Casanova
Casanova
Casanova
LAURENCE BERGREEN
CASANOVA
A VIDA DE UM GÉNIO SEDUTOR
Tradução de
PEDRO CARVALHO E GUERRA & RITA CARVALHO E GUERRA
Para Zata, Jacqueline e em memória da minha mãe
«O amor é três quartos curiosidade.»
— GIACOMO CASANOVA
P REF ÁC IO
As suas três mil e setecentas páginas, pela bela e firme mão de Casanova,
repousam na Biblioteca nacional de França (BnF), em Paris. São uma
adição recente. Depois de uma comissão francesa ter declarado a obra
um tesouro nacional, a BnF pagou nove milhões de dólares pela com-
pra do manuscrito: a aquisição mais cara da história da biblioteca.
Casanova, extremamente vaidoso, teria ficado muitíssimo orgulhoso
com esta confirmação do seu lugar central nas letras francesas e na vi-
da intelectual da sua época.
Se o seu épico de sedução, espionagem e ascensão social tivesse
sido publicado durante o período em que viveu, teriam chocado os
seus contemporâneos e comprometido as vidas e reputações de vene-
zianos proeminentes e de outras personalidades importantes, cujos
pontos fracos e escapadelas oferecem uma leitura tão agradável.
As transgressões sexuais, até mesmo a sedução da sua filha ilegítima,
que pode até ter ficado grávida do filho de Casanova — seu filho e neto
— foram aqui reveladas num mundo tão disciplinado como amoral.
Casanova publicou extensamente durante a sua vida. Concluiu
um romance de ficção científica de vários volumes; uma história da
Polónia, também em vários volumes; traduziu a Ilíada para francês;
compôs quatrocentos poemas; instaurou uma polémica refutando
Voltaire; redigiu perto de duas mil cartas acerca de qualquer ideia que
lhe viesse à cabeça; e deixou cerca de três mil páginas de projetos literá-
rios inacabados, tudo isto enquanto procurava casos amorosos ardentes
e intrigas elaboradas. Era hipersexual e hiperliterário.
V E NE Z A
C AP ÍTUL O 1
ZAN ETTA
a tentar captar a sua glória esmorecida. Onde quer que fosse, procurava
o rosto, os braços, os lábios, os olhos e o cheiro da sua jovem mãe em
todas as amantes que encontrava. Na sua mente, eram todas manifes-
tações de Zanetta, portanto seduziu-as para que o seduzissem a ele.
A história de como este patinho feio desfavorecido se transfor-
mou no elegante cisne veneziano conhecido como Casanova é espan-
tosa. Enquanto criança, nunca falava e era considerado um pouco im-
becil, destinado ao anonimato. Giacomo, que acabaria por escrever
doze volumes de memórias recordando pessoas e acontecimentos da
sua vida com um pormenor refinado e cativante, afirmou não ter
quaisquer recordações dos primeiros oito anos da sua vida.
Regressou a casa com a avó e nessa altura, «vi ou creio que vi»,
acrescentou com cuidado, «uma bela e resplandecente mulher a descer
pela chaminé [...] com uma coroa na cabeça com uma exuberância de
pedras que pareciam brilhar com o fogo». Ela sentou-se na sua cama e
abriu várias caixas pequenas. «Depois de proferir um longo discurso,
do qual nada entendi, e de me ter beijado, partiu como chegou.»
Na altura, Giacomo não contou a ninguém o seu incidente místi-
co. Manteve-o em segredo «no recanto mais secreto da minha memó-
ria crescente», para ser revelado anos mais tarde, quando escreveu as
suas memórias. Era a sua primeira recordação, e também a mais pode-
rosa, o mito da sua origem, o conto do vigário, o de que o Giacomo
em sofrimento ficou novamente saudável por intermédio de uma
mulher agradável e resplandecente. «Os medicamentos para as piores
doenças não se encontram sempre nas farmácias», refletiu; podem ser
encontrados nos mais profundos recantos do cosmos ou do coração.
Apesar desta manifestação de uma sensualidade feminina que tanto lhe
salvou a vida como lhe reavivou o intelecto em hibernação, manteve-se
mais cético do que místico. «Nunca houve feiticeiros nesta terra», ex-
plicou, apenas aqueles «capazes de convencer [os outros] a acreditarem
que eles o eram.»
Após o tratamento, Giacomo parecia tão desesperado como
sempre, «muito má companhia», nas suas próprias palavras. «As pes-
soas tinham pena de mim e deixavam-me sozinho; toda a gente acredi-
tava que eu não viveria muito tempo. A minha mãe e o meu pai nunca
me falaram.» Ainda assim, ressuscitou milagrosamente. A hemorragia
diminuiu. A sua mente começou a agitar-se e «em menos de um mês,
aprendi a ler».