A Pesquisa Qualitativa em Psicologia Questões Epistemológicas e Metodológicas
A Pesquisa Qualitativa em Psicologia Questões Epistemológicas e Metodológicas
A Pesquisa Qualitativa em Psicologia Questões Epistemológicas e Metodológicas
Resumo
A pesquisa qualitativa cm psicologia do desenvolvimento, a partir da pçr.;pectiva sociocultural conslnltivista.
é carackri7.aua pda compreens1o do desenvolvimento humano como fenômeno complexo e dinâmico que
deve ser estudado de forma contextua,lizada. a partir de uma perspectiva de caosalidade sistêmica. Em termos
metodológicos, caracteri7.a-Se pela compreensão da metodologia como processo cielico que engloba as
concepções de mundo e a experiência intuitiva do pçsquisador. o fenômeno. o método, os dado, e a teona
I'orlaoto a entrevista n~o representa um "meio" para sc accssarcm os conteúdos intrapsiquicOl:i do sujeito
investigado. como se os mesmos já es!Í\C5sem "promos em sua cabeça". O momento da ~-ntTcvista consiste
em um espaço dialógico. IX'lllassado pelos significados co-construidos pelo pesquisadOT e entrevistado.l:iso
será ilustrado com um trecho de entrevista de estudo cmplneo realil..ado em nosso Laboratório - LABM!S
(Universidade de I3rasilia). No final do artigo, silo discutidas as vantagens e limitações da entrevista.
fJ(aflIHhrt: perspectiva sociocultural. pesquisa qualitativa, co.. con~truçi'io de significados.
Gualitativeresearchandthepsychologyofhumandevelopment:
epiSlemologicalandmelhodologicalissues
Ahlracl
"É assim que a investigação de cada adequada aos objdivos do projeto. Uma me-
problema ou questão relacionada ao tópico todologia qne seja suficientemente clara c
do desenvolvimento s.:mpn: representa um precisa e, ao mesmo tempo, flexível e capaz
desafio a exigir II criatividade do pesquisador de adaptar-se a cada etapa do proccsso de in-
no sentido de conslnlÍT uma metodologia vesti gação". (Branco c Rocha, 1998.1'.252)
o presente artigo] tem como objetivos: esta visão metodológica instrumentalista e os pressu-
a. Analisar as limitações epist~mulógi<:as da postos epistemológicos que a sustcntam é,justamen-
perspectiva positivista, bem como do instru- te, o ponto dc panida da presente análise.
mentalismo metudulúgku ue<:orrente de tal
perspectiva:
b. Analisar as implicações metodológicas de E,istemologia positivista e
uma proposta epistemológica qualitativa c sua instrumentalismo metodológico
pertinência no cstudo do desenvolvimento
humanu; A perspectiva epistemológica positivista é
marcada pela visão elementarista e deteoninista
c. Analisar as potencialidades e limitaçõcs de
sobre a realidade, próprias à fisica newtoniana, onde
um instrumento metodológico especifico, a
li mctáfora utilizada para descrever o universu, cumu
entrevista,
wna máquina perfeita, é marcada pelo pcnsamcnto
Para a elaboração desse artigo, foi de suma im-
cartesiano (Capra, 1982).
ponâneia a leitura tanto de autores, cuja produção
Certamente, a concepçao de uma realidade
teórica e empírica estão diretamente relacionadas à
absoluta, supra-histórica, governada por leis imutá-
área de investigação do desenvolvimento humano,
veis, apresenta uma longa história no pensamento
como de autores provenientes de outras áreas de in-
ocidental. De acordo com Mahoney (1991, citadopor
vestigação psicológica. Na realidade, o fio condutor
Ncubcrn, 1999), a concepção de uma realidade está-
da presente análise epistemológica c metodológica se
vel, fixa, na qual a mudança é uma ilusão, está rela-
caracteriz~ muitu mais pela adoção de uma persreeti-
cionada ao pensamento filosófico pré-socrático de
va desenvolvimcntal, marcada por uma concepção
Parménidcs, em oposição à concepção de uma reali-
dinâmica sobre o fenômeno humano, que pela rigida
dade Iluida, processual, na qual o estável é uma
demarcação de áreas de saber (psi<:ologia do desen-
ilusão, defendida por Henic1ito de Éfeso (considera-
volvimento, social, clínica).
do o "pai" do pensamento dialético).
Certamente, a tentativa de estabelecer um diá-
Nu decorrer da história do pensamento
logo entre autores diferentes, de áreas de produção
filosófioo ocidental, a noção de tuna realidade imutável,
cicntífica distintas, é um cmpreendimento <:omplexo,
externa ao sujeito do conhecimcnto tornou-se
marcado por possíveis alianças, por confrontos, acor-
uominante. Nesse sentido, nos séculos XVII eXVUl, as
dos e rupturas epistemológicas. Apesar de ser um
dilas perspectivas epistemológicas majoritárias, o
exercício analítico arriscado (em que o ecletismo
racionalismo e o empirismo, apesar de todas as suas
sempre nos espreita ... ), estabelecer relações entre as
divergências, oompartilhavam duas premissas básicas:
propostas epistemulógicas e mdudulógi<:as ue auto-
separação radical entre o sujeito e o objeto do
res distintos é uma aona poderosa contra a tcndência
de simplificação e redução da discussão metodológi- conhecimento; c
ca, a partir de uma visão instrwnentalista baseada em b o conhecimento estabelece uma relação linear
"receituários" de como usar os métodos científicos a e isomórfica com a realidade (Gonz.ález Rey_
fim de se obter uma pesquisa "objetiva", baseada em 1997)
"dados empiricos" (Brancu e Rocha, 1998: Branco e Tais premissas sãu retomadas e rddicalizadas.
Valsincr, 1997; Gon7..ález Rey, 1997, 1998, 1999; no século XIX, pela perspectiva positivista que se
Kindennan e Valsiner, 1989). A insatisfaçãO com torna a rcferência epistemológica dominante nas
I. Estc artigo é uma versão modificada do capitulo sobre metodologia da dissertação de mestrado: "A construção das
identidades sexuais não-hegemónicas: gênero, linguagem e constituição da suhjetividade', derendida no Institutu d"
Psicologia da Univ"rsidad~ de Brasilia, em dezembro de 2000 (Autora: Ana Flávia do Amaral Madureira I Orientadora:
Angcla Uchôa Branco)
ciências modernas. Em linhas gerais, o positivismo de acordo com este marco cpistemológico, e conside-
(tanto o ingênuo quanto o lógico), apresenta as rado o reflexo da realidade, uma realidade externa ao
seguintes earactcristicas (González Rey, 1997): investigador c sujeitos investigados. Ao pesquisador
cabe a descrição fidedigna das leis quc regem o com-
• Separação excludente entre sujeito (pesquisador)
portamento, ou mesmo a consciência humana. Em
e objeto de estudo;
contrapartida, os sujeitos investigados (freqüente-
• A subjetividade e a afetividade são consideradas mente denominados organismos), são considcrados
de forma pejorativa, como fonte de erro (noise, na seres passivos, "ingênuos" em relação ás leis cientifi-
linguagem da eomputação); cas a quc cstão submetidos.
• Supcryalorizaçào do método e desprezo pela Nessa perspectiva, tanto os investigadores
teoria e interpretação: visão instrumentalista do como os sujeitos investigados são passivos no pro-
conhecimento; cesso de construção de eonheçimento (González
Rey, 1997). Contudo há uma diferença fundamental:
• Crença no empreendimento cientifico como algo os pesquisadores são aqueles treinados pela acade-
neUlro,objetivo; mia, durante anos, na aquisição de uma terminologia
• O método cientifico é considerado de forma cientifica e, principalmente, da metodologia cientifi-
monolítica. O que varia são os objetos de estudo, o ca, o quc lhcs garanteoaccsso ás leis que regem a rea-
método de investigação é o mesmo para todas as lidade (tisica, biológica, social, psicológica), en-
ciências; quanto os sujeitos investigados 5110 desprovidos de
tal conhecimento. Pode-se observar claramente uma
• Os objetivos da ciência seriam a descrição impar-
aliança entre saber e poder, na medida cm que um
cial, a predição e o controle sobre a realidade.
grupo sclcto detém as chaves para chegar á verdade,
Coerente com a premissa da separação o que lhes confere o direito de intervenção na realida-
exclusiva entre sujeito e objeto do conhecimento, a de (entendida como previsão e controle). É exata-
perspectiva epistemológica positivista assume uma mente dentro deste contextO histórico amplo, em que
conotação legalista (Prigogine, 1996): a natureza durante séculos a verdade foi concebida como com-
segue leis simples, imutáveis; cabendo aos cientistas pletamente externa ao ser humano, que se insere o
a descrição de tais leis, a partir de métodos validados culto á metodologia científica como o "caminho para
cientificamente. Dentro dessa lógica, a complexida- a verdade". Certamente, este culto á metodologia
de, os processos fluidos são meras ilusões; a realida- cicntífica não se refere apenas ao universo acadêmico,
de seria ordenada por leis simples que regem os fenô- mas perpassa nossa sociedade tão marcada pelo pen-
menos fisicos, biológicos e sociais, cuja descrição samento cientificista e tecnocrático (Capra, 1982).
fidedigna pressupõc a adoção de instrumentos váli- Na comunidade cientifica, o caráter de cen-
dos, prescindindo do sujeito do conhecimento, bem tralidade conferido á metodologia teve profundas
como do contexto cultural em que se insere a ati vida- repercussões na produção de conhecimentos e sua
dc de pesquisa. A tcntativa dc eliminação tanto da divulgação em periódiws científicos, bem como na
dimensão contextuaI como subjetiva, insustentável a formação das novas gCnlçõcs de pesquisadores.
partir de uma análise teórica mais aprofundada, Primeiramente, ao se converter a metodologia
acaba por fortalecer o mito da neutralidade cientifica às "formas corretas de produzir conhecimento objeti-
e do controle dos pesquisadores em relação aos fenô- \'0", o discurso cientifico voltou-se, primordialmen-
menos estudados (Branco e Rocha, 1998) te, para discussões meramente metodológicas,
É intcressante obscrvar como a tradição epis- tomando secundárias as discussões epistemológicas
temológica positivista na psicologia representou um e teóricas. Em poucas palavras, a metodologia foi
duplo aniquilamento do sujeito na produção de alienada do processo mais amplo de produção de
conhecimento: do sujeito investigado e do próprio conhecimento, tornando-se uma espécic de "caixa de
investigador. Em outras palavras, o conhecimcnto, ferramentas" para o acesso às leis que regem os fenô-
A.F,A.MlfureinlA.H.lnlu
menos estudados e os métodos de pesquisa (experi- nuam no mesmo marco epistemológico: o positivis-
mental, observacional etc) tomardm-se as "ferra- mo (González Rey, 1997, 1998, 1999),
mentas" para a produção do eonhedrnento cientifico No presente artigo, a metodologia é considera-
(Branco e Valsiner, 1997). Esta concepçllo metodo- da como processo dclico articulado <;om o processo
lógica foi denominada por González Rey (1997) de amplo de construçflo de conhecimento (Branco e
concepção instrumentalista da ciência, justamente Valsiner, 1997; Branco e Rocha, 1998). Portanto a
por cnfatizar os mcios, o aprimoramento dos méto- discussão sobre a pesquisa qualitativa não focalizará
dos e técnicas de pesquisa e desvalorizar a produção essencialmente os métodos utilizados, mas sim a
teórica e questionamentos filosóficos (epistcmológi- artíçulaçilo entre metodologia c uma proposta
cos, ontológicos, éticos, entre outros). epistemológíça alternativa ao positivismo: a cpis-
Na realidade, o dcscaso em relação à promo- temologia qualitativa. Em poucas palavras, nllo é no
çllo do questionamento cpistcmológiço articulado método que devcm ser buscadas as diferenças entre
com a discuss1lo ntetodológica nos mais diversos investigação qualitativa e investigação quantitativa,
planos, nos periódicos c cvcntos cientificos, nas mas sim em seus referenciais epistemológicos
disciplinas de graduação e pós-graduaçilo, está rela- (González Rey, 1997, 1991!, 1999). Mas o que vem a
cionado ii própria institucionalização do positivismo ser epistemologia qualilativa? Quais as implicações
no contexto acadêmico e, especialmente, na psicolo- de uma metodologia coerente com esta proposta
gia (González Rey, 1997, 1999). Afinal. a concepção epistemológica?
instrumentalista da metodologia é coerente com a
perspectiva positivista, scndo quc e sob esta ótica
epistemológica que se tem, de forma dominante, Epistemologia qualitativa e
definido o limite entre ciência e nlio-ciência, bem
como entre psicologia científica e psicologismo metodologia comllprocesso ciclico
especulativo. Nesse sentido. muitos questionam:
"por que discutir epistemologia se já sabemos de "A epistemologia qualitativa é um
antemão o que é ciência? Por que não investir nosso esforço na busca de formas diferentes de
tempo no aprimoramento de nossas técnicas de cole- produçilo do conhecimento na Psicologia
la de dados, para assim podermos olhar melhor e ana- que permitam a criação teórica accrca da
lisarmos de forma mais fidedigna a realidade?" realidade plurideterminada, diferenciada,
Nas ciências sociais e psicologia, a disputa irregular, interativa e histórica, quc rcprc-
entre os defensores da metodologia quantitativa e senta a subjetividade humana" (González
qualitativa também tem-se caracterizado pela preo- Rey,I999, p.35)
cupação em defender cenos métodos em oposição a Um dos pressupostos epistemológicos cen-
outros, como o meio mais adequado de se produ- trais que diferenciam o positivismo de uma proposta
zirem conhedmentos cientificos. Nessa disputa, o epistemológica qualitativa diz respeito à compreen-
que está em xeque não slIo os pressupostos epistemo- são da realii:lade cm sua complexidade e nilo como
lógicos, o espaço da teoria na produção de conhed· algo simples que possa ser descrito a partir de poucas
mento, mas sim os métodos e sua validade na coleta Icis univcf<iais
de dados (Gon7..ález Rey, 1999). Portanto a discussilo De acordo com Branco e Rocha (1998), a mu-
metodológica continua aI iCllada do processo de cons- dança de paradigma epistemológico torna-se uma ne-
trução do conhecimento e, por extensilo, a diferença cessidade se desejarmos compreender uma realidade
entre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa se dinâmica, organizada de forma sistemica e comple-
reduz ii natureza dus métodos utilizados. Em outros xa, em que os contextos hist6rico-culturais apresen-
termos, muitos dos pesquisadores qualitativos e tcm uma importância fundamental na constituição de
quantitativos, apesar de suas divergências, conti- tal realidade. Em outras palavras, tal proposta episte-
moJógica considera seriamente o papel da cultura no mesmo sua história flsica. É importante esclarecer
desenvolvimento humano, deixando de ser apenas que a tentativa de integrar as várias "histórias" que
uma variável interveniente, uma espécie de solução constituem o desenvolvimento do individuo não t,
do estilo "caixa preta" (Valsiner, 1997), bem como a <:ertamente, uma tarefa simples, ou seja, transcende a
subjetividade deixa de ser vista como epifenõmeno mera adição de todas estas ·'histórias". Nãodiscutire-
ou fonte de erro (GonzálezRey, 1997, 1998, 1999). mos de fonnamais detalhada tal questão, contudo, de
A proposta epistemológica qualitativa mos- acordo com os objctivos do presente artigo, é impor-
tra-se bastante coerente, portanto, com a natureza tante enfatizar que o estudo da gênese e desenvolvi-
complexa e dinâmica que caracteriza o desenvolvi- mento dos processos psicológicos deve considenrr
mento humano, como pode ser observado na seguin- seriamente a inclusão do elemento temporal.
te afinnaçll.o: O carater eminentemente dinâmico do desen-
volvimento humano, portanto, nãu é cuntemplado de
"O desenvolvimento humano indi- fonna satisfatória a partir da perspectiva epistemol6-
viduai envolve processo de incremento e gica positivista, considerando sua tradição de cons-
transfonnaçlio que, através do fluxo de troção de categorias analiticas que privilegiam a
intcraçõcsentreascaracteristicasatuaisda descrição de atributos estáticos. Em última instância,
pessoa e contextos em que está inserida, o positivismo acabou por privar de inteligibilidadc
produz uma sucessão de mudanças rela- fenômenos que envolvem relações dinâmicas, tais
tivamente duradouras que elaboram ou como: a relação entre o pensamento e a linguagem, a
aumentamadiversidadedasearacteristicas rclaçao cntre a cognição e o afeto,a relaçlio entre o
estruturais e funcionais da pessoa e os indivíduo easociedadc, ou seja, fenômenos re1evan-
padrões de suas interações com o am- tcs no campo de estudo da psicologia do desenvolvi-
biente, ao mesmo tempo em que ffiHotem a
organização coerente c unidadc cstrotu- Nesse sentido, será questionada, posterior-
ral-funcional da pessoa como um todo." mente, a pertinência de alguns conceitos que têm nor-
(Ford e Lemer, 1992) teado a pesquisa na ciência psicológica, inclusive a
pesquisa na psiCOlogia do desenvolvimento, concei-
O estudo do desenvolvim ento pressupõe uma tos tais como coleta de dados, teste empirico, instru-
compreensão dinâmica do fenômeno humano, bem mentosdcpcsquisa.Paratanto,enecessariorealizar
\:Omu uma perspectiva de causalidade sistêmica algumas considerações sobre a pesquisa qualitativa,
(Branco e Valsiner, 1997; Kindennan e Valsiner, enquanto proposta epistemológica, bem como o pa-
1989; Valsiner, 1989, 1997), o que representa um pei da mctodologia e momento empirico no processo
grande desafio metodológico, ainda mais se for con- amplode construr,:àu de conhecimento na psicologia,
siderada a tradição epistemológica positivista na psi- A nccessidade, apontada anterionnente, de
cologia de lidar com uma compreensãu estatica e de- transformação do paradigma epistemológico a fun de
ternlinistada realidade (causalidade linear). compreender a narureza complexa da realidade nlio é
Portanto na investigação do desenvolvimento um movimento apenas na psicologia, mas em várias
humano, é de suma import:lncia a consideraçao da ir- ciências, como tem sido discutido por Capra (1982),
reversibilidade do tempo (Valsiner. 19!\9). Partindo Morin (1990, 1996, 1999) e Santos (2001). Na psico-
do pressuposto de que a irreversibilidade do tempo logia,GonzalezRey(1997, 1998, 1999) tem sido um
cumpre um papel eonstrotivo primordial na natureza dos autores que se têm dedicado à sistematização c
(Prigogine, 1996), é importante considerar que o de- elaboração de uma proposta epistemológica alterna-
senvolvimcnto do individuo é constituido não só por tiva ao positivismo que contemple as especificidades
sua história mierogenética (no aqui-c-agora), mas do campo de estudo psicológico. Segundo González
também por sua história ontogenética, antropogené- Rey (1999), os pressupostos centnlis de uma episte-
tica (dimensão histórico-cultural), filogenética e mologiaqualitativasão:
A. F. A. MdIlM.A.U.11aet
pesquiS3dores. Dentro de uma perspectiva epistemo- Renata: (, .. ) Hum homo. bi e hetero, eu nun-
lógica positivista, o sujeito investigado é visto como ca pensei em relação a isso (. .. ) Ê uma classificação
sujeito "ingênuo", não-consciente das leis que regem como... é ( ... ) é engraClmo isso porque... eu nunca
seu componamento. Neste sentido, por que deixar o tinha pensado (risos). Humossexual, bi, lésbica.
sujeito se expressar mais livremente em uma situação deixa eu ~·er ... é... as pessoas elas por nafure:a- vol-
de investigação pouco estruturada? Qual II validade lando u lado do preconceito. ne- - elas já se
de sua expressão "ingênua" na produção de conheci- pré-canceiwam afraves desses nomes·, ~
mcntos empiricamente verificáveis? O pOIlCO prestí- porque . . oh eu sou homossexual... ai, se você sai pra
gio da entrevista como instrumento metodológico na algum lugar... e... e chega assim. porque eles traIam
pesquisa positivista é, portanto, perfeitamente mui/o assim de bafe, de não sei quê. não sei que lá·,
coerente com seus pressupostos epistemológi- né·. esse tipo de coisa assim. En/ão, é como se gene-
cos-metodológicos centrais. rali:asseascoisas. Osbissexuaisseriam'l..!ll!i.? Uma
Em contrapartida, na investigação qualitativa, pessO(j que gosta de homem e mulher, então essa
fundamentada nos pressupostos epistemológicos pessoa tombém não presto··, entendeu. Pru mim
discutidos no presente artigo, a entrevista ganha um isso ai, pra mim não tem diferença nenhuma·,
espaço legítimo na produção de novos conhecimen- porque, pra mIm, são pessoas..
tos na psicologia. Para tanto, é necessário superar a Ana Flávia: Tranqiiílo, pra você os lermos.
idéia de quea utitizaçãoda entrevista na prática de Renata:É... eul1liolenhoesse.esselancede ..
pesquisa representa um "meio" para se acessarem os apesar que. àj' vezes, ell pego, quando eu lÓ r?]. eu
conteúdos intrapsíquicos do sujcito investigado, pergunto pra pessoa: o que ela sente? Porque eu
como $I: os mesmosjá estivessem "prontos dentro de acho que isso ai,já seria mais assim, a convicção do
sua cabeça". Em outras palavras, nlio há uma relação que apessoo ~., do quea pessna realmente... é.
isomórfica entre as respostas do sujeito (os "dados") lJJ!f!..pra ela·. Porque eu acho que uma pessoa bisse-
e os fenómenos estudados. O momento da entrevista xllol, ela num .. . IIl1m sobe o que ela quer ainda da
consiste em um espaço dialógico, perpassado pelos vidu·, eu acho.
significados co-construidos pelos participantcs, ou Ana Flávia: Entào, você acha que os bine-
seja, pelo entrevistado e pesquisador (Melo, 1996; xuoú, eles ... Ieriam pessoas coll/usas, que lião
Valsiner, 1997). seria nessodireção? Que não sabem o que querem?
O caráter dialógico da entrevista é explicitado Ou você acho que é possível uma pe.uoa ser Mue-
no seguinte trceho de uma entrevista realizada em !EElpor convicção, como você... falou.
uma pesquisa vinculada ao Laboratório de Microgê- Renata: Pode ser por convicção·, sóque... é...
ncse das Intcraçõcs Sociais (LABMIS - UnB); Ira- eu não sei, eUllllm... eunl/m ... eu num vejoesse/ipo
ta-sedeumadasentrevistasanalisadasnadisscnação de, de relação, tipo você·... gostar lan/o ... oh, mas
de mestrado da primeira autora sob orientaçlio da cada 11m tem seu gOMO. faz o que quer·
segunda autora, confonne mencionado no início do Ana Flávia: Mas, na sua opinião, você oSIo'im
artigo. A participante tem 25 anos de idade e apre- que o, que o bi, que a bissexualidade ... taria de certa
senta uma orientação homoerótica; seu nome foi forma ligada a questão de uma confosão, da pessoa
substituído por um nome fiClício2. ainda não saber ...
Alia Flávia: '·Ole, ale, Rena/a. E Renara, oquc Renata: É, seria mais ou menos isso
que você acha da cJassifiCljção: homossexuais, Ana Flávia: Seria nesse sentido?
bis~'exu(lis, heterossexuais, que você acha de.. RenatR: É, nesse sentido .,
desses termos?
Morin, E. (1990). lntroductivn à lu p.:ns.:e complexe (O. Sall1os, ll. S. (2001). Um discurso sobre as ciênciru.
Matos, Tmd.). Paris: ESF Éditcur Porto: Edições Afrontamento.
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