distanciamento da forma ideal de
família de classe média, conforme descrita por Ariès (1973). Esse distanciamento se
O cotidiano pedagógico, configurado neste ethos escolar e mapeado pelos objetivos evidencia pela relevância das uniões transitórias e pela ausência física, espiritual e
do projeto social, informa as alunas a respeito do comportamento a elas consignado afetiva do pai; no excessivo número de filhos (têm filhos como coelhos); no pequeno ou
através das representações sobre carência, embutidas nas falas diárias dos agentes. nenhum estímulo dado às crianças em relação à escola e no não-acompanhar o
Nesse sentido, o discurso sobre a carência conjuga vários significados, dentre os quais estudo das filhas.
destaco os que considero fundamentais.
As famílias que fogem a essa caracterização, embora raras, dentro da escola, gozam
A carência é essencialmente afetiva e está intimamente ligada à vida agitada dos pais de boa reputação junto aos agentes, sendo classificadas como boas famílias ou uma
que, por precisarem trabalhar muito, dão pouca atenção aos filhos. família de verdade. Essa categorização abrange outros aspectos, igualmente
valorizados, como: pai presente, comparecimento às reuniões promovidas pela escola,
mensalidade paga regularmente, pequeno número de filhos, grau de instrução e
Esta categoria de representação da carência aparece entrelaçada com o conceito de
profissão dos pais (o mínimo exigido é o 1º grau completo) e interesse na educação
familia, dos agentes socializadores que privilegiam um modelo familiar hierárquico de
como via de ascensão social.
classe média. Tal conceito se assemelha à nova configuração social de família que
emerge na passagem da chamada velha sociedade tradicional para a sociedade
industrial. As famílias que não se enquadram neste sistema de valores são consideradas ruins,
embora existam nuances e possíveis justificativas para a falta de organização familiar
— é o caso de mães abandonadas ou pais desempregados.
A família tornou-se o lugar de uma afeição necessária entre os cônjuges e
entre os pais e filhos, algo que ela não era antes. Essa afeição se exprimia
A carência é alimentar — dificultando o rendimento intelectual das crianças, muito
sobretudo através da importância que passou a atribuir à educação (...)
embora a escola tente supri-la fornecendo três alimentações diárias para as alunas
Tratava-se de um sentimento novo; os pais se interessavam pelos estudos
semi-internas e quatro para as internas.
de seus filhos e os acompanhavam com uma solicitude habitual nos
séculos XIX e XX, mas antes desconhecida. (Ariès, 1973, p.11).
A carência é material — é pobreza. Esta palavra quase nunca é dita, é praticamente
interditada. As pessoas usam artifícios de linguagem em seus discursos para poder
No dia-a-dia escolar, o conceito de família significa e designa a rede social que escapar de uma fala sobre a miséria. A miséria aparece fortemente entrelaçada à
comporta turmas e professoras. Desta forma, aparece recorrentemente o sentido de origem das alunas; quando os agentes se referem aos lugares de moradia das crianças
que somos uma família e, por isso, precisamos nos tratar bem umas às outras... — favelas (semi-internas) e Baixada Fluminense (internas) — e, quando falam de
Precisamos nos ajudar, nos respeitar e gostarmos umas das outras... revolta dos pais acerca do salário mínimo/custo de vida.

As professoras, chamadas de tias, assumem essa matemagem-substituta colocando- A carência é intelectual—contudo pode ser sanada, por uma professora competente,
se como modelo de comportamento a ser seguido. Nesta lógica, ser duplamente tia e que saiba diminuir o déficit cognitivo ao explicar bem a matéria.
professora, é um papel (encargo) social cuja construção tem como significado a
constelação familiar, profissional e ainda a identidade feminina. A carência é educativa — porque a educação é vista como algo que vem desde o

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berço. Caberia à escola tentar suprir o que não foi feito antes pelos pais. Educação é, vendo, percebendo, captando, aprendendo desde pequenininhas que estes fatos fazem
pois, concebida pelos agentes como um conjunto de hábitos, comportamentos e parte de suas vidas3.
normas que devem ser inculcados desde cedo pela família, a escola aproveita o que já
foi aprendido e acrescenta o ensino das disciplinas. A visão de sociedade das É tarefa dos agentes promover uma boa e adequada aprendizagem para sua aluna e,
professoras e irmãs mistura-se a esta concepção de educação, orientando a rota social portanto, são necessários conceitos que dêem conta do que significa aprender. Assim
dos agentes dentro da instituição. Em outras palavras, numa sociedade "naturalmente" temos:
dividida em ricos e pobres; os pobres devem aprender o "certo" deixando de serem
sujos e desmazelados, pois só os ricos são limpos e arrumados. Entretanto, só a — aprender como um ato de memória — cabe à boa professora o papel principal de
aparência física não basta, é preciso usar expressões orais adequadas, próprias de tomar, através do ensino, a aprendizagem possível através de boas explicações da
quem tem boa educação. Assim, aprender a norma culta da/na escola torna-se garantia matéria;
de ter sucesso na vida. A escola ensina ser alguém na vida, contratando professoras
que atuam como referencial vivo de boa educação. — aprender como algo que faz parte do cotidiano humano — neste sentido, a
aprendizagem pressupõe uma evolução espiritual, um alcançar de qualidades como
Neste tipo de sociedade (a nossa) compete aos ricos fazer o que é certo, qualidade que humildade, generosidade, aceitação do outro, etc;
parece emergir "naturalmente" pronta de seu meio ou adjetivada pelas escolas que
freqüentam, já que suas famílias se encarregam de lhes propiciar boa educação. — aprender é construir hábitos e comportamentos socialmente desejáveis — é nesta
categoria que educação e aprendizagem se mesclam fortalecendo-se mutuamente e,
A tensão entre escola/sociedade (fragmento/todo) é aparentemente "apaziguada" pela apontando o papel da escola e dos agentes como co-responsáveis e cúmplices do
tentativa dos agentes de colocá-las juntas, como paradigmas culturais, no mesmo processo de socialização infantil.
caldo de crenças e valores. Escola e sociedade, então, tomam-se conceitos
legitimadores de suas práxis pedagógicas, e é através destas que as experiências e
ações cotidianas dos agentes, sacralizadas como individuais, são foco e referência A Gramática da Socialização
básica para as alunas.
No ethos escolar, aprendizagem e educação caminham juntas e, neste percurso têm
Entretanto, os agentes vivem, no desempenho de seus papéis, o contraste entre o eficácia simbólica para determinar comportamentos e atitudes socialmente desejáveis.
dentro e o fora da escola, contraste este que carrega a semente de uma possível Torna-se imprescindível conjugar nesta rota a aquisição e/ou construção de qualidade
alquimia de concepções. É assim que o código social é, às vezes, relativizado. As e valores humanos.
vivências e interações sociais diárias tornam possível a projeção de novos caminhos
para a escola, propiciando uma certa crítica ao cotidiano e a autocrítica, como as Para Berger e Luckmann (1985), a preocupação dos agentes faz parte do processo de
trazidas pelas inquietações: será que esta escola é adequada para todas as meninas socialização secundária, pois estas pessoas necessitam lidar no seu cotidiano com
que atendemos, ou só para algumas? Será que estamos conseguindo lidar bem com a
nossa missão de educar?
3
As representações dos agentes socializadores acerca da educação e carência coincidem
A carência é do povo brasileiro — a questão sócio-econômica e política do país com as categorias nativas dos moradores do Conjunto Habitacional Cidade de Deus (Dauster
explode com muita força nesta categoria. As desigualdades sociais; a impotência e a et al., 1981).
revolta do povo em ter que aceitar os fatos políticos e, mais ainda, as crianças estão

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personalidades já construídas (socialização primária) e com um mundo já interiorizado. processo de serialização primária (interiorização maciça da realidade) não é conduzido,
Como esta realidade já interiorizada tende a persistir, os novos "conteúdos" (valores) em parte sob os auspícios destas instituições?
que precisam agora ser internalizados devem se sobrepor aos presentes, o que
representa um problema de coerência, podendo ter uma solução mais ou menos difícil, Berger e Luckmann (1985, p.195) atentam para a socialização dos "religiosos" que
dependendo do indivíduo. utilizam técnicas destinadas a reforçar a carga afetiva do processo de interiorização da
realidade:
A maior parte da socialização secundária dispensa uma dose alta de identificação
afetiva, Prosseguindo de maneira eficiente através de uma mútua identificação (neste ... sistemas muito diferenciados de socialização secundária em instituições
caso a identidade feminina de alunas, professoras e irmãs), embutida em qualquer complexas, às vezes montados de modo muito sensível, de acordo com
comunicação entre pessoas. as exigências de várias categorias do pessoal institucional.

Um alto grau de anonimato perpassa as funções da socialização secundária que, por O fato de a socialização nunca ser concluída e dos conteúdos interiorizados estarem
conseguinte, as destaca dos executantes individuais. Assim, por exemplo, a criança continuamente ameaçados em sua realidade subjetiva, toma imperativo que toda
percebe que um mesmo conhecimento poderia ser ensinado tanto por uma professora instituição crie procedimentos de conservação da realidade para salvaguardar um certo
como por outra. grau de simetria entre realidade objetiva e subjetiva. Dentre estes procedimentos, as
regras e as rotinas — enquanto definições da realidade objetiva e recorrentes na vida
diária — se impõem à consciência do indivíduo muito mais clamorosamente, mas
Há uma vinculação entre este formalismo de passar o conteúdo e anonimato com o
podem ser socialmente desafiadas. Contudo, o desafio (a transgressão, o desvio à
caráter afetivo das relações sociais na socialização secundária e, como conseqüência,
normatividade dos valores) teria de ser muito forte para constituir uma ameaça à
confere-se ao conteúdo ensinado uma inevitabilidade muito menos subjetiva. Desta
realidade aceita como "verdadeira" (rotinas, regras e valores em questão).
maneira, o indivíduo tem maior facilidade em colocar entre parênteses o tom da
realidade do conhecimento interiorizado na socialização secundária. Em outras
Os procedimentos de conservação da realidade, como dispositivos disciplinares (Fou-
palavras, o sentimento subjetivo da realidade das interiorizações é mais tênue.
cault, 1987), atuam na gramática físico-social da escola ao ordenar e hierarquizar os
comportamentos consignados às alunas.
São necessários graves choques ao longo da vida para desintegrar a
maciça realidade interiorizada na primeira infância. É preciso muito menos Assim, se pode interpretar o funcionamento, o ordenamento e o aproveitamento dos
para destruir as realidades interiorizadas mais tarde. Além disso, é espaços físicos pela escola como tomando, de certa forma, visível a complexidade
relativamente fácil anular a realidade das interiorizações secundárias. hierárquica das relações sociais aí existentes. São espaços que realizam a fixação dos
(Berger e Luckmann, 1985, p.190) sujeitos e, ao mesmo tempo, permite a circulação: recortam segmentos individuais e
grupais estabelecendo ligações e interações; marcam lugares e indicam valores sociais;
Evidentemente, o melhor e mais claro exemplo de socialização secundária é aquele garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor e mais eficaz
realizado nas instituições especializadas, como as escolas, indicando o declínio da economia de tempo e gestos.
família em relação a esta "etapa" da socialização. Cabe perguntar aos autores: nas
escolas que funcionam como instituições totais (Goffman, 1987) em regime de internato No ethos escolar, tais espaços são mistos. São "reais", pois regem a disposição das
e semi-internato, atendendo a crianças a partir de quatro anos de idade, também o diversas construções: salas, mobiliário (gramática física). Mas também são ideais,

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pois vão se projetar sobre a escola nas caracterizações, valores e hierarquias A Trajetória das Alunas
(gramática social). Fazem funcionar o espaço escolar (gramática pedagógica) como
uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de controlar, de hierarquizar, de Os dispositivos disciplinares e os mecanismos seletivos internos que regulamentam a
recompensar e punir. É através desta distribuição espacial que se realiza, passagem para a outra escola, se pautam em valores e crenças compartilhados por
simultaneamente, toda uma série de distinções valorizativas: alunas internas e semi- freiras e professores em relação à educação, à promoção, à caridade e aos diversos
internas; segundo o valor de cada uma, segundo sua melhor ou pia aplicação nos significados emprestados ao ensino, aprendizagem e carência das alunas.
estudos; segundo sua higiene pessoal; segundo sua família, etc. Então, a sala de aula
se torna uma cena única, com entradas múltiplas, sob o olhar "naturalmente" No cotidiano, esta constelação de significados é orquestrada por ditos — falas
classificador da professora e/ou irmã. contextuais e práticas pedagógicas — e por não-ditos — gestos e olhares,
comportamentos avaliativos, manifestações afetivas e outros.
Foucault (1987) reconstrói a história da violência nas prisões, abrangendo em uma
análise as instituições escolares, hospitais, fábricas e quartéis. Aponta como a eficácia A configuração de um sistema classificatório e seletivo diário informa quem está
do sistema corretivo das prisões pode servir, de alguma forma, como um modelo potencialmente habilitado a ser admitido na outra escola. Dentro desta complexa
inspirador para instituições escolares, hospitais, etc. Para ele, a disciplina exige a lógica, as alunas que demonstram ter atitudes mais quietas, sérias, de capricho nas
cerca, a especificação de um local heterogêneo a todos os outros e fechado em si atividades escolares e são atentas às aulas já ostentam um emblema aprioristico de
mesmo. Pois assim como houve o grande encarceramento dos vagabundos dos admitidas, só lhes restando passar no concurso de seleção para a 5ª série.
miseráveis e dos ditos loucos, houve outros mais discretos, mais insidiosos e eficiente
como os quartéis, as fábricas, etc. Quanto aos colégios, o modelo do convento se
impõe aos poucos, e o intemamento aparece como o regime de educação, senão o É claro que as notas obtidas contém, também, uma eficácia simbólica do ponto de vista
mais freqüente, pelo menos o mais perfeito. Mas esse princípio da "clausura" não é estritamente pedagógico. Funcionam como paradigma escolar — representando um
constante, nem indispensável, nem suficiente nos aparelhos disciplinares. Estes patamar mínimo e necessário a ser atingido, medindo apropriação de conteúdos,
trabalham o espaço de maneira mais sutil4. esforço nos estudos, objetivo máximo em termos de percurso escolar além de servirem
de referencial avaliativo da professora ao medir a eficácia da didática utilizada em sala
Assim sendo, os comportamentos individuais das meninas são orientados e ordenados, de aula. Nas palavras de uma professora:
através de ação educativa dos agentes que natural e sutilmente difundem valores
sociais que como mensagens significantes se tomam a expressão do código que Quando corrigir as provas e testes estou dividindo o sucesso ou o
mapeia a trajetória feminina das alunas. fracasso neles com as minhas alunas. Se uma aluna minha tira 100, eu
considero que tirei 100, mas se uma aluna minha tira 0... isto significa,
para mim, que preciso rever a minha maneira de ensinar... ver onde foi
que eu errei...

Mas, na visão das alunas o processo de seleção e avaliação não funciona em duas
4 vias — não há uma mão e contra-mão. Elas não crêem estar dividindo fracassos
A pesquisa mostrou que a sutileza e a flexibilidade dos agentes e alunas estão presentes no
cotidiano escolar como uma tela de rachaduras tramadas no tecido social e no muro circular escolares com a professora, pois a nota ruim, vermelha e abaixo de 60 só pertence a
de habitue instituído (Bourdieu, 1972). O que me levou a relativizar o conceito do autor. elas: a sua burrice, falta de atenção, ignorância mesmo... Entretanto, as meninas

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compartilham o sucesso de boa nota com a professora, acreditando que: A prática escolar de caridade pelas irmãs confere um valor simbólico que tem como
interface a questão da justiça e da misericórdia, atrelando as noções de justo e injusto
à aprendizagem que deve ser alcançada.
Quando a professora explica bem a gente se esforça para entender, e aí
presta atenção nas aulas... não conversa, não brinca e estuda mais, o
nosso resultado só pode ser bom né? Em outras palavras, aprender mais expressa o currículo oculto da escola, as normas
que regulamentam comportamentos e atitudes deste ethos escolar o significado que
os agentes imprimem às categorias sociais menina, mulher e ao mesmo tempo, aluna
Raríssimas são as alunas que encaram as boas notas como suas, como sendo o
dessa escola.
resultado de sua inteligência ou de seu próprio esforço.

É assim que a realidade fala da existência de dois boletins que caminham juntos,
Tais representações acerca das notas sugerem que a promoção das alunas está mapeando a trajetória social das alunas, dentro e fora da escola. Um boletim, concreto,
conjugada ao valor esforço. Aparecendo como uma espécie de qualidade moral e ser visível e graficamente produzido, fornece uma síntese numérica da biografia de cada
aprendida no cotidiano, supõe uma recompensa futura para todas, alunas e professoras aluna — sua carreira — e evidencia certos e errados através de notas azuis e
que momentaneamente, se encontram entrelaçadas no esforço de alcançar o esforço. vermelhas nas diversas disciplinas.
Para as alunos, ser esforçada nos estudos significa passar de ano com notas azuis.
Para os agentes, ser esforçado em suas ações pedagógicas significa não ser reprovado
como educador no desempenho de sua tarefa social: extinguir as carências das O segundo boletim, abstrato, invisível, social e historicamente construído, sintetiza os
alunas. valores, qualidade e características sócio-afetivas de aprendizagem necessárias para
se tornar mulher (e cidadã brasileira).

As irmãs, também agentes, consideram uma caridade necessária promover meninas


Além de esse segundo boletim apontar para um projeto social, digamos assim mais
fracas para a série seguinte, desde que estas alunas aprendam qualidades como boa
amplo e ambicioso, ele organiza os determinantes qualitativos para o ingresso e
vontade, interesse, capricho e esforço para estudar...
permanência na outra escola, da mesma forma que privilegia e enfatiza as funções de
mãe (cuidar de crianças pequenas) e donas-de-casa. Ou seja, a avaliação é
Estas qualidades se conjugam a valores de ordem familiar (cooperação dos pais e simultaneamente seletiva e marginalizadora, na medida em que normatiza formas de
interesse familiar pelo estudo das filhas), embora as meninas que exibam pensar e agir, tanto nesta escola quanto na outra e no mundo, agora e sempre.
comportamentos de relaxamento, sujeira nos cadernos e indisciplina...
As meninas de 4ª série, vistas como os emblemas simbólicos da escola, introjetam
Comportamentos estes com o mesmo valor da nota e que por isso, sinalizam a esses valores, intemalizam esses submundos simbólicos (Berger e Luckmann, 1985)
necessidade de repetência para as alunas que persistem nestas atitudes, embora tendo seu comportamento guiado por regras internas/externas. Cito, como exemplo
demonstrem ser inteligentes e espertas na realização das atividades escolares. Isto destas regras curriculares, aquelas que se referem a sentimentos públicos e privados;
porque a promoção desta categoria de alunas "não seria um ato caridoso e sim uma às horas e espaços de trabalho e lazer, qual é o trabalho que lhes confere e que tipo de
grande injustiça da nossa parte com elas mesmas e com o resto da turma... Elas diversão pode-se ter, o comportamento adequado para se relacionar com outras
precisam aprender mais... pessoas em função de sua posição hierárquica, idade, sexo, etc.

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O Rito de Passagem piscina, esportes, cantina e bom ensino, vantagens que lhes exigirão um esforço ímpar
para assegurar sua permanência. Acreditam que a passagem lhes conferirá direitos
A cultura pedagógica da escola se tece numa rede de significados e definições da especiais dentro de suas famílias, por corresponder a um grande sonho de seus pais,
realidade social, na qual procedimentos e mecanismos seletivos tomam parte da trama que, por conseguinte, lhes deverão recompensar com mais liberdade para agir e
e do drama cotidiano. Atuam como organizadores e legitimadores de normas, valores pensar, tratando-as como moças.
e crenças que, num movimento dialético, interagem com os padrões de socialização
secundária (e primária) imprimindo nas alunas formas de comportamento social. Assim, interpreto esta passagem como estando pautada em princípios organizatórios,
nos quais há necessidade de incorporar o novo, reduzir a incerteza para que, então,
É esta organização social que mantém a eficácia do universo simbólico escolar que possa se fundamentar o deslocamento de posição social: 4ª para a 5ª série; escola de
sustenta os contrastes entre ela e o outro colégio, evidenciados pelos movimentos de meninas para escola mista; escola de camadas populares para escola de classe
continuidade/descontinuidade entre as duas instituições. média; menina para mulher.

O movimento de continuidade entre os agentes (definidores da realidade) é enfatizado Tudo parece sugerir que o sistema de seriação escolar atua com períodos de
pela mesma filiação à Sociedade mantenedora; pelos laços de parentesco (superiora preparação para a grande síntese; a ida das vitoriosas para a outra.
da escola é irmã da diretora do outro colégio que, por sua vez, é ex-freira da mesma
congregação); pela história biográfica das duas instituições que se interpenetram; O fato empiricamente constatável da outra escola não ser religiosa, "naturalmente"
pelas normas e valores comuns em que se apóiam no processo de socialização de demarca a travessia das fronteiras entre o sagrado e o profano. O colégio misto dá um
suas alunas; pelo mesmo sistema de internato e semi-internato e, pela disposição novo passaporte às meninas; a possibilidade de encontro e convívio com outro gênero
físico-social dos espaços. (visível, concreto, social e humano). Na escola antiga só é possível conviver e conhecer
Deus (abstrato, invisível, não social e sobrenatural).
Quanto às descontinuidades, de certa forma, também se configuram em aspectos
físico-sociais, como: clientela atendida (escola particular que atende às camadas Um rito mapeado pela puberdade fisiológica e social necessita compreender os padrões
médias); escola mista; possuir cantina, esportes e bom ensino. de comportamento das alunas em relação à sexualidade feminina, conjugando
sexualidade e desejo num verbo só.
Estas categorias que, ao mesmo tempo qualificam a outra escola como inverso e
contraste da primeira, pertencem ao repertório da representações das alunas da 4ª Refletindo sobre as representações acerca da sexualidade feminina, presentes neste
série. Embora "coincidam" com a "realidade concreta" traduzem e imprimem à universo social, à luz das contribuições de Lacan (1988) acerca da feminilidade,
passagem para a 5ª série o significado de recomeço, um fechamento de um ciclo de interpreto a trajetória pedagógica das alunas como estando também pautada pelo
vida (menina) para o nascimento de outro (mulher), marcando uma outra travessia: a desejo, pelo sonho, pelos projetos utópicos e por tudo aquilo que subjaz à criação, à
perspectiva de emprego e liberdade social. imaginação e à história humana.

Para as alunas, o ingresso para a outra escola expressa aspectos biológicos e sexuais No Freud que Lacan usa nem o inconsciente nem a sexualidade são fatos
(a primeira menstruação e perspectiva de conviver com meninos), somado a um predeterminados; eles são construções, ou seja, são objetos com histórias. É nessa
caráter social (a passagem e a promoção para uma escola particular que atende a história do sujeito humano em sua generalidade (história humana), e sua particularidade
crianças de classe média). Lá vão encontrar (como um prêmio pelos anos vividos) (a vida específica do indivíduo) que se manifesta a fantasia inconsciente que a

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Psicanálise desvela. Isso estabelece os limites dentro dos quais a feminilidade pode 1990, centrada numa abordagem qualitativa de pesquisa educacional, não pretendeu
ser encontrada. Como relata Freud (1979, p.116): em nenhum momento esgotar as perguntas e inquietações que levou para o campo;
muito pelo contrário, a saída do campo carregou consigo a certeza de incerteza, do
Em conformidade com sua natureza peculiar, a psicanálise não tenta muito que ainda precisa ser desvendado sobre a construção do genêro feminino e
descrever o que a mulher é—isso seria uma tarefa que poderia executar masculino dentro das escolas de 1º e 2º graus.
de modo sofrível — mas começa indagando como ela é.
Também, não ambicionou servir de modelo explicativo para tudo aquilo que ocorre
É a efervescência deste movimento de indagação de-como-a-mulher-é que transparece cotidianamente nas escolas, com suas teias de significações sustentando a praxis
no rito de passagem. Ocorre que todo esse período é marcado por um tom especial. Á pedagógica dos professores e da busca/construção de identidade e conhecimentos
realidade cotidiana é colorida pelas possibilidades de inauguração do novo, do pelos alunos.
sensacional, de tudo que poderá inverter ou neutralizar a rotina, o velho, o antigo.
Tive e ainda tenho temor por admitir que não acredito em determinismos absolutos,
As alunas vivem, simultaneamente, a desagregação e a agregação dando adeus a sejam eles sociais, culturais, econômicos ou políticos. Penso que um estudo
suas companheiras (turma, escola, professores e irmãs) e boas-vindas ao novo papel microscópio como este está sempre mostrando ao pesquisador as milhares de
social que vão assumir de agora em diante. É uma situação de conflito, porém de um possibilidades criativas, porque humanas, de transgressão à norma, à rotina, à
bom e ordenado conflito que visa à resolução: passar para a outra escola e lá ficar. robotização dos sujeitos, etc.

Ao viverem esta situação de flutuação entre dois mundos distintos, as alunas, embora
Acredito nas indagações e inquietações porque elas contém a semente de toda
sintam agudamente a pressão do significado de estudar mais para passar na prova de
produção/construção/criação humana. Por isso, indagar é preciso... É assim que
seleção, colocam a rotina escolar entre parentêses, dando mais atenção e investindo
problematizo nossa praxis perguntando: se já nos preocupamos o bastante em extrair
seu desejo na passagem para a puberdade social — agora seu mundo sagrado,
de cada microcosmo investigando as possíveis saídas para os reflexos que o macro-
místico e mítico.
social impõe? Se na nossa tarefa política de educadores/pesquisadores (legitimados
pelos sujeitos investigados e pelos nossos pares) retomamos com o objeto de
É a mobilização do significado passagem, socialmente construído no grupo de alunas,
conhecimento para estas pessoas, co-autoras desta produção teórica, para que assim
que transforma e reveste a travessia de uma escola para outra numa criação que
tivessem a oportunidade de refletir em cima de suas cotidianidades com múltiplas
permite ir além do tradicional sistema de seriação escolar, com suas ordenações e
significações? Será que tais reflexões não poderiam transformar a praxis pedagógica
inclusões sucessivas, planejamentos e avaliações.
destes microcosmos investigados?

Pensar na passagem de uma série para outra dentro do sistema educacional em cada
uma delas, sua trama de significados, valores e crenças que subjazem à pedagogia Penso que estas perguntas são perigosas. Elas nos levam a olhar para o nosso poder
dos agentes socializadores. pessoal, de alguma forma investindo na pulsão de intelectualidade e no avanço do
conhecimento científico.
Abrindo Questões
Considero como questões cruciais para a pesquisa/compreensão do currículo que as
A pesquisa realizada nesta escola da Zona Sul do Rio de Janeiro, no período de 1989- futuras investigações levem em conta:

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— os projetos sociais dos agentes socializadores presentes e atuantes nas escolas da DAMATTA, Roberto. A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio
rede pública, analisando-os enquanto códigos histórico-sociais; de Janeiro: Ed. Guanabara, 1987.

— os projetos sociais dos alunos e através deles, buscar o sentido de suas trajetórias DAUSTER, Tânia et al. O cavalo dos outros. Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro,
escolares tanto no que concerne à construção de conhecimentos na/da escola, quanto n.40, maio/jun. 1981.
aos conhecimentos que ambicionam construir para suas vidas;
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, história da violência nas prisões. 6.ed. Petrópolis:
— o imaginário social embutido nas diversas seriações escolares, vendo-as enquanto Vozes, 1987.
mapeamentos sociais da aprendizagem acadêmica;
FREUD, Sigmund. Obras completas. Rio de Janeiro: Standard, 1979. v.23.
— os significados emprestados ao currículo pelos agentes socializadores e alunos
(aquelas pessoas a quem impomos o que se deve e o que não se deve aprender). GEERTZ, Cliford. Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. 2.ed. São Paulo: [s.ed.], 1987.
Referências Bibliográficas
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Janeiro: Francisco Alves, 1980.
ARIÈS, Phillippe. História social da criança e da familia.2.ed. Rio de Janeiro: Ed.
Guanabara, 1973. LACAN, Jacques. Escritos. São Paulo: Perspectiva, 1988.

BERGER, Peter L, LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade .8.ed. SÁ, Marcia Souto Maior M. Em nome da Misericórdia... um estudo etnográfico sobre a
Petrópolis: Vozes, 1985. socialização de meninas num educandário religioso.- Rio de Janeiro, 1991.
Dissertação (Mestrado)— PUC-RJ.
BOURDIEU, Pierre. Esquisse d'une théorie da 1ª pratique, précédé de trois études
d'ethnologie kabvle. Genève: Droz, 1972. VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL: distanciamento da sua realidade mais próxima e da solução de seus problemas mais
uma experiência bem sucedida (longe do ideal - perto do exeqüível) imediatos. Uma postura que se traduza em uma ação transformadora é aquela que
encerra a possibilidade de diminuir a distância que se estabelece entre o pensar e o
agir, a partir da aproximação do indivíduo dos problemas da sua realidade e da
Maria Flávia Gazzinelli* elaboração de propostas de solução. Neste contexto, a Educação Ambiental, fundada
no princípio de ruptura com o niilismo a partir da aproximação com a realidade, pode
Introdução dar elementos para a formação de sujeitos críticos e participantes das diversas
dimensões da vida em sua sociedade.
0 quadro de degradação ambiental no qual se inserem as sociedades do mundo
contemporâneo tem estimulado diversas discussões, tanto nos meios acadêmicos Logo, o currículo deve ocupar o centro de qualquer tentativa de resposta a atual crise
como nos meios de comunicação social. Tais discussões variam, desde as que ambiental, quando concebido como o processo de inserção do indivíduo como sujeito
responsabilizam aspectos pontuais da organização das sociedades, como a da sua realidade histórico-social. Como um dos principais instrumentos da Educação
superpopulação e a tecnologia, passando por outras que destacam o modelo
econômico, ou seja, a forma pela qual os homens se organizam, tendo em vista a Ambiental, o currículo deve ser capaz de explorar a dimensão cultural dessa crise
produção de sua existência, até chegar às que apontam um novo paradigma contemporânea, oferecendo oportunidades aos sujeitos, professor e aluno, para a
interpretativo que centra sua análise no modo de vida do homem, no seu sistema de construção e reconstrução de crenças e valores apropriados a um novo significado e
crenças e valores e nas suas subjetividades, sem deixar de considerar os aspectos papel a ser desempenhado por ele nos domínios humano e cósmico.
econômicos.
Uma tentativa nesse sentido é o projeto de revitalização do Parque S. Bartolomeu/
Não obstante a divergência de opiniões, é necessário refletir sobre a raiz do problema. Pirajá, que possui numa de suas vertentes, uma proposta de Educação Ambiental que
A superação da atual crise ambiental passa pelo entendimento da forma pela qual os visa a formar e profissionalizar Guias e Guardiães para que possam preservar e
sistemas ecossociais se interagem, se mantêm e se transformam, isto é, como os interagir com o parque, levando em consideração seus aspectos naturais, sócio-
sistemas naturais e as atividades humanas se inter-relacionam numa dada situação econômicos e culturais. É, portanto, sobre uma realização que demonstra que a
histórica. A esse respeito, é importante assinalar que os sistemas ecossociais Educação Ambiental pode possibilitar ao indivíduo o reconhecimento do seu papel
dependem, para sua transformação, da capacidade humana de buscar e estabelecer como agente responsável dentro do sistema ecossocial, que este texto pretende
metas de inter-relação definidas, pois o modo pelo qual o homem dispõe dos recursos discorrer. O tema torna-se pertinente quando se considera que a literatura em Educação
naturais é condicionado, primeiramente, pelo padrão de relacionamento entre os Ambiental, embora rica em publicações que apontem as virtudes da sua inclusão no
homens. A transformação dos sistemas ecossociais requer dos indivíduos uma currículo, é muito esparsa no que tange a orientação curricular propriamente dita
mudança de postura. Uma ação massificadora que não leve em consideração a (Rubba, 1988), ou seja, sua apresentação em termos de propostas concretas.
especificidade e singularidade do indivíduo e do seu entorno pode conduzi-lo a uma
postura niilista, de descrença absoluta da sua possibilidade de ação, tendo em vista o
O Parque São Bartolomeu

O parque metropolitano de Pirajá/São Bartolomeu situa-se no subúrbio de Salvador,


* Mestranda do curso de Educação da FACED/UFBA. Bahia, possui área total de 1.550 hectares e é uma das poucas reservas de Mata

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Atlântica do município. Ao seu redor, localizam-se alguns bairros como Itacaranha, Ilha O Currículo do Parque
Amarela, Mirantes de Periperi, Novos Alagados, dentre outros, que concentram a
população de mais baixa renda do município, perfazendo cerca de 500.000 habitantes. Meramente para efeito didático/descritivo são identificadas três fases de consecução
Trata-se de um ambiente singular uma vez que compreende um largo espectro de do projeto de Educação Ambiental no parque. A fase preparatória constou da seleção
feições naturais: a floresta Atlântica, com ampla diversificação, composição florística e da equipe de trabalho composta por professores e profissionais ligados ao CEAS. Esta
grande número de espécies com utilidade desconhecida, o manguezal e diversas fase consistiu ainda da divulgação dos objetivos do projeto através da realização de
quedas d'água, como também apresenta uma grande importância histórica e cultural seminários, além da seleção dos alunos para o curso de Guias e Guardiães. Foram
para a cidade. Pirajá remonta ao Brasil do século XVI, quando correspondia a aldeia de selecionados 60 alunos residentes no subúrbio ferroviário de Pirajá, na faixa etária de
São João onde os índios eram catequisados pelos jesuítas. Abrigou vários quilombos, 14 a 17 anos, com escolaridade mínima a partir da terceira série do primeiro grau.
resultado da luta dos negros pela sua liberdade, tendo sido, também, palco de algumas
batalhas decisivas para a independência do Brasil. Sempre constituiu referência do A segunda fase, ou fase de construção e implementação simultâneas do currículo,
culto afro-brasileiro, chegando a ser concebido como "local sagrado" para a comunidade contou com a participação dos coordenadores e professores das áreas de Ciências
circunvizinha, que ali realizava seus ritos e cerimônias. Naturais, Comunicação e Expressão e História e Antropologia, que sob a direção da
coordenadora geral realizaram as seguintes atividades: determinação dos objetivos e
Do ponto de vista ambiental, o parque sofre sérias ameaças a sua integridade assim conteúdos de cada área e apresentação ao grupo, discussão de temas aglutinadores
como o homem que habita suas vizinhanças. O processo de ocupação espontânea no que possibilitassem a intersecção entre áreas, realização de aulas e avaliação do
interior do parque, nas encostas e no mangue, ecossistema de grande fragilidade curso já em andamento, apontando, quando necessário, correções de rumos. Questões
ecológica, acarreta o risco de deslisamento nas encostas, o aterro de áreas do a respeito "do que é essencial que os guias aprendam com vistas a atuar no parque
mangue, a destruição de matas nas cabeceiras dos rios e o lançamento de esgotos como elementos da comunidade" orientaram os professores na tarefa de delimitar os
nos cursos d'água. Como resultado desse processo, há o assoreamento, a redução do objetivos e conteúdos do curso, em face a uma gama infinita de possibilidades. Destas
volume de água dos rios e a diminuição da capacidade de automanutenção do inquietações iniciais, surgiu uma proposta de busca de respostas nos próprios alunos,
manguezal. Associado a esse quadro, devem ser consideradas atividades tais como a o que resultou num levantamento das suas expectativas. Este levantamento não
mineração e a extração de madeira e carvão além das queimadas que são responsáveis norteou a escolha dos temas. O movimento constante de "ida e vinda", entre a
pela abertura de clareiras na mata, pela diminuição da cobertura vegetal e conseqüente construção e a execução do currículo, ou seja, da ação para a reflexão e vice-versa,
redução da fauna e flora. Compondo o cenário de degradação ambiental, observa-se num trabalho dialético de permuta, faz do professor um pensador do currículo a partir
ainda alta incidência de assaltos contra os visitantes e moradores do parque. da reflexão sobre a sua própria ação, evento que merece ser ressaltado, assume
relevante papel na criação de um novo conhecimento.

Dessa realidade, surge uma proposta de recuperação do parque, por iniciativa do Não era evidente uma proposta curricular encerrada, compreendendo princípios
Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) em conjunto com a Prefeitura de Salvador, filosóficos e abordagem metodológica enunciados de forma precisa. Contudo, algumas
que responde pela administração do parque, através da Secretaria de Ação Social, que diretrizes básicas, explícitas ou tácitas norteavam o trabalho em nível teórico:
envolve ações de recomposição ambiental e introdução de atividades economicamente
rentáveis, compreendendo também uma dimensão educativa que incorpora a — associação da compreensão teórica à ação real;
valorização dos aspectos cultural e histórico dos grupos sociais da comunidade com
vistas ao fortalecimento e conquista dos seus direitos políticos e sociais. — combinação entre reflexão crítica e ação social;

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— ruptura das barreiras entre o conhecimento científico e o popular; que o cerca. Igualmente importante é a produção do vídeo "As marisqueiras" que
revelam a condição de vida desta população e a importância do manguezal para a sua
— consideração à perspectiva histórica e aos aspectos sócio-econômicos, políticos e sobrevivência, envolvem não só investigação e pesquisa, mas um trabalho de
culturais; linguagem com entrevistas, roteiros e adaptação de textos que produzem uma
compreensão maior da sua realidade e dos múltiplos aspectos que a compõem.
— respeito à realidade concreta do aluno e;
Durante os trabalhos de campo de Ciências Naturais, os alunos, dentre outras
— afirmação das diferenças e singularidades individuais. atividades, observam os vegetais dos ecossistemas, suas características, estruturas
de reprodução, processo reprodutivo, mecanismos de adaptação, estrutura da floresta,
A essas proposições acrescenta-se que a avaliação do desempenho dos alunos, a assim como coletam sementes, preparam o viveiro e aprendem a coletar as plantas e
despeito de alguns ajustes metodológicos iniciais, não obedeceu a uma filosofia única armazená-las para identificação. Têm oportunidade de reconhecer os condicionantes
estipulada pelo grupo, ficando a cargo de cada professor defini-la para sua área de ambientais (rocha, relevo, solo, vegetação, água, vegetais e animais, homem) de modo
atuação específica. a caracterizar todos os modelos de ambiente existentes no parque, além de desvendar
a história de cada ambiente. Tais conhecimentos adquiridos durante os trabalhos de
A terceira fase, ou fase final de avaliação, constou de uma auto-avaliação realizada campo são sistematizados em sala, e, particularmente os de Geologia são sintetizados
pelo aluno, provas escritas de Comunicação, Ciências Naturais e História e em mapas e perfis. Durante as aulas de Comunicação, os alunos escrevem textos
Antropologia, culminando com uma entrevista individual dos alunos com a coordenação. sobre os conteúdos assimilados na caminhada de Ciências Naturais e debatem temas
Em um momento desta fase, os professores se pronunciaram a respeito de como do seu cotidiano, tais como: a pobreza, a moradia, o desemprego, a violência, a
perceberam o desenvolvimento do processo. discriminação racial, a insalubridade, poluição das águas e do manguezal. Todo esse
trabalho, segundo a diretriz básica do currículo, deve convergir para a montagem do
A organização curricular do parque se estrutura sobre dois pilares básicos quais são: viveiro e da maquete com os ambientes geológicos do parque.
compreensão critica e intervenção na realidade. Tornam-se como epicentro do currículo
atividades pedagógicas em tomo das quais se desenvolvem conteúdos que integram A construção do roteiro da peça "Os 500 anos da América e o Parque São Bartolomeu",
as diversas áreas do conhecimento. Dentre essas, Comunicação e Expressão é das músicas, danças, máscaras, cenário, figurino e adereços, se dá a partir do estudo
considerada eixo privilegiado do trabalho coletivo, constituindo-se a base de apoio das do povoamento do Brasil, dos conhecimentos da história dos povos indígenas, dos
áreas de Ciências Naturais, História e Antropologia. A Figura 1 mostra a integração das povos negros, da sua própria história e, por fim, das informações acerca das religiões
disciplinas do currículo a partir das atividades pedagógicas propostas, quais sejam, afro-brasileiras, num trabalho conjunto entre as equipes de Comunicação e Expressão,
jornal e vídeo, viveiro, horto e maquete e oficina de teatro. História e Antropologia. Além disso, durante as aulas de Comunicação e Expressão, os
alunos reconstroem a vivência da caminhada de Ciências Naturais, através de jogos
Para a confecção do jornal, os alunos escrevem textos individuais e coletivos, utilizando teatrais e cenas para a reflexão, organização e socialização da experiência. A título de
como matéria os acontecimentos significativos da comunidade, assim como os ilustração, pode-se fazer menção a algumas cenas representadas pelos alunos: o culto
conhecimentos de Geologia e Biologia apreendidos nos trabalhos de campo. Dessa afro e o parque, como prensar as plantas para identificação, plantas trepadeiras da
forma, nas aulas para confecção do jornal, os alunos têm oportunidade de expressar, mata apoiando-se em outras, etc.
através das linguagens escrita e verbal, o conhecimento adquirido e construído durante
as aulas de Ciências Naturais, bem como o seu entendimento do parque e da realidade O que é crucial para manter a dinâmica do currículo, embora surpreendente, é uma

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CURRÍCULO
EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

FIGURA 1 - Integração das disciplinas no currículo a partir da realização de atividades como jornal, vídeo, viveiro, horto, maquete do parque e oficina de teatro

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reunião de coordenação que ocorre uma vez por semana, onde os professores das da ciência como verdade absoluta, que implica numa visão "a-histórica" a respeito da
diversas áreas do conhecimento se encontram para discutir o andamento das aulas e natureza do conhecimento escolar e na conceituação do método científico como única
os planos futuros. É uma oportunidade única em que as diversas áreas do forma plausível de interpretação do objeto em análise. Logo, a crença que se estabelece
conhecimento expõem, segundo a sua ótica específica, as várias análises e leituras entre os professores é a de que o conhecimento científico é soberano sobre as demais
que fazem do objeto de estudo, permitindo assim a construção de um outro formas de leitura do mundo e da realidade. Como exemplo, pode-se fazer referência à
conhecimento mais unitário e interdisciplinar do ambiente. Desta forma, os vários opção do professor pelo aprofundamento do conhecimento em sua área específica ou
professores, trazendo consigo referências provenientes do seu universo sócio-histórico- aprofundamento vertical, como uma forma privilegiada de abordar o conteúdo. Decorre
cultural, ao interagir entre si em função de um tema comum, experimentam um daí, que o saber de dentro dos muros da escola ganha legitimidade, ao contrário do
processo contínuo de reconstrução de seus esquemas conceituais a partir da revisão saber que o aluno adquire na sua relação com o mundo exterior. Detendo esta
de suas percepções teóricas, crenças e valores. Giroux (1986) afirma que o importante representação mental, fica muito difícil para o professor ultrapassar as barreiras que
nesse processo "é que se construa um quadro de referência que dê aos professores a existem entre a ciência, conhecimento mítico, a filosofia e o conhecimento popular.
possibilidade de pensar criticamente a respeito de suas crenças e como suas crenças
influenciam, e, ao mesmo tempo apagam as experiências diárias que eles têm com os Com relação às de ordem cultural, reconhece-se que a idéia que o homem faz da
alunos". natureza é resultante das determinações históricas objetivas das relações socias de
produção as quais esse homem está submetido e das mediações do universo cultural
Necessário ressaltar a preocupação e o empenho da coordenação em estender as específico de seu cotidiano. Nesse sentido, as representações que o professor tem da
atividades do projeto, após o término do curso. Na perspectiva de contemplar o futuro, natureza e da relação do homem com a natureza são de suma importância num
foi solicitado a cada aluno um posicionamento sobre suas opções e preferências currículo de Educação Ambiental, pois indicam a direção a ser dada ao processo
individuais acerca das atividades de continuação do projeto, quais sejam, reciclagem educativo. Como exemplo, pode-se mencionar que grande parte dos professores do
de lixo, realização de um horto florestal, apiário e edição de um jornal ou periódico. parque, quando indagados sobre a sua percepção da principal causa do quadro de
degradação ambiental no qual se insere a nossa sociedade, apontaram a Educação.
Esta análise que pontua determinado aspecto da organização da sociedade para
Os Pontos Críticos do Currículo explicar a problemática ambiental exclui categorias fundamentais para a compreensão
da relação do homem com a natureza, tais como o modelo de desenvolvimento
Ao lidar com todas as tarefas que concernem à implementação do currículo, os econômico centrado na expropriação dos recursos naturais e na exploração do homem
professores, certamente, se deparam com algumas barreiras que dificultam a sua pelo homem. Cabe indagar aqui: que representação da relação da população
execução. Dentre essas, sobressaem as de ordem epistemológica, as de ordem circunvizinha com o parque está contida na prática educativa desse professor? A partir
cultural, e, por último, aquelas relacionadas ao comportamento humano, portanto, de deste exemplo, pode-se inferir o significado que adquirem, na implementação do
ordem psico-social. currículo, as percepções, impressões, representações que compõem o imaginário do
professor. Ilustrativos, neste contexto, são os diversos tipos de sentimentos com
As de ordem epistemológica se relacionam à forma de pensar dos professores, ainda relação à Educação Ambiental que a maioria dos professores revelou ter "Eu sou
cético com relação à possibilidade de mudança"; "Eu tenho medo de não corresponder
fortemente influenciada pela visão mecanicista e fragmentada de mundo, que concebe
às expectativas das pessoas; "A Educação Ambiental é cheia de conflitos, lida com
o universo e a natureza como uma máquina regida por leis mecânicas cujo
contradições — de um lado a necessidade de habitação, de outro, a de preservação da
entendimento só é possível, através da decomposição do objeto em peças elementares
natureza". É desnecessário dizer a influência decisiva que estes sentimentos podem
para estudo. Aliada a esta visão, existe uma forma de pensar aprisionada pela imagem

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exercer na estruturação das experiências de sala de aula desses professores. meio natural sem a influência do homem. Desse modo, o parque era visto apenas
como cenário, como realidade autônoma, independente da sociedade, do sujeito
Por fim, com relação as barreiras psicossociais do comportamento humano, a social. Associada a isso, encontra-se presente a idéia do parque, habitat das plantas,
experiência curricular aponta para uma tendência do professor de tratar o seu conteúdo micos e aves, como um meio ambiente degradado no interior do qual não se encontra
de forma hermética, seja nas reuniões de coordenação, seja na sala de aula, detendo o homem concreto e histórico. Assim sendo, identifica-se, de forma explícita e tácita
assim o poder sobre o domínio do conteúdo no seu campo de estudo, de modo a criar nas falas dos alunos, a idéia de que a natureza é pura e imaculada e o homem, ser
uma membrana impermeável à critica e ao confronto entre conhecimentos de diversas ignorante e pecador que a polui e a contamina. As expressões: beleza natural,
naturezas. belíssimas flores, pássaros que nos alegram com seus cânticos, poluição e destruição
refletem a noção sacralizada, poderíamos assim dizer, que os alunos tinham do
Ao lado disso, ainda no que diz respeito aos comportamentos sociais, destaca-se o parque.
conflito vivido pelos professores na trajetória do curso, no que diz respeito à
compreensão das diferenças entre ensino formal e informal. O pensamento presente
em sua mente, que está por traz das suas ações, é o de que o curso, por ser informal, Algumas passagens dos alunos estão a seguir
não deve privilegiar o registro e a sistematização dos dados pelos alunos, o controle e
a avaliação constante; entretanto é evidente que o que distingue o ensino em questão Estão destruindo uma das belezas que há aqui no subúrbio.
do modelo tradicional é a criação do saber pelo aluno, ao invés da sua simples
reprodução. É importante lembrar que o processo de construção do conhecimento pelo Para que a natureza continue bela, devemos cuidá-la e respeitá-la.
aluno ocorre quando ele, ao estabelecer contato com o objeto novo, reconhece
elementos seus nesse objeto, relaciona-o com os conhecimentos que já dispõe, Quero ajudar a reflorestar o parque, ajudar a limpar o parque, a despoluir
confronta seus conhecimentos com aspectos que ainda não conhece, tranformando o suas águas, a criar abelhas e a proteger o meio da destruição que o homem
objeto do conhecimento, bem como os seus esquemas de representação ou ação até ignorante está praticando.
então organizados, para depois incorporá-lo à sua base de conhecimentos. Desse
modo, o aluno deve, através do currículo, ascender do seu conhecimento imediato, de Eu acho que o parque não deve ser destruído, porque nós temos que salvar
uma aproximação do parque, da forma pela qual denomina e utiliza as plantas, da a árvores e os animais que são a única coisa de bonito que ainda se
forma pela qual representa os indivíduos do mangue, as suas lendas para chegar às encontra no Brasil.
informações de cunho científico. Segundo Not (1981) "todo objeto ou situação proposta
aos alunos deveria ser assimilável, isto é, suscetível de ser, em grande parte, Temos que proteger a natureza do homem mal e que esse belo lugar não
apreendida com os conhecimentos que eles dispõem". seja mais uma ameaça do homem.

Este patrimônio deve ser tratado com o maior carinho, pois sua fauna e
flora são ricas e inestimáveis. Ela desperta nas crianças a fantasia, o amor,
O Currículo e os Resultados dos Alunos a inocência, e, acabar com isso é matar o futuro das crianças.

A análise das provas de seleção dos alunos para o curso de Guias e Guardiães revela O parque é uma área linda e é uma pena que esteja entregue a depredação
que eles possuíam, inicialmente, uma visão naturalista do parque, ou seja, como um e aos marginais.

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O parque São Bartolomeu é um lugar de cultura, lugar de lazer, onde todos Comparece também no imaginário do aluno, captado pelas suas falas, a concepção de
brincam, tomam banho e fazem coisas gostosas. uma íntima relação do parque, da natureza, com o sagrado.

Cada vez mais a destruição toma conta do parque: árvores cortadas, lixo Tal observação confirma-se em trechos selecionados dos alunos:
espalhado, cachoeiras poluídas.
Tomar banho na cachoeira é o mesmo que estar sendo purificado pelas
Quero deixar o parque com uma flora bonita e cachoeira limpa. águas correntes.

O parque está sendo agora um lugar onde os vândalos destróem, poluem O arco-íris que se vê da cachoeira tem a magia de um Orixá, muito belo que
e também como lugar de extermínio de ladrões. se chama Oxum Maré, o senha da chuva e de todas as serpentes, um orixá
das águas correntes que carregava água para o palácio de Xangô, o senhor
do raio e trovão que é o filho de lemanjá, a mulher de Ganjú.
Outras respostas dos alunos a partir de um exercício proposto durante o inicio do curso
de Comunicação e Expressão, apesar de conter elementos humanos, reforçam que a Na subida para a cachoeira de Oxum tem uma pedra, esta pedra é de
idéia que eles faziam do parque e da natureza está contaminada por esta concepção Obaluaê, o senhor que cura todas as doenças. Ele era um homem muito
naturalista. doente e, por isso, teve que ser enrolado e coberto em palhas, a sua mãe
era Nauá, a senhora das águas, e ela desesperada pegou Obaluaê e jogou
Vejam-se as respostas a provocação do professor: O PARQUE É: no rio repleto de caranguejos. Ele sobreviveu.

— mato — mães de santo As cachoeiras têm os nomes dos deuses que originaram elas.
— lixo — animais
— árvores — peixes
— cachoeiras — esgoto Em síntese, é importante salientar que as diversas leituras que o aluno fazia do parque,
— casas — poluição de uma forma geral, eram assinaladas por uma defesa acrítica da sua preservação, na
— barracas — palafitas qual estão ausentes quaisquer argumentos capazes de problematizar as agressões
— pedras — Oxúm, Ogum, lansã, Oxalá, Oxoci ambientais praticadas pelo homem que lá vive, suas causas e conseqüências tanto
— trilho — despachos de candomblé para o ambiente natural como social. Tal fato revela o desconhecimento do que seja o
— barragem — oferenda parque do ponto de vista físico-social.

Outro foco que está presente nas falas dos alunos é o da importância histórica e Alguns dizeres dos alunos que confirmam este comentário:
cultural do parque, apontada, na maioria das vezes, como uma verdade acabada, por
si só explicativa:" Devemos preservar os micos, os bem-te-vis, os papa-capim, as Lugar muito bonito que não pode ser destruído.
árvores que presenciaram toda a história do parque";" Um lugar conhecido como
centro histórico, do culto afro, também como uma das últimas reservas de mata Deve ser preservado por ser uma das maiores fontes de oxigênio de
Atlântica"." Cenário da luta pela independência e santuário sagrado das religiões afro". Salvador.

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Temos que preservar porque verde é vida.

Temos que preservar a natureza, pois são as plantas que soltam o oxigênio.

Com todo mundo ajudando, o parque voltar a ser como antes.

Não é preciso dizer a importância que o imaginário do aluno tem para possibilitar a
expressão do seu entendimento do parque, da sua realidade. Penetrar no imaginário
significa penetrar no espaço onde o homem tem o poder de formar, distribuir e impor
imagens conforme os seus desejos, ainda que inconscientes. Por carregar em si uma
polarização dos anseios, possui um caráter prospectivo, ou seja, contém elementos
que se desejam serem alcançados no futuro. O indivíduo não consegue impedir de
arrumar os elementos da realidade de uma maneira diferente do real, a fim de que eles
correspondam a seu desejo. Nesse sentido, a idéia de natureza e do parque dos
alunos pertence não só ao domínio das idéias, mas do desejo. Exemplo disso é que a
idéia de natureza presente nos discursos do aluno permite que a insatisfação se
expresse. Segundo Rosset (1989), "sem a idéia de natureza, isto é, sem referencial de
necessidade, a insatisfação estaria condenada a permanecer curvada sobre si mesma
e a não se exprimir jamais".

Ao confrontar o entendimento que o aluno tinha do parque, com a forma pela qual ele
o vê hoje, verifica-se que houve uma superação do estado de consciência acrítica
acerca da realidade do parque São Bartolomeu. Um bom exemplo do nível ---de
compreensão alcançado se revela na observação de mapas do parque, confeccionados
durante uma avaliação preliminar, antes do início do curso de formação de Guias e
Guardiães e mapas confeccionados durante a avaliação final do curso. A Figura 2
apresenta dois dos mapas supracitados. É fácil perceber o poder de síntese alcançado
na fase final do curso, que se traduz na capacidade de localização espacial, orientação
e representação gráfica em escala, associados a problematização bio-geológico-
ambiental, numa inequívoca demonstração da percepção crítica desenvolvida.

Desse modo, as respostas da avaliação final do curso evidenciam que os alunos


alcançaram uma compreensão do ambiente físico, biológico e geológico do parque, a
FIGURA 2 • (A) Mapa confeccionado na fase inicial do curso.
dinâmica dos ecossistemas inseridos, seus processos naturais; a dimensão social, (B) Mapa confeccionado na avaliação final do curso Ao lado, o aluno dispõe um
política e econômica da problemática ambiental do parque. Isto significa que, hoje, os inventário dos principais problemas ambientais do parque

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alunos conseguem reconhecer, dentre os fenômenos do parque, quando se tratam de areias estão descendo e aterrando o mangue e impedindo a passagem da
problemas científicos, problemas sociais, e, mais precisamente, problemas relacionados água do mar com a do rio. No mangue do parque a solução seria que as
ao poder político. pessoas não derrubassem mais as árvores porque assim não causaria
alteração, e, no mangue de fora o caso é mais complicado porque teria que
Alguns textos finais dos alunos são elucidativos desta questão: planejar bastante e uma das primeiras coisas a ser discutida é para onde as
pessoas iriam sem que haja prejuízo.
Os principais problemas ambientais do parque são: a cachoeira de Oxum,
poluída desde a sua nascente que começa no rio Sena; a ação do homem A floresta é um lugar muito importante para os seres vivos, tem que ter um
com tratores para formar campos de futebol em Ilha Amarela que provoca solo rico em húmus, úmido, com bastante luz solar e temperatura adequada,
erosões aterrando a nascente da segunda cachoeira; a cachoeira que se e isso tudo depende para que os vegetais tenham um bom crescimento,
forma com o rio da barragem do Cobre está poluída com a ação do lixo e para que eles possam fazer a fotossíntese e a transpiração. E para que os
poluentes; alguns desmatamentos e as pessoas de baixa renda invadem animais possam desempenhar seus papéis dentro do ecossistema; na teia
para fazer suas moradias, ação das pessoas do Candomblé que colocam alimentar cada um depende do outro para sobreviver.
velas nos pés das árvores, tomando possíveis os incêndios; manguezal
quase se extinguindo por excesso de aterramentos para moradia de pessoas No manguezal tem muitos animais aquáticos que não vivem na água
de baixa renda e também sendo poluído pela ação do lixo e poluentes da salgada, nem na doce, só nesse encontro que se dá a água salobra, lá os
fábrica de Pirajá que quando despejados nos rios que vem da barragem do peixes desovam. O manguezal é muito importante também porque a
cobre vão diretamente para o mangue. população adquire dinheiro e alimento como os crustáceos encontrados no
mesmo.
Uma das soluções para a moradia é dar uma área específica para as
pessoas de baixa renda construírem suas moradias para que o mangue não A depredação, as invasões e o manguezal em degradação estão
seja aterrado. parcialmente interligados. É a crise de moradia que leva a população a
querer ocupar todos os lugares vagos, inclusive o manguezal, e isso tudo
É difícil achar solução para o problema da moradia, pois as pessoas que em geral é depredação. Essas pessoas não tem consciência do que estão
moram no mangue não tem outro lugar para morar. fazendo, pois a necessidade os obriga.

Para enfrentar o problema das queimadas, seria preciso uma Floresta, quando citamos esse nome pensamos ser um enfeite da natureza,
conscientização das pessoas que moram ou transitam no parque. Diferente mas não é só um enfeite, é uma ecossistema onde vivem vários animais,
do problema dos esgotos que precisariam de uma ação por parte do governo. onde precisamos de solo rico para os produtores que alimentam os
Já o problema das pessoas que moram no parque, eu acho que teríamos consumidores, depois vêm os decompositores que fertilizam o solo.
que lutar diante do governo e outras entidades para que eles possam tirar
essas pessoas desses lugares para lugares em condições de vida melhor. A Floresta Atlântica vive um constante equilíbrio. Ela é muito frágil. Se
mexermos em uma coisa aos nossos olhos mínimos, pode resultar em
O mangue de dentro do parque está tendo grande alteração segundo a imprevisível desastre natural. E é isso que ocorre aqui em São Bartolomeu.
nossa geologia, as pessoas estão tirando as árvores, derrubando-as e as O desmatamento é um dos problemas que mexe no equilíbrio da mata. Com

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o desmatamento certas espécies de vegetal deixam de existir. E isso causa Livre licença para as pessoas do culto afro, tanto que seja um lugar
grandes problemas ambientais. Por exemplo, com a falta de alimento reservado para eles.
decorrente de um desmatamento, formigas, gafanhotos, lagartos e outros
insetos podem mudar de seu habitat, para áreas ocupadas pelo homem, Conscientizar as mães de santo para que não coloquem velas nos troncos
trazendo transtornos. A cobertura de vegetais também protege o solo. Uma das árvores.
área desmaiada sofre erosão, porque não tem a proteção das copas das
árvores. Enfim, esse equilíbrio pode ser visto sob vários ângulos. Por Deve ter um centro de cultura, onde pudesse realizar eventos culturais, um
exemplo, a reciclagem de nutrientes. Como sabemos as plantas tiram os ecomuseu no qual o acervo seria o próprio parque. Deve-se reavivar o lado
nutrientes que precisam do solo. Esses nutrientes são usados pelas plantas, afro visando a um local para que as pessoas do candomblé pudessem
que por sua vez, fornecem muitos nutrientes ao solo através de suas folhas, relizar seus ritos.
galhos mortos, etc.
Poderíamos tomar o nome completo de cada família da invasão para que se
Sobre o manguezal sabemos que é importante biologicamente, porque é o faça ou não, se já tem projetos para essas pessoas que não têm onde
berço da vida marinha. E, economicamente, porque fornece vários tipos de morar.
alimento.
Os órgãos do governo deveriam levar as pessoas que vivem no mangue
para áreas com escola, hospital e esgoto.
Destruindo um pequeno inseto como a borboleta, esta não mais polinizará
uma flor, sem a flor não haver pássaros, sem pássaros não haverá cobras e
Um ponto surpreendente, que vale ser ressaltado, é que, após o término do curso,
assim por diante. Pas destruindo uma floresta irá acabar com toda a relação
cerca da metade dos alunos, por iniciativa própria, começaram a realizar palestras nas
de interdependência entre os seres e o meio.
escolas públicas das áreas vizinhas ao parque, com vistas a conscientizar os jovens da
realidade do parque e da necessidade de preservá-lo. Passaram a realizar também
O desmatamento causa pobreza do solo com a falta de matéria orgânica e uma oficina de teatro com produção de máscaras junto a crianças menores do parque.
da água. As queimadas acabam com os microorganismos no solo. Isto mostra que, de alguma forma, o curso de Guias e Guardiães forneceu
oportunidades para o treinamento no envolvimento político e na cidadania ativa.

O manguezal é o berço marinho onde os seres aquáticos procuram águas


mansas para reproduzirem, também a vegetação do mangue contribui com
Considerações Finais
outros vegetais que purificam o ar e enriquecem os substratos com matéria
orgânica.
A superação do estado de consciência acrítica com relação ao parque, foi possível na
medida em que os indivíduos utilizaram e expressaram o conhecimento assimilado e
O desmatamento altera radicalmente o clima da região. construído individual e coletivamente durante o curso para efetivar uma re(leitura) do
seu contexto sócio-cultural. Os alunos no decorrer do curso, conhecem o parque, dele
Para a recuperação do parque, deveríamos fazer a divulgação do parque se aproximam, e por ele expressam seus sentimentos e questionam a natureza da
através de jornais, slides, panfletos. relação com ele estabelecida. A aproximação do indivíduo dos temas da sua realidade

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se liga, de forma inequívoca, a compreensão do real, pois o conhecimento adquire desenraizadas do próprio meio pelo qual se deseja que estes mesmos sujeitos sintam-
sentido e valor para o indivíduo em uma perspectiva que o vincule a vida. Entretanto, se responsáveis.
o currículo em questão vai mais além, possibilitando a reelaboração critica dos
conhecimentos pelo aluno. Por fim, deve ser notado que o currículo do parque, reflexão-ação-reflexão, só pode ser
entendido a partir da prática concreta dos sujeitos nele envolvidos, o que assinala a
A proposta de Educação Ambiental em estudo distingue-se de outras meramente importância quando da construção de um currículo, de se penetrar nas mediações
pedagógicas, despolitizadas e aculturadas, como exemplo — a produção de papel constituídas pelas idéias, percepções, sentimentos do professor e aluno.
reciclado em sala de aula — colocado como a grande renovação do ensino para o
ambiente; por representar uma oportunidade de práxis ecopolítica que envolve o Cabe ainda ressaltar que o projeto de Educação Ambiental realizado pode servir de
entendimento das inter-relações entre as atividades humanas e os sistemas naturais, modelo referencial a ser experimentado em outras unidades de conservação, ampliando
assim como das possibilidades e limites da intervenção do sujeito nestes sistemas. assim o seu papel transformador.
Significa, portanto, um alerta para aqueles que têm assumido acriticamente propostas
simplificadoras como se fossem propostas de Educação Ambiental que, na verdade,
nada mais são que uma repetição de valores, conceitos, idéias e, sobretudo, posturas. Referências Bibliográficas

É importante chamar atenção para a "má informação" veiculada por estas práticas tão GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1986.
comuns no meio educacional e nos meios de comunicação social, que têm vinculado 336p.
a questão ambiental a interpretações ingênuas de modelos de sociedade, ocultando
assim aspectos político-econômicos de base. A conseqüência é o risco para os NOT, L As pedagogias do conhecimento. São Paulo: Difel, 1981.488p.
sistemas ecossociais de manter o mesmo padrão de relacionamento vigente, ao invés
de buscar e estabelecer novas metas, limitando dessa forma a absorver as dificuldades ROSSET, O A anti-natureza: elementos para uma filosofia trágica. Rio de Janeiro:
ambientais e acomodar a essa contradição. Espaço e Tempo, 1989.

Uma nova racionalidade se impõe aos sujeitos do currículo, professor e aluno, RUBBA, P. Goals and competencies for precollege. Journal of Environment
racionalidade esta que vem substituir propostas e práticas de Educação Ambiental Education,,v.19, n.4, p.38-44,1988.

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A PRODUÇÃO INTELECTUAL BRASILEIRA SOBRE A Produção no Campo do Currículo no Brasil: uma sintese retrospectiva
CURRÍCULO A PARTIR DOS ANOS 80
Segundo Moreira (1990), um primeiro ensaio de sistematização das questões
Rosa Fátima de Souza* curriculares surgiu no País, no início do século, no contexto das reformas do ensino
realizadas em vários estados, contando com a atuação de importantes participantes do
Este texto constitui a sintese de um relatório de pesquisa de revisão bibliográfica sobre movimento renovador da educação — Escola Nova, como: Anísio Teixeira, Mario
a produção intelectual brasileira no campo do currículo, no período compreendido entre Casassanta, Fernando de Azevedo, Carneiro Leão, entre outros (Nagle, 1974, p.95-
1980 a 1992. O estudo objetivou contribuir para a sistematização da bibliografia 124; Moreira, 1990). Portanto, pode-se dizer que o campo do currículo no Brasil nasceu
produzida no campo do currículo no Brasil, a partir da década de 80, e oferecer na efervescência do Escolanovismo, tendo sofrido influências do pensamento
subsídios para a pesquisa teórica e empírica neste campo. Objetivou, também, progressivista em educação, em especial, das idéias de Dewey e Kilpatrick. No
identificar os interlocutores, as temáticas, o conteúdo e pressupostos da produção entanto, este campo de estudos se consolidou a partir da criação do Instituto Nacional
intelectual em livros e periódicos e verificar as tendências e/ou concepções de currículo de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), em 1938.
presentes nessa produção.
A publicação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, a partir de 1944, tornou-
A escolha do conjunto de fontes para o enfrentamento do objeto de estudo recaiu sobre se um dos principais veículos de difusão do pensamento curricular emergente. Na
livros e artigos em periódicos publicados no País. Foram selecionados todos os livros década de 50, o INEP publicou o primeiro livro brasileiro sobre currículo Introdução ao
cuja temática central era o currículo, perfazendo um total de 12 obras. Em relação aos Estudo da Escola Primária (1955), de João Roberto Moreira. Além das publicações, o
artigos, procurou-se selecionar aqueles que tratavam do currículo em geral, INEP empreendeu outras iniciativas na área como cursos e estudos específicos;
excetuando-se os voltados especificamente para conteúdos curriculares (disciplinas principalmente, através do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e dos Centros
específicas). Não se buscou esgotar a bibliografia existente nos periódicos mas, sim, Regionais, criados a partir de 1955. As Divisões de Treinamento do Magistério, ligadas
reunir um número considerável de textos que possibilitassem delinear um quadro de a estes centros "ofereceram cursos sobre planejamento curricular e organizaram
referência razoável sobre a produção intelectual no campo do currículo. Os 34 artigos escolas experimentais que funcionaram como laboratórios de estudo e pesquisas
arrolados para a análise coincidem com o número de artigos encontrados nos principais sobre currículo e metodologia de ensino" (Moreira, 1990, p.110). No que diz respeito ao
periódicos de circulação nacional, na área de educação do País e que satisfizeram os pensamento curricular do INEP, Moreira afirma que o mesmo tinha uma forte influência
critérios estabelecidos para a investigação. progressivista advinda de Dewey e Kilpatrick. Influência esta que foi reinterpretada,
principalmente, por Anísio Teixeira e aplicada à realidade brasileira.

Também o Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar


(PABAEE), cujo acordo foi assinado em 1956, exerceu significativa influência no
desenvolvimento do currículo no País. Dos oito departamentos criados no Programa,
um era especificamente de Currículo e Supervisão, dedicando-se à promoção de
cursos sobre currículo e assistência técnica em questões curriculares. O departamento
oferecia três disciplinas: Currículo na Escola Elementar, Supervisão do Ensino na
'Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação da USP. Professora de Currículos Escola Primária e Currículo e Supervisão, todas elas enfatizando o "como planejar e
e Programas do Departamento de Ciências da Educação da FCL/UNESP. desenvolver currículos". A associação entre currículo e supervisão assinala, por sua

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vez, a ênfase nos aspectos instrumentais e técnicos do currículo. A influência sobre currículo nos anos 70, realizada por este autor. "Diversos artigos sobre currículo,
marcadamente americana pode ser percebida na bibliografia utilizada, onde publicados nos anos 70, enfatizam planejamento curricular, educação
predominavam autores americanos e mesmo autores brasileiros, como Marina Couto, profissionalizante, legislação curricular, necessidades industriais e eficiência (cf., por
Dalila Sperb e Lady Lina Traldi, que haviam estudado nos Estados Unidos. exemplo, Pires, 1970,1971; Peregrino, 1972; Nascimento, 1974,1975). A influência de
Diferentemente do INEP, no PABAEE houve uma forte influência tecnicista1. Nesse autores americanos tecnicistas é bem mais visível, embora seja também nítida, em
sentido, deve-se destacar o livro de Marina Couto, Como Elaborar o Currículo (1966), outros trabalhos, como que para contrabalançar a aridez do tecnicismo, uma orientação
amplamente utilizado no Programa e que representa o pensamento curricular deste. humanista derivada da fenomenologia, do existencialismo, do progressivismo e da
não-diretividade (cf. Bordas, 1976; Mota e Santos, 1976; Martins, 1978). As influências
Nos anos 60, além da influência do PABAEE, o desenvolvimento do campo do observadas nos artigos em currículo, na década em questão, apontam mais para uma
currículo no Brasil foi marcado pela introdução da disciplina Currículos e Programas postura eclética do que para uma adesão rigorosa do tecnicismo".
nos cursos de Pedagogia, após a Reforma Universitária (Lei 5.540/1968). Desde então,
o campo do currículo instalou-se no interior das faculdades e universidades, tornando- É preciso matizar afirmações generalizadoras quanto à unicidade da adoção, influência
se campo de ensino e pesquisa. e predominância do tecnicismo no campo do currículo no Brasil. Mesmo assim, ainda
que não tenha ocorrido uma "adesão" rigorosa ao tecnicismo, esta produção influenciou
Na década de 70, permanece, pois, a grande influência americana no campo do toda uma geração de educadores e instituiu uma determinada forma de conceber a
currículo com características tecnicistas. Vários livros foram traduzidos — Currículo teoria e prática do currículo no País. A produção crítica dos anos 80, como será
Moderno: um planejamento dinâmico das avançadas técnicas de ensino (1970), de mostrada mais adiante, significou, de certa forma, uma ruptura com essa produção
Robert S. Fleming; Princípios Básicos de Currículo e Ensino, de Ralph Tyler (1974). Em predominante.
relação a este último livro, é preciso mencionar a sua enorme difusão no País, o qual
no período de 1974-1984 chegou a ter nove edições, conforme notifica Domingues
(1985). A Produção dos Anos 80

As únicas publicações de livros sobre currículo, de autor brasileiro, nesta década, A Produção em Livros
foram os livros de Lady Lina Traldi — Currículo: conceituações e implicações, Currículo:
metodologia de avaliação e Currículo: teoria e prática, em 1977 (Moreira, 1990; Um dos primeiros aspectos a ressaltar é o grande número de obras de autores
Cardoso et al., 1987; Domingues, 1985). Em todas estas obras percebe-se com nacionais, diferentemente das décadas anteriores, mais marcadas pela difusão de
evidência a predominância da tendência tecnicista, ainda que não possa ser obras estrangeiras traduzidas. Dos 12 livros publicados, oito são de autores nacionais,
absolutizada. É isto, por exemplo, que Moreira(1990) buscou demonstrar ao identificar três de autores estrangeiros e um de autor estrangeiro, mas editado primeiramente no
nas obras de Tyler e Taba princípios progressivistas. Segundo balanço das publicações País. A maior parte das publicações data da segunda metade da década de 80—oito
livros — e início dos anos 90 — quatro livros (ver Quadro I).

Outro aspecto a ressaltar é que na grande maioria desses livros perpassa o espírito da
¹- Por influência tecnicista entende-se a tradição curricular predominante nos EUA, até a
renovação — com exceção da obra de Frederick (1987) — o que os diferencia
década de 60, caracterizada pela racionalidade técnica, preocupações com determinação de
substancialmente da produção sobre currículos das décadas anteriores, como será
objetivos e controle do processo educativo. Os principais teóricos dessa tendência foram F.
Bobbit e R. Tyler. Ver Tyler (1974) e Kliebard (1980). visto a seguir.

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Em relação aos livros de autores nacionais—em número de oito—três são coletâneas
de textos: Currículo: análise e debate (1981); Pensando Currículo (1988); e Supervisão
VÁRIOS Pensando Currículo Pós-Grad. UFPR 1988 -
e Currículo (1983). Os dois últimos constituem-se em obras de divulgação da produção SAUL, A. M Avaliação Cortez/Aut. Assoc. 1988 -
de Programas de Pós-Graduação na Área de Currículo: Pensando Currículo, produzido Emancipatória

pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná; APPLE, M. 1989


Educação e Poder Artes Médicas 1985/EUA
e Supervisão e Currículo, que reúne trabalhos de autores ligados à Pós-Graduação em
Educação, na área de concentração em Supervisão e Currículo da PUC/SP. MOREIRA, A. F. Currículos e Papirus 1990 •
Programas no Brasil

Outros três livros constituem adaptações de teses e dissertações: Saul, 1988 (tese de SILVA, T. M. N. A Construção do EPU 1990 -
doutorado— PUC/SP); Moreira, 1990 (tese de doutorado — Instituto de Educação da Currículo na Sala de Aula
Universidade de Londres); e Silva, 1990 (dissertação de mestrado — PUC/SP).
MARTINS, J. Um Enfoque Cortez 1992
Também vinculado às atividades do Programa de Pós-Graduação da PUC/SP encontra- Fenomenológico do
se o livro de Martins (1992). Currículo: educação como
poiésis
Verifica-se, também, que todos os autores desses livros são professores vinculados à
universidade, mesmo os autores estrangeiros, seja a programas de pós-graduação, No início da década de 80, dois livros indicaram, ainda que timidamente, novas
seja a faculdades de educação. Por isso, sobressaem os programas de pós-graduação perspectivas no tratamento do currículo. Em O Currículo: teoria e prática (1981), Albert
como os principais responsáveis pela produção sobre currículo no País, evidenciando, V. Kelly se propõe a apresentar uma "visão prospectiva" das diversas teorias existentes
conseqüentemente, a universidade como locus da produção de conhecimento na área. no campo. No entanto, o livro contempla as questões temáticas tradicionais do currículo
— como planejamento, objetivos, integração, avaliação — além de discutir o contexto
Quadro I — Relação de Autores e Livros Publicados a partir da Década de 80 social do desenvolvimento do currículo e o problema do currículo comum. O autor se
limita então, mais a discutir e tematizar estes diferentes aspectos que propriamente
teorizar sobre no tema tal como sugere o título.
AUTORES NOME DO LIVRO EDITORA ANO DE EDIÇÃO NO
EDIÇÃO EXTERIOR
Em Currículo: análise e debate (1981) encontram-se textos importantes, representativos
ORKEELY, A. J. 0 Currículo: teoria Happer & Raw do 1981 1977
das tendências do debate e abordagens críticas no campo em âmbito internacional,
e prática Brasil
mais propriamente o norte-americano. Nesse sentido _ como as próprias
MESSICK, R.(org.) Currículo: análise Zahar 1962 - organizadoras o classificam — o livro se apresentava, naquele momento, como
e debate
"literatura de renovação". Destacam-se alguns textos, como os de Kliebard, que
APPLE, M. Ideologia e Currículo Brasiliense 1982 1979/EUA consistem em uma crítica contundente ao modelo baseado nas obras de Bobbit e
Tyler, chamado pelo autor de paradigma técnico-burocrático. Os textos de Crombach e
D'ANTOLA, A. Supervisão e Currículo Pioneira 1983 - Parlett e Hamilton apresentam enfoques qualitativos para a avaliação educacional.
FREDERICK, A. Currículo e Contexto MacGraw-Hill 1987 -
Sociocultural Em 1982, é publicada a tradução de Ideologia e Currículo, de Michael Apple, três anos
após sua publicação nos Estados Unidos da América. Esta obra pode ser considerada
RANGEL, M. Currículo de 1ºe 2º Vozes 1988 - uma das mais importantes da década pela significativa influência nos estudos e
Graus no Brasil

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debates sobre currículo a partir de então. Ideologia e Currículo constituiu a primeira Supervisão e Currículo, organizado por Ariette D'Antola e publicado em 1983, apresenta
obra traduzida no Brasil, acerca do campo do currículo, construída a partir da um conjunto de textos que assinala um outro enfoque que terá grande influência na
perspectiva sociológica e que adotou o referencial teórico-marxista. Difundiu, assim, produção brasileira no campo do currículo, qual seja, a abordagem humanista com
uma outra ótica de análise dessa temática. base no pensamento de Paulo Freire. A coletânea, segundo a organizadora,
compreende os trabalhos mais significativos produzidos no Programa de Pós-
A questão central do livro, como o próprio título sugere, é a da relação existente entre Graduação em Supervisão e Currículo da PUC/SP. O livro não trata unicamente do
ideologia e currículo. O objetivo de Michael Apple com este livro, é compreender "como currículo, como uma das categorias dessa díade, tal como o próprio nome parece
as escolas produzem e reproduzem formas de consciência que permitem a manutenção sugerir. Dos oito capítulos, cada um composto por um texto, apenas quatro tratam
de controle social sem que os grupos dominantes tenham que recorrer a mecanismos especificamente do currículo.
declarados de dominação" (p.12). Para isto, investiga três áreas da vida escolar: a) a
experiência escolar e o ensino ideológico dissimulado, ou seja, a questão do currículo
oculto; b) problematização do conteúdo ideológico do currículo; c) problematização da Na segunda metade da década de 80, são publicados outros cinco livros. Dois deles
atuação do educador. dão continuidade às tendências já anunciadas no início da década: Avaliação
Emancipatória, de Ana Maria Saul (1988), sob a abordagem humanista; e Educação e
Para Apple, o problema do conhecimento em educação, ou seja, o que se ensina nas Poder (1989), de Michael Apple, sob o ângulo neomarxista.
escolas—o currículo — deve ser considerado uma forma de distribuição mais extensa
de bens e serviços dentro da sociedade. Para ele, trata-se de saber: a) Em que medida
Os três outros livros conservam resquícios da abordagem tradicional, além de serem
o conhecimento transmitido pela escola contribui para a manutenção das diferenças
trabalhos pouco consistentes. Isto pode ser observado no livro Currículo e Contexto
sociais? b) Por que se ensinam nas escolas alguns conhecimentos e não outros? c)
Sociocultural: modelos e sugestões para a pesquisa curricular de Alfred Daniel
Como fazem as escolas para distribuir esse capital cultural? Este estudo sobre o
Frederick, publicado em 1987; Currículo de 1º e 2º Graus no Brasil (1988), de Mary
conhecimento educacional deve ser um estudo em ideologia, pois, como explica o
Rangel e Pensando Currículo (1988), coletânea de textos.
autor. "Em termos mais claros, o conhecimento manifesto e oculto encontrado nos
equipamentos escolares, e os princípios de seleção, organização e avaliação desse
conhecimento são seleções dirigidas pelo valor de um universo muito mais amplo de Avaliação Emancipatória: desafio à teoria e à prática de avaliação e reformulação de
conhecimento possível e princípios de seleção. Portanto, não devem ser aceitos como currículo, de Ana Maria Saul (1988), representa um marco editorial por se constituir
dados, mas problematizados — ligados, se assim se quiser chamar — de modo que numa das primeiras publicações brasileiras na área de avaliação de currículo,
possam ser rigorosamente examinadas as ideologias sociais e econômicas e os elaborada a partir de uma perspectiva crítica. A importância dessa obra reside,
significados padronizados que se encontram por trás deles" (Apple, 1982, p.72). As sobretudo, na exposição de um novo paradigma de avaliação denominado pela autora
escolas desempenham o papel de distribuidoras de normas e valores necessários a de "Avaliação Emancipatória". Paradigma este fundado na pesquisa qualitativa e seus
fazer com que a desigualdade social pareça natural. Isto é feito através do currículo pressupostos, algo inovador na área. Os pressupostos teórico-metodológicos
oculto2, noção que explicita a forma pela qual a ideologia é veiculada pelo currículo. subjacentes à Avaliação Emancipatória são: Avaliação Democrática, Crítica Institucional
e Criação Coletiva e Pesquisa Participante. No pressuposto da Crítica Institucional e
2
Criação Coletiva há o encontro com a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire. Embora
Por currículo oculto, emprega o mesmo sentido dado por Jackson: 'normas e valores que são o livro trate de avaliação de currículo e não do currículo propriamente dito, o esforço de
implícita porém efetivamente transmitidos pelas escolas e que habitualmente não são teorização nesta área, tão próxima, destaca-o como obra de especial relevância na
mencionados na apresentação feita pelos professores dos fins ou objetivos" (Apple, 1982,
produção sobre currículo nos anos 80.
p.72).

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Em Educação e Poder (1989), Michael Apple dá continuidade a seu livro anterior, demonstrar, também, que o discurso curricular no Brasil, nestes anos, não foi apenas
Ideologia e Currículo (1982). Mas o faz a partir da autocrítica em relação a alguns e exclusivamente tecnicista. De fato, teve influências progressivistas e, sobretudo, o
aspectos considerados por ele mesmo como sendo reducionistas e mecanicistas pensamento estrangeiro não teria sido absorvido sem crítica e readaptações. Pelo
presentes nesse livro. Em Educação e Poder, busca compreender os papéis contrário, sofreu as inevitáveis modificações decorrentes das especifícidades dos
contraditórios exercidos pelas escolas e perceber as possibilidades para a ação contextos cultural e sócio-econômico e das condições processuais da realidade
individual e coletiva. Contesta a visão da escola como simples reprodutora e rejeita brasileira. Outros temas interessantes tratados pelo autor são a questão da disciplina
análises que estabelecem uma correspondência direta entre o sistema educacional e Currículos e Programas nos Cursos de Pedagogia e os debates recentes sobre
a base econômica. Tenta demonstrar, ainda, que as escolas possuem autonomia currículo no Brasil.
relativa; e, utilizando a concepção de "reprodução contestada", procura apreender o
movimento contraditório em que se insere o processo educacional. Além disso, A Construção do Currículo na Sala de Aula: o professor como pesquisador (1990), de
apresenta uma análise que enfatiza os conflitos, as mediações e as resistências. Outro Terezinha Maria Nelli Silva, trata do relato de uma pesquisa realizada pela autora, em
conceito ampliado pelo autor é o de cultura, entendida como mercadoria (capital 1984, numa experiência de ensino na disciplina de Didática, em curso de Licenciatura
cultural), e como experiência vivida pelos indivíduos em interação uns com os outros. Plena para técnicos do ensino médio.
Avança também, neste livro, ao considerar as escolas não apenas como instituições
distribuidoras de conhecimento, mas como produtoras deste. Tal obra exemplifica uma tentativa de desenvolver uma das tendências da abordagem
humanista de reconsideração do currículo como processo e construção. A autora
O período de 1990 a 1992 apresenta um número significativo de livros, assim fundamenta seu trabalho no pensamento de Apple, Giroux, Faundez e Freire e defende
considerados não apenas pela quantidade mas, principalmente, pela consistência o ponto de vista segundo o qual "a construção do ensino e do currículo, na visão crítica,
teórica neles presente. De fato, eles representam um salto qualitativo na produção deve ser responsabilidade conjunta de professores e alunos" (p. xiii). Enquanto relato
intelectual sobre currículo. de uma investigação, desenvolvida na linha de pesquisa professor-pesquisador, a obra
é bastante interessante, porém, no que concerne à questão da construção do currículo
Assim, Currículos e Programas no Brasil, de Antônio Flávio Barbosa Moreira (1990), na sala de aula, a questão é tratada superficialmente.
constitui estudo primoroso sobre o campo do currículo no País, ao destacar as
influências e tendências presentes no pensamento curricular brasileiro. A influência Um Enfoque Fenomenológico do Currículo: educação como poiésis, de Joel Martins
estrangeira, principalmente a norte-americana, sobre o campo do currículo, é o ponto (1992), apresenta-se como obra inédita no Brasil, adotando a fenomenologia no
de partida do autor para iniciar sua análise. Nela, a questão da "transferência tratamento do currículo. O livro é organizado por Vitória H.C. Espósito a partir de
educacional" se torna a base argumentativa e a referência de fundo para estudo do anotações e textos escritos para o curso "Fenomenologia e Currículo", ministrado pelo
desenvolvimento curricular brasileiro. professor Joel Martins no Programa de Pós-Graduação em Supervisão e Currículo na
PUC/SP, em 1990.
Moreira defende a tese de que as raízes do pensamento curricular brasileiro se
encontram nas idéias progressivistas de Dewey, Kilpatrick e de autores europeus Como afirma o autor, seu objetivo é tentar encontrar outra possibilidade de analisar
vinculados ao movimento da Escola Nova. Neste sentido, uma das mais férteis idéias currículo saindo das concepções correntes. O termo currículo é utilizado, então, como
do autor é a da permanência da influência dos princípios progressivistas no equivalente à educação, envolvendo tanto o ensino quanto os programas de estudos.
desenvolvimento do campo do currículo no País. Ainda mais que isso. Embora Moreira A concepção de currículo apresentada pelo autor privilegia a subjetividade e a
evidencie a predominância da tendência tecnicista na década de 70, procura experiência pessoal do sujeito presentes no ato de aprender: "somente o que é

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aprendido por meio da experiência e pessoalmente apropriado será verdadeiramente O conteúdo dos artigos levantados revela temáticas múltiplas. No entanto, é possível
conhecido" (Martins, 1992, p.85). Mas esta experiência pressupõe a reflexão que é o identificar a incidência de alguns temas e o delineamento de algumas tendências.
caminho para se chegar ao autoconhecimento. Vê-se, pois, que o autor alarga, Assim, os artigos foram classificados em duas grandes categorias de acordo com a
sobremaneira, a noção de currículo. Para ele, do ponto de vista da fenomenologia, não natureza dos conteúdos e das temáticas: 1) reflexões de natureza teórica sobre
cabe compreender o currículo como instrumento preestabelecido contendo objetivos, currículo; e 2) debate em tomo de questões atinentes ao currículo.
métodos, conteúdos, avaliações. Como bem explicita: "currículo é a própria vida do
indivíduo numa situação de mundo — o mundo da educação, lugar onde estão
localizadas a escola, a comunidade, a natureza, as coisas dentro da natureza mesma. Na categoria um, foram agrupados os artigos que têm o currículo como principal objeto
Tudo isso dentro de sua concepção de consciência de... e da atribuição de significados de análise e lhe dão um tratamento teórico, ou seja, buscam um conhecimento
por essa consciência. Constitui-se na produção do conhecimento a partir do sistemático, organizado, reflexivo. Estes são em número de 13. Esta categoria
experienciado, isto é, do mundo vivido pelo sujeito, considerado um ser transformador" desdobra-se em três tipos de temáticas: a) paradigmas e abordagens em currículo; b)
(Martins, 1992, p.88). Por isso, ao construir currículo, deve-se preocupar sobretudo, sociologia do currículo; c) relato de pesquisa em currículo.
com as possibilidades efetivas de o aluno apropriar-se de sua experiência educacional
integrando-a à estrutura da consciência e incorporando-a como forma de estar-aí-no-
mundo (idem, p.76). Já a categoria dois reúne temas que estão em debate. Sobre eles foram selecionados
21 textos que problematizam não propriamente o currículo enquanto objeto específico,
mas que abordam "questões curriculares". Nesta categoria, três aspectos sobressaem:
A amplitude pela qual o currículo é compreendido (equivalente à educação) toma-o
a) polêmicas em tomo dos conteúdos/saber escolar; b) questões de política curricular
indeterminado. Contudo, é uma primeira apresentação dessa abordagem no campo, o
e c) temas diversos.
que sem dúvida contribui como referência inovadora.

A Produção em Periódicos
Reflexões de Natureza Teórica sobre Currículo

Da mesma forma que o observado na produção em livros é a mesma a origem dos


discursos. A maioria dos autores (cerca de 95%) são professores universitários. A Foram encontrados três artigos tratando da questão dos paradigmas e abordagens
incidência de diferentes artigos de um mesmo autor, publicados em periódicos diversos, teóricas do currículo (temática a). O artigo de Domingues, Interesses Humanos e
ressaltam estudiosos que têm uma produção mais efetiva na área, podendo-se Paradigmas Curriculares, caracteriza os três paradigmas: técnico linear, circular con-
destacar, aqui, por exemplo, Tomaz T. Silva (UFRGS), Antônio F. B. Moreira (UFRJ), sensual, dinâmico-dialógico e discute a presença dos mesmos na realidade brasileira.
Ana Maria Saul (PUC/SP),Teresa Silva Roserley (SME/SP). Veja-se Quadro II.

Duas publicações de 1987 vão merecer destaque por serem coletâneas de textos Os dois outros textos — o de Teresa Silva Roserley, Influências Teóricas no Ensino e
exclusivos sobre o tema: o número 13 do Cadernos CEDES, intitulado Currículos e Currículo no Brasil e o de Tomaz Tadeu Silva, Currículo, Conhecimento e Democracia:
Programas: como vê-los hoje? e o número 63 da Revista de Educação AEC, intitulada as lições e as dúvidas de duas décadas, fazem um balanço das influências teóricas no
Conteúdos Escolares. campo do currículo. Constituem importantes textos de revisão bibliográfica.

Em Aberto. Brasília, ano 12, n.58. abr./jun. 1993


QUADRO II - Relação de Artigos Selecionados para a Análise, Publicados a partir da Década de 80

AUTOR INSTITUIÇÃO ARTIGO PERIÓDICO DATA

APPLE, M Wisconsin 0 Formato Curricular e a Lógica do Controle Técnico... FELDENS.M." 1986


AZANHA.J Prof. USP/SP Objetivos da Educação nacional e Currículos para o Ensino... Rev.Fx.Educ 1988
BURNHAM, T. F. Profa UFBA Vazio de Significado Politico-Epistemológico na Escola Pública Anais 6* CBE 1992
CARDOSA, E.etalli Profa. UFF Os Livros Tradicionais de Currículo Cadernos CEDES 1987
DOMINGUES, J.L Prof. UFGO Interesses Humanos e Paradigmas Curriculares RBEP 1986
GANDIN.D. Asses.AEC/RS Conteúdos: possíveis brechas no dia-a-dia Rev. Ed. AEC 1987
GARCIA, C. M. Profa UFPR Currículo: concepções contemporâneas e uma orientação Didática 1985
GARCIA, C. M. Profa UFPR Inovação Curricular Educar 1987
GARCIA, R.L SME/RJ Um Currículo a Favor dos Alunos das Classes Populares Cad. CEDES 1987
KRASILCHIK, M. Profa. USP/SP 0 Currículo na Sala de Aula Rev. Fac. Educ 1984
GIROUX, H. Prof. Univ. Miami Pedagogia do Conteúdo versus Pedagogia da Experiência... Educação & Realidade 1986
GOMES, 0 A. 0 Prof. PUC/RJ Sociologia do Currículo: perspectivas e limitações Forum Educ. 1980
GONÇALVES, 0. Prof. UFRJ Incorporação de Práticas Curriculares nas Escolas Cad.de Pesq. 1984
LIBÂNEO, J. 0 Prof. UFGO Pedagogia Crítico-Social, Didática e Currículo Anais XVI Sem. 1986
Tec.Educ
LUCKESI, C. C. Prof. UFBA Currículo e Ideologia uma contribuição à reflexão... FELDENS, M. * 1986
MITRUUS, E. Profa. USP/SP Educação e Currículo: promessas e contribuições da Nova Soc. Rev. Fac. Educ. 1983
MOREIRA, A. F. B. Prof. UFRJ A Contribuição de Michael Apple para o desenv. de uma teoria... Forum Educ. 1989
MOREIRA, A. R. B. Prof. UFRJ Sociologia do Currículo: origens, desenvolvimento Em Aberto 1990
MOREIRA, A. R. B. Prof. UFRJ Reflexões sobre o Ensino de Currículos e Programas no Rio de Janeiro ANDE 1991
MOREIRA, A. R. B. Prof. UFRJ Escola, Currículo e a Construção do Conhecimento Anais CBE 1992
OUVEIRA, R. Cons. Com. Negra * Reflexões sobre a Experiência de Alteração Curricular em SP Cad. de Pesq. 1987
OTTI, M. B. Profa. UFRGS Currículo: um sobreviver no estrangeiro e um sobreviver na própria terra Rev. Edu. AEC 1987
SAUL, A. M. Profa. PUC/SP Comentários ao Texto: "0 Formato Curricular e a Lógica do Controle Técnico FELDENS, M * 1986
SAUL, A. M. Profa PUC/SP Refletindo sobre a Escola Unitária e Diversidades Regionais — implicações Anais IV CBE 1988
para o currículo
SAVIANI, D. Prof. UNICAMP 0 Ensino Básico e o Processo de Democratização da Sociedade Brasileira ANDE 1984
SEVERINO, A. J. Prof. USP/SPA Formação Profissional do Educador: pressupostos filosóficos e Rev. Fac. Educ. 1991
implicações curriculares
SILVA, T. R. N. SME/SP Currículo para as Áreas Rurais: opção necessáriaCad. CEDES 1987
SILVA, T. R. N. e SME/SP Influências Teóricas no Ensino e Currículo no Brasil Cad. Pesq. 1989
SILVA, T. R. N. e
ARELANO, L R. G. SME/SP Orientações Legais na Área do Currículo nas Esferas Federal e Estadual, Cad. CEDES 1987
a partir da Lei 5.692/71
SILVA, T. T. Prof. UFRGS 'Conteúdo': um conceito com falta de conteúdo? Rev. Edu.AEC 1987
SILVA, T. T. Prof. UFRGS Distribuição do Conhecimento Escolar e Reprodução Social Edu. Realidade 1988
SILVA, T.T. Prof, UFRGS Currículo, Conhecimento e Democracia: as lições das dúvidas de duas décadas Cad. Pesq. 1990
SILVA, T. T. Prof. UFRGS Produção, Conhecimento e Educação: a conexão que falta Educ. & Sociedade 1988
YOUNG, M. Prof. Univ. Londres Currículo e Democracia: lições de uma crítica à 'Nova Sociologia da Educação' Educação e Realidade 1989

' Esta publicação congrega as conferências, debates e trabalhos apresentados no Seminário Internacional de Ensino — SIE, realizado no período de 23 a 27 de setembro de 1985, em Porto Alegre/RS.

Em A b e r t o , Brasília, a n o 12, n.58, a b r . / j u n . 1993


Outra temática bastante significativa encontrada nos artigos é a que trata da Sociologia Os artigos de José Carlos Libâneo, Pedagogia Crítico-Social e Currículo, de Cipriano
do Currículo (temática b). O tom de todos os artigos é de,certa forma, o de Carlos Luckesi, Currículo e Ideologia: uma contribuição à reflexão sobre a resistência
apresentação, divulgação e caracterização dessa temática, além de se dedicarem a à manutenção da ideologia e de Dermeval Saviani, O Ensino Básico e o Processo de
apontamentos críticos. Isto talvez possa ser explicado pela originalidade do enfoque Democratização da Sociedade Brasileira exemplificam o ponto de vista dos partidários
sociológico no estudo do campo do currículo, que exigiu apresentação e divulgação da Pedagogia Histórico-crítica defendendo os "conteúdos" como núcleo central do
para os leitores. Podem ser citados os seguintes artigos: Sociologia do Currículo: currículo.
perspectivas e limitações, de CA. Gomes, Educação e Currículo: promessas e
contribuições da nova sociologia da educação, de Eleny Mitrulis, A Contribuição de Os artigos de Danilo Gandin, Conteúdos: possíveis brechas do dia-a-dia, e de M.B.
Michael Apple para o Desenvolvimento de uma Teoria Curricular Crítica no Brasil e Otti, Currículo: um sobreviver no estrangeiro e um sobreviver na própria terra, criticam
Sociologia do Currículo: origens, desenvolvimento e contribuições, de A.C Moreira e essa supervalorização dos conteúdos em detrimento da experiência dos educandos.
Produção, Conhecimento e Educação: a conexão que falta de Tomaz Tadeu Silva.
Os artigos de Tomaz Tadeu Silva, Conteúdo: um conceito com falta de conteúdo?; de
Por último, nesta primeira categoria, na terceira temática, relato de pesquisas no Antônio F.B. Moreira, escola, Currículo e a Construção do Conhecimento; o de Henry
campo do currículo, foram encontrados quatro artigos, cada um tratando de uma linha Giroux, Pedagogia do Conteúdo Versus Pedagogia da Experiência: esta é uma má
de pesquisa diferente. Obéd Gonçalves, em Incorporação de Práticas Curriculares nas polarização... e o de Teresinha Fróes Burnham, Vazio de Significado Politico-
Escolas, relata pesquisa relacionada à incorporação de práticas de planejamento na Epistemológico na Escola Pública procuram avançar no debate ao se direcionarem
estrutura das escolas e nas atividades de planejamento curricular nas escolas de 12 para uma síntese destas duas posições citadas, indicando a necessidade de se buscar
grau; Cardoso et al., em Os Livros Tradicionais de Currículo, trata de pesquisa sobre os um ponto de equilíbrio entre saber erudito e saber popular, sem o privilégio de um sobre
livros tradicionais de currículo, sendo considerados os livros mais usados nas o outro.
faculdades de educação, na década de 70. Tomaz Tadeu Silva, em Distribuição de
Conhecimento Escolar e Reprodução Social, objetivou compreender que pedagogias Outra temática diz respeito à política curricular. Na publicação do Cadernos CEDES, nº
diferentes eram distribuídas em escolas freqüentadas por classes sociais diferentes, 13, 1987, dedicado ao tema do currículo, três textos abordam aspectos da política
tendo como discussão central a questão da distribuição do conhecimento. O artigo de curricular: o de Teresa Roserley Silva e Lisete G. Aurelano, Orientações Legais na
Moreira, Reflexões sobre o Ensino de Currículos e Programas do Rio de Janeiro, Área de Currículo, nas Esferas Federale Estadual, a partir da Lei 5.692/71, o de Regina
descreve pesquisa realizada junto a 14 professores da disciplina Currículos e Leite Garcia, Um Currículo a Favor dos Alunos das Classes Populares e outro de
Programas, de diferentes universidades do Rio de Janeiro, para compreender a visão Teresa Roserley Silva, intitulado Currículo para as Áreas Rurais — opção necessária.
e a prática de ensino deles. Tais artigos discutem as implicações legais para a estrutura curricular da escola de 1º
grau e a questão do currículo para a zona rural. Outros artigos como: Refletindo sobre
Debates em Torno de Questões Atinentes ao Currículo a Escola Unitária e Diversidades Regionais: implicações para o currículo, de Ana Maria
Saul; Objetivos da Educação Nacional e Currículos para o Ensino de 1º 2º e 3º Graus,
Nesta categoria, foram analisados 21 artigos. Na primeira temática classificada, de José Mário Pires Azanha e A Formação Profissionai do Educador, pressupostos
polêmicas em torno dos conteúdos/saber escolar, foram encontrados nove artigos que filosóficos e implicações curriculares, de Antônio Joaquim Severino, ressaltam
expressam, de uma lado, o debate entre partidários da Pedagogia Histórico-crítica e diferentes questões polêmicas, tais como: o sentido do que seja escola unitária, o
partidários da Educação Popular, e, por outro lado, posições que buscam superar tal currículo na Nova LDB e diretrizes curriculares para os cursos de formação de
polarização. professores.

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.58, abr./jun. 1993


Na temática intitulada temas diversos encontram-se discussões difusas. Os vários número de publicações nacionais — cinco na década de 80: Messick (1982), D'Antola
textos: Currículo: concepções contemporâneas e uma orientação, e Inovação Curricu- (1983), Rangel (1988), Coordenação do Programa de Pós-Graduação da UFPR (1988),
lar de Consuelo de Menezes Garcia; O Currículo na Sala de Aula, de Myriam Krasilchik; Saul (1988); e três no início dos anos 90: Moreira (1990), Silva (1990) e Martins (1992).
Reflexões sobre a Experiência de Alteração Curricular em São Paulo, de Rachel de
Oliveira; O Formato Curricular e a Lógica do Controle Técnico: construindo o indivíduo A produção a partir dos anos 80 é, em sua maioria, temática e critica. Ocorre um
possessivo, de Michael Apple e Comentários ao Texto V Formato Curricular e a deslocamento expressivo de temas e abordagens. Os manuais de currículo, contendo
Lógica do Controle Técnico", de Ana Maria Saul, abordam os seguintes assuntos, modelos e sugestões voltados para a elaboração e planejamento do currículo —
respectivamente: modelo de planejamento curricular, reflexão sobre inovação curricu- dirigidos, portanto, a informar uma prática—são substituídos por uma literatura crítica
lar, currículo para o ensino de ciências, introdução da cultura negra no currículo, problematizadora. Como ressalta Apple (1982), ao invés de perguntas de caráter
materiais de difusão do currículo e controle técnico. técnico, centradas em como planejar currículo, os estudiosos passaram a fazer
pergunta de natureza mais política, e voltaram para questões explicativas (por quê?)
capazes de desvendarem os aspectos dissimulados e subjacentes ao currículo. Este
Conclusões passa a ser problematizado a partir das relações políticas, econômicas e socioculturais.
A abordagem analítica, descritiva, prescritiva é, assim, substituída pela abordagem
Pode-se dizer que a produção sobre currículo, a partir dos anos 80, é quantitativa e dialética e de natureza sociológica.
qualitativamente diferente da produção das décadas anteriores. Em se tratando dos
interlocutores, percebe-se que essa é uma produção acadêmica, uma vez que a Nisto reside, pois, a significativa diferença do olhar dirigido ao campo do currículo. A
maioria dos autores são professores universitários. Acresce, ainda, que parte dessa contribuição das teorias críticas enraizadas no marxismo e neomarxismo de certa
produção está vinculada a Programas de Pós-Graduação, podendo-se destacar alguns forma "revolucionaram" os estudos nesta área, colocando o currículo em um novo
centros universitários importantes localizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio patamar epistemológico. Isto pode ser visto no fato de o mesmo ter sido tomado como
Grande do Sul, tais como: Universidade de São Paulo, Pontifícia Universidade Católica questão central da Nova Sociologia da Educação. Não só isto, mas pela fertilidade da
de São Paulo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal produção teórica que motivou a partir de então. Passou-se a questionar, a problematizar
Fluminense, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. aquilo que era considerado naturalmente dado.

Quanto ao conteúdo e pressupostos da produção no campo do currículo nesta última O dinamismo dessa produção se destacou como característica. Se, no início da
década, observa-se, por um lado, uma ruptura, principalmente no que diz respeito às década de 80, tratou-se de denunciar as relações entre currículo e cultura, ideologia e
abordagens utilizadas no tratamento do tema e, por outro lado, a multiplicidade dos poder, estabelecendo a vinculação entre a distribuição do conhecimento e reprodução
discursos produzidos; e isto pode ser verificado tanto nos livros quanto nos artigos. social — com base principalmente no pensamento de Apple (1982) e Young, no final
desta década, já se encontram presentes revisões críticas, propondo-se a superar os
Em relação à produção em livros destaca-se, em primeiro lugar, a diferença quantitativa limites e reducionismos presentes na produção anterior—Apple (1989), Silva (1990),
entre a produção, a partir da década de 80 e a da década de 70. Nesta, foram Young e Giroux, entre outros.
publicados quatro livros sobre currículo no País, sendo três de autores estrangeiros —
Tyler (1974), Fleming (1970), Taba (1974)—e um de autora brasileira, Traldi (1977) — Ainda, em se tratando da sociologia do currículo, constata-se a influência estrangeira
coletânea em três volumes. A partir da década de 80, diminuiu a publicação de livros no pensamento curricular brasileiro. Contudo, não cabe falar em simples "transferência"
estrangeiros — apenas três: Kelly (1981), Apple (1982 e 1989) —; e aumentou o ou reprodução. O que se percebe é um esforço de reinterpretação dos autores

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.58. abr./jun. 1993


estrangeiros, à luz da realidade brasileira incorporando elementos legados pela própria políticos e institucionais/administrativos. O currículo implica sempre pretensões
produção autenticamente nacional no campo da educação. É o caso das influências de pragmáticas, ou seja, nele está imbricada a questão da racionalidade da ação. Ele
Paulo Freire e Demerval Saviani. Nâo é por acaso que os livros traduzem, mesmo que concerne, também, às decisões educativas sendo, portanto, afeto a questões de
de forma implícita, posicionamentos que coadunam com uma ou outra das tendências planejamento (concepção) e operacionalização/desenvolvimento (processo).
representadas pelos autores citados acima — Pedagogia Libertadora (Educação Po-
pular) e Pedagogia Histórico-crítica. Por tudo isto, o currículo se apresenta para o campo educacional como objeto/temática
complexo e não-redutível; e, ao mesmo tempo ambíguo — questão teórico-prática,
De forma geral podem ser identificadas três tendências principais na produção questão abstrato-concreta, formal-processual. Não é, pois, por acaso, a polissemia do
bibliográfica brasileira no campo do currículo a partir dos anos 80: o enfoque sociológico, termo e mesmo a falta de consenso quanto à sua definição e concepção.
com base no marxismo e neomarxismo, expresso na Nova Sociologia da Educação; o
enfoque humanista, com base nas idéias de Giroux e Paulo Freire; e o enfoque A questão fundamental é, portanto, saber das possibilidades de produção de uma
fenomenológico, desenvolvido por Joel Martins. "teoria do currículo" que ..consiga dar conta da sua natureza ambígua, múltipla e
complexa acercando-se dos problemas da relação teoria-prática
No que diz respeito à produção em periódicos, é perceptível a diversidade e
fragmentação teórica e discursiva. São poucos os artigos que tratam do tema de forma As digressões apresentadas acima têm o intuito de refletir sobre o terreno movediço
sistemática; a maioria, ao contrário, situa-se no âmbito do debate. Contudo, o volume sobre o qual reside a pesquisa e a prática do currículo no País.
dessa produção denota que a perda do status da área, sucumbida pelos debates e
análises político-sociais sobre a educação, não foi acompanhada pela diminuição da De fato, um grave problema é o distanciamento entre a produção "teórica" e a realidade
produção. Ao contrário, a questão do currículo passou a ser mencionada mais e mais vivida no cotidiano das escolas. O que, em decorrência, nos leva a questionar acerca
nos diversos discursos educacionais mesmo que de forma superficial e tangencial. da contribuição do campo do currículo na formação dos educadores.

Em se tratando das tendências verificadas nessa produção, o deslocamento das A questão do currículo perpassa, de forma crucial, a discussão do fazer docente e,
preocupações, antes, em torno dos aspectos técnico-metodológicos para portanto, reivindica sua interação com a didática, a psicologia, a filosofia e outras
preocupações, agora, de natureza política, econômica e sociocultural, ampliou, de disciplinas de formação no campo educacional.
forma significativa, o universo de análise do currículo. Evidentemente, isto aprofundou
as dificuldades de acercar-se do currículo enquanto objeto de estudo e, portanto, de Nesta perspectiva, os tantos aspectos que envolvem o curriculo e outros do domínio
construir uma teoria geral do mesmo. É o que se pode perceber nos livros e artigos educativo que são por ele determinados, indicam a necessidade de se romper com a
analisados. Além disso, novas áreas de pesquisa vieram a se somar neste campo, na rigidez de "campos de especialidades" e caminhar na busca da interdisciplinaridade e
última década: os estudos históricos das disciplinas escolares e os estudos etnográficos da transdisciplinaridade. E isto, certamente, implica conseqüências profundas na
da construção do conhecimento na sala de aula. concepção de formação de educadores.

Fato é que o currículo, por sua própria natureza, resiste a simplificações fáceis. Nele A polêmica pouco profícua em tomo da revalorização dos "conteúdos" resultou na
encontra-se impregnado o problema da relação teoria-prática, pois conceber o currículo secundarização de outras questões fundamentais para o campo do currículo como, por
demanda que se tenha uma concepção de mundo, sociedade e educação e, considerar exemplo, o da relação entre as características da cultura brasileira e as condições de
os fundamentos filosóficos, ideológicos, sociológicos, epistemológicos, antropológicos, produção do conhecimento científico e do conhecimento escolar em nossa sociedade.

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A ênfase nos aspectos político-sociais secundarizaram aspectos culturais, pedagógicos CURRÍCULOS e programas: como vê-los hoje? Cadernos CEDES, São Paulo, n.13,
e epistemológicos. 1987.

Partindo de uma concepção abrangente de currículo, compreendendo-o como "seleção DOMINGUES, J.L O cotidiano da escola de 1º grau: o sonho e a realidade. São
da cultura de uma sociedade" (Lawton, 1975, p.6), então é no mínimo necessário que Paulo, 1985. Tese (Doutorado) • PUC/SP.
se debruce sobre a compreensão da cultura brasileira atual—o que implica considerar,
no currículo, questões de relações de classe, gênero e raça; questões relacionadas ao
GIMENO SACRISTÁN, J. El curriculum: una reflexión sobre Ia práctica. 3.ed. Madrid:
desenvolvimento científico e tecnológico; questões ecológicas, de moral e ética; além
Morata, 1991.
de reconsiderar a dimensão corporal, artística e lúdica que envolve o ato educativo.

Por fim, a revisão da produção intelectual brasileira no campo do currículo, a partir dos GOLDBERG, Maria Amélia Azevedo. Avaliação de programas: vicissitudes,
anos 80, exposta neste artigo, permitiu obter um quadro referencial das tendências e controvérsias, desafios, São Paulo: EPU, 1982.
abordagens dessa produção. A análise indicou a amplitude das tarefas teórico-práticas
com as quais terão que se haver educadores e estudiosos do currículo visando à KLIEBARD, H.M. Burocracia e teoria do currículo, ln: MESSICK, R.G. et al.(Org.).
consolidação de um campo de produção científico-acadêmica. Indicou por último, a Currículo: análise e debate. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
necessidade de incorporar o potencial crítico verificado nessa produção, em
possibilidades criadoras e realizáveis.
LAWTON, D. Class, culture and the curriculum. London: Roitledge & Kegan Paul,
1975.

MARTINS, Joel. Um enfoque fenomenológico do currículo: educação como poiésis.


Referências Bibliográficas
Org. Vitória Helena Cunha Espósito. São Paulo: Cortez, 1992.

ANDRÉ, M.E.D.A. Técnicas qualitativas e quantitativas: oposição ou convergência? MESSICK, Rosemary Graves et al. (Org.). Currículo: análise e debate. Rio de
Cadernos CERU, n.13,1991. Janeiro: Zahar, 1982.

MOREIRA, Antônio Flávio B. Currículos e programas no Brasil. Campinas: Papirus,


APPLE, Michael. Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.
1990.

CARDOSO, E.A. et al. Os livros tradicionais de currículo. Cadernos CEDES, n.13, NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU,
1987. 1974.

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de SALVADOR COLL, César. Concepción constructivista y planteamiento curricular.
pesquisa. Teoria & Educação, n.2,1990. Cuadernos de Pedagogia, n.1888, ene. 1991.

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.58, abr./jun. 1993


SAUL, Ana Maria. Avaliação emancipatória: desafio à teoria e prática da avaliação e TRIVINOS, A.N.S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1987.
reforma do currículo. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1988.

SILVA, Tomaz T. da. O que produz e o que reproduz em educação: ensaios de TYLER, Ralph. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto Alegre: Globo, 1974.
sociologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

Em Aberto. Brasília, ano 12. n.58, abr./jun. 1993


PROPOSTAS CURRICULARES DOS ESTADOS E A Os especialistas dividiram-se em três subgrupos, cada um com a incumbência de
AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA analisar uma das áreas (Português, Matemática e Ciências), levantar os conteúdos
comuns e fazer a intersecção básica dos conteúdos constantes das propostas
curriculares.
No final do ano letivo de 1993, realizou-se o 2º ciclo de aferição do Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Este sistema, cujo 1º ciclo de aferição A intersecção básica não representa obrigatoriamente os conteúdos essenciais das
ocorreu em 1990, permite a avaliação do desempenho escolar dos alunos e das
referidas áreas, mas sim o conteúdo presente na maioria absoluta das propostas.
condições pedagógicas e gerenciais do ensino básico, através de uma pesquisa de
campo de âmbito nacional. O objetivo primeiro do SAEB é fornecer às administrações Na tentativa de superar, sem negar, as diferenças regionais brasileiras e as
públicas de educação informações técnicas e gerenciais que contribuam para a características sociais e culturais diversificadas da população, foi decisão conjunta dos
formulação de políticas de educação visando a melhoria da qualidade do ensino subgrupos que o conteúdo dos testes de rendimento deveria ser o contido na
público no Brasil. "intersecção básica" das propostas curriculares analisadas.

Conclusões dos Subgrupos de Análise


Metodologia de Definição dos Conteúdos Comuns das Propostas Curriculares
Área de Ciências
Com a preocupação de aperfeiçoar a metodologia de elaboração dos testes de
A análise das propostas curriculares estaduais para o ensino de Ciências na 5ª e 7ª
rendimento deste 22 ciclo, foi utilizado um instrumental elaborado por três equipes de
série do 1º grau permitiu as seguintes constatações:
especialistas em três momentos distintos: o da definição dos conteúdos a serem
abordados, o da elaboração do banco de questões e o da análise e definição das — Não existe consenso quanto à fundamentação teórica das propostas para o ensino
questões. de ciências. Os estados desenvolvem programas com estágios e posturas
diferenciadas.
Este trabalho trata do primeiro momento, o da definição dos conteúdos a serem
abordados nos testes. — Muitos estados apresentam os conteúdos do programa para o 1a grau por blocos (de
5ª a 7ª série), sem especificar o que deve ser ensinado em cada série.
Foi decisão da Coordenação de Avaliação do INEP, respaldada na análise dos
resultados do 1º ciclo e nas sugestões enviadas pelas equipes estaduais do SAEB, — Existe uma coincidência de conteúdos sendo trabalhados na 5ª e 7ª série. Na 5ª
que os testes de rendimento do 2º ciclo deveriam ser elaborados com base nas série os temas comumente abordados são água, ar e solo e na 7ª série o corpo
propostas curriculares dos estados. humano.

Em maio de 1993, um grupo de especialistas em currículo nas áreas de Português, Ao realizar a intersecção básica dos conteúdos, verificou-se que, nos casos em que o
Matemática e Ciências analisou as propostas curriculares dos seguintes estados conteúdo específico não constava da série a ser avaliada, havia sido trabalhado nas
brasileiros: Acre, Alagoas, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, séries anteriores.
Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Por consenso, o grupo decidiu trabalhar com as Foi sugerida à equipe de elaboração das provas a leitura das propostas curriculares
propostas mais completas, que incluíam, além das listagens dos conteúdos, a
mais avançadas, não como base para a elaboração dos testes, mas sim como
fundamentação teórico-metodológica.
indicador de possíveis avanços e rupturas existentes na área.

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INTERSECÇÃO BÁSICA DOS CONTEÚDOS DE CIÊNCIAS
5ª SÉRIE 7ª SÉRIE

Água: O homem:
— Composição básica — A célula, os tecidos
— Propriedades — Órgãos do corpo humano, sistemas
— Estados físicos Os sentidos:
— Mudanças dos estados físicos — Visão
— Ciclo da água — Audição
— Relações de interdependência (sol, solo, ar e seres vivos) — Olfação
— Água e saúde — Gustação
Ar: -Tato
— Composição básica — Os sentidos e saúde
Sistema nervoso:
— Propriedades
— Partes do sistema nervoso
— Pressão atmosférica
— Funções
— Camadas atmosféricas
— Sistema nervoso e saúde
— Relação de interdepênda (sol, solo, água, e seres vivos
Sistema endócrino:
— Ar e saúde
— Tipos de glândula
Solo: — Funções
— Características dos diferentes tipos de solo — Sistema endócrino e saúde
— Erosão do solo Sistema locomotor:
— Aproveitamento do solo — O processo locomotivo: ossos, articulações, e músculos
— Relação de interdepêndencia (sol, ar, água e seres vivos) — Sistema locomotor e saúde
— Solo e saúde Sistema digestivo:
Ecologia: noções básicas: — O processo digestivo: boca, faringe, esôfago, estômago e intestino
— Preservação, degradação e recuperação do ambiente — Sistema digestivo e saúde
Sistema respiratório:
— O processo respiratório: nariz, faringe, laringe, traquéia, brônquios, bronquíolos e pulmões
— Sistema respiratório e saúde
Sistema circulatório:
— O processo circulatório: coração, sangue, artérias, e veias
— Sistema circulatório e saúde
Sistema excretor:
— O processo excretor rins, bexiga, ureteres e uretra
Sistema reprodutor:
— Sistema reprodutor feminino
— Sistema reprodutor masculino
— O processo de reprodução
— Sistema reprodutor e saúde

130 Em A b e r t o . Brasília, a n o 12. n.58, abr./jun. 1993


Área de Matemática — Existe variação quanto à distribuição dos conteúdos específicos nas diferentes
séries.
A análise das propostas curriculares estaduais para o ensino de Matemática na 1ª, 3ª, — Em algumas propostas, a concepção teórica é incompatível com os procedimentos
5ª e 1ª série do 1º grau permitiu as seguintes constatações: metodológicos. Em outras, os conteúdos não são compatíveis com o encaminhamento
— A concepção teórica expressa na grande maioria das propostas examinadas é metodológico e filosófico.
convergente. As divergências ocorrem na seleção de conteúdos e nas indicações — A linha geral das propostas segue a tendência da resolução de problemas.
metodológicas.
A partir da análise das propostas, sugeriu-se que, para a elaboração dos testes, fosse
— Na grande maioria das propostas, é comum a distribuição dos conteúdos em três levada em consideração a concepção teórica das propostas na tentativa de minimizar
grandes temas: números, medidas e geometria. as diferenças de abordagem.
INTERSECÇÃO BÁSICA DOS CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA
1ª SÉRIE 3ª SÉRIE 5ª SÉRIE 7º SÉRIE

Número Número Número Número


— Classificação Sistema de numeração decimal Sistema de numeração decimal Números naturais:
— Seriação (até unidade de milhar) composição- decomposição — Composição e decomposição — Inteiros e racionais relativos
— Escrita numérica Adição — Comparação entre o sistema de numeração decimal — Potenciação
— Relações de quantidade — Propriedades e outros sistemas — Radiciação
(onde tem + onde tem -) — Números naturais (até unidade de milhar) Operações — Razão e proporção:
— Idéia: maior/menor — Números decimais — Com números naturais: Variação de uma grandeza em relação a outra
Subtração Divisibilidade (diretamente e inversamente)
— Sistema de numeração decimal
— Propriedades Adição
— Decomposição/composição — Média aritmética e geométrica
— Números naturais (até unidade de milhar) Subtração
— Seqüência numérica — Porcentagem e juros simples
Multiplicação Multiplicação
— Leitura e escrita de números — Generalização da idéia de número:
— Com dois fatores Divisão
Adição Incógnita, parâmetro
— Propriedades Potenciação
— Com um algarismo Radiciação Escrita numérica e escrita literal
— Múltiplos
— Com dois algarismos — Dobro (até unidade de milhar) Propriedades das operações Propriedades da qualidade numérica
— Com e sem reserva Divisão — Com números fracionários: Propriedades da desigualdade numérica
— Algoritmos — Com dois algarismos no divisor Adição — Polmòmios:
— Com mais de dois paralelos — Propriedades Multipficação Classificação
Subtração — Divisores Subtração Valor numérico
— Com um algarismo — Terça parte Divisão Adição
— Com dois algarismos — Metade (até unidade de milhar) Potenciação Subtração
— Com e sem reserva — Expressões numéricas com as quatro operações Mmc Multiplicação
Multiplicação — Representação da tração Mdc Divisão
— Dobro Frações Simplificação Fatoração
— Adição de paralelas — Frações equivalentes Comparação Produtos notáveis
— Comparação — Leitura e escrita de números fracionário e decimais Frações algébricas
— Iguais
— Adição e subtração com o mesmo denominador — Transformação de fração em número decimal
— Equações e inequações do 1º grau
— Representação decimal de frações — Operações com números decimais
— Como tradução de problemas para linguagem algébrica:
— Números decimais Adição
Resolução
— Comparação na forma decimal Multiplicação
Sistemas com duas incógnitas
— Leitura e escrita de números inteiros, Subtração
Divisão Representação gráfica
fracionários e decimais
Potenciação Equações fracionárias
Primos
— Mmc — Expressões numéricas
-Mdc — Porcentagem
— Porcentagem

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Medidas Medidas Medidas Medidas

Sistema Monetário Comprimento — De comprimento; múltiplos e submútiiplos Ângulos:


— Identificação e uso do dinheiro — m, cm, km — De capacidade — Unidades de medida
— Composição e decomposição de valores — De massa — Fracionamento
Tempo — De valor — Operações
Tempo — Dia/noite — Cálculos de perímetros e área:
— Hora e meia hora — Antes/durante/depois Paralelogramo Áreas e perímetros;
— Relógio-uso — Dia/semana/mês Quadrado — Triângulo
— Dia/noite — Bimestre/semestre/ ano Retângulo — Quadrado
— Semana/mês/ano — Hora/minuto/segundo Triângulo — Trapézio
— Calendário — Uso do relógio Circulo — Losango
— Perceber que a parte é menor que o todo — Simplificação e redução de figuras planas — Circulo
Valores — Cálculo de volumes — Paralelogramo
Comparação de grandezas(quantidades) — Uso de dinheiro Paralelepipedo
— Maior, menor, fino. grosso, estreito, largo, baixo, alto, Cubo Volume:
perto, longe — Composição e decomposição Cilindro — Paralelepipedo
— Cubo
Introdução à medidas de massa e capacidade — Esfera e cilindro
Capacidade
— Cheio/vazio
Área de figuras planas — Cálculo do número de diagonais de um polígono

Geometria Geometria Geometria Geometria

— Distinção e percepção de formas de objetos do cotidiano Sólidos geométricos — Figuras geométricas planas e espaciais — Ponto, reta e plano a partir de poliedro
— Percepção e identificação de semelhanças e diferenças — Usuais — Classificação dos sólidos e das figuras planas — Ângulo como mudança de direção de um segmento
entre objetos do cotidiano — Classificação — Curvas abertas e fechadas: — Semelhanças e diferenças entre polígonos e políedros
— Comparação e classificação de figuras planas e — Planificação Fronteira regulares
náo-planas — Construção através de modelos planifícados Interior — Polígonos:
— Identificação de figuras planas — Reconhecimento de faces, vértices e arestas Exterior Classificação com relação ao número de lados
Frente/atrás — Reta, semi-reta, segmento de reta — Triângulo:
Em cima/embaixo Figuras planas — Posições relativas: Soma dos ângulos internos e externos
Esquerda/direta — Classificação De duas retas Classificação quanto ao número de lados e aos ângulos
— Topologia — Reconhecimento de perímetro e área De reta e círculo — Circulo
Fronteira — Triângulo: classificação quanto à medida dos lados — Noções de ângulo — Congruência de triângulo
Exterior — Quadriláteros: classificação quanto à medida e posição — Circulo: — Teorema de Pítágoras
Interior dos lados Centro — Posições relativas entre:
— Classificação de figuras planas: quadrado, triângulo, Corda Ponto e circulo
Noção de ângulo Diâmetro Dois círculos
círculo, retângulo
— Ângulo reto Arco

Linhas abertas e fechadas


— Fronteira
— Interior
— Exterior

Noções de paralelismo e perpendicularismo

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.58, abr./jun. 1993


Área de Português — Há um grande avanço em relação à área de linguagem, deixando de ter a gramática
papel central no estudo de Português.
A análise das propostas curriculares estaduais para o ensino de Português na 1ª, 3ª,5ª
e 7ª série do 1º grau permitiu as seguintes constatações: — As áreas de linguagem oral, leitura e análise lingüística não são trabalhadas de
forma estanque. As atividades de leitura, escrita e linguagem oral deixam de ser vistas
— A concepção teórica expressa na grande maioria das propostas examinadas é como meros processos de codificação e decodificação.
convergente.
A partir da análise das propostas, os conteúdos de Português foram divididos em três
— As propostas refletem um grande esforço no sentido de inovar o ensino de grandes áreas: Linguagem Oral, Leitura e Escrita. Para a elaboração dos testes foi
Português, apresentando ampla fundamentação, especialmente para o trabalho com sugerido que se trabalhasse a partir da interpretação e construção de textos, evitando
textos. exercícios ortográficos e gramaticais isolados.

INTERSECÇÃO BÁSICA DOS CONTEÚDOS DE PORTUGUÊS


1ª SÉRIE 3ª SÉRIE 5» SÉRIE 7ª SÉRIE

Linguagem oral Linguagem oral Expressão oral Expressão oral:


— Ampliar a capacidade de produzir e compreender a — Narração de histórias ouvidas — Narração de histórias, relatos, dramatização, eventos, — Narração de histórias ouvidas.
linguagem oral em diferentes situações de comunicação. — Relatos programas de TV. — Relatos, debates, discussões, argumentações.
— Discussão e debates sobre lemas diversos. — Dramatização — Discussões e debates sobre temas diversos. Leitura
— Conversas informais sobre fatos e acontecimentos — Audição, narração e comentários sobre fatos vividos. Literal:
vivenciados pelos alunos a partir de desenhos, gravuras, — Aceitação das variações lingüísticas. — Detectar relações de coerencia.
cartazes, etc... — Detectar relações de coerência no texto. — Detectar relações coesivas.
— Detectar relações coesivas, referência, elipse, repetição. — Identificar a natureza dos vários gêneros.
— Identifiicar significado de palavras no contexto. — Observar a especificidade dos tipos de texto: elementos
— Identificar o sentido entre as palavras: sinonímia, antonimia, constitutivos e sua organização, características
polissemia, campo semântico, hiponímía/hiperonimia. lingüísticas, funções dos textos.
— Identificar a natureza dos vários gêneros literários: Interpretativa
narrativa, descritiva, expositiva, argumentativa. Crítica
— Observar especificidade dos tipos de texto: elementos Habilidades de estudo
construtivos e sua organização, características lingüísticas — Resumos
e função dos textos. Técnicas de leitura
— Compreensão interacional: reconhecer o propósito do autor, — Leitura para reconhecimento global.
reconhecer informações implícitas; distinguir fato de opinião; — Leitura extensiva (lazer).
extrair conclusões. — Leitura intensiva (estudo).
— Compreensão critica: reconhecer o propósito criativo;
confrontar suas idéias com as do texto; Materiais de leitura
— argumentar com o texto em relação ao conteúdo, à forma e — Crônicas, contos, romances, fábulas, poesias.
à organização. — Textos das várias áreas de estudo:
— Matérias de leitura: crônicas, contos, romances, tábutas, relatórios, resumos,
poesias. cartas, bilhetes,
— Propaganda noticias, reportagens,
— Textos de várias áreas de estudo: relatórios, resumos, instruções, bulas, receitas, descrição de experimentos,
cartas, bilhetes, noticias, reportagens, instruções,bulas, folhetos, orações, propagandas,
receitas, folhetos, orações, propaganda, catálogos, Índices, catálogos, índices de livros, verbetes de dicionários,
verbetes de dicionários. enciclopédias, revistas de quadrinhos, parlendas,
— Técnicas de leitura: para reconhecimento global, para travalinguas.
localização de informação, para lazer, para fins de estudo.

Em Aberto, Brasília, ano 12, n.58, abr./jun. 1993


Leitura Domínio da leitura Escrita Escrita
— Ler com compreensão diferentes tipos de textos: histórias. Instruções, — Desenvolver habilidades de leitura para a compreensão: — Mecanismo de estruturação formal: — Componentes do processo de escrita:
avisos noticias de jornal, poesias cartas, anedotas, provérbios, canções.
Literal coerência e coesão geração de idéias,
materiais impressos do cotidiano.
— Inventar histórias a partir da leitura", de diferentes materiais: cartoons, — Detectar relações de coerência. tanto em texto narrativo, descritivo, argumentativo. planejamento, levantamento de dados,
símbolos não alfabéticos etc... — Detectar relações coesivas — Estrutura do parágrafo desenvolvido: pelo exemplo, pa comparação e organização.
— Identificação de nomes pessoas, objetos — Identificar a natureza dos vários gêneros. contraste, por enumeração, causa/ conseqüência, referência lógica, esboço do texto,
— Descoberta de leiras cognitivas em palavras. — Observar a especificidade dos tipos de texto. ordem de apresentação de imagem. revisão, versão final. ,
— identificação de rimas.
—Interpretativa — Estrutura de frase tipos declarativa,
— Substituição de letras para formar novas palavras.
— Criticas dos diversos tipos de texto. interrogativa, imperativa,
— Leitura de pequenos textos produzidos individual e coletivamente.
— Idem de canções passiva.

— Idem de histórias em quadrinhos Materiais de leitura — Constituintes da frase (obrigatórios): sintagma nominal, sintagma verbal
— Idem de poesias — Crônicas, contos romances, fábulas, poesias, cordel. — Sintagma preposicional
— Leitura recreativa livre. — Textos das várias áreas de estudo. — Sintagma adjetival(facltativos).
— Completar histórias.
— Relatórios, resumos
— Mudar inicio ou final.
— Cartas, bilhetes
— Criar títulos.
— Criar histórias á vista de quadrinhos ou gravuras. — Notícias, reportagens

— Desenhar histórias — Instruções, bulas, descrição de experimentos.


— Criar textos livres — Folhetos, orações, propagandas
— Identificar idéias centrais do texto. — Histórias em quadrinhos.
— Identificar diferenças entre histórias.
— Dramatizar histórias
Técnicas de leitura
— Identificar ações, qualidades e nomes em um texto.
— Leitura para reconhecimento global.
— Prediçáo do conteúdo dos textos
— Utilização de linguagem plástica. — Leitura extensiva(lazer).
— Reordenar elementos da frase. — Leitura intensiva
— Executar instruções lidas
— Identificar partes constitutivas do texto: princípio, meio. fim.
— Ordenação de pequenos textos
— Levantamento dos elementos mais importantes do texto

Escrita Linguagem escrita Estrutura da palavra Mecanismos de estruturação formal


— Produção de textos espontâneos. — Desenvolver a capacidade de produção textual, exercitando as — Flexão — Estruturação textual (coerência, coesão)
— Representação escrita de símbolos. habilidades exigidas — Formação — Estrutura do parágrafo
— Reconhecimento do seu nome e dos seus colegas.
— Esboço de textos — Seleção vocabular — Estrutura da frase
— Experimentar material escrito variado.
— Representar histórias sob outras formas de linguagem. — Estrutura e organização do texto: coerência e coesão. sinonímia, antonimia — Estrutura da palavra
— Comparar texto escrito por aluno com outros textos. — Estrutura da frase campo semântico, hiponimia, hiperonimia. — Seleção vocabular
— Escrita de canções, histórias a partir de desenhos. — Tipos de frases — Aspectos gráficos: — Aspectos gráficos
— Escrita de situações variadas e do conteúdo
— Estrutura da palavra ortografia, acentuação — Subordinação/ coordenação
— Relato escrito de dramatizações.
— Ordenação de fatos de histórias e sua reconstrução. — Seleção vocabular recursos gráficos, visuais (margem, titulo). — Classes gramaticais (explicitas)
— Completar balões de histórias em quadrinhos. — Aspectos gráficos — Tipos de textos' narrativo, descritivo — Recursos lingüísticos, estilísticos.
— Reescrevar histórias lidas mudando circunstâncias. expositivo, argumentativo
— Escrita de histórias em quadrinhos. (contos, crônicas, romance, poesia, relatório, notícia, etc).
— Escrita de palavras iniciadas com o mesmo som e mesma letra.
— Escrita de palavras corn pares de consoantes iguais e pares de vogais
iguais.
— Escrita de palavras terminadas com a mesma leira.
— Escrita de palavras iniciadas com letras diferentes e sons iguais
— Escrita de palavras terminadas com letras diterentes.
— Agrupamento de palavras com l e i a s iguais e sons diferentes.
— Composição e ordenamento de frases.
— Expansão de frases
— Decomposição do período em frases.
— Pontuação trabalhada de modo funcional.
— Criação de textos sob forma de diálogo.
— Descobrir palavras corn o mesmo significado (sinônimos) em frases
— Reestruturação coletiva de textos, releitura para evitar erros.
— Dscussáo e debates sobre temas diversos
— Variação lingüística, reconhecer diferentes registros de linguagem
presentes no texto.
— Relação linguagem/ escrita, linguagem/falada

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RESENHAS

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológica do cultural de um grupo, "tradição seletiva", sendo que cabe à educação a tarefa de
conhecimento escolar. Trad. Guacira Lopes Louro, Porto Alegre: Artes Médicas, difundir este patrimônio comum. A educação tem a função de socialização global, de
1993. 205p. especialização bem como de educação geral; já Bantock é contra a política educativa
de igualdade de oportunidades e da democratização cultural. Considera que os
O livro constitui a versão abreviada e reformulada da tese de Doutorado defendida em indivíduos são desigualmente aptos para se beneficiarem dos recursos educativos e
junho de 1987 na Universidade de Ciências Humanas de Estrasburgo. que toda educação é, em essência, "desequalizadora", daí porque a grande massa da
humanidade não deveria jamais aprender a ler e a escrever. Considera a cultura de
Nesta obra, o autor comenta questões importantes sobre o conhecimento escolar: Que massa antieducativa bem como utópica a transmissão generalizada de uma cultura
ensinar? Quais as relações para se ensinar determinados conteúdos e não outros? alfabética e erudita, dai porque a escola tem de oferecer cursos diferenciados para
Quais as relações entre a seleção implicada no conceito de currículo e o processo de clientelas distintas.
desigualdade social? Quais as relações entre cultura erudita e cultura popular no
contexto da elaboração do currículo escolar? O ensino deve ser geral ou liberal, visar ao desenvolvimento do pensamento concep-
tual, à transmissão de saberes ou à iniciação dos valores?
Faz, para tanto, uma revisão exaustiva dos diferentes e variados autores, dentre eles
Raymond Willians, Geoffrey Bantock e Paul Hirst que se destacam na década de 60,
Na concepção do autor, "a escola não deve talvez transmitir senão valores, mas deve-
e, as contribuições de Bernstein, Young, Vulliamy e Geoff Whitty na década de 70, que
se reconhecer que é ainda o que ela sabe fazer melhor, o que a sociedade tolera
tentaram dar respostas a essas e outras questões referentes ao currículo educacional,
melhor que ela faça, e que ninguém faz melhor do que ela, ainda que se possam muito
sob a ótica da Sociologia Crítica.
bem imaginar outros canais e outras redes para outros tipos de transmissões".

No capítulo introdutório, o autor discute a relação entre educação e cultura, salientando


que um dos problemas que vem incomodando os educadores se prende ao fato de não Nos capítulos 3, 4 e 5 analisa as contribuições originais dos anos 70 da "Nova
se saber mais o que verdadeiramente merece ser ensinado. Sociologia da Educação", por ser uma Sociologia do currículo, uma Sociologia centrada
na questão dos determinantes e dos fatores (culturais, sociais, políticos) dos processos
Enfatiza que a cultura é o conteúdo substancial da educação, cabendo à escola fazer de seleção, de estruturação e de transmissão dos saberes escolares. Dentre os
uma seleção no interior desta cultura e uma reelaboração dos seus conteúdos, principais representantes tem-se Bernstein, Michael Young e Pierre Bourdieu, que
destinados a serem transmitidos às novas gerações. O autor coloca que o educador elucidam o olhar crítico, sobre os saberes e os conteúdos simbólicos veiculados pelo
em muito influencia ao selecionar o que deve ser perpetuado e o que deve cair no currículo. Analisa os sistemas educacionais de alguns países quanto às formas de
esquecimento. Os determinantes, os mecanismos, os fatores desta seleção cognitiva delimitação dos saberes escolares explicitadas por Bernstein — compartimentação e
e cultural variam de acordo com os países, as épocas, as ideologias políticas ou enquadramento, as quais implicam à atuação do professor e do aluno em termos de
pedagógicas dominantes, os públicos de alunos. relacionamento, desenvolvimento da capacidade de iniciativa.

Nos capítulos 1 e 2 comenta as contribuições do pensador socialista R. Willians, do Outra contribuição que destaca é a de M. Young que se prende ao estudo
teórico neo-conservador Bantock e do filósofo racionalista Paul H. Hirst para explicitar sociomorfológico dos currículos, ressaltando que os processos de seleção e de
as características da ligação entre teorias da educação e teorias da cultura. O primeiro organização dos conteúdos cognitivos e culturais do ensino traduzem os pressupostos
defende que certos aspectos da cultura do passado sobrevivem e constroem a memória ideológicos e os interesses sociais de grupos dominantes.

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O autor analisa também as implicações educativas do pluralismo cultural bem como o planejamento, acompanhamento e implementação de currículo. Aponta novas
problema do fracasso escolar e das desigualdades de desempenho, segundo a origem perspectivas para compreensão deste assunto, do papel da escola, alargando os
social e suas repercussões para o currículo, as correntes que defendem o "currículo estreitos horizontes marcados pelos modelos e teorias de influência americana na área
comum" do "currículo diferenciado", e, as correntes que pregam o "ensino multicultural" de currículo.
e a "Pedagogia Intercultural".

Esta obra, em síntese, constitui uma fonte de consulta e reflexão por parte dos
educadores e equipes interessadas em desenvolver um trabalho coletivo de Miguel André Berger

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MARTINS, Joel. Um enfoque fenomenológico do currículo: educação como poíesis. existência-essência que se manifesta e, ao se desvelar, projeta-se recuperando a
São Paulo: Cortez, 1992.142p. subjetividade do ser humano.

Essa transversalidade para o autor significa um "re-criar interminável e sempre


inacabado", pois, segundo ele, o ser humano é sempre um ser de possibilidades.

O livro de Joel Martins, que se constitui numa análise dos enfoques contemporâneos O objetivo da reflexão é iluminar a idéia de currículo, utilizando os recursos da
sobre currículo, representa uma contribuição na discussão de modelos que Fenomenologia que, no conjunto das relações conscientes e interacionais, faz emergir
historicamente influenciaram a educação brasileira. Tratando de um dos mais e mostrar-se o que está oculto para o transfazer.
importantes aspectos educacionais — o currículo —, trazendo-o à tona sob a
perspectiva fenomenológica, indica outras possibilidades de se estar no mundo,
Essa reflexão nos remete a uma outra dimensão e possibilidade de análise do currículo
construindo-se enquanto ser humano.
o que, para o autor, é equivalente à Educação.

Seu livro é fruto de reflexões organizadas pela Drª Vitória Helena Cunha Espósito, a
Inicialmente, o autor propõe reflexões abordando uma filosofia da Educação
partir de suas anotações e dos textos escritos para o primeiro curso de inverno na PUC/
fundamentada na Fenomenologia que surge na segunda metade do século XX, a partir
SP — Programa de Supervisão e Currículo, sob o título Fenomenologia e Currículo,
das investigações de Husserl e Martin Heidegger, que considera o estar no mundo
considerado por aquela pesquisadora como "um dos mais belos encontros de
como característica essencial do existire a interpretação como o objeto da descrição
educadores" que vivenciou.
fenomenológica do existir. Por esta razão, a Fenomenologia é hermenêutica.

Encontram-se neste livro os fundamentos de uma percepção de currículo como


A construção de suas reflexões pauta-se nos pressupostos dos precursores da
"trajetória a ser vivida pelo ser humano na produção da cultura" (conforme afirma
Fenomenologia ao tempo em que desenvolve seu tema correlacionando os princípios
Espósito), bem como bases para se considerar o que coloca a apresentadora do
fenomenológicos à atividade humana, enfocando o currículo nessa perspectiva.
referido livro, professora Maria Aparecida Viggiani Bicudo: "pensar o currículo seguindo
a trajetória do habitando, construindo e fazendo" o que "é possível vivendo o mundo da
educação... enveredando o aluno, ouvindo o que ele nos diz, procurando falar (fazer) o Sua obra culmina com textos históricos de currículo sobre os quais propõe uma leitura
que pensamos para que ele e nós sejamos", como diz a apresentadora. crítica, inserindo-se aí um sumário e conclusões a respeito do currículo.

Em três partes precedidas do texto "A vida e a morte de Sócrates e preliminares: Na reflexão desenvolvida pelo autor, a Fenomenologia constitui-se em metodologia
currículo e fenomenologia", o autor nos faz refletir sobre a questão do movimento do para a filosofia, rompendo com a relação cartesiana sujeito-objeto, delegando à ciência
ser, do mundo e a relação existência-essência, considerando o interesse da educação filosófica subsídios de captação do ser através da atividade humana intencional e
e a necessidade emergente de modificação das condições humanas na sociedade. consciente.

Sob a perspectiva fenomenológica, o autor propõe uma linha filosófica como premissa Dentre a diversidade contemporânea na filosofia da educação, o autor compara "a
curricular que, em articulação com a vivência, possibilitará trazer à tona e tornar visível ênfase numa filosofia pública de educação; uma filosofia de educação fundamental na
o que está oculto na relação homem-vida, para o fazer da transversalidade a partir da Fenomenologia e uma filosofia profissional de educação", distinguindo a segunda por

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possibilitar melhor conhecimento qualitativo e por fundamentar-se na descrição do e singularidade. É uma construção social, que acarreta no indivíduo as marcas da
mundo tal como é experimentado. história, e esta é por ele construída.

O autor levanta um questionamento quanto à possibilidade de convergência entre as Para Martins, o curriculum "é um instrumento de trabalho, onde estão incluídas todas
três linhas metodológicas objetivando o "papel educativo da própria vida". as atividades em que a escola se concentra para adaptar os indivíduos às condições
de vida que ele deve viver".
O autor afirma ainda que a educação é um processo social assim como a linguagem,
criado e projetado pelo poder dominante como uma consciência de mundo. Observa, Na concepção do autor, o currículo pressupõe o levantamento das forças que
também, uma concepção da educação que envolve a transformação da experiência determinam e das condições que orientam e operam a cultura vigente. Propõe ainda o
pessoal e da consciência. A Fenomenologia tem por objetivo a essência do ser, ou que consideramos um desafio aos educadores: a tentativa "útil e imprescindível" de
seja, o próprio fenômeno, proporcionando a habilidade de melhor conhecimento dos identificar e classificar essas forças que operam momentaneamente na sociedade.
"mundos-vidas" fazendo com que ele seja entendido como é, a partir da vivência e
experiência. Utilizada como metodologia, a intencionalidade e orientação da O debate que se trava no texto de Joel Martins permite considerar os pressupostos do
consciência na descrição do mundo para o objeto, que é o que aparece, ou o que se trabalho humano enquanto uma ação social e criativa, política e combativa que se faz
deixa evidenciar. em um ambiente de solidariedade e comunicação.

Dessa forma, a Fenomenologia na educação é caracterizada pelo autor enquanto Por fim, fica evidente a importância do currículo no planejamento colocado como
superação da concepção racionalista e pragmática ao considerar uma relação entre o elemento fundamental e norteador da atividade de ensino e como indispensável
"noesis" (sujeito) e o "noema" (mundo), mediados pela intencionalidade, ou seja, prerrogativa da unidade escolar.
consciência em estado de alerta.
É possível pontuar ainda que uma compreensão do ato de educar, enquanto fazer
Para o autor, o ato de educar pressupõe que a existência do homem supõe a existência social, ancora-se em uma análise estrutural e explicativa dos movimentos das relações
do mundo. Esse aspecto constitui o elemento político do ato de educar, o qual é aí que se estabelecem entre o noesis e o noema. Essa análise exige que se leve em
considerado por Martins como poiesis (movimento) do indivíduo, enquanto ser em conta os planos do sujeito e do objeto como elementos Complementares e constitutivos
constante trajetória, entre a construção da consciência e o mundo, ou seja, entre o (EU) entre si.
noesis e o (MUNDO) noema.
A Fenomenologia, em Martins, tanto resgata esse aspecto original, desenvolvido por
As atividades do currículo na perspectiva fenomenológica são orientadas pelo indivíduo, Heidegger e Husserl, como abre possibilidades para uma nova abordagem de currículo,
entendendo-se esse como um "ser sociedade", resgatando a dialética da essência o qual é, então, visto como a poesia que se faz no movimento do ser.
humana, entendendo-se o ato de educar como uma correlação noesis-noema-noesis,
imprimindo o caráter de poiesis no próprio movimento do ser ao construir-se.

Assim, segundo o autor, as atividades de um currículo em um enfoquefenomenológico Ester Maria de Figueredo Souza e
tratam a relação sujeito-objeto sem distinção. Não cabe, nesse enfoque, a distinção Leliana Santos de Souza
entre o objetivo e o subjetivo. O subjetivo na "poiesis" não se resume à individualidade Universidade Federal da Bahia(UFBA)

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