Destacavel72 - Escrita Criativa

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MIL TEXTOS

Actividades para o 3.º ciclo

Concepção de Alzira Cabral


Destacável Noesis n.º 72 Ilustração de Rafaello Bergonse
O gosto pela escrita
A actividade de escrita deve ocupar um largo espaço no ensino/aprendizagem da
Língua Materna, permitindo à criança ou ao jovem contacto com tarefas em que o
propósito utilitário ou burocrático da mensagem serve prioritariamente a função de
comunicação e outras em que a escrita serve sobretudo a função expressiva e/ou a
função poética. Nas primeiras incluem-se, em geral, as situações do dia-a-dia e do
mundo profissional: o recado, o relatório científico, técnico ou jurídico, a notícia, etc.
As segundas relacionam-se com o mundo do imaginário e da fantasia e incluem a
ficção, o jogo de palavras, a poesia, o drama e o argumento, a escrita intimista e a
autobiográfica, a escrita publicitária em geral…

A expressão “escrita criativa”, hoje tão em voga, associa-se habitualmente a este


segundo género de texto, de carácter mais pessoal e subjectivo que se alicerça na
originalidade e no pensamento divergente, tentando afastar-se do mainstream ou,
portuguesmente falando, do banal, do lugar comum. A expressão encerra, contudo, um
conceito amplo e um pouco vago, já que, no fundo, a escrita criativa é afinal o próprio
gosto pela escrita, o prazer de escrever.

Quando se estabelecem classificações há sempre áreas de penumbra em que as


fronteiras se esbatem. A separação entre a possível criatividade da ficção ou do poema e
o pragmatismo do relatório ou da notícia serve apenas para distinguir traços comuns que
se aplicam à maioria dos casos classificados: o rigor e a objectividade na escrita utilitária,
a criatividade e a subjectividade na escrita criativa. Não devemos, porém, esquecer que
a criatividade pode ocorrer em todos os níveis da produção linguística, escrita ou oral,
podendo revelar-se num relatório técnico ou jurídico de igual forma que num conto ou
num poema.

A criança e o jovem sentem-se, em geral, mais atraídos pela escrita criativa.


Mas escrever, para muitos deles, é sempre uma actividade difícil e pouco gratificante.
Por este motivo, há que motivar e apetrechar os jovens para a escrita, criando um
contexto de aprendizagem criativo com utilização de estratégias de motivação e de
apoio. As propostas que se apresentam neste destacável procuram servir este objectivo.

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Narrativa Ponto de vista

ACTIVIDADE 1 A CIGARRA E A FORMIGA

Faz o reconto escrito da fábula Tendo a cigarra em cantigas


A Cigarra e a Formiga, do ponto Folgado todo o Verão
de vista da cigarra ou do ponto Achou-se em penúria extrema
de vista da formiga. Na tormentosa estação.

Não lhe restando migalha


PISTAS DE ESCRITA Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
– Lê previamente a tradução Que morava perto dela.
de Bocage da fábula de La
Fontaine. Rogou-lhe que lhe emprestasse,
– Interioriza o ponto de vista Pois tinha riqueza e brio,
do animal que escolheres. Algum grão com que manter-se
O teu texto deve fazer com Té voltar o aceso Estio.
que o leitor compreenda
e aprove o comportamento «Amiga, diz a cigarra,
desse animal. Assim, se escolheres a cigarra, o leitor deverá sentir Prometo, à fé d’animal,
simpatia por ela. O mesmo deve acontecer se escolheres a formiga. Pagar-vos antes d’Agosto
– Ao recontar a fábula, acrescenta livremente aspectos da vida de Os juros e o principal.»
ambas as personagens: imagina o seu dia-a-dia, descreve os locais
onde comiam e onde dormiam, o que comiam, os amigos que tinham, A formiga nunca empresta,
etc. Nunca dá, por isso junta.
«No Verão em que lidavas?»
Lê o teu reconto, em voz alta, aos teus colegas. À pedinte ela pergunta.
Ouve ler outros recontos que apresentem quer o ponto de vista da
cigarra quer o ponto de vista da formiga. Responde a outra: «Eu cantava
Compara e reflecte sobre as duas visões da fábula que os relatos Noite e dia, a toda a hora.»
transmitem ao leitor. «Oh! bravo!», torna a formiga.
- Cantavas? Pois dança agora!»

Tradução da fábula de La Fontaine, BOCAGE

Quem conta um conto acrescenta um ponto mas, mais do que isso, apresenta a sua própria visão daqui­lo
que narra ou relata, exprimindo simpatia por determinadas coisas ou pessoas por quem outros podem
experimentar um sentimento de indiferença ou de antipatia. O narrador conta os factos de um determi-
nado ponto de vista.
A mudança de ponto de vista pode alterar os acontecimentos que são narrados, já que o que contamos,
por escrito ou oralmente, exprime habitualmente uma opinião, ou seja, é subjectivo.

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ACTIVIDADE 2

Um robô, velho e gasto, decide escrever a história da sua vida.


Quando terminar o seu relato, regressará ao laboratório
do cientista que o concebeu. Será transformado em peças
e dele irão nascer outros robôs.

Imagina e escreve a história de um robô.

PISTAS DE ESCRITA

A história pode ter a forma de autobiografia (1.ª pessoa)


ou de biografia (2.ª ou 3.ª pessoas), de acordo com a pessoa
gramatical que escolheres para a escrever.
– Planifica a história, depois de escolheres a pessoa gramatical que vais usar.

Introdução • Tempo em que se vai desenrolar a acção: presente, passado ou futuro.


Se optares pelo futuro poderás escrever uma história de ficção científica.
• Lugar ou lugares da acção: a Terra, um planeta longínquo, uma nave
intergaláctica…
• Nome do robô.

Desenvolvimento • Personagens que vão intervir na acção: pessoas reais, seres fictícios,
animais…
• Algumas peripécias da vida do robô. Por exemplo: como conseguiu fugir do
laboratório do cientista, como se perdeu, como encontrou inimigos e amigos…
• Como se envolveu num problema: uma difícil viagem, uma história de amor,
uma história policial, uma história de amizade…

Conclusão • Conta, na 3.ª pessoa, como se se tratasse de uma notícia, o destino final do
robô, depois de terminada a sua biografia ou autobiografia.
Ex: Foi hoje desmantelado o célebre robô…

– Relê a história, depois de escrita, e verifica se:


• tem título;
• é uma história completa, com princípio, meio e fim;
• usaste alguns adjectivos, comparações e metáforas adequados à narrativa.

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– Consulta o dicionário para: Um texto
• esclarecer dúvidas sobre a grafia de algumas palavras; é um produto
• substituir adjectivos pobres por outros mais ricos e apropriados. que nunca
– Relê uma vez mais a história, em voz alta, e verifica se faz sentido e
está acabado.
se soa bem. Pode ser visto
– Lê-a, em voz alta, aos teus colegas e ouve os teus colegas lerem a e revisto
versão deles, escrita numa pessoa gramatical diferente da que tu e sempre
escolheste.
modificado.
– Reflecte sobre as diferenças que introduz na narrativa a mudança de
pessoa gramatical.

1.ª pessoa do singular


Escrever na 1.ª pessoa faz com que o narrador “entre” mais facilmente no que
relata. O narrador implica-se naquilo que escreve porque fala de si, porque se
conta. É talvez a forma mais motivadora e simples de contar uma história.
eu...
2.ª pessoa do singular
Escrever uma história na 2.ª pessoa conduz habitualmente a um estilo mais
coloquial de escrita com o uso de frases interrogativas, frases imperativas,
interjeições. Por exemplo: “Lembras-te?”, “Ai! Que dia mais triste!”, “Agora,
coragem! Não desistas!”, “Que valente tu foste!”, etc., que lembram ao leitor a
presença invisível de um interlocutor (o robot) a quem o narrador se dirige.
Na história do robô contada na 2ª pessoa, o narrador pode colocar-se na pele
de alguém próximo da personagem: um amigo, o cientista que o concebeu…
tu
Ao falar com o robô, relembra-lhe aventuras, elogia ou censura o que ele fez,
alegra-se e entristece-se com o que conta.

3.ª pessoa do singular


Escrever na 3.ª pessoa distancia o narrador daquilo que escreve. O narrador é

ele
exterior aos acontecimentos, alguém que olha de fora aquilo que relata. Para
“entrar” um pouco na história, o narrador torna-se por vezes omnisciente
(que tudo sabe). Este narrador não se limita a relatar os factos, mas conhece o
pensamento, as emoções e os sentimentos das personagens.

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DA JANELA PARA A RUA
ACTIVIDADE 3 momento

Imagina-te um pintor moderno, Uma espécie de céu,


sem preocupação com a Um pedaço de mar,
perspectiva, e descreve o que vês Uma mão que doeu,
da tua janela, ao entardecer, como Um dia devagar.
se estivesses a pintar um quadro. Um domingo perfeito,
Uma toalha no chão,
Um caminho cansado,
PISTAS DE ESCRITA Um traço de avião.

– Regista, sem preocupação, num Uma sombra sozinha,


bloco de notas tudo o que vês. Uma luz inquieta,
É um amontoado de palavras Um desvio na rua,
em que os nomes das coisas Uma voz de poeta.
e das pessoas se misturam com adjectivos e verbos que a própria
observação te sugere. Uma garrafa vazia,
– Lê o excerto da canção “Momento”, de Pedro Abrunhosa. Um cinzeiro apagado,
– Repara que este poema/canção é a enumeração de pequenas frases Um hotel numa esquina,
ou pinceladas que descrevem um momento. Um sono acordado.
– Se for possível, ouve a canção na integra. Um secreto adeus,
– Volta ao teu bloco de notas e faz agora a enumeração dos Um café a fechar,
elementos que registaste, adjectivando-os quando entenderes, Um aviso na porta,
acrescentando-lhes cor, brilho, som, cheiro, se esses aspectos te Um bilhete no ar.
impressionaram. …
Dessa enumeração resultará a tua descrição.
Momento (excerto), Pedro ABRUNHOSA
Podes escrever com base na observação directa, se tiveres em tua casa
uma janela de onde possas ver a rua, ou usar apenas a tua memória e
imaginação para o fazeres.

ACTIVIDADE 4

Imagina-te agora um pintor clássico, preocupado com a perspectiva e descreve o que vês da tua janela, ao
entardecer, como se estivesses a pintar um quadro.

PISTAS DE ESCRITA “ Entardece. É Outono. O dia está chuvoso. Sabe bem estar em
casa. Observo a rua através da vidraça da janela …”
– Começa a descrição, com frases curtas que “O dia está a chegar ao fim. É Outono, mas um sol quentinho
refiram a estação do ano e o estado do e luminoso faz-nos pensar no Verão. Apetece abrir a janela e
olhar lá para fora.”
tempo. Por exemplo u

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– Organiza, com lógica, a informação que recolheste, seguindo um plano prévio. Por exemplo:

• Passeio(s): Há pessoas? Uma esplanada? Uma paragem de autocarro? Um marco de correio? Animais
(gatos vadios, pombas, cães...)? Um vendedor de castanhas assadas? Árvores? Canteiros? Um pequeno
jardim?...
Descreve uma ou outra pessoa que se destaque ou pelo modo de vestir ou pelo aspecto físico. Refere,
se for oportuno, um vizinho que conheças. Ex. Lá vai o sr. Silva, o vizinho do 2.º E…
• Circulação de veículos: Muitos? Poucos? Rápidos? Lentos?...
• Prédios: Modernos? Antigos? Fachadas de azulejo? Pintadas? Bem conservadas? Sujas e gastas pelo
tempo? …

• Por trás dos prédios, vês outros prédios? Vês alguns andares ou apenas os telhados com antenas de
televisão?...
• E mais atrás ainda, vês mais casas? E o que vês, lá ao longe, na linha do horizonte?...

• De que cor está o céu? Há nuvens? Como são elas? Já se avista alguma pequenina estrela a brilhar?...

– Termina a tua descrição, exprimindo as tuas emoções em relação ao que observas.

• As expressões de ligação – em frente, do outro lado, atrás, acolá, aqui, ao longe, sobre, sob, a meio,
à esquerda, à direita, no exterior, no interior, lá em baixo, ao fundo, no alto, no cimo… – permitem
estabelecer a posição dos elementos observados, criando uma noção de perspectiva.
• Para enriquecer uma descrição, podem associar-se às sensações visuais sensações de outra natureza.
Som: o barulho dos motores dos carros, as buzinas, as vozes das pessoas, o chilrear dos pássaros, o
ladrar dos cães…
Cor e brilho: As cores dos carros que contrastam com o negro do asfalto, o brilho dos faróis, as folhas
das árvores (verde tenro, na Primavera; acastanhadas, doiradas, amarelas, avermelhadas, no Outono),
o reflexo do sol nos vidros das janelas, a cor do céu, das nuvens…
Cheiro: o cheiro das castanhas ou da humidade (se estiver a chover), o cheiro a lavado, o perfume do
entardecer…
Usar perguntas enfáticas (A mulher triste passeia o cão ou é o cão que a passeia a ela?), adjectivos
expressivos, comparações e metáforas poderosas que fiquem na memória do leitor.
• Evitar o uso de verbos tais como ter (tem), haver (há), ser (é). Reler o texto e verificar se podem ser
omitidos.

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ser poeta
ACTIVIDADE 5

Escreve um haiku, procurando cuidadosamente as palavras mais adequadas

PISTAS DE ESCRITA

– Esmera-te no adjectivos (frágil, silencioso, vago, lento, diáfano,


transparente, solitário, dolente, etc.) e nos elementos da Natureza que
escolheres (o lago, a flor, o sol, a árvore, a colina, o prado, o caminho,
Poema de David Mourão-Ferreira
a flor, o sapo, o nenúfar, a pedra, etc.)
– Conta as sílabas de cada verso apenas até à última sílaba tónica, realçada a cor, nos exemplos abaixo.

O haiku é uma forma tradicional de poema japonês. Este tipo de poema obedece a regras e é por isso fácil
de construir. Tem apenas uma estrofe, composta por três versos.
Os versos devem ter no seu conjunto 17 sílabas, distribuídas do seguinte modo:
– Cinco sílabas no primeiro verso.
– Sete sílabas no segundo verso.
– Cinco sílabas no terceiro verso.

A temática destes poemas é a Natureza (as plantas, os animais, a chuva, o sol, a lua, os jardins, etc.)
É escrito no Presente do Indicativo, como se o Poeta presenciasse naquele momento a cena que descreve.
Ex: A- bri-sa- su-a-ve No- chão- do- jar-dim
Si-len-ci-o-sa- pas-sei-a U-ma- lu-a - va-ga e- len-ta
Na á-gu-a- do- la-go So-lu-ça- so-zi-nha

ACTIVIDADE 6
Escreve um poema com estrofes curtas (tercetos ou quadras), iniciando todas as estrofes com a mesma
apóstrofe ou invocação e terminando-as com o mesmo refrão. Escolhe um dos seguintes temas: o Sol, as
estrelas, o mar, a saudade, o amor, o Verão ou qualquer outra estação do ano.

PISTAS DE ESCRITA

Lê o poema abaixo como modelo do que te é pedido. Repara que a invocação e o refrão ajudam a criar a
melodia do poema.

Ó lua antiga, ergue-te no alto! Ó lua antiga, conta-me histórias ! Ó lua antiga, como o mar!
Ilumina a escuridão. Enquanto o sono me invade. Adormece junto a mim.
Barco do céu prateado, Barco do céu prateado, Barco do céu prateado,
Em cima do meu telhado. Em cima do meu telhado. Em cima do meu telhado.

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