Texto Complementar JAMES - RACHELS - Cap7 - 8 - e - 9 - para - Moodle
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James Rachels
(Lisboa, Gradiva, 2009)
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Na verdade, não acredito minimamente no crime. No sentido habitual da
palavra, não existem crimes. Não acredito em qualquer distinção entre as
verdadeiras condições morais das pessoas que estão dentro e das que
estão fora da prisão. São iguais. Do mesmo modo que as pessoas que
estão aqui dentro não poderiam evitar estar aqui, as pessoas que estão lá
fora também não poderiam evitar estar lá fora. Não acredito que as
pessoas estejam na prisão porque o mereçam. Estão na prisão apenas
porque não puderam evitá-lo, devido a circunstâncias que ultrapassam
inteiramente o seu controlo e pelas quais não são minimamente
responsáveis.
2
Não sei o que levou estes rapazes a realizar esse acto louco, mas sei que
houve uma razão para que o tenham realizado. Sei que não produziram
por si. Sei que qualquer uma de um número infindável de causas que
remontam ao começo pode ter actuado nas mentes destes rapazes —
que vos pedem para enforcar por malícia, ódio e injustiça — porque, no
passado, alguém pecou contra eles.
Deveremos censurar Dickie Loeb por causa das forças infinitas que
conspiraram para o formar, das forças infinitas que actuaram na sua
criação muito antes de ele ter nascido, sabendo que, por causa dessas
combinações infinitas, ele nasceu sem [o tipo correcto de emoções]? Se
devemos, então tem de haver uma nova definição de justiça. Deveremos
censurá-lo pelo que não teve e nunca teve?
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da vida por se «tornar novamente um ser humano», sobretudo através de
trabalhos que implicavam ajudar os outros. Morreu em 1971.
8.2. Determinismo
A defesa que Clarence Darrow fez de Leopold e Loeb ocorreu no primeiro
grande julgamento criminal em que se usou a ideia moderna de que nossa
personalidade é o produto da «hereditariedade-mais-ambiente» para alegar
que os réus não eram responsáveis pelas suas acções. Contudo, Darrow não
foi o primeiro a duvidar de que o destino está nas nossas mãos.
Aristóteles preocupou-se com a possibilidade de as leis da lógica
implicarem que não temos controlo sobre o que fazemos. Toda a proposição,
raciocinou, tem de ser verdadeira ou falsa. Por isso, neste momento ou é
verdade que amanhã vamos vestir uma camisa azul, ou é falso que amanhã
vamos vestir uma camisa azul. Se isso é verdade, então nada podemos fazer
para o evitar — afinal, isso irá acontecer. Se isso é falso, então nada podemos
fazer para que aconteça, pois isso não vai acontecer. Seja como for, o futuro
está estabelecido e não temos poder para o mudar. Isto tornou-se conhecido
por problema do Fatalismo. De Santo Agostinho em diante, os teólogos
compreenderam que o pressuposto da omnisciência de Deus cria uma
dificuldade similar. Se Deus sabe tudo, sabe o que vamos fazer amanhã. Mas,
se Deus já sabe o que vamos fazer amanhã, então não podemos agir de outra
forma.
Embora o problema do Fatalismo seja sério, não constitui o desafio mais
preocupante à liberdade humana. A ameaça maior provêm do Determinismo,
que já era conhecido no mundo antigo, mas só se tornou preeminente com a
ascensão da ciência moderna. Dizer que um sistema é determinista é afirmar
que tudo o que nele acontece resulta de causas anteriores, e que logo que as
causas ocorrem os efeitos têm de se seguir inevitavelmente, dadas as
circunstâncias circundantes e as Leis da Natureza. Provavelmente, vemos o
edifício em que vivemos como um sistema determinista. Se as luzes se
apagam, pensamos que isso tem de ter uma causa. Supomos que, logo que a
causa ocorreu, o efeito tinha de se seguir. Se o electricista nos dissesse «isso
pura e simplesmente aconteceu», sem qualquer razão, essa afirmação violaria
a nossa concepção do funcionamento das coisas.
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Com a ascensão da ciência moderna, tornou comum conceber o universo
inteiro como um grande sistema determinista. A natureza consiste em
partículas que obedecem às leis da física, e tudo o que acontece é governado
pelas leis causais invariáveis.
A expressão mais vívida desta ideia foi-nos dada pelo matemático francês
Pierre-Simon Laplace (1749–1827). Em 1819, Laplace afirmou que, se um
observador supremamente inteligente conhecesse a localização e a velocidade
exactas de todas as partículas do universo, bem como todas as leis da física,
conseguiria prever sem margem para dúvidas todos os estados futuros do
universo. Nada o surpreenderia; ele saberia tudo antes de as coisas
acontecerem. Obviamente, nós não conseguimos fazer tais previsões, mas isso
deve-se apenas ao facto de não termos a informação e a inteligência
necessárias.
O universo inclui-nos. Fazemos parte da natureza e aquilo que acontece
dentro da nossa pele está sujeito às mesmas leis físicas que tudo o resto. Os
movimentos dos nossos braços, pernas e língua são desencadeados por
acontecimentos que ocorrem no nosso cérebro, que por sua vez são causados
por outros acontecimentos físicos. Deste modo, o observador perfeito de
Laplace conseguiria prever as nossas acções da mesma forma que prevê tudo
o resto. Na verdade, recuando o suficiente na cadeia causal, ele conseguiria
prever, mesmo antes de termos nascido, se amanhã vamos ou não usar uma
camisa azul. Pode parecer-nos que fazemos as nossas escolhas livre e
espontaneamente, mas Laplace defendeu que a nossa «liberdade» é apenas
uma ilusão criada pela nossa ignorância. Como não nos apercebemos das
causas subjacentes do nosso comportamento, presumimos que este não as
tem.
O que serão exactamente «as causas subjacentes do nosso
comportamento»? Como Clarence Darrow observou, as causas «últimas»
podem ser remotas. Porém, as causas imediatas são acontecimentos que
ocorrem no nosso cérebro. Os acontecimentos neurológicos causam tanto os
nossos estados mentais como os movimentos do nosso corpo.
A ideia de que os nossos estados conscientes são causados por
acontecimentos neurológicos não é mera especulação. Realizam-se por vezes
cirurgias cerebrais apenas com anestesia local, pelo que o paciente pode dizer
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ao cirurgião que experiências está a ter enquanto várias partes do seu cérebro
são sondadas. Como vimos no Capítulo 6, esta técnica foi introduzida há mais
de meio século pelo Dr. Wilder Penfield, que a descreveu vividamente no seu
livro The Excitable Córtex in Conscious Man (1958). Desde então, os
neurocirurgiões utilizam a técnica de Wilder. Sabem que, se sondarmos um
lugar, o paciente sentirá um formigueiro na mão; se sondarmos outro lugar, o
paciente sentirá o cheiro do alho; se sondarmos outro lugar ainda, ele pode
ouvir uma canção dos Guns N’ Roses.
Também é possível induzir acções com a estimulação eléctrica do
cérebro. Jose Delgado, que desenvolveu a sua investigação na Universidade
de Yale há quatro décadas atrás, descobriu que, estimulando várias regiões do
cérebro, conseguia causar todos os tipos de movimentos corporais, incluindo
franzir as sobrancelhas, abrir e fechar os olhos, mover a cabeça, os braços, as
pernas e os dedos. Quando começou a experimentar este procedimento,
usando gatos e macacos, reparou que os animais não se mostravam
surpreendidos nem assustados quando o seu corpo se movia. Aparentemente,
os animais tinham a experiência dos movimentos como se estes fossem
voluntários. Num caso particular, a estimulação do cérebro de um macaco fê-lo
levantar-se e andar. O efeito repetiu-se várias vezes, e em cada uma delas o
animal começou a vaguear, sem surpresa nem desconforto, como se tivesse
decidido passear um pouco.
Alguns filósofos diriam que o procedimento de Delgado não causa
acções, mas apenas movimentos corporais. As acções implicam razões e
decisão, e não apenas movimentos. Mas isto não é tudo. Quando Delgado fez
a sua experiência com seres humanos, eles foram ainda mais complacentes do
que os animais — além de terem feito os movimentos sem surpresa nem
medo, também deram razões para os terem feito. Num paciente, a estimulação
eléctrica do cérebro produziu «um virar de cabeça e um deslocamento lento do
corpo para cada um dos lados numa sequência bem orientada e
aparentemente normal, como se o paciente estivesse à procura de algo».
Repetiu-se isto seis vezes ao longo de dois dias, o que confirmou que a
estimulação produzia efectivamente o comportamento. Mas o paciente, que
ignorava a estimulação eléctrica, considerava a actividade espontânea e
justificava-a com razões. Quando lhe perguntavam «O que está a fazer?», ele
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respondia «Estou à procura dos meus chinelos», «Ouvi um barulho», «Estou
impaciente» ou «Estava a olhar para debaixo da cama».
Será que as nossas decisões também são produzidas por disparos de
neurónios»? Há também alguns resultados experimentais sobre isto, que se
devem ao cientista alemão H. H. Kornhuber. Suponha-se que ficamos quietos e
que, durante o próximo minuto, vamos mover espontaneamente o dedo.
Subjectivamente, podemos estar bastante certos de que a decisão de mover o
dedo está inteiramente sob o nosso controlo. Mas suponha-se agora que nos
ligam alguns eléctrodos no couro cabeludo e nos pedem para repetir a acção.
Um técnico que esteja a olhar para uma electroencenfalografia seria capaz de
observar um padrão característico de actividade cerebral quando movemos o
nosso dedo. A actividade cerebral inicia-se um segundo e meio antes do
movimento, e inicia-se antes de tomarmos a decisão. Olhando para o monitor,
o técnico sabe assim que vamos mover o dedo antes de não o sabermos. A
uma escala reduzida, ele é como o observador perfeito de Laplace. Kornhuber
realizou esta experiência pela primeira vez nos anos 70 do século passado.
8.3. Psicologia
Pode parecer estranho que o argumento básico contra o livre-arbítrio
apele a princípios da física. Afinal, é a psicologia, e não a física, que estuda o
comportamento humano, pelo que podemos interrogar-nos acerca do que a
psicologia tem a dizer. Será que as teorias psicológicas sobre o
comportamento humano deixam espaço para a noção de livre-arbítrio, ou será
que apoiam o Determinismo?
Antes de nos virarmos para a psicologia, no entanto, vale a pena
mencionar como, de várias maneiras, a nossa compreensão de senso comum
dos seres humanos contém já elementos favoráveis ao Determinismo. Cada
um de nós nasceu de pais específicos numa época e num lugar específicos, e
não é preciso pensar muito para compreender que, se essas circunstâncias
tivessem sido diferentes, também nós poderíamos ter sido diferentes. Um
jovem «escolhe» tornar-se corretor de bolsa — será coincidência que o seu pai
tenha sido corretor de bolsa? O que teria ele escolhido se os seus pais
tivessem sido missionários?
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Sabemos também que as condições sociais influenciam as nossas
decisões de formas que escapam à nossa consciência, mas que se revelam
nas estatísticas. As condições sociais influenciam a proporção de pessoas que
decidem tornar-se engenheiras, mudar-se para a Costa Oeste, jogar golfe e
cometer suicídio. (No início dos anos 80 do século passado, por exemplo,
descobriu-se que a taxa de suicídio nos Estados Unidos variava directamente
com a taxa de desemprego. Além disso, em 1986 um estudo mostrou há uma
maior probabilidade de os adolescentes se suicidarem nos dias que se seguem
à cobertura televisiva nacional de histórias de suicídio.) Em cada caso
particular, pode parecer que o indivíduo está a fazer uma escolha livre e
independente. Todavia, se as circunstâncias sociais se alteram, a proporção de
pessoas que tomam essas decisões também muda.
Considere-se um exemplo parecido: nos Estados Unidos, existem hoje
dois milhões de pessoas na prisão, e outros doze milhões irão passar
provavelmente algum tempo atrás das grades em alguma fase da sua vida. (A
América tem a maior taxa de presidiários do mundo.) Um número
desproporcionado dos que estão encarcerados são jovens negros ou
hispânicos do sexo masculino. Talvez alguns destes homens fossem sempre
parar à prisão, mas é óbvio que alguns deles não estariam presos se tivessem
vivido em circunstâncias sociais diferentes. Ao nível do indivíduo, pode parecer
que cada homem «decidiu livremente» infringir a lei. Talvez isso seja verdade.
Ainda assim, é razoável entender que há pessoas dos mais variados tipos que
nunca estiveram na prisão e se consideram moralmente superiores, mas que
simplesmente têm a sorte de nunca ter vivido em condições sociais em que
teriam agido de forma diferente.
Quando pomos de parte as estatísticas e tentamos compreender mais
detalhadamente o comportamento de pessoas específicas, parece que
chegamos sempre a explicações em que a «escolha livre» não têm um papel
importante. A explicação de Darrow para o facto de Leopold e Loeb terem
acabado por matar Bobby Franks é um exemplo. Outro exemplo é o de Eric
Rudolph, acusado pelo FBI de uma série de atentados à bomba, incluindo um
atentado a uma clínica de aborto em Birmingham, Alabama, em Janeiro de
1988, que provocou a morte de um polícia e ferimentos graves numa
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enfermeira. Rudolph desapareceu nas florestas da zona ocidental da Carolina
do Norte, onde conseguiu evitar a captura até 2003.
Por que razão terá ele procedido assim? Se não soubermos mais a seu
respeito, podemos imaginar Rudolph como um homem que odiava tanto o
aborto que estava disposto a usar quaisquer meios para lhe pôr fim. Isto pode
ser verdade em certa medida. Porém, muitas pessoas opõem-se ao aborto,
mas não recorrem a bombas. Por que razão este homem em particular se
tornou letal?
Segundo a Newsweek, «A melhor forma de o entender é, talvez, como o
produto de um caldo paranóica de suprematistas brancos, religiosos fanáticos e
inimigos do governo. A mente e os motivos de Rudolph são difíceis de sondar,
mas o extremismo parece caracterizar a família». Quando Eric tinha treze anos,
o seu pai morreu e a sua família mudou-se de Miami para a Carolina do Norte
rural. Viveram numa estrada de cascalho, perto de uma proprietário de uma
serraria chamado Tom Branham. Branham, um «sobrevivalista» que tinha sido
preso por crime federal de posse de armas e que defendia que o governo não
tinha qualquer autoridade sobre si, interessou-se por Eric e pelo seu irmão,
Daniel, tornando-se um pai substituto dos rapazes. Entretanto, a sua mãe
mudou-se para os Ozarks do Missouri de modo a se juntar a uma comunidade
de separatistas brancos. Quando estava no nono ano, Eric escreveu num
trabalho escolar que o Holocausto nunca ocorrera, usando como fonte de
«investigação» panfletos publicados por grupos de ódio. Por muito que
possamos detestar aquilo em que Eric se transformou, é difícil resistir à
conclusão de que o jovem rapaz nunca teve hipótese de ser diferente.
Quando tentamos entender comportamentos extraordinários, parece
ocorrer-nos sempre uma explicação deste género. Na verdade, essas
explicações parecem necessárias. «Ele pura e simplesmente decidiu fazer
isso» não é de forma alguma uma explicação.
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Se queremos usar os métodos da ciência no campo dos assuntos
humanos, temos de presumir que o comportamento obedece a leis e está
determinado. Temos de esperar descobrir que aquilo que um homem faz
resulta de condições especificáveis e que, a partir do momento em que
essas condições são descobertas, podemos antecipar, e em certa medida
determinar, as suas acções.
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que tocamos numa cerca — depressa deixaremos de lhe tocar. Ou suponha-se
que uma criança recebe comida quando diz «se faz favor», mas não recebe
comida quando não diz «se faz favor». Depressa começará a dizer «se faz
favor» sempre que tiver fome. Estes são exemplos simples. O mundo real é
complexo, mas o princípio é o mesmo para todo o comportamento.
B. F. Skinner, um behaviorista importante que ensinou em Harvard
durante muitos anos, explicou uma vez como se pode demonstrar o processo
de condicionamento num laboratório. Primeiro pomos um pombo numa gaiola
durante alguns dias, alimentando-o sempre através de um pequeno tabuleiro
que se abre electricamente. Depois, quando o pombo já se habituou a comer
do tabuleiro, «Seleccionamos um comportamento relativamente simples que
possa ser livre e rapidamente repetido e que seja fácil de observar e registar.
[…] [O] comportamento de subir a cabeça a uma certa altura é conveniente».
Sempre que o pombo sobe a cabeça a uma certa altura, abre-se o tabuleiro de
comida. «Caso se conduza a experiência de acordo com as especificações, o
resultado é invariável: observamos uma mudança imediata na frequência com
que a cabeça fica a essa altura. […] Num minuto ou dois a postura da ave
mudou, de tal forma que o topo da cabeça raramente fica abaixo da altura que
escolhemos.» Obviamente, o pombo não está consciente da sua mudança de
postura. A alteração do seu comportamento não passa de uma reacção
mecânica a um estímulo.
Os behavioristas sustentaram que toda a nossa conduta é assim.
Teoricamente, pode-se explicar tudo o que fazemos como uma resposta a um
condicionamento prévio, incluindo as nossas acções mais admiráveis e nobres,
bem como as mais vergonhosas. (Se não conseguimos produzir efectivamente
todas as explicações, isso deve-se apenas ao facto de não conhecermos
suficientemente bem as cadeias causais relevantes.) No mesmo ano em que
Clarence Darrow estava a defender Leopold e Loeb, John B. Watson,
frequentemente considerado o pai do Behaviorismo, escreveu o seguinte:
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são os seus talentos, predilecções, tendências, capacidades, vocações,
nem qual é a raça dos seus ascendentes.
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dos guardas e prisioneiros ter terminado, os «prisioneiros» insistiram que não
teriam sido tão abusivos se tivessem sido guardas. Contudo, sublinha
Zimbardo, não havia qualquer diferença entre os que foram designados
guardas e os que foram designados prisioneiros — a atribuição dos papéis foi
aleatória. A conclusão natural é a que única diferença entre eles residia nas
suas circunstâncias. Aparentemente todos nós — ou, pelo menos, a grande
maioria de nós — temos a capacidade interna de nos comportarmos mal se
estivermos na posição relevante.
Vou mencionar apenas mais um estudo que estabelece uma conclusão
similar: a experiência do «Bom Samaritano» de J. M. Darley e C. D. Batson. No
Evangelho de Lucas, apresenta-se o Bom Samaritano como um modelo de
comportamento decente:
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abrangia as suas crenças éticas e religiosas. Disse-se aos estudantes (a um de
cada vez) que tinham de preparar uma breve comunicação sobre ética ou
sobre oportunidades de trabalho e de a entregar noutro edifício. A alguns
estudantes, disse-se que tinham de se apressar, mas a outros disse-se que
dispunham de muito tempo. Preparam-se as coisas de modo a que, no
caminho para o outro edifício, eles se cruzassem com uma pessoa que estava
caída junto a uma porta, nitidamente aflita. Iriam parar para ajudar?
Alguns pararam e outros não, mas descobriu-se que as suas perspectivas
éticas e religiosas não estavam relacionadas com o que fizeram, e que também
não importava se tinham em mente a ética ou as oportunidades de trabalho.
Tudo o que interessava era se pensavam ou não ter tempo para parar. Esta
pequena mudança nas circunstâncias fez toda a diferença entre a conduta
moral exemplar e a insensibilidade.
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formas inesperadas. (Do ponto de vista do «livre-arbítrio», obviamente, pouco
importa se um aspecto da nossa personalidade é influenciado pelos genes ou
pelo «ruído do desenvolvimento», dado que o indivíduo não controla nenhum
destes factores.) Podem existir ainda outros factores em acção. De que modo
todos estes elementos interagem para produzir o organismo? Temos algumas
ideias preliminares sobre isto, mas não conhecimento definido. Esta área da
ciência está na sua infância.
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amor às suas mulheres. Tinham dado aos seus filhos os nomes James Alan e
James Allan.
Porém, os gémeos mais impressionantes talvez fossem Jack Yufe e
Oskar Stöhr, cujos ambientes domésticos tinham sido tão diferentes quanto se
pode imaginar. Um dos gémeos fora criado em Trindade pelo seu pai, que era
judeu; o outro, na Alemanha, pela sua avó nazi. Oskar fizera parte da juventude
hitleriana; Jack estivera na marinha israelita. Quando voltaram a encontrar-se,
ambos usavam óculos com armações rectangulares de metal e camisa azul
com dois bolsos e dragonas. Ambos tinham um pequeno bigode. Ambos
gostavam de ler revistas de trás para a frente e despejavam o autoclismo antes
de usarem a sanita. E ambos gostavam do mesmo gracejo estranho, que
consistia em surpreender as pessoas espirrando no elevador.
Estas são curiosidades cativantes, mas não passam disso e não podemos
extrair delas quaisquer conclusões firmes. Em primeiro lugar, seria necessário
recolher e analisar uma enorme quantidade de dados antes de podermos saber
o que concluir. Pense-se, por exemplo, na história da camisa azul com
dragonas. Nas áreas em que Jack e Oskar viviam, quantos homens possuíam
camisas desse tipo? E qual será a probabilidade de dois homens usarem a
mesma camisa no mesmo dia? De um modo mais geral, considerando-se um
grupo de homens da mesma população, qual será a probabilidade de dois
deles, escolhidos aleatoriamente, estarem vestidos de forma similar? E, o que
é o mais importante de tudo, qual será a probabilidade de existir alguma
semelhança notável entre dois desses homens, mesmo que esta não diga
respeito ao modo como estão vestidos? (Tente o seguinte: escolha duas
pessoas ao acaso e veja se não consegue encontrar algumas semelhanças
entre elas.) Seja como for, os críticos objectam também que as próprias
curiosidades devem ser entendidas com precaução, já que é provável que as
histórias sejam exageradas. Além disso, alguns dos gémeos na verdade já se
tinham encontrado antes de os investigadores de Minnesota os terem
estudado.
No entanto, os investigadores não baseiam as suas conclusões nessas
curiosidades. Em vez disso, dão aos gémeos testes psicológicos padrão para
avaliar características como a flexibilidade, a tolerância, o conformismo, o
autodomínio, a integridade, a abertura de espírito, o realismo, a influência
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social, a alienação, o autoritarismo e a agressividade. Descobre-se que os
gémeos são extraordinariamente parecidos em todos estes aspectos. Têm um
sentido de humor parecido e níveis similares de optimismo e de receio.
Partilham (ou são desprovidos de) talentos similares e têm doenças e
incapacidades mentais similares. Baseando-se nestes estudos, os
investigadores concluíram que os principais componentes da nossa
personalidade se devem em cerca de 50 por cento aos nossos genes.
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que Leopold e Loeb tinham «nascido maus» porque tinham nascido sem
sentimentos como os de piedade e empatia. Não podemos conhecer a verdade
precisa acerca de Leopold e Loeb como indivíduos, mas na questão mais geral
Darrow pode ter tido razão. A psicóloga Judith Rich Harris formula a ideia
nestes termos:
É fácil compreender por que razão estas ideias deram origem a uma
controvérsia. Parece que nos estão a dizer que nada há a fazer por algumas
crianças — elas nasceram más e vão continuar a ser más. Além disso, no
contexto de discussões sobre a criminalidade, estas observações ignoram
completamente o papel dos factores ambientais, como a pobreza e o racismo.
O Behaviorismo, com a sua mensagem optimista «Melhore o ambiente e
melhore a criança», parece estar mais de acordo com uma visão progressista
da sociedade.
Contudo, a ideia de que características como a agressividade e a
insensibilidade «têm um componente genético significativo» não implica que
nada haja a fazer por algumas crianças e que as condições sociais não
importam. Nenhum cientista social acredita que os genes determinam tudo. Os
nossos genes podem predispor-nos, em certos ambientes, a agir de certa
forma, mas o modo como nos comportaremos efectivamente dependerá de
outras coisas. Por isso, a educação e a eliminação da pobreza e do racismo
não deixam de ser importantes. A investigação dos genes apenas ajuda a
explicar por que razão algumas pessoas têm mais facilidade do que outras em
ser virtuosas.
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De modo a evitar estas incompreensões, os cientistas sociais esforçam-se
frequentemente por sublinhar que não estão a subscrever o Determinismo. O
antropólogo John Townsend escreve o seguinte:
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Dizer que a biologia não nos determina porque o ambiente também é
importante é pouco consolador.
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Capítulo 9 O debate sobre o livre-arbítrio
A vida de um homem é uma linha que ele descreve à superfície da Terra
segundo as ordens da natureza, sendo incapaz de se desviar dela nem que
seja por um instante. […] Ainda assim, apesar das correntes que o prendem,
julga-se que ele é um agente livre.
— Paul Henri Barão d’Holdbach, O Sistema da Natureza (1770)
21
Esta linha de pensamento é perturbante por causa do parece implicar
para a responsabilidade individual. Se não somos livres, então parece que não
somos responsáveis pelo que fazemos.
Mas será que o Argumento Determinista é sólido? Embora seja plausível,
há nele muito que pode ser contestado. Vamos examinar duas respostas ao
argumento que defendem o livre-arbítrio de formas diferentes. Uma teoria, o
Libertismo, nega a primeira premissa do argumento e afirma que nem todas as
nossas acções estão causalmente determinadas. Outra teoria, o
Compatibilismo, nega a segunda premissa e afirma que somos livres apesar de
as nossas acções estarem causalmente determinadas. Vamos discutir estas
perspectivas separadamente.
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impede de seguir numa direcção nem o força a fazê-lo. A decisão é sua. A
experiência de liberdade, poder-se-á dizer, é a melhor prova que podemos ter.
Isto pode não parecer muito um argumento, dado que a sua «sensação
de ser livre» pode ser uma ilusão. Talvez se sinta livre apenas porque não está
consciente das forças causais em acção. Ainda assim, considere o seguinte:
antes de rejeitarmos uma crença em que temos uma grande confiança,
devemos dispor de provas da sua falsidade em que tenhamos ainda mais
confiança. E podemos ter uma confiança na nossa experiência de liberdade
maior do que a que poderemos ter em quaisquer argumentos contra o livre-
arbítrio.
Na sua discussão com Boswell, Samuel Johnson avançou esta ideia
quando disse: «Estás mais certo de poder levantar o teu dedo como te
apetecer do que de qualquer conclusão de uma dedução ou raciocínio. […]
Toda a teoria está contra o livre-arbítrio; toda a experiência está a seu favor». E
a experiência, pensava o Dr. Johnson, é mais certa do que meras teorias.
Aqui a ideia geral pode ser inatacável. Quando temos experiência directa
de uma coisa, devemos querer provas muito fortes antes de deixarmos de
acreditar nela. No entanto, o problema é que as provas contra o livre-arbítrio
tendem a destruir a confiança na nossa experiência. Jose Delgado descobriu
que podia levar as pessoas a fazer coisas estimulando electricamente o seu
cérebro, como olhar por cima do seu ombro, e que depois elas davam razões
para o que tinham feito, como «Estava à procura da minha almofada». Os
pacientes de Delgado, que não sabiam que o seu cérebro estava a ser
estimulado, tinham a experiência de que os seus movimentos eram voluntários.
Talvez sejamos como eles. Que diferença existirá entre nós e eles, a não ser o
facto de sabermos qual é, no contexto experimental, o acontecimento
electroquímico que causa a acção, enquanto na vida quotidiana ignoramos o
que está a acontecer no nosso cérebro? Perante estas provas, não faz sentido
insistir, com o Dr. Johnson, que pura e simplesmente sabemos que somos
livres. É preciso um argumento melhor para defender a liberdade.
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segundo leis causais. Acreditava-se que as Leis da Natureza eram leis causais
que especificavam as condições em que um estado de coisas tinha de se
seguir a outro — o movimento das bolas numa mesa de bilhar era um modelo
para o universo inteiro. Porém, a física newtoniana foi substituída por uma
imagem diferente do funcionamento do universo.
Segundo a mecânica quântica, uma pedra angular da física actual, as
regras que governam o comportamento das partículas sub-atómicas são
irredutivelmente probabilísticas. As leis da teoria quântica não nos dizem
«Dado X, Y tem de se seguir»; dizem-nos antes «Dado X, há uma certa
probabilidade de Y se seguir». Assim, as Leis da Natureza podem dizer-nos
que, em certas condições, uma certa percentagem de átomos radioactivos irá
decair, mas não nos dizem que átomos irão decair. O facto de que uma certa
percentagem vai decair pode estar determinado, mas o facto de que um acto
particular vai decair não está determinado.
Alguns cientistas acreditam, por razões filosóficas, que a teoria quântica
tem de acabar por ser suplantada por uma teoria diferente, ainda
desconhecida, que seja determinista. Consideram repugnante a ideia de que o
universo opera segundo princípios de acaso. Einstein, que fez a célebre a
afirmação «Deus não joga aos dados com o universo», foi um desses
cientistas. No entanto, não se entrevê nenhuma nova teoria e, tanto quanto
sabemos, a teoria quântica está aí para ficar.
Significará isto que não precisamos de nos preocupar com o
Determinismo? Por vezes, saúda-se a teoria quântica como uma boa notícia
para o livre-arbítrio. Se nem tudo está causalmente determinado, diz-se, então
afinal podemos ser livres, já que as nossas acções podem contar-se entre
aquilo que não está determinado.
No entanto, a física quântica na verdade não ajuda muito a defender o
livre-arbítrio. Afinal, as implicações da indeterminação quântica para o
comportamento humano são tão reduzidas que, na prática, não fazem a menor
diferença. Comparemo-las com as implicações da teoria quântica para os
computadores. Os outputs de um computador são determinados pelos seus
inputs e pelo seu programa. A mecânica quântica não implica que devemos
deixar de confiar nos computadores — as operações de um computador,
mesmo que não estejam completamente determinadas, estão suficientemente
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perto disso para que não haja diferença. Continuamos a obter os outputs
esperados, dados os inputs correctos e o programa correcto. Poder-se-á dizer
algo semelhante dos seres humanos, o que será suficiente para o Argumento
Determinista.
25
vai decidir, as suas deliberações podem terminar já. Por que razão há-de
continuar a pensar se já sabe o que vai fazer? Mas, nesse caso, a previsão de
que vai continuar a deliberar será falsa. Além disso, o leitor pode ser uma
pessoa maliciosa que detesta ser previsível. Assim, seja qual for a conclusão
atingida acerca do seu comportamento futuro, poderá fazer o contrário apenas
para provar a falsidade da previsão. A previsão, poderemos dizer, derrota-se a
si mesma. Isto parece mostrar que há uma grande diferença entre prever o
comportamento humano e prever outros acontecimentos do mundo físico.
Podemos resumir o argumento desta maneira:
26
O Determinismo implica a previsibilidade no sentido (a), mas não no
sentido (b). Com isto em mente, consideremos o caso em que prevejo que uma
pessoa irá fazer algo e ela faz o oposto só para me contrariar. A minha
previsão pode revelar-se errada. Ainda assim, um observador ideal poderia
saber exactamente o que ia acontecer, incluindo a minha previsão e a resposta
maliciosa dessa pessoa.
Este argumento, então, não prova que o nosso comportamento não esteja
determinado. Mas há mais um argumento para apreciar.
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4. Dado que temos de ter essa crença, temo-la de facto: as pessoas têm
livre-arbítrio.
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operação do nosso sistema neurológico. E, mesmo pondo de parte a ciência,
esta especulação parece não passar de um conto de fadas.
No entanto, se não devemos supor que há uma dentro de nós entidade
mental desconectada a controlar as coisas, o que haveremos de pensar? Que
uma parte do cérebro opera à margem da rede causal do mundo? Isto parece
uma tolice, mas é difícil pensar em algo melhor. Parece que não dispomos de
uma perspectiva plausível que dê sentido à «liberdade» dos libertistas. Na
ausência de tal perspectiva, temos de procurar noutro lugar uma solução para
o problema do livre-arbítrio.
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Nestes casos, não estamos a agir livremente porque fomos forçados a
fazer aquilo que não queríamos fazer. Estes são, pelo contrário, casos em que
agirmos livremente:
Estas acções são livres porque a nossa escolha se baseia nos nossos
próprios desejos, sem que ninguém nos diga o que temos de fazer. É isto que
significa fazer algo «de livre vontade». Mas repare-se que isto é perfeitamente
compatível com as nossas acções estarem causalmente determinadas pelo
nosso passado, pelos acontecimentos que ocorrem no nosso cérebro e assim
por diante — é mesmo compatível com os nossos desejos serem causados por
factores que não controlamos. Deste modo, o livre-arbítrio e o Determinismo
são compatíveis.
Podemos resumir a ideia básica do Compatibilismo dizendo que «livre»
não significa «não causado» — significa antes algo como «isento de coerção».
Assim, o facto de o nosso comportamento ser ou não ser livre não depende de
se é ou não é causado; depende apenas do modo como é causado.
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Mas será que o facto de eu conseguir prever a sua escolha significa que
ela não é livre? De forma alguma — e consulta a lista de filmes no jornal, pensa
sobre o que quer ver e decide em função disso. Ninguém lhe está a apontar
uma arma à cabeça. Ninguém está a manipulá-la ou a enganá-la. Ninguém
implantou um dispositivo de controlo remoto no seu cérebro. Assim, ela escolhe
«de livre vontade». O facto de eu, conhecendo-a como conheço, conseguir
prever as suas escolhas nada altera. Na verdade, algo estaria errado se eu não
conseguisse prever que ela vai preferir Os Despojos do Dia a McQuade, o
Lobo Solitário.
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como seres morais. Separa-nos dos animais. Se começamos a conceber-nos
como simples robots, arrastados por forças impessoais, perdemos a nossa
humanidade.
Porém, antes de cedermos a estes receios, temos de perguntar pelas
verdadeiras implicações do Determinismo. As questões mais preocupantes
estão relacionadas com a ética. Se não temos livre-arbítrio, seremos ainda
agentes morais responsáveis? A ética não perderá a sua razão de ser? Mas
talvez a perda do livre-arbítrio não seja assim tão perturbante. Nesse caso, não
teremos razões para a recear, nem necessidade de conceber defesas do livre-
arbítrio.
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futuro, temos boas razões para fazer o que é necessário para lhe dar origem.
Suponha-se que queremos que as crianças doentes da Nigéria tenham os
cuidados médicos de que precisam e que, por essa razão, contribuímos para
esforços humanitários. Ajudamos a mudar o futuro. E isso faz sentido
seguramente — sem a ajuda, as crianças ficariam pior. Uma vez mais, a
presença ou ausência do livre-arbítrio não faz diferença.
Poderemos deliberar acerca do que fazer se não acreditarmos que temos
livre-arbítrio? Alguns filósofos defenderam que, se acreditamos que não somos
livres, não faz sentido «deliberar». Afinal, deliberar significa tentar decidir, o
esforço de decidir parece pressupor que podemos fazer coisas diferentes. Este
raciocínio parece plausível. Mas o que fazemos realmente quando
deliberamos? Pensamos sobretudo naquilo que queremos e no modo como
diversas acções conduziriam a resultados diferentes. Pensamos nas crianças
da Nigéria, no que é está estar doente e não dispor de ajuda, no modo como o
nosso dinheiro poderia satisfazer as suas necessidades e assim por diante.
Podemos pensar também noutras coisas que poderemos fazer com o dinheiro.
Na ideia de que não tenho livre-arbítrio nada há que me impeça de continuar a
ponderar desta forma.
Logo, a negação do livre-arbítrio não implica o fim da ética. Podemos
continuar a considerar que certas coisas são boas e que outras são más —
mesmo que ninguém tenha livre-arbítrio, não deixa de ser melhor que as
crianças da Nigéria não morram. Além disso, podemos continuar a avaliar as
acções como melhores ou piores em função dos melhores ou piores resultados
que produzem. Mesmo que não tenhamos livre-arbítrio, não deixará de ser bom
contribuir para esforços humanitários.
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sua história ou da química do seu cérebro. Isto pode levar-nos a ver essa
pessoa como alguém que teve azar nas circunstâncias que a fizeram tornar-se
naquilo que é. Porém, isto não significa que ela não seja má pessoa.
Precisamos de distinguir (a) a questão de saber se alguém é má pessoa de (b)
a questão de saber como alguém se tornou má pessoa. Uma explicação causal
do carácter de uma pessoa não implica que ela não seja má. Mostra apenas
como ela se tornou má.
Pensemos de novo em Eric Rudolph, que encontrámos no Capítulo 8.
Rudolph foi acusado pelo FBI de ter realizado um atentado à bomba a uma
clínica de aborto, no qual um polícia morreu e uma enfermeira ficou
terrivelmente ferida. A história da vida de Rudolph fornece amplas provas de
que ele não foi responsável por se ter tornado assim. Conhecendo o seu
passado, podemos acabar por considerar que ele apenas teve o azar de ter
tido uma vida infortunada. Como se costuma dizer, graças a Deus que não
somos assim. Contudo, podemos continuar a pensar que Rudolph é um
homem mau, já que, afinal, ele é um assassino. Ele dispôs-se deliberadamente
a maltratar pessoas inocentes. Agora, no entanto, compreendemos melhor o
que o fez ficar assim.
Nenhum homem trata um automóvel tão tolamente como trata outro ser
humano. Quando o carro não arranca, ele não atribui o seu
comportamento irritante ao pecado. Ele não diz: «És um automóvel
perverso e não vou dar-te mais gasolina enquanto não arrancares». Ele
tenta descobrir o que há de errado e consertá-lo.
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Similarmente, pensa Russell, quando uma pessoa se comporta mal
devemos tentar descobrir por que razão isso acontece e lidar com o problema.
Há seguramente alguma verdade nesta ideia, o que se nota especialmente
quando pensamos na lei criminal e nas causas sociais do crime.
Surpreendentemente, no entanto, a noção de senso comum de
responsabilidade revela-se perfeitamente compatível com o Determinismo. Ser
responsável, no sentido comum, significa poder prestar contas pelo que se fez
— podemos ser censurados quando nos comportámos mal e ser louvados
quando nos comportámos bem. Assim, se somos seres responsáveis, têm de
existir algumas condições sob quais sejamos censuráveis por ter feito algo.
Que condições serão essas?
Do ponto de vista do senso comum, parece que há três condições: (1)
temos de ter realizado o acto em questão, (2) o acto tem de ser errado em
algum sentido e (3) temos de não ter uma desculpa para o ter realizado.
A noção de desculpa é crucial. As desculpas são factos que nos tiram o
peso de cima quando fizemos algo de mal. Podemos dizer que foi um acidente,
que não sabíamos o que estávamos a fazer e ou que nos forçaram a agir
dessa forma. Não é possível apresentar uma lista completa de desculpas
legítimas, mas algumas das comuns são as seguintes:
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muita tinta neste debate, mas tudo parece suspeitamente não passar de uma
disputa verbal. A ideia essencial é que o facto de o comportamento das
pessoas estar causalmente determinado não implica que elas não sejam
responsáveis pelo que fazem.
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