Susanne K Langer - Sentimento e Forma OCR
Susanne K Langer - Sentimento e Forma OCR
Susanne K Langer - Sentimento e Forma OCR
K. LA N G ER
S EN TIM EN TO
ESTÉT- E FO R M A
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estudos
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EDITORA PERSPECTIVA
EDITORA PERSPECTIVA
Próximo lançamento
A Política e o Conhecimento Sociológico
F. G. Castles
SENTIMENTO E FORM A
Uma Teoria da Arte desenvolvida
partir de Filosofia em Nova Chave
EDITORA PERSPECTIVA
Título do original
Feeling and Form
À memória de
limst Ctmlrer
iê t i i i i
Sumário
Introdução XI
2. Paradoxos 13
Idéias-chave na estética, heterogêneas — cada uma dá ori
gem a um tipo especial de teoria — complicação posterior
devida a dois pontos de vista — expressão e impressão —
tendência das teorias a serem paradoxais — “polaridade”
de sentimento e forma — sentimentos na arte, não senti-
tidos — paradoxo do “sentimento objetivo” — Baensch, e
o sentimento como qualidade — suas distinções — a velha
questão da “Forma Significante”.
VI SUMARIO
4. Semelhança ............................................................................ 47
“Atitude estética” provocada pela obra — ilusão — ima
gens — o caráter virtual destas — semelhança — Schiller,
e a função de Schein — abstração da forma — forma e
conteúdo — significação, como o conteúdo das formas ar
tísticas — Prall, e as formas sensoriais — sobre o senti
mento na arte — limitação de seus princípios — criação
de formas virtuais — a intenção como lógica da visão ar
tística — relação com o sentimento — movimento e cres
cimento — “forma viva” — criação.
5. Espaço Virtual 73
Motivos — não obras, mas engenhos — formatos sugestivos
— forma e representação — a pura decoração expressiva
— representação como motivo — articulação visual, o
objetivo de toda arte plástica — conformação do espaço
— espaço real e espaço virtual — ilusão primária da arte
plástica — seu caráter autônomo — Hildebrand, e o “espaço
perceptivo” — “processo arquitetônico” — o plano da pin
tura — terceira dimensão — “forma real” e “forma pcrcep-
tiva” — unidade do espaço perceptivo — valores visuais —
imitação e criação — o espaço tornado visível — “vida”
em obras de arte — expressão de sentimento vital — na
tureza da “expressividade” — ilusão primária, a criação bá
sica — elementos e materiais — modos.
6. Os Modos do Espaço Virtual 91
“Cena” virtual — falsa a generalização de Hildebrand —
forma orgânica da escultura — “volume cinético” — espa
ço subjetivo objetificado — arquitetura e espaço virtual
— arranjo e criação — “domínio étnico” — articulação
orgânica do lugar — relação entre escultura e arquitetura
— autonomia e unidade das artes.
7. A Imagem de Tempo 111
Interesse nos materiais — teorias do som e audição — não
teoria musical — respostas nervosas — vibrações — ele
mentos musicais são formas audíveis — ilusório, seu mo
vimento — ilusão primária é o tempo virtual — diferença
do “tempo do relógio” — não unidimensional — a passa-
SUMARIO VII
13. Cf. John Dewey, Art as Experience, p. 10: " ... as forças que
«riam o abismo entre produtor e consumidor na sociedade moderna
opunirn para criar também um a cisão entre a experiência comum e a
irnlétini. Aceitamos por fim t como registro dessa cisão, como se fossem
iiorinalti as filosofias da arte que a looalizam num a região habitada
por imiihunia outra criatura, e que dfio ênfase, além de toda razão, ao
HtiAlrr mt'iitmi!i)i(j contemplativo do estético".
Titiiiltéiu i. a . Rlcliards, Principies of Literary Criticism, p. 16-17:
"(.juninlo ollmimm para uma pintura, lemos um poema ou ouvimos m ú-
Mcm, on.» 1'Nhimoti fozondo algo m ulto diverso do que estávamos fazen
do ho li |*iírii a (lulcrla ou ao noe vestirmos de manhã. A maneira pela
•|mh| h m«|iih lAonla A cm nós causada é diferente e, como regra, a ex-
io*mA!o'Ih a imiiIm iioinploxa o, se tivermos êxito, mais unificada. MaB
initHiH mHvMm. h* oAo 6 iln uma espécie fundament&lmente diferente".
I humoo m hto'i iiiiivhi', Diii Thn Aesthettc Experience, p. 79, acompanha
hhh h• | i11i-hmah *I*• ••«pMiMriAo uri Inüoti com a afirmação: "Isso não quer
MUhi otim vm* iiimIh, ipm o ipm o artista tem a dizer seja diferente em
»Iu i|Oh a iiho oh vldn nml, ou que a esfera da arte esteja, em
aisuMi hmmkioiImi, iilvoiriiuia da esfera da realidade".
O SÍMBOLO DO SENTIMENTO 39
IA Anuiu**», p. 7-0.
I'f mmí I lh*Iunt p. 00.
ÍN ihhl, p 10
O SÍMBOLO DO SENTIMENTO 41
E, mais além:
Qualquer conteúdo consciente é tomado como inteligível ape
nas até onde é compreendido como forma ou estrutura. Isso quer
dizer, é claro, que é formado de elementos em relacionamentos em
virtude dos quais eles na realidade, se juntam ... Pois elementos não
ordenados originariamente por uma relação de algum tipo não che
garão em absoluto a formar estruturas, para nós, nem elementos
intrinsecamente relacionados firmarão estruturas para nós, a menos
que nos tenhamos tornado conscientes dos tipos de relacionamentos
envolvidos. Não se pode fazer um todo espacial, exceto com ele
mentos cuja própria natureza e ser seja a extensão espacial. Não
se pode fazer estruturas melódicas exceto com elementos que estão
originariamente ordenados por um relacionamento intrínseco de to
nalidade, da qual eles não podem ser retirados. . . Os elementos
precisam estar numa ordem natural a seu próprio ser, uma ordem
compreendida por nós como constituída por uma relação. Chamamos
as estruturas de inteligíveis... na medida em que se nos apresentam
passíveis de análise naqueles elementos assim relacionados78.
Assírio Indonésio
SEMELHANÇA 65
Chinês
Mexicano
Fig. 5
Mexicano
ChlnAi
SEMELHANÇA 67
22. Essa hipótese íol levantada por Theodor Llpps, em sua Aeathetio
e outros escritos, e íol defendida por Vlolet Paget (Vernon Lee), espo-
clalmente em seu bem conhecido pequeno livro, The Beautiful.
68 SENTIMENTO E FORMA
Fig. 6
nós, não estamos mais lidando com formas visuais, mas com
coisas e com a história delas. Em termos artísticos, coisas e
acontecimentos são apenas motivos dos quais são feitas as
formas, e através dos quais as formas são relacionadas, a
fim de definir o espaço visual e exibir o caráter deste.
Ao relegar a imitação e seus modelos naturais a seus
devidos lugares, Hildebrand enfrenta abertamente o pro
blema da realidade e da ilusão* Com inocência filosó
fica, ele chama de “forma real” o caráter das coisas, como
as vimos, sentimos, ou construímos pelo trabalho conjunto
de todos os nossos sentidos. Além de qualquer ingênua crença
ontológica que possa transmitir, “real” não é um mau ter
mo, pois se refere às características de coisas que são apren
didas e avaliadas na esfera de nossas ações. Essa “forma
real” é aquilo com que o artista trabalha; aquilo para que
ele trabalha, por outro lado, é para esclarecer a “forma
perceptiva”, ou aparência visível desta forma. Tudo o que é
importante para ele é o que contribui para a forma perceptiva.
Essa forma é uma semelhança de coisas, e os planos de
visão, escalonados um atrás do outro face ao olho que per
cebe, são uma semelhança de espaço. Pertencem àquele
espaço virtual que, acredito, é a primeira criação na arte
plástica — a ilusão primária em que todas as formas harmo
niosas existem como ilusões secundárias, símbolos criados
para a expressão de sentimento e emoção.
O espaço virtual, sendo inteiramente independente e
não uma área local num espaço real, é um sistema total, auto-
suficiente. Quer seja bi ou tridimensional, ele é contí
nuo em todas as suas possíveis direções, e é infinita
mente plástico. Em qualquer obra de arte, a dimensionali-
dade de seu espaço e o caráter contínuo deste acham-se sempre
implicitamente assegurados . As formas perceptivas são extraí
das dele e devem parecer ainda estar relacionadas a ele ape
sar de seus limites bem definidos. Hildebrand encerra essa
idéia com uma parábola que provavelmente é o que me
lhor a explica.
Imaginemos o espaço total — diz ele — como um corpo de água
em que podemos imergir certos recipientes e, assim, conseguimos
definir volumes individuais de água sem, entretanto, destruir a idéia
de uma massa contínua de água circundando tudo.
A apresentação pictórica tem por finalidade esse despertar da
idéia de espaço, e isso exclusivamente pelos fatores que o artista
apresenta 4.
Se, por conseguinte, o artista apresenta semelhanças de
objetos, pessoas, paisagens, etc., é por seus valores visuais
4. lJyiã., p. 53-55.
80 SENTIMENTO E FORMA
5. Loc. cit.
6. Op. cit.t p. 50-51.
ESPAÇO VIRTUAL 81
12 . /Md., p. ia.
13. /Md., p. 73.
OS MODOS DO ESPAÇO VIRTUAL 103
15. Cf. Laszlo Moholy-Nagy, op. cit., p. 198: “Uma vez que na
arquitetura não são os padrões esculturais mas as posições espaciais que
são os elementos de construção, o interior do edifício deve estar inter
ligado e ligado com o exterior por meio de suas divisões espaciais".
16. Nada pode parecer mais herético para um músico do que a
declaração de Wrlght segundo a qual um piano num cômodo deveria ser
“embutido9*, deixando apenas que as partes “necessárias” — teclado,
suporte de músicas e pedais — rompam um belo espaço de parede.
Deixando de lado o efeito na tonalidade, a afronta ao instrumento é
ultrajante: pois o instrumento é uma presença viva no cômodo, cuja
beleza deve ser respeitada em vez de sobrepujada por planos arquitetô
nicos.
17. Eles são, não obstante, preocupação do arquiteto, e se este os
negligenciar, pouco honrará seu trabalho — como um Leonardo que
pinte com pigmentos experimentais, perecíveis.
OS MODOS DO ESPAÇO VIRTUAL 107
7. Essa diferença funcional entre luz e som foi observada por Josepli
Goddard faz uns cinquenta anos. “De uma única fonte central» a luz
procede continuamente, sendo que essa luz é refletida pelas superfícies de
objetos de maneira correspondente às características destes... Em
bora o som musical seja mais ou menos refletido e absorvido enquanto
se move entre objetos, o resultado é uma modificação de seu caráter
e volume geral — como quando a música ó executada numa sala vazia
ou numa sala cheia — para não dar-nos impressões de tais objetos".
(On Beauty and Expression in Music, p. 25-27.)
116 SENTIMENTO E FORMA
pode satisfazer. Talvez isso explique por que ele é, par ex-
cellence, o filósofo dos artistas. Croce e Santayana fazem exi
gências à arte que são essencialmente filosóficas; os filósofos,
portanto, julgam-nas interessantes, porém os artistas tendem
a ignorá-las. Bergson, por outro lado, estabelece uma ta
refa que é impossível de realizar na esfera da expressão dis
cursiva, isto é, ela situa-se além do reino do filósofo (e tam
pouco pode forçar a entrada nesse âmbito lançando mão do
instinto), mas que é exatamente a função do artista. Nada po
dería parecer mais razoável, para um poeta ou para um mú
sico, do que o objetivo metafísico de Bergson; sem perguntar
se é exeqüível em filosofia, o artista aceita esse objetivo e
subscreve uma filosofia que o reivindica.
No momento em que o símbolo expressivo, a imagem
do tempo, é reconhecido, pode-se filosofar sobre suas reve
lações e corrigir, na realidade, certos erros bergsonianos à
luz de melhores conhecimentos. Tem havido muitas refuta
ções astuciosas da doutrina de Bergson, mas poucas críticas
construtivas, exceto por parte de músicos, os quais reconhe
ceram qual o sentido de sua busca e, com a coragem da ino
cência, foram diretamente à solução, lá onde os temores filosó
ficos de Bergson o confundiram. Em especial, tenho em mente
dois artigos de La Revue Musicale, que atacaram o principal
obstáculo a uma filosofia da arte na apreensão fértil e original
do tempo, de Bergson — sua oposição radical ao espaço, o
repúdio a qualquer propriedade que aquele pudesse partilhar
com o espaço. A arte pode construir sua ilusão no espaço ou
no tempo; em termos metafísicos, podemos entender ou
desentender tanto uma área quanto outra; e é difícil en
contrar as características interessantes da duração se há um
número demasiado de coisas que estamos decididos a não
encontrar.
Os dois artigos são, respectivamente, “Le temps et la
musique”, de Charles Koechlin, ao qual já me referi14, e
“Bergsonisme et musique”, ligeiramente anterior, de Gabriel
Marcei15. Ambos os autores simpatizam profundamente com
a tese de Bergson de que a intuição direta do tempo deve
ser a nossa medida para a sua concepção filosófica e ambos
percebem aquilo que o próprio Bergson jamais chegou a ver
claramente — que sua “duração concreta’, “tempo vivido”,
é o protótipo do “tempo musical”, isto é, da passagem, em
suas formas características16. Além do mais, deve-se levar a
ções, que não têm uma tal forma distinta e elaborada; assim,
toca descuidadamente passagens inteiras simplesmente por
que elas estão escritas, e tudo o que transmite é o fato
de que pode produzir as respostas mecânicas a tantas notas.
Mas se um virtuose está livre de emoções confusas a fim de
pensar em formas musicais e sentir apenas o importe
destas, a realização física mais elevada é absorvida pela coisa
apresentada, a duração virtual organizada, a imagem da vida
senciente. Não é possível que ele sofra de técnica excessiva:
ela é sua capacidade mental de articulação e seu poder de ex
pressão.
Até agora nos preocupamos somente com a feitura
da música; mas há outra função, igualmente importante, que
é o ato de ouvir, que exibe uma variação quase que tão
grande, entre a eficácia suprema e a obtusidade total, quan
to a que encontramos na execução. Ouvir música é em si
um talento, uma inteligência especial do ouvido e, como
todos os talentos, desenvolve-se com o exercício. Uma pessoa
acostumada a ouvir absorve com facilidade as composi
ções mais extensas ou elaboradas, enquanto que, mesmo um
indivíduo naturalmente propenso à musica sem um back-
ground de muita música, talvez ouvida desatentamente, mas
ouvida com frequência, acha difícil ouvir por mais do que uns
poucos minutos. Talvez seja por isso que concertos provinciais,
orquestras de leigos e mesmo clubes de amadores bastante sé
rios geralmente apresentem programas consistentes de peças
curtas e trechos de obras mais longas: um movimento de
uma sonata, um movimento de um trio, a Serenata do Quar
teto de Haydn, Op. 3 N9 5, e assim em diante. A audiência
não consegue ouvir um quarteto de Haydn inteiro ou toda
uma sonata de Beethoven.
O primeiro princípio para se ouvir música não é, como
supõem muitas pessoas, a habilidade de distinguir os vários
elementos de uma composição e reconhecer seus recursos,
mas sentir a ilusão primária, sentir o movimento consistente
e reconhecer imediatamente a forma dominante que toma
essa peça um todo inviolável. Mesmo crianças pequenas assim
procedem quando ouvem com prazer uma cantiga. Se os mais
velhos promovem sessões de música mais ambiciosa em casa
e ensinam às crianças, como dever de cortesia, a ficarem ra
zoavelmente quietas durante a execução, o poder de ouvir
destas crescerá pelo uso acidental, da mesma maneira que seu
poder de ler aumenta sempre que elas lêem signos, títulos e le
gendas, aqui e ali. Deitar na cama e ouvir um bom canto ou
uma boa execução antes de dormir é uma educação natural.
O rádio, é claro, oferece todos os meios de aprender a ouvir,
mas também abriga um perigo — o perigo de aprender a
154 SENTIMENTO E FORMA
4i dd
Qi* f ■ - ^-^r.j.— ■ -i ■ rr,T'i i
r - - 1 'í ■ Alii»
Aqui o texto é o fator inalterado que lança o contraste
entre os dois estados de espírito dados musicalmente, e que
os une numa só referência. Mas, seja qual for a função parti
cular das palavras, elas normalmente entram na própria
matriz da canção89.
O princípio fundamental da arte que torna possível a
transformação de uma linha poética em pensamento musical
é enunciado, resumida mas claramente, num pequeno artigo
de Mario Castelnuovo-Tedesco, onde ele diz:
O poema precisa ter um “cerne expressivo”; deve expressar
um “estado de alma” .
( . . . ) Ele deve expressar o “cerne” numa forma perfeita,
simples e clara, e harmônica, mas sem palavras em demasia. De
soa, não como soa o poema, mas como as sensações que ele
provoca; no processo de composição, palavras individuais,
imagens e ações simplesmenite apresentam oportunidades pa
ra o desenvolvimento das idéias do compositor. Detalhes da
estória ou das imagens que não fornecem essas aberturas
simplesmente desaparecem na nova criação; eles podem
estar presentes, mas não são discernidos. Aquilo que ele
chamou de “música musical”, por outro lado, é algo indepen
dente do poema, semelhante extemamente em estrutura,
mas fabricado de materiais inteiramente independentes a
fim de “combinar” com os versos, que permanecem por ela
inalterados na essência.
A medida de um bom texto, um bom libretto, mesmo
um bom assunto para música, é simplesmente sua transfor-
mabilidade em música; e isso depende da imaginação do
compositor. Assim Mozart, trabalhando em O Rapto do
Serralho, escreveu a seu pai, que encontrara todo tipo de
defeito no libretto:
Quanto ao trabalho de Stephanie, você tem toda razão, é claro.
( . . . ) Sei muito bem que sua versificação não é das melhores;
mas harmoniza tão bem com minhas idéias musicais (que ficam brin
cando em minha cabeça com antecedência), que não posso deixar de
gostar dele, e estou pronto a apostar que, na execução da obra,
você não notará nenhuma falh a15.
5. "As origens do dançar humano ... nfio nos sfio reveladas nem
na etnologia nem na pré-hlstórla. Devemos, antes, lnferl-las da
dança dos macacos: a alegre, viviaz dança circular ém torno de
algum objeto alto, firmemente fixado, deve ter sido transmitida ao
homem por seus antepassados animais. Podemos portanto supor que a
dança em roda já era uma posse permanente da cultura paleolitica,
o primeiro estádio perceptível da civlllz&ç&o humana." (Ibid., p. 208.)
O Dr. Sachs certamente simplifica em demasia o problema da arte e
superestima a evidência de (Ktihler) para a solução que aceita. Náo
sabemos se os macacos experimentam apenas um divertimento vivaz
enquanto correm em tomo de um poste; talvez algum instável pre-
decessor da excltaçfto mística desperte neles nesse momento. Talvez
seus trejeitos sejam de mera brincadeira. Talvez a tendência para baier
os pés ritmicamente tenha sido detonada pelo exemplo do Proí.
Kõhler, e jamais se teria desenvolvido na selva a menos que eles ti
vessem visto dançarinos humanos em algum lugar. Sabemos multo
pouco para inferir algo da "dança dos macacos".
O CIRCULO MÁGICO 201
8. Op. c i t p. 84-85.
o CÍRCULO MÁGICO 203
16. Musik und T anz : vom K u lttan z zum Jazz. Ver p. 76.
17. Cf. Rudolf Sonner, op. cit., p. 9: “Em última análise, a
dança sempre reporta-se a um motivo prático religloso-cerlmonial.
Apenas num estágio mais avançado é que as danças baixam a uma
esfera de hedonismo puramente estético, no qual elas perdem todo
significado sério".
Também Curt Sachs, op. cit., pág. 6: “Já na Idade da Pedra, as
danças tornam-se obras de arte. Já na Idade dos Metals, a lenda
apossa-se da dança e eleva-a a teatro. Porém, quando nas culturas
mais elevadas, ela se transforma em arte, no sentido mais estrito,
quando ela se transforma em espetáculo, quando procura influenciar
homens mais do que espíritos, então seu poder universal rompe-se*'.
O CIRCULO MÁGICO 209
sica para dançar”. Isso, por sua vez, produziu formas musi
cais que são independentes, hoje, dessa conexão original: a
suíte, a sonata e a sinfonia. Mesmo a valsa, o tango, a rumba
sugeriram obras musicais que não são na realidade destinadas
a serem dançadas20. Mas tais desenvolvimentos são eventos
musicais, não baléticos. A dança, em relação à suíte de
concerto que começa com uma intrata e termina com um
gigue, serve de motivo musical, que é abandonado ao
tempo em que Haydn empreende a sonata. A “música para
dançar” real é coisa diferente, e toda época tem sua safra
desta — música expressamente modelada para ser “engolida”
pela simples, encantadora, mas efêmera dança amadora de
salão. Geralmente ela é, em termos artísticos, tão negligen-
ciável quanto as criações românticas que ela serve. Mas aqui
— como em todos os caminhos secundários labirínticos da
arte — uma peça de música assim concebida pode ser uma
obra de verdadeira arte. E então ela faz algo à dança, tão
logo chega aos ouvidos de um dançarino dotado; pois a
dança social, também, tem todas as possibilidades de arte
séria. Não existe qualquer limite teórico à expressividade
da Dança de Exibição. Seu único requisito para beleza e sig
nificação objetiva é — gênio balético
Fazer da dança uma obra de arte requer aquela tradução
da experiência cinestética para elementos visuais e audíveis,
que mencionei antes como a disciplina artística imposta pela
presença de espectadores passivos. O dançarino, ou dança
rinos, devem transformar o palco para a audiência, bem como
para si mesmos, em um reino autônomo, completo, virtual, e
todos os movimentos em um jogo de forças visíveis em tempo
virtual, ininterrupto, sem efetivar nem uma obra de arte
plástica, nem de “meios”. Tanto espaço como tempo, en
quanto fatores perceptíveis, desaparecem quase inteiramente
na ilusão da dança, servindo para gerar a aparência de po
deres atuantes um sobre os outros, mais do que sendo eles
mesmos aparentes. Isso é dizer que a música deve ser tragada
pelo movimento, enquanto cor, composição pictórica, fanta
sias, cenário — todos os elementos realmente plásticos —
tornam-se a moldura e o contraste do gesto. Os efeitos repen
tinos de puro tempo ou espaço perfeito que algumas vezes
ocorrem são quase imediatamente fundidos de novo na vida
da dança.
A ilusão primária da dança é uma experiência particular
mente rica, tão imediata quanto a da música ou a das artes
20. Um estudo sobre essa influência da dança na história da
música pode ser encontrado em Music Through the Dance, de Evelyn
Porter.
214 SENTIMENTO E FORMA
3. Ibid., p. 312-312.
4. Ibid., p. 317-318.
5. Ver Cap. 3. p. 39.
220 SENTIMENTO E FORMA
8. Cf. Caps. 4 e 5.
9. Cf, Cap. 8, passim.
* "Tigre» tigre, resplandecendo/nas florestas da noite*'.
224 SENTIMENTO E FORMA
Half a pottle —
No more she had got,
When out steps a Fairy
From her green grot;
And says, “Weil, Jill,
Would ‘ee pick fee mo?”
And Jill, she curtseys,
And looks just so.
“Be off” , says the Fairy,
“As quick as you can,
Over the meadows
To the little green lane,
That dips to the hayfields
Of Farmer Grimes:
IVe berried those hedges
A score of times;
Bnshel on bushel
Fll promise ‘ee, Jill,
This side of supper
If fee pick with a will” .
She glints very bright,
And speaks her fair
Then lo, and behold!
She had faded in air. *
(Jill corre para o caminho e encontra as sebes, que brilham
“como o caramanchão de William e Mary”, e colhe tanto
quanto pode carregar.)
When she comes in the dusk
To her cottage door,
Theres*s Towser wagging
As never before,
To see his Missns
So glad to be
Come from her frait-picking
Back to he.
As soon as next moming
Dawn was grey,
The pot on the hob
Was simmering away;
And all in a stew
And a hugger-mugger
Towser and Jill
A-boiling of sugar,
And he dark clear fruit
That from Faêrie carne,
For syrup and jelly
And blackberry jam.
* Ezn tradução livre: “Havia uma velha/ Que íol catar amoras/
Ao longo das sebes/ De Weep até Wlcking./ Melo cestlnho.../ Nada
mais ela tinha/ Eis quando surge uma Fada/ De sua gruta verde;/ E
diz, *Bem Jill/ Quer pegar mais?’/ E Jill, faz uma reverência,/
E fica assim./‘Vá*, diz a Fada,/ ‘Tão depressa quanto puder,/ Pelos
prados/ Até o pequeno caminho verde,/ Que vai aos campos de feno/
Do Granjeiro Grimes:/ J& catei amoras naquelas sebes/ Uma vintena
de vezes;/ Alqueire sobre alqueire/ EU lhe garanto, Jill,/ Esta parte da
cela/ Se catar com vontade// Ela brilha radiante,/ E fala belas pala
vras;/ Então, veja!/ Ela desapareceu no ar” .
232 SENTIMENTO E FORMA
13 . m a., p . 284 e b s .
* “E Piedade» como um recém-nascido nu,/ Transpondo o vento,
ou o Querubim Celeste, montado/ Nos cegos mensageiros do ar,/ So
prará o feito horrível em todo olho/ Que lágrimas afogar&o o vento.*'
254 SENTIMENTO E FORMA
divldual nas partes... era assim n&o uma negligência negativa, mas
uma exigência positiva. Sua 'inexatidão' era uma lnvenç&o necessá
ria’*. £ Bateson continua: ”0 estilo barroco é rápido e Inexato: é
rápido porque é Inexato. E o mesmo se dá com a dlcç&o poética. O
estilo de poetas como Thomson. Young, Gray e Coillns é um estilo rá
pido; mas sua dicçfto é convencional. E a dlcç&o é convencional por
que o estilo é rápido. Uma dlcç&o mais precisa e completa terla
destruído a impressão de rapidez que o estilo transmite. É apenas
porque as palavras individuais chamam t&o pouco a atenç&o que a
poesia é capaz de atingir sua sensaç&o sem par e quase abrupta de
movimento**.
5. Cf. Georg Mehlis, "Das aesthetlsche Problem der Ferne”
(Logos, VI, 1916/17, 173-184): "As profundezas enigmáticas da memó
ria jamais foram perserutadas e exaustivamente sondadas por qual
quer homem. ( . . . ) Cada tempo de vida organiza-se em um nexo par
ticular de eventos que podemos relembrar e em que nos podemos de
morar. ( . . . ) Esses mundos de experiência e memória s&o nossas
posses permanentes. ( . . . ) Eles têm a virtude de produtos termina
dos ... um estado de compietltude que o presente n&o tem’*.
6. Ver Sym bolism : Its Meaning and Effect, especlalmente p. 58-59.
MEMÓRIA VIRTUAL 275
31. p. 77.
32. De E. R. Bentley, “The Drama at Ebb” Kenyon R eviw , VII, 2
(primavera de 1945), 169-184.
18. As Grandes Formas Dramáticas:
0 Ritmo Trágico
2 . p. 79.
388 SENTIMENTO E FORMA
34. Cf. a discussão sobre “poesia pura”, Cap. XIV, p. 255 e ss.
406 SENTIMENTO E FORMA
E, mais adiante:
Criar a ilusão901 do típico é o papel social e a finalidade pecu
liar da arte. Só Deus sabe como se falou mal das pinturas de
Renoir e Monet! Muito bemí Mas é preciso só relancear sobre
algumas fotografias da época para ver como as pessoas e coisas
conformavam-se bem de perto aos retratos que esses grandes mes
tres fizeram deles.
Uma vez que, de todos os produtos plásticos de uma época,
as obras de arte tem máxima energia, essa ilusão parece-me bastante
natural. A energia da arte impõe-se aos homens e toma-se para
eles o padrão plástico da. época. ( . . . ) Todas as obras artísticas
de uma época terminam assemelhando-se às obras de maior energia,
às mais expressivas e às mais típicas do período. As bonecas perten
cem à arte popular; contudo, elas sempre parecem ser inspiradas pela
grande arte do mesmo período*9.
11. Uma criancinha que conheço uma vez contou, a mesa do café,
um sonho que ela tivera durante a noite — evidentemente um sonho
paradisíaco vivido — e terminou com a reflexão extática: “Era tão mara
vilhoso — a grama emhaixo das árvores, e tantos, tantos cachorrinhos na
grama — e tudo em Technlcolorl”
12. André Malraux, falando das esculturas da catedral de Rheims,
diz: “O homem do século XIII encontrava tanto sua ordem interior
quanto seu paradigma no mundo exterior”. {The Creative A ct , p. 81.)
13. Cf. a observação de Owen Barfleld, em Poetic Diction, p. 143:
4,0 mof de Oscar Wilde, — de que os homens são feitos pelos livros,
mais do que os livros pelos homens — por certo não era puro contra-senso,
existe um sentido multo real, por mais humilhante que pareça, em que
aquilo que geralmente chamamos de nossos sentimentos s&o realmente
o ‘significado* de Shakespeare’’. Também Irwln Edman, diz, em Arts
and lhe Man, p. 29: “Para muitas pessoas, é a literatura, mais do que
a vida, que lhes ensina quais são suas emoções nativas”.
A OBRA E SEU PÚBLICO 417
25. Talvez seja por isso que as pessoas que, como se diz, “tem
dentro de sl apenas um livro**, geralmente sâo melhor ajustadas do
que o gênio fértil sem limites. Elas compõem a imagem de suas pró
prias vidas e clarificam seus próprios sentimentos nessa imagem e, tendo
encontrado sua segurança mental, n&o sfio perseguidas por outras visões.
426 SENTIMENTO E FORMA
Eis uma nova arte. Por algumas décadas ela não pareceu
ser mais do que um novo recurso técnico na esfera do drama,
uma nova maneira de preservar e recontar desempenhos dra
máticos. Mas, hoje, seu desenvolvimento já desmentiu essa
suposição. A tela não é um palco, e o que é criado na con
cepção e realização de um filme não é uma peça. £ cedo
demais para sistematizar qualquer teoria sobre essa nova arte,
mas, mesmo em seu presente estado primitivo, ela exibe —
penso que muito além de qualquer dúvida — não apenas uma
nova técnica, mas um novo modo poético.
Muito do material das reflexões subsequentes foi coli-
gido por quatro de meus antigos alunos de seminário1, no
Columbia Teachers College, que gentilmente me permitiram
utilizar seus achados. Da mesma forma, fico obrigada a Mr.
Robert W. Sowers, que (também membro daquele seminá
rio) fez um estudo da fotografia que forneceu ao menos uma
idéia de valor, a saber, que as fotografias, não importa quão
posadas, cortadas ou retocadas sejam, devem parecer factuais
ou, como ele chamou isso “autênticas”. Voltarei mais adiante
à sugestão.