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INSTRUÇÃO
A partir da leitura dos textos motivadores seguintes e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua
formação, redija texto dissertativo-argumentativo na modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema
“A QUESTÃO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR NO BRASIL”, apresentando proposta de intervenção, que respeite os
direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu
ponto de vista.
TEXTO 1
PLANEJAMENTO FAMILIAR
Drauzio Varella
No Brasil, planejamento familiar é privilégio exclusivo dos bem-aventurados. Sem mencionar números, vou resumir o
atoleiro ideológico em que estamos metidos nessa área.
Até a metade do século XX, poucas famílias brasileiras deixavam de ter cinco ou seis filhos. Havia uma lógica razoável
por trás de natalidade tão altas:
1) A maioria da população vivia no campo, numa época de agricultura primitiva em que as crianças pegavam no cabo da
enxada já aos sete anos. Quantos mais braços disponíveis houvesse na família, maior a probabilidade de sobrevivência.
2) Convivíamos com taxas de mortalidade infantil inaceitáveis para os padrões atuais. Ter perdido dois ou três filhos era
rotina na vida das mulheres com mais de trinta anos.
3) Além da cirurgia e dos preservativos de barreira, não existiam recursos médicos para evitar a concepção. Na década
de 1960, quando as pílulas anticoncepcionais surgiram no mercado e a migração do campo para a cidade tomou vulto,
uma esdrúxula associação de forças se opôs terminante ao planejamento familiar no país: os militares, os comunistas e
a igreja católica.
Os militares no poder eram contrários, por julgarem defender a soberania nacional: num país de dimensões
continentais, quanto mais crianças nascessem, mais rapidamente seriam ocupados os espaços disponíveis no Centro-
Oeste e na Floresta Amazônica.
Os comunistas e a esquerda simpatizante, por defenderem que o aumento populacional acelerado aprofundaria as
contradições do capitalismo e encurtaria caminho para a instalação da ditadura do proletariado. A igreja, por considerar
antinatural – portanto, contra a vontade de Deus – o emprego de métodos contraceptivos.
O resultado dessas ideologias não poderia ter sido mais desastroso:em 1970, éramos 90 milhões; hoje, temos o dobro
da população, parte expressiva da qual aglomerada em favelas e na periferia das cidades. Suécia, Noruega e Canadá
conseguiriam oferecer os mesmos níveis de atendimento médico, de educação e de salários para os aposentados, caso
tivessem duplicado seus habitantes nos últimos trinta anos?
O que mais assusta, entretanto, não é havermos chegado à situação dramática em que nos encontramos; é não
adotarmos medidas para remediá-la. Pior, é ver não apenas os religiosos, mas setores da intelectualidade considerarem
politicamente incorreta qualquer tentativa de estender às classes mais desfavorecidas o acesso aos métodos de
contracepção fartamente disponíveis a quem pode pagar por eles.
É preciso dizer que as taxas médias de natalidade brasileiras têm caído gradativamente nos últimos cinquenta anos, mas
não há necessidade de consultar os números do IBGE para constatarmos que a queda foi muito mais acentuada nas
classes média e alta: basta ver a fila de adolescentes grávidas à espera de atendimento nos hospitais públicos ou o
número de crianças pequenas nos bairros mais pobres.
Outra justificativa para a falta de políticas públicas destinadas a universalizar o direito ao planejamento familiar no País
é a da má distribuição de renda: o problema não estaria no número de filhos, mas na falta de dinheiro para criá-los,
argumentam.
De fato, se nossa renda per capita fosse a dos canadenses, a situação seria outra; aliás, talvez tivéssemos que organizar
campanhas para estimular a natalidade. O problema é justamente porque somos um país cheio de gente pobre, e
educar filhos custa caro. Como dar escola, merenda, postos de saúde, remédios, cesta básica, habitação, para esse
exército de crianças desamparadas que nasce todos os dias? Quantas cadeias serão necessárias para enjaular os
malcomportados?
A verdade é que, embora a sociedade possa ajudar, nessa área dependemos de políticas públicas, portanto dos
políticos, e estes morrem de medo de contrariar a igreja. Agem como se o planejamento familiar fosse uma forma de
eugenia para nos livrarmos dos indesejáveis, quando se trata de uma aspiração legítima de todo cidadão. As meninas
mais pobres, iletradas, não engravidam aos 14 anos para viver os mistérios da maternidade; a mãe de quatro filhos, que
mal consegue alimentá-los, não concebe o quinto só para vê-lo sofrer.
É justo oferecer vasectomia, DIU, laqueadura e vários tipos de pílulas aos que estão bem de vida, enquanto os mais
necessitados são condenados aos caprichos da natureza na hora de planejar o tamanho de suas famílias?
A irresponsabilidade brasileira diante das mulheres pobres que engravidam por acidente é caso de polícia literalmente.
Insisto em dizer que o planejamento familiar no Brasil é inacessível aos que mais necessitam dele. Os casais da classe
média e os mais ricos, que podem criar os filhos por conta própria, têm acesso garantido a preservativos de qualidade,
pílula, injeções
e adesivos anticoncepcionais, DIU, laqueadura, vasectomia e, em caso de falha, ao abortamento; porque, deixando a
falsidade de lado, estamos cansados de saber que aborto no Brasil só é proibido para a mulher que não tem dinheiro.
Há pouco tempo, afirmei numa entrevista ao jornal O Globo que a falta de planejamento familiar era uma das causas
mais importantes para a explosão de violência urbana ocorrida nos últimos vinte anos em nosso País. A afirmação era
baseada em minha experiência na Casa de Detenção de São Paulo: é difícil achar na cadeia um preso criado por pai e
mãe. A maioria é fruto de lares desfeitos ou que nunca chegaram a existir. O número daqueles que têm muitos irmãos,
dos que não conheceram o pai e dos que foram concebidos por mães solteiras, ainda adolescentes, é impressionante.
Procurados pelos jornalistas, um cardeal e uma autoridade do primeiro escalão federal responderam incisivamente que
não concordavam com essa afirmação. O religioso, porque considerava “muito triste ser filho único”, e que “o ideal seria
cada família brasileira ter cinco filhos”. O outro discordava baseado nos dados que mostravam queda progressiva dos
índices de natalidade nos últimos vinte anos, enquanto a violência em nossas cidades explodia.
Cito essa discussão, porque encerra o nó de nossa paralisia diante do crescimento populacional insensato que fez o
número de brasileiros saltar dos célebres 90 milhões em ação do ano de 1970 para os 180 milhões atuais: de um lado, a
cúpula da Igreja Católica, que não aceita sequer o uso da camisinha em plena epidemia de uma doença sexualmente
transmissível como a Aids. De outro, os responsáveis pelas políticas públicas, que, para fugir da discussão sobre as taxas
inaceitáveis de natalidade da população mais pobre, usam o velho jargão da a queda progressiva dos valores médios dos
índices ocorrida nas últimas décadas. Dizem: cada brasileira tinha seis filhos em 1950; hoje esse número não chega a
três. É provável que o argumento ajude a aplacar-lhes a consciência pública, especialmente quando se esquecem de
dizer que, enquanto as mulheres de nível universitário hoje têm em média 1,4 filho, as analfabetas têm 4,4.
Em agosto de 2004, o jornal Folha de São Paulo publicou informações contidas no banco de dados do município,
colhidas no período de 2000 a 2004 pela Fundação SEADE. A reportagem nos ajuda a avaliar o potencial explosivo que a
falta de acesso aos métodos de contracepção gera na periferia e nas favelas das cidades brasileiras.
Se tomarmos os cinco bairros mais carentes, situados nos limites extremos de São Paulo – Parelheiros, Itaim Paulista,
Cidade Tiradentes, Guaianazes e Perus -, a proporção de habitantes inferior a 15 anos varia de 30,4% a 33,4% da
população. Esses números estão bem acima da média da cidade: 24,4%. Representam mais do que o dobro da
porcentagem de crianças encontrada nos cinco bairros com melhor qualidade de vida.
O grande número de jovens, associado à falta de oferta e trabalho na periferia, fez o nível de desemprego no extremo
leste da cidade atingir 23,5% – contra 12,4% no centro da cidade no ano passado. Ele também explica por que a
probabilidade de um jovem morrer assassinado na área do M’Boi Mirim, na zona sul, é 19 vezes maior do que em
Pinheiros, bairro de classe média.
Nem haveria necessidade de números tão contundentes para tomarmos consciência da associação de pobreza com falta
de planejamento familiar e violência urbana: o número de crianças pequenas nas ruas dos bairros mais violentos fala
por si. O de meninas em idade de brincar com boneca aguardando atendimento nas filas das maternidades públicas
também.
Basta passarmos na frente de qualquer cadeia brasileira em dia de visita para nos darmos conta do número de
adolescentes com bebês de colo na fila de entrada. Todos nós sabemos quanto custa criar um filho. Cada criança
concebida involuntariamente por casais que não têm condições financeiras para criá-las empobrece ainda mais a família
e o País, obrigado a investir em escolas, postos de saúde, hospitais, merenda escolar, vacinas, medicamentos, habitação,
Fome Zero e, mais tarde, na construção de cadeias para trancar os malcomportados.
O que o pensamento religioso medieval e as autoridades públicas que se acovardam diante dele fingem não perceber é
que, ao negar o acesso dos casais mais pobres aos métodos modernos de contracepção, comprometemos o futuro do
País, porque aprofundamos perversamente a desigualdade social e criamos um caldo de cultura que contém os três
fatores de risco indispensáveis à explosão da violência urbana: crianças maltratadas na primeira infância e descuidadas
na adolescência, que vão conviver com pares violentos quando crescerem.
O Planejamento Familiar é uma espécie de controle da taxa natalidade mais sutil e flexível exercida pelos governos de
diversos países. Ao invés de se estabelecer controles rígidos sobre o crescimento da população, essa é uma medida
voltada para educar os casais e convencê-los de que o melhor é ter menos filhos, ensinando a eles questões sobre os
custos de se ter uma criança e sobre os métodos contraceptivos existentes.
O Planejamento Familiar é uma prática cada vez mais adotada entre casais
Portanto, percebe-se que o planejamento familiar não é somente uma questão que envolve a preferência pessoal dos
casais, mas sim uma política de governo voltada para diminuir o crescimento populacional. Tal medida é fruto de uma
perspectiva que defende que os problemas sociais e os grandes índices de miséria se devem ao quantitativo
populacional que, em tese, seria muito maior do que a produção de alimentos. Entretanto, sabe-se que a produção de
alimentos hoje é mais do que suficiente para abastecer a população, faltando, na verdade, uma melhor distribuição de
renda e acesso à alimentação em todo mundo.
Os países desenvolvidos registram taxas de natalidade muito menores que a dos países subdesenvolvidos e, por isso,
pressionam para que eles também diminuam esses índices. Na conferência de Bucareste, realizada na Romênia em
1974, os países desenvolvidos, liderados pelos Estados Unidos, tentaram fechar um acordo que exigisse das autoridades
mundiais um maior controle sobre o crescimento populacional. Entretanto, os países subdesenvolvidos produziram a
chamada Carta de Bucareste, na qual os signatários argumentavam que os problemas da fome e da miséria eram
resultantes das limitações econômicas impostas pelas nações ricas sobre as nações pobres.
O Brasil, no entanto, desde 1974 adota medidas para educar e incentivar a prática do Planejamento Familiar para fins de
controle das taxas de natalidade. Estabeleceu-se, através da mídia principalmente, que uma família ideal teria o número
máximo de dois filhos por casal. Além disso, acontece até hoje a distribuição de pílulas anticoncepcionais e camisinhas,
bem como a venda desses produtos a preços acessíveis e sem controle médico.
Com essas medidas, o controle de natalidade no Brasil e no Mundo declinaram consideravelmente, entretanto, a fome e
a miséria ainda continuam assolando milhões de pessoas em todo o planeta.