Robert Alexy - Conceito e Validade Do Direito
Robert Alexy - Conceito e Validade Do Direito
Robert Alexy - Conceito e Validade Do Direito
CONCEITO E VALIDADE
DO DIREITO
L
0 tema central deste livro e a relacdo entre direito e mo
0 positivism° juridic° afirma que ambos devem ser
separados e que as definicOes tanto do conceito quanto
validade do direito devem ser isentas de moral. Robert
Alexy tenta mostrar que essa tese é incorreta. Existem
conexoes conceitualmente necessarias entre direito e moral
e existem razOes norrnativas para que as definicees de
direito e de validade do direito incluam elementos morais.
Por isso, o positivismo juridico fracassaria como teoria
abrangente do direito.
A analise termina corn a proposta de uma definicao do
conceito de direito que retine de forma sistematica os
elementos da legalidade conforrne o ordenamento, da
eficacia social e da correcao material.
ISBN 978
I1
9 7 B8
wtnfmartinsfontes
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CONCEITO E VALIDADE
DO DIREITO
Robert Alexy
Organiza0o
ERNESTO GARZÓN VALDÉS, HARTMUT KLIEMT,
LOTHAR KUHLEN E RUTH ZIMMERLING
Traduláo
GERCÉLIA BATISTA DE OLIVEIRA MENDES
Reviso da tradulao
KARJNA JANNINI
WMfmartinsfontes
SAO PAULO 2011
Esta obra foi publicada originalmente em alemdo corn o Brut°
BEGRIFF UND GELTUNG DES RECHTS, 2° EDICAO, 2005
por Verlag Karl Alber, Freiburg in Breisgau
Robert Alexy, Begrifi und Geltung des Rechts © Verlag Karl Alber, Freiburg im Breisgau.
"A traductio desta obra foi apoiada pelo Goethe-Institut, financiado pelo
Ministerio d.as Relacdes Exteriores da Alemanha."
edicao 2009
2t tiragem 2011
Traducao
GERCELIA BATISTA DE OLIVEIRA MENDES
Revisit) da traducao
Karina Jammu
Acompanhamento editorial
Luzia Aparecida dos Santos
Revisoes graficas
Andrea Stahel M. da Silva
loam Aparecida Martins Cazarim
Producio grafica
Geraldo Alves
Paginacio/Fotolitos
Studio 3 Desenvolinmente Editorial
Alexy, Robert
Conceito e validade do direito / Robert Alexy ; Organiza-
cio Ernesto Garzon let all. ; traducao Gercelia Ba-
tista de Oliveira Mendes. -Sao Paulo : Editora WMF Martins
Fontes, 2009. - (Biblioteca juridica WMF)
09-06338 CDU-340.12
Indices para catalogo sistematico:
1. Concerto e validade do direito 340.12
Capítulo 1
O problema do positivismo jurídico
Capítulo 2
O conceito de direito
1. A INJUSTWA LEGAL
2. A FORMAcA0 DO DIREITO
8. BVerfGE 34, 269 (286 s.). Corn efeito, cm decisoes ulteriores, relativas
a formacao judicial do direito, muitas vezes o Tribunal Constitucional Federal
mostrou-se mais moderado ao manifestar-se contra o enunciado da lei, mas
manteve sua admissibilidade fundamental; cf. BVerfGE 35, 263 (278 ss.); 37, 67
(81); 38, 386 (396 s.); 49, 304 (318 ss.); 65, 182 (190 ss.); 71, 354 (362 s.); 82, 6
(11 ss.).
O PROBLEMA DO POSITIVISMO JURÍDICO 11
mos do art. 100, § 1 da Lei Fundamental, mediante o
controle concreto de normas, teriam de recuperar uma
decisáo do Tribunal Constitucional sobre a constitucio-
nalidade do § 253 do BGB". A legitimidade dessa objeáo
depende, por um lado, da pertinéncia ou no da inter-
preta0o náo positivista da cláusula "lei e direito" do art.
20, § 3 da Lei Fundamental, e, por outro, de como deve
ser definida a relnáo entre esse dispositivo e o art. 100,
§ 1 do mesmo diploma, caso aquela interpretaqáo seja
correta. Aqui interessa somente o primeiro aspecto. A
frase: "O direito náo é idéntico á totalidade das leis es-
critas" conserva sua importáncia mesmo guando as de-
cisóes contra legem sáo consideradas inadmissíveis cm
geral, em virtude do processo previsto no sistema jurídi-
co alemáo pelo art. 100, § 1 da Lei Fundamental. O pro-
blema da decisáo contra legem apresenta-se em todo sis-
tema jurídico. Porém nem todo sistema jurídico conhe-
ce um processo de controle concreto de normas, da forma
como ele é previsto pelo art. 100, § 1 da Lei Fundamen-
tal. Mais importante ainda é o fato de a releváncia dessa
frase ir além do ámbito das decisóes contra legem, alcan-
ando todos os casos duvidosos. Existirá um caso duvi-
doso, por exemplo, guando a lei a ser aplicada for impre-
cisa e as regras da metodologia jurídica náo levarem ne-
cessariamente de modo exato a um resultado. Quem
identifica o direito com a lei escrita, ou seja, quem defen-
8. Ibid., p. 89.
9. Ibid., pp. 86 s.
10. Ibid., p.221.
22 CONCEIT° E VALIDADE DO DIREITO
1. A TESE DA SEPARAcA0
E A TESE DA VINCULAcA0
18. Poder-se-ja pensar num terceiro grupo, qual seja, o dos argumentos
empíricos. Todavia, observando-se mais atentamente, fica demonstrado que
os argumentos empíricos, em se tratando da definigáo do conceito de direito,
seja no sentido da tese da separagáo, seja naquele da tese da vinculagáo, tor-
nam-se parte integrante de argumentos analíticos ou normativos. É urna tese
empírica a que afirma que um sistema jurídico que no protege nem a vida,
nem a liberdade, nem a propriedade de um sujeito de direito qualquer no
tem perspectiva alguma de vigencia permanente. Mas a protegáo da vida, da
liberdade e da propriedade também é uma exigénc-ia moral. POrtanto, pode-se
dizer que o cumprimento de determinadas exigéncias morais mínimas é fac-
ticamente necessário para a vigéncia permanente de um sistema jurídico. O
argumento empírico conduz exatamente até esse ponto, e no além. Para lan-
gar a ponte até o conceito de direito, é preciso inseri-lo num argumento ana-
lítico que diga que, por raz5es conceituais, apenas os sistemas que tém urna
vigéncia permanente sáo sistemas jurídicos. Por outro lado, a insergáo num
argumento normativo acontece, por exemplo, guando, para determinada de-
finigáo de direito, apresenta-se como argumento a tese empírica de que de-
terminados objetivos, como a sobrevivéncia, só podem ser alcangados guan-
do o direito produz determinados conteúdos juntamente com a premissa nor-
mativa de que esse objetivo deve ser alcangado.
26 CONCEIT° E VALIDADE DO DIREITO
2. UM QUADRO CONCEITUAL
2.5 Combinacoes
3. A PERSPECTIVA DO OBSERVADOR
29. Cf. R. Dreier, 1991, p. 99. Outras designal5es sáo: argumento da ti-
rania, argumento da lex corrupta, argumento da perversáo e argumento do to-
talitarismo.
34 CONCEITO E VALIDADE DO DIREITO
mente duradoura" (Kelsen, 1960, pp. 49 s.), mas no como elemento moral
necessário do conceito de direito.
41. Nesse caso, Kelsen nem sequer falaria em "bando de saqueadores",
já que, devido á ausencia da proibkáo de violencia, os bandoleiros náo forma-
riam urna comunidade e, portant°, náo existida "bando" (Kelsen, 1960, p. 48).
40 CONCEIT° E VALIDADE DO DIRETTO
4. A PERSPECTIVA DO PARTICIPANTE
45. Nesse sentido, existe certa analog-ia corn o famoso exempt() de John
Langshaw Austin: "The cat is on the mat but I do not believe it is" (J. L. Aus-
tin, 1962, pp. 48 ss.; idem, 1970, pp. 63 ss.)
O CONCEITO DE DIREITO 47
te aqui é mais do que urna irregularidade social ou jurí-
dica'. O juiz incorre numa contradi áo performativa e,
nesse sentido, comete um erro conceitual. Com urna de-
cisáo judicial pretende-se sempre que o direito seja cor-
retamente aplicado, por menos que essa pretensáo seja
satisfeita. O conteúdo da senterm contradiz essa pre-
tensáo formulada com a execuáo do ato institucional da
condena0o.
Ambos os exernplos mostram que os participantes
de um sistema jurídico nos mais diversos níveis formu-
lam necessariamente urna pretensáo á corre0o. Se e na
medida cm que essa pretensáo tem implicnóes morais,
fica demonstrada a existencia de urna conexo concei-
tualmente necessária entre direito e moral.
Todavia, isso ainda náo comprova a tese da vincula-
•
"áo. Um positivista pode concordar com o argumento da
correáo e, ainda assim, insistir na tese da separnáo.
Para tanto, ele dispóe de duas estratégias. Primeiramen-
te, pode sustentar que o no cumprimento da pretensáo
á correáo ainda no acarreta a perda da qualidade jurí-
dica. A pretensáo á corre0o — abstraindo-se o caso-limi-
te do sistema normativo que no a formula cm nenhum
aspecto — fundamentaria, na melhor das hipóteses, urna
conexo qualificadora, mas náo classificadora. Por essa
razáo, a tese da separnáo — abstraindo-se o caso-limite
mencionado — no seria afetada pelo argumento da cor-
reQáo, ao menos no ao se basear numa conexáo classi-
ficadora. A segunda estratégia é escolhida guando se afir-
ma que a pretensáo á corre0o tem um conteúdo trivial
que náo inclui implicnóes morais, razáo pela qual eta
náo poderia levar a urna conexo conceitualmente ne-
46. De outra opiniáo é Neumann, 1986, pp. 68 ss., que, a esse respeito,
refere-se ao seguinte exemplo: "Em nome do po yo, o senhor N. é condenado
a dez anos de prisáo, embora náo existam boas razóes para tanto."
48 CONCEIT° E VALIDADE DO DIRETTO
50. Hart, 1971, pp. 45 s.; de modo semelhante, Hoerster, 1987, pp. 187 s.;
idem, 1986, pp. 2.481 s.
O CONCEITO DE DIREITO 53
tos morais. Por outro lado, há que se considerar, porém,
que clareza, no sentido de simplicidade, no é o único
objetivo de urna conceitua0o. A simplicidade no deve
existir 'á custa da adequnáo' l . Além disso, um concei-
to complexo também pode ser claro. Há poucos motivos
para temer que os juristas se confundam com a incluso
de elementos morais no conceito de direito'. Eles esto
acostumados a lidar com conceitos complicados. No que
diz respeito ao cidadáo, a falta de clareza no surge, cm
primeiro lugar, com a incluso de elementos morais no
conceito de direito. O cidadáo também pode se confun-
dir com a informnáo de que até mesmo a injustia extre-
ma é direito. A falta de clareza é criada muito mais pela
dificuldade de trnar, em muitos casos, urna linha divisó-
ria entre normas que s o extremamente injustas e nor-
mas que no o sáo. Mas isso no é um problema do ar-
gumento da clareza, e si m daquele da segurarna jurídi,
ca. No caso do argumento da clareza, trata-se apenas de
saber se elementos morais devem realmente ser incluí-
dos no conceito de direito.
Isso significa que o argumento da clareza apresenta-
do por Hart e por Hoerster náo tem em mira indetermi-
nnóes conceituais gerais. Trata-se, antes, de como um
confito entre direito e moral deve ser entendido do pon-
to de vista conceitual. Hart e Hoerster tampouco dese-
jam solucionar o conflito em caso de extrema injustiqa.
Segundo eles, o que o direito exige é urna coisa, e o que
a moral reclama é outra. A moral pode permitir ou exigir
que o jurista, como ser humano e cidadáo, negue obe-
diéncia ao direito. Contudo, aquilo a que se nega obedién-
cia continua sendo direito. Qualquer outra representnáo
p. 186.
61. Ibid.,
62. Kelsen, 1960, p. 71; no mesmo sentido, Hoerster, 1990, p. 32; cf. tam-
bem H. Dreier, 1991, p. 133.
O CONCEITO DE DIREITO 57
que um conceito no positivista de direito no pode de-
senvolver efeito algum contra a injustka legal. A segun-
da diz que um conceito náo positivista de direito com-
porta o risco de legitimar a injustka legal de forma acrí-
tica. A segunda tese vai mais longe e será examinada em
primeiro lugar.
Com efeito, o risco de urna legitimnáo acrítica exis-
tiria caso a tese no positivista da vinculnáo afirmasse
que urna norma só é jurídica se seu conteúdo é condi-
zente com a moral. É essa varináo da tese da vinculnáo
que Kelsen e Hoerster tém em mente guando formulam
a objeáo da legitimnáo acrítica. Assim, Kelsen fala da
"tese de que o direito, por sua esséncia, é morar', e, se-
gundo Hoerster, a tese da vincula0o diz: "Urna norma
só é legal guando é moral", o que, do ponto de vista ló-
gico, é equivalente á proposkáo: "Quando urna norma é
legal, ela é moral.' Se partirmos dessa versáo da tese da
vinculaqáo, que pode ser qualificada de "forte", todo ju-
rista que identificar urna norma corno sendo jurídica terá
de classificá-la, ao mesmo tempo, como moralmente
justificada. De fato, isso comportaria o risco de urna le-
gitimnáo acrítica do direito.
A obje0o da legitimnáo acrílica ignora, porém, que
um no positivista náo precisa defender a tese forte da
vincula0o, que contém o postulado de urna coincidén-
cia de conteúdo entre toda norma jurídica e a moral. A
fórmula de Radbruch diz expressamente "que o direito
positivo, assegurado por seu estatuto e por seu poder,
tem prioridade mesmo guando, do ponto de vista do
conteúdo, é injusto e no atende a urna finalidade"'. O
caráter jurídico só se lhe esvairá guando a contradkáo
78. Cf., por exemplo, Maus, 1989, p. 193: "0 argumento moral pode fa-
cilmente ser mal utilizado como substituto da democracia."
0 CONCEITO DE DIREITO 69
4.2.1.9. Concluscio
102. Gunther entende que a distinc5o entre regras e principios nao de-
veria ser interpretada como uma distincao entre dois tipos de normas, mas ex-
clusivamente como uma diferenciacao entre dois tipos de aplicacao de nor-
mas (Gunther, 1988, pp. 272 ss.). A isso ha que se objetar que um model° que
reproduz a distincao tanto no piano da norma quanto naquele da aplicacao e
mais rico. Ele pode explicar por que um determinado tipo de aplicacao aeon-
tece. De resto, nao se pode abrir m5o da distincao entre regras e principios,
porque somente corn ela e possfvel reconstruir adequadamente conceitos
como o da restricao de urn direito (cf. Alexy, 1985, pp. 249 ss.).
O CONCEITO DE DIREITO 89
corre0o. Como se expós acima, urna senterm judicial
formula necessariamente urna pretensáo á corre0o".
Em virtude da vinculnáo necessária com a sentenQa ju-
dicial, essa pretensáo é jurídica, e no meramente moral.
A essa pretensáo jurídica á corre0o corresponde o dever
jurídico de cumpri-la, náo importando em que consis-
tem as consequIncias jurídicas da infra0o desse dever.
A pretensáo á corre0o exige que, num caso duvidoso,
sempre que possível, se proceda a urna pondernáo e,
por conseguinte, a urna considera0o de principios. As-
sim, a pretensáo á correláo no necessariamente é satis-
feita guando um juiz, num caso duvidoso, entre duas de-
cisóes compatíveis com o material dotado de autoridade,
escolhe urna com a seguinte fundamenta0o: "Se eu ti-
vesse ponderado, teria chegado á outra decisáo, mas no
ponderei." Com isso, fica claro que cm todos os sistemas
jurídicos nos quais existem casos duvidosos, nos quais é
possível fazer urna pondernáo, exige-se juridicamente
que se fina urna pondernáo e, por conseguinte, urna
considernáo de principios. Isso significa que, por razóes
jurídicas, cm todos os sistemas jurídicos desse tipo os
princípios so elementos necessários do sistema jurídico.
Ao adversário do argumento dos princípios resta
urna última saída. Ele pode sustentar que é possível exis-
tir sistemas jurídicos nos quais nenhum caso é entendi-
do como duvidoso, de modo que urna ponderaáo náo é
pertinente cm caso algum. Como cm tais sistemas jurí-
dicos seria possível decidir sem considerar os princípios,
no se confirma a tese de que todos os sistemas jurídi-
cos contém necessariamente normas com a estrutura de
princípios. Do ponto de vista empírico, seria interessan-
104. Cf. Hart, 1961, p. 199: "The law of every modem state shows at a
thousand points the influence of both the accepted social morality and wider
moral ideals."
O CONCEITO DE DIREITO 93
tem-se em mente urna conexo necessária entre o di-
reito e a ou urna moral correta. Isso se aplicaria espe-
cialmente á perspectiva do participante. Na realidade,
essa objeqáo atingiria o no positivista se o argumen-
to dos princípios no conseguisse estabelecer urna co-
nexo necessária qualquer entre o direito e a moral cor-
reta. O fato de ele conseguir fazé-lo constitui o conteú-
do da tese da correffio. Esta última é o resultado de urna
aplicnáo do argumento da corre0o nos limites do argu-
mento dos princípios.
A tese da correáo no apresenta dificuldades guan-
do os principios do direito positivo tém um conteúdo que,
moralmente, é exigido ou, ao menos, admitido. Corno
exemplos podem servir os seis principios básicos da Lei
Fundamental, ou seja, os princípios da dignidade huma-
na, da liberdade, da igualdade, do estado de direito, da
democracia e do Estado social. Corno mandamentos de
otimiza0o, esses principios exigem sua mais ampla rea-
liznáo possível. Juntos, exigem a realiznáo aproximati-
va de um ideal jurídico, qual seja, o ideal do estado de di-
reito democrático e social'. Sendo esses princípios, ou
seus inúmeros subprincípios, pertinentes num caso du-
vidoso, o juiz estará juridicamente obrigado a proceder a
urna otimiza0o relacionada ao caso concreto. Trata-se,
aqui, de dar urna resposta a urna questáo jurídica, que,
por seu conteúdo, também é urna questáo de moral po-
lítica. Ao menos urna parte dos argumentos com os
quais o juiz fundamenta a concluso de sua pondernáo
tem, quanto a seu conteúdo, o caráter de argumentos mo-
rais. Disso resulta que a pretensáo á corre0o jurídica
necessariamente vinculada á decisáo inclui urna pre-
tensáo á corre0o moral. Nesse sentido, nos sistemas
1. Cf., por exemplo, Rottleuthner, 1981, pp. 91 ss.; Rohl, 1987, pp. 243 ss.
2. Cf. Rottleuthner, 1987, pp. 54 ss.
A VALIDADE DO DIREITO 103
normas jurídicas inclui o exercício de coa0o física, que,
nos sistemas jurídicos desenvolvidos, é a cono organi-
zada pelo Estado'.
nem o enunciado:
inferir o enunciado:
nao resulta:
(6') Sou obrigado a fazer aquilo que Pedro diz que sou
obrigado a fazer.
122 CONCEITO E VALIDADE DO DIREITO
1.5.1. Funlóes
1.5.2. Status
38. Cf. Kant, 1903, p. 373: "A palavra transcendental [...I náo significa
algo que ultrapassa toda experiéncia, e sim aquilo que, embora a anteceda (a
priori), destina-se apenas a tornar possível a recogniláo da experiéncia."
39. Kelsen, 1960, pp. 218, 224, 443.
40. Quanto ao fato de que, até mesmo para um sociólogo do direito, no
é aconselhável interpretar o direito como um sistema de meros fatos, cf. Rot-
tleuthner, 1981, pp. 31 ss., 91 SS.
41. Cf. R. Dreier, 1979, p. 95.
42. Kelsen, 1960, p. 224.
43. Cf. Paulson, 1990, pp. 173 as.
A VALIDADE DO DIREITO 131
44. Kant 1781/1787: A 24/B 38: "0 espaco é uma representacao neces-
saria a priori, que serve de fundamento a todas as percepcoes extemas"; A
31/B 46: "0 tempo 6 uma representacao necessaria que serve de fundamento
a todas as percepc5es."
45. Kelsen, 1960, pp. 206 s.
132 CONCEITO E VALIDADE DO DIREITO
46. Kelsen, 1964a, p. 119: "Expus toda a minha teoria da norma funda-
mental como urna norma que no é o sentido de um ato de vontade, mas que
é pressuposta no pensamento. Mas, infelizmente, senhores, devo reconhecer
que já no posso manter essa teoria e que deveria abandoná-la."
47. Kelsen, 1960, p. 206.
48. Idem, 1964b, p. 74.
49. 'bid., p. 70.
50. Kelsen, 1979, p. 207.
A VALIDADE DO DIREITO 133
ridades simuladas e normas fundamentais simuladas
que as autorizassem. A tese de Kelsen de que se trataria
de uma "verdadeira ficcao" e de que esta seria caracteri-
zada justamente pelo fato de ser contraditOria em si'' nao
soluciona o problema.
So sera possivel encontrar uma solucao se renunciar-
mos a ideia de que todo dever tem de ser atribulvel a urn
querer. Ha boas razoes para tanto. Na maioria das vezes,
urn dever esta conectado a urn querer, mas tambem exis-
te dever sem querer. Assim, baseando-se em considera-
cOes de justica ou equidade, uma pessoa pode chegar a
concepcao de que é moralmente obrigada a nao sonegar
impostos, mas, ao mesmo tempo, continuar querendo
sonega-los, agindo assim contra sua compreensao do que
moralmente devido. A recognicao de um dever nao
esti necessariamente vinculada a urn ato de vontade
prOprio nem a urn ato de vontade alheio'. Se isso estiver
correto, a ideia de que a norma fundamental e uma nor-
ma meramente pensada nao apresenta dificuldades.
Urn segundo problema e o do carater normativo ou
prescritivo de uma norma fundamental pensada. Kelsen
formula a norma fundamental pensada de modo que,
segundo ela, algo deve ser feito: "Devemos nos compor-
tar como a constituicao prescreve."" Esse e urn lado da
questa°. 0 outro é que, para Kelsen, a ciencia do direito,
quando reconhece o direito baseando-se nessa norma
fundamental, nada prescreve: "Ela nao prescreve que de-
vemos obedecer as ordens do legislador constitucional."54
Como e possiVel que um cientista do direito, por urn
51.Ibid., p. 206.
52. A base dessa tese 6 constitufda pelo conceito semantic° de norma.
A esse respeito, cf. Alexy, 1985, pp. 42 ss.
53. Kelsen, 1960, p. 204.
54.Ibid., 208.
134 CONCEITO I VALI/MD[1 DO DiREM)
"0 que urn povo nao pode decidir sobre si mesmo, tarn-
pouco pode o legislador decidir sobre o povo."'
p. 21. "Se urn superior human° determinado, que nao tenha o habi-
to de obedecer a urn superior semelhante a si, recebe a obediencia
habitual da major parte de determinada sociedade, esse superior
determinado é soberano nessa sociedade
p. 116. "Sempre notei que os autores, seguindo por certo tempo a via
ordinária de raciocinio, estabelecem que existe um Deus ou fazem
observal5es sobre os assuntos humanos; mas, de repente, cm lugar
de encontrar a habitual justaposkáo das proposiOes 'é'e 'náo é', sur-
preendo-me por constatar que todas as proposic5es passam a estar
vinculadas a um `deve' ou 'náo deve'. Essa mudarlo, conquanto
imperceptível, tem consequéncias de capital importáncia. Urna vez
que o 'deve' ou 'náo deve' expressa urna nova relnáo ou afirrnaláo, é
necessário que esta seja observada e explicada; ao mesmo tempo, é
necessario que se apresentem raz5es para algo que parece absoluta-
mente inconcebível: que esta nova relaláo seja deduzida de outras
que so completamente diferentes dela."
pp. 146. "E lei o que a Coroa decreta por meio do Parlamento."
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