Livro Prep Filosofia
Livro Prep Filosofia
Livro Prep Filosofia
Domingos Faria
Luís Veríssimo
03481832
De acordo com
Aprendizagens Essenciais
Explicação de todos os conteúdos
250 questões
com resposta detalhada
Teste diagnóstico
com feedback online imediato
1
lpYí EDUCAÇAO
Introdução
A obra encontra-se estruturada em duas partes principais. A primeira tem uma revisão
dos conteúdos lecionados de acordo com as Aprendizagens Essenciais. Cada um dos
capítulos desta primeiro parte inclui a apresentaçao dos conteúdos fiiosoficos de um modo
claro e rigoroso, um esquema organizador um resumo dos conteúdos apresentados,
uma lista de palavras-chave que destaca os principais conceitos explorados ao longo do
capitulo, e uma ficha formativa para cada unidade temática com diferentes tipologias de
questões A estrutura gerai das fichas formativas e a seguinte Grupo I. com questões de
escolha múltipla; Grupo II, com itens de construção de resposta restrita, e Grupo III. com
itens de construção de resposta desenvolvimento.
Para responderes as questões de escolha míiitipia deves começar por ler atentamente
o enunciado da questão e tentar excluir as alternativas que estejam claramente erradas.
Assim, ficas com mais tempo para te debruçares sobre as restantes alternativas, por forma
a encontrares a solução do exercício.
As questões do Grupo II sao, geia Imente, questões Interpretativas. que testam a tua
compreensão dos problemas, teorias e argumentos estudados. Deves, por isso, demons
trar inequivocamente que compreendes aquilo que é perguntado, sem te alongares em
dissertações vagas em torno do assunto da questão
Por fim, no que diz respeito as questões de desenvolvimento, importa salientar que,
embora estas questões apelem, quase sempre, a uma tomada de posição pessoal acerca
de um determinado problema filosoflco, a sua avaliaçao nao recai sobre a posição de
fendida, mas sim sobre a forma como são articuladas razões para fundamentar a mesma.
Isto significa que, ao responderes a este tipo de perguntas, deves sempre começar por
demonstrar que compreendes qual é o problema filosófico em causa e, em seguida, de
ves apresentar as pnncipais posiçoes em confronto em reiaçao ao mesmo. Indicando qual
delas subscreves. Por último, deves tentar argumentar com rigor a favor da tua perspetiva
e contra as perspetivas a que te opões.
A segunda parte deste livro conta com três provas-modelo e as respetivas soluções.
Ações conforme o dever 130 Conhecimento a priorl 173 Etlca 114. 128
Argumentos por analogia 59 Crise científica 214 215 Falácia intencional 236
Arte 228.230. 23l 232. 236. 242 Cnterio etico da moralidade Falácias formais 50
245 de uma ação '14 Falsa relação causal 64
Artefacto 242 Falsifkacionismo 210
D
Atribuição de estatuto 242 Falsificado 204
Dedução 211-212
Autonomia da vontade 142 Falsificavel 204
Definição circular *"
Falso dilema 63
Definição demasiado
B abrangente 14 Fideismo 271
Bens sociais primários '56 Forma significante 236-237
Definição demasiado restrita 15
Boa vontade 128-129.135 Formas de encarar a arte 247
Definição explicita 14
Boneco de palha 65-66 Funções de verdade 42-44
Deísmo 257
Demarcaçao 202 Fundaciomsmo 172
c
Deontologia 134
Casos de Frankfurt 81 G
Derrapagem 66
Causa 257 Graus de falsificabilklade 205
Desígnio 259
Ceticismo 171
Determinismo 73 H
Ciência extraordinarta 214 215
Determinismo moderado 75-76. 83 Hedonismo 18 -’19
Ciência normal 214-215
Determinismo radical 75 76, 85 Heteronomia da vontade 142
Cogito 177
Dever 129-130.134
Cognitivismo 99-100 I
Deveres Imperfeitos 40 141
Compatibilismo 75-76. 81 Ideias 184
Deveres perfeitos 140-141
Comunrtarlsmo !60 Ideias adventícias 178
Dignidade humana 142’
Conceção padronizada Ideias complexas 184
Dupla negação 50
da justiça 158 Ideias factícias 78
Duvida metódica 74
Condição necessária 14.19 Ideias matas 178
Condição suficiente 14,19 E Ideias simples 184
Conetivas 31 Emoção estetica 236-237 Igualrtarismo 151
ÍNDICE REMISSIVO
2. Lógico formal
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Assim, podemos caracterizar a filosofia como sendo uma atividade conceptual e crítica
Dizer que a filosofia e uma atrvidade conceptual e apenas dizer que esta se ocupa de
problemas conceptuais, Isto é, que se dedica a analisar alguns conceitos fundamentais
que utilizamos no nosso dia a dia. na matcmatica c nas outras ciências, sem pensar multo
sobre eles e sem nos interrogarmos acerca do seu significado mais profundo - como os
corcertos de Deus, liberdade, necessidade, possibil dade, numero, conhecimento, justifi
cação, Justiça, etc. Por seu turno, afirmar que a filosofia é uma atividade crítica significa
simplesmente que pata fazer filosofia devemos procurar avaliar de fôrma rigorosa e im
parcial as razões que temos para pensar desta ou daquela maneira Deste modo, para
fazermos filosofia devemos ser capazes de formular problemas analisar conceitos funda
mentais. propor teorias (respostas para os problemas de que nos ocupamos), argumentar
a favor dessas teorias e imaginar possíveis objeções reiativamcnte as mesmas
Outros problemas filosoficos são acerca das relações entre conceitos Como par
exemplo.
■ etc.
9
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Tal como na ciência existem vánas disciplinas cientificas (como, por exemplo a física,
a química, a biologia. etc.), também no filosofia existem diferentes disciplinas fliosoflcas
consoante o conjunto especifico de problemas de que se ocupam, como, por exemplo: a
metafísica, a eplstemologla. a axlologla a ética, a filosofia da arte, a lógica, etc. Em se
guida, veremos do forma mais aprofundada em que consistem algumas destas disc plmas
filosóficas e as questões de que se ocupam
Metafísica
A metafísica é a disciplina filosófica que se ocuoa dos problemas fundamentais acerca
da natureza da realidade O problema centra da metafísica pode ser formulado nos se
guintes termos: <O que e que há?*, ou seja, os filosofos que se dedicam á metafísica pro
curam. entre outras coisas, determinar que tipos de coisas existem, de que forma existem
e por que razao existem.
1. A maioria de nós acredita que o mundo ê composto por coisas que existem no es
paço e no tempo, como pedras, plantas e planetas, mas o que dizer de cotsas como
mentes, valores, conceitos, numeros, propriedades e relações, isto é, o que dizer de
coisas que a primeira vista, não parecem ter uma existência concreta, espaclolem-
porai? E o que dizer do próprio espaço e do próprio tempo?
2. Sabemos que ha coisas que existem mas podem deixar de existir. Mas será que hã
coisas que existem necessariamente?
E coisas que nao existem mas que poderiam existir?
Será que ha coisas simplesmente impossíveis, isto c, coisas que nao existem nem
poderiam existir’
Sera que ha coisas que, embora possam existir quando consideradas separadamente,
não podem coexistir, isto é, existir simultaneamente, pois são incompatíveis entre si?
3 A primeira vista, achamos que uma maçã pode ser de vãnas cores sem deixar de ser
uma maçã, mas se alterarmos radicalmente as suas propriedades (por exemplo di-
gerindo-a) ha um ponto a partir do qual podemos dizer que a maçã deixou de existir?
Ouais sao as condiçoes oe persistência das coisas, isto é. em que circunstâncias
dizemos que uma coisa que existe num dado momento continua a existir num mo
mento posterior?
Haverá propriedades essenciais que nos permrtem reconnecer uma coisa como a
mesma em diferentes momentos’
E quanto as pessoas? Sera que ha propriedades essenciais para se ser uma deter
minada pessoa (isto e. propriedades com as quais podemos afirmar que somos essa
pessoa e sem as quais podemos dizer que deixamos de o ser)?
4. Alem disso, acreditamos que existem coisas como automóveis vermelhos, livros ver
melhos e maçãs vermelhas; mas em que consiste a «vermelhidão»? Será que a ver
melhidão existe da mesma forma que os automóveis, os livros e as maçãs? Ou será
que a sua existência depende das nossas mentes de uma forma que a existência de
automóveis, livros e maçãs não depende?
■0
1. Abordagem Introdutória ■ flloiofaa e ao filosofar
Sr Por fim, habrtualmente, pensamos que existe um mundo exterior ãs nossas mentes
com o qual nos vamos relacionando e acerca do qual vamos descobrindo coisas
novas. Mas existira realmente algo além das nossas mentes? Ou será que a realida
de nâo passa de um produto da minha atividade mental? Qual é, afinal. a natureza
última da realidade?
Epistemclogia
Damos por nós a acreditar em varias coisas, que sou uma pessoa, que tenho um corpo,
que está um livro diante dos meus olhos, que estou a ler o que está escrito nesse livro, etc
Mas como formamos essas crenças7 Como podemos justificar as nossas crenças? Pode
mos alguma vez estar certos de que uma crença e verdadeira?
Podemos dizer que sabemos algo quando, apesar de termos uma crença verdadeira, ê
apenas por sorte ou acaso que isso acontece, isto e, quando não temos uma (boa) justifi
cação para isso? Em que condições podemos dizer que, efetivamente, sabemos que uma
crença ê verdadeira?
MrLou. Arfe
Mnrtondo o Arte
(2012}
11
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Axkrlogki
♦ Qual é a natureza dos valores7 Sera que existem independentemente das nossas
atitudes pessoais e subjetivas? Serão relativos a certos padrões de avaliação cole
tivos?
* O que ê que tem Intrinsecamente valor (isto é. o que é que tem valor por sl mesmo) e
o que o que tem valor meramente Instrumental {ou seja, apenas como um melo para
qualquer outro coisa)7
Estes sao alguns problemas gerais da axlologia, mas, dada a diversidade dos valores,
esta área também se encontra subdividida. Por exemplo, ao passo que a ética se ocupa
dos valores morais (ou éticos), o estética ocupo-se dos valores esteticos A primeira ocu
pa-se especificamente dos valores que dizem respeito á forma como devemos conduzir
as nossas vidas, como a Justiça, a benevolência, a honestidade, entre outros exemplos.
A segunda diz respeito aos valores subjacentes a apreciaçao de certas propriedades dos
objetos, como, por exemplo, a belezo, o harmonio, a expressividade.
Lógica
Neste sentido, a lógica e bastante util para a filosofia, pois não sõ permite aos filósofos
construir bons argumentos para fundamentar as SLas teorias, como também possibilita
avaliar as teonas e argumentos de outros filósofos.
12
1. Abordn gem Introdutória ■ filosofia e ao filosofar
• identificar problemas:
• formular problemas:
• esclarecer problemas:
• relacionar problemas.
Relacionar o problema que temos em mãos com outros problemas e estabelecer liga
ções entre esse problema e outros problemas que de uma forma ou de outra lhe estão as
sociados. Por exemplo, 0 problema da justiça de guerra, tal como foi aqui formulado, relacio-
na-se. entro outros.com os problemas de saber o que é a justiça e qual é o seu Tjndamento.
13
Ferramentas do Trabalho Filosófico
• Identificar conceitos.
• aplicar conceitos;
• esclarecer conceitos;
• relacionar concertos.
identificar jm conceito é o mesmo que reconnecõ-lo quando este surge num texto
filosofico. Por exemplo, «O conceito que está aqui em cousa ê o conceito de moralidade»
Esclarecer um conceito e explicitar o seu significado. Para esse efeito, os filósofos po
dem recorrer quer a uma definição explícita, quer a uma caracterização.
Uma boa definição explícita nao deve set demasiado abrangente (ou lata), nem dema
siado restrita e não pode ser vlclosamente circular
Uma definição explicita e demasiado abrangente (ou lata) quando Inclui coisas que
nao deveria incluir. Por exemplo, se quisermos definir «bicicleta» dizendo que «Algo é uma
bicicleta se. e só se. é um veículo de duas rodos», estaremos o oferecer unia definição
demasiado abrangente (ou lata) de «bicicleta», pois Inclui coisas que têm duas rodas, mas
que não são bicicletas (como, por exemplo, os motociclos).
1. Abordn gem Introdutória ■ filosofia e ao filosofar
Uma definição explicita e demasiado restrtta quando nao Inclui tudo o que deveria
incluir. Por exemplo, se quisermos definir «motociclo» dizendo que «Algo e um motociclo
se, e só se, é um veiculo motorizado com duas rodas», estaremos a oferecer uma defini
ção demasiado restrita de «motociclo», pois exclui coisas que sao motociclos mas nao têm
duas rodas (como as moto-quatro, por exemplo).
Alem disso, podemos ter más definições, porque são simultaneamente demasiado
restritas e demasiado abrangentes Por exemplo, se definirmos «maçã* afirmando que
«Algo é uma maça se. e só se, é um fruto vermelho», estaremos a oferecer uma definição
simultaneamente demasiado restrita e demasiado abrangente de «maçã», pois existem
maçãs que não são frutos vermelhos e existem frutos vermelhos que não são maçãs
IDENTIFICAR APLICAR
L
15
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Tal como acontece com os conceitos e os termos, também existem casos em que duas
frases diferentes expressam a mesma proposição - como, por exemplo, «A existência de
Deus é incompatível com a existência de mal no mundo* e *A existência de mal no mundo
é incompatível com a existência de Deus» — e casos em que uma só frase, devido ao seu
caráter ambíguo, expressa mais do que uma proposição - como acontece, por exemplo,
com «Os alunos só consultam livros na biblioteca», que tanto pode expressar a ideia de
que todos os livros que os alunos consultam sào da biblioteca, como a ideia de que a única
coisa que os alunos fazem é consultar livros na biblioteca.
Contudo, nem todas as frases declarativas expressam proposições, algumas delas sào
absurdas e. por conseguinte, também nào expressam nenhum pensamento verdadeiro ou
falso. É o que acontece, por exemplo, com a frase «Incolores ideias verdes dormem furio
samente*. Deste modo, podemos concluir que apenas as frases declarativas que não são
absurdas expressam proposições
Importa ainda referir que existem diferentes tipos de proposições. Desde logo, é fre
quente distinguirem-se as proposições categóricas das proposições condicionais
17
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Aquilo que está aqui a ser dito é que estar em Lisboa implica estar em Portugal, ou, por
outras palavras, está a afirmar-se que estar em Lisboa é uma condição suficiente para se
estar em Portugal e que estar em Portugal é uma condição necessária para se estar em
Lisboa.
r *
Proposição condicional 2: «Se estou em Portugal, então estou em Lisboa.»
.
Neste caso, estaríamos a afirmar que estar em Portugal é uma condição suficiente para
se estar em Lisboa e que estar em Lisboa é uma condição necessária para se estar em
Portugal.
A proposição que implica, isto é, aquela que constitui uma condição suficiente de
signa-se «antecedente*. A proposiçáo que é implicada, isto e, aquela que constitui uma
condição necessária, designa-se «consequente •.
antecedente consequente
Contudo, esta não é a única forma de expressar uma proposição condicional na nossa
língua. Por vezes, invertemos a estrutura da frase e apresentamos primeiro a consequente
e so depois a antecedente: *B, se 4» (ou, retomando o exemplo da proposição condicio
nal 1: «Estou em Portugal, se estou em Lisboa»). Também recorremos a expressões como
«sempre que», «desde que», «só se», «apenas se», «somente se», etc., como forma de
expressar a relação de implicação. Algumas destas expressões, como «se», «desde que>,
«sempre que’, etc., servem para indicar condições suficientes ao passo que outras, como
«só se», «apenas se», «somente se», etc., servem para indicar condições necessárias.
1. Abordagem introdutória ã filosofia e ao filosofar
Indicadores de condiciona)
Assim, a proposição condicional 1 poderia de igual modo ter sido expressa por qual
quer uma destas formulações alternativas:
- etc.
Porém, como vimos, quando queremos proceder a uma definição explícita de algo, não
basta apresentar condições necessárias ou suficientes, temos de apresentar condições si
multaneamente necessárias e suficientes. Como acabámos de ver, a relação de condição
necessária é, geralmente, expressa em português pela expressão «só se» e a relação de
condição suficiente é, geral mente, expressa pela expressão «se». Então, para expressar
condições simultaneamente necessárias e suficientes devemos usar a expressão «se, e só
se* (ou expressões equivalentes, como <se. e apenas se», <se. e somente se*, etc.), como
acontece, por exemplo, na seguinte definição: «AJgo é um quadrado se, e só se, é uma
figura geométrica com quatro lados iguais*.
A este tipo de proposições, que tém subjacente a estrutura: A se, e só se, 8*. decidiu
chamar-se «bicondicionais •. porque afirmam que cada uma das proposições que as com
põem implica (ou tem como consequência} a outra, ou seja, estabelecem que é simulta
neamente verdade que «Se A, então B e que <Se B, então A». Isto significa que quando
afirmamos uma proposição bicondicional, estamos a dizer que nenhuma das proposições
que a compõem pode ser verdadeira sem que a outra também o seja, isto é. ou são am
bas verdadeiras, ou são ambas falsas. Se uma delas for verdadeira, a outra também o será
e se uma delas for falsa, a outra também o será.
Com efeito, quando dizemos que <Um quadrado é uma figura geométrica com quatro
lados iguais», estamos a afirmar que *Se algo é um quadrado, então é uma figura geomé
trica com quatro lados iguais, e que se algo é uma figura geométrica com quatro lados
iguais, então é um quadrado*. Isto significa que uma condição necessária e suficiente
para algo ser um quadrado é ser uma figura geométrica com quatro lados iguais e vice-
-versa, ou seja, «Algo é um quadrado se, e so se, é uma figura geométrica com quatro
lados iguais*.
19
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Formular uma tese e enunciá-la por meio de uma frase declarativa que constitui uma
resposta possível para o problema em análise. Por exemplo, no que diz respeito ao pro
blema da justiça de guerra, podemos defender as seguintes teorias: «Não podem haver
guerras justas, porque a guerra e sempre imoral*; <Nào podem haver guerras justas, nem
injustas, porque nâo faz sentido aplicar esses conceitos á guerra*; «Pode haver guerras
justas, desde que cumpram certos requisitos*.
Explicitar uma tese e esclarecer o seu significado. Para isso, pode ser importante es
clarecer o sentido dos termos que surgem na formulação da tese. Por exemplo, quando
alguém afirma que Deus existe, é importante esclarecer em que sentido está a usar a
palavra *Deus*, pois existem diferentes aceções dessa palavra. Para algumas pessoas a
palavra <Deus* pode significar um ser pessoal e inteligente, sumamente bom, que tudo
sabe, tudo pode e que é o único criador de tudo quanto existe. Para outras pessoas, essa
mesma palavra pode ser utilizada apenas para referir uma entidade divina impessoal, que
se confunde com o próprio universo. Sem este tipo de esclarecimento, a discussão filosó
fica pode tornar-se uma mera disputa verbal, em que o desacordo entre os seus interve
nientes é meramente aparente e deve-se ao facto de estarem a usar as mesmas palavras
em sentidos diferentes.
Relacionar teses é procurar averiguar de que forma elas se articulam entre si. Por
exemplo, uma dada resposta ao problema da justiça de guerra pode implicar o compro
misso com uma determinada teoria da justiça e vice-versa.
Avaliar teses é uma das mais importantes tarefas dos filósofos. Ao avaliar teorias deve
mos ter em conta os seguintes aspetos:
2. A teoria e consistente?
O conceito de Deus foi inventado pela Igreja como forma de manipular as pessoas*.
Embora o problema da existência de Deus esteja relacionado com o problema em análise,
nào se identifica inteiramente com ele. Podemos achar que a existência de Deus ê compa
tível com a existência de mal no mundo, e ainda assim pensar que Deus nào existe.
No que diz respeito a 2, devemos começar por notar que, por vezes, as teses que
defendemos implicam a verdade de um determinado conjunto de proposições Daí que
para avaliar teses tenhamos de testar a sua consistência Mas o que é a consistência?
A consistência ê uma propriedade de conjuntos de proposições.
Inversamente,
• Há mal no mundo.
21
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Ora, isto significa que uma teoria inconsistente nunca pode ser verdadeira (ou, pelo
menos, uma das ideias que esta sustenta é necessariamente falsa) e, por conseguinte,
deve ser reformulada ou até mesmo rejeitada e substituída por uma teoria que nào apre
sente esse tipo de inconsistências internas.
O ponto 3 sugere que se faça uma análise comparativa das várias respostas possíveis
a um mesmo problema. Entre as várias teses disponíveis, devemos preferir aquelas que:
• permitem explicar mais coisas e de uma forma mais simples (em vez de introduzir
complicações excessivas e desnecessárias). Por exemplo, se para definirmos «obra
de arte* tivermos de assumir a existência de uma coisa imaterial ã qual decidimos
chamar «espirito artístico*, estaremos a introduzir um conceito novo que precisa de
ser esclarecido e um tipo de propriedade diferente daquele com que habitualmente
lidamos {«espírito artístico»). Por outro lado, se tentarmos definir <obra de arte* pro
curando identificar um conjunto de propriedades materiais que todos os objetos ar
tísticos têm em comum, estaremos a falar de propriedades mais simples e familiares.
• deixam menos questões por resolver |em vez de levantar mais problemas do que
aqueles que permitem resolver). Por exemplo, a primeira tese apresentada acima in
troduz mais complicações e deixa mais perguntas por resolver do que a segunda:
O que é afinal tsso a que chamamos de «espirito artístico»? De que forma existe {visto
que não é uma coisa material}? Como pode ser detetado pelos seres humanos {já que
nào pode ser visto, cheirado, ou ouvido, por exemplo)?
• têm bons argumentos a seu favor (em vez de bons argumentos contra elas). Em se
guida serão exploradas algumas formas de distinguir os bons dos maus argumentos.
.<■
FORMULAÇÃO
F 1
P -4
TESE
k J ATESE RESPONDE
VALIDAÇÃO
AO PROBLEMA
É CONSISTENTE
DAR PREFERÊNCIA
A UMA TESE QUE:
22
1. Abordagem introdutória ã filosofia e ao filosofar
Existem expressões linguísticas que, tipicamente, servem para indicar essa pretensão:
os indicadores de premissas e de conclusão. Quando alguém afirma que «Deus não exis
te, porque hã mal no mundo* está a usar o «porque» para indicar qual é a razão que o leva
a pensar que Deus não existe, ou seja, esta a usá-lo como um indicador de premissas Por
outro lado, quando alguém afirma que *Há mal no mundo. Logo, Deus não existe* está a
utilizar o «logo* para indicar que a ideia de que «Há mal no mundo* suporta (ou tem como
consequência) a ideia de que «Deus não existe*, ou seja, está a utilizá-lo como um indica
dor de conclusão
Indicadores Indicadores
de premissas de conclusão
23
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Para ver como é que isto funciona na prática, vamos imaginar um exemplo de argumen
to apresentado de forma confusa e desorganizada e tentar reformulá-lo de forma explicita.
f ■■
r ---------------------------------- R
Por fim, no passo 4 é-nos sugerida a formulação explícita do argumento, isto é, que
se escreva cada premissa [incluindo a(s) premissa(s) omissa(s), caso existam] numa linha
diferente, seguidas pela conclusão, que surgirá na última linha, antecedida da palawa
«logo» (para ser mais fácil identificar os diferentes passos do argumento, sugere-se ainda
que todas as linhas sejam numeradas, por exemplo com 1, 2, 3, e assim sucessivamente,
24
1. Abordagem introdutória ã filosofia e ao filosofar
ou com P1, P2, P3, para as premissas, e C1, para a conclusão). Neste caso, o argumento
apresentado no exemplo ficaria qualquer coisa como:
--------------------------------- -■
No que diz respeito ã tarefa de avaliar os argumentos a favor e contra cada uma das
teorias em confronto, os filósofos devem procurar responder ãs seguintes questões:
'----------------------------------------------------------------- 1
Argumento 1 Argumento 2
(II Se chover, o chão fica molhado. (1) Se chover, o chão fica molhado.
(2) Choveu. (2} O chão ficou molhado.
(3} Logo, o chão ficou molhado. Í3| Logo, choveu.
- _________ >
25
Ferramentas do Trabalho Filosófico
É de salientar que a validade é uma propriedade dos argumentos {e não das proposi
ções), é uma relação entre os valores de verdade, reais ou hipotéticos, das premissas e da
conclusão de um argumento. Por sua vez a verdade é uma propriedade das proposições
(e não dos argumentos}, porque apenas estas podem ser verdadeiras ou falsas. No entan
to, o facto de um argumento ser válido náo é suficiente para nos convencer da verdade
da sua conclusão. Repare-se, por exemplo, no argumento que se segue:
■-
(1} Se Donald Trump é chinês, então o monte Everest é nos Estados Unidos.
(2) Donald Trump é chinês.
(3) Logo, o monte Everest é nos Estados Unidos.
Este argumento tem exatamente a mesma estrutura que o argumento 1 e, por con
seguinte, também é válido. No entanto, uma vez que as suas premissas são claramente
falsas, náo é suficiente para nos convencer da verdade da sua conclusão.
Ora, é precisamente por esse motivo que, depois de se verificar que o argumento é vá
lido, se deve procurar determinar se as suas premissas são verdadeiras (tal como foi ante
riormente sugerido na questão 2), ou seja, se procure determinar se o argumento é sólido.
A solidez é uma propriedade bastante importante dos argumentos, porque, como vi
mos anteriormente, se um argumento for válido, a verdade das premissas garante (ou
suporta) a verdade da conclusão, isto é, se aceitarmos que as premissas de um argumento
valido são verdadeiras, temos boas razões para pensar que a conclusão também o é.
Contudo, a solidez também náo é suficiente para que um argumento seja persuasivo.
Repare-se no exemplo que se segue:
Jaques-Louis
David, 4 Morte
de Sócrates
I17E7}
1. Abordagem introdutória ã filosofia e ao filosofar
Este argumento é válido, pois não é possível que a sua premissa seja verdadeira e a
sua conclusão seja falsa; e é sólido, pois ê um facto histórico que Sócrates era um filósofo.
Mas, apesar disso, não podemos dizer que nos foi apresentada uma boa razão para acre
ditar na verdade desta conclusão.
Afinal, a única coisa que se fez foi repetir a conclusão enquanto premissa. Argumentos
como este não são convincentes.
É precisa mente por esse motivo que, na questão 3, se recomenda que, depois de
constatarmos que um argumento é solido, tenhamos o cuidado de verificar se as suas pre
missas são. à partida, mais plausíveis (ou aceitáveis) do que a conclusão. Caso contrario,
corremos o risco de estar a argumentar de forma viciosamente circular, visto estarmos a
presumir nas premissas aquilo que pretendemos ver provado na conclusão Este tipo de
argumento revela-se ineficaz por nâo ser capaz de persuadir ninguém da verdade da sua
conclusão, a não ser aqueles que já estavam, à partida, dispostos a aceitá-la.
Por fim, resta dizer a este propósito que quando um argumento parece bom, mas nâo
é, dizemos que se trata de uma falácia. Se o problema está na forma do argumento — isto
é, se o argumento parece válido, mas não e —, então dizemos que se trata de uma falácia
formal. Se o problema esta, não na forma, mas sim no conteúdo — isto é, se o argumento
parece sólido, mas nâo e -, então dizemos que se trata de uma falácia informal.
Mais à frente analisaremos as principais falácias formais e informais presentes nos mais
diversos tipos de discurso de cariz argumentativo.
A última das tarefas dos filósofos sobre a qual nos iremos debruçar é a tarefa de contra-
-argumentar Contra-argumentar é usar a argumentação para mostrar o que ha de errado
com uma dada teoria e/ou argumento. Existem diferentes formas de o fazer. Em seguida
iremos analisar algumas delas.
Negação de proposições
A negação inverte o valor de verdade de uma proposição, ou seja, quando uma pro
posição é verdadeira, a sua negação é falsa, e vice-versa. Isto significa que qualquer pro
posição é inconsistente com a sua respetiva negação e, por conseguinte, se conseguir
mos mostrar que a negação de uma proposição é verdadeira, conseguimos mostrar que
essa proposição é falsa. Assim sendo, se o nosso argumento for persuasivo, o defensor
da teoria que estamos a atacar terá razões para duvidar da verdade da sua tese.
Negar proposições pode ser mais complicado do que parece à primeira vista. Por
exemplo, qual é a correta negação de
Ou de
27
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Negação de proposições
«Algo é um ser
«Algo e um
humano, mas não e Para negar uma bicondicional temos de mostrar que os
ser humano
um animal racional seus membros não constituem condições necessárias e
Bicondicional se, e sõ se.
ou algo e um animal suficientes um para o outro, porque e possível que um
é um animal
racional, mas não é deles se verifique sem que o outro se verifique
racional.»
um ser humano.»
’ Ver paginas 17 e 18.
28
1. Abordagem introdutória ã filosofia e ao filosofar
Para facilitar a negação das proposições categóricas com quantificadores — isto é, com
palavras que servem para indicar qual é a quantidade do sujeito a que o predicado se
aplica (ou não aplica), como por exemplo *Todos», «Alguns», «Nenhuns* e *Nem todos»,
ou outras equivalentes - pode também recorrer-se ao conhecido quadrado da oposição.
29
Ferramentas do Trabalho Filosófico
1. mostrar que a sua conclusão nâo se segue das suas premissas, ou seja, mostrar que
este não é válido:
2. ou mostrar que {pelo menos) uma das suas premissas é falsa, ou seja, mostrar que
(ainda que seja valido} este não é sólido
3. ou mostrar que as suas premissas náo são mais plausíveis do que a conclusão, ou
seja, mostrar que (ainda que seja sólido} este não é persuasivo.
COMTRAARGUMEMTAR
30
1. Abordagem introdutória ã filosofia e ao filosofar
RESUMO
• Uma boa definição explícita nâo deve ser demasiado abrangente (ou lata),
nem demasiado restrita e nào pode ser viciosamente circular.
• A proposição que implica, isto e, aquela que constitui uma condição suficien
te, designa-se ^antecedente^. A proposição que e implicada, isto ê. aquela o Conceitos
que constitui uma condição necessária, designa-se <consequente».
• a priori
• Nas proposições bicondicionais sào apresentadas condições simultaneamen
• definição explícita
te necessárias e suficientes entre proposições.
• condição necessána
• Um conjunto de proposições e consistente quando todas as proposições que
o compõem podem ser simultaneamente verdadeiras. • condição suficiente
• Um argumento e um conjunto de proposições em que se pretende justificar • definição demasiado
ou defender uma delas, a conclusão com base na outra ou nas outras, que se abrangente
chamam premissas.
• definição demasiado restnfa
• Diz-se que um argumento é válido quando e impossível, ou muito improvável,
• definição circular
que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa.
• proposição
• Diz-se que um arg umento e solido quando e valido e tem premissas verdadeiras.
• argumento
• Ha argumentos sólidos que não sào persuasivos porque as suas premissas
nào sào mais plausíveis do que a sua conclusão, sendo, por isso, circulares. • validade
• A negação inverte o valor de verdade de uma proposição, ou seja, quando • solidez
uma proposição e verdadeira, a sua negação e falsa, e vice-versa.
• negação
• Para refutar um argumento podemos mostrar que ele na o e vã lido, ou que nào
• refutação
e solido, ou que não e persuasivo.
3J
Questões propostas
GRUPO I
IA) expressar emoções ê uma condição suficiente para algo ser arte.
(B) expressar emoções ê uma condição necessária para algo ser arte.
<C) expressar emoções ê uma condição necessária e suficiente para algo ser arte.
(D) expressar emoções não é uma condição necessária nem suficiente para algo ser arte.
Esta definição é
IA) demasiado restrita, pois inclui coisas que podem ser tocadas num piano mas nào são música.
(B) demasiado abrangente, pois exclui coisas que são música mas não podem ser tocadas num
piano.
6 Atenta no argumento que se segue e depois indica qual das proposições apresentadas não é
utilizada como premissa do mesmo.
É claro que as noções de *certo* e de <errado> não dependem apenas do contexto histórico
e cultural. Isto porque se as noções de <certo» e <errado» dependessem apenas do contexto
histórico e cultural, então não haveria evolução moral das sociedades. Mas é õbvio que a
forma como certas minorias raciais são tratadas em algumas sociedades é, hoje, muito me
lhor do que era há uns anos. Ora, isso é suficiente para se considerar que existe evolução
moral das sociedades.
(B) O facto de certas minorias raciais serem, hoje, muito melhor tratadas em algumas sociedades,
do que eram há uns anos, é suficiente para se considerar que há evolução moral das socie
dades.
(C) A forma como certas minorias raciais são tratadas em algumas sociedades é, hoje, muito
melhor do que era há uns anos.
7. Qual das seguintes alíneas corresponde à correta negaçáo de «Vou á praia só se estiver sol».
{A) Está sol, mas não vou à praia. (C) Vou ã praia só se não está sol.
(B) Vou à praia, mas não está sol. < D) Está sol só se não vou à praia.
8. Se um argumento é válido.
33
Questões propostas
O argumento é
{A) válido, mas não e sólido. (C) sólido, mas não e persuasivo.
(B> sólido, mas não é valido. (D) persuasivo, mas não é sólido.
GRUPOU
3. Avalia a seguinte definição de ser humano: «AJgo é um ser humano se, e só ser é filho de pais
humanos*.
Argumento 1 Argumento 2
(1) Se estou em Lisboa, então estou em {1| Se estou em Lisboa, então estou em
Portugal. Portugal.
GRUPO III
«É preocupante que os desacordos éticos pareçam tão amplos c persistentes. Sc a ética fosse uma
questão de verdade objetiva 1c não fosse meramente uma questão de opinião], não deveriamos espe
rar um maior acordo a seu respeito? Porém, parece que cm questões de ética as pessoas discordam
sobre tudo. Tem opiniões opostas sobre o aborto, a pena de morte, o controlo de armas, a eutanásia,
o ambiente e o estatuto moral dos animais. Discordam quanto ao sexo, ao uso de drogas t à nossa
obrigação de ajudar crianças necessitadas que vivem noutros paises. A lista poderia continuar indefi -
nidamente. (...] A conclusão natural c que a ética, contrariamente à ciência, não passa de uma questão
de opinião. .»
1.1 Qual é o problema filosófico que está a ser discutido neste texto?
1.2 Indica a tese defendida no texto como resposta ao problema filosófico em consideração.
1.4 Uma vez que o argumento apresentado é válido, o que teria de fazer alguém que quisesse
defender que a sua conclusão é falsa?
2. Lógica formal
. Lógica formal
Neste capítulo 2 apenas vamos tratar dos argumentos com um caráter dedutivo. Uma
condição necessária, embora por si só não suficiente, para se ter um bom argumento de
dutivo é que este seja válido. Mas o que é um argumento valido?
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ ■.
Se está calor, então vou a praia.
35
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Podemos representar cada uma das proposições simples por uma letra e ob
Nota
No Acionário apenas se teremos o seguinte dicionário da proposição complexa:
listam proposçôes simples
(ou seja, proposições sem ■-
Uma proposição complexa, ou composta, e uma proposição com pelo menos uma co
netiva, ou operador proposicional.
1 Nota
Símbolo Designação Estas conetivas, ou operadores, designam-se ve
rofuncionais dado que o valor de verdade da pro
Negação posição mais complexa (ou seja, com conetivas) e
determinado apenas pelos valores de verdade das
proposições que a compõem. Por exemplo, se con
A Conjunção siderarmos duas proposições, como <Esta calor»
e «Vou ã praia», e se as ligarmos com a conetiva
V Disjunção inclusiva da implicação «se— então* saberemos o valor de
verdade da proposição complexa *Se está calor, en
tão vou a praia* se soubermos o valor de verdade
V Disjunção exclusiva da proposição «Está calor» e da proposição «Vou a
praia». Mas isso não sucede com as conetivas não
Condicional, ou implicação verofuncionais. Por exemplo, a conetiva <O José
acredita que está calor» não e verofuncional, uma
vez que a verdade ou falsidade de *Está calor* nào
+-+ Bi condicional, ou equivalência e suficiente para determinar a verdade ou falsidade
de <0 José acredita que está calor*.
Nesta linguagem, são ainda importantes os parêntesis, <(..-)», que são usados para de
terminar o âmbito das conetivas, ou operadores (tal como veremos mais adiante).
36
2. Lógica formal
p. q. A— Variáveis proposicionais
- Operador da negação
A Operador da conjunção
- Operador da condicional
Nota
Operador da bicondicional
Existem outras convenções de
simbologia. Por exemplo, para as
{-) Parêntesis, para o âmbito variáveis preposicionais podem
usar-se maiusculas. O importante
e ser coerente e usar a mesma
Indicador de conclusão convenção do principio ao fim.
As fórmulas da lógica proposicional podem ser bem ou mal formadas. Para serem bem
formadas e preciso seguir um conjunto simples de regras. Assim, as fórmulas bem formadas
da linguagem da lógica proposicional são geradas a partir das variáveis proposicionats,
pelas seguintes regras:
1. Qualquer variável proposicional é uma fórmula bem formada. Por isso, se tivermos
uma fórmula apenas como p, não há qualquer erro na sua formulação.
Seguindo as presentes regras, podemos sustentar que p é uma fórmula bem formada,
mas "•(q) não é uma fórmula bem formada, dado que apenas se colocam os parêntesis, tal
como se sublinha na regra 3, quando se juntam duas fórmulas bem formadas por coneti
vas verofuncionais. Assim, por exemplo, a seguinte fórmula proposicional é uma formula
bem formada: (s ~* (g —► s)).
37
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Comecemos com o operador da negação, que na linguagem natural surge com a ex
pressão «não». Por exemplo, *a tortura não e moralmente correta*. Apesar de esta ser a
expressão canónica, podemos expressar esta mesma proposição com expressões alter
nativas, por exemplo: «não é verdade que a tortura seja moralmente correta»; «é falso que
a tortura seja moralmente correta*. Em todas essas expressões o dicionário é exatamente
o mesmo, a saber:
/------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ \
p = O José ganhou o Euromilhões.
q = A Vera ganhou o Euromilhões.
s_________________________________________________________________________________ J
{pVq}
____________________________________________■
2. Lógica formal
Por sua vez, a disjunção exclusiva sucede quando os disjuntos não podem ser simul
taneamente verdadeiros, como no seguinte caso: <Ou Sócrates nasceu em Atenas ou
nasceu em Roma*. Outra forma de expressar esta mesma proposição: «Sócrates nasceu
ou em Atenas ou em Roma*. Esta proposição complexa é composta por duas proposições
simples; por isso, c dicionário e o seguinte:
-------------
p = Sócrates nasceu em Atenas.
q = Sócrates nasceu em Roma.
________ J
E a sua formalização é:
(p ü. q)
r------------------------------------------
(p q)
39
Ferramentas do Trabalho Filosófico
r------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1. Se não está sol, então vou ao cinema.
2. Não é verdade que se está sol, entào vou ao cinema.
L_______________________________________________ ___________________________________éi
lp
r----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- >
3. Está sol, e se está calor, então vou ã praia.
4. Se está sol e estã calor, então vou à praia.
L_______________________________________ ___________________________________________-
(p A |q r))
#P A gj —i♦
40
2. Lógica formal
2. Construir um dicionário que torne claro quais sâo as variáveis proposicionais que
abreviam as proposições simples, ou elementares. As proposições simples, ou ele
mentares, são aquelas proposições que não têm qualquer conetiva, ou operador
proposicional.
3. Uma vez feito o dicionário, formalizar em linguagem lógica (isto é, com as conetivas
e as variaveis proposicionais} a proposição ou argumento.
Se as pessoas que praticam homicídios nâo devem ser condenadas, então o homi
cídio é moralmente correto. Mas o homicídio não é moral mente correto. Logo, as
pessoas que o praticam devem ser condenadas.
(1) Se as pessoas que praticam homicídios nâo devem ser condenadas, então o
homicídio é moral mente correto. (Premissa)
(2) O homicídio não é moralmente correto. (Premissa)
(3) Logo, as pessoas que praticam homicídios devem ser condenadas. (Conclusão)
*■_____________________________________________________________________________ ■*
(0
(2)
(3) :.P
41
Ferramentas do Trabalho Filosófico
A minha morte será um sono perpétuo ou a minha morte será a entrada para uma
vida melhor. Se a minha morte for um sono perpétuo, então eu não devo ter medo da
morte. Se a minha morte for uma entrada para uma vida melhor, então eu não devo
ter medo da morte. Logo, de qualquer forma, eu não devo temer a morte.
- -
(1} A minha morte será um sono perpétuo ou a minha morte será a entrada para uma
vida melhor. {Premissa)
(2) Se a minha morte for um sono perpétuo, então eu não devo ter medo da morte.
(Premissa}
(3} Se a minha morte for uma entrada para uma vida melhor, então eu não devo ter
medo da morte. (Premissa}
(4} Logo, de qualquer forma, eu nâo devo ter medo da morte. (Conclusão)
_____________________________________________________________________________ J
r -
p = A minha morte será um sono perpetuo.
q = A minha morte será a entrada para uma vida melhor.
r= Devo ter medo da morte.
k______________________________________________________________________________ j
(1) <p v q)
(2) (p —» ->r)
(3) (q —> t)
Ou. na horizontal:
42
2. Lógica formal
verdadeira iVi ou falsa (F|, sendo que as funções de verdade de cada conetiva são dadas
pelas seguintes regras:
r
Designação Função
Com base nestas funções de verdade da lógica proposicional classica pode construir-
-se tabelas de verdade. Estas tabelas são diagramas lógicos que listam todas as possí
veis combinações de valores de verdade para cada variável proposicional presente numa
determinada fórmula proposicional. Mostram-nos, alem disso, se essas formulas prepo
sicionais são verdadeiras ou falsas em cada uma das possíveis combinações de valores
de verdade. E preciso sublinhar que as linhas (ou seja, as circunstâncias possíveis} das
tabelas de verdade variam consoante o número de variáveis proposicionais, de acordo
com a fórmula 2" (em que n representa o numero de variaveis). Assim, temos as seguintes
tabelas de verdade:
F tf F V F V F F tf F V V F
F V F F V F tf F V tf
F F F F F F F F F F
tf tf V F V V V V v tf tf tf V V v
tf F V tf F V F V F F tf F V F F
F tf F tf V F V F V V F tf F F V
F F F F F F F F V F F F F V F
43
Ferramentas do Trabalho Filosófico
• Tautologia (ou verdade lógica): quando a fórmula proposicional tem o valor «V» em
todas as possíveis combinações de valores de verdade.
> Contradição ;ou falsidade lógica): quando a fórmula proposicional tem o valor «F» em
todas as possíveis combinações de valores de verdade.
F F F F
I=!__ t
A operação seguinte é "*q, que inverte o valor de q,
p - (p
tal como se pode constatar.
V V V FV
V F V VF
F V F FV
F F F VF
44
2. Lógica formal
F F F V V F
F F F F V V F
*___ I
Dado que o resultado final apresenta valor *F* em
algumas circunstâncias e *V* numa outra circunstância,
estamos perante uma contingência.
45
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Para se obter cada combinação de valores começa-se na última letra da variável, al
ternando com <V> e <F> quantas vezes forem necessárias. Depois, na penúltima variável
alterna-se <V> e «F> em grupos de dois, seguidamente na antepenúltima alterna-se <V> e
*F* em grupos de quatro e assim por diante até completar as combinações de valores de
verdade das variáveis. Como nos seguintes exemplos:
Nas tabelas de verdade complexas, outro pormenor a que se deve dar muita aten
ção é a ordem pela qual se começa a determinar os cálculos dos valores de verdade.
Como se calcula o valor de verdade da proposição < ("^P A (Q “* P)' —* "’P) de modo a
determinar se é uma tautologia, contradição ou contingência? A ideia fundamental e
começar pelas conetivas que têm menor âmbito e avançar sucessivamente para as
conetivas que tém maior âmbito. A ordem para a forma proposicional em análise é a
seguinte:
i-
12 1 3 2
((-p A (q -»p)) —• -'pj
Para se entender como este método funciona vejamos um exemplo simples. Conside
re-se o seguinte argumento:
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- ■.
Se Deus existe, não há mal no mundo.
Mas há mal no mundo. Logo, Deus não existe.
---------------------------------------- -------------------------------------------------------------- -.
p = Deus existe.
q = Há mal no mundo.
■- __________
(1} [p * -tfl
(2) q
(3) :. -P
Ou, na horizontal:
47
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Na página 47 destacamos que se existir pelo menos uma circunstância (linha} em que
todas as premissas sào verdadeiras e a conclusão é falsa, então uma dada fórmula argu-
mentativa é inválida. Caso contrário, tal fórmula argumentativa é válida Como se pode
constatar ao analisar o presente inspetor de circunstâncias, a fórmula argumentativa
(p —* ”q). q ~p é válida dado que não há qualquer circunstância em que as premissas
sejam todas verdadeiras e a conclusão falsa.
■■---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
(1} A minha morte será um sono perpétuo ou a minha morte sera a entrada para
uma vida melhor.
(2) Se a minha morte for um sono perpétuo, entào eu não devo ter medo da morte.
(3) Se a minha morte for uma entrada para uma vida melhor, então eu nâo devo ter
medo da morte.
(4) Logo, de qualquer forma, eu não devo ter medo da morte.
- ---------------------------------------------------------------------------------------- ■%.
(p v g). (p -* “'0. (g —* -d t
____________________________________________________
P <? r <P V (P —
(g -► -rj ■ r
V V V V V V V F FV V F FV F V
V V F V V V V V VF V V VF V F
V F V V V F V F FV F V FV F V
IÃJ| auLadigital V F F V V F V V VF F V VF V F
43
2. Lógica formal
Modus totíens
11) {4 É3)
l.2j
13) -4
r----------------------------------------------------- 1
Silogismo disjuntivo
(TJ (A V B) (1> (A V 8|
(2> -A cu (2) ~>B
|3j Z.8 (3> A A
(1) ( -p —■ (g r)}
(2} -p
(3) ■ ■■ (q - r)
Dado que neste caso a formula complexa "*p pode ser abreviada pela variável de fór
mula A e a formula complexa (q —► r) pode ser abreviada pela variavel de fórmula B. con
seguimos ver que se trata de uma estrutura de modus ponens.
Além das quatro inferências lógicas apresentadas, poderá ser útil, para clarificar teses
filosóficas ou para fazer inferências, saber algumas equivalências lógicas Mas o que sào
equivalências lógicas? Duas fórmulas proposicionais com os mesmos valores de verdade
em quaisquer circunstâncias são formulas equivalentes. Ora, se tivermos fórmulas equi
valentes, entào de uma dada fórmula equivalente podemos inferir a outra mantendo os
mesmos valores de verdade. Assim, quando temos equivalências podemos também fazer
inferências válidas. É útil dominar as seguintes três inferências lógicas: as duas leis de
De Morgan e a contraposição.
49
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Notas
Com base no primeiro principio, podemos formular a primeira lei de
1 Uma vez que sào formulas eq uiva- De Morgan
lentes, a primeva lei de De Morgan
também se pode expressar da se r
------------------------------------------------
(1j tA B)
(2) (-8 -» -4J
_________________________ ____________________________
Por fim, existem algumas formas de inferência válidas que nos ajudam a simplificar
proposições complexas sem cometermos qualquer erro de raciocínio lógico. Poderá ser
útil conhecermos a seguinte inferência designada como dupla negação:
(1) ’ -A
(2)
Ou seja, de uma fórmula corri dupla negação podemos inferir a sua afirmação
Em primeiro lugar, não se pode confundir o modus ponens com a falácia da afirmação
da consequente
Enqua nto o modos ponens e vá lido, esta fala cia da afi rmaçào da conseq ue nte é inválida
Pode constatar-se isso de duas formas:
50
2. Lógica formal
Por exemplo:
Neste exemplo, as premissas podem ser verdadeiras e a conclusão falsa (posso estar
em Coimbra ou qualquer outro local de Portugal que não Lisboa}.
Em segundo lugar, é importante nâo confundir o modus tolíens com a falácia da nega
ção da antecedente
Aqui também estamos perante uma formula argumentativa inválida e, por isso, falacio
sa, dado que podemos ter premissas verdadeiras e conclusão falsa {sendo isso verificável
através da construção de um inspetor de circunstâncias}.
51
Ferramentas do Trabalho Filosófico
RESUMO
Negação <não> -
Conjunção *e> A
Designação Função
52
2. Lógica formal
- silogismo hipotético
• Duas importantes falácias formais:
- silogismo disjuntivo
- Falácia da afirmação da consequente: |4 —* 8|. 8 .‘.A - leis de De Morgan
53
Questões resolvidas e questões propostas
GRUPO I
Nas questões do Grupo I, seleciona a única alternativa correta.
1- Compara os dois argumentos que se seguem e depois seleciona a alternativa que os avalia
corretamente.
Argumento 1: Se estou em Lisboa, então estou em Portugal Estou em Lisboa. Logo, estou
em Portugal.
Argumento 2: Se estou em Lisboa, então estou em Portugal. Não estou em Portugal. Logo,
não estou em Lisboa.
(D) não e verdade que «ando a correr* e não e verdade que «estou na praia*
6. Considerando quep abrevia «Estou na praia», q abrevia «Estou a nadar» e r abrevia «Está sol»,
a frase «Não estou na praia nem estou a nadar caso não esteja sol» expressa uma proposição
com a seguinte forma lógica:
(A)rpA-q}-»-f) (C) (“* r —» (p A q))
|B)(-r->rpA-’q)| (DirpA-qiA-r)
9 A partir de «Se não vou á praia, então nao estã calor» e de «está calor», por modus toílens, in
fere-se que
10. Pelas leis de De Morgan, a afirmação «Nao e verdade que estou na praia e estou no cinema» é
o mesmo que afirmar
1. Determina quais das seguintes fórmulas são «formulas bem formadas» e quais não são.
a) íp —* -'q A
b) rrpA-q»
«J
d) rs->rí<-»(uA(rVr)))
e) «(p-► q) A —-p)
a) Deus existe no pensamento. Ora. se Deus existe no pensamento e nào na realidade, então
um ser mais perfeito do que Deus é concebível. Mas nào é concebível um ser mais perfeito
do que Deus. Deste modo. Deus existe na realidade.
RESOLUÇÃO
Representação canónica:
(T| Deus existe no pensamento.
•;2J Se Deus existe no pensamento e não na realidade, entào um ser mais perfeito do que Deus e concebível.
(3| Não é concebível um ser mais perfeito do que Deus.
(4| Logo. Deus existe na realidade.
Dicionário: Formalização:
p = Deus existe no pensamento. i1l p
q = Deus existe na realidade. ]2) «p A -qi _ r)
r = Um ser mais perfeito do que Deus e concebível. PI T
q
Não é verdade que se Aristóteles tiver razão, a arte é trivial. A arte e trivial ou é imitação. Logo,
a arte é imitação.
d) Deus nào quer evitar o mal ou ele nào o pode fazer. Se Deus não quer evitar o mal, então ele
não é totalmente bom. Se Deus não pode evitar o mal. então ele não é omnipotente. Portanto.
Deus não é totalmente bom ou não é omnipotente.
e) Temos conhecimento moral. Isto porque1 se nós temos conhecimento moral, então os princí
pios morais básicos são demonstráveis ou autoevidentes. Ora. eles são tanto demonstráveis
como autoevidentes.
1A expressão <isto porque» e um indicador de premissa. Ou seja, a seguir a essa expressão estão as premissas que
justificarão a conclusão, que esta antes de <sto porque*.
Queitõe* reiolvid-ai e quc-stõei propoita»
a) <(p A q1
) -» (p A (p —•
RESOLUÇÃO
e) -,«(p-*q)Ap)-*g)
a) Se está a chover, então abro o guarda-chuva. Mas não está a chover. Por tsso, não abro o
guarda-chuva.
b) Se há conhecimento, as nossas crenças estão justificadas Mas as nossas crenças não estão
justificadas. Logo, não há conhecimento.
c) A indução não é justificável. Se a indução não e justificável, a ciência não é uma atividade
racional. Logo, a ciência não é uma atividade racional
d) A causa do universo é ou uma causa impessoal ou um Deus pessoal. Mas a causa do universo
não é impessoal. Portanto, a causa do universo é um Deus pessoal.
e) Se os animais têm sensações ou são conscientes, então eles são dignos de respeito. Ora, os
animais são dignos de respeito. Logo, os animais têm sensações ou são conscientes.
57
Ferramentas do Trabalho Filosófico
•Lógica informal
3. argumentos de autoridade.
Argumentos indutivos
Existem dois tipos de argumentos indutivos muito recorrentes: generalizações e pre
visões. Num argumento indutivo por generalização, extraímos uma conclusão geral (que
inclui casos de que nào tivemos experiência) a partir de um conjunto de premissas refe
rentes a alguns casos de que já tivemos experiência. Por exemplo:
-------------------- s
f
Num argumento indutivo por previsão baseamo-nos num conjunto de premissas refe
rentes a alguns acontecimentos observados no passado para inferir uma conclusão acer
ca de um acontecimento futuro. Por exemplo:
f '
(1) Todos os rubis observados até hoje são vermelhos.
(2) Logo, (provavelmente) o próximo rubi que observarmos será vermelho.
I.___________ =___________________________________ J
Como avaliar estes dois tipos de indução? Ha doits critérios centrais de avaliação que
nos ajudam a determinar se estamos perante uma boa ou uma má indução. Uma boa indu
ção satisfaz os seguintes critérios:
58
3. Lógica mf ormal
De acordo com o critério 1, a amostra, para se fazer a indução, deve conter um número
relevante de casos observados e não se podem evitar os contraexemplos (ou casos con
trários). Suponha-se que alguém apresenta o seguinte argumento:
--------------- --------------------
Parece obvio que este argumento e bastante fraco e a razão tem a ver com a violação
do critério 2. Ou seja, os casos observados por aquele político não permitem inferir in
dutivamente aquela conclusão, porque a amostra é tendenciosa e só está a analisar um
determinado universo do conjunto de todos os portugueses (a saber, não se analisou o
grupo das pessoas que não vão à missa). Quando este critério 2 é violado, comete-se a
falácia da amostra não representativa
59
Ferramentas do Trabalho Filosófico
r---------- -------------------\
Para avaliar este tipo de argumento há um conjunto de critérios a que se deve atender:
(1) O livro X é semelhante ao livro X, dado que ambos têm o mesmo número de
páginas, são feitos do mesmo tipo de papel e têm a mesma cor na capa.
(2) O livro Y é um excelente livro de literatura.
(3) Por isso, o livro X também é um excelente livro de literatura.
Como se pode constatar, as características em consideração nesta analogia não são re
levantes ou pertinentes para determinar a qualidade literária do texto do livro; assim, esta
mos perante um argumento de analogia bastante fraco, dado que não satisfaz o critério 1.
O critério 2 sublinha que não devem existir diferenças relevantes para a característica
que se visa inferir por analogia na conclusão. Um exemplo de um mau argumento de ana
logia que desrespeita este critério é o seguinte:
60
3. Lógica mf ormal
Sera que o argumento comete a falácia da falsa analogia? Isso é defensável, pois pode
argumentar-se que existem diferenças significativas entre o universo e uma máquina. Por
exemplo, enquanto uma máquina tem em geral uma função, sendo criada para realizar
um determinado propósito específico, é bastante disputável que o universo tenha uma tal
característica.
Argumentos de autoridade
Num argumento de autoridade recorre-se ã opinião de um perito ou de um especialis
ta para reforçar a aceitação de uma determinada proposição, tendo em geral a seguinte
estrutura:
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ "T],
(1) Uma autoridade diz que 4 (sendo 4 a abreviatura de alguma proposição}.
(2) Logo, | provavelmente'! 4 é o caso.
J
Uma vez que somos seres sociais e que a maior parte daquilo que sabemos depende
dos outros, no nosso dia-a-dia utilizamos muito esta estrutura argumentatrva: por exemplo,
quando vamos ao médico e ele nos diz que um determinado medicamento nos vai curar ou
quando um dentista diz como é composta uma determinada molécula, entre outros casos.
61
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Na filosofia, por vezes também surgem argumentos com esta estrutura. Aqui fica um
exemplo:
r---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
(1) Platão é um filósofo de renome e defende que existem almas imortais.
12) Logo, existem almas imortais.
I.
Será este um bom argumento de autoridade ou aqui a autoridade está a ser usada de
forma abusiva? Para determinar isso, é preciso considerar os seguintes critérios:
De acordo com o critério 1, num argumento de autoridade deve indicar-se a fonte dessa
ideia. Assim, por exemplo, para se concluir legitimamente que uma determinada molécula
tem uma determinada composição química não basta alegar que um cientista ou um deter
minado estudo afirma isso sem especificar qual é o nome do cientista ou o nome do estudo.
Quanto ao critério 2, este indica que a autoridade a que se está a recorrer deve ser
efetivamente uma autoridade relevante na área para se estabelecer a conclusão. Assim,
não se pode, por exemplo, recorrer a um especialista em física para inferir uma conclusão
na área da economia nem vice-versa. Aém disso, essa autoridade nâo deve ter interesses
pessoais, ou enviesa mentos, no assunto em consideração, de forma a ser imparcial. E. por
fim, é muito importante sublinhar que aquilo que a autoridade afirma deve ser amplamente
consensual entre as autoridades na área em consideração; ou seja, o que é afirmado pela
autoridade numa dada área não é disputado por outros especialistas dessa área.
G2
3. Lógica mf ormal
• Uma falácia formal é uma dedução inválida que parece válida (como as falacias
da afirmação da consequente ou da negação da antecedente).
• Uma falácia informal é um erro de argumentação que não depende da forma
lógica do argumento; ao invés, o seu caráter enganador deve-se ao seu conteúdo.
Petição de princípio
Comete-se a falácia da petição de princípio quando se pressupõe nas premissas aqui
lo que se quer ver provado na conclusão. Por exemplo:
Falso dilema
Incorre-se numa falácia de falso dilema quando numa das premissas se consideram
apenas duas possibilidades ou alternativas, quando na realidade existem outras possibili
dades que não estão a ser devidamente consideradas. Por exemplo:
(1) O José é um bom aluno ou será sempre um fracassado ao longo da sua vida.
(2) Mas o José não é um bom aluno.
(3) Logo, o José será sempre um fracassado ao longo da vida.
63
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Repare-se que a nrvel formal não há qualquer problema com este argumento, pois
é um exemplo de um silogismo disjuntivo (que é uma das formas de inferência válida
que analisamos no capítulo 2). Contudo, a nível informal e do conteúdo, se a disjunção
expressa na premissa 1 for falsa, ainda que à primeira vista pareça verdadeira, o argu
mento deve ser caracterizado como falacioso. Ora, no argumento em análise estamos
perante um falso dilema uma vez que as duas hipóteses em consideração não esgotam
todas as possibilidades sobre a vida do José. Ainda que uma pessoa não seja bom aluno
pode ter sucesso ao longo da vida (existem contraexemplos de grandes empresários e
de grandes cientistas que, apesar de não terem sido bons alunos, têm uma vida repleta
de méritos).
“a
(1) O governo eliminou os impostos sobre os combustíveis no primeiro trimestre
e o desemprego diminuiu no segundo trimestre.
(2) Logo, o desemprego desceu por causa da eliminação dos impostos nos com
bustíveis.
Este é um mau argumento, pois a descida do desemprego após a eliminação dos im
postos pode dever-se a outros fatores como, por exemplo, as empresas estarem a investir
mais, haver mais procura de produtos, etc. Estamos perante uma falácia deste tipo sempre
que se conclui que há uma relação causal (causa-efeito) entre dois eventos que ocorrem
um após o outro.
Ad homínem
Numa falácia ad homínem. ou de ataque ã pessoa, procura descredibilizar-se uma de
terminada proposição ou argumento atacando a credibilidade do seu autor. Por exemplo:
(1) Defendes que Deus não existe apenas porque estás a seguir a moda.
(2) Logo, Deus existe.
64
3. Lógica informal
Ad populum
Esta falácia e parecida com a falácia do apelo ilegítimo
à autoridade. Mas, em vez de se apelar a uma autorida
de específica, no caso da falácia ad popu/um (em portu
guês, <apelo ao povo*) recorre-se à opinião popular ou á
da maioria. Por exemplo:
*
(1) Quase toda a gente come animais e não vê
problema nisso.
<2) Logo, náo há problema em comer animais.
Apelo à ignorância
A falácia do apelo â ignorância consiste em tentar provar que uma proposição é verda
deira porque ainda não se provou que é falsa, ou que é falsa porque ainda não se provou
que e verdadeira. Por exemplo:
Este tipo de argumento é falacioso, pois o facto de não se conseguir determinar o valor
de verdade de uma dada proposição não é suficiente para que possamos concluir que tal
proposição seja falsa.
Boneco de palha
Através da falácia do boneco de palha, ou espantalho, pretende mostrar-se que se
refutou um determinado argumento ou teoria através da refutação da versão distorcida e
enfraquecida do mesmo. Por exemplo:
(1) Uma política que aceite refugiados está a abrir as fronteiras do país sem
restrições.
(2) Mas, numa era de terrorismo, é perigoso abrir de tal forma as fronteiras.
(3) Logo, deve rejeitar-se uma política que aceite refugiados.
65
Ferramentas do Trabalho Filosófico
Com este argumento pretende defender-se uma política contra refugiados. Porém, na
premissa 1 distorce-se, ou faz-se um espantalho, da posição sustentada pelos defensores
típicos da política a favor dos refugiados. Ou seja, quem defende uma política de apoio a
refugiados não defende a premissa 1. O problema neste argumento é que. deste modo,
critica-se uma mera caricatura da posição em consideração.
Derrapagem
A falácia da derrapagem, ou bola de neve, ocorre quando se tenta mostrar que uma
determinada proposição é inaceitável porque a sua aceitação conduziria a uma cadeia de
implicações com um desfecho inaceitável, quando, na realidade, ou um dos elos dessa ca
deia de implicações é falso, ou a cadeia no seu todo é altamente improvável. Por exemplo:
(1) Se permitirmos o casamento entre pessoas do mesmo sexo, não tarda esta
remos a permitir a poligamia, o incesto e até a pedofilia.
(2) Mas isso é claramente errado, dado que conduzirá ao fim da civilização.
(3) Logo, não devemos permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
L__________________ __________________ ____________________ J
Estamos perante uma falácia da derrapagem, uma vez que as premissas sustentam
relações causais muito duvidosas. Ou seja, do casamento homossexual não se seguem
causal mente coisas como a pedofilia ou o fim da civilização.
RESUMO
66
3. Lógica mf ormal
- Falso dilema: quando numa das premissas se consideram apenas duas pos • falácia informal
sibilidades ou alternativas e na realidade existem outras possibilidades que • falácia da generolizaçâo
não estão a ser devidamente consideradas. precipitoda
- Falsa relação causal: quando se atribui erradamente uma relação causal a • falácia da amostro não
dois estados ou eventos com base numa sucessão temporal. representotiva
- Ad bominem: quando se procura descredibilizar uma determinada proposi
• falácia da falsa analogia
ção ou argumento atacando a credibilidade do seu autor.
• falácia de opelo ilegítimo
- Adpapulum quando se recorre ilegitimamentea opinião popular ou a maio
á outondade
ria para provar a verdade de algo.
• petição de princípio
-Apelo ã ignorância: quando se tenta provar que uma proposição e verda
deira porque ainda não se provou que e falsa, ou que e falsa porque ainda • falso dilema
não se provou que e verdadeira.
• falso relação causal
-Boneco de palha: quando se pretende mostrar que se refutou um deter • ad hominem
minado argumento ou teoria através da refutação da versão distorcida e
enfraquecida do mesmo. • ad populuai
- Derrapagem: quando se tenta mostrar que uma determinada proposição é • apelo à ignorãncio
inaceitável porque a sua aceitação conduziria a uma cadeia de implicações • boneco de polha
com um desfecho inaceitável, quando, na realidade, um dos elos dessa ca
deia de implicações e falso ou improvável. • derrapagem
67
Ferramentas do Trabalho Filosófico
ESQUEMATIZANDO
Generalizações Previsões
PETIÇÃO DE PRINCÍPIO
FALSO DILEMA
AD HOMINEM
AD POPULUM
APELO Ã IGNORÂNCIA
FALÁCIAS
INFORMAIS • BONECO DE PALHA
: DERRAPAGEM
G
FALÁCIA DA GENERALIZAÇÃO
PRECIPITADA
j FALÁCIA DA AMOSTRA
REPRESENTATIVA
: FALSA ANALOGIA
G
G
G
G
* APELO À AUTORIDADE
68
Questões propostas
GRUPO I
a) De uma lata com 1000 feijões, retirámos aleatoriamente uma amostra de 50 feijões brancos
e 50 feijões pretos, o que nos permite inferir dedutivamente que os feijões brancos e pretos
estão em igual número dentro da lata.
b) Os raciocínios por indução argumentam a partir de um caso ou exemplo específico para pro
varem que outro caso, semelhante ao primeiro em muitos aspetos, é também semelhante
num outro aspeto determinado.
c) Ainda que às vezes seja apropriado citar uma autoridade para suportar uma opinião, a maioria
das vezes não o é. O apelo à autoridade é especialmente impróprio se a pessoa não está
qualificada para ter uma opinião de perito no assunto ou se não há acordo entre os peritos do
campo em questão.
d) As falácias formais sào aquelas que sõ podem ser detetadas através de uma análise do con
teúdo do raciocínio.
e) <O sol nasce quando o galo canta, portanto o canto do galo faz o sol nascer.» Este é um exem
plo da falácia da falsa relação causal.
f) Quando afirmamos <Einstein era um pacifista; logo, o pacifismo tem de ser uma posição cor
reta», estamos a cometer uma falácia od hominem.
fiO E is uma falácia da derrapagem: *Dado que não estou a mentir, segue-se que estou a dizer a
verdade.»
h) Numa falácia od hominem ataca-se quem defende um argumento e nào o próprio argumento.
i) A falácia da derrapagem baseia-se numa sequência de implicações que parecem verdadei
ras, mas sào falsas.
j) A validade ou força dos argumentos indutivos não exclui a falsidade da conclusão, mesmo
que as premissas sejam verdadeiras, mas torna improvável que a conclusão seja falsa.
GRUPO II
Responde de forma direta e objetiva às questões que se seguem.
1. Identifica a falácia informal que ocorre em cada um dos argumentos seguintes. Apresenta uma
breve justificação das tuas respostas.
a) Tal como os bombeiros, as hospedeiras usam farda. Os bombeiros apagam fogos. Logo, as
hospedeiras também apagam fogos.
b) o trovão ocorre sempre depois do relâmpago. Logo, o trovão é causado pelo relâmpago.
c) O Luís está a defender que um futebolista ganhe muito dinheiro, justamente porque o irmão
dele é futebolista.
d) O João viu um gato preto antes de escorregar. Logo, ele escorregou porque viu um gato preto.
e) O João disse á mãe: *No teste de Filosofia, tirei 8 Mas. mais 0.5 dava 8,5; ora, isso arredonda
para 9; e já sabes que com 9 todos os professores arredondam para 10. Por isso, vou passar
a Filosofia.»
Ferramcntai do Trabalho Filoiófico
Questões propostas
f) O Principezinho pergunta ao bêbado: «Estás a fazer o quê?* Este responde: «Estou a beber.*
O Principezinho insiste: «Estás a beber porquê?* «Para me esquecer*, responde o bêbado.
Curioso volta a questionar: «Para te esqueceres de quê?» Este responde: «Para me esquecer
de que tenho vergonha.» «Mas vergonha de quê?*, volta a insistir o Principezinho. Responde
o bêbado: «Vergonha de beber.*
g) A pena de morte é uma punição justa nalguns casos. Porque há casos tão graves que, se o
criminoso fosse condenado a uma pena mais leve, não seria feita justiça.
h) E evidente que o universo ê infinito, porque, se nâo fosse, já se teria conseguido determinar
o seu tamanho.
i) A lógica proposicional ê uma teoria errada. Eles dizem que os argumentos válidos levam a
conclusões verdadeiras, mas é óbvio que isso nem sempre acontece.
j) Ou tudo o que fazemos ê involuntário ou todas as nossas ações são voluntárias. Quando
corremos ou jogamos ã bola, isso náo ê involuntário. Logo, todas as nossas ações são volun
tárias.
GRUPO III
Responde de forma direta e objetiva ás questões que se seguem.
sócrates: Imagina uma caverna subterrânea que tem a toda a sua largura unia abertura por onde en
tra Livremente a luz e, nessa caverna, homens presos desde a infância, de tal modo que nâo possam
mudar de lugar nem volver a cabeça devido às correntes que lhes prendem as pernas e o tronco, po
dendo tâo-sõ ver aquilo que se encontra diante deles. Supõe igualmcnte que eles consideram reais as
sombras projetadas na parede.
glauco: Estou a imaginar tudo isso. Mas nâo julgariam eles que nada existiria de real além das som
bras?
sócrates: Exatamente! Para eles, aquelas sombras sào a única realidade.
glauco: Mas o que pretendes concluir?
sócrates:Póis. meu querido Glauco, c essa, precisamente, a imagem da condição humana. Ora. tal
como aqueles prisioneiros, também nós muitas vezes confundimos a aparência com a realidade e
julgamos verdadeiro o que ê falso. É verdade que nào estamos presos por correntes metálicas como
aqueles prisioneiros, mas por outro género de "correntes", que nào imobilizam o corpo mas sim a
mente, como c o caso da preguiça, medo, vícios, e falta de espírito crítico.
1. Representa canonicamente (com duas premissas e uma conclusão) o argumento náo dedutivo
presente neste texto.
2. Que tipo de argumento náo dedutivo está descrito neste texto? Justifica.
3. Será que o argumento não dedutivo descrito neste texto é forte ou fraco?
Justifica adequadamente a tua resposta, começando por enunciar os critérios de avaliação
desse tipo de argumento.
70
■
A Ação Humana
e os Valores
No presente contexto, o conceito de liberdade » que nos vai interessar tem um sig
nificado muito especifico e está intimamente ligado com a noção de ^responsabilidade
moral». Dizer que alguém agiu livremente, neste sentido, é dizer que esse agente é, de
algum modo, responsável por essa ação. E afirmar que existem açòes livres é o mesmo
que dizer que existe livre-arbítrio
Temos IrvTe-arbítrio se, e só se, algumas das coisas que acontecem dependem,
em última análise, da nossa vontade.
Assim, o problema de que nos iremos ocupar ao longo deste capítulo 4 pode ser desig
nado «problema do livre-arbítrio’ e pode ser formulado conforme se segue:
Por exemplo, suponhamos que hoje de manhã tínhamos ao nosso disporás seguintes
possibilidades para o pequeno-almoço: tomar chá, leite com chocolate, leite com café,
leite com cereais ou não tomar nada. Imaginemos ainda que, depois de pensarmos so
bre o assunto, optámos por tomar leite com café. À partida, parece-nos certo que, embo
ra essa decisão possa ter sido influenciada por vários fatores (como os hábitos e rotinas
da nossa família, os alimentos que tínhamos ã nossa disposição, as necessidades do
nosso organismo, etc.), ela dependia, em última análise, da nossa vontade, isto é, do
nosso livre-arbítrio
Mas se este nos parece ser um modo tão natural de pensar sobre aquilo que fazemos,
então por que razão haveremos de duvidar da existência de livre-arbítrio?
72
4. Determinismo e liberdade na ação humana
O problema surge porque aparentemente também nào conseguimos viver sem assumir
que as mesmas causas terão os mesmos efeitos. Por exemplo, se voltarmos a considerar
o cenário hipotético do nosso pequeno-almoço, acabamos por constatar que quando nos
levantámos para tomar o pequeno-almoço assumimos que o châo nào ia desaparecer de
um momento para o outro debaixo dos nossos pes, que o leite ia aquecer se fosse exposto
a um certo aumento de temperatura, que o chocolate em po ia dissolver-se no leite, etc.
E se algum destes acontecimentos nào ocorresse conforme o previsto, nào nos limitaría
mos a encolher os ombros e a pensar: «Bem, hoje é daqueles dias em que o chão desapa
rece {ou o leite não aquece ou o chocolate em pó não se dissolve}?* Trataríamos de tentar
perceber por que é que as coisas nào estavam a decorrer como era suposto, procurando
algum tipo de causa que permitisse explicar essas ocorrências: «Terá havido um tremor de
terra?*; «O fogão (ou o micro-ondas) estará avariado?*; «Será que o leite está estragado?*;
«O que é que há de errado com o leite ou com o chocolate em pó?»; «Será que me enganei
e afinal nào é leite o que está no copo?*; «Estarei a alucinar?*; etc.
Uma forma de explicar esta atitude consiste em assumir que ela se deve ao facto de
termos uma forte convicção de que tudo o que acontece é a consequência necessária do
passado e das leis da natureza. Esta perspetiva ficou conhecida por ^determinismo*.
73
A Ação Humana e os Valore*
«Rodemos encarar o estado atua) do universo como o efeito do seu passado c a causa
do seu futuro.
Consideremos um intelecto que, num certo momento, conhecesse todas as forças que
põem a natureza em movimento e todas as posições de todos os objetos que compõem a
natureza. Se este intelecto fosse também suficicntemrntr vasto pura analisar todos esses
dados, abrangeria numa única fórmula os movimentos tanto dos maiores corpos do uni
verso como do átomo mais ínfimo. Para esse intelecto nada seria incerto e o futuro, como
Pierre-Simon de
o passado, estaria diante dos seus olhos.»
Laplace
(1749-1827) Picire Siman I Marquês- deí l-upl.icc, Essal Plrilbsophfcjuc stir Jrs Proòabilfltes,
New 'Stork. Cambrldgt* Uniwrsity Press pp 3-4
Assim, de acordo com o determinismo, vivemos num universo com certas leis naturais
que regem as relações entre todas as partículas físicas e, por isso, não é possível que as
mesmas causas tenham efeitos diferentes, ou seja, dadas as mesmas condições iniciais,
as leis da natureza encarregam-se de gerar, necessariamente, os mesmos resultados. Daí
que quando alguma coisa não acontece como era suposto, tenhamos tendência a procu
rar saber o que é que aconteceu de diferente no passado para que tal tivesse sucedido.
• a crença no determinismo;
Mas se as nossas ações são a consequência necessária de fatores sobre os quais não
temos qualquer tipo de controlo, então como podem elas depender de nós?
74
4. Determinismo e liberdade na ação humana
Deste modo, parece que, antes de responder à pergunta inicial («Será que temos, efe
tivamente, livre-arbítrio?»} — daqui em diante designada «problema tradicional* — importa
debruçarmo-nos sobre o chamado «problema da compatibilidade- , ou seja, sobre o pro
blema de saber se o livre-arbítrio ê {ou não) compatível com o determinismo. Este proble
ma pode ser assim formulado: «Será o IrvTe-arbrtrio compatível com o determinismo?»
Hã duas respostas possíveis para este problema: o incompatibilismo e o compatibilismo
Ao passo que
f 1
1. O livre-arbítrio é incompatível com o determinismo.
2. Tudo está determinado.
e, por conseguinte,
3. Não temos livre-arbítrio.
75
A Ação Hum-ana e oi Valores
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- '
1. O livre-arbitrio e compatível com o determinismo.
2. Tudo está determinado.
e
3. Temos livre-arbítrio.
- ,
Estas questões revestem-se de uma grande importância filosófica pois sem lhes dar
uma resposta satisfatória teremos dificuldade em entender o que é que significa agir, em
que medida podemos ser responsabilizados (ou nào) por algumas das coisas que aconte
cem e até mesmo perceber se as pessoas merecem {ou não) ser punidas pelas suas más
ações. Se chegarmos á conclusão de que nào temos livre-a rbrtrio e que nunca poderíamos
agir de maneira diferente daquela como efetivamente agimos, poderemos ter de rever al
gumas das nossas práticas habituais, como o elogio e a censura, o prémio e o castigo, etc.
A resposta incompatibilista
Começando então pelo problema da compatibilidade, vamos dar início á discussão ex
plorando de forma mais detalhada a linha argumentativa seguida pelos incompatibilistas.
Um dos argumentos incompatibilistas mais discutidos foi formulado pelo filósofo norte-
-americano Peter van Inwagen. Este argumento - daqui em diante designado ^argumento
da consequência* - diz-nos, resumidamente, o seguinte:
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
(1} Se o determinismo é verdadeiro, então não temos possibilidades alternativas.
(2) Se nâo temos possibilidades alternativas, então não temos livre-arbítrio.
(3} Logo, se o determinismo e verdadeiro, entào não temos livre-arbítrio.
{De 1 e 2, por silogismo hipotético)
Como podes constatar, este argumento é válido, pois trata-se de um exemplo de silo
gismo hipotético. Isto significa que, se aceitarmos todas as suas premissas, somos racio
na Imente forçados a aceitar a sua conclusão Mas sera sólido?
Defesa da premissa 1
Para defender a premissa 1, os incompatibilistas podem tentar mostrar que, se enten
dermos o determinismo como a tese de que o passado e as leis da natureza determinam
em cada instante um único futuro, entào, visto que nào controlamos o passado, nem as leis
da natureza, segue-se daqui que caso o determinismo seja verdadeiro, quando agimos
nào temos genuinamente possibilidades alternativas. E precisamente esta ideia que van
Inwagen parece sugerir na obra Uni Ensaio sobre o Livre-arbítrio, ao afirmar o seguinte:
Pcter van Inwagen. An Krociy <wi ftw Wllf. OacRinJ. cLirendon Frcss llWJl, p. l(>
Defesa da premissa 2
No que diz respeito à premissa 2, os incompatibilistas têm feito notar que intuitivamente
so consideramos que alguém agiu de livre vontade quando sentimos que a pessoa podia
ter agido de outro modo. Caso contrário, não nos parece apropriado responsabilizar a
pessoa pelo curso dos acontecimentos. Vejamos o seguinte excerto:
«Suponha que o raptam e o obrigam a cometer uma serie de crimes terríveis. O raptor
fã lo disparar sobre a primeira vítima forçando-o a premir o gatilho de uma arma,
hipnotiza o para que envenene uma segunda e depois empurra o de um avião fazen
do o esmagar uma terceira. Milagrosamente, sobrevive ã queda. A situação deixa-o
atordoado, aliviado por ter chegado ao fim a dolorosa experiência. Mas então. para sua
surpresa., é detido pela polícia, que o algema e o acusa de homicídio. Os pais das vítimas
gritam lhe obscenidades enquanto a policia o leva, humilhado, listarão os pais e polícia
a ser justos ao culpa lo pelas mortes?»
Iheodort* SKÍct & Earl Concc. Enlgniuv dei EXfcícix kr. Trud. Vítor Guerreiro. Ijsboi. BtzãriclD . p. 145
A resposta compatibilista
Uma vez que não aceitam o argumento dos incompatibilistas, os compatibilistas terão
de rejeitar pelo menos uma das suas premissas. Isto significa que existem pelo menos
duas linhas de argumentação possíveis para os compatibilistas:
78
4. Determinismo e liberdade na ação humana
A estratégia utilizada pelos compatibilistas clássicos passa por uma interpretação muito
específica do conceito de «possibilidades alternativas-. Tipicamente, entendemos o con
ceito de possibilidades alternativas do seguinte modo:
Por exemplo, supõe que apesar de teres vários testes na próxima semana foste convida
do para uma festa ã qual tens imensa vontade de ir. Mas vamos supor também que, ainda
assim, decidiste ficar em casa a estudar para os testes da próxima semana. Assumindo que
o determinismo é verdadeiro, essa decisão foi a consequência necessária do passado e das
leis da natureza. Contudo, podemos ainda assim imaginar dois cenários alternativos, chame
mos-lhes «cenário A* e «cenário B>.
Oeste modo, podemos concluir que para os compatibilistas clássicos somos livres quan
do não somos coagidos, isto e, quando não somos impedidos de fazer aquik> que queremos
(ou forçados a fazer o que não queremos) por nenhuma pessoa ou circunstância externa.
Por exemplo, um homem que passa fome no deserto não é livre de ingerir alimentos, pois
ainda que desejasse ingerir alimentos não poderia fazê-lo, seria impedido de o fazer pela
sua circunstância. Pelo contrário, um homem que faz uma greve de fome por uma causa polí
tica é livre de ingerir alimentos, porque se quisesse ingerir alimentos poderia fazê-lo (ou seja,
não seria impedido de o fazer por nada nem por ninguém). Neste sentido, os compatibilistas
clássicos utilizam a palavra *liberdade* como sinónimo de ausência de coação.
r----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
r----------------------------------------------------------
b) *Se A tivesse escolhido agir de outro modo, então A teria agido de outro modo.*
%_____________________________________________________________________________ r-
r
a) «A podia ter escolhido agir de outro modo.»
L
80
4. Determinismo e liberdade na ação humana
seja verdadei ra (isto é, a menos que o agente pudesse efetivamente ter escol hido ag ir de outra
maneira), e perfeitamente possível imaginar uma situação em que a frase b) e verdadeira, ao
passo que a frase a) é falsa. O que significa que estas duas afirmações não podem, afinal, ter
o mesmo significado. Para ilustrar o que está aqui em causa, atentemos no seguinte exemplo:
O exemplo, mostra que há situações em que é verdade que «Um dado agente, 4, po
dia fazer uma dada ação x, se assim o tivesse desejado*; embora seja falso que <4 podia
efetiva mente fazer x».
Este princípio foi aceite de forma praticamente consensual até à publicação do artigo
«Responsabilidade Moral e o Princípio das Possibilidades Alternativas* (1969), de Harry
Frankfurt. Nesse artigo, Frankfurt inventou uma experiência mental que constitui um
contraexemplo a este princípio, isto é, um exemplo que procura contrariar este princípio.
Este tipo de experiência mental ficou conhecido como «casos de Frankfurt*.
.■------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ ■.
1. Um agente, A, toma uma determinada decisão, D.
2. Se A não decidir D, por si mesmo, C entra em ação e força A a decidir D.
3. C em nada contribui para que A decida D.
A Ação Hum-ana e oi Valores
Por exemplo, suponhamos que Black é o chefe de uma poderosa organização crimino
sa e que Jones é um dos mais eficientes assassinos dessa organização. Black quer matar
o Presidente e sabe que Jones é a pessoa certa para o trabalho. No entanto, existem ru
mores de que Jones quer abandonar a profissão, razão pela qual o seu compromisso para
com a organização é incerto.
Nesse momento, Black recorda-se de uma das invenções mais recentes dos cientistas da
sua organização — o <neuroscópio*. O <neuroscópio* é um aparelho que, uma vez introdu
zido no cérebro de uma pessoa, permite vigiar e controlar os seus estados cerebrais. Black
apercebe-se de que o <neuroscópio* lhe permite resolver dois problemas de uma só vez.
Imaginemos, agora, que Jones decide pelos seus próprios motivos matar o Presidente.
Nesse caso temos uma situação em que:
f—1 '
1. Jones toma, por si mesmo, a decisão de matar o Presidente.
2. Se Jones não decidisse, por si mesmo, matar o Presidente, o *neuroscópio»
entraria em ação e forçaria Jones a tomar essa decisão.
3. A presença do <neuroscópio» no cérebro de Jones em nada contribui para
a sua decisão de matar o Presidente.
<_________________________________________________________________________________
A conclusão que Frankfurk extrai deste tipo de casos é a seguinte: há situações nas
quais, apesar de não termos possibilidades alternativas, temos livre-artxtrio. Isto corres
ponde à negação do princípio das possibilidades alternativas, pois afirma a sua antecedente
(«não temos possibilidades alternativas») e nega a sua consequente {*temos livre-arbítrio»).
(1} Temos livre-arbítrio se. e só se, algumas das coisas que acontecem dependem
fundamentalmente da nossa vontade.
(2) Ainda que o determinismo seja verdadeiro e não existam possibilidades alternati
vas. algumas das coisas que acontecem dependem fundamentalmente da nossa
vontade (tal como demonstram os casos de Frankfurt}.
(3) Logo, ainda que o determinismo seja verdadeiro e não existam possibilidades
alternativas, temos livre-arbítrio.
82
4. Determinismo e liberdade na ação humana
• não tomar por si próprio a decisão e ser forçado a tomar essa decisão por fatores
externos ã sua vontade.
Para estes autores, é precisamente por causa destas duas possibilidades (de agir ou
de ser coagido) que temos a intuição de que, mesmo nestas circunstâncias, o agente é
dotado de livre-arbítrio. Como em termos práticos a diferença entre estes dois cursos de
ação é muito pequena, esta objeção ficou conhecida como «objeção das centelhas (ou
fa iscas) de liberdade •
Determinismo moderado
Conforme vimos anteriormente, se adotarmos o compatibilismo. podemos defender o
determinismo moderado e afirmar que apesar de o determinismo ser verdadeiro, temos
Irvre-arbítrio. Alem disso, também vimos que essa defesa pode assentar quer na ideia
de que mesmo num mundo determinista existem possibilidades alternativas {via análise
condicional), quer na ideia de que mesmo sem possibilidades alternativas podemos ter
Irvre-arbítrio {recorrendo aos casos de Frankfurt). Também vimos as objeções que cada
uma destas estratégias enfrenta. Por isso, resta-nos agora analisar o que é que as teo
rias incompatibilistas tém a dizer acerca do problema tradicional. E disso que nos iremos
ocuparem seguida, começando pela perspetiva libertista
Libertismo
Os libertistas podem completar o argumento da consequência do seguinte modo:
Defesa da premissa 4
Para os libertistas. a crença de que temos livre-arbítrio ê inegável, pois aparentemente
não somos capazes de viver, de fazer escolhas e de agir sem pressupor o livre-arbítrio.
Temos permanentemente a sensação de que. embora certas decisões possam ter sido
influenciadas por diversos fatores, elas dependem, em última análise, daquilo que decidi
mos fazer, isto é, da nossa vontade livre, ou livre-arbftrio. Os libertistas encaram isto como
um forte indício a favor da tese de que temos livre-arbítrio, pois consideram que e mais
Sofonista
Angu is sola, plausível assumir que isso se deve ao facto de, efetivamente, termos livre-arbítrio, do que
O Jogo de Xadrez a um erro permanente e sistemático da nossa parte.
(1555)
Além disso, conforme fazem notar alguns libertistas, se al
guém desatar a bater-nos, então, a menos que se trate de uma
pessoa com algum tipo de perturbação mental ou compulsão, é
inevitável pensarmos que está no seu poder parar de o fazer se
assim o desejar. Mas isso mostra que não conseguimos simples
mente assumir que as nossas ações decorrem naturalmente da
cadeia causal que compõe o universo, sobre a qual não temos
qualquer tipo de controlo. Somos irresistivelmente levados a as
sumir que algumas das coisas que fazemos dependem funda
mentalmente das nossas escolhas livres.
Objeção da ilusão
à semelhança dos libertistas, os deterministas radicais são incompatibilístas. por isso
estes autores não irão disputar a tese defendida na linha 3. Isto significa que, se não acei
tam a conclusão do argumento libertista, os deterministas radicais terão de dirigir o seu
ataque para a premissa 4. Alguns deterministas radicais, como Bento de Espinosa (1632-
-1677) e Arthur Schopenhauer (1788-1860}, consideram que a ilusão de que temos livre-
-arbítrio resulta do facto de termos consciência dos nossos desejos, mas ignorarmos as
causas que os determinam. Para estes autores, uma vez que, por vezes, fazemos aquilo
que queremos, temos a ilusão de que algumas das nossas ações são livres. Contudo, visto
que na realidade aquilo que queremos ou deixamos de querer não depende de nós, mas
sim de causas que ignoramos, não temos verdadeiro livre-arbítrio. É precisamente esta
ideia que Bento de Espinosa parece estar a defender no excerto que se segue:
«Uma pedra recebe do impulso de uma causa externa uma certa quantidade de movimento,
pela qual continuará necessariamente a mover-se mesmo depois do impulso externo ter para
do. [...] O que aqui se aplica á pedra pode ser dito de cada coisa singular, independentementr
da complexidade da sua estrutura e da variedade das suas funções. Pois todas as coisas singu
lares sào necessariamente determinadas por uma causa externa a ser r a agir de fornia ngida e
determinada.
Imaginai agora. por favor. que a pedra, enquanto está cm movimento, sabe r pensa que e ela
que faz tcxlo o esforço possível para continuarem movimento. Esta pedra, seguramrnte. [J acre
ditará ser livre c perseverar no seu movimento pela unka razão de o desejar. Assim c esta liberdade
humana que todos os homens st vungloriam de ter r que consiste somente nisto, que os homens
sào conscientes dos seus desejos e ignorantes das causas que os determinam.»
Benrdftctus de Sptnazj. Coinp/cfr VVOrks. IrKlLLmipjIlN. lUckctt Fuhltíhlng Compunv Inc. I21XJ2H p. 909
I 84
4. Determinismo e liberdade na ação humana
Objeção da aleatoriedade
à semelhança dos libertistas, os deterministas moderados pensam que temos livre-
-arbitrio, por isso estes autores nào irâo disputar a premissa 4. Isto significa que se nào
aceitam a conclusão do argumento libertista, os deterministas moderados terão de dirigir
o seu ataque à linha 3 do argumento. Uma das estratégias que tem sido seguida pelos
deterministas moderados e tentar mostrar que o livre-arbitrio não só é compatível com
o determinismo, como só é possível se este for verdadeiro. Para sustentar a sua posi
ção, os deterministas moderados fazem notar que os libertistas defendem que para que
as nossas escolhas sejam genuinamente livres elas nào podem ser determinadas pelos
acontecimentos anteriores e pelas leis da natureza. Mas uma escolha que nào seja de
terminada por acontecimentos anteriores, também nào é livre, é simplesmente aleatória,
fruto do acaso, que é algo que também nào podemos controlar. Para ilustrar esta ideia
consideremos o seguinte exemplo:
«John tinha estado a deliberar sobre onde deveria passar as suas ferias, se no I lavai
ou no Colorado; e, depois de muito pensamento e deliberação, decidiu que preferia o
Havaí e optou por isso. Sc a escolha foi indeterminada, então exatamente a mesma de
liberação, os mesmos processos de pensamento, as mesmas crenças, desejos e outros
motivos nem uma ínfima diferença - que o levaram a favorecer c optar pelo Havaí cm
vez do Colorado, poderiam, por puro acaso, tê-lo conduzido a escolher antes o Colorado.
Isso é muito estranho. Se isso acontecesse pareceria tratar-se de um acaso ou acidente
(...] e nào de uma escolha racional. [._]*
Ràbcrt Kanc. «UbcrtarUnism". in ftii/r Vlcrixan Erre WYlf. Oxlbrd. OUP I2DI>7). p. 23
Ora, se exatamente nas mesmas circunstâncias em que acaba por optar por ir para o
Havai, John podia ter acabado por decidir ir para o Colorado, então essa decisão parece
ser simplesmente aleatória, fruto do acaso, arbitrária e irracional, e não uma escolha efeti
vamente livre e responsável.
Determinismo radical
Voltemos agora a nossa atenção para o determinismo radical.
Os deterministas radicais completam o argumento incompatibilista (argumento da con
sequência) do seguinte modo:
■■c------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ ■■
:i> Se o determinismo é verdadeiro, então nào temos possibilidades alternativas.
<2) Se não temos possibilidades alternativas, então nào temos livre-arbitrio.
{3| Se o determinismo é verdadeiro, então nào temos livre-arbítrio.
(De 1 e 2, por silogismo hipotético)
(4*)O determinismo é verdadeiro.
(5*) Logo, não temos livre-arbitrio. {De 1 e 2, por modus ponens)
Defesa da premissa 4*
Os deterministas radicais consideram que existem fortes indícios a favor da tese deter
minista. Aparentemente não conseguimos viver sem assumir certas coisas como cons
tantes. Temos uma forte tendência para pensar que no futuro, assim como no passado, as
mesmas causas terão os mesmos efeitos. E se por algum motivo algo não ocorre conforme
o previsto, não nos limitamos a encolher os ombros, procuramos explicar o sucedido en
contrando algum acontecimento diferente no passado. Caso contrário, a nossa expectativa
seria a de que dadas as mesmas condições iniciais, as leis da natureza encarregar-se-iam
de gerar, necessariamente, os mesmos efeitos. A explicação mais plausível para isto seria
o facto de efetivamente vivermos num universo com determinadas leis naturais que regem
as relações entre todas as partículas físicas, não sendo, por isso, possível que as mesmas
causas tenham efeitos diferentes.
Para isso, podem recorrer aos resultados experimentais obtidos numa área da física
chamada mecânica quântica. A mecânica quântica dedica-se ao estudo do comportamen
to das partículas elementares. De acordo com uma interpretação comum dos resultados
de certos procedimentos experimentais, jamais poderemos determinar com exatidão a
posição de certas partículas — tudo o que podemos fazer é calcular de entre um conjunto
de localizações possíveis qual é a mais provável.
86
4. Determinismo e liberdade na ação humana
Assim sendo, se não aceitamos que muitos dos nossos comportamentos são simples
mente absurdos (isto é, sem sentido}, somos racionalmente forçados a rejeitar o determi
nismo.
Este argumento pode ser encarado como uma sucessão de silogismos hipotéticos que
acabam por conduzir à conclusão {preliminar) de que <se o determinismo é verdadeiro,
então grande parte dos nossos comportamentos quotidianos (como a admiração, a cen
sura, o louvor e a culpa) são absurdos*. Ora, uma vez que na premissa 4 negamos a
consequente desta condicional, podemos concluir valida mente (por modus toilens) que
• o determinismo não é verdadeiro^.
Depois de analisar as diferentes perspetivas em confronto, bem como alguns dos prin
cipais argumentos a favor e contra cada uma delas, podemos constatar que, embora seja
uma das mais antigas questões da história da filosofia, o debate em tomo do problema do
livre-arbítrio continua bem vivo nos nossos dias:
• Será possível mostrar que uma ação genuinamente *incausada> pode ainda assim
ser livre?
Estas sâo algumas das questões que têm animado os filósofos que se dedicam a dis
cutir criticamente este problema.
A Ação Hum-ana e oi Valores
ESQUEMATIZANDO
PROBLEMA DA COMPATIBILIDADE
O livre-arbítrio ê compatível com o determinismo?
V ▼
Incompatibilismo Compatibillsmo
PROBLEMA TRADICIONAL
Temos livre-arbítrio?
SS
4. Determinismo e liberdade na ação humana
RESUMO
• Temos llivre-arbítrio se, e so se, algumas das coisas que acontecem depen
dem, em última análise, da nossa vontade.
3. temos livre-arbítrio.
2. temos lívre-arbítrio;
e, por conseguinte,
89
A Ação Hum-ana e oi Valores
e, por conseguinte.
• responsabilidade moral Os libertistas pensam que e inevitável pensarmos que algumas das coisas
que acontecem dependem de nos.
• possibilidodes alternativas
• casos de Frankfurt
As principais objeções ao libertismo são: a objeção da ilusão e a objeção da
• compatibilismo aleatoriedade.
• incompotibilismo
Os deterministas pensam que e inevitável pensarmos que causas semelhan
• determinismo moderado tes têm efeitos semelhantes.
• determinismo rodical
As principais objeções ao determinismo são: a objeção da mecânica quântica
• liberhsmo
e a objeção da responsabilidade moral.
90
Questões propostas
GRUPO I
(A) tudo o que acontece é consequência necessária do passado e das leis da natureza,
nem tudo o que acontece é consequência necessária do passado e das leis da natureza.
(C) algumas das coisas que acontecem sào a consequência necessária do passado e das leis da
natureza.
(D) nada do que acontece é consequência necessária do passado e das lets da natureza.
|B) algumas das coisas que acontecem dependem, em última análise, da nossa vontade.
3. A perspetiva que se caracteriza por defender que «Tudo está determinado, por isso não temos
livre-arbítrio* é
(A) o libertismo.
(D) o incompatibilismo.
4. A perspetiva que se caracteriza por defender que «Temos livre-arbítrio, por isso nem tudo está
determinado» ê
(A) o libertismo.
(D) o incompatibilismo.
5. A perspetiva que se caracteriza por defender que «Ainda que tudo esteja determinado, temos
livre-arbítrio* é
(A) o libertismo.
(D) o incompatibilismo.
91
A Ação Hum-ana e o« Valore»
6 A perspetiva que se caracteriza por defender que «Se o determinismo é verdadeiro, então não
temos livre-a rbrtrio» é
o libertismo.
(D) o incompatibilismo.
IA) uma vez que o determinismo é verdadeiro, nunca temos possibilidades alternativas e, por
conseguinte, não somos livres.
{B} ainda que o determinismo não seja verdadeiro, nunca temos possibilidades alternativas e, por
conseguinte, não somos livres.
(C) uma vez que o determinismo não é verdadeiro, por vezes, temos possibilidades alternativas
e, por conseguinte, somos livres.
(D) ainda que o determinismo seja verdadeiro, por vezes, temos possibilidades alternativas e, por
conseguinte, somos livres.
{A) o agente toma por si mesmo uma decisão e existe uma circunstância que o forçaria nesse
sentido, caso ele não o trvesse feito.
o agente não toma por si mesmo uma decisão e e forçado a fazé-lo por uma circunstância.
<C) existe uma circunstância que leva o agente a agir de uma determinada maneira, ainda que
este decidisse por si mesmo agir desse modo.
{D) embora não exista nenhuma circunstância que o force nesse sentido, o agente toma por si
mesmo uma determinada decisão.
92
Qucstôei proposta»
10. Qual das seguintes afirmações pode ser utilizada para criticar o determinismo radical?
{A) Temos consciência dos nossos desejos, mas ignoramos as causas que os determinam.
(B) A mecânica quântica apresenta indícios de que existem acontecimentos genuinamente inde
terminados.
GRUPO II
«Por liberdade, então, só nos é possível entender um poder de agir ou não agir, conforme as de
terminações da vontade; isto e. se escolhermos ficar parados, podemos ficar assim, e se escolhermos
mover nos também podemos faze lo. Ora essa liberdade hipotética c universalmente admitida como
pertencente a todo aquele que nào esteja preso t acorrentado.»
Questões propostas
«Sc o livre-arbítrio nào existir. □ responsabilidade moral também nào existe. É, contudo, evidente
que a responsabilidade moral existe: se nào existisse tal coisa como a responsabilidade moral, nada
seria culpa de ninguém e é evidente que existem estados de coisas em rclaçào aos quais podemos
apontar o dedo c dizer, com justiça, a certas pessoas: Isto é culpa tua.»
Vjh Imvagvn. " Itaw to think jbaut lhe problcm aí rncc wtll*,
ln Juur/iul cf fthfcs 12 (3/41. (JüüBl pp. 327 428 (adaptado!
Qual das teorias estudadas em relaçao ao problema do livre-arbítrio está a ser criticada neste
texto? Porquê?
GRUPO III
«Na mente nào existe vontade absoluta ou livre; mas a menteé determinada a querer isto ou aqui
lo por uma causa que também é determinada por outra, c essa outra, por sua vez, por outra, e assim
até ao infinito.
A mente c um certo e determinado modo de pensar [_]; por consequência [-.L nào pode ser uma
causa livre das suas ações, nào pode ter uma faculdade absoluta de querer ou nào querer; mas deve
ser determinada [~] a querer isto ou aquilo por uma causa, a qual é também determinada por outra,
c essa outra, por sua vez. por uma outra, etc. [_]
A experiência faz ver. portanto, tào claramcnte como a razào. que os homens se julgam livres ape
nas porque sào conscientes das suas ações e ignorantes das causas pelas quais sào determinados.»
Ao longo deste capítulo 5, iremos debruçar-nos sobre o problema da natureza dos juí
zos morais. Este problema pode ser formulado conforme se segue: ' Qual é a natureza dos
juízos morais?* Para compreender melhor este problema temos de esclarecer a noção de
juízo moral*. Comecemos por explicitara noção de «juízo*.
Um juízo è uma operação mental através da qual atribuímos uma certa propriedade,
P, a um certo sujeito. S (este sujeito pode ser qualquer coisa: uma pessoa, uma
criatura, um objeto, um lugar, uma situação ou acontecimento, etc.).
Assim, os juízos têm geralmente a seguinte forma: «S e P*. onde <S» repre
Niota
senta aquilo de que estamos a falar, isto é, o sujeito, e «P* representa a proprie 1 Embora esta estrutura
dade ou característica que lhes estamos a atribuir.1 possa, por vezes, assumir
outras configurações, como
por exemplo: <S tem a pro
Presta atenção aos juízos que se seguem:
priedade P>; <S faz P>; «S
está a fazer P* ou <S está
a) A Beatriz tem 18 anos. P», etc., e possível imaginar
uma maneira de converter
b) A Beatriz é corajosa. esses juízos na forma pa
drão: <S e P».
c) A música Bohemkm Rhapsocty dos Queen tem a duração de 5 minutos e
55 segundos.
Se prestares atenção, reparas que os juízos com as alíneas a), c), e). g) e i) são puramente
descritivos, isto e, limitam-se a tentar descrever de forma tão neutra quanto possível a
realidade dos factos. Ora, uma vez que a sua pretensão é apenas descrever a forma como
as coisas são, a verdade (ou falsidade) deste tipo de juízos é inteiramente independente
das crenças, dos hábitos, da sociedade e da cultura, dos gostos ou das preferências de
quem os formula. É a realidade que nos indica se o juízo em causa é (ou não) adequado, se
descreve adequadamente os factos (ou não). Diz-se, por isso, que neste caso a direção da
adequação parte da realidade para o juízo. Este tipo de juízos designa-se habitualmente
por «juízos de facto».
95
A Açao Mumaoa e o* Valore*
Por sua vez, os juízos com as alíneas b), d), f), h) e j) não nos dizem simplesmente
como as coisas são, mas antes como devem ser - ou seja, são {pelo menos em parte)
normativos (ou prescritivos?. Isto significa que, contraria mente ao que acontece com os
juízos descritos no parágrafo anterior, este tipo de juízos não tem meramente a pretensão
de descrever a realidade de forma tão neutra quanto possível (embora alguns autores con
siderem que essa pretensão também se pode encontrar associada a este tipo de juízos},
antes pelo contrário, envolvem a pretensão de expressar uma determinada avaliação das
coisas Por esse motivo, este tipo de juízos ficou conhecido por «juízos de valor*. Ora, uma
vez que nos dizem o que valem ou como devem ser as coisas, neste tipo de juízos diz-se
que a direção da adequação parte do juízo para a realidade
Para ilustrar este último ponto sugerimos-te que prestes atenção ao seguinte caso,
descrito pela filosofa Elizabeth Anscombe:
96
A dimensão pessoal e locial da ética
Ao passo que:
Tendo como ponto de partida esta caracterização geral dos juízos de facto e dos juízos
de valor, podemos prosseguir agora com a análise de um tipo particular de juízos de valor:
os juízos morais.
Os juízos morais são juízos de valor que dizem respeito àquilo que devemos/não
devemos fazer, ou seja, sâo juízos que envolvem as noções de certo e errado,
justo e injusto, louvável e censurável, etc.
O problema original acerca da natureza deste tipo de juízos pode ser subdividido em
três problemas mais simples:
Neste contexto, uma crença corresponde a uma atitude proposicional ou seja, a uma
atitude em relação a uma proposição. Concretamente, a crença consiste no estado mental
de pensar que uma dada proposição é verdadeira. Uma vez que sâo estados mentais
orientados para a verdade, isto é, para uma representação adequada da realidade, as
crenças sâo estados mentais com conteúdo cognitivo (do latim medieval, cognitivus, que
significa relativo ao conhecimento), isto é, sâo estados mentais acerca dos quais faz senti
do perguntar se sâo verdadeiros ou falsos.
Existem diferentes tipos de atitudes proposicionais. mas nem todos têm conteúdo
cognitivo como as crenças. Os desejos, por exemplo, consistem no estado mental de
pretender que uma dada proposição seja verdadeira. Contudo, uma vez que não preten
dem representar adequadamente a realidade, os desejos não são estados mentais com
conteúdo cognitivo. Os desejos podem ser frustrados ou realizados, mas não faz sentido
perguntar se sâo verdadeiros ou falsos.
Deste modo, quando perguntamos se os juízos morais são crenças estamos a pergun
tar se estes correspondem a estados mentais com conteúdo cognitivo, isto é, se consis
tem em estados mentais acerca dois quais faz sentido perguntar se são verdadeiros ou
falsos. Aqueles que respondem afirmativamente a esta questão designam-se «cognitivistas^
Aqueles que lhe dão uma resposta negativa são os *não cognitivistas*.
97
A Ação Humana e os Valore*
Se considerarmos que a verdade ou falsidade dos juízos morais nào é objetiva, mas sim
relativa a uma dada perspetiva, temos ainda de determinar qual é essa perspetiva. Será
que a sua verdade ou falsidade é relativa às preferências pessoais de quem os formula, ou
será relativa ãs preferências coletivas dos membros de uma dada comunidade?
Este problema reveste-se da maior importância, pois os Juízos morais orientam grande
parte do nosso comportamento Fazemos certas coisas porque achamos que estão cor
retas, ao passo que evitamos fazer outras porque achamos que estão erradas. Mas em
que consistem ao certo as noções de certo e de errado? Serão apenas noções relativas
ãs preferências de cada um ou dizem respeito a códigos sociais partilhados por certas co
munidades? Serãojuízos morais verdadeiros independentemente de qualquer perspetiva?
A nossa resposta a estas questões terá um impacto decisivo na forma como lidamos com
os outros e com as diferentes sociedades e culturas.
Por exemplo, será que o juízo <As touradas sào erradas* é objetivamente verdadeiro?
Será que a sua verdade ou falsidade é sempre relativa às preferências subjetivas de cada
indivíduo? Ou sera que depende das preferências coletivas de cada sociedade ou cultura?
98
S. A dimensão pessoa
Como podes perceber, a forma como respondemos a estas questões ditará a forma
como nos posicionaremos perante o próprio ato de realizar touradas. Se acharmos que
nào há uma verdade objetiva em relação ao assunto, podemos tolerar a sua realização,
independentemente do nosso posicionamento pessoal em relação a esse assunto. Ao
passo que se acharmos que o juízo <As touradas são erradas* é objetivamente verdadeiro,
isso poderá levar-nos, nào apenas a abster-nos individualmente de realizar esse tipo de
atos, mas também a tentar ativamente promover a abolição por completo desse tipo de
práticas, seja por quem for, seja em que sociedade.
De cada
Subjetivismo Sim Nào
sujeito
De cada
Cognitívismo Relativismo Sim Não
sociedade
Segundo estes autores, os chamados «juízos morais* parecem juízos, pois possuem
uma estrutura semelhante a estes, mas não chegam a ser verdadeiros juízos, na medida
em que não possuem qualquer tipo de conteúdo descritivo ou seja, na medida em que
não atribuem (nem pretendem atribuir) qualquer tipo de propriedade aos objetos, mas
antes limitam-se a prescrever certos tipos de ações, ou a expressar certos sentimentos
de aprovação e de reprovação relativamente às mesmas, ou a manifestar desabafos
emocionais, etc.
Ora, nào faz sentido perguntar se uma prescrição, como por exemplo «Não mintas!*, é
verdadeira ou falsa. As prescrições ou recomendações são seguidas ou não, tal como as
ordens sào cumpridas ou nào; aquilo que seguramente nào são é nem verdadeiras nem
falsas. Analogamente, quando expressamos genuinamente e com sinceridade certos sen
timentos ou desabafos emocionais, como «Viva a liberdade de expressão!*, não faz senti
do perguntar se o que dissemos é verdadeiro ou falso. Os nossos desabafos emocionais
podem contagiar os outros, criar empatia ou despertar sentimentos semelhantes naqueles
A Ação Hum-ana e oi Valores
que nos rodeiam, mas o que seguramente não transmitem é informação verdadeira ou
falsa acerca da realidade que nos rodeia. E por sustentar que os juízos de valor não têm
qualquer tipo de conteúdo cognitivo - isto e, não são objeto de conhecimento - que este
tipo de perspetiva ficou conhecido como não cognitivismo.
5.2 Cognitivismo
Pelo contrário, quem responde afirmativamente ao problema 1 (página 97) opõe-se
aos não cognitivistas e defende uma perspetiva cognitivista Os cognitivistas sustentam
que os juízos morais são crenças, o que significa que são juízos propriamente ditos e
não pseudojuízos. Para estes autores, a separação entre juízos de facto e juízos de valor
é artificial e exagerada. Os juízos morais, por exemplo, podem ser encarados como um
subconjunto dos juízos de facto. De acordo com esta perspetiva, os juízos morais também
têm uma componente descritiva. O seu caráter normativo deve-se simplesmente ao facto
de estes reportarem a um certo domínio de factos: os factos morais E esse domínio de
factos que procuramos captar de modo adequado quando formulamos juízos morais, isto
é, quando fazemos a atribuição de propriedades morais - como a coragem, a justiça, ou
a bondade - a pessoas ou ãs suas ações.
• o subjetivismo:
- o relativismo: e
• o objetivismo
Subjetivismo
O subjetivismo é uma das formas mais comuns de encarar os juízos morais. De acordo
com o subjetivismo, os juízos morais têm valor de verdade, o que significa que possuem
algum conteúdo descritivo. Contudo, os subjetivistas não acreditam que existe um domí
nio objetivo de factos morais ao qual os nossos juízos morais possam reportar, isto é, não
existem factos morais independentemente das nossas mentes, tal como existem factos
físicos acerca de pedras, plantas e planetas que são inteiramente independentes daquilo
que se passa nas nossas mentes, como o seu peso ou a sua massa. Ora, na ausência de
um domínio objetivo ao qual os nossos juízos morais possam reportar, os nossos juízos
morais só podem descrever as nossas preferências individuais e subjetivas e, por con
seguinte. o seu valor de verdade não ê independente de qualquer perspetiva. Neste
sentido, podemos dizer que o subjetivismo se caracteriza por defender que:
100
A dimensão pessoal e locial da ética
O principal argumento que tem sido apresentado a favor desta perspetiva é o argu
mento dos desacordos. Este argumento baseia-se na constatação de que não é muito
frequente haver amplos consensos relativamente a questões morais, como o aborto, a eu
tanásia, o estatuto moral dos animais, a justiça da guerra, etc. Esta divergência de opiniões
encontra eco no adágio popular «Cada cabeça, sua sentença!*. Neste sentido, algumas
pessoas podem ser levadas a pensar que, ao passo que a ciência é objetiva, pois possui
um núcleo bastante significativo de matérias consensuais, a ética é um domínio onde cada
um tem a sua opinião e, por conseguinte, esta condenada a ser meramente subjetiva
.■------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ ■.
(1> Existem amplos e profundos desacordos no que diz respeito ao valor de verdade
dos juízos morais.
(2) Se. além das nossas preferências pessoais e subjetivas, houvesse um domínio de
factos morais ao qual pudéssemos apelar, então tais desacordos não teriam lugar.
(3) Logo, não há um domínio de factos morais além das nossas preferências pessoais
e subjetivas. |De 1 e 2, por modus tolfens)
_________________________________________________________________________________ ■*
Na premissa 2 afirma-se que caso houvesse um domínio de factos morais ao qual pu
déssemos apelar para resolver estas divergências, seria de esperar que, tal como aconte
ce na ciência, houvesse um núcleo mais alargado de matérias consensuais em ética.
Por fim, conclui-se, por mocfus toílens. que nâo há um domínio de factos morais além
das nossas preferências pessoais e subjetivas.
Esta perspetiva parece ter ampla aceitação no senso comum, mas será que resiste a
um exame critico rigoroso? Muitos autores defendem que não. Vejamos, em seguida, algu
mas das principais críticas que têm sido feitas a esta forma de entender os juízos morais.
Críticas ao subjetivismo
10J
A Ação Hum-ana e oi Valores
102
A dimensão pessoal e locial da ética
Relativismo
O relativismo é uma alternativa ao subjetivismo, que considera que, em vez de repor
tarem ãs nossas preferências individuais, os nossos juízos morais referem-se às nossas
preferências coletivas, ou. mais propriamente, ao conjunto de normas sociais acordadas
pelos membros da sociedade. Assim, o relativismo também e uma perspetiva cognitivista,
o que significa que também considera que os juízos morais têm valor de verdade E. á
semelhança do subjetivismo, também considera que esse valor de verdade não é inde
pendente de qualquer perspetiva. Para os relativistas, os juízos morais não se limitam a
ser simplesmente verdadeiros ou falsos: são sempre verdadeiros ou falsos relativamente
a um determinado grupo de individuos (ou sociedade) ou, mais propriamente, ao conjunto
de normas sociais por esse grupo acordado
Isso significa que, para estes autores, as propriedades morais não existem por si mes
mas, independentemente de quaisquer individuos; antes pelo contrário, o seu conteúdo é
inteiramente determinado por factos relativos aos mesmos, designadamente, factos rela
tivos ãs suas preferências coletivas e ao conjunto de normas que estes estão na disposi
ção de acordar a respeito das mesmas.
De acordo com esta perspetiva, o significado dos termos que usamos para as proprie
dades morais, como «certo* e *errado*, varia de contexto para contexto, pois resulta, de
certa forma, de uma construção social e cultural.
■■----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- -
11} Culturas diferentes têm códigos morais diferentes.
(2) Se culturas diferentes têm códigos morais diferentes, então não há uma verdade
moral objetiva, pois a verdade dos juízos morais é sempre relativa à cultura ou
grupo social onde estes são formulados, mais propriamente a um conjunto de
normas que os respetivos membros estão na disposição de acordar.
(3) Logo, não há uma verdade moral objetiva, pois a verdade dos juízos morais é
sempre relativa à cultura ou ao grupo social onde estes são formulados, mais
propriamente ao conjunto de normas que estes estão na disposição de acordar.
(De 1 e 2, por modus ponens)
A premissa 1 é uma evidência para quem quer que tenha contactado com diferentes
povos e culturas. No texto que se segue, o sociólogo Lucien Malson ilustra esta ideia com
vários exemplos deste tipo de diversidade:
103
A Ação Humana e os Valore*
Lucien Malson (1926-2017J que praticam a hospitalidade conjugal, o ciúme desapareceu (...]. Nas
ilhas Alor (Indonésia], a mentira lúdica considera-se normal: as falsas
promessas ás crianças constituem um dos divertimentos dos adultos. O
mesmo espírito encontra-se na ilha de Normanby. onde a mãe, por brincadeira, tira o
seio ao filho que esta a mamar.
□ respeito pelos pais sofre igualmente flutuações geográficas: o pai conserva o di
reito de vida c de morte entre os Negritos das Filipinas e cm certos lugares do Togo, dos
Camarões c do IFaome. Km compensação, a autoridade paterna era nula ou quase nula
nos Kamtcliatka [da Sibéria] [...] ou nos aborígenes do Brasil. As crianças Taraumaras
(do México] batem c injuriam facilmente os pais. Entre os Esquimós, o casamento faz-se
por compra. Nos Urabima. da Austrália, um homem pode ter esposas secundárias que
são as esposas principais de outros homens. No Ceilão [Sri Lanka] reina a poliandria
fraternal: o irmão mais velho casa-se e os mais novos mantem relações com a cunha
da. [-.] O amor c os cuidados da mãe pelos filhos desaparecem nas ilhas do estreito de
Torres [Austrália] e nas ilhas Andaman [Índia], cm que o filho ou a filha são oferecidos
de boa vontade aos hóspedes da família como presentes, ou aos vizinhos, como sinal de
amizade. A sensibilidade a que chamamos masculina pode ser. de resto, uma caracte
rística feminina, como nosTchambuli (Nova Guine], por exemplo, cm que na família c a
mulher quem domina c assume a direção.
Os diferentes povos criaram e desenvolveram um estilo de vida que cada indivíduo
aceita - não sem reagir, decerto - como um modelo.»
Por fim. conclui-se que não há uma verdade moral objetiva e que a verdade dos juízos mo
rais é sempre relativa ã cultura ou grupo social onde estes são formulados, mais propriamen
te, ao conjunto de normas que os respetivos membros estariam na disposição de acordar.
Embora o relativismo pareça lidar melhor com algumas das objeções apresentadas ao
subjetivismo, esta perspetiva não está isenta de críticas. Vejamos, em seguida, em que
consistem algumas delas.
104
A dimensão pessoal e locial da ética
Críticas ao relativismo
Há acordos imorais
O facto de a maioria dos membros de uma sociedade estar disposto a aceitar um certo
código moral nâo ê uma condição suficiente para o legitimar. A maioria pode acordar um
sistema injusto e intolerante para com uma classe minoritária. Assim sendo, o consenti
mento inerente a qualquer acordo é. na melhor das hipóteses, uma condiçáo necessária
para a sua legitimidade, mas náo é suficiente.
Conduz ao conformismo
Um dos problemas da defesa do relativismo é que este conduz ao conformismo. Se
gundo o relativista, uma prática ê correta ou incorreta segundo os codigos morais de cada
cultura. Mas isto parece apelar á passividade perante os valores de uma cultura, anulando
qualquer espírito crítico e qualquer perspetiva de evolução e até mudança nos hábitos e
valores culturais promovida por dissidentes da opinião da maioria dos seus compatriotas.
É autorrefutante
Se todo o valor ê relativo, então o próprio relativismo ê de valor relativo e não pode
impor-se como uma verdade absoluta.
105
A Ação Hum-ana e oi Valores
Objetivismo
Os objetivistas sâoos únicos que respondem afirmativamente às duas primeiras questões
(ver tabela da página 99). Segundo o objetivismo. os juízos morais têm um vakx de verdade
e esse valor é independente de qualquer perspetiva, ou seja, os juízos morais são objetiva
mente verdadeiros (ou objetivamente falsos). Isto significa que estes autores consideram
que existe um domínio de factos morais objetivos - isto é, que não dependem da perspetiva
de qualquer sujeito, mas sim de certos padrões neutros de avaliação - aos quais os nossos
juízos morais reportam. Assim, o objetivismo caracteriza-se pela ideia de que um juízo moral
é correto quando, independentemente dos nossos gostos, preferências ou convenções, tem
as melhores razões do seu lado Deste modo, pode dizer-se que para um objetivista:
Isto significa que. para os objetivistas, as avaliações morais têm de ser justificadas de
uma forma que seja aceitável para qualquer indivíduo racional, seja qual for a sua socieda
de. Quanto melhor for a justificação que suporta o juízo moral, mais razões teremos para
considerá-lo objetivamente verdadeiro. De acordo com o objetivismo, podemos encon
trar critérios ^transubjetrvos-, que ultrapassam as perspetivas e subjetividades individuais
ou culturais e que podem ser utilizados para avaliar imparcialmente a moralidade de atos e
de praticas, podendo ser aplicados por todos os indivíduos racionais (independentemente
dos seus gostos ou interesses).
UI Há juízos morais que sào (nào sào) justificáveis de um ponto de vista imparcial.
(2) Se há juízos morais que sáo (nào são) justificáveis de um ponto de vista imparcial,
então há juízos morais objetivamente verdadeiros (falsos).
(3) Logo, há juízos morais objetivamente verdadeiros (falsos). (De 1 e 2, por modus
ponens}
L______________________________________________________>
A premissa 1 estabelece que certos juízos morais, como, por exemplo. *A escravatura e
justa*, não podem ter uma justificação imparcial. Por exemplo, as razões que o esclavagis-
ta apresenta a favor do seu direito a possuir escravos nào são imparciais. O escravo não
defende essas razões. Este tipo de exemplos mostra que efetivamente há juízos morais
que não são justificáveis de um ponto de vista imparcial.
Na premissa 2 acrescenta-se que o facto de haver juízos morais com razões a seu favor
que qualquer ser racional pode assumir como suas mostra que existe uma certa forma de
objetividade em ética, ou seja, mostra que há juízos morais objetivamente verdadeiros.
Vejamos, em seguida, algumas das críticas que têm sido apresentadas ao objetivismo.
106
A dimensão pessoal e locial da ética
Criticas ao objetivismo
O argumento da estranheza
Outra objeção que o objetivismo enfrenta é o chamado «argumento da estranheza*.
Este argumento afirma sucintamente o seguinte: o objetivismo pressupõe a existência de
propriedades estranhas, pois seriam propriedades reais e objetivas das coisas, mas que si
multaneamente teriam a capacidade de incitar todo e qualquer agente moral a agir de cer
ta forma. Contudo, não parece existir nada no mundo com essas características. Logo,
o objetivismo e falso.
t
Esse valor e independente
■* ■
i de qualquer perspetiva?
Não Sim
t Objeções
De cada sujeito Da sociedade, ou cultura * O argumento dos desacordos
e
4
* O argumento da estranheza
SUBJETIVISMO RELATIV1SMO
Objeções Objeções
O subjetivismo tornaria - 0 argumento da diversidade
impossrvel a existência de cultural não e sólido
desacordos morais genuínos
■ Ha acordos imorais
Implica que somos moral mente
• Impossibilita o progresso moral
infalíveis
das sociedades
Nem sempre os nossos juízos
morais correspondem as - Conduz ao conformismo
nossas preferências subjetivas • É autorrefutante
107
A Ação Hum-ana e oi Valores
RESUMO
* Um juízo e uma operação mental através da qual atribuímos uma certa pro
priedade, P, a um certo sujeito. S (este sujeito pode ser qualquer coisa: uma
pessoa, uma criatura, um objeto, um lugar, uma situação ou acontecimento,
etcj.
• Os juízos morais são juízos de valor que dizem respeito aquilo que devemos/
não devemos fazer, ou seja, são juízos que envolvem as noçòes de certo e
de errado, justo e injusto, louvável e censurável, etc.
• Assim, o problema original acerca da natureza dos juizos morais pode ser
subdividido em três problemas mais simples:
108
A dimensão pessoal e locial da ética
- o subjetivismo;
- o relativismo. e
- o objetivismo
- O principal argumento que tem sido apresentado a favor do objetivismo • juízos de volor
e o argumento da justificação imparcial. • juízos morois
• relativismo
• objetivismo
109
A Ação Hum-ana e o« Valore»
Questões propostas
GRUPO I
3. «Os juízos morais expressam crenças, pois veiculam informação verdadeira ou falsa acerca das
preferências pessoais de quem os formula.»
Qual das perspetivas acerca da natureza dos juízos morais pode ser caracterizada através desta
afirmação?
(A) Subjetivismo.
(B| Relativismo.
(C) Objetivismo.
110
Quc-stõei propostas
4. «Os juízos morais não expressam crenças, pois não veiculam informação verdadeira ou falsa
acerca da realidade.»
Qual das perspetivas acerca da natureza dos juízos morais pode ser caracterizada através desta
afirmação?
IA) Subjetivismo.
(B| Relativismo.
(C) Objetivismo.
5. «Os juízos morais expressam crenças, pois veiculam informação da realidade cuja verdade ou
falsidade é independente de qualquer perspetiva.»
Qual das perspetivas acerca da natureza dos juízos morais pode ser caracterizada através desta
afirmação?
<A) Subjetivismo.
(B) Relativismo.
(C) Objetivismo.
6. «Os juízos morais expressam crenças, pois veiculam informação verdadeira ou falsa acerca das
preferências coletivas da sociedade a que pertence quem os formula.»
Qual das perspetivas acerca da natureza dos juízos morais pode ser caracterizada através desta
afirmação?
IA) Subjetivismo.
(B| Relativismo.
(C) Objetivismo.
7. Quem afirma que há razões para combater a discriminação racial onde quer que ela ocorra rejeita
8. Quem afirma que não existe uma realidade moral objetiva à qual os nossos juízos morais se
possam referir rejeita
ir
A Ação Hum-ana e o« Valore»
Questões propostas
apenas o objetivismo.
GRUPO II
«Se tu gosto de algo c tu nào. então *algo c bom" c verdadeiro para mim c falso para ti. Usamos
a palavra ‘bom" para falar acerta dos nossos sentimentos positivos. Nada c bom ou mau por si mes
mo, independentemente dos nossos sentimentos. Os valores existem apenas nas preferências de cada
indivíduo. Tu tens as tuas preferencias e cu tenho as minhas; nenhuma preferencia c objetivamente
correta ou incorreta.»
Harry Gensler, Etfiíts- A CDntiemparary Iníncducriwi.
Oxfbid, Rautlctigc <2<l Uh p. LK
«Àí não cometemos o erro de derivar a moralidade do nosso tempo e espaço diretamente da inevitável
constituição humana. Não a elevamos a dignidade de um primeiro princípio. Reconhecemos que a mora
lidade difere em todas as sociedades, sendo um termo conveniente para hábitos socialmente aprovados.»
112
Qucstôei proposta»
«Os valores nào existem, pelo menos da mesma forma que as pedras e os rios. Considerado à mar
gem dos sentimentos c dos interesses humanos, o mundo parece nào incluir quaisquer valores. [_]
As opiniões éticas nào podem ser objetivamente verdadeiras ou falsas porque não existe uma reali
dade moral a que possam corresponder ou nào conesponder. Esta ê a diferença profunda entre a ética
c a ciência. A ciência descreve uma realidade que existe independentemente dos observadores. Se os
seres sencientes [seres com a capacidade de ter perceções) deixassem de existir, o mundo permane
ceria inalterado nos restantes aspetos - continuaria a existir c nào deixaria de ser precisamente como
a ciência o descreve. No entanto, se nào existissem quaisquer seres sencientes. nào existiria qualquer
dimensão moral na realidade.»
Aimef Racheis. ftementos dê Flfaro/ki Moraf,
Ijfboa. Gradivu <21X1-11
Qual das perspetivas acerca da natureza dos juízos morais está a ser criticada no texto. Porquê?
GRUPO III
«Em 1966. uma rapariga de dezassete anos chamada Eauziya Kassindja chegou ao Aeroporto In
ternacional de Nevvark [EUA] e pediu asilo. Tinha fugido do seu país natal, o Togo, pequena nação do
oeste africano, para escapar ao que ali as pessoas chamam «cxcisão». A cxcisão ê uma intervenção
desfiguradora. por vezes chamada «circuncisão feminina», embora tenha poucas semelhanças com
essa prática judaica. É mais frequentemente referida, pelo menos nos jornais de países ocidentais,
como «mutilação genital feminina». [...]
Fauziya Kassindja era a mais jovem de cinco filhas de uma família muçulmana devota. O seu pai.
proprietário de uma bem sucedida empresa de camionagem, opunha-se à excisào. e tinha capacidade
de se opor à tradição por causa da sua riqueza. As suas primeiras quatro filhas casaram sem ser mu
tiladas. Mas quando Fauziya tinha dezasseis anos, ele morreu subitamente. Eauziya ficou então sob
tutela do avô. que ajustou para ela um casamento c se preparava para a submeter a cxcisão. Fauziya
ficou aterrorizada c a màe e a irmã mais velha ajudaram na a fugir. [...]
Entretanto, [nos Estados Unidos da América,] Fauziya foi detida durante dois anos enquanto as au
toridades decidiam o que fazer. Por fim foi-lhe concedido asilo, mas não sem antes se tornar o centro
de uma controvérsia sobre a forma como devemos encarar as práticas culturais de outros povos. Uma
série de artigos no Neic àòrk Times favoreceu a ideia de que a cxcisão c uma prática bárbara mere
cedora de condenação. Outros observadores mostraram-se relutantes em ser tão peremptórios - vive
c deixa viver, afirmaram: afinal c provável a nossa cultura parecer igualmente estranha para eles.»
1. O caso de Fauziya Kassindja tornou-se «o centro de uma controvérsia sobre a forma como
devemos encarar as práticas culturais de outros povos-: uns consideram que a excisão é uma
prática bárbara merecedora de condenação, outros afirmam que devemos tolerá-la.
O problema do critério ético da moralidade de uma ação pode ser formulado nos se
guintes termos: «O que é que torna uma ação moralmente certa ou errada?*. Ao tentar
responder a esta pergunta, os filósofos morais têm também procurado determinar o que
é que tem valor intrínseco
Algo tem valor intrínseco se, e só se, tem valor em si mesmo e por si mesmo, isto é,
independentemente daquilo que possa por seu intermédio ser alcançado.
Assim, em traços gerais, pode dizer-se que a ética normativa procura determinar:
- o que tem intrinsecamente valor (ou desvalor}- ou seja, procura desenvolver, compa
rar e avaliar diferentes teorias do valor; e
• o que é certo ou errado fazer - ou seja, procura desenvolver, comparar e avaliar dife
rentes teorias da obrigação.
Em seguida, iremos analisar as respostas dos filósofos John Stuart Mill e Immanuel
Kant ao problema do critério ético da moralidade de uma açào.
114
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
,k)hn StiMTt Mill. LYfJltartsma, Tud Pedro Madeira. l.i&cu_ Ciradiva (2ÚÚ5). pp. 30 (adaptadol
«A tinica prova que se pode apresentar para mostrar que um objeto e visível c o facto
de as pessoas efetivamente o verem. A única prova de que um som c audível c o facto de
as pessoas o ouvirem, t as coisas passam se do mesmo modo com as outras fontes da
nossa experiência. Similarmente, entendo que a única evidencia que se pode produzir
para mostrar que uma coisa ê desejável é o facto de as pessoas efetivamente a desejarem.
Sc o Hm que a doutrina utilitarista propõe a si própria nào fosse, na teoria e na prática,
reconhecido como um fim. nada poderia alguma vez convencer qualquer pessoa de que
o era. Nào se pode apresentar qualquer razão para mostrar que a felicidade geral c de
sejável. exceto a de que cada pessoa, na medida cm que acredita que esta c alcançável,
deseja a sua própria felicidade. Isto, no entanto, sendo um facto, dá-nos nào só toda a
prova que ocaso admite, mas toda a prova que c possível exigir, para mostrar que a feli
cidade ê um bem: que a felicidade de cada pessoa e um bem para essa pessoa e. logo, a
felicidade geral um bem para o agregado de todas as pessoas.»
115
A Ação Hum-ana e oi Valores
(1| A única prova de que algo é visível é o facto de ser visto por alguém.
(2) A única prova de que algo é audível é o facto de ser ouvido por alguém.
(3) Logo, a única prova de que algo é desejável é o facto de ser desejado por
alguém. (De 1 e 2, por analogia}
(4) Cada pessoa deseja, por si mesma (e não apenas como um meio para qual
quer outra coisa), a sua felicidade.
{5) Se a única prova de que algo é desejável é o facto de ser desejado por al
guém e cada pessoa deseja, por si mesma, a sua felicidade, então a felicidade
de cada pessoa é, por si mesma, desejável para cada uma delas.
(6) Logo, a felicidade de cada pessoa é, por si. desejável para cada uma delas.
I De 3, 4 e 5}
(7} Se a felicidade de cada pessoa é, por si mesma, desejável para cada uma
delas, então a felicidade geral é a única coisa que é, por si mesma, desejável
para o agregado das pessoas.
(8) Logo, a felicidade geral é, por si mesma, desejável para o agregado das pes
soas. {De 6 e 7|
■■_________________________________________________________________________________ ■
Vamos deixar a avaliação critica deste argumento para o final deste capítulo 6, quan
do estivermos a considerar possíveis objeções ao utilitarismo. Por agora, tentemos com
preender as razões que levam MiII a apresentar este argumento.
Mo que diz respeito ãs premissas 1 e 2, aquilo que Mill está a tentar fazer e mostrar que
o tipo de prova que podemos fornecer em relação a certos assuntos, embora possa ser
encarado por alguns como sendo bastante limitado, e o único tipo de prova que pode al
guma vez ser apresentado a esse respeito e, em certa medida, parece ser suficiente para
satisfazer a nossa necessidade de justificação. Daí Mill afirmar que <A única prova de que
algo é visível e o facto de ser visto por alguém* e que <A única prova de que algo é audível
é o facto de ser ouvido por alguém*. O facto de algo ser visível <ou audível) não parece,
efetivamente, admitir outro tipo de prova que não o apresentado.
Com base nessas duas premissas, Mill infere, por analogia, o passo 3 do seu argu
mento, a saber, que <a única prova de que algo é desejável é o facto de ser desejado por
alguém*.
A estas trés ideias Mill acrescenta a premissa 4. que sustenta que *cada pessoa deseja,
por si mesma (e não apenas como um meio para qualquer outra coisa), a sua felicidade*.
Noutros pontos da obra, Mill parece mesmo defender uma ideia bastante mais controver
sa, a saber que *a única coisa que cada pessoa deseja, por si mesma (e não apenas como
um meio para qualquer outra coisa), é a sua felicidade.» A defesa que Mill oferece dessa
ideia baseia-se numa determinada conceção da psicologia humana. De acordo com essa
conceção, tudo aquilo que nós desejamos, ou desejamos apenas como um meio para a
felicidade, ou, no caso de o desejarmos por si mesmo, é porque, de certa forma, esse nos
so objeto de desejo (seja a virtude, a fama, o dinheiro, o poder, etc.) se tornou uma parte
integrante da nossa felicidade.
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
Assim sendo, uma vez que as duas condições que formam a antecedente dessa con
dicional (as linhas 3 e 4) parecem efetrvamente ser satisfeitas. Mill conclui, no passo 6,
que, efetivamente, <a felicidade de cada pessoa é, por si mesma, desejável para cada uma
delas*.
A esta ideia, Mill acrescenta a premissa 7, que afirma que <se a felicidade de cada
pessoa é, por si mesma, desejável para cada uma delas, então a felicidade geral é, por si
mesma, desejável para o agregado das pessoas*.
E, por fim, conclui que *a felicidade geral é, por si mesma, desejável para o agregado
das pessoas*. Ora. dizer que a felicidade geral é. por si mesma, desejável para o agregado
das pessoas e o mesmo que dizer que devemos procurar promover a felicidade geral,
que é precisamente aquilo que é recomendado (ou prescrito) pelo princípio da utilidade
(ou princípio da maior felicidade?
117
A Ação Hum-ana e oi Valores
«[A] felicidade que constitui o padrão utilitarista do que esta correto na conduta não
c a própria felicidade do agente, mas a de todos os envolvidos - algo que os críticos do
utilitarismo raramente fazem a justiça de reconhecer. O utilitarismo exige que o agente
seja tão estritamente imparcial entre a sua própria felicidade e a dos outros como um
espetador desinteressado e benevolente.»
Jühn Suart Mill. LMflltarfxino, Irad. Pedro Madeira. Uslxu. Oradnv tZÓÜ-51. pp. 63 64
Desta forma, Mill responde ã acusação de que a ética utilitarista é uma ética egoísta,
focada apenas no interesse pessoal e na promoção daquilo que é mats útil para o próprio
agente.
Com esta salvaguarda, Mill rebate facilmente essa crítica afirmando que, uma vez que
distorce e ridiculariza a doutrina utilitarista, esta crítica não passa de uma falácia do espan
talho (ou boneco de palha)
Hedonismo
Para melhor compreender o utilitarismo de Mill, temos de explicitar o que é que este
entende por «felicidade» A este respeito, cumpre destacar que Mill e um hedonista
JohnStiurt Mill. Utilitarismo, Trad. Pedro Madeira. Lldioa. Círadiva (200 3). p. 5
118
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
Um dos antecessores de J.S. Mill, chamado Jeremy Bentham, defendia uma versão
puramente quantitativa de hedonismo. De acordo com esta perspetiva, para calcular a
felicidade, ou bem-estar, causada por uma dada ação temos de ver como ela afeta cada
um dos indivíduos envolvidos, subtraindo a quantidade de dor à quantidade de prazer
que ela provoca. Essas quantidades de dor e de prazer, por sua vez, seriam calculadas
exclusivamente com base na sua intensidade e na sua duração
Bentham diria, por exemplo, que uma dolorosa visita ao dentista poderia ainda assim
revelar-se a coisa certa a fazer, desde que a dor intensa, mas de curta duração, provocada
por essa experiência fosse suplantada por um bem-estar futuro bastante prolongado no
Jeremy Bentham
tempo.
(1748-1832)
Mill estaria apenas parcialmente de acordo com o seu antecessor. Na sua opinião, além
da quantidade de prazeres era fundamental ter em conta a sua qualidade. Isto significa
que, contrariamente ao seu antecessor, Mill defendeu uma versão qualitativa de hedo
nismo. Segundo Mill, existem prazeres qualitativamente superiores a outros, ou seja, há
prazeres intrinsecamente melhores do que outros. Na sua opinião, os prazeres superiores
correspondem aos prazeres intelectuais/espirituais, ou seja, correspondem ã satisfação
das nossas necessidades mentais/espintuais, como a fruição da beleza, do conhecimento,
da amizade, do amor, etc. Ao passo que os prazeres inferiores correspondem aos pra
zeres corporais, ou seja, correspondem ã satisfação das nossas necessidades primárias,
como a comida, a agua, o sexo, etc.
«De dois prazeres, se houver um ao qual todos ou quase todos os que tiverem
experiência de ambos dào uma preferência [_], esse ê o prazer mais desejável. Se um
dos dois é colocado, por aqueles que estão competentemente familiarizados com am
bos. tão acima do outro que seriam capazes de preferi-lo mesmo sabendo que seria
acompanhado de uma maior quantidade de insatisfação, e nào abdicariam dele por
quantidade alguma do outro [_]r temos justificação para atribuir ao prazer preferido
uma superioridade cm qualidade 1...].
Mas e um facto inquestionável que aqueles que estão igual mente familiarizados
com ambos [-.] dào uma acentuada preferência ao modo de vida no qual se faz uso das
faculdades superiores. Poucas criaturas humanas consentiriam em ser transformadas
em qualquer um dos animais inferiores, a troco da máxima quantidade dos prazeres de
um animal: nenhum ser humano inteligente consentiria ser um idiota (...], ainda que
estivessem convencidos de que [estes] se sentiam mais satisfeitos com o que lhes cabia
em sorte do que eles [_]. Os primeiros nào abdicariam das coisas que possuem a mais
do que os segundos, em troca da mais completa satisfação de todos os desejos que tèm
em comum com (eles]. [_] É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco
satisfeito; um Sócrates insatisfeito do que um idiota satisfeito. E se o idiota, ou o porco,
têm opinião diferente, ê porque apenas conhecem o seu lado da questão.»
JahnStuart Mill. UTlflitarismíJ, Tud. Pedra Madeira, Lisboa. Gradtva (JüüS), pp 52 54 ^adaptadol
11$
A Ação Humana e os Valore*
■■------------------------------------------------------------- ■■
(1) Se, de dois prazeres, um deles é
colocado, por aqueles que estào
competente mente familiarizados
com ambos, tào acima do ou
tro que nào abdicariam dele por
quantidade atguma do outro, en-
tào esse prazer e qualitativa mente
superior ao outro.
(2) Se aqueles que estào igualmente
familiarizados quer com os praze
res intelectuais/espirituais. quer
com os prazeres corporais, dào
uma acentuada preferência aos
primeiros e nào abdicariam de
les por quantidade alguma dos
segundos, entào os prazeres in-
telectuais/espirituais sào qualitati
vamente superiores aos prazeres
corporais. (Aplicação a um caso
concreto do princípio enunciado
em 1|
(3) Aqueles que estào igualmente fa
miliarizados quer com os prazeres
intelectuais/espirituais, quer com
os prazeres corporais, dào uma
acentuada preferência aos primei
ros e nào abdicariam deles por
quantidade alguma dos segundos.
(4) Logo, os prazeres intelectuais/es-
pirituais sào qualitativamente su
periores aos prazeres corporais.
Gerard van Honthorst, Grupo Musicai' nu.tio Varanda (1622} (De 2 e 3, por modas ponens}
■-___________________________________ -■
Ou seja, Mill argumenta que quem quer que tenha a experiência quer de prazeres
intelectuais/espirituais, quer de prazeres corporais nào trocaria a oportunidade de fruir
dos primeiros por nenhuma quantidade imaginável dos segundos. Ora, isso indica que os
prazeres intelectuais/espi rituais são qualitativamente superiores aos prazeres corpo
rais e, por conseguinte, devemos dar-lhes preferência, recusando-nos a trocá-los por uma
quantidade idêntica, ou mesmo maior, de prazeres corporais.
Mill defende-se deste modo da acusação de que, uma vez que defende que a vida
humana nào tem um fim mais elevado do que o prazer, o utilitarismo ê *uma doutrina
digna apenas de porcos- Para Mill, este tipo de acusaçào nào afeta tanto o utilitarismo
quanto os seus críticos, pois são estes (e não a sua doutrina) que parecem estar a pres
supor que os seres humanos sào incapazes de sentir prazeres alêm daqueles que os
porcos sentem.
120
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
Ora, isto significa que. de acordo com o utilitarismo, em qualquer situação, a açâo cor
reta é aquela que, comparada com todas as alternativas, tem as melhores consequências,
ou seja, aquela que gera o melhor estado de coisas possível, independentemente das
intenções e motivações do agente.
«[O] motivo nada tem a ver com a moralidade da ação, embora tenha muito a ver
com o valor do agente. Quem salva um semelhante de se afogar faz o que está moral
mente correto, quer o seu motivo seja o dever, ou a esperança de ser pago pelo incómo
do; quem trai a confiança de um amigo, e culpado de um crime, ainda que o seu objetivo
seja servir outro amigo para com o qual tem deteres ainda maiores.»
John Stujrt Mill. Utlíf turismo. Thid. Pedro VCidciu. Usbaj, Gr^dhJ. 12005). p. t»3
Assim, uma vez que sustenta que as intenções e as motivações do agente são irrele
vantes para o estatuto moral dos atos e que a avaliação moral das ações depende apenas
das suas consequências, o utilitarismo é uma teoria consequencialista.
Diz-se que uma teoria moral e consequencialista quando esta estabelece que
o estatuto moral dos atos depende exclusrvamente das suas consequências.
Além disso, uma vez que. como acabámos de ver, o utilitarismo de Mill defende que
a ação correta e aquela que mais promove o bem-estar agregado — isto e, aquela que
corresponde a um maior total de bem-estar depois de descontar a dor ã soma do prazer
de todos os envolvidos, independentemente da forma como esse bem-estar se encon
tra distribuído pelos diferentes indivíduos - podemos afirmar que se trata de uma teoria
agregacionista.
124
A Ação Hum-ana e oi Valores
Contudo, isso não significa que a ética utilitarista se revela incapaz de fornecer qual
quer orientação prática para a nossa conduta. Ao llongo dos tempos, a humanidade tem
vindo a aprender por experiência a tendência que certas ações têm para produzir felici
dade, ou infelicidade e, com base nessa experiência, podemos adotar certos princípios
secundários - que, de certa forma, derivam do principio da utilidade (ou da maior felicida
de) — e utilizá-los como guias relativamente seguros para a nossa conduta.
Por exemplo, quando um dado indivíduo se sente tentado a roubar, ou a matar alguém,
não é como se tivesse de considerar pela primeira vez se o roubo ou o homicídio são
benéficos ou prejudiciais para a felicidade humana. Dada a tendência geral dessas ações
para produzir mais infelicidade do que felicidade, podemos assumir como regra geral que
não devemos roubar, nem devemos matar ninguém.
Contudo, estes princípios secundários náo devem ser encarados como regras mo
rais absolutas, que devemos respeitar em toda e qualquer situação. Desde logo, porque
as peculiaridades de cada circunstância assim o exigem. No caso de dois princípios for
necerem recomendações contraditórias, por exemplo, temos de recorrer ao princípio
da utilidade (ou da maior felicidadei para saber qual delas deverá prevalecer sobre a
outra.
Para Mill, o facto de a teoria utilitarista dispor de um padrào último para resolver estes
casos difíceis torna esta teoria particularmente apelativa. Na sua opinião:
«Não c culpa de qualquer doutrina, mas sim da natureza complicada da vida humana,
que as regras de conduta nào possam ser estruturadas de tal forma que nào requeiram
exceções, e que dificilmente se possa estabelecer qualquer tipo de açào como sempre
obrigatória ou sempre condenáv el. (...] Não existe sistema moral algum sob o qual nào
ocorram casos inequívocos de obrigações contraditórias. Estas sào as verdadeiras di
ficuldades. os momentos intrincados na teoria ética e na orientação conscienciosa da
conduta pessoal. Sào ultrapassados, na prática, com maior ou menor sucesso, segundo
o intelecto c a virtude dos indivíduos; mas dificilmente pode alegar se que alguém está
menos qualificado para lidar com eles por possuir um padrào último para o qual podem
ser remetidos os direitos e deveres em conflito. Se a utilidade é a fonte última das obri
gações morais, pode ser invocada para decidir entre elas quando as suas exigências sào
incompatíveis.»
Jühn Stujn Mill. LYJlitariscnw. Trud. I^dro Madeira Lisboa. Gradna «L2l>lX5>. pp. 74-73
Ou seja, Mill considera que. devido á complexidade da vida humana, qualquer teoria
moral acabará por se confrontar com situações excecionais nas quais uma dada regra
parece não ter aplicação, ou nas quais surge um conflito entre deveres. Habitualmen
te. podemos simplesmente seguir os princípios secundários sem ter de estar perma
nentemente a fazer cálculos de utilidade. Contudo, nestas circunstâncias excecionais,
o utilitarismo recomenda que devemos recorrer ao padrão da utilidade para descobrir
o que devemos fazer, ou qual dos deveres deve ter primazia sobre o outro Na impos
sibilidade de recorrer ao padrão da utilidade, como um árbitro neutro, para decidir como
agir, qualquer teoria moral se revelará incapaz de oferecer qualquer orientação prática
neste tipo de situações.
122
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
O facto de algo ser desejado não prova que deve ser desejado, mas sim que pode ser
desejado (num sentido descritivo). Contudo, Mill pretende estabelecer que a felicidade de
cada pessoa é desejável para si mesma, num sentido normativo
Em segundo lugar, pode acrescentar-se que os criticos também têm atacado a premissa 7.
Esta premissa tem subjacente aquilo que ficou conhecido como ^falácia da composição".
123
A Açao Mumaoa e o* Valore*
Objeção ao hedonismo
O filósofo Robert Nozick concebeu uma engenhosa experiência mental para mostrar
que o hedonismo é falso, ou seja, para mostrar que a felicidade não consiste apenas no
prazer e na ausência de dor. Essa experiência mental ficou conhecida como «A maquina
de experiências*. Nozick apresenta-nos a sua célebre experiência mental nos seguintes
termos:
Robert ND/xk. Anurqufci. £Modbe Ltopfti. Trad Vítor Guerreiro. Ijsboa. Edlçâes 71> I2Ü09J. pp. 74 73
A crítica de Nozick ao hedonismo pode ser explicita mente formulada conforme se segue:
Críticas ao agregacionismo
O filósofo norte-americano John Rawls considera que esta conceção não respeita os
princípios da justiça social, pois náo tem em conta a separação entre os indivíduos Rawls
John Rawls
expõe esta critica nos seguintes termos:
<1921-20021
Aquilo que Rawls está aqui a dizer é que á escala individual faz sentido tomarmos
decisões com base nurr balanço entre perdas e ganhos ou seja, pode justificar-se fazer
um determinado sacrifício pessoal, se isso nos permitir obter uma maior satisfação global
das nossas preferências. Mas isso só acontece porque a pessoa que faz o sacrifício e a
pessoa que recebe o benefício são uma e a mesma. Contudo, o mesmo não se verifica se
estivermos apenas a considerar o maior total de bem-estar da sociedade como um todo,
sem ter em conta a forma como este se encontra distribuído. Nestas circunstâncias, os
maiores ganhos de alguns podem, efetivamente, compensar as perdas comparativamente
menores de outros, ou seja, para garantir um maior total de bem-estar podemos ter de
impor sacrifícios a uns para benefício de outros. Portanto, ao aplicarmos á sociedade
como um todo o mesmo princípio de escolha que usamos ã escala individual, estaremos,
erradamente, a encará-la como se fosse um único indivíduo
125
A Ação Hum-ana e oi Valores
A conclusão repugnante
Outra consequência repugnante relacionada com o caráter agregacionista do utilita
rismo de MilL é a seguinte: uma ação que resultasse numa sociedade com um grande
número de indivíduos com vidas que quase não merecem ser vividas seria preferível a
uma sociedade com poucos indivíduos com elevados índices de bem-estar
Para ilustrar aquilo que está aqui em causa atentemos na experiência de pensamento
que se segue.
População A População B
O utilitarismo de M II diria que era preferível criar a população B. pois ê aquela que
possui um maior total de bem-estar agregado. Contudo, toda a gente na população B
vive bastante pior do que qualquer indivíduo da população A. Ora, isto é uma implicação
inaceitável do utilitarismo, pois parece que podemos sempre melhorar um estado de coi
sas apenas aumentando o número de indivíduos com um nível minimamente positivo de
bem-estar.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
(1) Se o agregacionismo fosse verdadeiro, então uma açâo que resultasse numa socieda
de com um grande número de indivíduos que vivessem vidas que quase não merecem
ser vividas seria preferível a uma sociedade com poucos indivíduos, ainda que tives
sem vidas com elevados níveis de bem-estar.
<2) Ora. e falso que uma ação que resultasse numa sociedade com um grande número de
indivíduos que vivessem vidas que quase não merecem ser vividas seria preferível a
uma sociedade com poucos indivíduos, ainda que tivessem vidas com elevados níveis
de bem-estar.
{3) Logo, o agregacionismo ê falso. (De 1 e 2, por modus tollens)
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
Por exemplo, por vezes cometer uma injustiça ou fazer algo moralmente condenável,
como matar ou torturar inocentes, pode ser a coisa certa a fazer, desde que isso resulte
numa maior felicidade geraL Contudo, não parece correto tratar as pessoas como meros
meios para os fins de outras
Por exemplo, se o meu sonho de infância for ser um biólogo marinho, mas houver uma
carreira alternativa, como médico, por exemplo, que me permita promover maior felicida
de, então o utilitarismo condenaria o facto de eu perseguir o meu sonho de infância em
vez de me dedicar a uma carreira que me permitisse contribuir para um maior nível de
felicidade global.
127
A Ação Hum-ana e oi Valores
A boa vontade
Para Kant a única coisa que tem valor intrínseco absoluto e incondicional é a boa
vontade Segundo Kant, a inteligência, a coragem, a perseverança, e outros talentos que
habitualmente consideramos positivos, so são bons se a vontade que fizer uso deles for
boa. caso contrário, podem vir a ser muito prejudiciais. Se imaginarmos que esses talentos
são utilizados por um criminoso, torna-se claro aquilo que Kant tem aqui em mente.
Alem disso, para Kant, a própria felicidade não possui valor intrínseco, pois só pode ser
considerada boa se estiver associada a uma boa vontade: caso contrário, pode ter uma
má influência sobre o nosso comportamento, pois esse tipo de satisfação e contenta
mento pode tornar-nos desleixados e preguiçosos. AJem disso, se a felicidade não estiver
associada a uma boa vontade não tem qualquer tipo de valor, pois náo ê merecida. Kant
pensa que ninguém no seu perfeito juízo sentiria satisfação com a felicidade de um assas
sino que escapou à justiça, por exemplo.
«Nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação a não
ser uma só coisa: uma boa vontade. Discernimento, argúcia de espírito, capacidade de
julgar e como quer que possam chamar-se os demais talentos do espirito, ou ainda co
ragem. decisão, constância de propósito, como qualidades do temperamento, são sem
dúvida a muitos respeitos coisas boas e desejáveis; mas também podem tornar se extre
mamente más e prejudiciais se a vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais e
cup constituição particular por isso se chama caráter, não for boa. O mesmo acontece
com os dons da fortuna. Poder, riqueza, honra, mesmo a saúde, e todo o hem estar e
contentamento com a sua sorte, sob o nome de felicidade, dão ânimo que muitas vezes
por isso mesmo desanda cm soberba se não existir também a boa vontade que corrija a
sua influência sobre a alma |_); isto sem mencionar o facto de que um espetador razoá
vel e imparcial cm face da prosperidade ininterrupta de uma pessoa a quem não adorna
nenhum traço de uma pura t boa vontade nunca poderá sentir satisfação, e assim a boa
vontade parece constituir a condição indispensável do próprio facto de sermos dignos
da felicidade.»
129
6. A necessidade de fundamentarão da moral
|1| Se existem outras coisas além da boa vontade com valor intrín
seco incondicional, entào os dons naturais (como os talentos do
espirito e as qualidades do temperamento}, ou os dons da fortuna
(como a riqueza, a honra, a saúde e a felicidade) têm valor intrín
seco incondicional.
(2) Contudo, nem os dons naturais, nem os dons da fortuna têm va
lor intrínseco incondicional Ipois o seu valor depende sempre do
facto de estarem associados a uma boa vontade}.
|3) Logo, nào existem outras coisas além da boa vontade com valor
intrínseco incondicional. (De 1e 2, por modus talíens}
■-___________________________________________________________ -■
A premissa 2 sustenta que, uma vez que o valor dos dons natu
rais e dos dons da fortuna depende sempre do facto de estarem as
sociados a uma boa vontade, estes não são coisas intrinsecamente
valiosas. De acordo com as leis de De Morgan, esta premissa pode
ser corretamente interpretada como sendo a negação da disjunção
que aparece na consequente da condicional que surge na premissa 1.
Assim sendo, na linha 3 pode inferir-se, por modus to/íens, que a Aime-Nicolas Morot
única coisa intrinsecamente valiosa é a boa vontade. O Bom Samcrótono (1880)
«A boa vontade nào c boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para al
cançar qualquer finalidade proposta, mas tào-somente pelo querer, istoe, cm si mesma,
e, considerada cm si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo
o que por seu intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou
mesmo, se se quiser, da soma de todas as inclinações. Ainda mesmo que por um desfa
vor especial do destino [_] faltasse totalmente a esta boa vontade o poder de fazer vencer
as suas intenções, mesmo que nada pudesse alcançar a despeito dos seus maiores esfor
ços. c só afinal restasse a boa vontade l-.]. ela ficaria a brilhar por si mesma como uma
joia, como alguma coisa que em si mesma tem o seu pleno valor. A utilidade ou inutili
dade nada podem acrescentar ou tirar a este valor.»
Immanud Kant. FVndamentaçOo <fa Mfrupskci dos Costumes, Ttud. Pauk) Quincda
Lisboa. Ktbçôes 7Ú (2011). p. 23
Ou seja, Kant considera que a boa vontade é boa em si mesma e por si mesma, e não
pela sua capacidade para alcançar certos fins. Isto quer dizer que o seu valor nào depende
da sua utilidade, isto é, da sua capacidade de produzir certos estados de coisas bons ou
úteis, mas sim do facto de querer a coisa certa, do facto de querer cumprir o dever por
si mesmo, e nào como forma de alcançar este ou aquele fim para satisfazer algum tipo de
interesse ou inclinação pessoal
129
A Ação Hum-ana e oi Valores
Deste modo. Kant conclui que mesmo que uma boa vontade estivesse incapacitada
de cumprir os seus propósitos devido a algum constrangimento externo, ela não deixaria
de ter valor. Por exemplo, se um indivíduo que se encontra numa cadeira de rodas quiser
salvar uma criança de morrer afogada, a sua vontade não deixa de ter valor, apesar de este
nào ser capaz de efetivamente salvar a criança.
De acordo com o que foi estabelecido até aqui, podemos perceber que. para Kant, o
conceito de *boa vontade» e o conceito de *dever» são absolutamente inseparáveis.
Nenhum deles pode ser plenamente compreendido sem o outro. E esta ideia que Kant
parece querer reforçar nas linhas que se seguem:
Assim, depois de explicitar a sua teoria do valor Kant já pode apresentar a sua teoria
da obrigação, que, como acabamos de ver. se encontra estreitamente relacionada com a
primeira.
Para Kant uma ação e correta se. e so se, é executada por uma boa vontade. E a boa
vontade é aquela que age motivada pelo puro cumprimento do dever e não por qual
quer interesse ou inclinação pessoal. O que significa que para que uma ação tenha valor
moral tem de ser executada porque se reconhece que ela corresponde àquilo que deve
ser feito, isto é. àquilo que todo e qualquer agente moral, independentemente dos seus
desejos e preferências pessoais e subjetivos, deveria fazer nas mesmas circunstâncias.
As ações contrárias ao dever não exigem grandes explicações, são aquelas que vio
lam o dever, ou seja, são aquelas que Kant considera impermissíveis ou proibidas, coisas
que nunca podemos intencional mente fazer. Como por exemplo, roubar, matar inocentes,
torturar inocentes, mentir, quebrar promessas, ou outras ações que resultem na violação
dos direitos fundamentais das pessoas — como o direito à vida, o direito á integridade físi
ca e psicológica, o direito à propriedade privada, etc.
As ações conforme o dever são as que se encontram de acordo com o dever, mas que
não são realizadas por se reconhecer que seria correto fazê-lo. mas sim porque daí resulta
algum tipo de benefício ou a satisfação de um interesse ou Inclinaçáo pessoal. Como
acontece, por exemplo, quando alguém não rouba porque tem receio de ser apanhado,
ou não mente porque tem medo de ser castigado.
130
6. A necessidade de fundamentarão da moral
As ações por dever são as únicas que têm valor moral intrínseco, uma vez que sâo rea
lizadas por si mesmas, e não por aquilo que por seu intermédio possa vir a ser alcançado.
Isto é, sâo realizadas simplesmente porque correspondem àquilo que deve ser feito, sâo
motivadas pelo puro cumprimento do dever. Como, por exemplo, não mentir para cum
prir essa obrigação moral, ou nào roubar porque seria errado fazê-lo.
Para ilustrar melhor o contraste entre as ações por dever e as ações mera mente con
forme o dever Kant convida-nos a refletir sobre estes três casos:
Anda que esteja a agir em conformidade com o dever ao praticar o mesmo preço para
todos os seus clientes, este merceeiro está a agir apenas por interesse, e não por reco
nhecer que esse é o seu dever. Ora, uma vez que a sua ação não é motivada pelo puro
cumprimento do dever, Kant vai considerar que esta não tem qualquer tipo de valor moral
«Conservar cada qual a sua vida ê um dever, e c alem disso uma coisa para a qual Nota
toda a gente tem inclinação imediata. Mas por isso mesmo é que o cuidado, por vezes 1 Uma máxima é
ansioso, que a maioria dos homens lhe dedica nào tem nenhum valor intrínseco e a uma regra ou pnncí-
pio que nos manda
máxima1 que o exprime nenhum conteúdo moral. Os homens conservam a sua vida
agir de uma deter
conforme ao dever, sem dúvida, mas nào por dever. Em contraposição, quando ascon minada maneira.
trariedades e o desgosto sem esperança roubaram totalmcntc o gosto de viver; quando
o infeliz, com fortaleza de alma, mais enfadado do que desalentado ou abatido, desep
a morte, e conserva contudo a vida sem a amar, nào por inclinação ou medo, mas por
dever, então a sua máxima tem um conteúdo moral.»
Immanud Kant. Hí ntfumcmaçúi.i íAj Meiupskxi dos Curtumes. Trad. Paula Quiiuelu
Lisboa. Edições TV (JU11F, p. JH ' atLiptadol
131
A Açao Mumaoa e o* Valore*
Aqui, Kant convida-nos a comparar a situação de alguém que preserva a sua vida, guia
do por uma inclinação ou tendência natural, uma espécie de instinto de sobrevivência,
com a situação de alguém que, embora deseje a morte, preserva a vida, não por inclinação
ou por interesse, mas por puro dever. Apenas no segundo caso a ação de preservar a
vida é realizada porque o agente reconhece que esse é o seu dever e, por conseguinte,
apenas essa ação é vista por Kant como contendo algum tipo de valor moral
«Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, c há alem disso muitas almas de
disposição tão compassiva que. mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou inte
resse, acham íntimo prazer cm espalhar alegria a sua solta e se podem alegrar com o
contentamento dos outros, enquanto este c obra sua. Eu afirmo porém que neste caso
uma tal ação, por mais conforme ao dever, por mais amável que ela seja, não tem con
tudo nenhum verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras inclinações, por
exemplo o amor das honras, que. quando por feliz acaso topa aquilo que efetivamente c
de interesse geral c conforme ao dever, c. consequentemente, honroso e merece louvor
c estímulo, mas não estima: pois à sua máxima falta o conferido moral que manda que
tais ações se pratiquem, nào por inclinação, mas por dever. Admitindo pois que o ânimo
desse filantropo estivesse velado pelo desgosto pessoal que apaga toda a compaixão pela
sorte alheia, e que ele continuasse a ter a possibilidade de fazer bem aos desgraçados,
mas que a desgraça alheia nào o tocava porque estava bastante ocupado com a sua pró
pria; se agora, que nenhuma inclinação o estimula já. ele se arrancasse a esta mortal
insensibilidade c praticasse a ação sem qualquer inclinação, simplesmente por dever,
só então ê que ela teria o seu autêntico valor moral.»
Imminuc] Kant. H/ndiJincntuçdrj dü do* Cxisíumcs- Trud. Pdulo Quinteh,
IJjíbca. Edições 7Ú IZüll)- pp. 2M 29
Este último caso destaca um outro aspeto curioso da ética kantiana, que é o facto
de esta considerar que as nossas disposições, emoções e sentimentos, ainda que sejam
benéficas, como a simpatia, a compaixão, a gratidão, etc., funcionam sempre como uma
espécie de obstáculo ã nossa ação moral. Isto acontece porque se nos deixamos guiar
por este tipo de sentimentos, então não estaremos a agir apenas por reconhecer que a
ação em causa é aquela que deve ser realizada por todo e qualquer agente moral que
se encontre naquelas circunstâncias, mas sim porque, por sermos a pessoa que somos,
nos sentimos bem ao agir dessa forma.
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V *
Pierre Auguste-Renoir,
O Bcrife no Woòíún
de i'o Goíette |1876}
132
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
- etc.
• imperativos hipotéticos; ou
• imperativos categóricos
como acontece, por exemplo, com o seguinte imperativo: «Não copies no teste se não
queres ser apanhado!»
Nestes casos a ação não é realizada por si mesma, mas sim tendo em vista um
determinado fim. Só subscrevemos os imperativos se tivermos adotado certos desejos ou
se tivermos certos fins em vista. Isto significa que uma ação prescrita por um imperativo
hipotético pode, na melhor das hipóteses, ser uma ação conforme o dever (quando aquilo
que e prescrito coincide com o nosso dever), mas nunca será uma ação realizada por
dever e, por conseguinte, nunca poderá ter qualquer tipo de valor moral.
Assim, apenas os imperativos categóricos podem levar a ações por dever, isto é, ações
realizadas por se reconhecer que é aquilo que objetivamente deve ser feito e não por
que delas resulta um benefício ou a satisfação de um interesse ou inclinação pessoal; por
conseguinte, apenas essas ações podem ter valor moral.
133
A Ação Hum-ana e oi Valores
«O valor moral da açào não reside, portanto, no efeito que dela se espera: também
não reside cm qualquer princípio da açào que precise de pedir o seu móbil a este efeito
esperado. [_] Por conseguinte, nada senão a representação da lei em si mesma [_.] pode
constituir o bem excelente a que chamamos moral [...].
Mas que lei pode ser cntào essa cuja representação, mesmo sem tomar em conside
ração o efeito que dela se espera, tem de determinar a vontade para que esta se possa
chamar hoa absolutamente c sem restrição? Uma vez que despojei a vontade de todos
os estímulos que lhe poderiam advir da obediência a uma qualquer lei, nada mais resta
do que a conformidade a uma lei universal das ações em geral que possa servir de único
princípio a vontade, isto c: devo proceder sempre de maneira que eu possa querer tam
bém que a minha máxima se torne uma lei universal.»
Deste modo, Kant conclui que o princípio fundamental de toda a moralidade, aquilo
que daqui em diante chamaremos «o imperativo categórico*, pode ser assim formulado:
A premissa 1 limita-se a reconhecer que a máxima subjacente a uma ação pode tradu
zir-se num de dois tipos de imperativos: hipotéticos ou categóricos
A premissa 2 estabelece que para que uma ação tenha valor moral a máxima subjacen
te ã mesma não pode ser um imperativo hipotético. Isto acontece porque, conforme vimos
anteriormente, os imperativos hipotéticos nâo recomendam que a ação seja realizada por
si mesma, mas sim apenas como meio para alcançar um determinado fim. Mas, nesse
caso, ao agir desse modo o agente não estaria a valorizar a ação realizada, mas sim o fim
que pretende alcançar por seu intermédio
Daqui se segue, na linha 3, que para que uma ação tenha valor moral a máxima
subjacente ã mesma tem de ser um imperativo categórico
Por fim, na linha 5. conclui-se que uma ação tem valor moral se, e só se, a máxima sub
jacente ã mesma representa essa ação como objetivamente necessária, ou seja, «devo
proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se
torne uma lei universal».
Assim, agir por dever é agir somente em função de imperativos que representam a
ação como objetivamente necessária, independentemente do tipo de pessoa que somos,
dos desejos que temos ou dos fins que procuramos alcançar. Isto significa que a boa von
tade é aquela que adota o imperativo categórico como guia da sua conduta.
Quando queremos agir corretamente devemos abstrair-nos dos nossos desejos e in
clinações pessoais e perguntar se podemos consistentemente querer que a máxima
subjacente a nossa ação se converta numa lei universal. Se a resposta for sim, então a
ação pode ser realizada. Se a resposta for não, então a ação nâo deve ser realizada.
É precisamente esta ideia que Kant parece estar a defender no excerto que se segue:
«Nào preciso pois de perspicácia de muito Largo alcance para saber o que hei de
fazer para que o meu querer seja moral mente bom. Inexperiente a respeito do curso
das coisas do mundo, incapaz de prevenção em face dos acontecimentos que nele se
venham a dar, basta que eu pergunte a mim mesmo: - Podes tu querer também que a
tua máxima se converta em lei universal? Se nào podes, então deves rejeita La. e não
por causa de qualquer prejuízo que dela pudesse resultar para ti ou para os outros,
mas porque ela nào pode caber como princípio numa possível legislação universal.
Ora a razão exige me respeito por uma tal legislação [_]. [A] necessidade das minhas
ações por puro respeito a lei prática c o que constitui o dever, perante o qual tem de
ceder qualquer outro motivo, porque ele é a condição de uma vontade boa cm si. cujo
valor r superior a tudo.»
Immanud Kant. FUiKÍumcnrciçdo i?u Mcrupskxi dos Costumes, Trud. Pjuki Quinxdj
Ijsbaa, EdiçOcs 7l> ÍJJHI. pp. 36-37
135
A Ação Hum-ana e oi Valores
2) Estamos dispostos a querer que essa regra (máxima) seja adotada por todos?
Mas isto nào consiste em ver se seria bom ou mau que todos agissem de acordo com
uma determinada regra. Consiste, antes, em tentar perceber:
Caso seja possível conceber essa máxima como uma lei universal da natureza (isto é.
se a máxima nào se revelar autocontraditória caso seja concebida dessa forma), devemos
ainda perguntar-nos:
2b) Podemos consistentemente querer que essa máxima se converta em lei universal
da natureza? (Teste da consistência da vontade.)
Ou seja, procurar determinar se uma determinada vontade pode efetrvamente que
rer que essa máxima se converta em lei universal da natureza sem cair forçosamen
te em contradição consigo mesma.
Veja mos em seg u ida de q ue forma podemos apl ica r este teste a q uatro exem pios apre
sentados pelo próprio Kant.
«Uma pessoa, por unia serie de desgraças, chegou ao desespero e sente tedio da vida,
mas está ainda bastante cm posse da razão para poder perguntar a si mesma se nào será
talvez contrário ao dever para consigo mesma atentar contra □ própria vida. E procura
agora saber se a máxima da sua açào se poderia tornar cm lei universal da natuieza. A
sua máxima, porém, c a seguinte: Por amor de mim mesmo, admito como principio
que. se a vida, prolongando-se, me ameaça com mais desgraças do que me promete* ale
grias. devo encurtá-la. Mas pergunta se agora se este princípio do amor de si mesmo se
pode tomar em lei universal da natureza. Vê-se cntào cm breve que uma natureza cup
lei fosse destruir a vida em virtude do mesmo sentimento cujo objetivo é suscitar a sua
conservação, se contradiria a si mesma [_]. Por conseguinte, aquela máxima nào pode
ria de forma alguma dar-se como lei universal da natureza, c portanto c absolutamente
contrária ao princ ípio supremo de todo o dever.»
Neste primeiro exemplo, Kant interroga-se acerca da moralidade do suicídio por auto-
comiseração Para isso aplica o teste do imperativo categórico.
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
Em primeiro lugar, temos de determinar qual é a máxima subjacente a essa ação. Kant
sugere que a máxima aqui em causa é a seguinte: <Por amor próprio, põe fim à tua vida se
o futuro te reserva mais infelicidade do que felicidade*.
Neste caso, Kant conclui que a máxima apresentada não passa o teste da consistência
da máxima, pois uma máxima que recomenda que se destrua a vida por um sentimento de
autopreservaçâo contradiz-se claramente a si mesma e, por conseguinte, náo ê sequer
possível concebê-la como uma lei universal da natureza
«Umj outra pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado.
Sabe muito bem que nào poderá pagar, mas vê também que náo lhe emprestarão nada
se nào prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a
promessa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma: Nào c proi
bido c contrário ao dever livrar se de apuros desta maneira? Admitindo que se decidia
a fazê lo, a sua máxima de ação seria: Quando julgo estar cm apuros de dinheiro, vou
pedi lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá. Este prin
cípio do amor de si mesmo ou da própria conveniência pode talvez estar de acordo com
todo o meu bem estar futuro: mas agora a questào c a de saber se é justo. Converto as
sim esta exigência do amor de si mesmo cm lei universal e ponho assim a questão? Que
aconteceria se a minha máxima se transformasse cm lei universal? Vejo então imediata
mente que ela nunca ptxieria valer como lei universal da natureza e concordar consigo
mesma, mas que, pelo contrário, ela se contradiria necessariamente. Pois a universali
dade de uma lei que permitisse a cada homem que se julgasse cm apuros prometer o
que lhe viesse a ideia com a intenção de nào o cumprir, tornaria impossível a própria
promessa (.»]: ninguém acreditaria cm qualquer coisa que lhe prometessem c rir-se-ia
apenas de tais declarações como de vãos enganos.»
Kant conskiera que esta máxima náo passa o teste da universalização, pois nào pode
ser concebida sem contradição como uma lei universal da natureza. No momento em que
esta máxima se tomasse uma lei universal da natureza, o próprio ato de fazer promessas
deixaria de fazer sentido.
137
A Ação Humana e os Valore*
138
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
Kant começa por notar que não seria impossível conceber esta maxima como uma lei
universal da natureza, o que significa que esta máxima passa o teste da consistência da
máxima. Assim sendo, devemos procurar determinar se, ainda que a universalização des
sa máxima seja possível, podemos consistentemente querer que assim seja, ou seja, se
passa o teste da consistência da vontade.
Kant conclui que isso já não se verifica, isto é. embora passe o teste da consistência
da maxima, esta máxima náo passa o teste da consistência da vontade, pois nenhum ser
racional pode consistentemente querer que as suas capacidades fiquem completamente
por desenvolver, visto que desse modo ficaria privado de usufruir de tudo aquilo que estas
lhe permitiriam alcançar.
«Uma quarta pessoa ainda, que vive na prosperidade ao mesmo tempo que ve ou
tros a lutar com grandes dificuldades (e aos quais ela poderia auxiliar), pensa: Que é
que isso me importa? Que cada qual goze da felicidade que o ccu lhe concede ou que
ele mesmo pode arranjar: eu nada lhe tirarei dela, nem sequer o invejarei; mas contri
buir para o seu bem-estar ou para o seu socorro na desgraça, para isso é que eu nào es
tou! Ora supondo que tal maneira de pensar se transformava em lei universal da natu
reza, c verdade que o gênero humano podia subsistir, e sem dúvida melhor do que se
cada um se pusesse a palrar de compaixão e benquerença e mesmo se esforçasse por
praticar ocasional mente essas virtudes, ao mesmo tempo que, sempre que pudesse,
se desse ao engano, vendendo os direitos dos outros ou prejudicando-os de qualquer
outro modo. Mas embora seja possível que uma lei universal da natureza possa subsis
tir segundo aquela máxima, nào é contudo possível querer que um tal principio valha
por toda a parte como lei natural. Pois uma vontade que decidisse tal coisa põr se ia
cm contradição consigo mesma: podem com efeito descobrir-se muitos casos em que
a pessoa em questão precise do amor c da compaixão dos outros r cm que ela, graças
a tal lei natural nascida da sua própria vontade, roubaria a si mesma toda a esperança
de auxilio que para si deseja.»
Iminamid Kdnt. FVndamcntciçúo dei Mrtcipskxi dos Costumes. Trud. PJuJa ÇKiincdd
Ijsbaa, EdicOes71? ÍJJlll. pp. 63 66
Por fim, Kant serve-se do quarto exemplo para verificar se temos ou não o devei de aju
dar os outros, isto ê, de «contribuir para o seu bem-estar ou para o seu socorro^, como
Kant afirma no excerto.
Para isso, Kant convida-nos a imaginar uma pessoa abastada que se recusa a ajudar os
outros. Qual poderia ser a máxima subjacente á sua ação? Podemos imaginar que seria
algo do género: *Náo contribuas para o bem-estar dos outros, nem os ajudes quando es
tes tiverem necessidade*.
Kant considera que esta máxima também não passa no teste da universalização, pois,
embora não seja inconcebível ou contraditório supor que esta se torna uma lei universal
da natureza, um ser racional não pode consistentemente querer que isso aconteça. Ou,
como diz Kant, *uma vontade que decidisse tal coisa pór-se-ia em contradição consigo
mesmaj. Isto significa que embora passe no teste da consistência da máxima, esta máxi
ma náo passa no teste da consistência da vontade.
139
A Ação Hum-ana e oi Valores
Assim. Kant conclui que temos o dever de ajudar os outros. Mas e preciso notar que
Kant considera que este dever não é tão importante quanto o dever de não prejudicar
os outros, de não os enganar e de não violàr os seus direitos. Kant afirma claramente que
alguém que não ajuda os outros é. ainda assim, preferível a alguém que ocasionalmente
ajuda os outros, mas que noutras circunstâncias os prejudica ou atenta contra os seus
direitos fundamentais.
Como pudemos constatar através da análise destes quatro exemplos, temos deveres
para connosco {como ilustram os exemplos 1 e 3) e deveres para com os outros (como
ilustram os exemplos 2 e 4). Além disso, como ficou claro no exemplo 4, alguns dos nos
sos deveres têm prioridade sobre outros. Os deveres representados nos exemplos 1 e 2
correspondem àquilo que Kant chama de «deveres perfeitos» e tem prioridade sobre os
deveres representados nos exemplos 3 e 4. que correspondem àquilo que Kant chama de
«deveres imperfeitos*. Eis o que Kant tem a dizer acerca desta distinção:
«Temos que poder querer que a máxima da nossa açào se transforme em lei uni
versal: é este o cânone pelo qual a julgamos moral mente cm geral. Algumas açòes sào
de tal ordem que a sua máxima nem sequer se pode pensar sem contradição como lei
universal da natureza, muito menos ainda se pode querer que devam ser tal. Em ou
tras nào se encontra, na verdade, essa impossibilidade interna, mas é contudo impos
sível querer que a sua máxima se erga á universalidade de uma lei da natureza, pois
que uma tal vontade se contradiria a si mesma. Facilmente se vê que as do primeiro
gênero contrariam o dever estrito ou estreito (iniludível), c as do segundo o dever
mais Largo (meritório}.»
Imminucl Kant, H/ndumcntaça» efu Mrtaf&toa dmc Gcisiumcs. Trad. Paula Quintcla,
Lisboa. Edições 7Ü (2ÜÍII, pp Mi
Deste modo, podemos afirmar que os deveres perfeitos são indicados por máximas
que nào passam no teste da consistência da máxima, isto é, por máximas que nem sequer
podem ser concebidas como leis universais, pois seriam autocontraditórias.
Estes deveres são considerados perfeitos, pois nào admitem qualquer exceção em
favor da inclinação, isto é, devem ser observados em toda e qualquer circunstância. Este
tipo de deveres prescreve um respeito total pelos direitos fundamentais das pessoas
— como o direito ã vida, á liberdade, à integridade física e psicológica, entre outros -
e, por conseguinte, estabelece de uma forma perfeitamente delineada um conjunto de
restrições absolutas, ou seja, de coisas que nunca podemos intencionalmente realizar,
independentemente das suas consequências. Por esse motivo, os deveres perfeitos são,
geralmente, formulados na negativa, por exemplo: *Não mates!»; «Nào mintas!*: «Não
tortures inocentes!»; etc.
Ora, isto significa que, por melhores que sejam as consequências, Kant considera que
nunca podemos atentar contra os direitos fundamentais das pessoas, o que signrfica que
nunca devemos matar, prender, agredir ou enganar ninguém. Assim, Kant considera, por
exemplo, que temos o dever perfeito de nào fazer falsas promessas para resolver proble
mas pessoais.
140
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
Por sua vez, os deveres imperfeitos são indicados por máximas que não passam no
teste da consistência da vontade, isto é. por maximas que, embora possam ser concebi
das como leis universais, nenhuma vontade pode consistentemente querer que isso acon
teça, pois, nesse caso, estaria a cair em contradição consigo mesma.
Estes deveres são considerados imperfeitos, pois limitam-se a estabelecer certos fins
obrigatórios isto é, dizem-nos que devemos procurar alcançar certas coisas - designa
damente. o nosso aperfeiçoamento pessoal e a felicidade geral -, mas não especificam
de forma clara e delimitada em que extensão devemos fazê-lo. Os deveres imperfeitos
são, geralmente, formulados na positiva, porque recomendam que se procure fazer certas
coisas. Contudo, a natureza dessas recomendações é sempre vaga e indeterminada, pois
não se diz exatamente o que é que temos de fazer no sentido de as cumprir. Por exemplo:
«Ajuda os outros em necessidade!*; «Cultiva os teus talentos!*; etc.
Isto significa que, para Kant temos o dever imperfeito de ajudar os outros em necessi
dade, mas isto não deixa claro que tipo de ajuda, ou que quantidade de ajuda, temos exa
tamente de oferecer para que possamos considerar que esse dever está a ser cumprido.
Conforme foi anteriormente referido, Kant estabelece ainda que em circunstância al
guma se justificaria violar um dever perfeito para assegurar o cumprimento de um dever
imperfeito. Ou seja.
Não por fim a própria vida por Não fazer falsas promessas para
Perfeitos autocomiseraçào resolver problemas pessoais
(Exemplo 1) (Exemplo 2)
Lawrence
Alma-Tadema.
Safo e AJceu
(1881)
141
A Ação Hum-ana e oi Valores
Ao caracterizar a ação moralmente correta como aquela que segue o imperativo cate
górico. Kant está a dizer-nos que para agir moralmente devemos ser autónomos, isto é.
não devemos ceder aos impulsos dos nossos desejos imediatos e das nossas inclinações
naturais. Em vez disso, devemos procurar
A palavra «autonomia» tem origem nas palavras gregas «auto», que significa «de si
mesmo* e «nomos» que significa «lei». Assim, uma pessoa e autónoma quando é capaz
de fornecer a si mesma a sua própria lei. Ou, dito de outra forma,
Isto significa que quando, em vez de adotar o imperativo categórico, seguimos as nos
sas inclinações e interesses particulares sto é, quando adotamos como máxima da nos
sa ação um imperativo hipotético, não estamos a respeitar a autonomia da nossa vonta
de, pois, à semelhança do que acontece com as criaturas irracionais, estamos a permitir
que esta seja determinada pelos efeitos que deseja obter, em vez de se autodeterminar
por um imperativo moral de natureza racional
Para deixar esta ideia suficientemente clara, Kant apresentou duas formulações alter
nativas do seu imperativo categórico.
Kant considera que as três formulações do imperativo categórico têm subjacente uma
e a mesma ideia e, consequentemente, possuem as mesmas implicações praticas No fundo,
aquilo que está aqui a ser dito é que, em virtude de possuírem racionalidade e autonomia da
vontade, apenas as pessoas, ao contrário de tudo o resto que existe na natureza, tém valor
intrínseco incondicional, aquilo a que Kant chama de «dignidade humana» Ora, o respeito
por essa dignidade implica tratar as pessoas como seres racionais e autónomos, capazes de
legislar para si mesmos, e nâo como meros instrumentos ao serviço de inclinações naturais
e interesses pessoais, ou seja, como fins em si e jamais apenas como meios.
142
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
O problema da indeterminaçào
Um dos problemas que a ética kantiana enfrenta é aquilo que ficou conhecido na
literatura como ^problema da indeterminação*. Este problema prende-se com o facto
de uma mesma ação poder estar associada a várias máximas diferentes. Algumas des
sas máximas podem levar-nos a classificar essa ação como moral mente correta, outras
como moralmente errada. Por exemplo, imaginemos um pai que num domingo de manhã
decide ir passear com o seu filho ao parque. A sua açào pode ter sido motivada pelo
cumprimento do dever ou pelo prazer de brincar com o filho. Contudo, na ausência de um
procedimento preciso que nos permita determinar em cada caso qual dessas máximas
motivou efetrvamente a açào. nào estaremos nunca em condições de fazer uma avaliação
conclusiva da mesma.
Conflitos de deveres
Conforme vimos acima. Kant diz-nos que temos certos deveres absolutos. Ora, isso
significa que nunca é permissível fazer o que estes deveres proibem (por exemplo, matar
intencionalmente pessoas inocentes, roubar, enganar, etc.). Contudo, podemos imaginar
situações nas quais esses deveres entram em conflito (por exemplo, posso ter de mentir
para evitar ter de matar). Mas, se ambos os deveres são absolutos, então somos conduzi
dos a um conflito irresolúvel entre eles, sem ter nenhuma forma de os hierarquizar e de
estabelecer uma prioridade entre eles.
Se quisermos mostrar que esta bicondicional é falsa, temos de mostrar que e possível
que uma das proposições que a compõem seja verdadeira, ao passo que a outra é falsa.
Os críticos têm tentado demonstrar que há máximas que o próprio Kant estaria dispos
to a aceitar que são imorais embora passem no teste da universalização. Por exemplo, a
máxima: *Mata qualquer pessoa que te estorve* e claramente imoral e. no entanto, parece
resistir ao teste do imperativo categórico, pois não é autocontraditória, nem implica que
uma vontade que quisesse que esta se tornasse uma lei universal estaria forçosamente
em contradição consigo mesma.
Claro que Kant poderia dizer que a açào prescrita por esta máxima é imoral, pois im
plica tratar os outros como meros meios para os nossos próprios fins e, por conseguinte,
estaria a ir contra a segunda fórmula do imperativo categórico. Contudo, isso significaria
que, afinal, as diferentes formulações do imperativo categórico nâo tem as mesmas impli
cações práticas.
143
A Ação Hum-ana e oi Valores
De acordo com a etica kantiana, uma pessoa é um agente racional, dotado de autonomia
e dignidade pelo que é nossa obrigação respeitar os seus direitos fundamentais em to
das as nossas ações. No entanto, os recém-nascidos, os deficientes mentais profundos e
alguns animais não humanos não são pessoas, nesse sentido kantiano. Mas apesar disso,
sentimos que temos obrigações morais para com eles e que nâo é permissível tratá-los
de qualquer forma.
Ao considerar que para agir moralmente temos de nos abstrair de todas as nossas incli
nações e agir segundo um imperativo ditado pela razão, a ética kantiana parece esvaziar
a moralidade de algumas emoções que lhe estão frequentemente associadas, como a
compaixão a simpatia e o remorso 3arece inegável que os nossos sentimentos, desejos
e emoções também têm um papel a desempenhar no domínio da moralidade e se a ética
kantiana não deixa espaço para esse papel, então temos de reconhecer que isso é uma
limitação desta teoria.
ESQUEMATIZANDO
+ +
f T
MlLL KANT
■ ir -r B
■
A felicidade A boa vontade ■
4
Objeções 4
Objeções
• Objeções ao argumento
0 que toma umâ ac a o • 0 problema da
a favor do princípio da
certa ou enada7 indeterminação
utilidade
• Conflitos de deveres
• Objeção ao hedonismo
■ T 4
4 ’ Há máximas imorais
» O problema da separação
universalizáveis
entre os indivíduos MlLL KANT
• Alem das pessoas
• A conclusão repugnante Uma ação e correta Uma ação e correta
se, e só se, e se, e sõ se, podemos • 0 lugar das emoções
• Objeção da
aquela, de entre conseq u entemente na etica
permissrvidade extrema
... as alternativas querer que a máxima ■ ■
144
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
RESUMO
• Algo temi valor intnnseco se, e sõ se, tem valor em si mesmo e por si mesmo, isto
e, independentemente daquilo que possa por seu intermédio ser alcançado.
• Algo tem valor instrumental se, e so se, tem valor apenas como meio para
alcançar certos fins.
• O utilitarismo de John Stuart Mill caracteriza-se por defender que:
• O utilitarismo de Mill e uma teoria agregacionista. pois defende que a ação cor
reta e aquela que produz o maior total de bem-estar agregado, independente
mente da forma como este se encontra distribuído pelos diferentes indivíduos.
• Mill não defende que devemos recorrer permanentemente ao princípio da
utilidade para tomar decisões, mas sim que devemos adotar certos princípios
sec un dários, qu e a experiénc ia já demonstrou serem ten den ciai mente cond u-
centes a maior felicidade, e utilizá-los como guias relativamente seguros para
a nossa conduta.
• Estes princípios secundários não devem ser encarados como regras morais
absolutas.
145
A Ação Hum-ana e oi Valores
- a ação correta e aquela que e executada por uma boa vontade, isto e, que
e motivada pelo puro cumprimento do dever.
- A boa vontade e aquela que age motivada pelo puro cumprimento do dever,
e não por qualquer interesse ou inclinação pessoal.
- Para Kant uma ação ê correta se. e so se, e executada por uma boa vontade.
• Kant distingue três tipos de ações: ações contrárias ao dever; ações confor
me o dever e ações por dever.
- As ações por dever são as únicas que têm valor moral intrínseco, uma vez que
são realizadas por si mesmas, e não por aquilo que por seu intermédio possa
vir a ser alcançado.
- Kant considera que quando agimos e como se estivessemos a seguir uma máxima,
isto e, uma regra ou principio que nos manda agir de uma determinada maneira.
- Os imperativos que seguimos quando agimos podem ser de dois tipos: impe
rativos hipotéticos ou imperativos categóricos.
- Os imperativos categóricos têm su bjacente a forma: <Faz x!* (ou «Não faças x!|>;
portanto, sáo absolutamente incondicionais, isto e, representam a ação como
objetivamente necessária.
I 146
6. A ncceiiãdadc de fundamentação da moral
• Uma vontade e autónoma se, e só se, age segundo leis que formula para si • regras morois obso lutas
mesma.
• boo vontade
• Uma vontade é heteronoma quando, em vez de fornecer a si mesma a sua
• dever
própria lei, esta e-lhe imposta a partir de fora, em vez de se autodeterminar
por um imperativo moral de natureza racional. • açòes contrários ao dever
• Ao contrário de tudo o resto que existe na natureza, as pessoas têm valor • açòes conforme o dever
intrínseco incondicional: a dignidade humana.
• açòes por dever
• Kant sugere outra formulação do imperativo categórico, que recomenda o
• máximo
seguinte: age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa
como na pessoa de qualquer outra, sempre e simultaneamente como fim em • imperotivo hipotético
si e nunca simplesmente como meio.
• imperotivo categórico
• A ética kantiana enfrenta as seguintes criticas:
• deontologia
- não permite fazer uma avaliaçào conclusiva de uma ação quando nào so
• lei moral
mos capazes de determinar com exatidão qual ê a máxima subjacente à
mesma - problema da indeterminaçáo; • teste da universalização
- não permite resolver conflitos entre deveres absolutos; • deveres perfeitos
- não e consistente com o facto de haver máximas imorais universalizáveis; • deveres imperfeitos
-implica, erradamente, que só temos obrigações morais para com seres • autonomia da vontade
racionais, morais e autónomos;
• heteronomio da vontode
- implica, erradamente, que os nossos desejos e emoções não têm um papel
a desempenhar no domínio da moralidade. • dignidade humona
147
A Ação Hum-ana e o« Valore»
Questões propostas
GRUPO I
1. De acordo com o utilitarismo de MilL a única coisa que tem valor intrinseco é
(B) promove o maior total de felicidade independentemente da forma como está distribuída.
(D) promove a felicidade apenas daqueles que são dignos de ser felizes.
3. O utilitarismo de Mill
{A) ê uma teoria hedonista, pois defende que a felicidade consiste apenas no prazer e na ausên
cia de dor.
(B) não ê uma teoria hedonista, pois defende que a felicidade consiste apenas no prazer e na
ausência de dor.
(C) é uma teoria hedonista, pois defende que a felicidade não consiste apenas no prazer e na
ausência de dor.
(D) não é uma teoria hedonista, pois defende que a felicidade não consiste apenas no prazer e
na ausência de dor.
4. O utilitarismo de Mill
{A) é uma teoria deontologica. pois defende que as consequências nâo são o único fator relevante
para determinar o estatuto moral dos atos.
< B F é uma teoria deontológica, embora defenda que as consequências são o único fator relevante
para determinar o estatuto moral dos atos.
é uma teoria consequencialista. pois defende que as consequências são o único fator rele
vante para determinar o estatuto moral dos atos.
(D) é uma teoria consequencialista, embora defenda que as consequências não são o único fator
relevante para determinar o estatuto moral dos atos.
IA) devemos usar o princípio da utilidade em todas as nossas tomadas de decisão, pois não exis
tem princípios secundários para orientar a nossa conduta.
(B) devemos usar o princípio da utilidade em todas as nossas tomadas de decisão, embora exis
tam princípios secundários para orientar a nossa conduta.
<C) não devemos usar o princípio da utilidade em todas as nossas tomadas de decisão, pois exis
tem princípios secundários para orientar a nossa conduta.
(D) não devemos usar o princípio da utilidade em todas as nossas tomadas de decisão, embora
não existam princípios secundários para orientar a nossa conduta.
148
Quc-stõei propostas
a boa vontade.
o prazer espiritual.
7. A ética kantiana
é uma teoria consequencialista, pois defende que as consequências são o único fator rele
vante para determinar o estatuto moral dos atos.
(B) é uma teoria consequencialista, embora defenda que as consequências não são o único fator
relevante para determinar o estatuto moral dos atos.
é uma teoria deontológica, pois defende que as consequências não são o único fator relevan
te para determinar o estatuto moral dos atos.
{D) é uma teoria deontológica, embora defenda que as consequências são o único fator relevan
te para determinar o estatuto moral dos atos.
8. Para Kant, quem age segundo a máxima: <Não copies, se não queres que o teu teste seja anu
lado'»,
*Quem salva um semelhante de se afogar faz o que está moralmente correto, quer o seu motivo
seja o dever ou a esperança de ser pago pelo incómodo.»
(B[ Tanto Kant como MiII diriam que a afirmação não é verdadeira.
149
A Ação Hum-ana e o« Valore»
Questões propostas
GRUPOU
1. Por que razao Mill sustenta que existem prazeres qualitativamente superiores e prazeres quali
tativamente inferiores?
3. Distingue ações conforme o dever de açoes por dever. Ilustra a tua resposta com exemplos*
4. Distingue deveres perfeitos de deveres imperfeitos. Ilustra a tua resposta com exemplos.
GRUPO III
«Um avião transportando 120 passageiros perde o controlo sobre uma arca densamrntc povoada. Nào
hã tempo para evacuar as pessoas c o impacto do avião irá certamcnte matar milhares de pessoas.
A única acção possível c abater o avião. Deveria vocè fazê-lo?»
Ben Dupfú, 5Ü Idelus dc FfkjscJilu. Trud. large Pcreirmha Pires, Lisboa. D. Qiuxmc l'2ÚU>, p ti4 iudapeada}
150
7. O proMeraw» da justiça social
A filosofia política é uma área que estuda a maneira como devemos viver em sociedade,
isto é, trata de saber quais as formas corretas de organização social. Um dos problemas
centrais da filosofia política e o problema da justiça social que pode ser formulado da
seguinte forma:
- O que é realmente uma sociedade justa? Ou seja, quais os princípios gerais em que
se deve basear uma sociedade justa?
• Uma sociedade em que há. ao mesmo tempo, pessoas muito ricas e pessoas muito
pobres pode ser justa?
Imaginemos uma sociedade em que grande parte das pessoas vive em grande pobreza,
apesar de existir uma pequena elite de pessoas multimilionárias. Sera esta sociedade justa?
Imaginemos outra sociedade em que as pessoas têm exata mente a mesma riqueza e em
que tudo é distribuído igualitariamente. Sera justa uma tal sociedade onde todos tém o mes
mo, independentemente do que trabalhem, do que se esforcem ou dos dons que tenham?
Afinal, o que é efetivamente uma sociedade justa? Este problema tem a ver com a jus
tiça social ou distributiva (sobre a forma como estào distribuídos os recursos ou a riqueza)
e nâo com a justiça retributiva (sobre a finalidade das penas atribuídas em tribunal}.
151
A Ação Hum-ana e oi Valores
Desse modo, Rawis defende uma teoria da justiça como equidade, dado que, como
podemos analisar nos argumentos mais abaixo, os princípios da justiça são aqueles que
seriam escolhidos numa situação de imparcialidade e equidade, ou seja, em que todas
as pessoas merecem ã partida igual consideração. Tendo em conta que os princípios da
justiça são aqueles que resultariam de um acordo {ou de uma especie de contrato) livre
entre decisores racionais, a teoria de Rawis segue o <contratualismo> em filosofia política.
Os princípios do justiço
Então, o que e uma sociedade justa? Numa primeira formulação, Rawis afirma que:
Mas John Rawis clarifica essa formulação ao defender que uma sociedade e justa na
medida em que satisfaz dois princípios: o primeiro princípio da justiça designa-se como
princípio da liberdade igual* e o segundo principio subdivide-se no ^princípio da opor
tunidade justa» e no «princípio da diferença*.
152
7. O proMeraw» da justiça social
De acordo com John Rawls. o primeiro princípio tem uma prioridade sobre o segundo
principio - sendo que neste segundo princípio, 2a) tem prioridade sobre 2b). Ou seja, a
melhoria na igualdade de oportunidades não pode ser feita ã custa de uma menor liber
dade e, por sua vez. a promoção da posição dos mais desfavorecidos não pode implicar
sacrifício nas oportunidades. A ideia geral é que atingindo um nível de bem-estar acima
da luta pela sobrevivência, a liberdade tem uma prioridade absoluta sobre o bem-estar
económico ou a igualdade de oportunidades. Por exemplo, ainda que traga vantagens
económicas, não se pode defender a escravatura, dado que ê incompatível com o reco
nhecimento da liberdade igual. Em suma. Rawls não admite desigualdade quanto à distri
buição do valor da liberdade.
No segundo princípio da justiça, que se subdivide em 2a) e 2b), sustenta-se que podem
existir desigualdades económicas. A ideia é que as desigualdades podem funcionar como
um sistema de incentivos. Isto porque sem desigualdades, numa sociedade perfeitamente
igualitária, tais incentivos seriam eliminados e, por conseguinte, não haveria razões sociais e
económicas para os indivíduos desenvolverem carreiras que implicam estudo e preparação.
Com isso, a sociedade no seu todo ficaria a perder. Ora. de acordo com Rawls, as desigual
dades económicas podem ser aceites, mas para isso ele estabelece condições: a desigual
dade é aceite se for moralmente legítima, ou seja, caso respeite, cumulativamente, 2are
2b). Por outras palavras, se forem conjunta mente satisfeitos o princípio da oportunidade
justa e o princípio da diferença, então as desigualdades são moralmente permissíveis.
153
A Ação Hum-ana e oi Valores
Mas como justifica Rawls estes princípios da justiça? Existem duas vias de justificação:
Consiste em avaliar os princípios sugeridos por Rawls à luz das nossas intuições morais
e, assim, ver a sua pertinência. Então, segundo (I). que razões temos para escolher os prin
cípios da justiça?
Do mesmo modo, o princípio 2a)justifica-se porque as pessoas não são moralmente res
ponsáveis pelas circunstâncias do seus próprios nascimentos e, mais especificamente, por
nascerem numa família de perfil socioeconómico baixo ou de perfil alto. Ou seja, constata-se
que, na realidade, existe uma lotaria social (as pessoas nascem em contextos socioeco-
nómicos muito diferentes) e certos indivíduos podem ficar impedidos de aceder a funções
e cargos por falta de oportunidade de educação e cultura. Mas este tipo de contingências
sociais é arbitrado do ponto de vista moral, pois os indivíduos que nascem nesses contextos
não são responsáveis por isso. Assim, de fornia a minimizar a lotaria social, precisamos do
princípio da oportunidade justa. Por isso é necessário, por exemplo, que o Estado garanta
a todos o acesso à educação (independentemente do contexto social). Mais fomialmente,
pode apresentar-se esse argumento com uma estrutura dedutivamente válida:
154
7. O problema da justiça social
Por fim. o principio 2b) justifica-se, pois as pessoas não são moralmente responsá
veis pelos seus dotes naturais, isto é, por nascerem com boas capacidades cognitivas ou
com deficiência mental, por nascerem com bons ou maus talentos, e estes talentos sâo
desigualmente remunerados pelo mercado. AJém disso, nenhuma forma de igualdade de
oportunidades permite minimizar ou retificar esta lotaria natural.
155
A Ação Hum-ana e oi Valores
Pode pensar-se em várias estratégias para ver o que seria justo fazer. Pode proceder-se,
por exemplo, a um acordo verbal antes do jogo no sentido de jogar segundo um conjunto
bem conhecido de regras do jogo. Contudo, os nossos jogadores nào fizeram esse acor
do verbal antes do jogo e. por isso, eles nâo podem recorrer a essa estratégia. Uma outra
estratégia poderá passar por solicitar o conselho de um *espetador imparcial», um árbitro,
como os pais do José e da Maria. Mas vamos supor que ninguém está a assistir a esse jogo
e, dessa forma, nâo podem usar essa estratégia para resolver o seu desacordo.
Resta ainda uma outra estratégia possível: fazer apelo a um acordo hipotético, isto é,
mental mente eles podem analisar o acordo que se teria feito se cada um tivesse colocado
a questão antes de o jogo começar. Esse acordo hipotético exige certas circunstâncias:
• é preciso abstrair da vida real e imaginar que o acordo teria sido feito antes de as
cartas serem dadas;
Com esta estratégia de acordo hipotético, talvez o José consiga convencer a Maria de
que, se tivessem discutido o assunto, teriam acordado em anular a jogada.
a) Uma experiência mental em que se imagina uma situação em que as pessoas (as
partes) de uma sociedade são levadas a avaliar os princípios da justiça.
b) Mas as partes estão cobertas por um véu de ignorância que as faz desconhecer
quem são na sociedade e quais as suas peculiaridades individuais, garantindo desta
forma uma imparcialidade na escolha dos princípios da justiça. Nomeadamente, as
partes cobertas com o véu de ignorância não sabem qual é o seu lugar na socieda
de, nem a importância da classe social a que pertencem, o seu estatuto social, sexo,
etnia, a sua posse de atributos naturais (por exemplo, se têm Ql elevado ou não), e a
sua própria ideia de bem. Devido a esta ignorância, as partes nào sabem como ser
parciais a seu favor e, assim, veem-se obrigadas a agir imparcialmente.
c) Do mesmo modo, as partes estão interessadas em escolher o que é melhor para si,
tendo interesse em obter bens sociais primários: ou seja, coisas que são valiosas seja
qual for o projeto de vida, tal como liberdades, oportunidades, rendimento e riqueza
156
7. O proMeraw» da justiça social
Sociedade 1 10 8 2
Sociedade II õ 5 5
Sociedade III 9 7 3
Na posição original, com o véu de ignorância e seguindo a regra maxrmmi, as partes es
colheriam viver na sociedade II. pois o pior que lhes poderia acontecer (o valor 5, na tabela)
seria melhor do que o pior que lhes poderia acontecer nas outras sociedades (2 ou 3). As
partes, ao seguirem a regra maximin, olham apenas para os mais desfavorecidos, querendo
oferecer-lhes as melhores condições possrveis. Por isso, escolheriam os princípios 2a) e 2b).
Mas será que as partes não poderiam escolher na posição original um outro
Nota
princípio, como, por exemplo, um princípio utilitarista7 Na sociedade I temos uma
soma total de 20 de bens
De acordo com um tal princípio, a melhor situação social ê aquela em que sociais primários (10 + 8 + 2)
ao passo que na sociedade
há um maior número agregado de bens sociais. Assim, com base no princí
II temos uma soma total de
pio utilitarista e tendo em consideração a tabela apresentada acima, a melhor 16 de bens sociars primários
sociedade seria a sociedade I em vez da sociedade II (pois, a soma de bens |6 4- 5 4- 5).
sociais na sociedade I é maior do que na sociedade II).
Contudo, de acordo com Rawls. não podemos aceitar tal resultado ao usar a metodologia
da posição original. Pois o princípio utilitarista não assegura garantias mínimas para nin
guém. Seguindo esse princípio, podem existir grandes desigualdades (tal como se verifica na
sociedade I, em que uma pessoa tem 10 de bens sociais primários e outra tem apenas 2 de
157
A Açao Humana e o*
tais bens). Assim, pelo menos em teoria, é possível pensar que um conjunto de indivíduos veja
as suas liberdades sacrificadas, como no caso da escravatura, para gerar um maior bem-estar
para a maioria. De igual forma, as oportunidades ou os níveis de rendimentos e de riqueza
de alguns podem ser significatrvamente prejudicados em nome do bem-estar geral. Contudo,
de acordo com a teoria da justiça de Ralws não se podem sacrificar as liberdades básicas, a
liberdade equitativa de oportunidades e a distribuição de acordo com o principio da diferença.
Serão estes argumentos plausíveis? Será que temos realmente uma sociedade justa
se seguirmos os princípios propostos por Rawls? Vale a pena considerar duas importantes
objeções:
Para defender essa ideia, Nozick, no livro Anarquia, Estodo e Ltopía, apresenta a ex
periência mental de Wilt Chamberlain. Muito resumidamente, suponha-se que Cham-
berlain é o melhor jogador de basquetebol e que a sociedade em que vive distribui a
riqueza segundo o principio da diferença. Designamos uma tal distribuição de rique
za <D1*. Suponha-se também que Chamberlain assina um contrato com uma equi
pa que tem a seguinte cláusula: nos jogos em casa, recebe 25 cêntimos por cada bi
lhete de entrada. Imagine-se que todos o querem ver jogar e que Chamberlain ganha
25 000 euros. Assim, gera-se uma nova distribuição muito desigual de riqueza na sociedade
em questão, que designamos *D2>, violando-se o princípio da diferença (dado que esse di
Robert Nozick
nheiro não beneficia os mais desfavorecidos).
(1938-2010)
De acordo com Rawls, se D2 não coincidir com o tipo de distribuição exigida pelo prin
cípio da diferença, será necessário redistribuir o dinheiro para se voltar ao padrão inicial
Dl. Mas para voltar a esse padrão inicial D1, de forma a respeitar o princípio da diferença,
será necessário o Estado redistribuir o dinheiro de Chamberlain, por exemplo, através
de impostos. Contudo, para Nozick, com isso há uma limitação da liberdade individual.
158
7. O prokáeraw» da justiça social
Por outras palavras, seguindo a ética deontológica de Kant, o Estado estaria a tratar Cham-
berlain como um mero meio. Por isso, para haver um verdadeiro respeito pela liberdade
individual, Nozick não aceita o principio da diferença. Tal como Nozick afirma:
«A lição ilustrada pelo exemplo dc Wilt Chamberlain (.J è que nenhum princípio
finalista ou princípio distributivo padronizado dc justiça [como o princípio da diferen
ça] pode ser continuadamentc realizado sem interferir continuadamentc na vida das
pessoas. (_) Para manter um padrão c preciso ou interferir continuadamentc para im
pedir as pessoas de transferirem recursos a vontade, ou interferir continuadamentc (ou
periodicamente) para retirar a algumas pessoas recursos que outros por alguma razão
decidiram transferir para elas.»
Robcrt Nüütlck. Araci/qula. Crtodoe LYopla. Edições 7U (2009), p. 207
4
T
(Principio da diferençai
4
Interferência do Estado
(impostos)
a
+
Eticamonto inaceitável
2, Mas, uma vez dado o rendimento e a riqueza ás pessoas segundo o princípio da di
ferença, algumas gastá-los-ão. outras obterão mais, e assim a sociedade acaba por
se afastar do princípio da diferença. Portanto, algumas ações livres (trocas, ofertas,
apostas, seja o que for) conseguem quebrar o padrão.
3, Para que o padrão inicial seja reposto, a propriedade terá de ser redistribuída.
O Estado terá de intervir através de meios como a cobrança de impostos. Deste
modo, para se concretizar o padrão do principio da diferença, o Estado tira a alguns
indivíduos (sem o seu consentimento) parte daquilo que possuem legitimamente,
para beneficiar os mais desfavorecidos.
159
A Ação Humana e os Valore*
Isto porque a avaliação dos princípios da justiça é uma escolha moral. Ora, com o <véu
de ignorância* de Rawls, tais escolhas são realizadas apenas de forma egoísta e por inte
resses pessoais (pois, as partes na posição original só se preocupam individualmente em
maximizar a sua situação e em não ficarem na pior situação possível). Dessa forma, as de
liberações e as decisões realizadas a coberto do <véu de ignorância* na posição original
são moralmente cegas, dado que o *véu de ignorância* implica que as escolhas sejam
feitas por indivíduos total mente desenraizados e desligados de qualquer laço social, in
teressados no seu próprio bem e sem se guiarem por qualquer noção de bem comum ou
sequer de vida boa.
Contudo, de acordo com Sandel, as escolhas morais também devem decorrer de laços
comunitários que nos moldam e onde temos as nossas raízes. Ou seja, os princípios da
justiça também devem ser justificados a partir de uma ideia completa de bem comum
Além disso, dado que somos seres incorporados e inseridos na comunidade, a conceção
de pessoa de Rawls (enquanto ser individual, desincorporado, situado fora da comunida
de) está errada.
Com isso, Sandel critica a metodologia que Rawls utiliza para encontrar esses princí
pios da justiça, mas também critica a prioridade do primeiro princípio, dado que também
as liberdades devem ser interpretadas em função da conceção de bem comum. Em suma,
de acordo com Sandel. há uma prioridade do bem comum na definição do justo.
INTERESSES
PESSOAS ► PARCIAIS DESACORDO
PARTICULARES
i
POSIÇÃO ORIGINAL
(acordo hipotético}
EXPERIÊNCIA MENTAL
VÉU DE IGNORÂNCIA
- Garante a equidade
e imparcialidade da escolha
• Conduz ao acordo.Tazoabil idade
quanto a escolha dos princípios PRINCÍPIOS
da justiça DA JUSTIÇA
Liberdades, oportunidades,
2a) Princípio da oportunidade
rendimento, riqueza
justa
Maximizar o mínimo
de bens primários
LIBERTARISMO
Objeção ao princípio da diferença
161
A Ação Hum-ana e oi Valores
RESUMO
• Rawls defende uma teoria da justiça como equidade, dado que os princípios
da justiça são aqueles que seriam escolhidos numa situação de equidade.
• Do mesmo modo, o principio 2a| justifica-se porque as pessoas não são moral
mente responsáveis pela lotaria social, que deve ser minimizada.
- Mas as partes estão cobertas por um veu de ignorância que as faz desco
nhecer quem são na sociedade e quais as suas peculiaridades individuais,
garantindo desta forma uma imparcialidade na escolha dos princípios da
justiça.
• Com base nisso, as partes escolheriam na posição original o princípio 1. pois, G Conceitos
pelo facto de não saberem as suas posições na sociedade ou a que grupo • justiça social
pertencem, seria irracional prejudicar um determinado grupo ou tirara liber
dade a um certo setor da sociedade, uma vez que poderiam estar a prejudi- • justiça como equidade
car-se a si mesmas. • controtualismo
• Igual mente as partes escolheriam na posição original os princípios 2 a) e 2b) • princípro da liberdade igual
porque seguem a regra moxjmm. Esta regra e um princípio de escolha a apli
car em situações de ignorância, como ê o caso de se estar abrangido pelo • princípw da oportunidade
veu de ignorância. De acordo com esta regra, se as partes não sabem quais justa
serão os resultados que podem obter ao nível dos bens sociais primários, • princípw da diferenço
então ê racionaljogar pelo seguro e escolher como se o pior lhes fosse acon
• metodologia do equilíbrio
tecer.
refletido
• É também por causa da regra maxímm que na posição original seria irracional
• lotario social
agir de acordo com algum princípio utilitarista.
• lotario notural
• Duas importantes objeções a teoria de Rawls são a crítica libertarista de No-
zick e a crítica comunrtarista de Sandel. • posição original
• Robert Nozick critica a teoria da justiça de Rawls ao sustentar que não e pos • acordo hipotético
sível defender consistente e simultaneamente o principio da liberdade 1 e o
• véu de ignorância
princípio da diferença 2b). Pois, proporcionar liberdade às pessoas implica
que não se pode impor restrições as posses individuais de propriedade. Mas • bens sociais primános
limitar aquilo que as pessoas podem adquirir e o que podem fazer com isso,
• regra maxímin
tal como defendido no princípio da diferença, e uma forma de restringir tal
liberdade individual. • princípio utilitansta
’ Michael Sandel critica a teoria da justiça de Rawls ao chamar a atenção para • igualitansmo
o facto de as deliberações e as decisões realizadas a coberto do <véu de
• libertarismo
ignorância* na posição original serem moralmente cegas, dado que o <veu
de ignorância* implica que as escolhas sejam feitas por indivíduos total men • conceção padronizada
te desenraizados e desligados de qualquer laço social, interessados no seu da justiço
proprio bem e sem se guiarem por qualquer noção de bem comum ou sequer • comunitorismo
de vida boa.
163
A Ação Hum-ana e o« Valore»
Questões propostas
GRUPO I
acordo hipotético.
acordo efetivo.
<C) cada um conheça o projeto de vida e o que é o bem comum para a comunidade em que estã
inserido.
<C> são aceites, ou legítimas, se resultam de uma igualdade de oportunidades e trazem benefí
cios para os mais desfavorecidos.
(B) as pessoas que não pensem nas consequências das suas ações não merecem ter liberdade.
164
Qucstôei proposta»
(B) minimizar a lotaria natural. {D) gerar maior bem-estar para a maioria.
De acordo com a regra maximin de Rawls. numa situaçao de posição original, pode concluir-se que
(D) qualquer uma das sociedades é justa, desde que respeite a liberdade individual.
(D) qualquer uma das sociedades é justa. desde que respeite a liberdade individual.
10. Robert Nozick, ao utilizar a experiência mental de Wilt Chamberlain, pretende criticar Rawls no
princípio
1Ê5
Questões propostas
GRUPO II
3. Qual ê a diferença entre a lotaria social e a lotaria natural e qual ê a sua relação com os princí
pios da justiça de Rawis?
4. De que forma a regra maximin permite justificar a escolha dos princípios da justiça propostos
por Rawis em vez de um princípio utilrtarista?
GRUPO III
Lê a seguinte notícia.
«O Bloco de Esquerda quer limitar a distância salarial entre a base c o topo das empresas, ou
seja, entre os trabalhadores t os seus gestores c administradores. “A proposta do BE c que todas as
empresas que ultrapassem esse leque de distância deixem de ter acesso a benefícios fiscais, a outros
benefícios do Estado ou até à contratação pública. O Estado passa a privilegiar empresas que têm a
igualdade salarial como um critério na sua política de remunerações", disse Mariana Mortágua. Para
as empresas em que “a proporção entre o salário mais alto e o salário mais baixo é muito elevada" ha
verá penalizaçòes, em “valor a definir por portaria do Governo*. Aos jornalistas, a deputada Mariana
Mortâgua referiu o caso da EDP e do seu administrador António Mexia, dizendo que o gestor ganha
num mês aquilo que os trabalhadores da empresa com um salário de cerca de 900euros precisam de
trabalhar seis anos para conseguir acumular, acrescentando ainda que a estagnação dos salários dos
trabalhadores nos anos de crise não foi acompanhada no lado das administrações, que viram as suas
remunerações crescer em cerca de 40%.»
1. Será que a teoria da justiça de John Rawis considera legitima a distribuição desigual de benefí
cios fiscais proposta no texto? Porquê?
Este problema pode ser explicitamente formulado conforme se segue: «Será o conheci
mento possível?*. Contudo, antes de passarmos a essa discussão, é importante termos em
mente uma determinada conceção de conhecimento, ou seja, é preciso ter uma resposta
para a pergunta: «O que é o conhecimento?*.
Tipos de conhecimento
No que diz respeito ao seu objeto, é comum distinguirem-se três tipos de conhecimento:
• conhecimento prático; e
• conhecimento proposicional
Diz-se que temos conhecimento por contacto quando o nosso objeto de conhecimen
to é uma determinada parte da realidade (uma pessoa, um animal, um local ou um objeto)
com a qual estamos em contacto direto através dos nossos sentidos, como, por exemplo,
quando alguém afirma: <Eu conheço o presidente da Junta de Freguesia de Benfica*.
Quando o nosso objeto de conhecimento é uma dada atividade que sabemos executar
corretamente, diz-se que temos conhecimento prático {ou «saber-fazer* — kpow-óow),
como acontece, por exemplo, quando alguém diz: «Eu sei nadar*. Por último, quando o
nosso objeto de conhecimento consiste numa proposição verdadeira acerca da realidade
temos conhecimento proposicional (ou «saber-que*, ou conhecimento acerca das coisas),
como acontece, por exemplo, quando alguém diz: «Eu sei que Sócrates era filósofo*.
Há, porém, quem defenda que na verdade só existe conhecimento proposicional e que
quer o conhecimento por contacto, quer o conhecimento prático são apenas modalidades
deste tipo de conhecimento. Independentemente disso, uma coisa é certa, a discussão
filosófica acerca da natureza do conhecimento tem dedicado bastante atenção ao conhe
cimento proposicional e, por esse motivo, e sobretudo sobre esse tipo de conhecimento
que nos iremos debruçar daqui em diante.
U68
8. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
Uma das mais antigas tentativas de responder a esta pergunta e-nos apresentada no
século V a.C., na obra Jeefeto, de Platão. Esta abordagem ficou conhecida como -definição
tripartida de conhecimento*, pois estabelece que existem trés condições simultanea
mente necessárias e suficientes para o conhecimento:
• a crença;
• a verdade; e
• a justificação
Em primeiro lugar, importa referir que a palavra *crença> deve ser aqui entendida como
sinónimo de convicção ou de opinião, e não como sinónimo de fé religiosa. Neste senti
do. uma crença é uma atitude proposicional (Isto é, uma atitude adotada por um sujeito
relativamente a uma proposição), mais concretamente a atitude de achar que uma dada
proposição é verdadeira
Ora, assim sendo, não e difícil perceber por que razão se pode considerar que a crença
é uma condição necessária para o conhecimento. Naturalmente, não se pode dizer que S
sabe que P, a menos que S acredite nessa proposição. Seria contraditório afirmar coisas
como: *Sei que a Terra e redonda, mas não acredito nisso»; ou: *Não acredito que Paris
seja a capital de França, mas sei que assim é».
Contudo, também não é difícil perceber que apesar de ser uma condição necessária
para o conhecimento, a crença não é uma condição suficiente para o mesmo. Isto acon
tece porque podemos ter crenças falsas. Uma proposição que não corresponda aos factos
não constitui conhecimento, pois so as proposições verdadeiras ligam o sujeito á realidade
de forma adequada. Por exemplo, não podemos saber que a Terra está no centro do Sis
tema Solar, a menos que a Terra esteja, de facto, no centro do Sistema Solar. Assim como
não podemos saber que o Pai Natal existe se, na realidade, ele não existir.
Portanto, pode dizer-se que, além da crença, a verdade também é uma condição
necessária para o conhecimento. Mas sera que para termos conhecimento basta termos
crenças verdadeiras?
Imagina que o João jogou no Euromilhões e que. embora ainda não tenha tido a opor
tunidade de verificar qual foi a chave sorteada, acredita que o seu bilhete foi premiado.
Supõe que. de facto, o bilhete do João foi premiado. Nestas circunstâncias, o João
teria uma crença verdadeira, mas será que podemos dizer que sabia que lhe tinha
saído o Euromilhóes? Não, antes de ter verificado que a chave sorteada correspondia
á sua aposta não se pode dizer que o João sabia que lhe tinha saído o Euromilhóes.
porque, aparentemente, não tinha boas razões para acreditar naquilo em que acre
ditava, e foi apenas por mero acaso que a sua crença se veio a revelar verdadeira.
169
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
Este exemplo mostra que a crença verdadeira não é suficiente para o conhecimento,
pois apesar de ter uma crença verdadeira, o João não tinha verdadeiro conhecimento
até ter verificado que a chave sorteada correspondia à sua aposta. Isto significa que para
termos conhecimento não basta termos uma crença que, por acaso, se vem a revelar
verdadeira. É necessário que essa crença se apoie em boas razões, ou seja, é necessário
termos uma justificação aara acreditar na mesma.
Deste modo, podemos concluir que a justificação também é uma condição necessária
para o conhecimento.
Alem disso, se acharmos que, depois de ter verificado que a chave sorteada correspon
dia à sua aposta o João passaria a saber que ganhou o Euromilhôes, então podemos igual
mente concluir que a crença, a verdade e a justificação são condições simultaneamente
necessárias e. em conjunto, suficientes para o conhecimento Ou seja:
f'
S sabe que P se, e sõ se, 1. S acredita em P;
2. P é verdadeira; e
3. S tem uma justificação para acreditar em P.
■■■_____________________________________________________________________________
Se esta bicondicional for verdadeira, então é impossível termos conhecimento sem ter
mos uma crença, verdadeira e justificada, assim como seria impossível termos uma crença,
verdadeira e justificada sem termos conhecimento.
Alguns autores consideram que esta definição é demasiado lata, pois hâ situações
em que apesar de termos uma crença verdadeira justificada não temos conhecimento.
Por exemplo, costuma dizer-se que «Até um relógio parado está certo duas vezes por
dia.». Isto significa que se o teu relógio parar ás três da manhã sem que tenhas cons
ciência disso e apenas voltares a consultá-lo para saber as horas às três da tarde, vais
formar uma crença verdadeira justificada, embora não se possa dizer que saibas ao
certo que horas são. Se tivesses olhado para o relógio uns minutos antes ou uns minu
tos depois irias acreditar de igual modo que eram três da tarde, mas nesse caso a tua
crença seria falsa. Ora, como vimos anteriormente, uma crença que é apenas verdadeira
por acaso, não pode ser conhecimento. Assim sendo, ainda que a crença, a verdade e a
justificação sejam condições necessárias para o conhecimento, não são seguramente
suficientes
Contudo, uma coisa parece certa, sem termos uma justificação para as nossas cren
ças não temos conhecimento e isto, conforme veremos em seguida, é suficiente para pôr
em causa a possibilidade de termos conhecimento
170
8. Anális* comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
O desafio cético
O ceticismo e a perspetiva segundo a qual devemos suspender o juízo relativamente
à verdade ou falsidade de qualquer proposição, pois em geral a nossa pretensão de que
sabemos seja o que for é infundada
A premissa 1 estabelece que todas as nossas crenças se justificam com base nou
tras crenças. Esta ideia deve ser familiar para todos aqueles que já contactaram com
uma criança na idade dos porquês. Os pais dizem: «Come a sopa!*, e a criança pergunta:
«Porquê?*. Os pais respondem: «Porque isso é importante para ti.», e a criança contra-argu-
menta: «Porquê?*. «Porque te torna mais saudavel.*, insistem os pais. «Porquê?*, indaga
novamente a criança. E a conversa pode prolongar-se indefinidamente ou atê que um dos
dois desista. Normalmente, é o adulto o primeiro a dar-se por vencido, afirmando num tom
impaciente: «Porque sim!*. No entanto, não é difícil perceber que «Porque sim!* não justifi
ca coisa alguma, apenas revela indisponibilidade (ou mesmo incapacidade) para prolongar
a conversa. Isto acontece porque, efetivamente, é sempre possível pedir uma justificação
(ou seja, perguntar «porquê?*) para cada uma das nossas crenças. No entanto, uma vez
que a justificação que apresentamos consiste noutra crença, também ela precisará de
ser justificada, e assim sucessiva mente.
Daí que, na premissa 2, o argumento estabeleça que o facto de todas as nossas cren
ças se justificarem com base noutras crenças implica que sempre que tentamos justificar
uma crença acabamos forçosamente por cair numa regressão infinita da justificação, isto
é, acabamos por retroceder de crença em crença procurando justificar cada uma delas
com base na seguinte, sem nunca encontrar uma crença que possa por um ponto final
neste processo. O que, por sua vez, implica que nào temos crenças justificadas, que é
precisamente aquilo que é afirmado na premissa 3.
Daqui segue-se. por silogismo hipotético, que o facto de todas as nossas crenças se
justificarem com base noutras crenças implica que não temos crenças justificadas (linha 4).
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
Se conjugarmos este facto com a ideia afirmada na premissa 1 de que efetiva mente todas
as nossas crenças se justificam com base noutras crenças, somos validamente conduzidos
(por modus ponens} à ideia de que não temos crenças justificadas (linha 5). Ora, uma vez
que, por muito polémica que seja a definição tripartida de conhecimento, a justificação é
uma condição necessária para o conhecimento (premissa 6), podemos concluir valida
mente (uma vez mais por modus ponens) que não temos conhecimento (linha 7), o que
corresponde, de certa forma, ã tese central do ceticismo. Haverá alguma forma de escapar
a este resultado? Uma vez que o argumento e válido, se não estamos dispostos a aceitar a
sua conclusão teremos de rejeitar pelo menos uma das suas premissas. Mas qual?
A resposta fundacionista
O fundacionismo e uma das mais célebres respostas ao desafio levantado pelo ceticismo.
A estratégia central do fundacionismo passa pela rejeição da premissa 1 (página 171) do ar
gumento cético da regressão infinita Esta premissa estabelece que todas as nossas crenças
se justificam com base noutras crenças, o que significa que os fundacionistas terão de de
fender que algumas das nossas crenças não se justificam com base noutras crenças Para
esse efeito, os fundacionistas vão introduzir uma distinção crucial entre dois tipos de crenças:
• as crenças básicas e
As crenças básicas são autoevidentes, isto e, não podem ser seriamente postas em causa, pois são de
tal modo evidentes que não precisam de ser justifica das por outras crenças: justificam-se a si mesmas.
As crenças não básicas, pelo contrario, não são autoevidentes, são inferidas a partir
de outras crenças: justificam-se com base noutras crenças.
Assim, segundo o fundacionismo visto que crenças básicas não carecem de outra jus
tificação, elas (crenças básicas) podem justificar as crenças náo básicas sem que sejam
necessárias justificações adicionais. Mas que tipo de crenças pode satisfazer este requisito?
* A palavra grega Aguns fundacionistas são chamados nacionalistas*, pois defendem que este tipo de
para experiência crenças provem da razão, são crenças que podemos saber que são verdadeiras através
sensível e «em- do pensamento apenas; diz-se. por isso, que são conhecidas o priori Outros são chama
pe.v.ó», daí que
estes autores se dos de • empiristas< pois consideram que as crenças basicas acerca do mundo provém
jam conhecidos da experiência sensível1, isto e, são crenças que só podemos saber se são verdadeiras
por empiristas. através dos nossos sentidos; diz-se, por isso, que são conhecidas a posteriori
Antes de nos debruçarmos sobre um exemplo concreto de cada uma destas modalida
des de fundacionismo, vamos analisar mais detalhadamente esta distinção entre conhe
cimento a priori e conhecimento a posteriori
172
8. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
Não é preciso olhar para o mundo para saber que três mais dois são cinco ou que uma
camisola (inteiramente) verde não é vermelha: basta pensar nos conceitos aqui envolvidos
para saber que estas proposições são verdadeiras (o que não quer dizer que não foi pre
ciso termos alguma experiência para adquirir os concertos de cor, de soma e de número).
Claro que também podemos chegar a conhecer o resultado de uma soma, não através
do nosso pensamento, mas sim através dos sentidos - por exemplo, consultando esse
resultado no ecrã de uma máquina de calcular —. mas isso não invalida o facto de que este
conhecimento poderia, ã partida, ser adquirido recorrendo apenas ao pensamento. Pelo
contrário, por muito que nos esforçássemos, não bastaria usar o pensamento para saber
qual é a cor dos ursos polares (estes poderiam ter sido de outra cor sem deixarem de ser
ursos polares) ou a proporção de água ã superfície do planeta (o planeta continuaria a ser
o mesmo ainda que a quantidade de agua à superfície se alterasse). Este tipo de conheci
mento só pode ser adquirido através da experiência.
Diz-se que:
• proposições como 1 e 2 podem ser conhecidas a priori isto e, pelo pensamento apenas;
Uma importante questão que os epistemólogos têm debatido ao longo dos séculos é
a seguinte: Pode haver conhecimento a priori acerca da forma como as coisas efetiva
mente são ou será que todo o conhecimento o priori consiste apenas em meras relações
de ideias sem qualquer informação relevante acerca do mundo?*. Por exemplo, a propo
sição: <Os solteiros não são casados.* pode ser conhecida o priori, mas não nos diz nada
acerca do que existe ou deixa de existir na realidade, pois não nos diz se existe algum
solteiro (ou algum casado). Haverá alguma proposição com informação relevante acerca
do mundo que possa ser conhecida o priori? Os racionalistas acreditam que sim.
173
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
«Notei, há alguns anos já. que, tendo recebido desde a mais tenra idade tantas coisas
falsas por verdadeiras, e sendo tào duvidoso tudo o que depois sobre elas fundei, tinha
de deitar abaixo tudo, inteiramente, por uma vez na minha vida, c começar, de novo,
desde os primeiros fundamentos, se quisesse estabelecer algo de seguro e duradoiro nas
ciências. (._] líntào. [_] vou dedicar me [...] com seriedade e livremente, a destruir em
geral as minhas opiniões.»
Rent* I Jcscancs- MedJiuçdcs suòrc u FTJasofla Primeira.
TfíhL Gastava de Praga, Coimbra. Almcdin»! (1992), pp. Iü5 UH»
A dúvida metódica
Ao contrário da dúvida cética que era permanente, pois era a conclusão a que os cé
ticos haviam chegado a partir da sua argumentação, a dúvida cartesiana era provisória,
pois era apenas uma estratégia ou um método para alcançar um conhecimento certo e
indubitável. Além disso, enquanto os céticos sustentavam apenas que devemos suspen
der o juízo em relação à verdade ou falsidade de toda e qualquer proposição, Descartes
decide rejeitar como falsas todas as proposições que não fossem absoluta mente certas
e indubitáveis. Isto faz com que muitos considerem que a dúvida cartesiana é ainda mais
extrema do que a dúvida cética, sendo por vezes chamada ^hiperbólica* (ou exagerada}.
Assim, pode dizer-se que contrariamente ã dúvida cética, a dúvida cartesiana era:
• metódica - pois era apenas um método para encontrar um conhecimento seguro;
- provisória - pois subsistia apenas até que se encontrasse algo absolutamente certo
e indubitável;
- hiperbólica - pois não se limitava a pór tudo em dúvida, mas rejeitava como falso tudo
o que fosse meramente duvidoso.
174
8. Anális* comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
Para concretizar os seus propósitos, Descartes não precisou de examinar cada crença
isoladamente (tarefa que seria interminável). Se decidirmos rejeitar todas as crenças mi
nimamente duvidosas, basta debruçarmo-nos sobre as principais fontes das nossas cren
ças Se detetarmos o menor grau de dúvida numa dessas fontes, temos uma justificação
para rejeitar todas as crenças que dela provenham.
* os erros de raciocínio; e
Será este argumento suficiente para nos persuadir de que nunca temos justificação
para acreditar nos nossos sentidos? Afinal, do facto de que. por vezes, os nossos sentidos
nos enganam não se segue que temos boas razões para
nunca confiar neles, até porque a maior parte dessas ilu
sões pode facilmente ser resolvida recorrendo aos pró
prios sentidos. Por exemplo, posso aproximar-me para
ver um objeto mais de perto, posso usar uma régua para
fazer medições mais exatas e, sobretudo, posso sempre
usar os outros sentidos para me certificar de que não es
tou a ser iludido por um deles.
A indistinção vigília-sono
Segundo o argumento da indistinção vigília-sono, uma
vez que a vivacidade e a intensidade de certos sonhos
nos convencem muitas vezes de que estamos a ter expe
riências reais, quando na realidade estamos apenas a so
nhar, não temos forma de distinguir as nossas experiências Jacek Yerka, Mundo de Sonho (s/d)
175
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
de vigília daquelas que temos quando sonhamos; consequentemente, as crenças que for
mamos a partir da experiência sensível ou são falsas (porque estamos apenas a sonhar)
ou, ainda que sejam verdadeiras, são-no apenas por acaso (porque não podemos saber se
estamos apenas a sonhar ou não) e, portanto, não podem constituir conhecimento.
Os erros de raciocínio
Depois de constatar que não podemos confiar nas informações obtidas através dos
sentidos, Descartes vira a sua atenção para as crenças obtidas através do raciocínio. Estas
últimas parecem-lhe bastante mais certas do que as primeiras, pois as verdades da lógica,
da geometria e da matematica não sào afetadas pelas ilusões percetivas e não deixam de
ser verdadeiras ainda que estejamos a sonhar. Quer estejamos a dormir, quer estejamos
acordados: «2*2 = 4*, *Se Smith ou Jones assaltaram o banco e não foi o Smith, então foi
o Jones*, etc. Contudo, Descartes apercebe-se que mesmo estas crenças não são abso
lutamente certas e indubitáveis, pois podemos cometer erros mesmo nos raciocínios mais
elementares. Assim, o argumento dos erros de raciocínio baseia-se na ideia de que todos
podemos cometer erros nos raciocínios mais simples e, por isso, não podemos justificada-
mente acreditar em crenças que tenham origem no nosso raciocínio.
Contudo, o argumento parece presumir demasiado. Será que não existem raciocínios
acerca dos quais podemos estar seguros? Descartes acreditava que não. E, para o provar,
concebeu uma das experiências mentais mais famosas da história da filosofia. Em segui
da, veremos em que consiste essa experiência de pensamento e qual é o seu papel no
racionalismo cartesiano.
supor, por consequência, nào o Deus sumamente bom, fonte da verdade, mas
um certo gênio maligno, ao mesmo tempo extremamente poderoso e astuto, que puses
se toda a sua indústria cm me enganar. Vou acreditar que o céu. a terra, as cones, as figu
ras, os sons, c todas as coisas exteriores nào sào mais que ilusões de sonhos com que ele
arma ciladas à minha credulidade. Vou considerar-me a mim próprio como não tendo
mãos, nào tendo olhos, nem carne, nem sangue, nem sentidos, mas crendo falsamente
possuir tudo isto. [...] Por conseguinte, suponho que ê falso tudo o que vejo. Creio que
nunca existiu nada daquilo que a memória enganadora representa. Nào tenho, absolu
tamente. sentidos; o corpo, a Figura, a cxtensào. o movimento e o lugar sào quimeras.
Entào. o que será verdadeiro? Provável mente uma só coisa: que nada c certo.»
Ou seja, Descartes convida-nos a imaginar que existe um génio maligno, um ser tão
poderoso quanto perverso, que se diverte a usar os seus poderes para nos induzir em
erro relativa mente a tudo e mais alguma coisa. A mera hipótese da sua existência faz com
que mesmo as proposições aparentemente mais evidentes da geometria e da aritmética
176
8. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
— como por exemplo, <Um quadrado é uma figura geométrica com quatro lados iguais* -
sejam postas em causa, pois a certeza que temos acerca delas pode ser fruto das maqui
nações deste poderoso génio maligno.
Aparentemente, enquanto a hipótese do génio maligno não for afastada, não podemos
estar certos de nada.
O cogito (a príori}
Depois de levar a dúvida ao seu extremo. Descartes apercebe-se que, ainda que não
possa saber se está, ou não, a ser enganado por um génio maligno, existe algo que pode
saber com toda a certeza: ' Penso, logo existo*. Esta crença não pode ser seriamente pos
ta em causa, pois para se poder duvidar do que quer que seja e preciso existir. Daqui em
diante, iremos usar a expressão latina cog/fo para nos referirmos a esta crença.
«Mas, logo a seguir, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, era
de todo necessário que eu, que o pensava, fosse alguma coisa. E notando que esta venda -
de: penso, logo existo, era tão firme c tão certa que todas as extravagantes suposições dos
céticos nào eram capazes de a abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para
primeiro princípio da filosofia que procurava.»
Assim. Descartes encontrou uma forma de refutar o ceticismo por redução ao absurdo.
O seu argumento pode ser sintetizado conforme se segue:
<1) Se fosse verdade que nada se pode saber, então nem sequer poderiamos saber
que existimos.
<2) Mas sabemos que existimos (essa ideia não pode ser seriamente posta em causa).
(3} Logo, é falso que nada se pode saber.
Contudo, o cogito nào é suficiente para nos assegurarmos de que temos corpo, nem
da verdade das nossas experiências percetivas. porque enquanto a hipótese do génio ma
ligno não for afastada, todas essas crenças podem resultar da sua enganadora atividade.
177
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
Deste modo. Descartes constata que é capaz de imaginar que não tem um corpo sem
que isso implique que não existe, mas nâo é capaz de duvidar que existe enquanto ser
pensante. Isto leva-o a concluir que é essencialmente uma substância pensante (ou res
cogitans). isto e, uma mente, ou alma imaterial, que existe independentemente do cor
po e que é de natureza inteiramente distinta do mesmo. Esta perspetiva ficou conhecida
como vdualismo mente-corpo* (ou «dualismo cartesiano♦}• Assim, enquanto não provar
mos que o génio maligno nâo existe, a única coisa que podemos saber e que existimos
enquanto pensamento.
Tipos de ideias
• As ideias adventícias são ideias que não dependem da sua vontade e parecem ser
causadas por objetos físicos exteriores ã mente (exemplos: ouvir um ruído; ver o sol;
sentir o calor das chamas;...).
• As ideias factícias são ideias inventadas pela sua vontade e imaginação, a partir de
outras ideias (exemplos: sereias; unicórnios; centauros;...).
• As ideias inatas são ideias que não parecem ser causadas por objetos físicos exterio
res à sua mente nem dependem da sua vontade (isto é, não são criadas pela sua ima
ginação}; dependem apenas da nossa capacidade de pensar, ou seja, correspondem
a conceitos matemáticos - como os conceitos de número; triângulo; círculo; etc. - e a
conceitos metafísicos - como os conceitos de substância; verdade; e Deus.
A ideia de Deus
De entre as várias ideias que Descartes encontra na sua mente, existe uma que se dis
tingue de todas as outras a ideia de Deus, ol ser perfeito. Mas por que razão esta ideia é
tão especial? Bem. esta ideia é especial porque provar que Deus existe e não e enganador
talvez seja a única forma de podermos estar certos de muitas outras coisas para além da
nossa existência enquanto pensamento, pois um criador supremo e sumamente bom não
nos teria criado de modo a que nunca pudéssemos conhecer a verdade.
Para provar que Deus existe, Descartes recorre, entre outros, ao chamado «argumento
da marca*. Vejamos, em seguida, em que consiste esse argumento.
178
8. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
O argumento da marca
Para compreendermos melhor o argumento da marca e importante percebermos por
que razão a ideia de Deus é uma ideia inata e não uma ideia adventícia ou factícia. Em pri
meiro lugar, importa destacar que a ideia de Deus não pode ser uma ideia adventícia, pois,
uma vez que se trata da ideia de um ser imaterial, esta não parece ser provocada por objetos
materiais exteriores à mente. Em segundo lugar, náo pode ser uma ideia factícia porque é
uma ideia demasiado perfeita para ser criada por um ser imperfeito. Descartes pensava que
qualquer causa tinha de ser pelo menos tão perfeita quanto os seus efeitos e, uma vez que
ele próprio reconhecia que duvidava e que não sabia, em suma, que não era um ser perfeito,
acreditava que não podia ser ele a causa de uma ideia tâo perfeita quanto a ideia de Deus.
Sendo assim, a única alternativa possível era esta ideia estar no seu espírito desde sempre,
isto e, ser uma ideia inata e ter sido lã colocada por um ser pelo menos tão perfeito quanto
ela, ou seja, por Deus, que teria implantado lá essa ideia no momento da criação, como uma
especie de assinatura, ou marca, do seu criador. Isto significa que, para Descartes, o simples
facto de termos a ideia de Deus é suficiente para podermos concluir que Deus existe. Des
cartes apresenta-nos este argumento nas linhas que se seguem:
«E por mais que os melhores espíritos estudem isto, tanto quanto lhes agradar, nào
creio que possam apresentar alguma razào que seja suficiente para eliminar essa du
vida, se nào pressupuserem a existência de Deus. Pois, primeiramente, aquilo mesmo
que há pouco tomei como regra, isto ê. que sào inteiramente verdadeiras as coisas que
concebemos muito clara e distintamente, só c certo porque Deus c ou existe, e porque
é um ser perfeito e tudo o que existe dele nos vem. Donde se segue que as nossas ideias
ou noçòcs. sendo coisas reais e que provêm de Deus cm tudo aquilo cm que sào claras e
distintas, unicamente podem ser verdadeiras.»
(1) Posso confiar naquilo que concebo de forma clara e distinta se, e só se, Deus
existe e nào é enganador.
(2) Deus existe e não é enganador.
(3) Logo, posso confiar naquilo que concebo de forma clara e distinta. (De 1 e 2)
'ta__________________________________________________________________________________________________ j
Daqui segue-se que podemos confiar nas nossas ideias claras e distintas (linha 3).
180
8. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
A partir daqui. Descartes pode deduzir muitas verdades e construir com segurança
o edifício do conhecimento, apoiando-se naquilo que concebe com clareza e distinção.
A premissa 1 estabelece que se Deus nos tivesse criado de modo a que estivéssemos
permanentemente a representar como existentes coisas que não passam de fantasias,
então Deus seria enganador.
A premissa 3 afirma uma trivialidade, afinal de contas Deus é, por definição, um ser per
feito e, como tal, não pode ser enganador. Assim, em vez de nos fazer representar como
existentes coisas que não passam de fantasias. Deus trataria de nos criar de modo a que
a nossa mente recebesse do corpo as sensações adequadas ã sua preservação. O que
significa que as sensações que temos de alegados objetos materiais são efetivamente
provocadas por esses objetos, que, por conseguinte, têm de existir (linha 4).
2. nos sonhos não é muito claro como é que os acontecimentos se articulam entre si;
Mas se Deus assegura a fiabilidade da nossa razão e das nossas experiências, então por
que razão erramos? Para Descartes, o erro é da nossa inteira responsabilidade Deus, uma
vez que e suma mente bom, criou-nos com livre-arbítrio, e isso acarreta a possibilidade de
fazer más escolhas, como optar por dar o nosso assentimento a coisas que não concebemos
clara e distintamente. Deste modo, quando os sentidos nos enganam ê porque nos precipi
tamos a dar o nosso assentimento a coisas que não concebemos clara e distintamente, mas
apenas de modo confuso e indistinto. Devemos usar a razão - isto ê, recorrer sobretudo á
lógica, á geometria e ã matemática - para compreender a verdadeira natureza das coisas
181
O Coohecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
■■---------------------------------------------------------------------------------------- ■■
(1| Não sei se estou num cenário cético {como a hi
pótese do génio maligno).
(2) Se nâo sei se estou num cenário cético (como a
hipótese do génio maligno), então não sei que
George Edward Moore tenho duas mâos.
(1873-1958) (3) Logo, nâo sei que tenho duas mãos. {De 1 e 2,
por modus ponens)
Ora, Moore considera que a conclusão deste argumento é tão implausível que é mais
tentador usar a evidência de que temos duas mãos para rejeitar a possibilidade de nos
encontrarmos num cenário cético (como a hipótese do génio maligno}. Com base nesta
ideia, Moore sugere então que se construa um argumento como o seguinte:
Objeção ao cogito
Claro que esta ideia nos pode parecer despropositada, pois é como se afirmásse
mos que podem existir amolgadelas sem haver uma superfície amolgada. Contudo, ela
está longe de ser uma evidência ã prova de génio maligno. Aliás, como é sugerido por
182
8. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
4. podemos formar a ideia de perfeito por oposição ã ideia de imperfeito, sem que isso
implique a existência de um ser perfeito.
183
O Conhecimento e a Racionalidade Cientifica e Filosófica
Por sua vez, as nossas ideias dividem-se em ideias simples e ideias complexas
As ideias complexas sâo, então, combinações de ideias, que podem ter a sua
origem na memória e, nesse caso, têm a mesma configuração que tinham na expe
riência, ou na imaginação, e aí as ideias são compostas de uma forma relativamente
livre, podendo aparecer juntas duas ideias que na experiência estavam separadas,
como acontece com a ideia de sereia, por exemplo.
Assim, para Hume todas as ideias são, direta ou indiretamente, cópias de im
pressões Este principio ficou conhecido como * principio da cópia < Hume recorre
ao argumento do cego de nascença para justificar a sua confiança neste princípio.
18-1
8. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
<1} Se as ideias não sâo cópias de impressões, então é possível que um cego de
nascença tenha a ideia da cor azul, apesar de não ter qualquer impressão que
lhe corresponda.
(2) Um cego de nascença não pode ter a ideia da cor azul.
(3) Logo, as ideias são cópias de impressões. (De 1 e 2, por modus toflens)
Hume acreditava que não existia um único contraexemplo relevante capaz de refutar
este princípio, isto é, uma ideia à qual não correspondesse qualquer impressão. Na sua
opinião, qualquer que seja o contraexemplo que possamos ter em mente, acabamos sem
pre por conseguir mostrar que, afinal, existe uma impressão por detrás dessa ideia e, por
conseguinte, em vez de conseguirmos refutar o princípio da copia, acabamos por torná-lo
ainda mais plausível.
Hume reduz todo o conhecimento humano a dois tipos relações de ideias e questões
de facto Vejamos o que Hume tem a dizer acerca desta distinção.
185
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
Segundo Hume, apenas o conhecimento sobre questões de facto nos pode fornecer
informações acerca do mundo, pois as relações de ideias, embora expressem verdades
necessárias, referem-se apenas às relações entre o significado das ideias envolvidas, mas
nada dizem acerca do que existe (é verdade que «Nenhum solteiro é casado», mas isso
não nos diz se existem solteiros, ou não). AJem disso, Hume reconhece que todo o co
nhecimento sobre questões de facto tem de se basear na experiência, caso contrário
corre o risco de não ser mais do que um conjunto de suposições hipotéticas sem qualquer
fundamento. Nas suas palavras:
«Sc nào partíssemos de algum facto presente à memória ou aos sentidos, os nossos
raciocínios seriam puramente hipotéticos c. por mais que os elos individuais pudessem
estar ligados uns aos outros, a cadeia de inferências, como um todo, nada teria que a pu
desse sustentar, e jamais poderiamos, por meio dela, chegar ao conhecimento de qual
quer existência real. Se sos perguntar por que acreditais cm algum facto particular que
me contais, tereis de me apresentar alguma razào. c essa razão será algum outro facto
ligado ao primeiro. Mas como nào se pode proceder dessa maneira ín infiniíum, tereis
por fim de chegar a algum facto que está presente na vossa memória ou nos vossos sen
tidos, ou entào admitir que a vossa crença ê inteiramente destituída de fundamento.»
13G
8. Anális* comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
• a semelhança
• a contiguidade; e
• a causalidade
A semelhança consiste na associação de duas ideias que são de algum modo pareci
das. A consideração de uma delas faz-nos pensar na outra. Por exemplo, ê natural que a
contemplação de um retrato nos faça pensar na pessoa retratada.
Esta ideia coloca um enorme desafio ao empirismo de Hume, pois, visto que a negação
de uma qualquer relação causal não resulta em qualquer contradição, esta ideia não cor
responde a uma relação de ideias
187
O Coohecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
Por exemplo, é sabido que o calor causa a dilatação dos metais, mas não é uma con
tradição nos termos afirmar algo como: «Os metais não dilatam por ação do calor*. Assim
sendo, a única alternativa possível é ser uma questão de facto. Contudo, uma vez que
não parece haver nenhuma impressão sensível que corresponda a uma presumível liga
ção causal ou conexão necessária entre dois acontecimentos - tudo o que vemos ê um
deles ocorrer sempre a seguir ao outro —. não se pode dizer que esta ideia provem da
experiência. Ou pode?
Deste modo, Hume acaba por mostrar que a ideia de causalidade não
se funda na razão, mas sim na experiência, mais precisa mente numa im
pressão interna que consiste na expectativa de que certos acontecimen
tos se vão seguir a outros devido ã experiência da conjunção constante
entre ambos.
1BS
8. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
O problema da indução
Conforme vimos anteriormente (pagina 58), chama-se *indutiva» a uma inferência que
se baseia num determinado número de casos observados para chegar a uma conclusão
que inclui casos dos quais ainda não tivemos experiência. Mas será racional, a partir da
repetição de um determinado número de casos observados, inferir uma conclusão acerca
de casos ainda não observados? Ou, dito de outra forma, será que podemos justifteada-
mente confiar nas nossas inferências indutivas? Este problema ficou conhecido como
problema da indução^
Hume considera que não temos forma de justificar racionalmente a nossa confiança
na indução, pois, por maior que seja o número de casos em que experimentamos uma de
terminada regularidade, jamais estaremos racionalmente justificados a acreditar que essa
regularidade se irá manter no futuro. A argumentação de Hume pode ser reconstituída
conforme se segue:
-■-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- «I
189
O Coohecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
A premissa 2 estabelece que esta crença não corresponde a uma relação de ideias,
pois não se trata de uma verdade necessária, cuja negação implicaria uma contradição.
Por exemplo, não é contraditório supor que o Sol não vai nascer amanhã, embora tenha
nascido todos os dias até hoje.
Destas duas ideias segue-se, por silogismo disjuntivo, que a crença de que «a indução
é fiável» e uma questão de facto |linha 3).
Daqui segue-se que só estamos racional mente justificados a aceitar que *a indução é
fiável* se tivermos forma de estabelecer a sua verdade com recurso à experiência {linha 5).
Ora, daqui segue-se validamente que não estamos racional mente justificados a acredi
tar que <a indução e fiável* {conclusão (7)}.
«A mesa que vemos parece diminuir □ medida que dela mais nos afastamos, mas a mesa real, que existe in
dependentriTLcnte de nós. não sofre qualquer alteração; nâo era, pois, nada a nào ser a sua imagem o que estava
presente ao espirito. Estes são os óbvios ditames da razão: e ninguém capaz de refletir jamais duvidou de que as
existências que consideramos quando dizemos esta casa e aquela árvore nào passam de perceções na mente,
cópias ou representações transitórias de outras existências que permanecem uniformes e independentes.»
Dovtd Hume. I/iLvrtfflciçacj robwo Eirtcndlmenru FJumui». rud. J&la PjuIo Monteiro, l.isbcu INCM (JCKJ/I. p. 164
(1) Se a mesa que está presente na nossa mente fosse a mesa real <e não apenas uma imagem ou
representação mental da mesma), então o seu tamanho não se alterava em função da nossa
perspetiva.
(2) Mas a mesa que está presente na nossa mente parece diminuir ã medida que dela mais nos afasta
mos, ou seja, o seu tamanho altera-se em função da nossa perspetiva.
(3) Logo, aquilo que está presente na nossa mente não é a mesa real, mas sim uma imagem ou
representação mental da mesma.
%___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
8. Análise comparativa de duas teorias explicativa* do conhecimento
Hume considera que, uma vez que se trata de uma questão que diz respeito à existên
cia, uma investigação desta natureza deve ser resolvida com recurso à experiência. Mas a
nossa experiência não pode alguma vez estender-se para além das nossas impressões e
estas, conforme acabámos de constatar, não devem ser confundidas com os objetos exte
riores em si mesmos considerados. Assim, uma vez que nunca poderemos sair do interior
das nossas mentes, isto ê, só temos acesso ás nossas perceções, nunca seremos capa
zes de verificar se, de facto, existem objetos exteriores que são a causa das mesmas
Embora sustente que a crença na indução e no mundo exterior não são racionalmente
justificáveis, Hume não considera que estas devem ser abandonadas, pois não podemos
viver sem as assumir como verdadeiras. Não podemos deixar de nos apoiar em certas
regularidades para prever acontecimentos futuros (dos quais ainda não tivemos expe
riência). Nem poderemos deixar de assumir que existe um mundo real para lá das nossas
mentes. Assim. Hume acaba por defender apenas a adoção de um ceticismo moderado
como forma de nos protegermos contra o dogmatismo, as decisões precipitadas e as in
vestigações demasiado especulativas, distantes da experiência e sem suporte empírico.
«Suponhamos [_] que uma pessoa foi dotada dc visão durante trinta anos c se familiarizou perfeitamente
com cores de todos os tipos, com exceção, digamos, de um determinado matiz de azul, com o qual nunca
calhou se deparar. Suponhamos que todos os diferentes matizes dessa cor, com exceção daquele único, sejam
colocados perante essa pessoa, descendo gradualmente do mais escuro para o mais claro. É óbvio que ela
percebera um vazio no lugar onde falta aquele matiz, c perceberá que nesse lugar há uma distancia entre as
cores contíguas maior do que em qualquer outro. Assim, a minha pergunta e se lhe seria possível, a partir
da sua própria imaginação, suprir essa deficiência c trazer a sua mente a ideia daquele matiz em particular,
apesar de este nunca lhe ter sido transmitido pelos sentidos. Acredito que poucos serão de opinião de que
tal não lhe seja possível, o que pode servir como prova de que as ideias simples nem sempre são, em todos os
casos, derivadas das impressões correspondentes, embora este exemplo seja tão singular que quase não vale
a pena assinalá-lo, e tampouco merece que. apenas por sua causa, devamos modificar a nossa tese geral.»
Este contraexemplo consiste em imaginar uma situação em que alguém é colocado pe
rante uma vasta gama de tons de azul, tendo um dos tons de azul sido propositadamente
escondido. Alguém que nunca tenha tido experiência desse particular tom de azul, pode,
ainda assim, formar uma ideia a seu respeito, mesmo na ausência de uma impressão que
lhe corresponda. Ora, isso não seria possível se, de facto, todas as nossas ideias fossem
cópias de impressões. Embora Hume desvalorize este contraexemplo, a verdade é que
ele pode minar a nossa confiança no princípio da cópia.
1çr
O Coohecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
□ senhor Hume tem defendido que só temos esta noção de causa: algo que e anterior
ao efeito c que. de acordo com a experiência, foi seguido constaiitemcnte pelo efeito.
(...) Seguir-se-ia desta definição de causa que a noite é a causa do dia eo dia a causa da
noite. Pois, desde o começo do mundo, não houve coisas que se tenham sucedido mais
constantementc. [...] Seguir-se-ia [também] desta definição que tudo o que seja singular
na sua natureza, ou que seja a primeira coisa do seu género, não pode ter uma causa.»
T. Reid. Exsuywon tbc AciIlv ftouvrs af Jlftin, Edinburgh Unlvenslty Prcss (20HJ). pp 249-230
Bertrand Russell rejeita as conclusões céticas de Hume pois considera que a sua ideia
de «fundamento racional» |ou «racionalmente justificável») ê demasiado restrita
Hume parece admitir que nenhuma crença está racionalmente justificada, a menos que
exista uma prova definitiva da sua verdade. Para Russell, pode ser racional acreditar numa
crença, mesmo na ausência deste tipo de prova, pois pode simplesmente acontecer que
de entre as alternativas disponíveis para explicar a nossa experiência exista uma hipótese
mais plausível do que todas as outras, pelo que ê mais racional acreditar na sua verdade,
do que em qualquer uma das alternativas. Chama-se a esta forma de argumentação < ab-
duçáo- ou, mais especifica mente, argumentação a favor da melhor explicação
Bertrand Russell
(1872-1970) Russell acredita que a existência de um mundo exterior às nossas mentes, regido pelo
princípio da causalidade, é uma explicação da nossa experiência muito mais simples e
apelativa do qualquer cenário cético que possamos imaginar e por isso considera que
estamos racíonalmente justificados a acreditar nisso. O mesmo se aplica á ideia de causa
lidade: e mais razoável aceitarmos que o mundo é, de facto, regido por relações causais,
do que assumir que a existência de conjunções constantes ê apenas acidental.
8. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento
ESQUEMATIZANDO
O OUE E 0 CONHECIMENTO?
Sim
CETICISMO FUNDAClONlSMO
Argumento cético
Distinção entre
da regressão infinita
Crenças Crenças
basicas não basicas
t j
Provêm da razão Provêm da experiência
(são o priorh (são a posteriori}
RAClONALlSMO EMPIRISMO
de Rene Descartes de David Hume
Objeções Objeções
• Objeção aos argu * Contraexemplo do tom
mentos baseados em de azul desconhecido
cenários céticos * Objeção a conceção
• Objeção ao cogrto humeana de causali
• Objeções ao argumen dade
to da marca * Objeção baseada na
• Objeção do circulo argumentação a favor
cartesiano da melhor explicação
I 193
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
RESUMO
De acordo com a definição tripa rtida de con hecimento, S sabe que P se, e so se,
1. S acredita em P:
2. P e verdadeira; e
194
8. Análise comparativa de duas teorias explicativa* do conhecimento
-As crenças basicas são autoevidentes, isto é. não podem ser seriamente
postas em causa, pois são de tal modo evidentes que não precisam de ser
justificadas por outras crenças, justrficam-se a si mesmas.
• De entre as várias ideias que Descartes encontra na sua mente existe uma
que se distingue de todas as outras: a ideia de Deus, ou ser perfeito.
- Para provar que Deus existe. Descartes recorre, entre outros, ao chamado
* argumento da marca*.
- Uma vez que Deus não e enganador, provara sua existência não so garan
te que podemos confiar nas nossas ideias claras e distintas atuais e passa
das. como também assegura que podemos confiar nos nossos raciocínios
apoiados em premissas com essas características.
’ A partir daí. Descartes pode deduzir muitas verdades e construir com segu
rança o edifício do conhecimento, apoiando-se naquilo que concebe com
clareza e distinção.
195
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
- Objeção ao cogito.
• ideias adventícias
• O empirismo de Hume enfrenta as seguintes objeções:
• ideias factícias
- O contraexemplo do tom de azul desconhecido.
• ideias inotas
- Objeção a conceção humeana de causalidade.
• perceções
- Objeção baseada na argumentação a favor da melhor explicação.
• impressões
• ideias
• ideias simples/ideias
complexos
■ princípw da cópia
• relações de ideias
• questões de focto
• conexão necessária
• coniunçâo constante
197
O Conhecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
Questões propostas
GRUPO I
não há conhecimento.
198
Qucstôei proposta»
6. Qual dos seguintes enunciados seria considerado mais evidente por Descartes?
7. Qual dos seguintes enunciados seria considerado mais evidente para Hume?
8. Qual destas alternativas não foi apresentada por Descartes como uma razão para duvidar?
<A) pode ter uma ideia da cor azul e, por conseguinte, nem todas as ideias são cópias de impressões.
(B) não pode ter uma ideia da cor azul e. por conseguinte, nem todas as ideias são cópias de
impressões.
(C) pode ter uma ideia da cor azul e, por conseguinte, todas as ideias são cópias de impressões.
{D) não pode ter uma ideia da cor azu I e, por conseguinte, todas as ideias são cópias de impressões.
IA) não tem origem na experiência, pois tra <C) não tem origem na experiência, pois
ta-se de uma relação de ideias. nunca observamos uma conexão neces
sãria entre dois acontecimentos.
(B) tem origem na experiência, pois obser < D) tem origem na experiência, apesar de
vamos uma conexão necessãria entre nunca observarmos uma conexão ne
dois acontecimentos. cessária entre dois acontecimentos.
GRUPO II
«Depois disto, tendo refletido sobre o que duvidava c que. por consequência, o meu ser nào era
inteira mente perfeito, pois via claramente que conhecer c uma maior perfeição do que duvidar. Icm
brti-me de procurar de onde me teria vindo o pensamento de alguma coisa mais perfeita do que cu: c
conheci, com evidencia, que se devia a alguma natureza que fosse, efetiva mente, mais perfeita. [...] De
maneira que restava apenas que ela tivesse sido posta em mim por uma natureza que fosse verdadei
ramente mais perfeita do que eu. e que até tivesse em si todas as perfeições de que eu podia ter alguma
ideia, istoè, para me explicar com uma só palavra, que fosse Deus.»
Rctk* Desartes, DftHri/ryo cfo Afetfxfo. Trjd. taío Ganu
Ijsbaa. EdlçOes 70 (2013). pp 52-53 ' adiptadol
Questões propostas
«E por mais que os melhores espíritos estudem isto, tanto quanto lhes agradar, nào creio que pos
sani apresentar alguma razào que seja suficiente para eliminar essa duvida, se nào pressupuserem a
existência de Deus. Pois, primeiramente. aquilo mesmo que ha pouco tomei como regra, isto ê, que
sào inteiramente verdadeiras as coisas que concebemos muito clara c dislintamente. só c certo porque
Deus ê ou existe, e porque c um ser perfeito c tudo o que existe dele nos vem. Donde se segue que as
nossas ideias ou noções. sendo coisas reais e que provêm de Deus cm tudo aquilo em que sào claras e
distintas, unicamente podem ser verdadeiras.*
Jtcne Descartes. Dfscurro do Utetodo. Trad. faio Qama.
Lisbou. Bdiçtei TU <20131. p. ÍW (adapUdol
«A mesa que vemos parece diminuir à medida que dela mais nos afastamos, mas a mesa real, que
existe indrpeiidentcmcntc de nós. nào sofre qualquer alteração; nào era, pois, nada a nào ser a sua
imagem o que estava presente ao espírito. Estes sào os óbvios ditames da razào; c ninguém capaz de
refletir jamais duvidou de que as existências que consideramos quando dizemos esta casa e aquela
arvore nào passam de perceções na mente, cópias ou representações transitórias de outras existências
que permanecem uniformes e independentes.»
EXjflrid Hume. TikwI i^uçü*.; sobre ci £ntandrm«nto Humano,
Trad. faio Pauk> Mocitcira. Lisboa, INCM <21X12)- P- lt»4
GRUPO III
«Suponhamos cntào que a mente seja, como se diz. uma folha em branco, sem quaisquer carate
res, sem quaisquer ideias. Como é que a mente recebe as ideias? [._] De onde tira todos os materiais da
razào c do conhecimento? A isto respondo com uma só palavra: da experiência».
1. O texto parece sugerir que não há conhecimento o priori acerca do mundo. Concordas com
essa perspetiva? Porquê?
200
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
Contrariamente ao que se possa pensar, a ciência, apesar de ser uma disciplina empí
rica, não está dispensada de ser analisada filosoficamente. Em filosofia da ciência anali
sam-se os conceitos fundamentais e os raciocínios envolvidos neste tipo de investigação
e discutem-se os problemas metafísicos, epistemolõgicos, éticos e lógicos que lhe estão
associados.
L Problemo da demarcação - O que distingue as teorias científicas das que não são
científicas?
Teste de robustez a materiais constituintes do novo telescópio espacial James Webb. da NASA.
Fotografia: NASA.
>
201
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
Notas Mas esta caracterização ainda não fornece um critério geral para dis
’ 0 conhecimento vulgar nào foi su tinguir o que é ciência daquilo que não é científico1. Fica ainda por res
primido com o advento da ciênoa.
Muito pelo contrário, de uma for ponder qual é o critério ou princípio que nos permite fazer a distinção
ma ou de outra, todos apbcamos o entre ciência e não ciência. Ou seja, qual é o critério de cientificidade que
serso comum em questões da vida
nos permite distinguir uma teoria científica de uma teoria não científica.
prática quando recorremos a pro
vérbios, a receitas caseiras de culi Uma vez que se pretende encontrar uma forma ou critério geral que nos
nária ou de medicina, a tradições permita demarcar o conhecimento cientifico daquilo que não é cientifico,
populares, entre outros.
este problema é designado como *o problema da demarcação* e pode
3 Na categoria das coisas que não
são cientificas também se inclui a ter a seguinte formulação:
pseudociência, que consiste na
pretensão de fazer passar algo
como ciência quando na realidade O que distingue as teorias científicas das que nào são científicas?
nào e cientifico.
3 A teoria de Thomas Kuhn, que
Este problema é relevante, pois o conhecimento científico é encarado
sera desenvolvida na ultima sec
ção, fornece um outro critério al por muitas pessoas como algo em que é legitimo depositar a nossa con
ternativo para distinguir ciência da fiança, algo que possui credibilidade, fomentando-se o seu desenvolvimen
nào ciência. De acordo com Kuhn,
o que distingue as teorias cientifi to com financiamento público. Por isso, toma-se importante encontrar um
cas das nào científicas e fazerem critério seguro para distinguir o conhecimento científico de outros tipos de
parte de um paradigma vigente. atividades não científicas. Essa necessidade também advém do facto de
* O positivismo logico foi um mo
haver na sociedade atividades fraudulentas, que se pretendem passar por
vimento filosófico que surgiu com
o Círculo de Viena na década de cientificas quando nâo o são na realidade, as quais visam lucrar às custas
20 do século XX (sendo também da credibilidade científica. Assim, para não se cair nesse tipo de fraudes,
conhecido por «neopositivismo»
ou «empirismo logico»). Este movi que critério de demarcação entre ciência e não ciência é plausível adotar?
mento incluía filosofos como Moritz
Schlidc, Rudotf Carnap ou Alfred Como resposta foram desenvolvidos dois critérios relevantes: o crité
Ayer, entre outros.
rio da verificabilidade e o critério da falsificabilidade3.
Critério da verificabilidade
202
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
Repare-se que apenas é apresentada uma condição necessária para uma teoria ser cien
tífica: ter afirmações empiricamente verificáveis. De acordo com este critério, uma afirmação
empiricamente verificável e aquela cujo valor de verdade pode ser estabelecido através da
observação. E empiricamente verificável uma proposição para a qual podemos indicar con
dições empíricas para determinar o seu valor de verdade, ainda que na prática {por exemplo,
por limitações tecnológicas} não se consiga verificar. Considerem-se os seguintes exemplos:
Repare-se que a afirmação 1 pode ser verificada pela observação prática (temos tec
nologia que nos permitiu verificar bem isso}; assim, 1 pode pertencer ao conhecimento
científico. Quanto ã afirmação 2, ainda que nas circunstâncias atuais não possa ser verifi
cada na prática {dado que ainda não temos tecnologia suficientemente desenvolvida para
determinar isso), é uma proposição empiricamente verificável na medida em que podemos
indicar condições empíricas para determinar o seu valor de verdade. Portanto, 2 pode fa
zer parte de uma teoria cientifica. Contudo, a afirmação 3 não pode fazer parte da ciência,
dado que não e empiricamente verificável, nem na prática nem em princípio.
O filósofo Kari Popper, que analisaremos a partir da página 204, também criticou o crité
rio de demarcação dos positivistas lógicos por levar a aceitar como científicas teorias que
não são apropriadamente científicas. Mas porquê? Para se perceber isso considere-se uma
teoria que não é científica como, por exemplo, a alegação da astrologia de que «Os nativos
do signo Gémeos têm tendência a adiar decisões importantes*. Ora. perante uma alegação
tão vaga e imprecisa, não hã qualquer acontecimento concebível que, aos olhos de um de
fensor da astrologia, refute essa alegação. Pois todas as situações apenas verificam a teoria
(que as pessoas do signo Gémeos têm «tendência* a adiar decisões). Mas. assim, se qualquer
observação concebível concorda com uma dada teoria ou alegação, então não se pode dizer
que uma determinada observação em particular lhe fornece suporte empírico; portanto, a
verificabilidade não é um bom critério para distinguir teorias científicas das não científicas.
203
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
Porém, esse critério não cumpre os requisitos que ele próprio estabelece. Pois, o cri
tério, ele mesmo, não é verdadeiro por definição (ao contrário do que sucede com as
frases «Todas as coisas vermelhas são coloridas* ou «Nenhum irmão é filho único») nem
é verificado pela experiência (não encontramos nada no mundo que seja um indicio a
favor deste critério). Dessa forma, seguindo o critério dos positivistas, o próprio critério
da verificabilidade não tem valor de verdade e. por isso, não pode ser um critério correto.
Alem disso, no critério apresentado por Popper ê importante não confundir «teoria faf-
sificavel* com «teoria falsificada*. Isto porque Popper não defende que uma teoria tem de
estar falsificada (ou seja, refutada pela observação) para ser científica, mas sim que tem
de ser falsificável, isto é, que tem de ser possível refuta-la pela observação. Analisemos
alguns exemplos:
Começando com a afirmação 1, podemos imaginar uma situação em que não chove
amanhã, ou seja, a afirmação 1 seria refutada caso não chova no dia que está a ser indi
cado; por isso, é falsificável.
204
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
Com isto se vê por que motivo Popper defendeu a falsificabilidade como critério de
demarcação - porque uma teoria que não seja falsificável nada diz sobre o mundo. Quan
to ãs afirmações falsificáveis também há alguns aspetos a ter atenção. O principal tem a
ver com a ideia de que uma afirmação pode ser mais falsificável do que outra, ou seja,
que existem graus de falsrficabil idade Para se analisar isso, considerem-se as seguintes
frases:
] 205
O Coohecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
Serão todas estas frases falsificáveis? Tal como vimos acima, a afirmação 1 não e
falsificável dado ser uma tautologia. Por sua vez. as outras três são falsificáveis Mas será
que o grau de falsificabilidade de todas elas é exatamente igual ou algumas são mais fak
sificaveis do que outras?
Tal como se verificou, as teorias com maior grau de falsificabilidade são as teorias
com maior grau de informação. Quanto maior for a possibilidade de um enunciado ser
refutado, maior informação ele terá. E as boas teorias cientificas são aquelas que têm um
elevado grau de falsificabilidade, isto é, que são muito informativas.
Com isto podemos apresentar uma versão mais completa do critério de falsificabilidade
apresentado por Pop per:
.. -.
(1} Uma teoria que garante só verificações ou confirmações, e que ignora possíveis
refutações, nâo pode ser concebida ou mostrada como falsa.
(2) Se uma teoria é cientifica, então faz afirmações ou previsões que poderão ser
concebidas ou mostradas como falsas.
(3} Logo, uma teoria que garante só verificações ou confirmações, e que ignora
possíveis refutações, não é científica.
206
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
quer a fatores pessoais do investigador e, por isso, nenhuma teoria cientifica pode ser
abandonada por causa de uma única observação ou por uma única experiência que. apa
rentemente, a refutou.
Por fim, o que está a ser proposto por Popper não está de acordo com a prática cien
tífica. O que acontece frequentemente na atividade científica real e o seguinte: peran
te uma observação ou teste experimental cujo resultado não esteja de acordo com a
teoria, os cientistas mais facilmente põem em causa o teste, ou as suas condições de
realização, do que a própria teoria. Assim, não é por se encontrar um caso contrário á
teoria que a teoria é falsificada. Tal como analisaremos com pormenor na página 214,
Thomas Kuhn realizou um estudo aprofundado da história da ciência e constatou que,
contrariamente ao que se poderia supor, os cientistas são muito resistentes ã mudança.
Ou seja, conhecendo-se um pouco da história da ciência, podemos verificar que os cien
tistas trabalham de forma a confirmar as suas teorias e continuam a sustentá-las mesmo
quando as previsões não se confirmam e se encontram casos contrários à teoria.
Como resposta a este problema foram desenvolvidas duas teorias principais: o induti-
vismo e o falsificacionismo
De acordo com o indutivismo, uma teoria científica desenvolve-se nos seguintes mo
mentos fundamentais:
.------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- ■.
1. A observação é o ponto de partida da investigação científica.
2. As teorias científicas sào elaboradas mediante um processo de generalização
indutiva.
3. Depois de a teoria ter sido elaborada, faz-se o seguinte:
• tenta encontrar-se confirmações adicionais para a teoria;
• usa-se a teoria na procura de generalizações indutivas mais vastas.
207
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
Com base nestes critérios seria falacioso concluir que <Os planetas movem-se em torno
da sua estrela* caso apenas se registasse a posição do planeta Marte num único dia espe
cífico. Para não se cometer a falacia da generalização precipitada, precisamos de murtas ob
servações. Mas, para a conclusão em consideração não basta registar a posição do planeta
Marte em vários dias, é preciso observar se o mesmo sucede com outros tipos de planetas.
Assim, só respeitando adequadamente os critérios 1 e 2 se poderia concluir indutivamen
te que é bastante provável que todos os planetas se movam em torno da sua estrela. Em
suma, as proposições ou enunciados gerais que captam leis da natureza são descobertas
por indução.
No momento 3 visa-se encontrar ma is factos que confirmem a teoria. Ou seja, a partir das
teorias os cientistas deduzem previsões e explicações que possam ser confirmadas. Com
isso, a teoria ficará confirmada num grau mais elevado Além disso, pode partir-se das leis já
descobertas para, também por indução, encontrar leis ainda mais gerais.
208
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
« Há vinte c cinco anos, tentei trazer esta questão a um grupo de estudantes de Física,
em Viena, iniciando uma conferencia com as seguintes instruções: ‘Peguem no lápis e
no papel: observem cuidadosa mente e anotem o que observarem?" Eles perguntaram,
como é óbvio, o que c que eu queria que eles observassem. Manifestamente, a instrução
‘Observem!” c absurda. (_) A observação è sempre seletiva. Requer um objeto determi
nado, uma tarefa definida, um interesse, um ponto de vista, um problema.»
KjfI Pappcr, ConJrniKis e Heytifciçflcs. Lisboa, Almcdliu {MJ). pp. 72-73
Como se pode constatar, Popper defende que a observação não e o ponto de partida
para a investigação científica, pois no momento em que o cientista parte para a observação
já dispõe de um conjunto de teorias e de expectativas prévias que orientam o seu trabalho
e influenciam a forma como interpreta aquilo que observa. Como se verá na página 210 e
seguintes, segundo Popper, o verdadeiro ponto de partida para a ciência é o problema que
surge do confronto entre uma observação e as teorias ou expectativas de que já dispomos.
Em segundo lugar, muitas teorias cientificas referem objetos que não são observáveis.
Vimos que o indutivista diz que as teorias são generalizações indutivas formadas a partir
da observação de casos particulares. Contudo, muitas teorias cientificas referem objetos
como neutrinos, eletrões, genes, moléculas de ADN, etc., os quais não são observáveis.
Ou, pelo menos, não eram observáveis na altura em que foram criadas as teorias que
os referem. Por isso, essas teorias não podem ter sido desenvolvidas mediante simples
generalizações indutivas baseadas na observação. Ou seja, o indutivismo não espelha o
método cientifico tal como ele é efetiva mente praticado.
(1) (r—
(2) P
13) J.T
200
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
Ou seja, nesse caso ainda que as premissas sejam verdadeiras, não se garan
Nota
1 No capitulo 8 vimos que, te de forma dedutiva a verdade da conclusão.
de acordo com Hume,
o PUN não tem justifica Uma crítica final baseia-se no problema da indução, que jâ analisámos, no ca
ção, pois a sua veracida
pítulo 8, pagina 189, na epistemologia de David Hume. Relembramos que a crítica
de não pode ser dedu-
trvamerte demonstrada de Hume consiste em argumentar que a indução é injustificável; contudo, o indu-
Idado que não e uma re tivista usa a indução na passagem do momento 1 para o momento 2 - ou seja,
lação de ideias) e, se ape
formulam-se teorias cientificas (leis universais) ao fazer generalizações indutivas
larmos a experiência dos
seus sucessos passados das nossas observações particulares. Ora, admitindo que a indução é injustificá
para justificar a nossa vel, dado que o princípio da uniformidade da natureza (PUN) não tem justificação’,
confiança nesse tipo de
inferência, estamos a in chegamos facilmente á conclusão de que a ciência não é digna de crédito. Pode
correr numa petição de estruturar-se essa objeção da seguinte forma:
princípio, pois estamos a
recorrer a indução para
justificar a nossa confian (1) A indução é injustificável (segundo David Hume).
ça na indução. (2) Se a indução e injustificável, a ciência não é uma atividade racional.
(3) Logo a ciência não é uma atividade racional.
Assim, se quisermos continuar a confiar na ciência e sustentar que a ciência é uma ati
vidade racional, temos de rejeitar o indutivismo.
Resposta falsificacionista
Karl Popper, ao defender uma resposta falsificacionista, sustenta que uma teoria cientí
fica se desenvolve nos seguintes momentos fundamentais:
1. Formulação de um problema.
2. Apresentação da teoria como hipótese ou conjetura.
3. Tentativas de refutação da teoria através de testes experimentais.
L
Nesta caracterização, a ciência não parte de observações puras, mas sim de proble
mas. Aliás, qualquer teoria cientifica é sempre uma resposta para algum tipo de problema,
para algo que num determinado contexto precisa de explicação.
Perante um dado problema, o cientista tem de se focar no seguinte: avançar com uma
primeira tentativa de solução, isto é, com uma hipótese, ou conjetura, sendo que essa
hipótese ou conjetura é uma mera suposição ou palpite. Neste segundo momento do mé
todo de fazer ciência. Popper insiste na importância de se propor conjeturas ousadas (ou
210
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
seja, que envolvem grande risco de se revelarem falsas}, pois estas têm um grau elevado
de falsificabilidade, o que significa, tal como já vimos anteriormente, que sâo informativas
e que se expõem a um grande risco de serem refutadas.
--------------------------- \
(1}
(2) -P
(3) A-I
Popper nega a conclusão deste argumento, pois considera que a ciência é uma ativi
dade com valor cognitivo. Mas se nega essa conclusão qual é a premissa que ele nega?
Popper aceita a premissa 1 de que a indução ê injustificável. Contudo, nega a premissa 2
ao defender o seguinte:
211
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
Mas como e que a ciência pode ser uma atividade racional apesar de a indução ser
injustificável? Como estamos a ver na estrutura lógica do momento 3, a resposta de
Popper é que a ciência não precisa de qualquer tipo de indução, mas apenas de de
dução, nomeadamente das tentativas de aplicação do modus tolfens nesse terceiro
momento que caracteriza o método científico.
Tentativa
Perplexidade Conjetura
de refutação ■
i t
Hipcrtwe
Problema + 9 9 9
Teoria
experimentai 5
Em primeiro lugar, não é razoável abandonar uma hipótese ou teoria apenas porque foi
refutada por um teste experimental. Isto porque em ciência, além de hipóteses ou teorias
(T) e previsões (P), existem outros fatores envolvidos - como instrumentos utilizados, fatores
pessoais e sociais, etc. Assim, a premissa 1 da estrutura lógica falsificacionista não deveria
ser apenas <T —* P), mas sim ter em conta esses outros fatores envolvidos na atividade cien
tífica. A verdade de uma teoria nâo é suficiente para garantir a observação de uma previsão
durante um procedimento experimental, é preciso que todos os restantes fatores envolvi
dos estejam a funcionar adequadamente. E a nâo observação de uma previsão durante um
procedimento experimental não é suficiente para rejeitarmos uma teoria, pois pode estar a
falhar um dos outros fatores envolvidos {como um teste mal realizado), e não a teoria. Assim,
parece que Popper simplificou demasiado a forma de se entender o método científico.
212
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
■ a perspetiva de Popper, que advoga que a ciência progride, ainda que de forma
irregular, por aproximação ã verdade; e
■ a perspetiva de Kuhn. que sustenta que a ciência progride por ruturas drásticas e
sem um fim definido.
A perspetiva de Popper
De acordo com Popper, tal como se analisou anteriormente, nunca podemos garantir
que uma teoria científica ê verdadeira. Então, como podemos pensar que hã progresso
se não temos qualquer garantia de que as teorias atuais são verdadeiras? A resposta de
Popper ê que não precisamos de saber que as teorias são verdadeiras para haver pro
gresso, basta que as teorias atuais sejam melhores do que as anteriores. Ora, seguindo o
falsificacionismo de Popper, uma teoria é melhor do que a anterior se resistir aos testes de
falsificabilidade a que a anterior nâo resistiu.
Alêm disso, as novas teorias, ao ocuparem o lugar das velhas, mantêm alguns dos
seus melhores aspetos, ao mesmo tempo que substituem os seus defeitos. Mas isso sõ
ê possível porque se procuram ativamente os erros. Na luta contra as adversidades do
ambiente só os indivíduos mais resistentes e adaptados sobrevivem (tal como se advoga
na teoria da evolução das espécies*, e o mesmo acontece com as teorias científicas: a
ciência avança por um processo racional de eliminação de erros, que consiste na subs
tituição de más teorias por teorias cada vez melhores. Ou seja, a evolução científica ê
caracterizada como um processo de contínua aproximação à verdade, embora a *verda-
de última* seja inalcançãvel. No entanto, esta perspetiva de Popper é diferente da pers
petiva dos indutivistas. Estes últimos pensavam que a ciência progredia de uma forma
estritamente linear, sempre no mesmo sentido, sem desvios nem ruturas, em direção a
um conhecimento cada vez mais alargado e completo (isto é. cumulativo) da realidade
em direção ã verdade.
Popper defende, em vez disso, que a ciência evolui progressivamente de modo irre
gular, por afastamento sucessivo do erro. Para explicar este aspeto, Popper recorre ao
conceito de verosimilhança:
213
O Coohecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
Em suma, para Popper, embora nunca possamos dizer que alcançámos a verdade, po
demos conclusivamente saber que certas conjeturas ou teorias científicas são falsas, o
que significa que as teorias cientificas atuais possuem um grau de verosimilhança maior
do que aquelas que já foram empiricamente refutadas.
Mas será esta filosofia plausível? Para fazer uma avaliação, veja-se primeiro uma pers
petiva oposta de entender a evolução da ciência. No final do capitulo, páginas 219 e 220,
serão discutidas algumas objeções.
A perspetiva de Kuhn
Ao contrário de Popper, o filósofo Thomas Kuhn defende que a ciência não tem de
progredir em direção ao fim previamente estabelecido, rejeitando a ideia de que a ciência
progride em direção ã verdade. Kuhn considera que o desenvolvimento cientifico consiste
numa sucessão de períodos de relativa estabilidade e de consenso alargado, interrompi
dos por processos de trabalho revolucionário. Kuhn faz notar que a história da ciência ê
simplesmente uma sucessão de paradigmas (e isso não significa que se esteja a ir para
melhor ou a caminhar para a verdade).
Ausência
de paradigma
1
Ph ? t i^hf ia
214
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
O período de ciência normal pode enfrentar algumas anomalias Ou seja, por vezes
os cientistas descobrem que os pressupostos do paradigma vigente não estão de acordo
com aquilo que se observa na natureza. Por exemplo, quando o paradigma do geocentris
mo de Ptolomeu estava vigente, os cientistas começaram a observar fenómenos que não
encaixavam bem no paradigma (como o movimento dos planetas). Quando isso acontece,
começa a entrar-se no período de crise científica, ou seja, tal período inicia-se quando as
tentativas de resolver um enigma fracassam, surgindo uma anomalia (a qual inicialmen
te deve ser considerada como falha da investigação e não falha do paradigma vigente}.
Durante este período pode haver dois caminhos possíveis para os cientistas:
Neste último caso, perder-se a confiança no paradigma da lugar á crise, ou seja, o para
digma vigente deixa de ser o modelo consensual de fazer ciência. Uma vez instalada a cri
se. inicia-se o período de ciência extraordinária Este é um período de competição e escolha
de teorias, acabando por surgir uma teoria alternativa que proporciona um novo paradigma,
uma nova forma de fazer ciência. Aí a comunidade científica divide-se em dois grupos:
Para Kuhn, quando acontece uma revolução científica sso não significa desenvolvi
mento cumulativo entre paradigmas: ou seja, não representa uma evolução, num sentido
cumulativo, em direção a uma compreensão mais profunda da realidade tal como ela é de
forma objetiva. Neste periodo, uma vez estabelecido o consenso em torno do novo para
digma, inicia-se um novo período de ciência normal, e assim sucessiva mente.
>
215
O Coohecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
Assim, quando ocorre uma revolução cientifica, o novo paradigma não e melhor nem
pior do que o antigo. Eles são simplesmente incomensuráveis. Mas por que razão pensa
Kuhn que os paradigmas são incomensuráveis? Que argumentos são apresentados a
favor dessa tese? Kuhn apresenta dois argumentos. O primeiro e baseado na impossibili
dade de comparação entre paradigmas e pode ser formalizado tal como se segue:
Com base na tese da incomensurabilidade pode argumentar-se que não há uma apro
ximação ã verdade nas mudanças de paradigma, porque:
A ciência é objetiva?
É preciso clarificar que, para que a ciência seja objetiva exige-se que a avaliação e es
colha das teorias seja feita com base em critérios imparciais. Ou seja, em critérios que não
sejam baseados em razões ou preferências de caráter pessoal. Para este problema existem
duas respostas principais:
r--------- --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- i
• A tese de Popper: A ciência é objetiva
• A tese de Kuhn: A ciência não é totalmente objetiva.
Popper defende uma perspetiva racionalista da ciência, considerando que esta pro
porciona conhecimento objetivo. Mas, se para Popper as teorias científicas são sempre
provisórias, como pode a ciência ser objetiva? Segundo Popper, a ciência é objetiva
porque cada teoria científica e avaliada por meio de testes cada vez mais severos de
falsificação, ou seja, pela tentativa de aplicação do modus íotfens na procura ativa por
contraexemplos.
Nessa tarefa, uma teoria só se mantém como científica e corroborada se passar nesses
testes rigorosos e objetivos, os quais podem ser levados a cabo por qualquer cientista,
independente mente das suas convicções pessoais. Essa tentativa de aplicação do modus
toffens não depende de fatores subjetivos. Portanto, para Popper neste processo não
intervém qualquer aspeto subjetivo.
217
O Coohecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
Ethan Murrow,
O Coso ftewsíofNsta {2018)
Thomas Kuhn discorda de Popper. Kuhn defende a tese de que se a escolha entre
teorias propostas por paradigmas que competem entre si depende em grande parte de
critérios subjetivos, então a ciência não é totalmente objetiva. É verdade que Kuhn reco
nhece que há critérios objetivos, tais como:
r-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Nota 1. Fecundidade: quanto maior for a capacidade para conduzir a novas desco
Se reparares, as
bertas cientificas, melhor é a teoria.
iniciais dos critérios
formam a palavra 2. Alcance: quanto mais coisas uma teoria conseguir explicar, melhor é.
<FACES>, tornar do 3 Consistência: quanto mais uma teoria estiver de acordo com outras ampla
mais facil recordar mente aceites, melhor é.
estes critérios.
4 Exatidão: quanto mairs exatas forem as previsões, melhor é a teoria.
5. Simplicidade: quanto mais simples for uma teoria, melhor é.
\_.___________________________________________ d
No entanto. Kuhn sublinha que estes critérios são insuficientes na escolha das teo
rias. havendo também fatores subjetivos. Isto porque, apesar dos critérios objetivos acima
apresentados serem partilhados pelos cientistas, estes frequentemente divergem na sua
aplicação. Mas porquê? Kuhn faz notar que uns cientistas podem dar mais importância a
um critério, ao passo que outros valorizam mais um critério diferente. Dado que os critérios
não estabelecem com rigor qual o grau de simplicidade, de fecundidade, etc., estes são
de alguma forma vagos ou imprecisos. Por exemplo, dada essa vagueza dos critérios, po
demos ter esta situação: um cientista pode entender que uma determinada teoria 1 é mais
fecunda do que a teoria 2, mas um outro cientista pode achar que a teoria 2 é mais fecun
da do que a teoria 1. Assim, diferentes cientistas podem interpretar os critérios objetivos
de modo diferente e chegar a conclusões diferentes. Com isso, vemos que na ciência os
critérios de escolha de teorias não são puramente objetivos dado que também entram
em consideração fatores de ordem subjetiva {como as interpretações pessoais).
De acordo com Kuhn, também fatores subjetivos como as convicções religiosas e po
líticas dos cientistas, as preocupações sociais, as preferências estéticas e até o tempera
mento podem interferir na escolha de teorias. Terá Kuhn razão ao defender isto?
218
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
.------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- ■.
(1) Se os paradigmas são incomensuráveis, então não podemos dizer que as teorias
científicas atuais estão mais próximas da verdade do que as suas antecessoras.
(2} Mas uma vez que as teorias cientificas atuais têm uma maior capacidade de prever
o comportamento da natureza do que as suas antecessoras, podemos considerar
que estão mais próximas da verdade do que as suas antecessoras.
(3) Logo, os paradigmas não são incomensuráveis
Se estas duas objeções forem boas, um dos aspetos centrais da teoria de Kuhn será
refutado, pois estamos a mostrar que afinal os paradigmas podem ser comparados e que
alguns são objetivamente melhores do que outros.
219
O Coohecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
o que podemos dizer, na melhor das hipóteses, em relação a uma teoria e que tem um grau
elevado de verosimilhança, mas nunca que e verdadeira. Porém, pode advogar-se que
essa ideia é im plausível porque:
'------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- i
(1) Se nâo podemos saber que uma teoria científica é verdadeira, então não pode
mos estar certos do funcionamento das máquinas construídas com base nessa
teoria cientifica.
(2} Ora. podemos estar certos do funcionamento de várias maquinas (como compu
tadores ou aviões) construídas com base em teorias científicas.
(3) Logo, é falso que não podemos saber que uma teoria científica é verdadeira.
Ou seja, nâo podemos saber que uma teoria científica alcançou a verdade; então a nossa
confiança nas teorias cientificas e nos resultados instrumentais da ciência (como computado
res e aviões) é minada. Contudo, se computadores, aviões e outras tecnologias construídas
com base em teorias científicas funcionam, então podemos considerar que a ciência pode
alcançar a verdade. Em suma, a conceção de Popper em relação ã evolução da ciência é im-
plausível caso se reconheçam os resultados da tecnologia e da ciência que a torna possível.
ESQUEMATIZANDO
CRITÉRIO
PROBLEMA DE VERlFlCABlLlDADE
DADEMARCAÇAO
CRITÉRIO
DE FALSlFlCABlLlDADE
POPPER:
ELIMINAÇÃO DE ERROS
PROBLEMA DA EVOLUÇÃO
DA CIÊNCIA
KUHN:
<• t !i + ã + ■ SUCESSÃO DE PARADIGMAS
POPPER: A CIÊNCIA
É INTEIRAMENTE OBJETIVA
PROBLEMA DA OBJETIVIDADE
DA CÉNCIA
KUHN: A CIÊNCIA NAO É
INTEIRAMENTE OBJETIVA
220
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
RESUMO
221
O Conhecimento e o Racionalidade Cientifica e Filosófica
- Além disso, muitas teorias científicas referem objetos que não são ob
serváveis [como neutrinos, eletrões, genes, moléculas de ADN, etc.).
- Como objeção pode defender-se que não e razoável abandonar uma hi
pótese ou teoria apenas porque foi refutada por um teste experimental.
222
9.0 estatuto do conhecimento cientifico
• senso comum
• O problema da objetividade da ciência questiona se a ciência e inteiramente
objetiva ou não. • conhecimento científico
A. De acordo com Popper, a ciência e inteiramente objetiva, dado que cada • demarcação
teoria cientifica e avaliada por meio de testes cada vez mais severos de
• verificável e venficodo
falsificação, ou seja, pela tentativa de aplicação do modus toflens na
procura ativa por contraexemplos que podem ser aplicados de forma • falsificável e falsificado
imparcial.
• graus de falsificabilidode
B Pelo contrário, segundo Kuhn, a ciência não e inteiramente objetiva, uma
• método científico
vez que os critérios objetivos de escolha de teorias são insuficientes, ha
vendo também fatores subjetivos (históricos, pessoais e sociais) que in • indutivismo
fluenciam a ciência.
• falsificacionismo
-Como cntica a teoria de Kuhn, pode defender-se que a ideia de que
• indução e dedução
os paradigmas são incomensuráveis e implausivel. dado que e possível
advogar que as teorias cientificas atuais são mais rigorosas e exatas do • conjeturas e refutações
que as teorias do passado. • corroboroçâo
- Bem como se pode notar um crescente sucesso e prestígio da ciência, • progresso científico
que parece evidenciar que as teorias atuais estão mais próximas da ver
dade do que as anteriores. • verosimilhanço
• ciência extroordinána
• revolução científica
• incomensura bilidode
• objetividade
• subjetividode
223
O Conhecimento e a Racionalidade Científica e Filosófica
Questões propostas
GRUPO I
{A) ê comprovada pela experiência. (C) tem de ser comprovada pela experiência,
pode ser comprovada pela experiência. (D) tem de ser refutada pela experiência.
6. Segundo Kuhn, quando uma comunidade cientifica se dedica sobretudo á resolução de enig
mas, a ciência encontra-se num período
224
Qucstôei proposta»
GRUPO II
«Há vinte t cinco anos, tentei trazer esta questão a um grupo de estudantes de Física, cm Vie
na, iniciando uma conferência com as seguintes instruções: “Peguem no lápis e no papel: ob
servem cuidadosamente e anotem o que observarem!" Eles perguntaram, como c óbvio, o que
c que cu queria que eles observassem. Manifestamente, a instrução ‘Observem!" ê absurda. I_]
A observação c sempre seletiva. Requer um objeto determinado, uma tarefa definida, um interesse,
um ponto de vista, um problema.»
2.1 No texto, Karl Popper refere uma critica aos indutivistas. Explica essa crítica.
225
O Conhecimento e a Racionalidade Científica e Füo*ófica
Questões propostas
«Dá-se o caso dc os astrólogos sempre se terem vangloriado de que as suas teorias se baseavam
num número enorme de verificações - numa quantidade esmagadora dc provas indutivas. Essa pre
tensão nunca foi scriamente investigada nem explorada, e não vejo porque não haveria dc ser verda
deira. Mas pouco ou nada interessante c saber se a astrologia foi muitas vezes ou poucas vezes verifi
cada; a questão e a dc saber se ela alguma vez foi scriamente testada por meio dc tentativas sinceras
de a falsificar.»
3.1 Identifica e formula o problema filosófico abordado por Popper no texto com o exemplo da
astrologia.
3.2 Explica a perspetiva de Popper sobre esse problema, recorrendo ao exemplo usado no texto
«Quando os paradigmas entram, como tem de acontecer, no debate acerca da escolha dc para
digmas, o seu papel c necessariamente circular. Cada grupo usa o seu próprio paradigma para argu
mentar a favor do seu paradigma.»
rhomas Kuhn. A Extri/lura das JíwoõiçOm Editara Guerra t* Pax (20091. p 14b
4.1 Será que, ao usarem os seus próprios paradigmas para argumentarem a favor do seu pa
radigma, os cientistas não seguem, de acordo com Kuhn, critérios objetivos de avaliação?
Justifica.
4.2 Apresenta pelo menos dois exemplos de critérios não objetivos que, segundo Kuhn, influen
ciam as decisões dos cientistas.
GRUPO III
«Por exercerem a sua profissão em mundos diferentes, dois grupos de cientistas veem coisas dife
rentes quando olham de um mesmo ponto de vista na mesma direção. Isso não significa que possam
ver o que lhes aprouver. Ambos olham para o mundo e o que olham não mudou. Mas em algumas
áreas veem coisas diferentes, que são visualizadas mantendo relações diferentes entre si. É por isso
que uma lei, que para um grupo pode nem sequer ser demonstrada, pode. eventualmente, parecer
intuitivamente óbvia para outro.»
Thoims Kuhn. A Etfruti/ru dos KciyjIuçócs Ctenhpcux, Editora. Guerra c Faz I2L»I>9), pp. 124 12S
1. Concordas com a ideia de Kuhn de que «por exercerem a sua profissão em mundos diferentes,
dois grupos de cientistas veem coisas diferentes quando olham de um mesmo ponto de vista
na mesma direção»?
Caspa r David Friedrich,
Cominhortes Soó.re
o Mar de .N'eizoc (1817)
Dimensões
da Ação Humana
e dos Valores
Oimcniõc* da Ação Humana e dos Valore*
Dizer que algo e uma obra de arte no sentido classificativo (descritivo) é dizer
simplesmente que esse objeto pertence a uma determinada classe.
Ao passo que:
Dizer que algo é uma obra de arte no sentido valorativo (avaliativo) e reconhecer
que esse objeto, além de pertencer ã categoria das obras de arte, é um bom
exemplar dessa categoria, ou seja, é uma boa obra de arte.
Estes objetos sào obras de arte! Este quadro e uma obra de arte!
Contudo, nem todos os teóricos da arte consideram este tipo de abordagem muito
promissor. Para estes autores, dada a natureza dinâmica, criativa e inovadora do fenóme
no artístico, nunca conseguiremos estabelecer de forma segura um conjunto de proprie
dades intrínsecas que todas as obras de arte, e apenas elas, possuem em comum. Mas
228
IO. A dimcnséo estética
isso não implica necessariamente que não se pode encontrar qualquer tipo de definição
de <obra de arte», apenas indica que em vez de nos focarmos nas propriedades intrínse
cas dos objetos artísticos devemos focar-nos nos seus aspetos relacionais, processuais
e contextuais, isto e, nas relações que estes estabelecem, nos processos por que pas
sam e no contexto histórico e social que os envolve. Uma vez que sustentam que nâo
existe uma espécie de essência comum a todas as obras de arte, as teorias que se dedi
cam a encontrar uma definição de arte nestes moldes ficaram conhecidas como teorias
não essencialistas da arte.
Ao longo deste capítulo 10 iremos estudar três teorias essencialistas da arte - a teo
ria representacionista. a teoria expressivista e a teoria formalista - e duas teorias não
essencialistas da arte - a teoria institucional e a teoria historicista Vejamos em seguida
o que caracteriza cada uma destas perspetivas e quais os principais argumentos a favor
e contra cada uma delas.
AJgo representa outra coisa se, e só se, um emissor tem a intenção de que algo
esteja em vez de outra coisa e o recetor compreende essa intenção.
F-----------------------------------------------------------------------
Aproximação de cruzamento Sentido proibido
A
229
Dimensões da Ação Humana e dos Valores
Notas
’ Est o literário característico «A epopeia1, a tragédia3, assim como a poesia ditirámbica3 c a maior parte
dos grardes poemas épicos, da aulética* e da citanstica5, todas sào. cm geral, imitações. Diferem, porém,
como a Odisseia e a J.bada de umas das outras, por três aspetos: ou porque imitam por meios diversos, ou
Homero.
porque imitam objetos diversos, ou porque imitam por modos diversos e nào
3 A par da comédia, era um
dos principais generos do da mesma maneira.»
texto dramático da Antiguida AristOtelesL FcmHIcij. Trad. lOidcro de Sousa,
de Clássica. Caracterizava-se l.isbcu. INCN <2016). p. 87.I447d
por retratar as ações de deu
ses e heróis.
2 Poesia declamada e cantada
por atores e por um coro Aquilo que está aqui a ser defendido é que:
* Arte de tocar flauta.
: Arte de tocar citara ou lira.
* Do grego <mímesís< que Algo é uma obra de arte so se algo é uma imitação.
significa imitação.
Esta teoria ficou conhecida como teoria mimética6 da arte íou teoria da arte como
imitação;. Note-se, contudo, que esta se limita a afirmar que todas as artes são imita
ções, mas não afirma que todas as imitações são arte. Ou seja, de acordo com a teoria
mimética, a imitação è uma condição necessária, mas não suficiente, para que algo
seja considerado arte.
230
IO. A dimensão estética
A teoria mimética tem sido criticada por ser demasiado restrita, pois ex
Nota
clui do conceito de arte várias obras oriundas das artes não imitativas, como 7 Significa Irtera Imente <arte
a pintura abstrata, a arte decorativa, a arquitetura, a música instrumental, a ercontrada». Trata-se de um
movimerto artístico que con
found art1 e algumas formas de teatro, dança, cinema e literatura, que não siste e55endalmente na apro
têm qualquer intuito imitativo. Estas obras constituem-se como contraexem- priação de objetos quotidiaros
plos óbvios à teoria mimética tal como esta foi defendida por Platão e Aris (sem alterar as suas proprieda
des formais) e na sua elevação
tóteles. a categoria de obras de arte.
Uma tal teoria da arte pode ser genericamente formulada nos seguintes
termos:
231
Oimcmões da Ação Humaiw e dos Valore*
É demasiado restritiva
Mesmo na sua versão mais lata, a teoria representacionista não está isenta de obje
ções. pois, uma vez que existem várias obras de arte que nâo sào de todo representações,
pode considerar-se que, ainda assim, esta teoria e demasiado restritiva. Apesar de pas
sar a incluir algumas pinturas abstratas alegando que, embora nâo imitem a natureza das
coisas, estas, de certa forma, podem representá-la, a teoria representacionista continua
a enfrentar alguns contraexemplos, pois continuam a existir obras de arte sem qualquer
conteúdo representativo
«A arte tem aipo a ver com a emoção; o que faz com ela parece ser estimulá-la, mas
nào ê estimulá-la. [-.]
Uma vez que o artista em sentido próprio tem algo a fazer com as emoções e o que
faz nào c estimulá-las, então o que ê que ele faz? [_]
Nada podia ser mais absolutamente normal do que dizer que ele as expressa. [_]
Quando se diz que um homem expressa emoções, o que está a ser dito resume-se ao
seguinte. A principio, tem consciência de ter uma emoção. mas nào de que emoção se
trata. A única coisa de que tem consciência é de uma perturbação ou agitaçào, que sente
ocorrer no seu interior, mas cuja natureza desconhece. Enquanto está neste estado, tudo
Robin George
Collingwood o que pode dizer acerca da sua emoção ê: “Sinto.. nào sei bem o que sinto.” Liberta-se
(1889-1943) desta condição indefesa r oprimida fazendo aquilo a que chamamos expressar-se. [...]
(Aj emoção expressa ê uma cmoçào de cuja natureza a pessoa que a sente já tem cons
ciência.»
R.G. CDillJigwaod. rhc Prt/icfp/esofArt. OxRinJ. Oxford Univtralty Press IWtól. pp. lüft 3Ü9
232
IO. A dimcnséo estética
No que diz respeito ã premissa 1. Collingwood não tem muito a dizer. Esta tese parece-
-Ihe ser trivial. A premissa 2 limita-se a estabelecer que tsso implica que há apenas duas
coisas que os artistas podem fazer com a emoção: estimulá-la ou expressá-la.
Ora, Collingwood sustenta que a arte em sentido próprio não é um mero ofício. Para
defender esta perspetiva Collingwood recorre, entre outros exemplos, ao caso da poesia.
Se a poesia fosse um ofício, então um poeta seria uma espécie de artífice que teria como
proposito utilizar uma dada matéria-prima - as palavras — para produzir um determinado
produto final preconcebido — certos estados mentais no seu público.
Contudo, Collingwood não encara a poesia apenas como um meio para produzir cer
tas emoções no auditório. Na sua opinião, isso implicaria que um poema que não conse
guisse produzir o efeito desejado seria necessariamente mau, tal como um sapato que
não sirva para cumprir o seu propósito pode ser considerado defeituoso. No entanto,
Collingwood pensa que. ao contrário do que acontece com um sapato defeituoso, um
poema pode não produzir o efeito desejado e, ainda assim, ser um bom poema.
Por conseguinte. Collingwood não aceita que um poema seja só um meio para um
determinado fim
Além disso, Collingwood faz notar que é possivel um poeta compor um poema sem
ter um plano predefenido Este pode simplesmente ir juntando certas sequências de
palavras na sua mente até alcançar a forma final do poema.
233
Dimensões da Ação Humana e dos Valores
Por fim. Collingwood salienta ainda o facto de não haver nada na poesia que possa ser
considerado uma matéria-prima propriamente dita A materia-prima e algo a que um artí
fice tem acesso antes de produzir um artefacto e do qual seleciona a porção que vai utilizar
para transformar no produto final. Ora. não se pode dizer que na poesia exista algo de se
melhante. Nem as palavras nem as emoções são a matéria-prima a partir da qual se faz um
poema. Em primeiro lugar, porque não faz sentido dizer que o poeta tinha todas as palavras
que conhece presentes na sua mente e que selecionou de entre todas elas a porção que iria
utilizar para converter num poema. Em segundo lugar, porque se as emoções fossem uma
matéria-prima, propriamente dita, então um carpinteiro poderia fazer uma mesa a partir das
suas emoções, mas na verdade sem uma matéria-prima, propriamente dita - madeira, neste
caso —. o carpinteiro (ao contrário do poeta) vé-se impossibilitado de exercer o seu ofício.
Por fim, resta acrescentar que a obra de arte em sentido próprio é algo que existe fun
damentalmente na mente do artista e é ativamente reconstruída pela imaginação daqueles
que a contemplam. Um poema, por exemplo, não deixa de ser uma obra de arte ainda que
nunca chegue a ser materializado através da escrita e exista apenas na mente do poeta.
Aquilo que a escrita permite é que outras pessoas, além do poeta, tenham acesso ã obra.
Vejamos, agora, algumas das principais criticas que esta teoria enfrenta.
É demasiado inclusiva
É demasiado inclusiva, pois implica que a psicoterapia é arte. Isto acontece porque, por
vezes, quando consultamos um psicólogo (ou outro psicoterapeuta) começamos com um
sentimento vago e confuso e somos desafiados a recorrer ã imaginação para expressar
e dar corpo a esse sentimento de uma forma progressivamente mais clara e organizada.
O psicoterapeuta. por sua vez, pode refazer na sua própria mente esse processo imagi
nativo tal como os espetadores fazem perante as obras de arte. Contudo, a maioria das
pessoas não está disposta a admitir que a psicoterapia é arte. Portanto, parece haver algo
de fundamentalmente errado com a teoria expressivista de Collingwood
234
IO. A dimensio eitética
É demasiado restrita
Qualquer teoria que exclua do domínio da arte alguns dos seus exemplos mais para
digmáticos corre o risco de não ser levada a sério. A teoria de Collingwood comete este
erro porque a sua distinção entre arte e ofício faz com que, por exemplo, grande parte das
encomendas de arte religiosa não sejam consideradas arte em sentido próprio, visto que
foram concebidas de acordo com um plano prévio, com o objetivo de estimular uma deter
minada emoção no seu publico: a devoção religiosa. AJgo semelhante acontece com alguns
clássicos da literatura Por exemplo, Collingwood pensava que as obras de Shakespeare
não eram obras de arte em sentido próprio, mas sim entretenimento, pois aparentemente fo
ram concebidas com o objetivo de despertar determinadas emoções fugazes no seu público.
AJem disso, a teoria de Collingwood também pode ser acusada de ser demasiado res
trita, pois parte do pressuposto de que a arte tem necessariamente algo a ver com a emo
ção. Contudo, existem vários contra exemplos a esta tese, pois existem várias correntes
artísticas cujas obras não têm nenhum tipo de conteúdo emocional (seja evocado, seja
expresso!, como, por exemplo, a arte aleatória, a arte conceptual, a arte percetiva. etc.
235
Dimensões da Ação Humana e dos Valores
Ora, o problema é que na melhor das hipóteses apenas o próprio artista sabe dizer ao
certo que intenções tinha ao criar a sua obra (na pior das hipóteses nem o próprio artista tinha
uma noção clara das suas intenções}.
Muitos críticos e filósofos da arte consideram que apreciar uma obra em função da
intenção que o artista tinha quando a criou e cometer aquilo que apelidaram de ^falácia
intencionah. Para estes autores, a intenção original do artista é irrelevante para se apreciar
genuinamente uma obra, bem como para determinar se esta e ou não uma obra de arte.
Na sua opinião, a arte deve valer por si mesma e pelas interpretações que suscita, indepen
dentemente daquilo que o artista pretendia quando a concebeu.
A versão da teoria forma lista que iremos considerar em seguida terá como
referência a formulação apresentada pelo critico e filósofo da arte Clive Bell
(1881-1964), no seu livro Arte, de 1914.
Clive Bell A tese central da teoria de Bell pode ser sintetizada na seguinte afirmação:
(1881-1964)
Algo é uma obra de arte se, e só se, algo tem forma significante
Bell não pode dizer simplesmente que a arte ê forma, porque, de certa maneira, tudo
o que nos rodeia - seja uma mesa, uma cadeira, um sapato, etc. - tem forma. Daí Bell ter
recorrido à expressão 'forma significante’-. Mas o que ê isso a que Bell chama «forma signi
ficante»? Segundo Bell, não podemos compreender a noção de forma significante sem en
tendermos primeiro aquilo que designa «emoção estética*. Bell parece pressupor que existe
um tipo particular de emoção que todas as pessoas sensíveis experienciam quando estão
perante obras de arte. E esse tipo particular de emoção que Bell designa «emoção estética*.
Com base neste pressuposto, Bell sugere que se encontrarmos aquilo que está na origem
desta emoção teremos encontrado a característica distintiva da arte, a sua essência, aquela
propriedade que todas as obras de arte e so elas têm em comum. Mas que propriedade pode
ser essa?
236
IO. A dimensão estética
«Ou todas as obras de arte visual têm alguma propriedade comum ou cutào, quando
falamos de ‘obras de arte", dizemos tolices. Todos falamos de “arte" operando uma clas
sificação mental pela qual distinguimos a classe das ‘obras de arte" de todas as outras
classes. O que justifica esta classificação? Qual c a propriedade comum e particular a to
dos os membros dessa classe? Seja ela qual for. nào liã dúvida de que se encontra muitas
vezes acompanhada por outras características; mas essas sào acidentais - esta c cssen
ciai. Tem de haver uma determinada propriedade sem a qual uma obra de arte nào exis
te; na posse da qual nenhuma obra é, no mínimo, destituída de valor. Que propriedade
c essa? Que propriedade e partilhada por todos os objetos que nos causam emoções
estéticas? (...1 Só uma resposta parece possível - forma significantc. Sào, cm cada um
dos casos, as linhas e cores combinadas de um modo particular, certas formas c relações
de formas, que suscitam as nossas emoções estéticas. A estas relações e combinações de
linhas c cores, a estas formas esteticamente tocantes, chamo «Forma Significantc»; c a
«Forma Significantc» c a tal propriedade comum a todas as obras de arte visual.»
Clive Bell, Arfr. Tiud. RHj Càiux Mendes, Ltsbaa, Texw & Gralla (.3009). p. 22
(1) Todas as obras de arte visual têm alguma propriedade comum, ou quando falamos de <arte»
dizemos coisas sem sentido.
(2) É falso que quando falamos de *arte> nos limitamos a dizer coisas sem sentido.
(3) Todas as obras de arte visual tém alguma propriedade comum. {De 1 e 2, por silogismo disjuntivo)
(4) A propriedade comum a todas as obras de arte é a forma significante, ou é outra propriedade que
nào a forma significante, como a representação ou a expressão de emoções.
(5) A representação e a expressão de emoções são propriedades acidentais de algumas obras de
arte e não propriedades essenciais comuns a todas elas.
|6| Logo, a propriedade comum a todas as obras de arte e a forma significante. (De 4 e 5, por silogismo
disjuntivo)
■-___________________________________________________________________________________________________ ■!
237
Oimcnaõe* da Ação Humana e doi Valore*
A premissa 2 estabelece que o termo «arte* nào é um termo vazio e sem sentido. Por
exemplo, utilizamos corretamente esse termo para distinguir uma determinada classe de
objetos: as obras de arte.
De 1 e 2 segue-se. por silogismo disjuntivo, que existe uma propriedade comum a todas
as obras de arte, uma essência da arte.
Por fim. na linha 6, conclui-se que a propriedade comum a todas as obras de arte é a
forma significante.
Mas por que razào nem a representação nem a expressào de emoções podem ser con
sideradas propriedades essenciais da arte? Ou seja, qual ê a justificação da premissa 5?
Bell define a noção de forma significante como uma configuração de linhas, cores,
formas e espaços que tem a capacidade de provocar uma emoção estética no espeta
dor, mas simultaneamente define emoção estética como o tipo de emoção que sentimos
quando estamos perante certas configurações de linhas, cores e formas, ou seja, quando
estamos perante uma forma significante. Ora, como se pode perceber esta definição é
viciosamente circular e pouco informativa.
239
r Oimeniõet da Ação Humana e dos Valore*
Existem muitas obras de arte que têm exatamente as mesmas propriedades formais de
certos objetos aos quais não é reconhecido esse estatuto, como acontece, por exemplo,
com os reody-mcrde e outros exemplos da chamada found ort, ou com uma obra genuína
e uma falsificação muito bem executada.
Se a única coisa relevante para o estatuto de um objeto enquanto obra de arte fosse,
efetivamente, as suas propriedades formais, então não poderia haver obras de arte com as
mesmas propriedades formais que certos objetos comuns, aos quais não é reconhecido
esse estatuto e as falsificações muito bem executadas seriam igualmente obras de arte.
Portanto, as propriedades formais de um objeto não são a única coisa relevante para o
seu estatuto enquanto obra de arte.
O conteúdo pode ser relevante para o estatuto de uma obra enquanto obra de arte
Ao contrário do que é defendido por Bell. é muitas vezes impossível apreciar o valor
de uma obra de arte concentrando-nos apenas nas suas propriedades formais e ignoran
do inteiramente o seu conteúdo representativo ou expressivo. O que há de apelativo em
muitas formas é justamente o modo inteligente e cativante como dão corpo a determina
dos conteúdos. Nesses casos, forma e conteúdo tornam-se inseparáveis a ponto de ser
impossível sustentar que o conteúdo é irrelevante para a apreciação da obra. E como se
quando estamos a apreciar arte tivéssemos em mente a seguinte pergunta: <Será que o
artista escolheu uma forma apropriada para manifestar um determinado conteúdo?*.
240
IO. A dimensio eitética
Assim sendo. Weitz rejeita qualquer definição essencialista por considerar que, ao
indicar as propriedades que as criações deveriam possuir a fim de poderem ser conside
radas obras de arte, este tipo de perspetiva tem um efeito castrador da criatividade dos
artistas. A posição de Weitz ficou conhecida como ^antiessencialismo».
Contudo, ao contrário do que se possa supor, do facto de não ser possível fornecer
uma definição essencialista da arte não se segue necessariamente que nenhuma defi
nição de arte possa ser encontrada As definições essencialistas caracterizam-se por
apresentar condições necessárias e suficientes para as obras de arte serem considera
das como tal; trata-se de propriedades que todas as obras de arte e sõ as obras de arte
exibem e não poderiam deixar de exibir sem que, por esse motivo, deixassem de ser
obras de arte.
É justamente este tipo de sugestão que Arthur Danto apresenta no seu ar
tigo de 1961 intitulado <O Mundo da Arte». Nesse artigo. Danto analisa a obra
Caixa de Brilia, de Andy Warhol, e conclui que aquilo que distingue a obra de
Warhol dos seus semelhantes no quo Arthur Danto (1924-2013)
tidiano não são as suas características
formais, nem quaisquer outras caracte
rísticas que lhe sejam intrínsecas, mas
sim o facto de esta se inserir no con
texto de uma prática social instituída
- o mundo da arte
241
Dimensões da Ação Humana e dos Valores
Com este artigo, Danto chamou a atenção para a natureza institucional da arte e, em
1974. o filósofo americano George Dickie formulou de modo articulado a primeira teoria
institucional da arte De acordo com esta teoria:
A segunda condição imposta pela teoria institucional diz-nos que para que um artefacto
seja uma obra de arte é necessário que uma pessoa (ou várias pessoas) que atua (ou
atuam) em nome do mundo da arte atribua (ou atribuam) o estatuto de candidato a
apreciação a um conjunto das suas características. Mas o que significa isto exatamente?
Comecemos por perceber em que consiste o ato de atribuir estatuto
242
IO. A dimensão estética
Por exemplo, é preciso que as duas pessoas estejam de acordo quanto a essa atribuição.
Ninguém pode atribuir a uma pessoa o estatuto de namorado(a) sem o seu consentimento.
Alem disso, há certos padrões de comportamento que ambas as partes passam a poder
legitimamente esperar uma da outra, como o respeito, o carinho, gestos românticos, etc.
A ausência parcial ou total desses padrões de comportamento pode ser suficiente para
que o estatuto de namoradola) seja posto em causa.
Isto mostra que além de instituições formais, existem também instituições informais
que se estruturam de forma menos rígida, a partir de práticas sociais mais ou menos es
tabelecidas. Segundo Dickie o mundo da arte é uma instituição social, neste segundo
sentido. Na sua opinião:
«O mundo da arte consiste num frixe de sistemas - teatro, pintura, escultura, lite
ratura, música, etc. cada um dos quais proporciona um contexto institucional para a
atribuição do estatuto a objetos pertencentes ao seu domínio.»
Georqt* Dickk*. -O que e d Arte.’ - m O que c a arte?, organizada pw Carmo D’Orey_
Trad. Desiddrto Murcha, lasboa. Dírulivro 120071. p. 1Ú4
Assim sendo, o mundo da arte é uma instituição social no seio da qual há lugar
para atribuições de estatuto, por parte dos seus representantes. Contudo, embora
sejam precisas várias pessoas para constituir a instituição social do mundo da arte, uma
vez constituída basta que um dos seus membros, muitas vezes o próprio artista, atue
como representante da mesma e atribua o estatuto de candidato a apreciação a um
determinado artefacto. Quando isso acontece, esse artefacto passa a ser considerado
uma obra de arte no sentido classificatrvo. Rca ainda em aberto a questão de saber
se se trata de uma obra de arte no sentido valorativo.
243
Dimensões da Ação Humana e dos Valores
De acordo com esta teoria, uma obra de arte no sentido valorativo listo é, uma boa
obra de arte) é um candidato à apreciação que efetivamente chega a ser apreciado
pelo público do mundo da arte, ao contrário do que acontece com a má arte, que é
apresentada como candidata á apreciação, mas não chega a ser apreciada pelo publico.
Neste sentido, atribuir o estatuto de candidato ã apreciação a um artefacto acarreta uma
certa responsabilidade, pois caso ninguém o venha a apreciar, a pessoa que fez essa
atribuição pode perder alguma credibilidade no mundo da arte.
A teoria institucional da arte parece ter alguns méritos relativamente às suas rivais.
Os filósofos da arte precedentes estavam tão focados nas características figurativas ou
expressivas da arte que acabaram por ignorar completamente a natureza institucional da
arte e a propriedade do estatuto.
Assim, ao contrário das teorias anteriores, a teoria institucional oferece uma definiçáo
processual, e não uma definição funcional de arte, acabando por defender que aquilo
que faz com que algo seja uma obra de arte não são as suas propriedades manifestas,
como os seus efeitos ou as suas funções, mas sim o modo como é tratada por quem a
criou, por quem a expõe e por quem a aprecia. Vejamos, agora, as principais objeções
que esta perspetiva enfrenta.
A primeira opção faz da arte algo completamente arbitrário e infundado, pelo que
não teríamos qualquer razão para nos preocuparmos com a sua definição.
244
IO. A dimensio eitética
A segunda opçào considera que existem razões justificativas para a atribuição des
se estatuto, mas nesse caso seria possível definir arte apelando diretamente a essas
razões, independentemente do mundo da arte e dos seus representantes.
AJem disso, a ideia de um artista solitário, que vive e cria ã margem da sociedade,
também passa a ser impossível de se efetivar.
Para Levinson:
AJgo é uma obra de arte se, e so se, alguém com direitos Jerrold Levinson
de propriedade sobre isso tem a intenção séria de que (n. 1948)
seja encarado da mesma forma como foram correta mente
encarados outros objetos abrangidos pelo conceito
de <obra de arte».
Assim, de acordo com esta perspetiva, mesmo um homem do período Neolítico {isto
é, de um período anterior ã constituição da instituição social do mundo da arte} poderia
produzir uma obra de arte ao combinar algumas pedras coloridas de forma a provocar
prazer visual. Isto acontece porque uma das formas como as obras de arte foram cor
retamente encaradas ao longo da história é, precisamente, como objetos que visam
produzir prazer visual.
Claro que também existem objetos que foram concebidos com o intuito de provocar
nausea visual e que, ainda assim, sào considerados obras de arte, mas isso só se verifica
porque, embora estas duas intenções sejam diametral mente opostas, ambas possuem
bons precedentes históricos, isto é, ambas correspondem a formas como as obras de
arte foram corretamente encaradas ao longo dos tempos
245
Oimcniõc* da Ação Humana e dos Valore*
Nu no Gonçalves,
Ptrinérs de Sao Note-se que se diz -foram corretamente encaradas* e não simplesmente aforam en
Vicente de Foro
caradas». Isto justifica-se porque algumas obras de arte podem perfeitamente ter sido er
(entre 1470
e 1480) radamente encaradas de uma determinada forma, quando na verdade deveriam ter sido
encaradas de outra maneira. Para ilustrar esta situação consideremos o seguinte exemplo.
Imaginemos que no passado alguém encarou os painéis de São Vicente como um bom ta
pume para a construção civil. No entanto, embora os painéis de São Vicente sejam efetiva
mente obras de arte, isso não seria suficiente para tornar todos os tapumes da construção
civil em obras de arte. Isto acontece porque os referidos painéis foram enadamente enca
rados como tapumes da construção civil, quando na verdade deveriam ter sido encarados
como um retrato da Corte e de vários estratos da sociedade portuguesa da época. Assim,
para que um objeto seja uma obra de arte não basta que esse objeto seja encarado tal
como certas obras de arte foram encaradas no passado, é preciso que ele seja encarado
tal como certas obras de arte foram corretamente encaradas no passado
Segundo Levinson, para que um objeto seja uma obra de arte, não se exige que o
artista tenha consciência de que a sua intenção tem bons precedentes na história da
arte basta que esses precedentes, de facto, existam. O que quer dizer que o criador
pode nem sequer ter consciência de que aquilo que produziu é uma obra de arte.
Uma vez que recorre a exemplos conhecidos da história da arte, pode dizer-se que
esta teoria define arte historicamente dai ter sido designada -teoria histórica da arte>.
Contudo, a existência de bons precedentes históricos não ê uma condição suficiente
para que um objeto seja efetivamente uma obra de arte, Levinson acrescenta alguns re
quisitos que precisam de ser igualmente satisfeitos.
Um desses requisitos ê o de que a intenção em causa seja uma intenção séria. Isto
quer dizer que, qualquer que seja a intenção por detrás da criação, ela não pode ser mo
mentânea, passageira ou meramente ilustrativa. Por exemplo, para ilustrar esta teoria
um professor poderia sugerir aos seus alunos que tinha a intenção de que a sua caneta
fosse encarada como um ready-mode. isto ê, como um objeto do quotidiano ao qual foi
atribuído o estatuto de obra de arte com o intuito de desafiar a compreensão do conceito
de arte. Ora, como os reody-made são obras de arte e alguns deles foram concebidos
com essa mesma intenção, isso significa que existem bons precedentes históricos e, por
246
IO. A dimcnséo estética
1
conseguinte, pode parecer que a teoria histórica está condenada a considerar que o pro
fessor acabou de criar uma obra de arte. Contudo, uma vez que a intenção do professor
era meramente ilustrativa, e nâo uma intenção séria, não se pode dizer que o professor
tenha efetivamente criado uma obra de arte.
Não explica por que razão a primeira obra de arte é considerada arte
Um dos primeiros problemas que se levanta perante esta teoria é o seguinte: se o
que faz com que algo seja uma obra de arte é a sua relação com a arte anterior, então
como surgiu a primeira obra de arte? Esta (hipotética) obra não tem bons precedentes
aos quais possamos apelar. Ora, na impossibilidade de recorrer a casos precedentes, a
teoria histórica revela-se incapaz de explicar por que razão a primeira obra de arte é
considerada arte.
É demasiado inclusiva
Uma outra crítica á teoria histórica prende-se com o facto de esta não prever que certas
formas de encarar a arte no passado expirem. Uma pessoa pode criar um objeto com a
intenção séria de que ele seja encarado como as grandes obras do passado eram corTe-
tamente encaradas e ainda assim não produzir uma obra de arte, pois aquilo que. no pas
sado, se considerava ser uma forma correta de encarar as obras de arte deixou de fazer
247
Oimcniõc» da Ação Humana e dos Valore*
sentido por qualquer motivo. Por exemplo, uma parte significativa das obras do passado
consistia em retratos cujo objetivo era representar o modelo tão fiel mente quanto pos
sível. Ora, existem hoje vários exemplos de objetos que partilham essa intenção com os
grandes retratos do passado, e, no entanto, não são obras de arte - como acontece, por
exemplo, com as fotografias tipo-passe, ou com os retratos-robõ que a polícia utiliza para
identificar criminosos. Qualquer teoria que não consiga excluir estes objetos do domínio
artístico será considerada demasiado inclusiva
É demasiado exclusiva
Também há quem considere que a teoria histórica da arte é demasiado exclusiva, por
não se poder dizer que alguns exemplos de obras que são hoje expostas em museus
como genuínas obras de arte foram criados com a intenção séria de que fossem vistos
como as obras de arte precedentes. Por exemplo, algumas estátuas de demónios, escu
dos e capacetes de guerreiros destinavam-se a assustar e afastar os seus observadores.
Contudo, esta intenção não é reconhecidamente uma das formas de encarar correta
mente as obras de arte precedentes. Ã luz da teoria história da arte, isso implicaria que
estas obras não poderiam ser legitimamente consideradas obras de arte. Mas na verda
de. há objetos que são reconhecidos como arte independentemente das intenções dos
seus criadores.
Além disso, também há quem veja na condição dos direitos de propriedade um fator
de exclusão excessiva. Vejamos por exemplo o graffiti. Os grofifters fazem as suas criações
artísticas em túneis, carruagens de comboio e metro, casas e fachadas que não lhes per
tencem. Quer isso dizer que, por esse motivo, essas criações não podem ser consideradas
arte? E se Picasso tivesse pintado ilegal mente a Guemíco na lateral de uma carruagem de
metro, esta deixaria de poder ser considerada arte, apesar de a sua forma ser exatamente a
mesma? Estas interrogações parecem sugerir que a teoria histórica exclui arbitrariamente
do conceito de arte algumas obras simplesmente porque o artista não é proprietário dos
Pablo Picasso, meios de produção (nem tem qualquer outro tipo de direito sobre a utilização dos mesmos).
Guemjco (1937|
248
IO. A dimensio eitética
ESQUEMATIZANDO
0 OU E E A ARTE?
TEORIAS
ESSENClALlSTAS
►
!■
Objeções Objeções
• Oferece lt-h definição Waosamente A gurias formas de encarar a arte no
circular de arte passacoja nfto s&o validas atualmente
• Tixna a definição de arte luti Há obras de arte que nôo foram
• Impossibilita a exlsténaa de arte pri criadas com a Intenção séria de que
mitiva e de arte solltarla tossem vistas como as obras de arte
precedentes
Nfto se exige que os artistas tenham
direito de propriedade sobre algumas
das suas obras (eioemoio: g.nj/fir,'}
249
Oimcniõc* da Ação Humana e dos Valore*
RESUMO
• De acordo com a teoria expressrvista da arte algo é arte, se, e só se, algo e
expressão imaginativa de emoções.
251
Oimcniõc* da Ação Humana e dos Valore*
»teorias nâo essencio listas • Jerrold Levinson argumenta a favor de uma teoria histórica da arte De acordo
com a teoria histórica da arte, algo e uma obra de arte se, e sõ se, alguém com
»propriedades intrínsecas
direitos de propriedade sobre algo tem a intenção seria de que seja encarado
e manifestas
da mesma forma como foram encarados outros objetos abrangidos pelo con
»propriedades extrínsecas ceito de **obra de arte*.
e relacionais
• Segundo a teoria histórica da arte, e possível fazer arte a margem da insti
»teono representocionista tuição social do mundo da arte, pois tudo o que importa e que a intenção do
criador tenha bons precedentes históricos, isto é. seja uma das formas como
»representação
as obras de arte foram corretamente encaradas ao longo dos tempos.
»teono expressivista
• Não se exige que o artista tenha consciência de que a sua intenção tem bons
»expressão de emoções precedentes na historia da arte, basta que esses precedentes, de facto, exis
tam.
»estimuloçâo de emoções
- Alêm disso, qualquer que seja a intenção por detrás da criação, ela tem de ser
»monifestaçõo de emoções
séria, isto e, não pode ser momentânea, passageira ou mera mente ilustrativa.
• oficio
• Por último, o artista tem de ter direitos de propriedade sobre o objeto em
• falácia intencionol questão, porque não se pode dizer que alguém produziu uma determinada
obra de arte se, logo ã partida, essa pessoa não tinha sequer o direito de usar
»teono formalisto
esse objeto fosse de que maneira fosse.
»forma significonte
- As principais criticas a teoria histórica da arte são as seguintes:
»emoção estético -Algumas formas de encarar a arte no passado jâ não são válidas atual
»teono institucionol mente.
• instituição social - Há obras de arte que não foram criadas com a intenção seria de que fos
sem vistas como as obras de arte precedentes.
»mundo da arte
- Não se exige que os artistas tenham direito de propriedade sobre algumas
»artefocto das suas obras {exemplo: grafffti).
»atribuição de estatuto
252
Questões propostas
GRUPO I
IA) ser uma representação é uma condição suficiente, mas não necessária, para algo ser arte.
(B) ser uma representação é uma condição necessária, mas não suficiente, para algo ser arte.
(C) ser uma representação é uma condição necessária e suficiente para algo ser arte.
(D) ser uma representação não é uma condição necessária nem uma condição suficiente para
algo ser arte.
<A) determinante para o seu estatuto enquanto obra de arte, pois sem conteúdo representacional
nenhuma obra pode ser uma obra de arte.
(B) irrelevante para o seu estatuto enquanto obra de arte, pois a única coisa que é determinante
para esse efeito são as suas propriedades expressivas.
irrelevante para o seu estatuto enquanto obra de arte, pois uma obra que tenha conteúdo
representacional não pode ser uma verdadeira obra de arte.
(D) irrelevante para o seu estatuto enquanto obra de arte, pois a única coisa que é determinante
para esse efeito são as suas propriedades formais.
{A) é necessário, mas não é suficiente, que o seu criador acredite que a sua intenção tem bons
precedentes históricos.
(B) é suficiente, mas não é necessário, que o seu criador acredite que a sua intenção tem bons
precedentes históricos.
é necessário e suficiente que o seu criador acredite que a sua intenção tem bons preceden
tes históricos.
{D) não é necessário, nem suficiente, que o seu criador acredite que a sua intenção tem bons
precedentes históricos.
253
Dimemõe» da Ação Humana e dos Valores
Questões propostas
7. Qual das seguintes afirmações não pode ser utilizada para criticar a teoria expressivista da
arte?
(A) A forma significante é uma configuração de linhas, cores, formas e espaços que tem a capa
cidade de originar uma emoção estética no espetador.
(B) Ha obras de arte sem conteúdo representadonal.
<C) Há coisas que têm conteúdo representacional. mas não são arte.
<D) Há obras de arte com uma forma idêntica ã de objetos que não são obras de arte.
254
Qucstôei proposta»
GRUPOU
Por que razão a teoria formalista de Bell considera que nem a representação nem a expressão
são propriedades essenciais da arte?
Imaginemos que alguém tinha a intenção de que toda a cidade de Lisboa fosse vista como um
reody-made. isto é, como algo que não tendo sido manufaturado pelo próprio artista ainda as
sim ê uma obra de arte, desafiando a nossa compreensão do próprio conceito de arte. Será que
a teoria histórica da arte estã condenada a aceitar que, nesse caso, a cidade de Lisboa passaria
a ser uma obra de arte? Porquê?
GRUPO III
«[O] artista belga Francis Alys escolheu mandar um puvào vivo para a Bienal de Veneza cm vez
de comparecer pcssoalmente. A atividade do pavão c apresentada como uma obra de arte intitulada
O Embuívudor. Os galcristas britânicos do artista forneceram um comentário util sobre o significado
desta obra de arte:
A ave irá pavonear-se cm todas as exposições c festas como se fosse o próprio artista. É burlesca,
insinuando a vaidade do mundo da arte c remetendo para velhas fábulas com animais.»
Nigt'1 Wufburton. O que d a arte?, Tr^tL CdlU TMxrlra_ Lisboa, BIzÃndo <2007). p. l i
Serã que O Embaixador de Francis Alys é uma verdadeira obra de arte? Porquê?
Na tua resposta deves:
■ formular o problema suscitado pela obra;
• classificar a obra como arte ou não arte, apelando a uma das teorias da arte estudadas:
• justificar adequadamente a perspetiva defendida.
Oímensão daAçâo Humana e dos Valores
Começando por uma caracterização mais negativa, é importante deixar claro o que a
filosofia da religião não é. Em primeiro lugar, não se pode confundir a filosofia da religião
com o estudo da história das principais religiões, pois, a filosofia não se pode reduzir á his
tória. Em segundo lugar, não se pode confundir a filosofia da religião com a teologia, pois
na teologia já se parte de um corpo de doutrinas que não se coloca em causa (como a exis
tência de Deus, a encarnação, a ressurreição, etc.); todavia, a filosofia da religião «recua um
passo» e pergunta: mas será que hã boas razões
para aceitar a existência de Deus?
256
11. A dimensão rcNgios-B
Argumento cosmológico
O argumento cosmológico (também chamado argumen
to da causa primeira ou argumento causal) baseia-se em
alguma informação acerca do modo como o mundo é. Por
isso, trata-se de um argumento a posteriori k versão clás
sica do argumento cosmológico e a de Tomás de Aquino.
Neste argumento começa-se com factos simples acerca do
mundo, como o facto de nele haver coisas cuja existência é
causada por outras coisas, para daí se concluir que tem de
haver uma primeira causa, ou seja, Deus.
257
Dimensão da Ação Humana e dos Valores
A premissa 1 é trivial.
A premissa 2 explicita a ideia de que essas coisas que existem no mundo não se
causaram a si mesmas. Pelo contrário, tais coisas foram causadas por outras coisas. Por
exemplo, cada um de nós existe não porque nos causámos a nós proprios, mas sim por
que os nossos pais nos causaram a existir e. assim, sucessiva mente. Do mesmo modo,
uma cadeira ou mesa não aparece do nada: é causada a existir pelo carpinteiro.
Na premissa 3 elencam-se duas possibilidades que podem explicar o que poderá cau
sar as coisas que existem no mundo. A primeira é a hipótese de uma cadeia causal que
regride infinitamente. Ou seja, as coisas que existem no mundo devem-se ãs causas que
as precederam: por sua vez, essas causas devem-se a outras causas que as precederam
e assim sucessivamente até ao infinito. A segunda hipótese é admitir que há apenas uma
primeira causa, a qual não tem causa, que é a origem de toda a cadeia causal Assim,
em vez da cadeia causal regredir infinitamente, essa cadeia irá parar numa causa primeira
incausada e sobrenatural, como Deus. Mas qual dessas hipóteses é a mais plausível?
258
11. A dimensão rcNgios-B
causal que nos causou à existência. Do mesmo modo, se não houver uma primeira causa
(ou seja, Deus), deixaria de haver a própria cadeia causal e nada existiria. Mas como exis
tem coisas e cadeias causais, segue-se que terá de haver uma primeira causa
Analisa por ti mesmo se poderá haver uma boa resposta para estas objeções.
Argumento teleológico
O ponto de partida do argumento teleológico. ou do desígnio, é o nosso sentimento
de surpresa por muitas das coisas que existem no nosso universo manifestarem ordem
e desígnio A partir disso, procura mostrar-se que seja o que for que produziu o universo
tem de ser um ser inteligente.
Para ilustrar a estrutura lógica das várias versões do argumento teleológico conside
re-se que enquanto passeamos por uma mata encontramos um relógio no chão e nos
questionamos sobre como esse objeto poderia estar naquele lugar. Tendo em conta os
dados ou a evidência observada, isto é, as características especificas do relógio (como o
facto de as suas partes estarem ajustadas para assinalar a hora do dia, etc.), temos duas
hipóteses para explicar esse fenómeno: ou o relógio foi concebido por um relojoeiro ou o
relógio formou-se por acaso.
] 259
Dimensão da Ação Humana e dos Valores
É esta estrutura lógica que é utilizada nas várias versões do argumento teleologico.
Agora, em vez do relógio, suponha-se que partimos dos seguintes dados, evidências
ou observações:
Maravilhas da natureza
Os seres vivos e os seus órgãos (por exemplo, o olho) exibem uma estrutura
intrincada, com desempenho de funções complexas (como a visão}.
Tendo em conta essas maravilhas da natureza, temos duas hipóteses para explicar
esse fenómeno: ou os seres vivos foram concebidos por Deus ou formaram-se por acaso.
Ora, presumivelmente, as maravilhas da natureza são menos surpreendentes se foram
concebidas por Deus do que se foram concebidas por acaso. Assim, tais maravilhas da
natureza confirmam a hipótese de Deus em detrimento da hipótese do acaso. Por isso, po
demos concluir que os dados ou observações sobre as maravilhas da natureza confirmam
a existência de Deus. O argumento pode ser explicrtamente formulado como se segue:
r_
(1) As maravilhas da natureza devem-se ou a uma conceção de Deus ou devem-se
ao acaso.
(2) Mas tais maravilhas não se devem ao acaso.
(3} Logo, tais maravilhas devem-se a uma conceção de Deus. {De 1 e 2, por silogismo
disjuntivo)
L_____________________________________________________________ -
O argumento e válido, mas será sólido?
] 260
11. A dimensão rcNgios-B
Darwinismo
Os seres vivos resultam de um processo de evolução por seleção natural.
Ora, a hipótese do darwinismo parece constituir uma melhor explicação para dar con
ta das maravilhas da natureza do que a hipótese de Deus. Assim, o darwinismo põe em
causa o argumento teleológico na versão formulada atrás. Porém, há uma nova versão
do argumento teleológico que não é afetada pela anterior critica baseada no darwinismo.
Afinação minuciosa
As constantes físicas estão minuciosamente afinadas para a existência de vida.
Tendo em conta a afinação minuciosa, temos as seguintes hipóteses para explicar esse
fenómeno:
Com base nestas informações, podemos dizer com plausibilidade que, se o universo for
resultado do acaso, será surpreendente ele ter as características de afinação minuciosa.
A esse propósito podemos estabelecer uma analogia: tal como ê surpreendente que uma
seta atirada ao acaso acerte no círculo central de um alvo, assim também se o universo
for um mero fruto do acaso será bastante surpreendente que esteja tâo precisa mente afi
nado para a vida. Pelo contrário, se o universo for o resultado de algum tipo de designer
inteligente, não será surpreendente ele ter as características de afinação minuciosa. Isto
porque, se partimos da suposição de que a vida em geral (bem como a vida racional, ou
consciente) é algo bom, então não será surpreendente que um designer inteligente e
sobrenatural, tendo os atributos tradicionais do teísmo {como a omnipotência e a suma
bondade), tenha criado um universo minuciosamente afinado para a vida.
261
Dimensão da Ação Humana e dos Valores
Multiverso
Existem muitos universos distintos: muitos domínios do espaço-tempo que diver
gem entre si em virtude de terem constantes físicas ou leis naturais diferentes.
Assim, entre os vários universos, acabará por surgir por acaso um universo em que as
constantes assumem os valores corretos para a existência de vida. Admitida esta plurali
dade de universos a afinação minuciosa não será surpreendente.
262
11. A dimensão rcNgios-B
Argumento ontológico
O argumento ontológico parte do conceito de Deus e de premissas apriori (premissas
que podem ser conhecidas independentemente da experiência do mundo) para concluir
que Deus existe na realidade Na versão classica de Santo Anselmo, parte-se da definição
de Deus como «ser maior do que o qual nada pode ser pensado*. E a partir desta defi
nição conclui-se que Deus existe na realidade, pois se Deus não existisse ou se apenas
existisse no pensamento, mas não na realidade, não seria aquele ser maior do que o qual
nada pode ser pensado.
Numa versão simples, o argumento pode ser apresentado tal como se segue:
Na premissa 1 afirma-se que Deus existe pelo menos como entidade mental. Mes Nota
mo o ateu aceita esta premissa: ou seja, pode pelo menos pensar-se na existência de Ateu - Aquele que
nào acredita em
Deus. Isto porque, para se afirmar ou negar a existência de Deus na realidade, deve
deus(es| e rega a
compreender-se o que está a ser afirmado ou negado. Assim, Deus existe pelo menos sua existência.
como entidade mental ou conceito, se é afirmado ou negado.
Na premissa 2 sustenta-se que se Deus existir apenas como entidade mental, mas
nào como existente na realidade, então seria possível conceber um ser mais perfeito do
que Deus. Mas porquê? Porque dessa forma parece que podemos imaginar um ser ainda
melhor e mais perfeito do que esse Deus: ou seja, podemos conceber um ser que além de
existir no pensamento também exista na realidade. Mas por que razão existir no pensa
mento e na realidade é mais perfeito do que existir apenas no pensamento? Porque, por
exemplo, parece que uma nota de 50 € que exista apenas no meu pensamento é uma
coisa menor do que se existisse no meu pensamento e no meu bolso.
] 263
Oímensão daAçâo Humana e dos Valores
Porém, na premissa 3 advoga-se que não se pode conceber um ser mais perfeito do
que Deus. Mas porquê? Repare-se que estamos a partir da definição de Deus como o *ser
maior do que o qual nada pode ser pensado*. Ora, afirmar que Deus ê o ser maior do
que o qual nada pode ser pensado é o mesmo que dizer que Deus é o ser maximamente
perfeito, isto é, o ser com todas as qualidades {como a omnipotência, a omnisciência e a
suma bondade, entre outras} e. por isso, nâo se pode conceber outro ser melhor ou mais
perfeito do que Deus, tal como se lê na premissa 3.
264
11. A dimensão rcNgios-B
Chega-se. assim, a uma conclusão estranha com base na mesma estrutura do argu
mento ontológico. Como não há qualquer ilha perfeita, na forma como Gaunilo a definiu,
alguma das premissas terá de ser falsa. Mas qual? Gaunilo não identificou com precisão
qual é o erro, mas filósofos posteriores tentaram realizar essa tarefa.
Uma das razões a favor dessa premissa assenta na ideia de que existir na realidade
torna algo mais perfeito do que existir apenas no pensamento Mas contra essa ideia,
Kant defende que a existência não é um verdadeiro predicado A existência não é um
predicado tal como o é uma propriedade que pode caracterizar uma coisa (ou seja, <exis-
te> não é uma propriedade como *verde*t *inteligente> ou <alto*). Isto porque a existência
não acrescenta nada ao conceito de uma coisa. Pelo contrário, a existência é apenas a
exemplificação, ou instanciação de uma coisa.
Por exemplo, suponhamos que vemos um cão que parece ser branco com manchas
pretas (talvez um dálmata). Quando dizemos que o cão é branco com manchas pretas
estamos a acrescentar propriedades (de ser branco com manchas pretas) ao conceito de
cão. Esta não é uma propriedade essencial do conceito de cão, pois há outros cães que
não são brancos com manchas pretas. No entanto, quando dizemos que o cão existe não
estamos a acrescentar nada ao conceito de cão; simplesmente, estamos a afirmar que o
conceito de cáo é exemplificado ou instanciado.
Assim, quando se diz na premissa 1 que <Deus» existe no pensamento já se está com
prometido. pela definição apresentada de Deus, com a ideia de que Deus existe na rea
lidade.
265
Dimensão da Ação Humana e dos Valores
São muitos os exemplos que se podem apresentar de mal natural e de mal moral exis
tentes no mundo.
Por um lado, c mal moral refere-se ao mal que tem origem nas ações humanas como
os assassinatos, torturas, roubos, etc.
Por outro lado, o mal natural refere-se ao mal que não tem origem nas ações dos se
res humanos, como terramotos, furacões, alguns tipos de doenças, etc.
Pelo contrário, o segundo tipo de mal (não justificado} é aquele que. se não existir, não
leva a que se perca qualquer bem maior. Por isso, este último tipo de mal ê sem sentido,
ou gratuito.
William Rcwc «Tbc Plttbtem of Evll and Some Variei lesol Athciím’»,
In Ainrrkxin Fh IfasDphfcnl Qtiurtrríy. 16 (W79), p. 337
266
A ideia principal de Rowe ê que o mal em questão, no caso do veado, não parece fazer
qualquer sentido; ou seja, parece meramente gratuito, pois e extraordinariamente dificil
imaginar um bem superior cuja realização dependa, sob qualquer perspetiva razoável, de
Deus permitir que aquele mal aconteça.
Mal gratuito
Pelo menos alguns dos males no nosso mundo parecem gratuitos
(por exemplo, o sofrimento do veado}.
Tendo em conta essa evidência sobre o mal gratuito, temos duas hipóteses relevantes
para explicar esse fenómeno:
Com base nestes dados, pode argumentar-se que a existência de mal gratuito que su
postamente encontramos no mundo é muito improvável do ponto de vista do teísmo, mas
não é improvável do ponto de vista do ateísmo Isto porque se o Deus teísta existe, sendo
omnisciente, moralmente perfeito e omnipotente, ele sabe, quer e tem poder para eliminar
os males gratuitos ou sem sentido: ora se parecem continuar a existir males gratuitos,
isso parece evidenciar que Deus provavelmente não existe. Então, pode concluir-se que
a existência de mal gratuito fornece fortes razões para se preferir o ateísmo ao teísmo.
Pelo menos alguns dos males no nosso mundo parecem gratuitos |por exemplo,
o sofrimento do veado}.
<2) Logo, provavelmente, alguns dos males no nosso mundo são gratuitos. {De 1, por
indução)
{3} Mas, se Deus existe, não há males gratuitos.
{4| Logo, provavelmente, Deus não existe. (De 2 e 3, por modus taliens)
Antes de se avançar para as objegões, vale a pena notar que mesmo que a conclusão
seja verdadeira isso não negará qualquer tipo de designer sobrenatural. Por exemplo,
ainda que esse argumento seja bom. não constitui uma refutação da existência de um
designer sobrenatural que seja apenas omnisciente e moralmente perfeito, mas não seja
omnipotente. Portanto, o argumento não consegue dar razões para uma versão forte de
ateísmo que nega qualquer tipo de designer sobrenatural.
Para suportar essa ideia, Bergmann usa a seguinte analogia: não podemos usar a nos
sa incapacidade para ver quaisquer insetos na garagem {quando estamos a olhar da rua)
para concluir que é improvável que haja insetos na garagem. De forma similar, não po
demos usar a nossa incapacidade para compreender as razões que justificam que Deus
permita um mal para concluir que é improvável que haja qualquer razão que justifique que
Deus permita o mal.
Uma outra analogia: suponha-se que um novato está a assistir a uma partida de xadrez
entre o campeão mundial Magnus Carlsen e o seu oponente Sergey Karjakin; pelo facto
de o novato não conseguir pensar numa boa razão para Carlsen fazer um movimento
particular no tabuleiro não se segue que não haja uma boa razão para tal movimento de
Carlsen. Algo similar ocorre com o problema do mal. Ficará ao teu critério avaliar se esta
mos perante uma boa ou má analogia.
Sergey Karjakin
|ã esquerda)
e Magnus Carlsen
|ã direita} numa partida
do Campeonato do Mundo
de Xadrez de 2019, em
Nova Iorque, EUA
268
11. A dimensão rcNgios-B
------------------------------------------------------------------------------------------------ \
Deus criou o melhor de todos os mundos possíveis.
(2) O melhor de todos os mundos possíveis tem partes
Gottfried Leibniz {1646-1716}.
indesejáveis, ou seja, mates.
Bemhard Christoph Francke,
•|3| Se 1 e 2 sào verdadeiras, então Deus permite o mal. tfetroto de Gottfried Leibniz
<4} Logo, Deus permite o mal. (De 1 a 3} (c. 1729}
■■________________________________________________________________________________________________________________ _J
Com este tipo de raciocínio constata-se que Deus permite o mal precisamente porque
o melhor de todos os mundos possíveis não implica um mundo sem males Vejamos
uma breve fundamentação de cada uma das premissas.
Começando pela premissa 1, de acordo com Leibniz, Deus criou o melhor de todos os
mundos possíveis. Isso decorre da definição do Deus teísta. Porque sendo Deus omnipo
tente e omnisciente, nada há que o possa impedir de criar o melhor mundo, e a sua per
feição moral obriga-o a criar o melhor mundo possível. Portanto, se Deus existe, o nosso
mundo é o melhor mundo. Mas haverá realmente <o melhor mundo»? Para cada mundo
que se conceba, não será possível pensar num mundo ainda melhor e assim sucessiva
mente até ao infinito, sendo que dessa forma não há *o melhor mundo*?
A resposta de Leibniz é que isso é implausível. Pois, se fosse verdade que não há o
melhor de todos os mundos possíveis, não haveria uma razão suficiente para explicar por
que razão Deus criaria o nosso mundo e não um outro qualquer. Portanto, nesta premissa
Leibniz defende que o mundo como um todo é o melhor mundo possível.
Em relação ã premissa 2, Leibniz salienta que um mundo sem qualquer tipo de mal não
seria o melhor mundo possível. Mas porquê? Porque algumas partes más do mundo são
tais que, se Deus as eliminasse, estaria a eliminar partes boas e valiosas do mundo que
superam esses males.
Por exemplo, vamos supor que o ato de perdoar é um aspeto valioso e bom do nosso
mundo (dado que, por exemplo, fortalece as relações}; todavia, é impossível haver per
dão sem haver algum tipo de ofensa, ou seja, algum tipo de mal. Leibniz usa o exemplo
de um general de um exército que prefere uma vitória significativa ainda que daí resul
tem alguns ferimentos em vez de uma situação em que não há qualquer ferimento nem,
sequer, vitória.
Dimensão da Ação Humana e dos Valores
270
11. A dimensão rcNgios-B
E no caso da crença em Deus: será que acontece algo semelhante ou não? Ou seja, se
os argumentos tradicionais a favor da existência de Deus não são bons e se, por isso, não
há racionalidade epistémica para acreditar na existência de Deus, será que pode ainda
assim haver racionalidade prudencial para essa crença?
De acordo com Blaise Pascal, mesmo sem argumentos a favor da existência de Deus,
o mais racional, do ponto de vista prudencial, é acreditar que Deus existe, dado que
essa é a melhor «aposta*, a que traz mais benefícios práticos para nós. Por outras pa
lavras, ainda que a crença em Deus não tenha racionalidade epistémica (por exemplo,
porque os argumentos a favorda existência de Deus não são bons), a crença em Deus tem
racionalidade prudencial na medida em que nos proporciona benefícios práticos. Esta
posição, de que se pode acreditar legitimamente em Deus sem qualquer racionalidade
epistémica, e conhecida como 'fideísmo*
Fideísmo
Não e necessária qualquer razão epistémica para acreditar em Deus.
É importante sublinhar que Pascal, sendo fideísta, não está a procurar provar que Deus
existe ou que a existência de Deus ê mais provável do que a não existência (tal como
acontece nos argumentos tradicionais}. Pelo contrário, está simplesmente a sustentar que,
tendo em conta os custos e benefícios para a nossa vida, apostar e acreditar na existência
de Deus é uma boa coisa para nos; por isso, a racionalidade prudencial leva-nos a
acreditarem Deus. Mas porquê?
>
271
Oímensão daAçâo Humana e dos Valores
r
Deus existe Deus não existe
272
11. A dimensão rcNgios-B
Com base nestes dados, vamos ã segunda parte do raciocínio de Pascal. Essa segunda
parte consiste essencialmente em aplicar o princípio da racionalidade prudencial aos dados
que se constatou na matriz. Segundo esse princípio, exige-se que devemos escolher a opção
que tem para nós o melhor resultado em termos de benefícios práticos. Mais especificamente:
■■------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
(1} Ou Deus existe ou Deus não existe.
(2) Se Deus existe, estaremos melhor como crentes em Deus do que como não
crentes. (Dado que é melhor ter um valor infinito positivo do que negativo.)
(3| Se Deus não existe, não é pior acreditar do que não acreditar. (Dado que em
ambos os casos haverá algum valor finito.)
(4) Logo, quer Deus exista quer Deus não exista, acreditar que Deus existe tem
um melhor resultado do que não acreditar em Deus, e nunca um resultado pior.
(De 1 a 3)
(5) Se o passo 4 é verdadeiro, então devemos escolher acreditar que Deus existe
(dado o princípio da racionalidade prudencial).
(6) Logo, devemos escolher acreditar que Deus existe. (De 4 e 5, por modus ponens)
Por outro lado, a matriz em consideração apenas considera o Deus teísta {pois e o
Deus com esses atributos que Pascal tem em mente). Mas por que razão não se consi
dera igualmente muitas outras hipóteses, como algum Deus deísta (o qual, por exemplo,
nào dava qualquer recompensa mas que poderia castigar infinitamente os teístas}, ou um
273
Dimensão da Ação Humana e dos Valores
Deus malévolo (que só dava recompensa infinita aos maus ou aos descrentes)? Com esta
objeção dos vários deuses sustenta-se que a matriz apresentada por Pascal é muito in
completa, uma vez que não considera outras possíveis hipóteses de divindade e os seus
respetivos valores resultantes: todavia, caso se considere essas várias hipóteses, já não
será nada óbvio que racionalidade prudencial exija que se acredite no Deus teísta.
William Alston |1921-20<l9| William Alwon Rrywmf «JíixUiTccitlon».- Dlmcnrlo/is cif Epfrtcnilc Eccihiüiliwi.
CorneiI Univtndly Press IZDÜíh p.
Deste modo, parece que aquilo em que acreditamos é em grande medida não volun
tário e nâo depende do nosso livre-arbítrio Mas, assim, se nâo há um controlo voluntário
sobre as nossas crenças, então não se pode simplesmente decidir acreditar ou desacredi
tar em Deus tal como proposto por Pascal.
274
11. A dimensão reNgioM
* x • r . - . Problema
A posteriori 4 prion ma|
Resposta:
Resposta:
COSMOLÓGlCO TELEOLOGlCO ONTOLÓGICO TeodJcew
Teísmo cético
de Leibniz
t
RACIONALIDADE PRUDENCIAL DA CRENÇA EM DEUS
t
FIDEÍSMO
t
ARGUMENTO DE PASCAL
275
Dimensão da Ação Humana e dos Valores
RESUMO
- criador; e
— o cosmolõgico:
— o teleologico: e
— o ontologico.
Este último argumento e a priori (dado que as suas premissas podem ser
conhecidas independentemente da experiência do mundo), ao passo que
os dois primeiros argumentos são o posteriori (dado que utilizam alguma
informação sobre o mundo).
Contudo, dado que não é plausível aceitar que hã uma cadeia causal que
regride infinitamente, pode concluir-se que há apenas uma primeira causa
(isto é. Deus) que e a origem da cadeia causal.
- Uma objeção central ao argumento cosmologico faz notar que este argu
mento comete a falácia do falso dilema quando elenca apenas duas op
ções para explicar as coisas que existem no mundo. E que. alem da opção
da cadeia de regressão infinita e da opção de haver apenas uma primeira
causa, poderá ter-se também em consideração a opção de haver várias
primeiras causas diferentes.
• Alem disso, pode dizer-se que este argumento comete a falácia de petição
de principio, dado que na própria definição apresentada de Deus já se está
comprometido com a ideia de que Deus existe na realidade.
277
Dimensão da Ação Humana e dos Valores
• omnipofêncio
O argumento de Pascal não visa provar que o Deus teísta existe, mas sim
• omniscwixw
que e prudência Imente racional acreditar em Deus ainda que nào haja qual
• perfeição moral quer bom argumento a favor da sua existência.
• cosmológico
A ideia de Pascal e que devemos escolher acreditar que Deus existe dado
• teleológico que tem maiores benefícios práticos para nós. Isto porque se Deus existe,
estaremos melhor como crentes em Deus do que como não crentes (dado
• ontológico
que e melhor ter um valor infinito positivo do que negativo); alem disso, se
• cousa Deus não existe, não e pior acreditar do que não acreditar (dado que em
• desígnio ambos os casos haverá algum valor finito).
• acaso - Como critica ao argumento de Pascal pode assinalar-se que não sabemos
que Deus vai recompensar com valor infinito positivo apenas aqueles que
• moximamente perfeito
acreditam em Deus. Pelo contrário, Deus pode ter alguma razào, que des
• mal moral conheçamos, para recompensar todos com valor infinito positivo. Além
• mal natural disso. Pascal está a considerar apenas o Deus teísta, mas também se terá
de considerar outras hipóteses, como o Deus deísta.
• mol justificado
• mol gratuito
Outras objeções influentes a Pascal partem da ideia de que a fé não se pode
• teodiceio basear num simples cálculo de custos e benefícios, bem como na ideia de
• racional idode epistémica que a crença em Deus nào e voluntária.
• racionalidode prudencial
• fidéÍ5mo
27S
Questões propostas
GRUPO I
2. Qual é o argumento a favor da existência de Deus que usa apenas premissas a priori?
Argumento cosmológico.
Argumento teleolõgico.
(D) Se Deus existe, estaremos melhor como crentes em Deus do que como não crentes.
279
Dimemão da Ação Humana e do» Valorei
Questões propostas
10. A objeção do teísmo cético pode ser apresentada como principal crítica aos seguintes argu
mentos:
GRUPOU
3. Esclarece, com exemplos, a diferença entre um mal justificado e não justificado, e de que forma
este último tipo de mal pode constituir evidência contra a existência de Deus.
5. Por que motivo Pascal considera que é racional acreditar em Deus mesmo que nenhum dos
argumentos tradicionais a favor da existência de Deus seja bom?
GRUPO III
«Ao conduzir na estrada sou confrontado com o que parece ser um automóvel a aproximar-
se: tipicamente, em tal caso nào depende de mim se eu acredito que há um automóvel a aproximar se.
(...) Quando vejo uma árvore, ou o céu. tipicamente nào está no meu poder evitar proposições tais
como hã ali uma árvore ou hoje o céu é azul. Oferece-me um milhão de dólares para acreditar que
a população dos Estados Unidos supera a da China; eu posso tentar o meu melhor, esforçar me ao
máximo: será em vào.»
Alvin rlanllnqa, Utárnmt: Tfie Ci/mcnr Debate. Oxftirid Unhersity Prexs U993). p. 24
1. Desenvolve a crítica que se pode formular com base no texto apresentado, a um dos argumen
tos da filosofia da religião. Não te esqueças de utilizar informação do texto.
281
Provas-modelo
Filosofia
Prova-modelo 1
Prova-modelo 1
GRUPO I
1. A partir da proposição «AJguns homens não são mortais*, pode inferir-se que
■|A) a proposição «Alguns homens são mortais* e verdadeira.
a proposição «Alguns homens são mortais* e falsa.
4. Suponha que um membro de um grupo neonazi afirma que <o racismo é um bem*. Segundo a
perspetiva subjetrvista sobre os juízos morais, este juízo
283
Filosofia
6. Imagine que para evitar roubar alguém tem de quebrar uma promessa que fez. De acordo com
a ética kantiana,
|A$ d eve evitar roubar, pois nâo temos a obrigação de manter as nossas promessas.
< B> deve manter a promessa, pois não temos a obrigação de evitar roubar.
<C) deve manter a promessa, mesmo que isso implique não cumprir a obrigação de evitar roubar.
(D) faça o que fizer, vai agir erradamente.
8. Uma proposição que não corresponda aos factos não constitui conhecimento, porque
(A) pode saber-se que algo é falso.
{B| é um facto que há conhecimento.
10. De acordo com o falsificacionismo de Popper, qual dos seguintes enunciados é mais falsificavel?
284
Prova-modelo 1
GRUPO II
1. Indique se a proposição que se segue é uma tautologia, uma contradição ou uma contingência:
((P —* Q) V (P A -»Q))
As nossas crenças justificam se com base noutras crenças. Se as nossas crenças se justifi
cam com base noutras crenças, então de cada vez que tentamos justificar uma crença caímos
numa regressão infinita da justificação. Se de cada vez que tentamos justificar uma crença
caímos numa regressão infinita da justificação, então não temos crenças justificadas. Portan
to. não temos crenças justificadas.
GRUPO III
«O governo de Berlim, liderado pelos sociais democratas, aprovou esta terça feira uma pro
posta que visa travar o aumento das rendas das casas na capital alemã durante cinco anos.
A medida devera entrar cm vigor cm 2020 mas. de forma a evitar que os proprietários aumen
tem os preços ate lá, o plano poderá ter efeitos retroativos a partir de julho deste ano.
A proposta inclui ainda a fixação de um teto de renda máximo (valor este que ainda não foi
estipulado), assim como garantias de proteção legal aos arrendatários. Caso os proprietários
violem a legislação poderão ter de pagar uma multa ate 500 mil euros.
Por outro lado, se os senhorios quiserem subir a renda devido a obras de manutenção das ca
sas, terão de solicitar uma autorização oficial para qualquer aumento acima dos 50 cêntimos
por metro quadrado. [...]
O projeto de lei - que irá afetar 1.5 milhões de apartamentos (exceto habitações sociais e no
vas construções) - deverá estar concluído ate 17 de outubro, para que possa ser aprovado pelo
Parlamento c entrar em vigor já no início do próximo ano.»
PiibJlco O/iJlnr. 11 dc |unho de 2ÜLÍ -iadaptada
1.1 De acordo com a perspetiva libertarista de Robert Nozick, a imposição desta restrição sobre
as liberdades individuais dos senhorios é aceitável? Porquê?
1.2 De acordo com a perspetiva comunitarista de Michael Sandel. a imposição desta restrição
sobre as liberdades individuais dos senhorios é aceitável? Porquê?
285
GRUPO IV
«Depois disto, tendo refletido que duvidava e que, por consequência, o meu ser nào era in
teiramente perfeito, pois via cLaramcntc que conhecer c uma maior perfeição do que duvidar,
lembrei me de procurar de onde me teria vindo o pensamento de alguma coisa mais perfeita
do que cu: e conheci, com evidência, que se devia a alguma natureza que fosse, efetivamente,
mais perfeita. [_.] De maneira que restava apenas que ela tivesse sido posta cm mim por uma
natureza que fosse verdadeira mente mais perfeita do que eu. e que ate tivesse em si todas as
perfeições de que eu podia ter alguma ideia, isto c. para me explicar com uma só palavra, que
fosse Deus.»
Rrnc Descartes. DBrcuvsd do Xfttodo, Trad. Joia Gánu Lisboa. Edições7Ú (2Ü11I, pp. 52 5J
«Para Hume, a ideia de causa [segundo a resposta tradicional] ê a ideia de “conexão ne
cessária*. O seu argumento aponta em duas direções: primeiro, para a demolição da ideia de
que existem conexões necessárias na realidade: segundo, para uma explicação do facto de nós
termos, nào obstante, a ideia de conexão necessária. (...)
A ideia de conexào necessária nào se pode derivar de uma impressão de conexào necessá
ria, pois tal impressão não existe. [_] Não podemos observar nada da relação entre os aconte
cimentos particulares Ac R a não ser a sua contiguidade no espaço ou no tempo e o facto de
A preceder B. Dizemos que A causa B apenas quando a conjunção de acontecimentos do tipo
A c do tipo B c constante - ou sep, quando há uma conexào regular de acontecimentos do tipo
A c do tipo B. levando-nos a esperar B sempre que observamos um caso de A. Tirando esta
conjunção constante, nada mais há que observemos, e nada mais que pudéssemos observar,
na relação entre Ac B que pudesse constituir um vinculo de “conexào necessária"».
Rogvr ScnKMi- Rmc Historiei dti H/aso/Ju .IfocfcriKi. Lisboa. Guerra c Paz. Ui>ll)l. pp. 165 166
3. Hume mostra que *a ideia de conexão necessária não se pode derivar de uma impressão de
conexão necessária, pois tal impressão não existe».
Qual é, então, para Hume, a origem da ideia de conexão necessária?
Prova-modelo 1
GRUPO V
1. Qual é a tese defendida pelo autor do texto? Concorda com essa tese? Porquê?
Na sua resposta deve:
• Identificar o problema subjacente ao texto.
- Identificar justificadamente a tese defendida pelo autor do texto.
• Formular explicitamente a sua tese pessoal em relação ao mesmo problema.
• Argumentar a favor da sua tese.
FIM
>
2S7
Filosofia
Prova-modelo 2
GRUPO I
1. Se afirmamos que tirar positiva no exame é condição necessária para nós passarmos de ano,
estamos a dizer que
{A) se nós passamos de ano, tiramos positiva no exame.
(B) tiramos positiva no exame se, e apenas se, passarmos de ano.
(C) passamos de ano se, e apenas se, tiramos positiva no exame.
(D) se tiramos positiva no exame, nós passamos de ano.
Se estudar, tenho uma melhor média; r se tenho uma melhor média, então consigo aceder ao
meu curso favorito; por isso, se estudar, consigo aceder ao meu curso favorito.
(B) pode haver desigualdades na distribuição de riqueza so se isso acabar por beneficiar os
mais desfavorecidos.
(C) pode haver desigualdades na distribuição de riqueza só se isso beneficiar os laços comunitários.
(D) não pode haver qualquer desigualdade na distribuição de riqueza.
sentimentos.
GRUPOU
1.
Ilá ma) no mundo a menos que Deus exista. Ora. há ma] no mundo. Portanto. Deus nào existe.
2S9
Filosofia
GRUPO III
«Cientistas do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN) anunc iaram [...] que descobriram
uma nova partícula subatômica que pode ser o bosòo de 1 liggs. também conhecido por ‘partícu
la de Deus". O I liggs c fundamental para explicar a razão por que todas as outras partículas que
constituem a matéria tèm massa, isto c, porque existe o universo onde vivemos. No fundo, e a
peça que faltava no pu<zíe do chamado modelo padrão, uma coleção de teorias que integra todos
os conhecimentos atuais sobre o comportamento das partículas fundamentais da matéria.»
Jornal Expratro. I de tulbo de 2Ú12 ladapiado)
Pode dizer-se que a *particula de Deus>tem as mesmas propriedades que o Deus teísta? Porquê?
«Valerie Jackson: Se morresse e chegasse ás portas do paraíso, o que diria a Deus para justi
ficar a sua longa vida de ateísmo?
Ríchard Dawkins: Eu citaria Bcrtrand Russell: “Nào há evidencia suficiente, Deus, nào há
evidência suficiente". Mas porque supomos que Deus se preocupa assim tanto se acreditamos
nele? Talvez ele queira que sejamos generosos, gentis, amorosos, e honestos - e nào se importe
sobre o que acreditamos.»
Jornal /ixfcpcndc/it, 4 de dezembro de ZLHJti
GRUPO IV
3. De que forma estas duas conceções de ciência interpretam a última afirmação do texto: *Albert
Einstein passou (com distinção e louvor} um teste que vai ficar na história da ciência*?
GRUPO V
«Resolvi supor que todas as coisas que ate entào tinham entrado no meu espirito nào eram
mais verdadeiras do que as ilusões dos meus sonhos. Mas. logo a seguir, notei que, enquanto
assim queria pensar que tudo era falso, era de todo necessário que eu. que o pensava, fosse
alguma coisa. E notando que esta verdade: penso, logo existo era tão firme c tão certa que to
das as extravagantes suposições dos céticos nào eram capazes de a abalar, julguei que a podia
aceitar, sem escrúpulo, para primei no princípio da filosofia que procurava.»
Rfnt Dcsurtcs, Discurso do Meroda. Tud JoJo Goma, I.lsbau. KdlçOcx TU Í2UI11. pp. 50 5]
Considera que Descartes conseguiu alcançar aquilo que se propôs fazer no seu projeto? Porquê?
Na sua resposta deve indicar qual ê o objetivo do projeto cartesiano e apresentar, justificada-
mente, a sua opinião sobre o sucesso ou insucesso deste projeto.
FIM
Item
Grupo
Cotação (em pontos)
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8 a 10.
ll ao
8 8 8 8 3 8 8 3 8 8
1. 2.
II 24
12 12
1. 2.
lll 32
16 16
1. 2. 3.
IV 43
16 16 16
1.
V 16
16
Total 200
291
Filosofia
Prova-modelo 3
GRUPO I
2. As proposições * Todas as obras de arte expressam emoções* e <Nem todas as obras de arte
expressam emoções*
(A) podem ser ambas verdadeiras, mas não podem ser ambas falsas.
(B) podem ser ambas falsas, mas não podem ser ambas verdadeiras.
3. Afirmar que não é verdade que a vida faz sentido só se Deus existe é o mesmo que afirmar que
É evidente que Deus nào existe, porque, se existisse, já se teria conseguido provar inequivoca
mente a sua existência.
5. Um defensor do relativismo cultural acredita que o valor de verdade dos juízos morais
(A) depende da opinião individual de cada pessoa, numa certa sociedade.
(A) consequencialista.
(B) relativísta.
(C) deontológica.
|D| subjetivista.
8. Para Descartes, podemos estar certos de que as nossas ideias claras e distintas sào verdadeiras
se, e só se.
(A) o mundo exterior existe.
De acordo com o empirismo de Hume, quallais) dos enunciados fornece informação verdadeira
acerca do mundo?
(A) Apenas 1 e 2.
(B) Apenas 3 e 4.
(C) Apenas 2 e 4.
(D| Apenas 4.
293
Filosofia
GRUPO II
Sócrates: Quando dizes que é um bem acusar o teu próprio pai por causa dele cometer homi
cídio. o que queres dizer por bem? Afinal, o que c o bem?
Eutifron: Pretendo apenas sustentar que o bem depende da vontade dos deuses.
Sócrates: Discordo da tua tese. Questionemos, então, o que dizes: será que o bem c desejado
pelos deuses porque é objetivamente bem ou, pelo contrário, só se toma bem porque e dese
pdo pelos deuses?
Eutifron: Podes explicitar melhoro teu argumento para negar a minha tese?
Sócrates: Repara no seguinte: se o bem depende da vontade dos deuses, entào alguma coisa c
boa pelo motivo de os deuses a desejarem e o bem ê algo arbitrário. Todavia, não e verdade que
alguma coisa seja boa pelo motivo de os deuses a desejarem e que o bem seja algo arbitrário.
Eutifron: Dizes bem. Daí se segue a tua tese. Mas preciso de analisar melhor se esse c rcalmen
te um bom argumento.
GRUPO III
Marcei Duchamp,
Fonte (1917|
294
ProvB-modelo 3
2. De que forma a arte urbana, ou groffiti, pode ser apresentada como objeção à teoria histórica da
arte.
GRUPO IV
3. Será que há deveres morais absolutos? Compare as respostas de Kant e de Stuart Mill a esta
questão?
295
Filosofia
GRUPO V
«No dia 1 dc dezembro de 1955, Rosa Parks recusou mudar-se para a parte de trás de um
autocarro público. A senhora dc 42 anos não imaginava que o seu ato iria contribuir para o Hm
das leis segregacionistas no Sul [dos EUA]. Parks encontrava-se a caminho dc casa, naquela
tarde, quando resolveu sentar se a frente da secção destinada a negros num autocarro público
em Montgomeiy O autocarro acabou por encher e o motorista exigiu que ela se levantasse
para dar lugar a um passageiro branco. Parks recusou-se a abrir mão do seu lugar e acabou
por ser presa pela polícia.
Quatro dias depois, foi condenada por conduta imprópria. Esse acontecimento desencadeou
um boicote de 381 dias ao sistema de autocarros públicos por parte dos cidadãos negros. [...)!
O boicote levou o Supremo Tribunal dc Justiça a decretar o fim da segregação nos trans
portes públicos cm Montgomeiy. Mas foi apenas com o «Civil Rights Act», cm 1964. que a
segregação nos transportes públicos norte-americanos chegou ao fim.»
C.YiV Onfenr. “Fld 63 unos. Rosa pjrks lutou pelos direitos civis sesnse IcvunUr*,
1 dc dezembro dc 2018 ladaptudo)
Será que se pode considerar que o ato de Rosa Parks foi objetivamente certo ou errado? Porquê?
Desenvolva o seu argumento com base naquilo que estudou sobre o problema da natureza dos
juízos morais.
FIM
Item
Grupo
Cotação (em pontos)
1. 2. 3. 4. 6. Z 3. 9. 10.
1 80
8 8 8 8 3 8 8 3 8 8
1. 2. 3. 4. 5.
II 24
4,8 4.8 4,3 4,8 4,8
1.1 1.2
III 32
16 15
1. 2. X
43
16 15 16
1.
V 16
16
Total 200
>
Soluções
Filoiofia
Soluções
1. Abordogem introdutório ã filosofio e ao fiosofar (1) Se a ética fosse uma Qjestio de verdade objebva Ie nao
fosse meramente uma questBo de opiniflol haveria um
Pãg. 33 maior acordo a seu respeito.
Grupo I (2) Porém, parece que em Qjestôes de ética as pessoas
dscordam sobre tudo
1 C 2. E 3. E 4. D 5. D 6. A 7. B fl. E 9. D 10. c
(3> Logo, a ética nflo passa de uma questflo de opmAo.
(3) Se Deus não pode evitar o mal, entflo ele não e omni
F F F VF V V F F F
potente.
7. D
(4) Logo, Deus nflo é totnlmente bom ou nflo é omn patente
6 A Nata: a alínea (A) é a resposta correta pois a fórmula ló
Dicionário: Formalização:
gica argumentattva 1 é um exemplo ce sloglsmo hipotético e
p - Deus quer evitar o mal <11
a fórmula lógica argumentattva 2 e lt exempla de silogismo
disjuntivo, ambas formas de Inferência válidas. q = Deus poce evrtar o mal |2| (-<p
e| Representação canónica:
Grupa II
(Ti Se nós temos conhecimento moral, entflo os prmoplas
1. Recomenda-se a consulta das regras de formação de fórmu morais básicos são demonstráveis ou autoevaentes
las lógicas na pagina 37
(2| Os princípios morais básicos sflo demonstráveis e au-
<4 Nflo é L-ra fórmula bem formada pais o âmbito nflo esta toe videntes.
especificada (esta a desrespeitar a regra 3 de formação de (3) Logo temos confie emento moral.
fórmUas lógicas}.
Dicionário: Formalização:
b/ Nflo é lt a fórmula bem formada pois tal como especi
p = Nós temos conhecimento moral. (11 (p —(qv^
ficado na regra 2 de formação de fórmiías lógicas, o resul
tado de prefixar o símbolo da negaçflo numa fórmula bem q = Os princípios morais bascos são |2| (q*r|
formada nao permite a colocaçflo de parêntesis exteriores. demonstráveis.
OI -'-p
r = Os princípios morais básicos são
E uma fórmula bem formada, pois respeita todas as re
autoevdentes
gras de farmaçfla de fórmulas lógicas.
3. bi ■ 3
<4 Nao é LTa fórmula bem formada pas nao respeita a
p <? cn *<■ A IP — ífll -»
regra 3 de formação de fórmulas logcas Uma das implica
ções dessa regra é n segunte: o numero de parêntesis que V V F V F V V V V F V
abrem nima dada fórmula tem de ser igual ao número de V F V F F V F F V F V
parêntesis que fecham.
F V F V F F V V V V F
e| É ima fórmula bem formada, pois respeta todas as re
F F V F V F V F V V F
gras de farmaçfla de fórmulas lógicas.
A formula lógica em análise é uma tautologia
2. bj Representação canónica:
3 12 1
|Ti Nflo e verdade que se Aristóteles ttver razão n arte é
P ü f “,(<P —* ¥ [p -4
trivial
V F V F V F F V V V V
Dicionário: Formallzaçflo:
p = Aristóteles tem razflo. V F F V V F F F V F F
r = A arte é imrtaçfla. /. f F V F F F V V V F V F
F F V F F V F V F V V
4 Representação canónica:
F F F F F V F V F V F
|1| Se Cícero é um orador persuasivo, então utlbza um dis
curso sedutor e cativa o auditório A fórmula lógica em análise é uma contingência
^^1Filoiofia
Soluções
c|(p — (q
V V
d V
Ihjp- A
1 v 7
d)
V
—* “* d
F F V
P <F f lP -» (P A jP /. r
V V V V V V V V V V
V V F V V V V V F
V V F V F V F F V F
V F V V F F V F V
V F V V F F F V V V
V F F V F F V V F
V F F V F F F F V F
F V V F F V V F V
F V V F V V V V F V
F V F F F V V V F
F V F F V V F F F F
F F V F F F V F V
F F V F V F F V F V
F F F F F F V V F
F F F F V F F F F F
A formua lógica em analise é uma contingência
A fórmula arguTentabva em analise e válida, d ac o que rao
e| 4 12 3
ha qualquer drcunslãnaai err i que as premissas sejam todas
P «T -1 WlP -» Pl A Pl — 0) verdadeiras e a conclusBo seja falsa.
V F F V F F F V V F P í r j r P V - fl) 1- p -r - rt Ç” q - tf ■ r F V - a]
F V F F V V F F V V V V V 7 FV F FV FV V F tf F tf V FV F tf F F V
F F F F V F F F V F V VV F FV F FV FV V F V F tf V VF F V V tf F
V V F tf FV F FV F V V tf F F tf V FV VF V FV
A fórmiMa lógica em analise é uma contradição
V V F F FV F FV FV V VF F tf V VF V F V tf F
V F tf V F tf V tf F FV V F V V F F FV F tf F F V
V F tf F F tf V tf F FV V F V V F V VF F V V tf F
V F F tf F tf V V F FV V VF tf F FF tf tf F V F V
V F F F F tf V V F FV V VF V F V VF V F V tf F
F V tf tf V F V F V VF F F tf F tf V FV F tf F F V
F tf tf F VF V FV tf F F F V F tf V VF F V V tf F
F tf F tf V F V F V tf F V VF F tf V FV tf F V F V
F tf F F VF V FV tf F V VF F tf V VF V F V tf F
F F tf tf V F V V F VF F F V V F F FV F tf F F V
F F tf F VF V V F tf F F F tf V F V VF F V V tf F
F F F tf V F V V F tf F V VF tf F F F tf tf F V F tf
F F F F VF V V F tf F V VF V F V VF V F V tf F
A formula arguTentatova em analise e válida, d ac o que nâo
A formula argurentativa em análise e válida, dado que nao
ha qualquer drcunslãnaa em que as premissas sejam todas
verdadeiras e a conclusão seja falsa. ha qualquer drcunslãnaa em que as premissas sejam todas
verdadeiras e a conclusão seja falsa.
e| (p — (g v 4), (qAfjj.p
P q r - (p - tf (q V 4 ..r
P P r (P -> (<T V 4) A 4 /.p
V V V F V V V V V V V
V V V 'tf V V V V V V V V
V V F F V V V V V F F
'tf V F 'tf V V V F V F F V
V F V V V F F F V V V
'tf F V 'tf V F V V F F V V
V F F V V F F F F F F
'tf F F 'tf F F F F F F F V
F V V F F V V V V V V
F V V F V V V V V V V F
F V F F F V V V V F F
F V F F V V V F V F F F
F F V F F V F F V V V
F F V F V F V V F F V F
F F F F F V = -= F F F
F F F F V F F F F F F F
A íormula argumentativa em análise é vãfeda, dado que nao
lula argumentativa em analise e invalida, cado que há
ha qualquer drcunslãnaa em que as premissas sejam tecas
uma arcunstãncla em que as premissas sâo todas vercaderas
verdadeiras e a conclusBo seja falsa.
e a conckjsâo ê falsa.
Soluçõe»
Cofio se pode verificar uma vez que há uma arcunstáncla em de que ja tivemos experiência para extrair uma conclu
que as premissas sfla todas verdadeiras e a conckJsAo ê falsa, são gera IgenerallzaçAo) ou para extrair uma conclusBo
a falácia da afirmaç&o da consequente ê uma íormula argu- sobre o futuro (previsAol.
mentativa Inválida c) Verdadeira.
O inspetor de circunstâncias para a falaoa da negaçAo da an Falsa As falácias formais sAo aquelas que sAo dedutiva
tecedente e o seguinte: mente Invalidas e por isso, têm um erro na estrutura ou
forma (e nflo no conteúdol Exemplos de falacias formais
A S (A -» B) -A -i B sfla a «falacla da aflrmaçAo da consequente» e a «falácia
—■----- da negaçAo da antecedente».
V V V V V FV F V
e| Verdadeira
V F V F F FV V F
f | Falsa. A falada od hominem ocorre quando se procura
F V F V V V F F V descredlbikzar uma proposição ou argumento através
de um ataque â credibilidade do seu autor, o que nflo
F F F V F V F V F
acontece neste caso. No presente argumenta comete-
-se a falaoa do apeio ilegítimo a autoridade, dado que a
Como se poce verificar, uma vez que na uma circunstância em autoridade de Einstem na área da ftuca n&o significa que
que as premissas sAo todas verdadeiras e a conclusão ê falsa, qualquer teoria que ele suporte, em outra area, faz dela
a falacta da negação da antecedente e uma formula argumen-
automaticamente uma teoria correta.
tatrva invalida
g) Falsa A falacla em conslderaçfro ê a falácia da pebçflo
6. a) E Lma falácia formal Sendo a van avel p a abre viatura
de pnnoplo ou aa arculahdade, pois a verdade da con
de «esta a chover» e a varlavel q a abreviatura de «abro
clusão é pressuposta pelas premissas Ou seja, para
o guarda-chuva», obtemos a seguinte formalização: acreditarmos nas premissas já lenamos de acertar a con
(p —♦ Çl, “* p ’ Ç. Ora, esta fármiJa argumentativa e clusão. |A falácia da derrapagem ocorre quando se tenta
um exempla da falaoa da regaçBo da antecedente. mostrar que uma proposlçAo é Inaceitável porque a sua
b) E uma Inferência válida Sendo p a abreviatura de «há co aceltaçAo conduziria a uma cadeia de implicações com
nhecimento» e sendo q a abreviatura de «as nossas cren urr desfecho Inaceitável, quando, de tacto, um dos elos
ças estão justificadas» obtemos a formallzaçfla lógica dessa cadeia é falso ou pouco provável.|
|p —*■ çj, “’ Q ~'p a quali é um exemplo da Inferência
h| Verdadeira.
válida de modjs taUena.
i| Verdadeira.
4 É uma inferênaa valida. Sendo p a abreviatura de «a In
j) Vercadera.
dução é Justificável» e q a abreviatura de «a clênoa e
uma atividade racional», a estrutura argumenfaflva que
Grupe II
obtemos ê —’p, (“’p —*■ —’ Q) que corresponde a
1. a| Trata-se de uma falaoa da falsa analogia. Já que a aralogia
um exemplo de modus póneis
se baseia em termos que sAo irrelevantes para a compa-
(J E uma inferência válida. O presente argumento é formali
raç&o.
zado a partir de djas vanavels proposloonas: p abrevia
b) Falácia da falsa relaç&o causal porque nflo se pode ex
«a causa do urwverso é uma causa impessoal» e q abre
cluir, por exemplo, que ambos os eventos sejam causa
via «a causa do universo e pessoal». Com base nestas
vedáveis, obtemos a fo-malizaçAo |p V qj, — p /. q n dos por um terceiro (tanto o relâmpago como o trovflo
resultam de uma descarga elêtrlcal.
qual ê um exemplo de sllopsmo disjuntivo.
c) Falácia od homAnem, porque esta a atacar a pessoa em
e| E uma falacla formal Para se formalizar este argumento
vez de atacar o arpumento. O Interlocutor devia primei
precisamos de considerar três variáveis propoacxxias:
ro arallsar as razões pelas quais o Luís defende que os
p abreva «os animais têm sensações» q abrevia «os ani
futebolistas devem gamar multo dinheiro, em vez de cri
mais sAo conscientes», e r abrevia «os animais sSo dignos
ticar o facto de o irmão do Luís ser futebolista
de respeito» Atendendo a essas vanavels, obtemos a for-
maltzaçAo |(p v ç) —► ■r), F J. {p V q|, a qual corresponde <4 Falácia da fBlsa relaçfla causal, pois co facto de o Joflo
a um exempla da falácia da aflrmaçAo da consequente. escorregar depois de ver um gato preto nflo se sepje
que o gato preto seja a causa da queda
301
Filoiofia
Soluções
e| Faia cl a da derrapagem ou txila de neve, pois o argumen Uma resposta que defenda que o argumento em conside
to co João envolve lt a séne de cordoonats que sõo ração é forte deve apresentar a seguinte razBo |que anula a
falsa* ou rrpravãveis Nflo aconteceu que o JoBo tenha objeçfio antenor) a comparação que se esta a estabelecer
tido mais 0,3 valores |que daria 8,3 vakxes|, e é Impro entre os prisioneiros da caverna e nós é relevante apenas em
vável que todo* os professores subam para 10 os alunos relaçao a correntes que imobilizam a mente - é apenas essa a
que tenham média de 9. comparação relevante. Par Isso, se os prisioneiros confundem
f| Faiada da pettçflo de principio ou da circularidade, pois o por vezes aparência com realidade, também se pode concluir,
bêbado justifica o seu viao (de beber| com esse próprio legrtimamente que nós podemos fazer essa confusBo em al
gumas circLnstãnclas
vicio.
g| PetlçBode principio, p&s a premissa llmita-se a reescre 4. Determinismo e liberdade no ação humana
ver a condusfio.
Pãg. 9)
hl Apelo ã ignorânaa, uma vez que se usa o desconheci
mento do tamanho do universo para conclUr que ele é Grupo I
infinito.
1. a 2. b 3. b 4 a5. c 6. d 7. ofi. a 9. b 10. B
i | Boneco de palha, dado que se critica a lógca preposicio
nal com base numa deturpação do seu conteúdo, pois a
Grupo II
lógica nAo dz que argumentos validos tém necessaria
mente conclusões verdadeiras. 1.1 A premissa 1 deste arpjmento afirma que «Se o determinis
mo é verdadeira, entfio nôo temos possibilidades alternativas*.
í | Falso dilema, ima vez que quem argumenta assim pres
Ora, uma vez que se trata de una p'oposfçBo condconal, se
supõe que ou todas as ações sBo Involuntárias ou tocas
quisermos mostrar cpje ela é falsa teremos de afirmar a sua
as ações sAo volLntarlas Mas Isso é muto provavel
antecedente e negar a sua consequente, ou seja, teremos de
mente falso Aliás, Ja aprendeste que a negaçfio da pro
mostrar pelo menos uma situação possrvel em que apesar do
posição categórica universal da forma «todas as ações
determinismo ser verdadeiro temos possbilidades alternabvas
sAo voluntárias» é afirmar que «algumas ações nao sBo
Ora, para concitar a verdade do determnlsmo com a existênca
voluntárias» e essa proposição constituiria uma outra
de possibilidades alternativas, os compatlblistas clássicos ofe
opção a considerar no argumenta.
recem LTa análise condicional do conceito de «possibilidades
aitematrvas*. De acordo com esta anãlse condconal, um dado
Grupo III agente tem possib lidades alternabvas se, e só se, tena agido de
modo diferente daquele como efetivamente agiu caso bvesse
1 Uma possrvel representação canónica do argumento:
crenças e desejos diferentes daqueles que efetivamente tem
(1| Nós somos como os prisioneiros da caverna |ou seja, am
Este sentido de «possibilidades alternabvas» é compatrvel com
bos temos correntes que imobilizam a mentel.
a vertí ade do determlrtsmo, pois ahda que tjdo o que aconteça
(2| Os prisioneiras da caverna contundem a aparência com
llndulnco as nossas ações) seja a consequência necessana do
a realidade e jUgam verdadeiro o que é falso.
passado e das leis da natureza ha situações em que, se tivés
(3| Logo, provavelmente também nós confundmos a aparên semos ttío desejos diferentes, lenamos ageo de outro moda.
cia com a realidade e Julgamos verdadeira o que é falso
Por exempla, suponhamos que de a dl ficar a estudar ni-rn sabado
2. O argumento nao dedjtrvo descrito no teicto é um argumen á norte apesar de ter sido convidado para uma festa. Desde que
to de analogia, dado que se esta a pnrtr de um conjunta de nada me impedisse de ir ã testa, caso bvesse desejado fazé-lo,
semelhanças relevantes entre dois grupos os prisioneiros ca pode dizer-se pje, apesar do determinismo ser verdadeiro, eu
caverna e nós. para nos atrlbur uma característica observada teria, num certo sertkla, possiblbdade de Ir a festa, pois embora
no grupo dos prisioneiros ca caverna tsto é. lai como os prisio a mnhn decisflo de ficar em casa seja |tal camo tudo a resto| a
neiros, nós também temos correntes que imoblizam n mente consequência necessana do passada e das leis da natureza, é
Icamo é o caso da preguiça, co meco, cos vícios e da falta de vercade que se bvesse desejado r á festa, eu podia tê-lo feito
espnto critico). Assim, se os prisioneiros ca caverna confundem 1.2 A premissa 2 deste argumento corresponde ao principio
a aparência com a realidade e JUgam verdadeiro o que e falso,
das possibilidades alternativas que afirma o seguinte: «Se nao
assim também o mesmo provavelmente ocorre connosco temos possiblidades alternativas, então Mo temos livre-arbí
3. Para avaliar ut argumento de analogia temos de recordar trio* Ora. uma vez que se trata de uma proposição condicio
os critérios para um argumento forte desse bpo. nal, se quisermos mostrar que ela e falsa teremos de afirmar a
O primeiro critério sustenta qjc as semelhanças observadas sua antecedente e negar n sua consequente, ou seja, teremos
entre os objetos devem ser relevantes para n característica a de mostrar pelo menos uma srtuaçflo possível em que apesar
Inferir na conclusão. O segundo cnténo estabelece que entre de nflo termos posstxiidades aiternabvas, temos Itvre-arbrtrlo
os dois objetos da comparaçBo nBo devem existir diferenças Ora, é jus temente isso que os compatiblltstas contemporâ
relevantes para a característica a mfenr na conclusBo. neos. coma Harry FranKfurt. tentam fazer Num típico caso de
Uma resposta que defenda que o argumento em questão é Frankfurt existe lta arcunstâncla C tal que:
fraco deve mostrar qual é o critério que esta a ser vlolaco É • um agente A, toma uma determinada decisflo.D.
possrvel argumentar que na uma diferença relevante pois ao • se A nBo decidr D, por sa mesmo, C entra em açflo e força
contrario dos prisioneiros da caverna nós nflo temos correntes A a decidir D;
que nos prendem o corpo. • C em nada contribui para que A decida D
Soluçõe»
Par exemplo, suponhamos que Jones é contratado para matar O texto pretende sustentar que se nflo houvesse responsabi
o Presidente e que para assegurar que nAo rruda de oplnifla lidade moral, nada seria culpa de ninguém, ou seja, os nossos
antes de finalizar a tarefa, é-lhe Implantado um dispositivo no comportamentos de censLra, culpa, elogio e louvor seriam
cérebro, de tal maneira que caso nAo decidisse por si mesma absLrdos ou sem sentido. Contudo, uma vez que estes com
matar o Presidente, o dispositivo sena ativado e forçaria Jones portamentos nAo sAo absurdos ou sem sentido (como sugere
a tomar essa deosAo. Contudo, uma vez que Jones toma por o ajtor do texto: *é evidente que existem estados de coisas
sl mesmo a decisão de matar o Presidente, o dispositivo nao em relaçAo aos quais podemos apontar o dedo e dizer, com
chega a ser ativado e, portanto, em nada contrlbu para essa Jusbça, a certas pessoas: Isto é culpa 1ua»X tern de haver res
decisAo Nestas circunstâncias, Frankfurt acredita aue apesar ponsabilidade moral.
de nfio ter possibilidades alternativas, Jones tem llvre-nrbitla, Ora, uma vez que o determinismo radical contraria esta evi
visto que tomou a declsflo de matar o Presidente por sua livre dência. o autor do texto está a sugenr que essa perspetiva
e espontânea vontade. deve ser rejeitada
2. A perspetiva apresentada corresponde ao compab&llsmo
dâsslco. Grupo III
Para os compatlblllstas clássicos, o conceito de possibilidades 1. Cena nos de resposta:
aiternatrv&s deve ser alva de lt-s análise condlconal de acor
do com a qual dizer que temos poss&iidades alternativas (e, Identificar o problema subjacente oo texto
por conseguinte, que somos llvresl é o mesmo que dizer c^ie O problema subjacente ao texto é o problema tradicional do
se tivéssemos escolhido agir de outro modo tenamos agido livre-arbitrla. Este problema pode ser formUado conforme se
de outro modo Por outro lado nfio temos possibilid ades alter segue: «Será que temos llvre-arbitno?»
nativas |e, por consegmite. nfio somos llvresl quando ainda Dizer que temas llvre-arbitno é o mesmo que dizer que temas
que tivéssemos escolhido agir de outro modo, nflo o teríamos uma vontade Ih/re, ou seja. é o mesmo que dizer que podemos
feito (Isto é. tenamos sido impedidos de o fazer por qualquer controlar pelo menos algumas das coisas que fazemos e>'ou
pessoa ou por circunstancia externai. escolhemos fazer Assim, o problema que está aqu em causa
Esta é a perspetiva apresentada no texto, pois o autor afirma é o de saber se algumas das nossas escolhas e>'ou açOes de
expllcltwnente que por «liberdade» só nos é possível enten pendem. em última análise, de nós, da nossa vontade
der uma liberdade hipotética, que consiste essenclalmente
Identificar justificadomente a tese defendda pe<ó autor do texto
no seguinte: «se escoWiermos ficar parados, podemos ficar
O autor do texto defende o determinismo radical. De acordo
assim, e se escolhermos mover-nos também podemos fa
com o determinismo radical Ti o llvre-arbrtrlo é incompatível
zê-lo.»
com o determinismo; 2| o determinismo é verdadeiro, e, por
Uma possível objeção a esta perspetiva baseia-se no facto conseguinte, 3} nflo temos kvre-arbitrio O autor do texta afir
de a analise condicional mplicar que afirmar *S podia ter ma que «Na mente nAo existe vontade absoluta ou livre» e
agido de outro modo» é o mesmo que afirmar: «Se S tivesse que só Julgamos que temos uma série de possibilidades alter
escolhido agir de outro modo, entflo A teria agido de outro
nativas e que, por conseguinte, somos livres, porque temos
modo.» consaéncla das nossas ações e dos nossos desejos mas Igno
Contudo, é possível conceber situações em que a segunda ramos as causas que os determinam Mas, na realidade tudo
aflrmaçflo é verdadeira, mas a primeira é falsa, o que significa aqulo que fazemos ou desejamos é a consequência neces
que estas duas afirmações nfio sAo equivalentes e, portanto, a sária do passado e das leis da natureza |tal como tudo o que
analise condicionai é falsa. acontece na natureza|.
Por exerrpla, suponhamos que me ofereaam ltt frasco com Formukx explicrtomente a tua persp«tfva pessoal em relação
varlos doces, Incluindo gomas vermelhas; e que, uma vez qjc
ao mesmo problema
tenho uma a ve rs fio patológica a gomas vermelhas (Imagine
mos, por exempla, que me fazem lembrar gotas de sanguel, • Opção A: concordar com a autor do texta e defender a
decidi nfio tirar nenhon doce Ora, apesar de ser logicamente determinismo radical
possível supor que, se eu tivesse escolhido brar uma goma
• Opção B: discordar do autor do texto e defender a tese da
vermelha, eu tê-lo-la feito, a verdade é que, dada a minha
llbertlsmo Segundo a qual
aversflo, eu nflo poderia ter escolhido fazê-lo Isto significa
que eu nfio tenho efebvamente, a capacidade de tirar uma 1. o irvre-arbitna é incompatível com a determinismo;
goma vermelha, embora seja verdade que se eu bvesse esco 2. temos llvTe-arbitrlo.
lhido brar uma, eu té-lo-la feito.
e, por consr-pjlnte,
Analogamente podemos pensar que num mundo determinis
3. o determinismo nflo é verdadeiro.
ta, dado o passado e as leis da natureza nunca poderiamos
ter escolhido agir de lit modo diferente daquele que escolhe • OpçÕO C: discordar do autor do texto e defender a tese
mos, por Isso, é LTa aflrmaçBo vazia dizer que tenamos agido do determinismo moderado Segundo a qual:
de modo diferente daquele que agimos, se assim o tivésse
1. o irvre-Bfbitno é ccrrpabvel com o determinismo;
mos desejado
2. o determinismo ê verdadeiro;
3. A perspetiva que esta a ser criticada é o determinismo
mas, apesar disso,
radical.
3. temos llvTe-arbrtrlo
>
303
Filoiofia
Soluções
|2| Se nôo temos possibi dades alternativas, então nào te Opção de resposta C
mos llvre-artxtrio Defendera tese do determinismo moderado com base na
|3) Se a determinismo é verdacelro, entto nfla temos Itvre- argumento A |camo fazem os compabbillstas dasslcas), ou
-arbrtrlo |De 1 e 2 por silogismo hipotético) com base no argumento B |coma fazem os campatiblllstas
contemporóneosl:
|4) O determinismo é verdadeiro.
|5| Logo, nfio temos llvre-arbitrlo |De 3 e 4 por modús Argumento A
panej?s| |1| Temos posslbilicades alternativas e. por conseguinte,
somos livres se, e só se. poderiamos ter agido de modo
A premissa 1 sepje-se da definição de determinismo, pais
diferente daquele que efetrvamente agimas, caso bvés-
o determinismo implica que o passado e as eis da natu
reza Implicam em cada instante um única futuro passível. semos crenças e desejos diferentes daqueles que efe
trvamente temos.
Ora, cama nâo podemos alterar o passado nem as leis da
natureza, nfla podemos alterar nada caquilo que se segue |2| Ainda que o determinismo seja verdadeiro par vezes,
necessariamente dos mesmos e, por conseguinte, caso a poderiamos ter escofilda agir de modo diferente da
determinismo seja verdadeira, nfla temos possibilidades quele que efetivamente agimos se bvessemas crenças
alternativas. e desejos diferentes daqueles que efeflvamente temas.
A premissa 2 jusbflca-se com base na mtulçflo de que se |3) Logo, ainda que o determinismo seja verdadeiro, par
uma pessoa nfla podia ter agido de outro moda, diflal- vezes, temos possibilidades alternabvas e por conse
mente sentimos que esta agiu por sua livre e espontânea guinte, somos livres.
vontade
A premissa 1 resulta da análise condicional do conceito de
O ponto 3 segue-se validamente de 1 e 2. ■possibilidades alternativas». Os compatlblllstas clássicos
A premissa 4 poce ser defendida com base na estrondosa defendem que dizer que alguém podia ter agido de outro
sucesso das aénclas aue pressupõem a determlnsma na moco e o mesma que dizer que essa pessoa podia ter agi
expUcaçfla e previsôo dos fenómenos naturais e com base do de outro modo, se tivesse crenças e desejos diferentes
na nossa experiência quotidiana de testemunhar os mes daqueles que tem Neste sentido temos possibilidades
mos efeitos seguirem-se cas mesmas causas. alternativas e. por conseguinte, agimos livremente, cesde
Qje na o sejamos forçados por circunstancias externas a
fazer o que nao queremos, nem impedidos de fazer aquilo
Opção de resposta B pje queremos
Defender a tese do llbertlsmo com base na seguinte ar-
Para Ajstlflcar a premissa 2 as compabbillstas clássicos po
gimenta
dem recorrer a exemplos em que, apesar de o determinis
|1| Se o determinismo é verdacelro, entflo nâo temos possl-
mo ser verdadeiro, pode dlzer-se Qje se o agente tivesse
bilcades alternativas
desejado agir de outro modo, poceria ter agido de outro
|2| Se nôo temos possibi idades attemativas, então nôo te moco visto nSo exlsbrem constrangimentos externos que
mos llvre-artxtno o impediham de o fazer
|3) Se a determinismo é verdadeiro, entfto nfla temos Itvre- O ponto 3 segue-se validamente da premissa 2 e da equ-
-arbrtrio |De 1 e 2 por silogismo hipotético) valéncia presente na premissa 1.
J4) Temos fcvre-arbrtrlo
Argumento B
|5) Lego, o ceterminttma nflo é verdadera. |De 3 e 4 per mo
|1| Temos livre-arbítrio se. e só se. algumas das coisas que
das totens)
acontecem dependem fundomentalmente da nossa
A premissa 1 segue-se da definlç&o de determinismo pás a vontade.
determinismo implica que o passado e as leis da natureza lm- |2| Ainda que o determinismo seja verdadeiro e nâo exis
picam em caca instante um única futuro passível Ora, coma
tam possibilidades aiternatrvas. algumas das coisas que
nflo podemos alterar o passado, nem as leis ca natureza, acontecem dependem fundomentalmente ca nossa
nflo podemos alterar nada daqulo pje se segue necessaria vontade (tal como demonstram os casos de Frankfurt!
mente dos mesmos e, por conseguinte, caso a determinismo
|3) Logo, ainda que o ceternwilsma seja verdadeiro e nfla
seja verdadeiro, nfio temos posslb idades alternativas
existam passibilldnces alternativas, temos irvre-arbitno.
A premissa 2 jusbfta-se com base na intuição de que se
Lma pessoa n&o podia ter agido de outro moda, dDclimente A premissa 1 corresponde apenas a una ceflnçflo de b-
senbmas que esta agu par sua livre e espontânea vortade. vre-artxtrio
Soluçõe»
Para Justificar a premissa 2 os compatiblistas contempo i^je efeflvamente tem, seja falso que o agente podia ter
râneos. como Harry Frankíurt tentam imaginar situações agido de outro modo. Temos n Ilusão de que somos livres
em que apesar de nâo haver posstxlldaoes art em ativas, o pois conhecemos os nossos desejos e as nossas açOes,
agente age de sua livre e espontânea vontade Estes casos mas ignoramos as causas que os determinam
ficaram conhecidos como casos de Frankfurt. Num tpico
• Atacar o compatlblltsmo contemporâneo defendendo
caso de Frankfurt existe uma circunstancia, C, tal que:
que mesmo nos casos de Frankfurt o agente tem possi-
1. Um agente, A, toma uma determinada decisão, D; bikdades art em ativas, a saber: decidir por s* mesmo, ou
2 Se A nflo deodir D por sl mesmo C entra em aç-flo e nflo decidir por si mesmo e ser forçado peia circunstância
• Atacar o com patlblllsmo clássico defendendo que a aná nal, como fazem os canpatiblistas clássicos, ou através
lise condicional é falsa. Para Isso, poder-se-m apresentar dos casas de Frankfurt, como fazem os compab&Hstas
sejos diferentes, podia ter agido de outro modo, embora, • Afirmar que o irvre-artxtno nõo sõ ê compatível com o de
visto Qje o agente nflo poderia ter desejos diferentes da terminismo como pressupõe que este é verdadeiro, pois
queles que efebvamente tem, seja falso que o agente po uma açôo genuinamente Indeterminada ou incausada se
dia ter agido de outro modo Temos a Ilusão de que somos ria aleatóna, fruto do acaso e, por conseguinte (visto c^je
livres pois conhecemos os nossos desejos e as nossas nflo controlamos o acasol nflo seria fcvre.
ações. mas Ignoramos as causas que as determinam.
Opção de resposta B |2| Se, aíem das nossas preferências pessoais e subjetivas,
■ Atacar o compatlblllsmo clássico, defendendo que a anali houvesse Lm domínio de factos morais ao qual pudésse
se condicional é falsa. Para Isso poder-se-la apresentar um mos apelar, então tais desacordos nflo teriam lugar.
caso em que e verdade que se o agente tivesse desejos |3i Logo, nflo ha um domino de factos morais além das nos
diferentes, pod a ter agido de outro modo embora, visto sas preferências pessoais e subjetivas (De 1 e 2, por modüs
que o agente nAo podena ter desejos diferentes daqueles
I
tafflens)
305
Filoiofia
Soluções
tor do texto afirma qje «As opiniões éticas nflo podem ser reger-nos pelas nossas preferênaas e permitir que cada
objetivamente verdadeiras ou falsas*. De acordo com o texto, ut vtva de acordo com as suas.
o objetrvismo ê falso porque nBo existe LTa realidade moral
O relativlsmo cultural caracteriza-se por defender que os
objetiva a que os juízos morais possam corresponder ou nflo
Juízos morais nAo sAo objetlvamente verdadeiros ou falsos,
corresponder.
pois reportam ãs preferências coletivas de caca socieda
de. ou mais propriamente ao conjunto de normas que esta
Grupo III ríamos dispostos a acordar a respeito dessas preferênaas.
|1| Ha juízos morais que sflo Justificáveis de um ponto de {3) Logo, nBo ha uma verdade moral objetrva, pois a ver
vista imparcial {exemplo: a excisAo é Incorreta). dade dos Juzos morais e sempre relattva a cultura ou
ao grupo social orde estes sBo formulados mais pro
|2| Se ha Juzos morais que sBo Justificáveis de um ponto
de vista imparcial, então há juízos morais objetivamen priamente, ao consinto de ror mas que estes estAo na
disposição de acordar. (De 1 e 2. por modUs ponena)
te verdadeiros
Saluçõe»
Pãg. Uft Assim, Kant considera, por exemplo, que temos o dever per
feito de nflo fazer falsas promessas para resolver problemas
Grupo I pessoais.
307
Filoiofia
Soluções
• Por fim, resta-me acrescentar que Mil defende que a açõo Grupo I
correta é aquela que mais promove o bem-estar agrega
do, Isto é, aquela que corresponde a ltt maior total de
1. B 2. A 3. B 4. C 5. D ó. A 7. B 8. B 9. A 10. €
bem-estar depois de descontar a dor ã soma do prazer
de todos os envolvidos Mas, nesse caso, LTa nç5o que Grupo II
resiJlasse numa sociedade com ltt grande número de 1. Ao propor a posição original, John Rawls pretende uma sl-
Indrviduos que vtvessem vidas que quase nôo merecem
tuaçfio de impa rei a feda de para se escolherem os pnncpios da
ser vividas seria preferrvel a uma sociedade com poucos
Justiça. Isto porque Rarwls pressupõe que as perspetrvas que
Indrviduos ainda que tivessem vidas com elevadas ní
as pessoas têm da Justiça sAo mutas vezes parciais. Isto é, tipi
veis de bem-estar o que é simplesmente absurdo
camente as pessoas Já sabem as «cartas» sociais que bveram
e, por Isso nAo conseguem ser Imparciais quanto a escolha
dos pnncpios da justiça. o que origina um desacorda quanto a
Opção ãe resposta B
esses prinapios. Ora para garantir uma imparcialidade e para
• Penso que a teona morai de MUI é preferrvel a ébca kan se chegar a um acordo Quanto aos princípios dajusbça temos
tiana, oos esta Líllma enfrenta sérias objeções
de imaginar a posição onginal Rar outras palavras, temos de
• Em pnmeiro lugar, uma vez que uma mesma açfio pode imaginar uma situação em que as pessoas estão cobertas por
estar associada a varias máximas dferentes e algumas um «véu de ignorância» que nao lhes permrte aperceberem-se
dessas maximas podem levar-nos n classificar essa açflo das suas peculiaridades individuais e da sua poslçAo socai.
como moralmente correta, ao passo qje outras podem Devido a essa ignorância, as pessoas nflo sabem ser parciais
levar-nos a classrflcaJa como moralmente errada. Assim a seu favor e, dessa forma, veem-se obrigadas a agir Impar-
sendo se nâo tivermos imt procedimento preciso que nas cialmente na escolha dos princípios da justiça
permita determinar em cada casa qual dessas máximas 2. Podemos caracterizar os princípios da Justiça de Ra^s da
motivou efetivamente a açAo, nfla estaremos nunca em segunte forma: o pnmeiro pnncplo, designado como «princi
condições de fazer uma avalIaçBo conclusiva da mesma pio da liberdade igual», sustenta que a sociedade deve asse
gurar a maxima Iberdade para cada pessoa, compatível com
• Alem cèsso, Kant ciz-nos que temos alguns deveres ab-
uma liberdade Igual para todos os outros. Este principio tem
sokitos Isto significa que nunca é permtssivel fazer o que
prioridade sobre o seguido. Quanto ao segundo qje se sub
estes deveres proibem |por exemplo, matar intencional
divide no «principio da oportundade justa» e no «principio da
mente pessoas inocentes, roubar, enganar, etc | No entan
diferença», sustenta-se que pcce haver desigualdades econó
to, esses deveres pocem entrar em conflito (por exemplo,
micas que poderr funcionar como um sistema de meentrvos.
posso ter de menbr para evitar ter de matar). Mas se esses
deveres sAo absolutos, somos condjzidos a um conflito Contudo, tais desigualdades só sBo acertáveis se respeitarem,
cumulatrvamente, o pnncpla ca oportunidade Justa e o princi
Irresolúvel, pois nAo temos nenhuma forma de os hlerar-
pio da diferença De acorda com a pnnapio da oporturidade
quzar e de estabelecer uma prioridade entre eles.
Justa deve promover-se a igualdade de oportundades, Isto é,
todos devem ter condições para aceder a diferentes funções as escolhas dos princípios dajusbça sBo realizadas de forma
e posições - sendo, para Isso, necessário que o Estado ga egoísta e tendo em conta apenas Interesses pessoais, sendo
ranta o acesso de todos â educação, ã cultiva e aos cuidados assim moraimente cegas No entanto, para Sandel a avalla-
de saúde, por exemplo Por fim, de acordo com o prinapco da çAo dos princípios da Justiça é uma escolha morai que Implica
diferença, a distrlbuçao da riqueza e co rendimento na socie conhecer os laços comunitários e pensar em comunidade a
dade deve ser igual, a menos que as desigualdades tragam Ideia de bem comum
benefícios para todos, e, em especial, se beneficiarem os mais
desfavorecidos. Grupo III
3. No argumento do equiibrlo refletido, Rawls recorre aos
1. Em principio, a teoria da Justiça de John Ravils veria com
conceitos de lotaria soaal e natural para justificar o pnnapio
bons olhos a medica proposta, pois esta teona considera que
da oportunidade justa e o pnnciplo ca diferença Por um laca,
devemos maximizar as condições daqueles que estAo á par
a lotaria social tem n ver com o facto de as pessoas nascerem
tida, em pior srtuaçAo (regra moximv?) Isto slgnflca que se far
em contextos socloeconómlcos multo diferentes e, dessa for
necessária uma desigualdade para melhorar as condições de
ma, algumas pessoas ficarem impedidas de aceder a certas
todas as pessoas, em especial para tornar as condições dos
funções e cargos por falta de oportunidade de educaçAo e
mais desfavorecidos melhores do que seriam de outra forma,
cultLra. Mas como essas circunstâncias em que uma pessoa
esta deve ser permitida Assim, para Rawls as desigualdades
nasce sBo maraimente arbitrárias (porque a pessoa nAo tem
na distrlbLiçBo da nqueza ser A o aceitáveis na medida em r^ie,
responsabilidade por tsso). é preciso retificar tal lotaria pelo
nAo viola naa o principio da ipjaldade de liberdades, sejam a
principio da oporturedade Justa Por outro lado, a lotana na-
consequènaa de uma efetiva igualdade de oportunidades e
tiMal esta relaconada com os dotes natixals |como ter boas
resultem em benefícios para fadas, em especial para as mais
capacidades cognitivas ou deficiências mentais) que acabam
desfavorecidos.
por gerar diferentes remunerações no mercado Mas como
Ora, a medida proposta implicaria uma espécie de penallza-
tais dotes naturais sBo moralmente arbitrários (c a d o pje nBo
çAo para as empresas com grandes discrepâncias salariais,
sarnas responsáveis por eles), e precisa retificar essa lotaria
Impedirão que estas pudessem usufruir de determinados be
com o pnnopío da diferença
nefícios fiscais, mas essa diferença seria aceitável porque nBo
4. A regra moximin é um principia de escolha a aplicar em violaria o pnncplo da igualdade de liberdade, estana acessí
situações de ignorância A Ideia principal éque se as pessoas vel a qualquer empresa mma sltuaçAo de efetrva igualdade
nAo sabem quais os resultados pje podem obterão nível dos de oportunidades e resultaria em benefícios para todos, em
bens socais primários, d ac o que estAo cobertas por um «véu especial para os mais desfavorecidos, ou seja, aqueles que
de Ignorância». eentAo é racional Jogar pelo seguro e escolher auferem salános mais baixos Portanto a cistrtxilçAo desigual
como se o pior nes fosse acontecer Com Pase em tal re de benefícios fiscais proposta no texto seda considerada lep-
gra, as pessoas escolheriamos princípios da Justiça de Ravils, tima pela teoria da justiça de Johr Rawls
porque ao seguir essa regra as pessoas olham apenas para
2. Em principio, lt llbertarista, como Robert Nozlck, tena sé
os mais desfavorecidos, querendo oferecer-lhes as melhores
rias reservas em relaçAo ã medida oroposta, pois esta assenta
condições possíveis. Isso Implica axsegwar iguats liberdades
no principio da diferença, e os llbertanstas como Nozick, ten
(principio 1) e oportunidades para todos (principio 2a) e que
dem a rejeitar esse principio.
a redlstribuiçBo do rendimento e ca rlpjeza deve ser feita
De acordo com os llbertarlstas, o principio da diferença repre
â lui deste objetivo Iprlnciplo 2b) AJêm disso, ao segurem
senta uma conceçAo padronizada da justiça, segundo a qual a
a regra rncrxM, as pessoas nAo escolheriam um principia
propriedade deve ser distribuída para que os mats desfavore
utlbfarlsta (de acordo com o qual devemos maximizar a bem-
cidos fiquem o melhor possrvet Contudo, uma vez atribuído o
-estar global), uma vez que nAo assegura garantias mínimas
rendmento e a riqueza ãs pessoas segundo o principio da d-
para ninguém Seguindo o utilitarismo, poderiam existir gran
ferença, algLmas irA o gastar esses recLrsos e outras oPterflo
des desigualdades: é possível pensar que um conjunto de mais, e, deste modo a sociedade acabará por se afastar do
Indivíduos veja as suas liberdades sacrificadas |por exemplo,
principio da diferença. Portanto algumas ações kvres (trocas,
através da escravatura) para gerar um maior total de bem-
ofertas ou apostas) acabarAo por c^iebraro pacrAo distributivo
-estar. Contudo, segunda a regra nxzxjmv? nAo se permite o
previsto no prncpio da diferença e, por conseguinte, o Estada
sacrifício das liberdades Paslcas, nem da igualdade equitativa tera de intervir novamente através de meios, como a cobrança
de oportunidades eca distrlbuçBo de acordo com o principio
de impostos, no sentido de redistribuir a propriedade e repor
da diferença.
o padrflo inicial.
5. Ror um lado Nozlck ataca diretamente o principio da dife Isto significa que, para se concretizar o padrAo do principio da
rença proposto por Rawls A Ideia central é que nAo se pode diferença, o Estado bra a alguns Indviduos (sem o seu con
sustentar de forma consistente e simultânea o principio da sentimento) parte daqulo que possuem legrtlmamente para
llberdace e o principio da diferença. Ou seja, para se manter beneficiar os mas desfavorecidos
o principia da diferença tera de se violar a liberdade indivi Forém, de acordo com Nozlck. esta redlstnbulçAo mterfen-
dual e os direitos de propriedade (tal como Ilustra a expe rá consideravelmente com a lOerdade e os direitos de pro
riência mental de Wllt ChamPerlain). Far outro lado Sandel priedade, o que impbcarâ uma Interferência permanente do
nAo esta a criticar urr principio da justiça especifico (tal como Estado nas nossas liberdades e direitos fundamentais, o que
faz Nozickl, mas sim n criticar toda a metodologia que Rawls Nozlck considera eticamente inaceitável. Para Nozick. <a tribu
conceüe para procurar os princípios da justiça. De acordo tação cos rendimentos do trabalho é equiparável ao trabalho
com Sarvdei. na posIçAo original, com o véu de ignoranaa, forçado*.
Filoiofia
Soluções
3. Eu concordo com a perspetiva de Rawls. Na mnha opnlflo, existência das coisas materiais, anterlormente posta em cau
urr-a vez que a sociedade consiste num sistema de cooperação sa adquire um novo grau de plausibikdade, porque Deus nâo
e vantagem mútua entre cc-adflos Itvres e ipuas, a Aistiça social nos tena criado de modo a que estivéssemos permanente
só pode ser alcançada se os valores sooais — como a liberdade, mente a representar como existentes coisas que nflo passam
a oportunidade, o rendimento e a riqueza - estrverem igualmen- de fantasias Peio contrário, trataria de nos cnar de modo a
te dlstribudos oj se uma distribUçAo desigual dos mesmos re- que a nossa mente recebesse do corpo as sensações adequa
sUtar em beneficio de todos Só assim podemos evrtar que as das para que esta pudesse conhecer a realidade
pessoas fiquem totalmente retens de cordiçôes que nflo depen 2.2 Os cnticos tém-se baseado nesta passagem para acusar
dem de si, como o seu estatuto sodoeconõmlco e os seus talen Descartes de cometer uma petição de prnaplo isto é. de estar
tos ou PcncOcDpj naturais. Assim, para alcançar a justiça e paz a argumentar de forma vi oo semente circular pois está a assumir
social devemos procurar pmcipios que garantam que tocos tém ã partida aqjllo qje preterde ver demonstrado na conclus-Bo
acesso às mesmas liberdades Nndamentals e r^ie partem de Isto acontece porque conforme Descartes afirma no texto <aqu-
urra situaçAo de equdade, compensando o rrpacto negativo lo mesmo que ha pouco tomei como regra isto é, que sBo Intei-
que a lotaria social e a lotaria natural podem ter nas suas vidas. ramente verdadeiras as coisas que concebemos muito dara e
distntamente, só é certo porqje Deus é ou existe, e porque ê um
8 Análise comparativa de duas teorias explicativas do ser perfeito e tuco o qje existe dele nos vem». Oj seja, antes de
conhecimento estarmos certos de que Deus existe nflo podemos estar certos
das nossas delas claras e distintas, mas só podemos demonstrar
Pâg. 198
a sua existência racxxd nanoo a parir de celas claras e dtstntas
310
Soluçõe»
Grupo II
Opção ãe resposta B
1. A afirmação mais falsrtlcavel é a k>), enquanto a menos falsl-
• Defender o empirismo
Concordo, pois como Hume afirma, toco o conhecimento ficavel é a a| Isto porque a proposição b) é mats Informativa,
tem mais contejdo empírico, do que a a) Deste modo b| tem
humano pode ser reduzido a dois tipos: relações de ideias
um grau de falslflcabllldade mats elevado Isto é, corre maiores
e questões de facto.
riscos de ser refutada peia experiência. iPor exemplo, a obser-
As relações de Ideias correspondem ao tipo de conhe
vaçBo de um pedaço de ferro que nflo dilatasse ao ser aque
cimento que pode ser obtido apenas mediante a analise
do significado dos concertos envolvdos numa proposi cido refutaria a proposição b|, mas nflo refutaria n a) Quanto
ção Por exemplo para saber que a propo&çBo «Nenhum à frase c)r uma vez que se trata de uma tautologia (verdade
lógica), nflo ê falsrficavel
solteiro é casado» e verdadeira, basta saber o significada
dos conceitos de «casado» e de «solteiro» Trata-se de 2.1 De acordo com o IndutMsmo, a ciência começa com a ob-
LTa verdade necessária, pois a sua negaçBo - «AJgurn servaçBo. Contudo, neste texto podemos constatar que Popper
solteiro é casado» — rroica uma contradição nos ter crlbca essa ideia De acorda com Popper, a observaçBoja está
mos Este tipo de conhecimento e característico de áreas contaminada por algLm tipo de teoria ou hipótese de partida,
como a ma tema bc a, a geometria e a lógica, e é um bom «a observaçBo é sempre seletiva*. Assim, a observação só faz
exemplo daqulo que antertormente designamos por «co sentido se for orientada por aígum ponto de vista ou expecta
nhecimento o tiva anterior ou prévia.
As questões ce facto correspondem ao tipo de conheci 2.2 De acordo com Popper, a observação no método cientifico
mento que so pode ser oOtldo dlretamente através das im tom lugar depois da forrmriaçao de hipóteses, ou conjetixas,
pressões (ou seja, através da experiência^ e que nos forne servindo para as testar, através do método da falsificação |ou
ce Informação verdadeira acerca do mundo Por exemplo, seja, da tentativa de encontrar contraexemplos|. Dessa forma,
■A neve é branca» ê LTa quest&o de fado, pois para se sa os cientistas tentam observar casos incompatíveis com as teo
ber que a neve e branca e preciso ter experiência ca neve rias e as suas previsões. Ao contrario dos indubvistas, a ob-
e da sua cor. Na o existe nada nos concertas de «neve» servaçflo nao é o ponto de partida, mas ê essenoal para pôr
e de «brancura» que tome a proposição «A neve nflo é a prova as teorias ao procurar observar casos contrários que
branca* uma contradlçflo nos termos. Este tpo ce conhe as falsrfiqueT
cimento é característico das ciências da natureza (como a
3.1 O problema filosófico abordado por Popper neste texto é o
fislca por exemplo) e ê um bom exemplo daqulo qje an-
problema ca cemarcaçBa, através do qual se pergunta o que
terlormente designamos por «conhecimento oposfroon»
distingue uma teoria cientifica de uma teoria nao cientifica. Por
Ora, apenas o conhecimento sobre questões de facto
outras palavras, qual ê o cnfêrlo que distingue clénoa e nao
nos pode fornecer informações acerca do mundo, pois as
ciência?
relações de ideias, embora expressem verdades neces
sárias, referem-se apenas às relações entre o significado 3.2 A resposta de Popper para o problema da cemarcaçflo foi
das Ideias envotvidas, mas nada dizem acerca do qje o crtténo falsrflcaclonlsta. Esse cnfêrlo dlz-nas que uma teoria
existe |é verdade que «Nenhum solteiro e casado», mas ê cientifica só se for falsiflcável, ou seja, só se ela se expuser
a criticas no sentido de se deixar refutar No caso concreto da
Isso nâo nos diz se existem solteiros, ou nflo). Contudo,
astrologa, que se aborda no excerto, constatamos que nflo é
como foi dito o conhecimento sobre questões de facto
nflo pode ser obtido a pnon, portanto, nflo ha conheci falsrtlcavel precisamente porqje e multo vaga ou imprecisa.
mento o pnon acerca do mundo. Por Isso, «pouco ou nada interessante é saber se a astrologia
foi mutas vezes ou poucas vezes verificada», pois, tendo em
conta a sua vagueza e imprecisão é possível que qualquer
observação concebível concorde com a teoria, tomando-se
Opção ãe resposta C
Impossrvel qualquer tentativa de refutação Ora se a teoria é
■ Defender o ceticismo Irrefutável, nflo e cientifica.
Concordo, pois nflo existe pjaiquer tipo de conhecimento
4.1 Kuhn concorda que os cientistas sequem critérios objeti
acerca do mundo seja aprtarf ou nfto Isto porque todas as
vos de avallaçflo de teorias AJIãs. ele sustenta que há critérios
crenças se justificam com base noutras crenças. Assim sen
objetivos, tars como a exatldBo, consistência. simptKklade,
do, de caca vez que tentamos Justificar uma crença carnos
alcance, feciMididade No entanto, para Kuhn esses critérios
numa regressão mflnrta da justificação Ora, se cada vez
nflo sflo suficientes para as decisões dos cientistas, havendo
que tentamos Justificar uma crença caímos hltí regressflo
outros fatores (subjetrvosl que determinam as suas escolhas.
irfinrta da justfficaçõo, então nao temos crenças Justificadas.
4.2 De acordo com Kutri, há cntérlos subjetivos, ta como o con
Como so tomos conhecimento se tivermos crenças justifi
cadas podemos concluir que nAo temos conhecimento. texto hlstónco, a própna personakdace dos cientistas e o am
biente social ou economico (como haver ou nflo fira rd emento
I 311
Filoiofia
Soluções
destinado a determinado tipo de investlgaçfla), que influen Contudo Collingwood nflo encara a poesia apenas como um
ciam n escolha de teorias Por exemplo, um dentista pode pre meio para produzir certas emoções no auditório Se assim fos
ferir urna teoria por estar de acordo com o que aprendeu ou se, um poema que nAo conseguisse produzir essas emoções
porque acredita que ira ser a teoria preferida pela maior parte sena necessariamente mau. O que nAo se verrtlca. Portanto,
dos cientistas e estes fatores são elementos nAo otajebvos que Colingwooo nAo encara um poema como lft meia para um
estão a influenciar as decisões dos cientistas determinada fim.
Além disso um poeta pode compor um poema sem ter um
plano predeflnldo Este pode simplesmente Ir juntando certas
Grupo III
sequências de palavras na sua mente até alcançar a forma
1. Em pnmelro lugar e preciso esclarecer qual é a ideia que
fina do poema
esta subjacente a este texto de Kuhn Quando Kuhn afirma que Por fim, resta acrescentar que na poesia nAo ha nada que
<por exercerem a sua profissão em mundos diferentes, dois
possa ser considerado uma matéria-prima propriamente dita.
grupos de cientistas veem coisas diferentes quando olham de
A matéria-prima ê algo a que um artífice tem acesso antes de
um mesmo ponto de vista na mesma direçfla», «mundos dife
produzir lt artefacto e do qual seleciona a porção que vai
rentes* refere-se a diferentes paradigmas, ou seja diferentes utilizar para transformar no produto final. Ora, nflo se pode
visões de mundo e de fazer ciência Desse modo, toda esta dizer que na poesia exista algo de semelhante Nem as pa
frase está a refenr-se a tese da incomensurabllidade isto é,
lavras nem as emoções são a matéria-prima a partir da qual
refere-se a ideia de que os paradigmas não podem ser com
se faz um poema Em primeiro lugar, parque nAo faz sentido
paráveis entre si, dado que nflo têm pontos em comum Ipois
dizer que o poeta bnha todas as palavras que conhece pre
têm conceitos, ferramentas e metodologias diferentesl.
sentes na sua mente e que selecionou de entre todas elas a
Em defesa da ideia da Incomensurabllidade dos paradigmas: porção que iria utilizar para converter num poema Em segun
do lugar parque se as emoções fossem uma matéria-prima,
Se os paradigmas fossem comparáveis ou comensuráveis,
propriamente dita, entAo um carpinteiro podena fazer uma
nflo haveria grandes diferenças entre eles para poderem ser
mesa a partir das suas emoções, mas na verdade sem uma
comparados objebvamente. Mas existem de facto grandes
matéria-prima, propriamente drta — madeira, neste caso —, o
diferenças dado que cada paradigma tem os seus próprios
carpinteiro (ao contráno do poeta) vé-se impossibilitado de
conceitos, ferramentas, metodologias, os seus prophas pro
exercer o seu afeio.
blemas e os seus próprios procedimentos para observar o
mundo. Assim, pode conclur-se que os paradigmas nflo são 2. As propriedades essenciais da arte são aquelas caracte
comparáveis, ou seja, sflo incomensuráveis. rísticas que as obras de arte, e só as obras de arte tém em
Em discordância da Ideia da incomensurabllidade dos comum, ou seja, sflo condções simultaneamente necessárias
e suflaentes para a arte.
paradigmas:
Ora, segundo Bell, nem a representação nem a expressAo são
Mutas vezes um rovo paradigma resoíve as anorraias do seu
propriedades essenciais da arte porque há obras com conteú
antecessor Podemos verificar isso, por exemplo com a teona
do representaaonal ou expressivo que nflo são obras de arte
heliocêntnca de Copernco, que permitia explicar os mesmos fe
|o que mostra que nem a representação nem a expressflo são
nómenos observados a luz da teona geocêntrica mas de modo
condições suficientes para a artel e ha obras de arte sem con
mais simples, exato e eficaz. Ora, se é verdade que as novas
teúdo representaaonal ou expressrvo |o que mostra que nem
teorias e paradigmas permitem fazer previsões mas rigorosas e
a representação nem a expressão sAo condições necessárias
exatas do que as teonas do passado ao corrigirem as anomalias
para a arte).
das anteriores, entAo é falso que os paradigmas sôo incomensu
Em pnmelro lugar Bei considera que algumas obras, na medi
ráveis. Pois, estamos precisamente a fazer uma comparação ea
da em que se preocupam mais com a representação au com
sustentar que um paradigma é melhor ao que outra.
a expressflo do que com a forma, acabam par nflo conseguir
desligar o espetador das emoções da vda e, por Isso reve-
10. A cfimanMO estética lam-se incapazes de provocar uma genuna emoção estética.
As emoções da vida sflo emoções que sentimos perante acon
Mg. 153
tecimentos pessoas, objetos e situações do nosso quotidiano
Grupo I e nAo a emoção que sentimos perante a mera contemplação
de certas estruturas formais Assim, apesar do seu conteúdo
1. B 2. D 3. D 4 A 5. D 6. A 7. A fi. D 9. C 10. A
representativo ou expressivo, estas obras nAo tém forma slg-
nrtlcante e, por conseguinte, nflo são arte.
Grupo II AJém disso, Bell considera que quer o conteúdo representa-
cional quer o conteúdo expressivo nflo são necessários para a
1. Nflo. Segundo Collingwood Lm oficia é uma atividade na
arte, pos a arte primitiva, por exempla. nAo tem essas preocu
qual uma matéria-prima é transformada através ae una de
pações e ainda assim tem o estatuto de arte.
terminada técnica (suscetível de ser aprendidal num produto
previamente concetxdo, como acontece, por exempla, na car- 3. Sim, porque de acordo com a teoria institucional da arte
plntana, na serralharia e na sapatada. Ora, a poesia nflo é um algo é una obra de arte no sentido classfflcativo se, e só se,
ortao. porque se assim fosse, o poeta seria uma espécie de isso é um artefacto que possu um conjunto de características
artífice que teria como propósito utilizar una Cada matérla- ao c^jal fo atnbuido o estatuto de candidato a apreciação por
-prtma - as palavras - para prodjzir um determinado produto uma ou varias pessoas que atuam em nome de determinada
final preconce&do — certos estados mentais no seu público. Instituçãd social o mundo oa arte Por sua vez. uma obra de
312
Soluções
da definição de arte: Em que circunstâncias podemos dizer dições necessárias para aço ser arte.
que algo é arte? Podes optar por uma das seguntes alternati • Alem disso, uma vez que ha obras com conteúdo repre
vas de resposta: sentativo ou expressivo que nBo sBo obras de arte Icorno
acontece por exemplo, com a pintura descritiva ou narra-
bva|, nem a representação nem a expressAo sBo condi
• Defender e teoria expresslvlsta - isto é, defender que ■ Defender a teoria institucional da arte - Isto é, defender
algo é arte se. e só se. é expressa o Imaginativa de emo que algo é LTa obra de arte no senbdo dasslflcabva se, e
ções - e afirmar que a obra de Francis Atys nfio pode ser só se, algo é um -artefacto que posslb um consinta de ca-
considerada uma obra de arte, pos nBo corresponde ã ractensticas ao qual foi -atribudo o estatuto de candidato ã
expressBa maginatrva de emoções apreciação por uma ou várias pessoas que atuam em nome
de determinada InstrtuçBo social: o mundo ca arte — e sus
■ Para sustentar n tua posição podes começar por mostrar tentar que a obra de Franos A)ys poce leçíbmarrente ser
que a arte nBo é um oficio, apelando ao facto de este considerada uma verdadeira obra de arte, uma vez que fal
úttimo conslsbr numa atividade na qual lt a matéria-pri apresentada como candidato ã apreoaçBo, no contexto da
ma é transformada através de uma determinada técnica Bienal de Veneza, por um representante co mundo da arte.
Isuscetrvel de ser aprendida) num produto prevlamente
* Para justificar a tua posçBo podes sustentar que ha
concebido, ao passo que o mesmo nflo se venflca na arte.
obras de arte com uma forma Indtstinpjivei de objetas
• Em seguida, podes acrescentar que a arte envolve emo comuns do quobdlano, o que mostra pje aquilo que é
ções e que se se limitasse a provocar certas emoções es relevante para o seu estatuto enquanto abras de arte
pecificas de acordo com ltt piano preconcebido, então a nflo sBo as propriedades intrínsecas e manifestas dos
arte seria um oficio. mesmos (como as suas propriedades formais ou suas
funções onçinacs). mas sim as suas propriedades extrín
• Assim, resta assumir que a arte e expressfio de emoções.
secas e relacionais (como a propriedade ao es1afuto|.
>
313
Filoiofia
Soluções
314
Soluçõe»
Porém. como crítica a essa suposição de Pascal, pode asslna- Grupo III
lar-se que nflo temos um controlo voluntário ou livre sobre as
1.1 A imposição dessa restrição sobre as i&erdades Individuais
nossas crenças em geral No excerto apresentado, sugere-se
dos serhorlos Mo é aceitável na teoria ca Justiça de Robert
que Ma podemos escolher livremente as nossas crenças Ou
Nozlck porque isso Implica uma Interferência ilegibma do Es
seja, ainda que nos oferecessem «um mllhBo de dólares» para
tado na propriedade co Indivíduo De acordo com Nozlck, ha
passar a acreditar que a popjlaçõo dos Estados Unidos supe
apenas um principio da Justiça fundamental: a liberdade para
ra n da China. Mo depende de nós acreditar em tal coisa. Ou
possuir e transferir a propriedade legrtlmamente adquinda
seja, nAo temos um controlo voluntário direto sobre as nossas
Ora, a noticia revela uma vlolaçBo deste principio, daco que
crenças, sendo que o mesmo ocorre com a crença religiosa.
Impede os senhorios de utilizarem as suas propriedades como
Isto é, acreditar em Deus nfio è algo que deperca de lto
bem entenderem.
«escolha» ou de uma vontade.
1.2 Rara Mlchaet San d ei esta resthçAo sobre as liberdades
Individuais dos senhonos poceria ser acertãvel na medida
315
Filoiofia
Soluções
Hl (-P—QJ
Opção de resposta B
(3| O
Ao cantrãno do autor defendo a tese Incompabblista, dado
que se analisarmos os concertos de livre-arbitrio e de deter 131 ."-"'F
minismo podemos constatar que eles sBa inconsistentes. Esta formalização permrte construir a seguinte inspetor de or-
Pas se o determlnsma for verdadeiro, tudo o que aconte
ce llnclundo as nossas ações) é consequência do passado
e das leis da natureza, mas se e assim então ha apenas um
único futuro possível e nflo ha varias alternativas reaimente
disponíveis para a nossa escolha, o que significa qje nflo
temos livre-arbitno. Por isso, se o determinismo for verda
deiro, nao somas livres.
Grupa III
>
316
Soluções
Grupo V
Opção de resposta A
Na minha opInMo, Descartes conseguiu alcançar o objetivo
n que se propôs.
Descartes leva a dúvida aa extremo, imaginando que mes
mo as verdades aparentemente mais evidentes da geome
tria e da aritmética podem ser falsas pais o nosso intelecto
poce estar n ser manpulado par urr génio maligno multo
poderoso e perverso que se diverte a fazer-nos acreditar
I
em falsidades.
317
Filoiofia
Soluções
|2| *4ho ê verdace que Biçuma coisa seja boa pelo motrvo de os 1. Um ubirtarlsta como Stuart Mill drla que Ttuman agiu bem,
deuses a desejarem e que o bem seja algo arbitrário. pois segundo o principio ébco fundamental do utiktarlsmo, o
|3i Logo, o bem nfla deperde da vontade dos deuses. principio da maior felicidade uma açao e correta se, e só se, é
aquela, de entre as alternativas disponíveis, que mais promove
2. a felicidade total Ora, nestas arcunstáncias lançar n bomba
Dicionário: atómica fo o ato que, comparando todas as atternabvas, pro
P = O bem depende da vontade dos deuses duziu o maior bem-estar agregado. Repare-se que a situação
alternativa, a de nao lançar a bomba, tena pores consequên
Q = A guria coisa é boa pelo mobrvo de os deuses a desejarem.
cias. uma vez pje geraria um estado de coisas com menor fdl-
R = O bem é algo arbitrário cldace geral (dado que haveria mais perdasl do que a situação
nal, na outra temos a negação da consequente e, por fim, na 3. Kant e Mill têm pontos de vista diferentes sobre esta ques
conclusão temos a negaçBo da antecedente. Assim, esse e um tão Por um Lado, Kant diria que existem deveres morais ab
exemplo da fõrmUa argumentativa “'B.. “A. solutos, porque a aplicaçao do imperativo categórico resulta
nim conjunto de restrições deontológicas fundamentais, isto
Grupo III é, atos que nunca podemos intenaonalmente realizar |como,
por exemplo, matar, menbr, roubar, etc.|. Estas obrigações sao
1. Ateona representaciorista da arte estabelece que algo só è
absolutas, pois devem ser respeitadas em todas as circims-
arte se for uma representação. Contudo, obras como a Fonte
tánclas Por outro lado, Mill diria que nao existem tais deveres
ou outro reod/macte nfio representam rada Bas sao objetos
absolutos uma vez que a correção moral das ações está ape
do quotidiano utilizados no contexto do mundo da arte
nas dependente das suas consequências Por isso, devemos
2. De acordo com a teoria histórica ca arte: Algo é ima obra sempre promover o maior total de felicidade e nao existem
de arte se. e só se, alguém com direitos de propriedade sobre restrições na persecução desse fim
318
Soluçõe»
Grupo V
Opção de resposta C
1.
Detendo pue o -sta de Rosa Parks embora nAo seja objetiva
Opção de resposta A mente certo nem eirado - visto que nflo existe uma realida
de moral objetiva a que as Juzos morais possam correspon
Defendo que o ato de Rosa Partes é objetivamente carreta
der ou nflo corresponder - fo um ato moralmente errada
Para Isso, apoo-me no objetlvsmo. O oCjetrvIsmo carac-
pcxs vbí contra aquilo que era defendido pela saciedade
teriza-se pela ideia de que um juízo moral e correio quan
do Independentemente de gostas e de convenções, tem da época. Para sustentar esta posicflo Irei apoiar-me no re-
as melhores razões do seu lada. A favor desta perspetiva lativtsmo cultural. O relabvsmo cultural caractenza-se par
poce apresentar-se o seguinte argumento: defender que os Juzos morais Mo sflo objebvamente ver
|1| Há juízos morais que sflo justificáveis de um ponta de dadeiros ou falsas, pois reportam-se ás preferências coleb-
vsta rrparclal {exemplo: a segregação racial é errada) vas de cada saciedade ou mais propriamente ao conjunto
de normas que estaríamos dispostos a acordar a respeito
|2| Se hã Jlizos morais que sAo Justificáveis de um ponto dessas preferênaas. A favor cesta perspetiva poce apre
de vsta imparcial, entflo hajuiios morais objebvamente sentar-se o seguinte argumento:
ve*dade *os
|1| Culturas diferentes têm córtgos morais diferentes.
|3| Logo, ha ajizõs morais objebvamente verdadeiros.
|2| Se culturas diferentes têm códigos rnorats diferentes,
Isto significa que para os objebwstas, as avaliações morais enfao nflo ha uma verdade moral objetiva pois a verda
têm de ser justificadas de lt modo que seja aceltavel para de das juízos morais é sempre relativa á cultura ou gru
qualquer indivídua racional, seja qual for a sua sociedade po social onde estes sflo formUados, mais propriamen
Ora, uma vez que a segregação racial nfto parece ser rr- te a LiT conjunta de normas que os respebvos membros
parclalmente defensável, podemos considerar que essa estão na dlsposlçflo de acordar.
prabca e digna de condenaç-So onde quer que ocorra.
{3) Logo, nflo há uma vercade moral otjetrva pois a ver
dade aos juízos morais é sempre relativa a cultura ou
ao grupo soaal onde estes sflo formulados, mais pro
Opção de resposta B priamente ao conjunto de normas que estes estflo na
disposição de acordar. (De 1 e 2, por modtzs po.rçens|
Defendo que o ato de Rosa Parks nAo é objebvamente
certo nem errado, pois, lt-s vez pue nflo existe uma rea Ora, LTa vez que as noções de certo e errado sflo sem
lidade moral objebva a que os juízos morais possam cor pre relabvas a cada cultura, nflo existe ut paerõo ciJtural
responder ou na a corresponder, os juízos morais na o sfla neutro ao c^jal possamos apelar para c empar ar e avaliar as
objebvamente verdadeiros ou falsos. Para sustentar esta diferentes cultixas Assim sendo, por multo estranhas que
posição, apolo-me no subjetivismo certas praticas possam parecer aos olhos da nossa cultura
— como acontece, por exemplo, com a segregaç-flo racial
O subjebvismo caracteriza-se por defender que os juízos
nos transportes públicos —, devemos tolerá-las soO o pres
morais se reportam às preferências pessoais de cada Inct-
suposto de que as práticas comuns na nossa sociedade
viduo e, por conseguinte. a sua verdade ou falsidade nflo ê
devem parecer igualmente estranhas quando avaliadas do
independente de qualquer perspetiva, mas, peio contraria,
ponto de vista de outras culturas.
é sempre relativa á perspetiva de cada um. A favor desta
perspetiva poce apresentar-se o seguinte argumento
I 319
exame
Nesta coleção digital:
Bom estudo.
www.exame.leyaeducacao.com
ipYà
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