Savigny, Friedrich Karl Von. Metodologia Jurídica PDF

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M E T O D O L O G I A JURÍDICA
N° de Registro:. liiiiaiaiMiiitiiiiiMii

Data de Entrada:
FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY

Metodologia Jurídica

Tradução
HEBE A . M . CALETTI MARENCO
Copyright by Friedrich Karl von Savigny

Tradução para o português


Hebe A. M. Caletd Matenco

Adequação lingüística
Regina Célia de Carvalho Paschoal Lima

Projeto Editorial
Katia Verginia Pansani

Copidesque e Capa
Ana Teresa Murgel de Castro Santos

Catalogação na fonte do Departamento Nacional do Livro

S267m

Savigny, Friedrich Karl von, 1779-1861.


Metodologia jurídica / Friedrich Karl von Savigny;
tradução do alemão para o espanhol J. J. Santa-Pinter,
tradução para o português Hebe A- M. Caletti Marenco;
adequação lingüística Regina Célia de Carvalho Paschoal
Lima. - Campinas, SP : Edicamp, 2001.

112 pp.; 11,5x21 cm.

ISBN 85-88513-06-4

1. Direito - Metodologia. 2. Pesquisa jurídica -


Metodologia. I. Título.

C D D 340.1

[2004] .

T o d o s os direitos desta t r a d u ç ã o r e s e r v a d o s à
edicamp - Editora e Distribuidora Campinas
Rua Presidente Wenceslau, 141 - J d . F l a m b o y a n t
13090-510 - C a m p i n a s - São Paulo - Brasil ,
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[email protected]
SUMÁRIO

PREFÁCIO ix
INTRODUÇÃO xv

Primeira Parte
APRESENTAÇÃO DAS NORMAS DE ELABORAÇÃO
ABSOLUTA DA CIÊNCIA DO DIREITO

Elaboração filológica da jurisprudência 8


Conceito e tarefa da interpretação 8
Princípios fundamentais para a interpretação
em geral 15
História da interpretação 22
Glosadores 22
Comentadores . 22
Humanistas franceses 23
Holandeses 24
Escola alemã 25

Elaboração histórica da jurisprudência .... 28


Vinculação histórica 29
Separação histórica 30
Erro dospenalistas 31
Erro dos civilistas 31
A jurisprudência como ciência auxiliar para
outras ciências 33
A política 33
A história .. 33

Elaboração sistemática da jurisprudência.... 34


Críticas dos intentos realizados até o presen-
te 34
Primeiro caso — desenvolvimento dos concei-
tos 37
Segundo caso — ordenamento dos princípios do
direito 39
Da interpretatio extensiva e restritiva 40
Aplicação desta crítica geral da interpretação ex-
tensiva e restritiva à crítica de escritos pe-
nais particulares 51
Influência da filosofia na jurisprudência 53

Segunda Parte
METODOLOGIA DO ESTUDO LITERÁRIO
DA JURISPRUDÊNCIA

Observações preliminares a respeito da leitura


crítica e histórica 57
Aplicação das regras indicadas em partes espe- .
ciais do estudo jurídico 60
Indicação detalhada de uma biblioteca jurí-
dica 64
Direito civil 65
Direito penal 78

Terceira Parte
METODOLOGIA DO ESTUDO
ACADÊMICO DO JURÍDICO

Plano do curso jurídico acadêmico ..'. 88


O estudo da jurisprudência segundo o estado
atual das universidades 89
Os meios auxiliares 90
Estudo dasfontes : 90
Utilização imediata das dissertações acadêmicas.... 91
\

1
\
I

PREFÁCIO

A hermenêutica é tida, nos dias atuais,


como técnica da interpretação. A.o intérprete cria-
tivo, não basta a abstração normativa, todavia fa^-se
necessária a fecundidade hermenêutica, que conduzirá
invevitavelmente à concretização prática do Direito (Pau-
lo Lopo Saraiva). I
Aristóteles ensinava que as palavras são
sinais das afeições da alma, que são as mesmas para
todos e constituem as imagens dos objetos que são idênti-
cos para todos'.
Boécio compreendia como interpretação
qualquer termo que significa alguma coisa por si mesmo.
Por muito tempo, pensou-se que o pro-
cesso interpretativo emanava da alma ou da men-
te. Peirce, apesar do ranço da antiga doutrina,
conseguiu perceber que esse processo não era
fruto, puro e simples, da mente humana, mas
um hábito de ação: é a resposta que o intérpre-
te; habitualmente, oferece ao signo (teoria da
semiótica de Morris).
Friedrich Karl von Savigny (1779-1861),
na Alemanha, notava que a lei, antes de ser uma
criação arbitrária do legislador, resultado de sua
ix
m ã o , deveria refletir o desenvolvimento histó-
rico do povo, porque, na medida em que as con-
dições da vida social se alteram, deve a lei se
adaptar às novas condições. Esclarecia, ainda, que
se quiséssemos saber qual o sujeito por quem e
para quem era elaborado o direito posto, perce-
beríamos que era o povo (Giorgio Balladore
Pallieri e José Tavares in http://www.dji.com.br/
dicionário/escola_ historica_do_direito.htm.
Pelos idos de 1814, Savigny preocupa-
va-se com o significado literal da lei: interpretar
era determinar o sentido expresso na norma. E
assim que, em Metodologia Jurídica, fruto de- aüla
ministrada cujo objetivo foi o simples registro
de suas palavras, Savigny firma quatro técnicas
de interpretação ainda hoje respeitadas:
I
a) a.gramatical;
b) a lógica;
c) a sistemática; e,
d) a histórica.

Vinte e cinco anos depois, Savigny, ro-


manista, civilista, afirmava ser puramente histó-
rica a função da hermenêutica jurídica e acabou
ignorando a significativa necessidade do liame
entre passado e presente, como escreve Rodrigo
Andreotti Musetti in http:// www.direito.adv.br/
artigos/Herm.Jur.Ambiental.htm.
Para que a justiça seja possível, é neces-
sário mais que a técnica simples do ato de inter-
pretar, mas a consciência de que interpretar é
um ato de serviço, pois a lei deve existir para
X . , , •
ívSiwn?tejBáVíSísr;:
servir o homem e não para escravizá-lo (Tomás
de Aquino in Rodrigo Andreotti Musetti).
Não se deve resumir, a interpretação, à
expressão perversa utilizada até os nossos dias:
"Encontrai alguma brecha" ou "Feita a lei, cui-
dada a malícia", pois que a norma não é perfeita
e sempre permitirá alguma interpretação funes-
ta, a fim de privilegiar alguns poucos e esquecer
de outros tantos, isto enquanto existir a pré-dis-
posição ao egoísmo.
Cabe à: pessoa humana, que possui o
poder de dizer'o conteúdo legal ao caso concre-
to, dar manutenção do bem repudiado e não
conceder a satisfação de grupos ou de interes-
ses individuais de alguns tantos descompromis-
sados com o sentido de justiça ou mesmo com
o sentido do bem comum.
Já é velho o discurso de que boa é a lei,
quando executada com retidão. Isto é: boa será, em ha-
vendo no executor a virtude, que no legislador não ha-
via. Porque só a moderação, a inteireza e a eqüidade, no
aplicar das más leis, as poderiam, em certa medida
escoimar de impureza, dureza e maldade, que encerra-
ram (Rui Barbosa).
Porém, mais do qüe responsabilizar o
magistrado, pela aplicação da norma, faz-se ne-
cessária uma conscientização de que o Direito
não é uma arma de manipulação social, política
ou econômica, mas uma fonte de harmonização
da convivência humana. Sem esta diretriz, con-
tinuará nosso judiciário sendo conduzido ao caos
. e a descrença do poder será inevitável, como já
vem se 'acentuando desde as fortes críticas nos
xi
idos que antecederam a revolução de 1964 até
os nossos dias.
Não há como suportar uma justiça atra-
sada, é preciso trabalhar por uma justiça preven-
tiva e isso é um processo que deve ser implanta-
do, administrado e efetivado por anos incansá-
veis. Utopia ou não, é só desta maneira, a meu
ver, que nos aproximaremos da verdadeira de-
mocracia e justiça social.
Nesse sentido não poderia existir melhor
caminho à reflexão senão uma das mais absor-
ventes tragicomédias do século XVII: 0 Merca-
dor de Veneza.
Além da intrigante capacidade de captar
as mais diversas manifestações da psique huma-
na, Shakespeare faz uma crítica à lei e os mean-
dros que ela permite pela sua própria natureza
imperfeita.
Uma trama em que Shylock e Antônio
travam uma disputa de dignidade e vida. Shylock,
o rico judeu, de natureza avara e rancorosa,
espelha a imbecilidade, e desenha a trajetória a
que estes sentimentos podem conduzir o ho-
mem; fechados os olhos à dignidade, usufruin-
do da lei e de tudo o que está à mão, de forma á
satisfazer seus próprios desejos.
Antônio é o bom mercador, enlaçado, e
ameaçado legalmente de morte, embora num ato.
de profunda ilegitimidade.
Num acordo imprudente, Antônio assu-
me por meio de uma letra, uma dívida em que
declara que, em determinado dia e lugar, se a
•importância não for paga, ele dará direito, a
x/V
Shylock, de uma libra de carne que do seu cor-
po será cortada onde, à época, escolher o malé-
fico credor.
O infeliz Antônio é coberto por tristes
acontecimentos, posto que suas embarcações
naufragaram e toda sua riqueza estava ali depo-
sitada, perdida, então, nas profundezas dos ocea-
nos. Pobre Antônio! Tornou-se a presa perfeita
de Shylock, pois que, apesar dos inúmeros pe-
didos, do próprio devedor e de outras persona-
gens importantes da política romana, não pode
ser resgatada a letra impertinente que ululava nas
mãos do judeu pronta para ser cumprida à ris-
ca. Nada o impedia da sua vingança nem tam-
pouco o montante da dívida multiplicado. Que-
ria o pedaço de carne prometido e haveria de
obtê-lo, em nome da justiça!
Shylock reclamava, ao doge, a aplicação
da lei, a pena justa cominada na letra vencida.
Muitos amigos pleiteavam à favor da
verdadeira justiça, suplicavam para que a lei, uma
única vez, ao menos, fosse torcida em seu senti-
do pelo doge. Afinal, conceder-se-ia uma injus-
tiça pequena em troca de uma grande justiça.
(Como- se a justiça-assim pudesse ser medida!)
Nada poderia impedir aquele absurdo,
haja vista que realizar tal concessão significaria
a completa desordem social. Um precedente des-
ta natureza serviria para estabelecer a mais pro-
funda insegurança no próprio sistema.
Diante de tanta aflição, o doge conce-
deu o cumprimento da lei: que fosse retirado do
mercador "uma libra de carne", apenas, e ne-
xüi
nhuma gota de sangue sequer! Conforme dis-
punha o texto constante da letra e que aquela
Corte fazia cumprir. ' • • '
Mas como cortar a carne sem verter o .
sangue? Como cortá-la na justa medida de uma
libra?
Sem pretensão de uma análise literária
ou filosófica, clamamos somente pela simplici-
dade. Não há razão para dificultar palavras ou
sentidos; há, sim, apenas o bom senso e o an-
seio de que se cumpra o que se propôs a fazer:
a justiça.
A lei não pretende ser perfeita, ela espe-
ra apenas ser cumprida por homens imperfei-
tos, mas dispostos a realizar o justo, à favor da boa
convivência, hoje e amanhã, em sociedade. E, •
como já se afirmou, melhor que esperar uma
justa interpretação é prevenir a doença da
incompreensão e da intolerância.
As leis não criam um clima. O Direito efetivo
é uma resultante concreta da moral (José Irigenieros
in O Homem Medíocre).

Campinas (SP), 13.11.2001


A Editora
INTRODUÇÃO

Uma vez que o êxito dos trabalhos eru-


ditos não depende somente do talento, isto é,
do grau da força espiritual do indivíduo, nem
da aplicação, ou seja, de certo uso dessa força,
deve existir também um terceiro fator do qual
dependa .em grande medida o método, a dire-
ção de. tal força. Cada um tem um método, mas
em poucos tem-se tornado uma consciência e
um sistema. Porém, o método é elevado a sistè-
má pelo fato de que uma ciência é estruturada
'em coriformidade com as leis inerentes à sua
natureza ou em conformidade com um ideal
desta. Só a contemplação dela nos conduzirá a
um método correto. Como podemos, então, atin-
gir o ideal de uma ciência? Um meio auxiliar ge-
ral é a história da literatura, pois dela surge o
estudo literário, e com isso, um método geral e
um juízo sobre o indivíduo particular. Se consi-
derarmos, por exemplo, a carreira científica de
um jurista, conheceremos o seu método e, por
conseguinte, provavelmente um método possí-
XV
vel. Se compararmos este com a ciência, pode-
remos julgar também o método dele. A história
da literatura sempre nos leva, então, a um méto-
do e seu julgamento.
Porém, também podemos e devemos
pensar em escolas e períodos de cada ciência.
Disto resultará um método geral de todos os
eruditos de uma determinada época. Devemos
elaborar esses períodos também do ponto de
vista da história da literatura. Por meio de mui-
tas comparações, poderá ser estabelecido o ca-
ráter dos métodos de então. Toda a história da
literatura nada mais é que a história do método,
cada uma depende da outra, e uma deve ser acla-
rada pela outra.
O objetivo destas aúlás consiste em
pesquisar o estudo da nossa ciência, para poder
aproveitar as caraterísticas dos eruditos particu-
lares.
O que é melhor? Ter em conta os júris-
tas antigos ou os modernos? Cada um deles
apresenta uma vantagem. Não se encontra mais
a erudição fundamental geral na elaboração da
jurisprudência que existia anteriormente, pois,
mesmo que em todo método exista, além do as-
pecto individual, algo da época, também assim,
na jurisprudência, muito se deve à época e vice-,
versa. Se tomarmos em consideração os erudi-,
tos modernos, poderemos observar melhor e
mais diretamente algumas coisas. Por esta razãò,
nestas aulas, tomaremos mais em consideração
aqueles que cultivam nossa ciência, sem excluir
.completamente os antigos.
XVI
Como deve, então, ser elaborada a ciên-
cia do Direito? Pode-se pensar em:

• uma elaboração absoluta não volta-


da ao eventual meio auxiliar da lite-
• • ratura, um sistema puro como fun-
damento; e
• • voltada a ditos meios auxiliares.

As normas de uma elaboração científica


absoluta devem ser procuradas em outro méto-
do. Por isto, começaremos por este método ab-
soluto. Mas nele devem se estabelecer normas
para relacionar os eventuais meios auxiliares com
a elaboração -absoluta. Então, é proposto o se-
guinte problema: de que maneira devem ser uti-
lizados os escritos elaborados no marco de nos-
sa ciência, e como aproveitar a leitura com res-
peito às normas absolutas? Finalmente deverá
ser estabelecido como fazer uso de um novo
meio auxiliar, o estudo acadêmico, com relação
ao estudo absoluto da jurisprudência.
Assim sendo, a metodologia jurídica .
compreende três partes:

• metodologia absoluta;
• metodologia do estudo literário da
jurisprudência;
• metodologia do estudo acadêmico.

As caraterísticas literárias devem ser in-


corporadas à primeira parte Elas nos mostram
as normas da elaboração perene da jurisprudên-
xvii
cia, seja positiva ou negativa: positiva, se seguiu
um método correto; negativa, se elaborou a ciên-
cia de modo incorreto ou inverso.

xviii
Primeira Parte

APRESENTAÇÃO DAS NORMAS DE ELABORAÇÃO


ABSOLUTA DA CIÊNCIA DO DIREITO

Se considerarmos, historicamente, o Es-


tado como um ser que age, poderemos imagi-
nar, em separado, certas categorias dé ditas situa-
ções, a legislação entre elas, isto é, poderemos
pensar o Estado como legislador. O objetivo da
ciência jurídica é, por conseguinte, apresentar
historicamente as funções legislativas de um Es-
tado. Porém encontramos que a legislação real é
dupla, porque:

• estabelece os direitos que o Estado


quer garantir para os cidadãos par-
ticulares: o direito privado ou civil;
• refere-se às disposições que ele es-
tabelece para proteger as leis: o di-
. reito penal.

Assim, existem duas partes principais da


jurisprudência: a ciência do direito privado e a
do direito penal. Mas o direito público - a apre-
sentação sistemática da constituição do Estado
2 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

- não pode ser enquadrado no conceito da ju-


risprudência, pois o direito público supõe o Es-
tado só existente, enquanto a ciência legislativa
o concebe como autuante. Ambos entrelaçam-
se, mas não podem ser compreendidos sob o mes-
mo conceito. Porém, não é com isto que se nega
o grande interesse no estudo do direito público.
Agora grande parte do direito público, deve ser
tratada de maneira similar ao direito privado. Por
exemplo, uma propriedade tem jurisdição, do
mesmo modo que qualquer outro direito priva-
do, porque em todos os Estados modernos exis-
te uma relação que é mais antiga qúe nosso di-
reito público: a constituição feudal. O direito pú-
blico dos tempos antigos era mais puro.
Por conseguinte, a função legislativa é
dupla: legislação de direito privado e legislação
de direito penal. Porém, as normas da elabora-
ção devem ser deduzidas daquilo que é comum
às duas: os princípios fundamentais. Eles são:
• a ciência legislativa é histórica;
• a ciência legislativa é filosófica;
• a ciência legislativa.é histórica e fi-
losófica.
A ciência legislativa é uma ciência histórica. A
necessidade do próprio Estado; radica em que
deve existir algo entre os indivíduos que limite
o domínio da arbitrariedade de uns contra os ou-
tros. O Estado faz isso por si mesmo, por. ser
um fenômeno entre os indivíduos, porém isso é
• feito diretamente pela função legislativa. O grau
*de limitação do indivíduo deveria ser indepen-
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 3

dente da arbitrariedade do outro, e um terceiro


deveria decidir até onde poderia chegar a limi-
tação. Porém, desde que haja um grande espaço
para a arbitrariedade do terceiro, melhor seria
que existisse algo totalmente objetivo, algo to-
talmente independente e afastado de toda con-
vicção individual: a lei. Ela deveria, então, ser
completamente objetiva conforme a sua finali-
dade original, ou seja, tão perfeita que quem a
aplicasse não teria que adicionar nada de si pró-
prio. Denomina-se saber histórico, todo saber
de algo objetivamente dado. Por conseguinte, to-
do o caráter da ciência legislativa deve ser histó-
rico, isto novamente implica que deve ser:

a) histórico no próprio sentido, e


b)- filológico.
A respeito de a — por enquanto, deve-
mos adiar a discussão.
A respeito de b - novamente, este prin-
cípio deve ser inferido da natureza da coisa. A
existência livre e a independência do indivíduo
com respeito à vontade de outros devem ser de-
fendidas necessariamente em todo Estado.
Existe a seguinte alternativa: ou é desig-
nado um árbitro para os prováveis litígios entre
os indivíduos, ou, melhor, existe algo totalmen-
te exterior, que não depende de arbitrariedade
alguma: a lei. Isto é, a lei civil, no que tange à
determinação da ação do indivíduo, ou a lei pe-
nal, no que se refere à garantia de dita ação. Desta
forma, não é a arbitrariedade do juiz a que toma
a decisão, mas a própria lei. O juiz apenas reco-
4 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

nhece as normas e as aplica no caso particular.


Estas normas estão estabelecidas pela ciência do
direito. Por isso, o juiz, além'da função em co-
mum com o jurista, tem mais outra. Uma vez
que a lei foi estabelecida para excluir toda arbi-
trariedade, a única ação e a única tarefa do juiz é
uma interpretação puramente lógica.
Isto está incluso na expressão: a jurispru-
dência é uma ciência puramente filológica.
Será que, desde o início, este princípio
foi reconhecido como certo?
Na nova ciência legislativa, além da teo-
ria legal, encontramos um sistema de prática,
que freqüentemente se opõe a ela e, por conse-
guinte, origina duas classes de juristas: os teóri-
c o s e os práticos. A causa desta cisão foi a indi-
ferença que manifestou o poder legislativo a res-
peito da legislação, na maioria dos Estados mo-
dernos. Os juizes consideravam que tinham jus-
tificativas para mudar a antiga legislação porque
muitas situações novas não concordavam com
aquela, e porque o poder legislativo não exer-
cia suas faculdades. Isto é muito significativo na
Alemanha, especialmente no direito penal, país
no qual, em períodos anteriores, foi permitido
que a prática existisse tranqüilamente junto à teo-
ria, e só nestes últimos tempos foi muito ataca-
da. JThibault, Breit %ur Kritik der Feuerbachschen
Theoríe des peinlichen Kechtes (Contribuições à crí-
tica da teoria feuerbachiana do direito penal),
p. 98].
Em outros Estados, desconhecem-se
estas disputas, especialmente na Inglaterra, ondé
—iipiiiiimuiiwimiii, w • * * — ' - w s w m n

METODOLOGIA JURÍDICA 5

impera, especialmente no direito penal, a apli-


cação literal da lei, e onde nunca se chegou a
uma interpretação lógica correta. Faz tempo
que lá foi estabelecido o jurado que pesquisa o
fato.
Por meio destes casos, bem como pelas
novas instituições, na França, comprova-se que
nosso princípio é fatível.
A ciência legislativa ê filosófica. Bem cedo
encontramos ensaios de uma elaboração siste-
mática da jurisprudência. Nos tempos moder-
nos, eles são freqüentes. Tal tratamento teria um
valor muito pequeno se só oferecesse uma ca-
talogação, um conjunto de matérias comoda-
mente adicionadas, pois seria um simples auxí-
lio para a memória. Pelo contrário, se o objeti-
vo for ter verdadeiro mérito, a sua coerência
mínima deve ter unidade. Para isso, ele deve ter
um conteúdo geral - tarefa geral da ciência do
direito —, e toda a legislação, um conteúdo que
não esteja sujeito ao acaso. O conceito da legis^
lação civil e penal foi uma tarefa geral desta na-\
tureza, de forma que é possível uma elaboração
sistemática da jurisprudência. Porém se tal ela- j
boração existe, a jurisprudência limita direta-
mente com a filosofia, a qual, mediante uma
completa dedução, deve indicar todo o conteú-
do da tarefa geral. Portanto, a jurisprudência é
uma ciência filosófica.
A ciência legislativa ê histórica e filosófica.
Mesmo os dois princípios anteriores sendo dife-
rentes, ambos são verdadeiros, e, por esse moti-
vo,-devem estar relacionados entre si: o caráter
6 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

perfeito da jurisprudência reside nesta relação.


O particular, que é conhecido como particular
na elaboração filosófica, ao mesmo tempo deve
ser considerado como um todo na elaboração
sistemática e, novamente, deve ser possível de-
compor, em seus elementos, o aspecto sistemá-
tico da jurisprudência. O tratamento da jurispru-
dência deve, então, conter em si a condição de
uma elaboração interpretativa e filosófica. Mas,
primeiramente, exegese e sistema devem ser ela-
borados em separado, e não serem elaborados
juntos e depois separados, caso contrário, a ela-
boração fracassará necessariamente. Um traba-
lho mal sucedido se encontra emjurid. Archiv (de
Gmelin, Tasslinger e Danz), 4, t.. 1, Tübingen,.
1801, onde os elementos particulares estão ex-
postos grosseiramente um ao lado do outro. ,
Toda a apresentação que segue tem o
objetivo de demonstrar:

• como deve ser realizada uma elabo-


ração puramente exegética da juris-
prudência;
í • como deve ser realizada uma elabo-
ração sistemática da mesma;
j • como, em conseqüência, a relação en-
tre ambas resulta espontaneamente.

A legislação deve ser concebida em um


determinado período. Com isto retornaremos à
elaboração verdadeiramente histórica da juris-
prudência, que já mencionamos (v. supra). Isto
•nos conduz ao conceito de uma' história do di-
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 7

reito que, por sua vez, está relacionada exata-


mente com a história dos Estados e dos povos,
já que a legislação é uma ação do Estado. Po-
rém, o conceito usual da história do direito é li-
mitado demais. Ela era considerada como uma
parte da história do Estado e somente eram enu-
meradas as mudanças introduzidas (história ex-
terior do direito). Este fato, mesmo sendo útil,
não era suficiente. O sistema deve ser concebi-
do como em progresso constante, e estar relacio-
nado com o todo (história interior do direito),
mas não deve elaborar somente questões isola-
das do direito.
Esta elaboração histórica da jurispru-
dência pressupõe outras elaborações, deve-se
partir da exegese e relacionar o sistema com ela.
(Pelo contrário, se também considerarmos a ati-
vidade espiritual, a elaboração histórica se asse-
melha à filológica e se coordena com ela. Ambas
serão designadas como elaboração histórica e
estarão colocadas frente à sistemática). Disto
surge, então, a elaboração histórica. A legislação
deve, primeiramente, estar separada em seus ele-
mentos particulares, e depois ser apresentada na
relação verdadeira segundo seu espírito, e só en-
tão, o sistema, assim descoberto, poderá ser co-
locado nos períodos particulares determinados,
segundo uma ordem histórica!
Há de se pensar, portanto, em uma
metodologia completa e absoluta:

• como é possível uma interpretação


da jurisprudência? (parte filológica);
8 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

• a história (parte histórica);


• sistema (parte sistemáüco-filosófica).

Elaboração filológica da jurisprudência

Conceito e tarefa da interpretação


Como é possível uma interpretação?
Ela deve poder ser elaborada histórica e
sistematicamente.
Prescindimos da usual divisão da inter-
pretação em authentica, doctrinalis e usualis, par-
tindo a primeira do poder legislativo e, as ou-
tras duas, dos estudiosos. Só é possível falar em
uma interpretação doctrinalis, e não de uma
authentica, porque quando o legislador aclara
uma lei, surge uma nova lei cuja origem é a pri-
meira, de forma que não é possível falar em
uma interpretação daquela. Se não a esclarecer
como tal, a interpreta doctrinaliter, ou seja, a in-
terpretação é a mesma que faria um juiz. Tam-
bém não pode -haver uma interpretação usualis.
Não há dúvida de que existe uma interpretação
declarativa, porém o erro de dividir esta em ex-
tensiva e restritiva, só ficará preciso mais adian-
te, mas ambas contradizem totalmente o cará-
ter de nossa ciência. Na interpretação sempre
está pressuposto algo diretamente dado: um
texto. O descobrimento desse algo dado - a
crítica diplomática - deve preceder toda inter-
pretação, e torna-se especialmente necessária
quando o diretamente dado deve ser pesquisado
em diversas fontes, por exemplo, manuscritos.
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 9

Devemos considerar todas as versões como


algo que nos é diretamente dado. A crítica di-
plomática concede-nos o grau de sua autentici-
dade e só então é possível uma interpretação.
Como isto é possível?
Toda lei deve expressar um pensamen-
to de maneira tal que seja válido como norma.
Então, quem interpretar uma lei deve analisar o
pensamento contido na lei, deve pesquisar o con-
teúdo da lei. Primeiro é a interpretação: recons-
trução do conteúdo da lei. O intérprete deve se
localizar no ponto de vista do legislador e, as-
sim, produzir artificialmente seu pensamento.
Esta interpretação só é possível através de uma
composição tripla da tarefa. A interpretação, por-
tanto, deve ter uma constituição tríplice: lógica,
gramática e histórica. As duas primeiras são con-
sideradas como classes de interpretação, porém
incorretamente, porque devem estar concebidas
de modo a que cada uma tenha: \

a) uma parte lógica que consiste na


apresentação do conteúdo da lei na
sua origem, o que apresenta a rela-
ção das partes éntre si. Também é a
apresentação genética do pensamen-
to na lei. Mas o p e n s a m e n t o s ser
er
expresso, razão pela qual é a iso
que existam normas da linguagem,
de onde surgem; j
b) uma parte gramatical, uma condição
necessária da lógica. Também está
relacionada com a lógica;
10 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

c) uma parte histórica. A lei é dada num


momento determinado, para um po-
vo determinado. Então, é preciso
conhecer as condições históricas pa-
ra captar o pensamento da lei. Só é
possível a apresentação da lei atra-
vés da apresentação do momento
em que existe a lei.

Porém, a lei deve ser objetiva, ou seja,


deve se expressar diretamente. Por este motivo,
todas as premissas da interpretação devem se
encontrar na própria lei ou em conhecimentos
gerais (por exemplo, conhecimento da linguagem
da época). A interpretação torna-se fácil se o in-
térprete se coloca no ponto de vista da lei, mas
apenas se for possível conhecer esse ponto de
vista por meio da própria lei. Fala-se, geralmen-
te, que, na interpretação, tudo depende da in-
tenção do legislador. Mas isso é meia verdade,
porque depende da intenção do legislador des-
de que apareça na lei.
Agora podemos determinar completa-
mente o conceito. Interpretação é reconstrução
do pensamento (claro ou obscuro, é o mesmo)
expresso na lei, enquanto seja possível conhecê-
lo na lei.
O conceito usual de interpretação (es-
clarecimento de uma lei obscura) é completa-
mente inútil. Realmente, entende-se por inter-
pretação uma aclaração artificial da lei, de for-
ma que o conceito está correto, mas sempre se
encontra de modo grosseiro subordinado a um
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 11

conceito geral da interpretação, e o conceito de


uma lei obscura sempre é muito vacilante. A ta-
refa suprema da interpretação é a crítica supe-
rior, isto é, a restituição de sentido a um texto
corrompido. Tudo aquilo que é dado, só é dado
indiretamente, e, neste meio, neste ser dado, pode
acontecer uma falsificação. Se o dado indireta-
mente diferir do texto fundamental, este deve
ser restabelecido. A crítica superior deve contar
com os mesmos elementos de toda interpreta-
ção, ou seja, com elementos lógicos, gramaticais
e históricos. Também neste caso, o intérprete
deve fazer surgir de modo artificial o conteúdo
da lei, mas há de se supor que as partes extravia-
das do texto original devem ser encontradas.
Todas as partes estão em relação com um todo
orgânico, querendo ser um todo, nada pode fal-
tar. Se algumas partes forem autênticas e certas,
elas servirão de base para concluir como seriam
as incorretas. Existem duas possibilidades:
• que o próprio texto faça diretamen-
te com que a crítica seja necessária
(por exemplo, quando existem dife-
rentes maneiras de leitura);
• • a necessidade da crítica não resulta
diretamente evidente, mas sua ne-
cessidade é revelada pela interpre-
tação.
No primeiro caso, a crítica deve respon-
der exclusivamente a uma certa pergunta, en-
quanto que no segundo, deve-se formular a per-
gunta e procurar a resposta.
12 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

Toda crítica, do mesmo modo que toda


interpretação, deve trabalhar com a certeza. Mes-
mo não sendo sempre possível, esta idéia deve,
pelo menos, nortear todo o labor. Na crítica, a
expressão "audácia" é completamente imprópria,
porque toda crítica prescinde da arbitrariedade
e pressupõe uma necessidade.
Esta crítica superior recebe o nome de
crítica de conjectura. Devido ao fato de ter, como
ponto de partida, a nossa ciência, este é o lugar
a que pertence, visto que a crítica diplomática
deve precedê-la. Porém, o nome de crítica de
conjectura não é muito adequado para nossa teo-
ria, porque esta procura a certeza. De outro lado,
existe uma crítica de conjectura totalmente pe-
culiar, que é diferente da crítica superior, e na
qual formulam-se simples suposições engenho-
sas. Este não é o seu lugar.
Toda necessidade, toda certeza obtida
através da crítica, resulta do fato de que o con-
ceito é tomado de um todo orgânico. Porém, há
sempre uma. certa insegurança na aplicação des-
tes princípios críticos-Tudo aquilo que se nos
apresentar como algo dado difere naturalmente
daquilo que encontramos através da crítica. En-
tão, não se dará mais atenção para o dado, mes-
mo que este seja um fato histórico inegável: Por
esse motivo, sempre fica uma sensação de inse-
gurança. Para se atingir a segurança completa,
deve ser esclarecido como se originaram as de-
formações devidas a erros de transcrição ou ou-
tras causas, tomando como referência o texto
considerado correto. Este não é o lugar corres-
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 13

pondente para tal tarefa, mas é a prova diplo-


mática do acertado da crítica. Então, ela atingiu
tudo o que pode ser conseguido.
O que acabamos de afirmar pode ser
comprovado em dois exemplos:

• Aclaração da lei 8, § 1, de acquir. rer.


dom. (D. 41,1): Sed et si in conjinio lápis
nascatur, et sunt pro indiviso communia
praedia, tunc erit lápis indiviso communis,
si terra exemptus sit.

• É completamente contraditório o fato de


que nesta lei, à norma "a posse comum de uma
pedra achada surge do fato de que ela jaz no li-
mite entre dois fundos" seja adicionado "se os
fundos forem comuns pro indiviso". Aqui só uma
das condições é suficiente, pois ambas excluem-
se mutuamente.
Como há de se corrigir o texto? j
Ambas as condições deveriam se sepa-
rar de modo tal que a norma estivesse limitada
por cada uma delas. No final, só seria necessá- j
rio adicionar um si e diria assim: et si sunt pro in-
diviso. Agora fica inteligível: uma pedra é comum
nestes dois casos. Como o texto incorreto sur-
giu do correto? Resta ainda uma dificuldade de |
caráter gramatical nesta passagem, no que se re- *
fere a que a segunda frase está no indicativo, de
forma que, no lugar de sunt, devemos ler sint,
segundo aparece em algumas edições, como, por
exemplo, a de Haloander. Assim torna-se fácil a
aclaração: achamos que, se várias letras aparece-
14 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY

rem duplas, uma depois da outra, serão escritas


somente uma vez, de modo tal que ao invés de •
et si sint, escreve-se aqui et sint. Esta classe de
emenda chama-se geminação.

• Ulpiano, tít. 25, § 13. Poenae causa cer-


tae vel incertae personae ne quidem fidei-
commissa daripossunt.

Um kg. poenae causa não era válido, tam-


pouco um fideicomisso. A sentença seria inteli-
gível se não aparecesse o adendo certae vel incertae
personae. Esta divisão está correta, mas não tem
objetivo. É inverossímil, e, em Ulpiano, impos-
sível, e o texto original não pode ter sido assim.
Por este motivo, faz-se necessária uma emenda.
Se considerarmos toda a doutrina no seu
conteúdo, toda a dificuldade surge em Ulpiano,
títs. 24 e 25. Os conceitos jurídicos do legado e
do fideicomisso eram bastante semelhantes, di-
ferenciavam-se só na forma. O legado é legal e
o fideicomisso é uma modificação, pela qual no
segundo só as modificações deveriam ser indi-
cadas. No tít. 24, §§ 17 e 18, existem duas nor-
mas (§ 17: poenae causa legari non potest, e § 18:
incertae personae legari non potest), em virtude das
quais, um leg. poenae causa e um legado em favor
de uma pessoa incerta não eram válidos. Facil-
mente poderia se supor que estas normas não
vigoravam para o fideicomisso, que freqüente-
mente era divergente. Para evitar esta suposição,
Ulpiano diz que elas vigoram também para o
. fideicomisso, mas se manifesta brevemente a

I
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 15

respeito dos §§ 17 e 18. O texto correto, então,


í: poenae causa vel incertae personae. A palavra certae
deve ser eliminada. Mas, de que maneira che-
gou este certae na versão inexata? Vel sempre se
refere a uma oposição, e ela existe também aqui,
mas deve ser reconhecida com relação aos §§
17 e 18. Porém o copista não sabia disto e tal-
vez tenha querido aclarar o vel pela simples opo-
sição lógica certae vel incertae.
Para o exercício do talento crítico, seria
interessante que fossem fornecidas edições de-
feituosas do Corpus júris, com as indicações dos
erros, porque, mediante a comparação com as
edições corretas, a crítica poderia ser compro-
vada. Para este fim, são convenientes as edições
holandesas de van Leeuwen, a edição de fólio e
a pars secunda, especialmente.

Princípios fundamentais para a interpretação em geral

Toda interpretação adequada a seu fim


deve unir os diferentes.
Ao mesmo tempo, deve ser individual
e universal.

Individual. Todo texto de uma lei deve


expressar uma parte do todo, de tal maneira que
não esteja contida em nenhuma outra parte.
Quanto mais individual for, quanto mais tentar
encontrar uma frase especial, e quanto menos
particularizar texto em geral, mais rica será a sua
contribuição à totalidade da legislação. O intér-
prete deve possuir a difícil arte de descobrir o
16 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

particular de cada texto, que só pode ser extraí-


do do mesmo. O melhor meio é a prática. Um
meio auxiliar importante para o dito propósito
é descobrir a singularidade de expressões técni-
cas, das quais o diíeito romano está repleto. Elas
devem ser consideradas tão individualmente
quanto for possível. Alguns exemplos tornarão
este ponto mais claro:

Ex. 1: Vrooem. J. de actionibus - Actio est jus


persequendi injudiáo quod sibi debetur.

Considerado em geral, esta passagem


tem o seguinte significado: actio é o direito de
exigir perante o tribunal aquilo que é a mim de-
vido. O sentido original, porém, não é esse. Ori-
ginariamente, existiam apenas dois meios jurí-
dicos: a ação e a vindicação. Toda vindicação era
dirigida pelo pretor, enquanto a forma da actio
apoiava-se sobre o fato de que o pretor dava um
judex. O direito real corresponde à vindicação, e
o direito das obrigações, à ação. Nesta definição
é indicada a característica de que actio concerne
só às obrigações, situação da qual, eíti nossa pas-
sagem, encontramos dois indícios:

• in judicio, ou seja, em um processo


que é conduzido perante um juiz;
• quod debetur. Debere refere-se sempre
ao direito das obrigações, mas nun-
ca ao direito real. Actio é, pois, ori-
ginalmente, o direito de exigir peran-
te umjudexpedaneus aquilo que a ou-
tra parte deve emprestar ex obligatione.
M E T O D O L O G ; <V J L IÚDICA 17 .
>

Ex. 2: Ulpiano, tít. 5, § 1; tít. 19, § 7.

Na primeira passagem é dito: inpotestate


sunt liberi parentum exjusto matrimonio nati. O se-
gundo reza: traditio proprie est alienatio rerum, nec
manápi rerum dominia ipsa traditione deprehendimus,
sálicet, si exjusta causa traditae sunt nobis. A relação
seria: a propriedade podia ser transferida para
outra pessoa inter privatos, de maneira dupla. Se
a coisa era res manápi, podia ser feito por "manci-
pação", e se era res nec manápi, podia ser feito por
tradição, mas deyia estar especialmente prepa-
rada: devia se basear em umajusta causa. Qual é
o sentido disto? Poder-se-ia pegar a passagem
em geral, mas não é assim. Justus refere-se sem-
pre a jus ávile, e este a uma lex,justa causa, por-
tanto, refere-se a jus ávile, enquanto que a causa
traditionis é uma relação do direito das obriga-
ções. O sentido, por conseguinte, das palavras
sálicet, si ex justa causa traditae sunt nobis é o seguinte:
supondo que preceda uma relação de direito das
obrigações baseada nojus ávile. A obligaüo ávilis faz
surgir uma ação, a naturalis, mas não da forma
que reza no início: "supondo que a tradição es-
tá baseada em uma relação, certamente em uma
relação que faz surgir uma ação". Esta frase vigo-
ra também no'mais moderno direito romano.
O mesmo acontece com a primeira pas-
sagem: justum matrimonium é o matrimônio reco-
' nhecido pelo direito civil, ou seja, um matrimô-
nio no qual os pais tiveram connubium.
A aplicação deste princípio da individua-
lidade da interpretação depende muito da quali-
18 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

dade da legislação que se pretende interpretar.


Quanto mais formalmente perfeita for a legisla-
ção, tanto mais aplicável será ò princípio. Neste
aspecto, a mais culta legislação que conhecemos
é a antiga legislação romana até 200 após o nas-
cimento de Jesus Cristo. Nas épocas posteriores,
o seu valor deteriorou-se bastante. Encontra-se
um visível contraste entre os dois trechos seguin-
tes. Se alguém reconheceu bonor(um)poss(essionem),
obteve um interdito: L I a , quor. bom. (D. 43, 2).
Em conseqüência, foram trocados al-
guns pontos, mas Justiniano restabeleceu alguns
deles, segundo o direito antigo: L 3, C. de edict.
divi Hadr. toll. (C. 6, 33).
Se compararmos estas duas passagens,
encontraremos que a primeira é breve, intéligí-
vel, concisa e plena de conteúdo, e a segunda,
rica em palavras, de modo que resulta não total-
mente inteligível por causa da abundância e ri-
queza das palavras.

Universal. A legislação apenas expressa


um todo. A interpretação do particular também
deve ser tal que, para poder compreender o par-
ticular, este se deve amoldar ao todo. A exposi-
ção do todo não pertence a este ponto propria-
mente, mas ao sistema. Porém, desde que cada
parte não é inteligível sem o todo, deve ser con-
cebida em relação com o todo, tarefa semelhan-
te àquela que existe no sistema, mas com objeti-
vos opostos.
Com respeito a isso podemos conceber
dois casos: A lei particular era parte de um todo
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 19

maior'— por exemplo, um fragmento dos escri-


tos dos antigos juristas. Ou não era - por exem-
plo, a modificação de um único ponto.
O primeiro caso encontra-se no direito
justiniano, nas Instituições, Pandectas, e em gran-
de parte do Código. As constituições propria-
mente como tais são pouco freqüentes nas pri-
meiras épocas, os reéscritos eram, porém, fre-
qüentes. O imperador comporta-se como um
jurista em um reponso. Cada-reescrito pertence
ao sistema da época em que foi dado. Portanto,
no Código, os reescritos pertencem ao primeiro
caso. O segundo caso encontra-se nas Institui-
ções, no Código e nas Novelas, elas, de per si,
devem ser fontes exclusivas.
A interpretação não pode seguir por uma
única trilha, deve se encaminhar por ambas as
direções.

• Interpretação no primeiro caso

Deve ser mostrado o local de todo o sis-


tema ao qual pertence o princípio particular. Isto
ficará claro com exemplos. Assim, deve ser in-
terpretado:

Ex. L. 27, § 2, de fideiussor. (D. 46,1).


Ulpiam ad edict.: Praeterea si quaeratur, an solvendo
sitprincipalisfidejussor, etiam vires sequentisfidejussoris
ei adgregendae sunt.

E norma geral que, quando o fiador for


demandado, deverá ter o benefiáum divisionis, para
20 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

pagar parte da dívida. No caso em que o fiador


invocar isto realmente, entender-se-á que "os ou-
tros podem pagar. Chega-se, então, à regra: no
beneficium divisionis, os outros fiadores devem ser
solventes. E tarefa da lei determinar isto com
maior precisão. Mas como, se os fiadores se pro-
tegeram com outros garantes? Por exemplo, qua-
tro garantes têm contraída uma obrigação por
um devedor, e três deles arregimentaram para si
outros fiadores. O credor demanda o primeiro
dos fiadores. Este dirá: Eu pagarei-minha rata,
mas a respeito das outras prestações, deves te di-
rigir para os outros garantes, e se eles não tive-
rem solvência, para os seus garantes. Como deve
ser considerada a solvência ou a insolvência dos
segundos fiadores para determinar a solvência
dos garantes originais? Isto se responderá assim:
O patrimônio dos segundos fiadores deverá ser
contado juntamente com o dos garantes originais.
Na lei, só deve ser indicada a relação que existe
entre o caso particular e toda a teoria da fiança.
Coisa parecida encontra-se em uma lei
que ficou famosa devido a um mal entendido.

Ex. L. 28, defideiussor. (D. 46,1). Paul. ad


ed.: Si contendat fidejussor ceteros solvendo esse, etiam
exceptionem ei dandam, si nam et illi solvendo sint.
Conf.: Ziv. Mag., t. 1, p. 98, n a A.

Os práticos erroneamente fundaram


uma provocatio sobre este princípio. O caso é o
anterior, mas o fiador em questão nega a insol-
vência dos co-garantes. A questão é discutível.
M E T O D O L O G I A J Vi k l DL CA 21

Em uma questão : discutível, nunca decidiu o


pretor, mas passou o fato para o judex pedaneus,
para sua pesquisa. Com tal finalidade, instruiu-o
e outorgou-lhe. a fórmula para a demanda e a
exceção. Acontece o mesmo que no caso ante-
rior. O autor demanda o fiador para que este
lhe pague a dívida, já que os demais garantes são
insolventes, e o demandado nega a insolvência
em uma exceção. Agora o judex pedaneus deve
procurar a verdade de ambas as informações e
dar a sentença segundo o resultado. Deste modo,
resulta ininteligível toda a passagem em que se
diz que, neste caso, ao fiador deve ser outorga-
da esta exceção.

• Interpretação, no segundo caso, quan-


do os legisladores estão totalmente iso-
. lados para criar algo novo

Neste ponto, deve ser considerado par-


ticularmente o novo que deve ser fundado pela
lèi. Devtí ficar exposta, então, a linha histórica à
qual pertence a lei. Anteriormente, o que era
correto nesse caso? O que foi mudado no direi-
to anterior?
Mais adiante, encontraí-se-ão exemplos
para este caso.
Resta reunir em um todo os dois prin-
cípios: o da individualidade e o da universalida-
de. Toda interpretação tentará oferecer um re-
sultado para o sistema. Deve, então, ter um ob-
jetivo prático, porque deve estar direcionada a
aclarar um princípio dentro do sistema.
22 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

Aquilo que dizemos será explicado ago-


ra, mediante uma observação literária. Só iremos
considerar escritos que tenham um verdadeiro
caráter no método, isto é, descartaremos aque-
les que sejam uma simples compilação ou um
mero plágio.

História da interpretação

A história da interpretação inicia-seiros


séculos XII e XIII.

Glosadores

O primeiro período é o dos glosadores,


desde Irineu até Accursio. Esse período famoso
começou em Bolonha sob Irineu (Werner) e en-
' cerrou-se com Accursio. Interpretava-se, sem
ajuda alguma, o direito justiniano, tal como foi
transferido e existia. Os glosadores empreende-
ram o trabalho com toda dedicação, mas falta-
va-lhes, quase totalmente, outro conhecimento.
Fizeram tudo que puderam. A recriminação não
cabe a seu método, mas a seu conhecimento.

Comntadores

Esse período é seguido, nos séculos XTV


e XV, pelo dos comentadores, por exemplo
Bartolo, Baldo, etc. Sem dúvida, eles eram pio-
res que os glosadores. Seria, mais ou menos,
como a relação que existe agora entre os práti-
, cos e os teóricos.
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 23

Humanistasfranceses

Nos séculos XV e XVI, quando se des-


cobriu a literatura clássica, elaborou-se a juris-
prudência de forma científica pela primeira vez.
Esse período pode ser chamado como o dos hu-
manistas franceses, e cobre a faixa compreendi-
da entre os séculos XVI e XVII. Esses hu-
manistas tinham tudo aquilo que faltava aos
glosadores, mas trataram a literatura clássica com
demasiada diligência, perdendo, por este moti-
vo, muito de um método puro e vigoroso. Po-
deria ser exigido deles mais do que aquilo que
produziram. Uma interpretação verdadeira e
pura não existia, não se pensava em considerar
a jurisprudência como um sistema, não se pro-
curava sistema algum. Uma amostra dessa esco-
la foi Cujacio. Ele e os seus imitadores interpre-
taram e tentaram restituir a antiga jurisprudên-
cia e restabelecer os escritos dos juristas de for-
ma independente. Descuidaram-se, porém, do
sistema, porque não elaboraram aquilo que eles
tinham como um todo. O método foi de digres-
sões mas não puramente exegético. Através de
tais digressões, o sistema foi levado para um lu-
gar onde não cabia. Também em suas obras, Cu-
jacio colecionou, entre outras coisas, passagens
de Paulo (ad edictum lib. XXV). E assim que se
encontra a passagem antes comentada, L. 28, de
fidej., no volume 5 de suas obras, p. 372. Nesse
ponto, ele faz uma digressão e expõe a matéria
do benef. divis. que, propriamente, não tem rela-
ção com a aclaração da passagem.
24 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

Pertencem a este período os juristas que


se esforçaram por editar as fontes completas, es-
pecialmente Haloander e Konzius. Deste último
também temos, além das suas edições, escritos
jurídicos. Porém ambos realizaram o trabalho de
suas edições sem observações nem críticas. Se
tivessem indicado as causas pelas quais teriam
escolhido precisamente esse tipo de versão, po-
deriam ser chamados de intérpretes.

Holandeses

Logo vem o período dos holandeses, nos


finais do século XVII e no século XVIII. No
período anterior, eram considerados iguais tan-
to os conhecimentos humanistas, a literatura e
o trabalho sobre a antigüidade, quanto as ciên-
cias. A filologia surgiu como uma modalidade à
parte, especialmente na Holanda, onde se for-
mou uma notável série de filólogos. Apesar de
os juristas holandeses possuírem uma grande
erudição, sempre se limitaram apenas aos deta-
lhes. Por esse motivo; o método deles é raramen-
te melhor que o dos franceses e, freqüentemente,
muito pior.
Ant. Schulting é um dos mais meritó-
rios, particularmente por causa de sua Jurispru-
dência antejustinianea, à qual adicionou suas pró-
prias notas, as quais, de fato, são o melhor da
coleção, visto que a elaboração do texto é insig-
nificante. Também ele limitava-se às digressões,
embora sejam elas muito eruditas. Sua interpre-
tação também não é uma verdadeira interpreta-
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 25

ção. Ele trabalhou mais para dar instruções ao


leitor de como fazer a sua própria interpretação
do que para entregá-la feita. Os juristas desse
período também realizaram péssimos trabalhos,
dentre eles Joh. Kannegieter, que, em 1768, edi-
tou Ulpiano e a Collatio com suas próprias no-
tas, embora muito ruins. Pula de um assunto para
outro quando são em algo semelhantes. A rela-
ção é arbitrária e acidental (cf. Ulp., tít. 7), en-
quanto que em Schulten, Cujacio e outros é sem-
pre adequada.

Escola alemã

A escola alemã, que constitui o quinto


período, esteve sempre pouco preocupada com
a interpretação, exceto em Leipzig. Apesar de
imitar em muito os holandeses, ela perdeu-se em
minúcias. Püttmann é um dos que mais se des-
tacam, mas ele tem o defeito dos holandeses. Do
mesmo modo também Stockmann, cujas vigo-
rosas dissertações, elegantemente escritas, apre-
sentam claramente este método.
Toda maneira de tratamento destes ju-
ristas está apoiada em um èrro e eles só mos-
tram sua erudição clássica.
A conseqüência disto foi que muitas óti-
mas cabeças desprezavam a elaboração erudita
frente a esta elaboração ruim da crítica e da in-
terpretação.
Nenhuma interpretação fundamental foi
dominante em nenhuma escola. Em se tratando
desta última, talvez possamos mencionar só um
26 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

jurista, que praticamente não pertencia a escola


alguma. Trata-se de Jakob Gothofred, nascido
em Genebra, em 13 de setembro de 1585, pro-
fessor nessa cidade, finalmente senador, e mor-
to no mesmo lugar, em 24 de junho de 1652.
As suas obras mais importantes são as Quattuor
fontes júris civilis. Elaborou particularmente as
Doze Tábuas, e o fez de ótima maneira. A obra
apareceu pela primeira vez em 1'617. A sua obra
principal ficou inconclusa no meio de seus pa-
péis, e, em 1665, após sua morte, foi editado um
comentário sobre o Codex Theodosianus. E a úni-
ca amostra de uma perfeita interpretação. Na ela-
boração das constituições dos imperadores, deve
ser seguido um caminho muito particular, visto
que deve ter apresentado especialmente o que
existe de novo nelas. Gothofred observou esta
norma estritamente, o que se pode comprovar
nos seguintes exemplos: Em L. 7, C. Theo. de test.,
tudo o que se diz para aclarar a matéria relacio-
na-se com a passagem. De igual modo, L. 3, C.
Theod, de legit. hered. e L. 5, ibidem.
E de extrema importância saber qual é a
opinião deste jurista a respeito do estudo da ju7
risprudência, e é de notar que ele o tenha acla-
rado no prefácio de seu Manuale júris. Ele pro-
põe três divisões do ciclo jurídico.
Para a primeira divisão foi elaborado o Ma-
nualejúris. Nele figuram quatro partes, que são:

• História do direito em geral, mas


não em detalhe;
• Bibliotecajúris, informação de fontes;
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 27

• Seníentiae júris, passagens principais


• • das Instituições e as Pandectas, que
contêm as normas gerais, e oferecem
uma visão geral;
• Varatitla sobre as Pandectas e o Có-
digo, o conteúdo das partes especiais
e sua conexão. Estes são estudos
preparatórios.

Na segunda divisão, segue uma apresen-


tação.histórica das fontes. Com tal finalidade, ela-
borou as Quattuorfontes, que contêm:

• As Doze Tábuas, completamente aca-


badas;
• O edito pretoriano, no qual só indi-
ca o plano, mas sem elaborá-lo;
• A lex fulia Papia Poppaea, completa-
mente elaborada, embora não tão
perfeita quanto as Doze Tábuas;
• Os libri Sabiniani, também um plano
geral.

A terceira divisão contém um detalhe


fundamental do direito justiniano, que é:

• Casuística, ou seja, interpretação


exegética, introdução à interpretação
da lei mediante a exposição do caso;
• Teoria da unificação de contradições
aparentes;
• Introdução ao conteúdo das fontes;
• Introdução ao conhecimento dos li-
vros de direito.
28 FRIEDRICH.ICARL VON SAVIGNY

Mas o próprio Gothofred pressentia que


existiam lacunas neste plano, sobre as quais ex-
pressou-se na sua dedução ao Discursas historicus
ad legem quisquis ad L. Jul. maj. (in oper. n a 1). Exi-
ge especialmente um sistema da política legisla-
tiva, extraído historicamente do direito romano,
depois um livro de texto das Instituições, um
mero resultado e não controvérsias. Do mesmo
modo também exigiu:

• A restituição do edito;
• A restituição dos juristas antigos
(mais tarde Hommel, em certo sen-
tido, realizou este trabalho na sua Pa-
lingenesia, embora superficialmente);
• A restituição das constituições do Có-
digo e sua reconstrução histórica;'
• Sistema das antigüidades romanas.

Elaboração histórica da jurisprudência

Schulting. Oratio de jurisprudentia histórica


in comment. acad,t. II. ~
Da jurisprudência, muitos aspectos não
podem ser compreendidos sem um certo conhe-
cimento histórico prévio. E aqui não se trata da
utilização da história para saber algo a respeito
da jurisprudência, mas de pesquisar a medida em
que esta deve ter um caráter histórico. Schulting,
1. c., p. 125.
Esta elaboração é absolutamente.indis-
pensável, particularmente para a legislação jus-
tiniana, pois toda a legislação é, mais ou menos,
.....-wcnrYq»: > MXV^mWGH^

M E T O D O I . O C ! A lURÍDlCA 29

o resultado da sua história anterior. Justiniano


nunca teve a intenção de elaborar um código
próprio,-mas de formar uma simples compila-
ção do rico material existente. O todo histórico
converteu-se, assim, novamente, em lei. De acor-
do com sua forma, a legislação justiniana car-
rega consigo o caráter histórico; por exemplo,
são indicados os nomes dos autores dos frag-
mentos.
Como deve ser realizada tal elaboração
histórica? Depende, em primeiro lugar, de uma
vinculação histórica, em segundo, de uma sepa-
ração histórica.

Vinculação histórica

Como se deve vincular historicamente?


A maneira mais simples é pesquisando
como uma questão especial foi respondida de
distintos modos em diversas épocas da legisla-
ção. Não podemos, porém, deter-nos neste lu-
gar. Se assim o fizéssemos, iríamos obter somen-
te resultados limitados. Em muitos pontos, in-
clusive, os erros seriam inevitáveis. O sistema
deve ser tomado na sua totalidade e ser consi-
derado progressivo, isto é, como história do sis-
tema da jurisprudência na sua totalidade. Tudo
depende disso.
A tarefa mais elevada para a interpreta-
ção era a crítica.. Na história do direito, encon-
tra-se algo semelhante: a pesquisa das fontes. Ela
também nos fornece a matéria para a elabora-
ção histórica, sendo, ela mesma, diplomática.
30 FRIEDRÍCH K A R I . VON SAVIGNY

Quer dizer, uma notícia geral das fontes que deve


ser procurada de fora, ou seja, uma pesquisa mais
elevada que purifica o material fornecido: a ta-
refa mais sublime da história do direito. Para a
elaboração diplomática, existem normas de tra-
tamento. A elaboração mais elevada parte da pró-
pria história do direito e elabora.e constrói o
material.
O fato de se pensar, desde o início, que
este conceito da história é significativo, e de .se
formular uma realização histórica desta ordem
como objetivo de todo o estudo, constitui, já de
per si, um meio auxiliar especial. No final, serão
estabelecidas épocas principais e, com elas, rela-
cionar-se-á todo o particular.
Desde o século XVI, é muito o que se
tem feito na história da jurisprudência, mas quase
o mundo todo limitou-se à elaboração da histó-
ria como um meio e um conhecimento prévio
da jurisprudência, sem que se contestasse ò ob-
jetivo dado, A essa época pertencem as obras
de Bach, Heineccius, Sigonius, Wieling, Schulting
e outros. Só a História do direito de Hugo consti-
tui uma boa amostra para ver o próprio sistema
apresentado como historicamente progressivo.
Mas são considerados mais de perto o método
e a forma de Hugo, que o detalhe individual, no
qual, algumas vezes, falha. ; •

Separação histórica

Aquilo que está separado na coisa mes-


ma deve ser separado. A jurisprudência também
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 31

deve ser tratada com uma separação completa


de suas fontes. A maior parte dos juristas mo-
dernos discorda desta norma: uma parte, incons-
cientemente, na exposição prática, e a outra, de-
clarando-se expressamente contra a separação.

Erro dos penalistas

O primeiro erro não é mais freqüente


que no direito penal, já que a respeito existem
duas fontes que pretendem ser totalmente com-
preensivas: o direito romano e o direito alemão.
Se estas fontes não se separarem de forma preci-
sa, ocorrerá uma confusão. Os nossos melhores
penalistas, inclusive Feuerbach, não são exceções.
A legislação romana e a legislação alemã são con-
sideradas em cada caso particular e apresentadas
. historicamente como uma mesma linha. Consi-
: dera-se que o legislador romano e o legislador
alemão são uma e a mesma pessoa. Acredita-se
que o alemão prosseguiu a partir do ponto em
que o romano se deteve. Através desta compo-
sição direta, é impossível toda pesquisa profun-
da. Este erro foi criticado especialmente em Geist
derjuristischenlãteraturvon 1796, de Seidenstücker,
Gõttingen, 1797.

Erro dos civilistas

Muitos incorrem no segundo erro: não


negam a necessidade do estudo histórico, mas,
segundo eles, este: deve constituir apenas uma
preparação. Deve ocorrer uma elaboração abso-
32 FRIEDRÍCH K A R I . VON SAVIGNY

luta da jurisprudência segundo os objetivos, sem


consideração à variedade histórica do material.
A este grupo pertence Hufeland (com as
suas Institutionen desgesamten positiven Kechts, Jena,
1798). Pretende oferecer ao principiante resul-
tados seguros e indiscutíveis da jurisprudência,
com abstração de todo o material histórico. Para
aquele, tais panoramas são, sem dúvida, muito
interessantes e úteis. Porém, será permitido se
abstrair da diversidade das fontes? Não, com cer-
teza. Tais panoramas seriam impossíveis, já que
estariam desprovidos de todo conteúdo históri-
co, o qual deveria ser substituído por alguma
outra coisa, e isto seria falso. Mais adiante fala-
remos disso, na parte correspondente à teoria
do sistema. Porém, com toda a variedade das
fontes, para o juiz deve existir um resultado prá-
tico e não histórico. Como é possível expô-lo?
A exposição pode ser profunda ou pode
não sê-lo. Se for profunda, constitui a última,
porém a mais laboriosa tarefa dentre todos os
esforços dos juristas. Deve ser deduzido o. con-
teúdo de cada legislação particular,' e, do resul-
tado desse trabalho, deve-se deduzir uma teoria
da vinculação que tenha fluência. Para o princi-
piante, a quem Hufeland destinava a sua obra,
isso resultava impossível.
Pode ser oferecida uma apresentação su-
perficial dos resultados, como aconte.ce nos
lexicons e vocabulários jurídicos, por exemplo,.
o Prontuário de Müller.
Nesta seção, falamos unicamente do tra-
tamento histórico da jurisprudência, mas pode-
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 33

mos pensar também de modo inverso, isto é, a


jurisprudência pode ser empregada para aclarar
outras ciências, especialmente, a política e a his-
tória.

A jurisprudência como ciência auxiliar


p^ra outras ciências
A política

Já no tratamento político da jurisprudên-


cia, manifesta-se uma vinculação com a políti-
ca: as máximas políticas são pesquisadas como
fundamentação da lei. A jurisprudência, porém,
sempre permanece como objetivo principal. Mas
pode-se conceber também a jurisprudência para
exercer uma crítica da política, para uma compa-
ração da legislação com o seu resultado e, por-
tanto, para emitir um juízo sobre as máximas po-
líticas.
A totalidade dos poucos intentos reali-
zados nos escritos jurídicos, especialmente dos
holandeses e franceses, são extremamente insig-
nificantes. A iniçiativa mais importante é a de
Thomasius, que tentou combater o direito ro-
mano. Existe uma obra na qual o estudo histó-
rico de toda a legislação é utilizado de modo ori-
ginal e profundo para as opiniões e os objetivos
políticos. Montesquieu, Esprit des lois.

A história
A legislação pode ser considerada uma
parte da história. Existe uma amostra excelente
34 FRIEDRÍCH K A R I . VON SAVIGNY

desta elaboração, ou seja, do direito romano, na


obra História da queda do Império Romano, de
Gibbon, que ao mesmo dedica um capítulo es-
pecial, o cap. 44 (tradução de Hugo, Gõttingen,
1789). Se esta parte da sua obra, na sua totalida-
de e em relação ao todo, não tiver sucesso, isto
se deve ao fato de que, na época da queda do
Império Romano, o-direito romano não mais se
1 encontrava em seu estado de florescimento. Para

se ter uma visão e apreciação adequadas do mes-


mo, o verdadeiro ponto de partida é o período
da república.

Elaboração sistemática da jurisprudência

Crítica dos intentos realizados até o presente


Todos os desvios do sistema a respeito
da norma pura podem ser reduzidos a duas clas-
ses principais: ou ficam por baixo do sistema ou
se elevam por cima dele..

Intentos que ficam por baixo do verdadeiro sis-


tema. Isto é, aqueles que possuem a multiplici-
dade que deve se uniformizar em um sistema,
mas que não conseguem sua unificação.
Um dos melhores juristas que represen-
ta esta categoria é Hofacker. Em seus Prinapiis
júris, particularmente no livro primeiro, § 1 e ss.,
de just. et jure, estabelece o que se encontra na
legislação, não mediante um sistema e sim dire-
tamente. Desta maneira, aquilo que, na mesma
legislação, é claro e correto, resulta falso e sem
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 35

sentido. Estes conceitos só podem ser tratados


historicamente. Do mesmo modo, o § 8 con-
corda com o conceito do jus exposto no § 1.
Outro exemplo: §§ 772 a 11A no segundo tomo.
O autor pesquisa aqui como pode se perder a
possessão, estabelece uma norma geral a respei-
to disso no § 772, e adiciona alguns casos
•particulares de perda nos §§ 773 e 774, nos quais
destaca:

• a perda da tenência, da capacidade


física; e
• quando alguém quer deixar de pos-
suir.

Tudo está perfeito, mas, lamentavelmen-


te, isso contradiz a regra geral estabelecida: "Do
mesmo modo que a possessão pode ser adqui-
rida pelo animus e o corpus juntos, também po-
derá se perder por meio de ambos" Como se
chega a isto? Porque novamente se quer apre-
sentar o conteúdo da legislação diretamente, li-
teralmente, inclusive, mas sem adaptá-lo ao sis-
tema como resultado do estudo das fontes. A
passagem encontra-se nas Pandectas. Uma contra-
dição prática desta índole não se deve encon-
trar, de forma alguma, em um sistema que é ex-
posto. Em um sistema, deve. ser dado o conteú-
do do todo e não o do particular. Especialmen-
te em Hofacker, nota-se este falso método de tra-
tamento. Ele acredita conseguir fidelidade des-
sa forma. Fica, então, demonstrado sobre qual
mal entendido está fundamentado.
36 FRIEDRÍCH K A R I . VON SAVIGNY

Encontra-se este erro em muitos juristas,


mas, na maioria deles, não está sustentado pelo
plano e sim pela falta de capacidade de exposi-
ção. Desse fato, originam-se muitos escritos ruins
de, geralmente, juristas eruditos. Aqueles podem
ser chamados, e com razão, de compilações de
fontes. Prescindindo disto, esses livros são mui-
to úteis, não só como apresentação do sistema,
mas como coleções metódicas de fontes.

Intentos que se elevam por cima do verdadeiro


sistema. Isto é, aqueles que tentam conseguir.mais
ou menos uma unidade, mas carecem de diver-
sidade.
São aqueles que não trabalham fielmen-
te. Estes trabalhadores são geralmente chama-
dos de juristas filósofos, porque se deixam orien-
tar demasiadamente pela arbitrariedade, uma es-
pécie de revolução contra a legislação.
Pode-se conceber esta falta de fidelida-
de como uma rebelião direta contra a legislação
— isto acontece raramente, pois tal linguagem
apenas foi utilizada por uns poucos — ou, e isto
é muito geral, trata-se de uma rebelião indireta,
clandestina. Para eles, a forma do sistema não
fica escondida.
Agora devemos falar deste aspecto.
O conteúdo do sistema é a legislação, isto
é, os princípios do Direito. Necessitamos de um
meio lógico da forma, ou seja, da condição ló-
gica do conhecimento de todo o conteúdo da
legislação para conhecer estes prinGÍpios, em par-
te de forma particular, em parte na sua cone-
METODOLOGI/V JURÍDICA 37

xão. Tudo o que é formal tem por objetivo de-


senvolver a determinação dos princípios parti-
culares do direito - geralmente isto é denomi-
nado de definições e distinções ordenar a
vinculação de vários princípios particulares e sua
conexão. Isto é habitualmente denominado de
verdadeiro sistema.

Primeiro caso i
i
Desenvolvimento'dos conceitos
Deve ser conhecido um princípio parti-1
cular do direito, ou seja, os conceitos nele con-
tidos devem ser desenvolvidos, o que eqüivale a
dar definições e fazer distinções (o segundo
pode-se reduzir ao primeiro). Trata-se, então, de
percorrer o mesmo caminho das leis — fidelida-
de genética — demonstrando especialmente os
contrastes. Assim resulta:

a) Muito natural que, no sistema, ne-


nhum conceito deva ser tratado sem
que esteja referido a um princípio de
•direito. Cada um deles deve ter uma
' realidade jurídica.

Koch (succ, ab int., pp. 43 e ss. da última


edição) fornece um exemplo do erro em senti-
do contrário. Ele dá os conceitos de parentes só
na introdução à sucessão entre parentes. Todo
leitor aqredita que estes conceitos apareceriam
na mesma teoria e fica frustrado.
38 FRIEDRÍCH K A R I . VON S A V I G N Y

b) O sistema está determinado pelos


conceitos. A conceitos falsos seguem
interpretações falsas. Isto pertence
à teoria da interpretação.

Hufeland pode nos servir de exemplo


(Institp. 334) quando assimi determina o con-
ceito da prescrição: <é uma cessação dos direitos
através do passar do tempo. Desse falso concei-
to, surge inadvertido, porém diretamente, o prin-
cípio: no sistema do direito existe uma classe de
cessação dos direitos através do transcorrer do
tempo. O erro passa daquela declaração até o
princípio jurídico.
^ Erros desta classe são muito importan-
tes e mesmo freqüentes. Nos seus últimos anos,
Hõpfner deu um exemplo notável sobre isso. Ele
admite que, para adquirir uma propriedade, ne-
cessitam-se titulus e modus acquirmdi.
Hugo criticou esta opinião errada, a
/ falsidade do conceito, no sentido de que a tòda
aquisição pertence um jactum acquisitionis, que
I apenas começa com um titulus. Porém Hõpfner
I nunca pôde se convencer a respeito disso, pois
' estava demasiadamente imbuído dos seus con-
J ceitos.
Neste momento, podemos demonstrar
j algo que indicamos anteriormente. Muitos ten-
tam prescindir do material histórico, mas, desde
I que algum é necessário, qual deles entrará no sis-
tema? De uma simples opinião, em suma, da tra-
dição de antigos juristas, surge um formalismo,
uma ciência sem conteúdo.
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 39

A etimologia é um meio auxiliar muito


importante para se obter, na legislação, fidelida-
de à genealogia dos conceitos (por exemplo, em
praescriptío, exceptio, no lugar de prescrição). Em
muitos casos, a etimologia ganhou má fama, por-
que dividiu "todas as definições em nominais e
reais, desentendendo-se das primeiras por care-
cerem de importância. Mas esta divisão é um tan-
to bárbara, já que pressupõe uma vinculação ar-
bitrária dos signos com a coisa designada, situa-
ção que não existia em caso nenhum na culta
legislação romana, e só pôde acontecer na épo-
ca bárbara do direito canônico. Geralmente se
considera menos importante a explicação do
conceito em palavras, isto é, a definição. Mes-
mo não sendo de desprezar, a outra explicação
é, de longe, mais importante.

Segundo caso

Ordenamento dos princípios do direito (que, erro-


neamente, acredita-se que é o único que merece
ser chamad ode sistema)

Trata-se, especialmente, da apresentação


da vinculação interna dos princípios do direito.
Deve ser completamente fiel. Refere-se ao se-
guinte:

a) A relação dos direitos particulares


entre si determina o que se deve se-
parar e o que se deve unir. Assim,
40 FRIEDRÍCH K A R I . V O N S A V I G N Y

por exemplo, os direitos reais e o di-


reito das obrigações devem se sepa-
rar. ._ .• •
b) Em cada parte especial do sistema
deve sé estabelecer a relação entre a
norma e a exceção, a qual é mencio-
nada na lei, e para ela serve de fun-
damento. É muito mais difícil, mas
tão importante quanto a primeira. A
relação, amiúde, dá-se ao contrário,
e, por tal motivo, originam-se erros
freqüentes. Normalmente, a prefe-
rência recai sobre um ordenamento
natural, mais simples, o qual, mes-
mo correto, não deixa de ser apenas
um ponto de vista subordinado. No
método total, nada deve ser consi-
derado como uma insignificância,
porém o mais importante merece
preferência. Se for descuidado, sur-
girá algo incorreto.

Da interpretatio extensiva e restritiva

Até o momento, falamos sobre como,


através da forma, um erro pode ser introduzido
no sistema, isto é, por meio de uma operação
lógica geral, que era lógica (definição) e, portan-
to, necessária, mas que foi realizada de modo
errôneo. Mas existe outra maneira para infiltrar
um erro no sistema: a de uma operação formal,
acidental, quando o sistema deve ser completa-
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 41

do pela meta forma ou quando é muito amplo e


algo deve ser retirado dele. Esta é a teoria da
interpretação extensiva e restritiva.
A recriminação atinge os juristas moder-
nos, em especial, os penalistas. A lei deve ser
compreensível por meio do tratamento mera-
mente formal. Parte-se da pesquisa de um fun-
damento determinado da lei e depois se amplia
e se compreende toda a lei. Considera-se a re-
gra expressa da lei como conclusão final, a ra-
zão da lei como premissa por meio da qual se'
modifica a conclusão final, de modo que esta
deva.ser mais ampla — interpretatio extensiva — ou
menos ampla -interpretatio restrictiva. Falamos dela
aqui (no sistema), porque esta operação não é
uma verdadeira interpretação. Poderia ser cha- ^
mada de interpretação material, para distingui- ,
la da verdadeira, já que o resultado seria total-
mente diferente por meio de uma aclaração me-
ramente formal. De acordo com isto, pode ser (
entendida uma passagem de Beccaria (Crime e
castigo, § 4), que geralmente é refutado por ridí-
culo. Trata-se, nessa passagem, da interpretação
material, porque literalmente diz que, por meio
do juiz, algo de fora é adicionado à expressão
da lei e só na interpretação material é possível
esta arbitrariedade.
Nesta operação, o primeiro é o que se
eleva das palavras, da expressão da lei, até a sua
razão. Como é possível encontrá-la? Em algu-
mas leis encontra-se adicionada à regra, mas isto
é pouco freqüente e concorda com a teoria da
legislação. Na maioria dos casos, apenas se en-
42 FRIEDRÍCH K A R I . V O N S A V I G N Y

contra a regra, e o intérprete déve descobrir e


adicionar a razão de uma maneira artificial.
Há de se notar que esta opéração é tão
arbitrária que não é possível falar' em uma ver-
dadeira interpretação, porque o que o juiz deve
adicionar ã lei, por este único fato, não pode ser
objetivo. Isso é ainda mais evidente pela insegu-
rança da realização da operação, porque de cada
regra se desprende uma seqüência gradual de ra-
zões: uma considerada de modo geral, e a ou-
tra, de forma especial, de modo que a razão pode
ser aplicada a mais ou menos assuntos. Por este
motivo, a operação deve ser descartada, porque
a razão não é objetiva pela lei, porém, pela lei,
algo objetivo deve ser expressado. Existem ca-
sos nos quais a razão não está dada especialmen-
te, mas de maneira tão geral que tudo pode ser
entendido através dela. Desde-' que esta opera-
ção apenas é acidental, não pode ser de aplica-
ção na ciência do direito.
Mas, o que aconteceu quando o legisla-
dor estabeleceu a razão? Ele não a estabeleceu
como uma regra geral, nem com um objetivo
prático, mas tão somente para aclarar a regra
mediante ela mesma. Por esse motivo, não de-
vemos aplicar praticamente a razão. Contra isto,
existem duas formulações:

a) O legislador provavelmente teve só


o objetivo de um uso prático, mas
: evidentemente incorreto, porque' é
possível conceber outros objeti-
vos.
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 43

b) Se o legislador pensou nesta razão,


então pensou também em todas as
possíveis aplicações a outras regras
que não as por ele determinadas.
Isto também não é necessário, por-
que esta conseqüência poderá ser
. • suprimida por qualquer membro in-
termédio, de modo que ninguém po-
derá extrair disso uma prova. Neste
ponto, temos de fazer duas obser-
vações:
• Como já dissemos, nesta operação
não é possível falar em uma verda-
deira interpretação. Na via da mera
interpretação, em uma lei qualquer,
. ' .• poderá ser encontrada uma norma
geral em uma expressão especial, de
modo que a lei não quis expressar
mais nada que a regra geral.

Está expressa assim em L. 5, de acq. vel


admitt. poss., na expressão da estipulação contida
nesta passagem, a regra geral de todos os atos
jurídicos, e não só a regra especial da estipula-
ção, que é tão só um exemplo.
Esta interpretação conduz à pergunta:
quais são as condições jurídicas em uma regra
dada, e quais não são? Isto pode ser difícil na
explicação, mesmo que a regra seja clara.
Toda operação falsa é muito diferente
da nossa, desde que, por aquela se reconhece
que a regra especial da lei deve ser ampliada,
enquanto que por esta, se reconhece que, em
44 FRIEDRÍCH K A R I . V O N S A V I G N Y

uma expressão especial, está contida uma regra


geral.

• Que é correto para o caso em que a


legislação permanece em silêncio so-
bre um ponto particular? Com cer-
teza, nenhum caso determinado é
compreendido na legislação, pelo
contrário, cada um deles deve ser
subsumido por uma regra superior.
Se tal subsunção não for possível, há
de se fazer uma distinção entre di-
reito civil e direito pénal.

No direito civil. Aqui, evidentemente, o


jurista deve descobrir artificialmente a regra, se-
gundo a qual o caso será decidido, isto é, em
parte mediante uma mera conclusão de uma
norma geral, e em parte tentando encontrar, na
legislação, uma regra especial que se refira a um
caso semelhante. Esta fica reduzida, então, a uma
regra superior, e é resolvido o caso, que não foi
decidido segundo esta regra (superior). Isto é
denominado procedimento por analogia, e se
encontra muito perto da operação anteriormente
condenada. Mas, enquanto no falso procedimen-
to algo estranho é adicionado, aqui a legislação
completa-se a si mesma.
Em tais casos, a maioria dos juristas sem-
pre se refere ao direito natural, pelo qual eles
entendem um resultado geral da legislação po-
sitiva global, abstraído de toda história. Nessa
medida, é igual à analogia.
METODOLOGI/LJURÍDLCA 45

No direito penal. No direito civil, não se


concebe litígio algum no qual não deva existir
uma decisão em favor de uma das partes. No
direito penal,-rege a seguinte norma: uma ação
é um delito desde que a legislação a declare pu-
nível. Do ponto de vista do juiz, praticamente,
a punibilidade é casual. Se a lei permanecer em
silêncio a respeito da punibilidade de uma ação
particular, não é possível falar em punibilidade.
Para ela, a ação não é um delito. Por isso, em
caso nenhum pode existir uma determinação por
analogia. Cremani, De jure crimin., t. 1, p. 243;
Sageo, Sopraprínc. -deliaprobab.
Pode-se admitir como reconhecida juri-
dicamente, e permitida no direito romano, a teo-
ria da interpretação extensiva e restritiva que aqui
foi rejeitada conforme os princípios meto-
dológicos gerais? Isto também se assevera e es-
pecialmente está em relação com o mesmo o tít.
D. de legibus. Invoca-se, antes de mais nada: L. 17
de legibus. Sáre leges, non est verba tenere, sed vim ac
potestatem.
Porém verba tenere não significa, em ab-
soluto, seguir a expressão direta da lei, mas se
apegar à letra, como acontece na Inglaterra, por
exemplo. Ela deve ser procurada expressa na re-
gra. Esta norma justifica nossa operação supra
mencionada.
Do mesmo modo podem ser explica-
dos L. 29 e 30, D. L . 5, C. ib. Mais difícil é L. 10
D., de legibus. L. 12 e 13, ib. (1, 3). L. 10. Negue
leges, neque senatusconsulta ita scribi possunt, ut
omnescasus, qui quandoque ináderint comprehendantur,
46 FRIEDRÍCH K A R I . VON S A V I G N Y

sed suffiàt et ea, quae plerumque accidunt contineri. L.


12. Non possunt omnes articuli singillatim aut legibus
aut senatusconsultis comprehendi, sed cum in aliqua causa
sententia eorum manifesta est is qui iurisdictionipraeest
ad similia procedere atque ita ius dicere debet. L.-13.
Nam, ut ait Pedius, quotiens lege aliquid unum veí
alterum introductum est; bona occasio est, cetera, quae
tendunt ad eandem utilitatem vel interpretatione velcerte
iurisdictione suppleri.
E de supor que, em todas esta leis, foi
abordado um caso que não está expressamente
determinado em nenhuma regra legal e que, por
conseguinte, deverá ser decidido segundo prin-
cípios fundamentais superiores, enquanto é
construída a regra superior da decisão de outro
caso semelhante. Trata-se de uma analogia do
mero procedimento, o qual é correto porque é
necessário, e não de uma modificação da lei.
Certamente, só será possível um aperfei-
çoamento da lei através do legislador, mas nun-
ca através do juiz. Isto é: Is quijurisdictionipraeest.
O pretor tinha tal faculdade, mas não o juiz de
nossos dias. A L. 13 cit. distingue, inclusive, en-
tre interpretatio e iurisdictio.
Do mesmo modo aqui pertence L. 32
§ 1 C. De quibus causis scriptis legibus non utimur,
Q

id custodiri oportet, quod moribus et consuetudine


inductum est: et si qua in re hoc\ deficeret, tunc quod
proximum et consequens ei est (et sc.: quod in legibus
decisum).
Esta última parte não é analogia, como
se desprende de L. 14, ib. Sed vero contra rationem
iuris receptum est, non estproducendum ad consequentias.
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 47

Aquilo que for exceção a uma regra le-


gal, aquilo que for particular, não se pode es-
tender, por analogia, para outros casos semelhan-
tes.
Em nenhuma de todas essas passagens,
encontra-se aprovação alguma ao procedimen-
to condenado aqui por interpretatio extensiva e
restritiva. Pelo contrário, existem várias passagens
que expressamente o reprovam. L. 20 e 21, de
legibus. Non omnium, quae a maioribus constituía sunt
ratio reddipotest et ideo rationes eorum quae constituuntur
inquiri non oportet: alioquin multa ex his, quae certa
sunt, subvertuntur.
Estas passagens foram consideradas ri-
dículas, mas, vistas de um ângulo prático, dizem
o seguinte: p,ão se deve fazer uso prático da pes-
quisa da razão da lei.
Isto que acabamos de afirmar ficará bem
esclarecido com uns exemplos. L. 2, C. de rescind.
vendit.
Se uma venda foi acordada de modo tal
que foi pago um preço muito inferior ao verda-
deiro, ou a venda não é válida, ou deve ser pago
o restante. O imperador introduziu a eqüidade
(humanum;est) como a razão geral deste preceito.
Desse fato se deduziu que esta norma é aplicá-
vel a toda negociação onerosa, como compra,
locação etc. Trata-se, portanto, de uma interpre-
tatio extensiva, e não de um procedimento ana-
lógico, porque, para os outros casos, já existe
uma norma geral, para os quais se deve esten-
der a L. 2. cit., e esta é: devem-se assegurar os
arrendamentos e demais. Frente à regra da eqüi-
48 FRIEDRÍCH K A R I . VON S A V I G N Y

dade, encontra-se outra muito mais importante,


a do caráter sagrado dos contratos, de forma tal
que esta suprime aquela. Se assim não aconte-
cer, deve existir uma razão especial. Esta só é
freqüente no caso da venda. Amiúde, devido à
necessidade de receber dinheiro, o vendedor vê-
se forçado a vender a coisa, sem que esteja pre-
sente um dolus. Tal necessidade não se concebe
em outros negócios jurídicos. A norma é, en-
tão, muito simples, refere-se somente à venda,
Art. 159, CCC (Constitutio Criminalis Caro Una).
Esta lei fala do furto qualificado e de seu casti-
go. O furto deve ser castigado, mas, com mais
severidade, nos seguintes casos:

• casos de fratura;
• casos de escalamento;
• casos de utilização de armas.

E o legislador, ao mesmo tempo, adicio-


na a razão: porque, nestes casos, o furto é mais
perigoso.
Nesta situação, a maioria dos juristas em-
prega uma interpretatio restrictiva no momento em
que convertem a razão da lei em uma regra prá-
tica e exigem sempre o perigo para aplicar a re-
gra. O legislador — afirmam eles - determina ex-
pressamente o perigo para a vida e a saúde de
outrem, como fundamento. Então, essa pena
mais severa só poderá ser aplicada quando for
possível comprovar dito perigo.
Feuerbach (Direito penal, § 325), o intér-
prete mais moderno, com certeza chega a um
M E T O D O L O G I A J URÍDI C A 49

resultado correto, embora explique a razão de


forma errada desde que supõe o perigo para o
Estado e imputa este pensamento ao próprio au-
tor do- Procedimento no criminal (PHO, Peinliche
Halsgerichtsor dnung).
Evidentemente, a pena é aplicável em
cada um dos três casos mencionados. Poder-se-
ia supor que o legislador teria adicionado a ra-
zão de forma errada, já que poderia ter pensado
que não em todos os casos tal perigo iria surgir
- mesmo assim, o juiz não poderia suprimir o
erro — mas não é necessário supor tal perigo,
porque na grande maioria de tais casos de furto,
surgirá o perigo para a pessoa. Por este motivo,
o legislador estabeleceu a norma sob forma to-
talmente geral, visando a manter o juiz afastado
de toda-arbitrariedade, porque temia que este
pudesse fazer uso da norma de forma tal que
resultasse alterada.
Todavia, estas suposições são desneces-
sárias, uma vez que toda esta interpretação se
apóia sobre um mal entendido, já que tanto
aqui, quanto em outros trechos do P.H.O. (cf.
arts. 40 e 88), "perigoso" {gefàhrlich) significa "de
propósito", "intencionalmente". Do mesmo
modo, como se diz em sentido contrário: "não
por perigo" (ungeführ - acaso), ou seja, "sem in-
tenção", "sem propósito". O furto manifesta-
se aqui como uma categoria especial de dolus, e,
como tal, é castigado mais severamente. Art.
178, CCC.
De forma alguma, deve-se recriminar um
erro à legislação.
50 FRIEDRÍCH K A R I . VON S A V I G N Y

O fundamento geral da pena do delito


consiste em que, por medo do castigo, as viola-
ções do direito serão evitadas. Neste artigo, de-
clara-se punível algo que tão só é o começo da
lesão do direito: o cognato (= a tentativa).
Como se chega ao castigo do mero.
cognato a partir do fundamento geral da puni-
bilidade: impedindo a violação do direito? Exis-
tem casos nos quais a ação que contém o cog-
nato é um delito em si, e também existem casos
nos quais o mero cognato não contém nenhum
outro delito. O fundamento geral da punibilidade
— diz-se - rege unicamente para o primeiro caso,
mas não para o segundo. Por esse motivo, o
cognato é punível só no primeiro caso. A lei deve-
ser interpretada restritivamente, já que o funda-
mento não rege para todos os casos contempla-
dos pela lei.
Mesmo no suposto de que, na determi-
nação da lei (pena também para o segundo caso),
possa ser comprovada uma verdadeira inconse-
qüência, o juiz hão poderia interpretar restriti-
vamente, porque isto só é um assunto do legis-
lador. Não é assim, porém. E suficiente indicar
que ações que, em si, não significam nenhuma
violação do direito, podem, contudo, ser consi-
deradas puníveis para evitar as lesões do direito.
A razão pela qual o cognato representa uma vio-
lação do direito é esta: no cognato não se ob-
servam os atos que nele acontecem, mas a dis-
posição de ânimo. Existem casos nos quais o
delito é tão provável, que nem mesmo penas
severas impedem o delinqüente de cometê-lo, a
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 51

consumação, porém, é pouco provável. Se uma


pena para o cognato for estabelecida, ela impe-
dirá o delito mais facilmente, e, assim, a ameaça •
do cognato operará indiretamente sobre que se
evitem os delitos, conseguindo-se, assim, tam-
bém indiretamente, o fundamento geral das leis
penais.

Aplicação desta crítica geral da interpretação extensiva


e restritiva à crítica de escritos penais particulares

Todo este procedimento que condena-


mos pode ser resumido sob um nome 'geral:
aperfeiçoamento da jurisprudência pela sua for-
ma. Esta recriminação cabe principalmente aos
penalistas modernos, porque ultimamente o di-
reito penal tem sido intensamente elaborado.
Isto foi discutido tão abertamente, que até po-
der-se-ia acreditar que teriam surgido dois par-
tidos. Não é assim, porém, porque em todos
eles se encontra a mesma máxima: o aperfei-
çoamento formal das leis. Diferem somente na
aplicação particular do dito aperfeiçoamento.
Muitos desejam unir a natureza da coisa - o
que alguns denominam direito natural - com
aquela máxima. Supondo que, neste lugar, não
existe nenhum mal entendido, resta sempre
censurar o que dissemos anteriormente, falan-
do da elaboração histórica, ou seja, que não se
elaboram fontes particulares por si mesmas, ex-
traindo delas o resultado. Pelo contrário, mis-
turam-se essas fontes: leis positivas e direito na-
tural.
52 FRIEDRÍCH K A R I . VON S A V I G N Y

Geralmente encontra-se essa máxima mes-


mo nos sistemas penais contrapostos. Tittmann
(professor), Strafrechtswissenschaft, Leipzig, 1800,
no § 149 da sua obra se refere especialmente à
natureza da coisa. ••
O autor principal é Feuerbach, em par-
te, porque abrange a ciência com uma especial
erudição e, em parte, porque formula novos
princípios, prescindindo totalmente de opiniões
anteriores. Todavia, nem mesmo ele é comple-
tamente livre das nossas falhas. Isto se observa
especialmente no § 73, que admite uma exce-
ção à prescrição qüinqüenal dos delitos carnais,
no caso de estarem acompanhados de lesão pes-
soal. A L. Jul. de adult. estabelece prescrição de
cinco anos a respeito de todos os delitos que
contém.
Qualquer outro delito prescreve em vinte
anos, inclusive o estupro, porque nele há vis pu-
blica. Esta decisão é meramente histórica e aci-
dental. Isto deve ser evitado. É expresso por
Feuerbach, mediante a mencionada exceção da
lesão corporal. Assim, tira-se à legislação todo
caráter histórico. Do mesmo modo, isto se en-
contra na transcrição da parte geral ou filosófi-
ca, na qual estão inclusas muitas coisas não filo-
sóficas, por exemplo, a prescrição.
Encontramos a mesma falha em Kleinsch-
rod (.Systematische Entwicklung despeinlichen ~&echts)
em um grau muito maior. Com absoluta clareza,
aparece ria sua explicação sobre a interpretação
extensiva e restritiva. A exposição é deficiente e
carece de preparo.
METODOLOGIA juáDiCA 53

Influência da filosofia na jurisprudência

Todo sistema nos leva à filosofia. A apre-


sentação de um sistema meramente histórico
conduz a uma unidade, a um ideal no qual se
fundamenta. E isto é filosofia.
Já nos tempos antigos, a filosofia teve
influência sobre o sistema, mas, em geral, so-
mente sobre a forma. Todos os esforços dos ju-
ristas no sentido de elaborar a jurisprudência,
logo foram esquecidos ou ridicularizados, en-
quanto as elaborações históricas perduraram. A
razão consiste em que, na jurisprudência, há
muitos juristas medíocres, e é possível pensar
com mediocridade na elaboração histórica, mas
não na filosofia. Nos tempos em que a preocu-
pação só estava voltada para a antigüidade, o
mérito filosófico foi desconhecido para aqueles
que não se encontravam entre os medíocres.
Posteriormente, isto mudou, e teve de
mudar numa época em que a filosofia começou
a ser elaborada como uma especialidade inde-
pendente. A obra de Grocio (H. Grotius, De jure
bellracparis) deveria, com propriedade, ser uma
moral histórica, que o autor-não queria separar
do direito natural, porém, sua fama deu motivo
para tal separação. Muitos eruditos elaboraram
apenas o direito natural, e, nas academias, fo-
ram proferidas palestras sobre o assunto. Exis-
tem duas classes' de elaboradores do direito na-
tural (principalmente segundo as faculdades):
juristas e filósofos. A intenção principal de to-
dos eles foi a mesma, somente diferiram na ex-
54 FRIEDRÍCH K A R I . V O N S A V I G N Y

posição. Os direitos naturais jurídicos estabele-


ciam as verdades jurídicas de forma abstrata e,
depois, esperavam encontrá-las por meio da fi-
losofia. Os direitos naturais filosóficos percor-
riam outro caminho. O direito natural devia ser
considerado como uma fonte subsidiária dos
princípios positivos. Nesta visão se apoiava todo
o direito natural, a? classes jurídicas olhavam o
texto histórico, enquanto as classes filosóficas
eram mais vazias e mais pobres.
Uma elaboração jurídica desse tipo é a
de Gros (Rechtswissenschaft, Tübingen, 1802), que
introduz a propriedade pretoriana no seu direi-
to natural.
Fichte foi quem introduziu a primeira
mudança significativa. Ao invés de partir de uma
somatória de princípios práticos, descobertos já
a priori, partiu de fundamentar filosoficamente
o ponto de vista da legislação, ou seja, da juris-
prudência. Suas idéias vão ascendendo grada-
tivamente. Sua primeira, obra foi publicada anô-
nima: Beitrãge %ur Berichtigung der XJrteile des
Vublikums über die fran^osische Kevoiution. Na sua
Naturrecht, há uma quantidade consideravelmente
menor de princípios práticos". Sua última obra é
Dergeschlossene Handelsstaat, com uma concepção
totalmente política.
Nestas obras de Fichte, comprovou-se
quanto é necessária, na elaboração filosófica da ju-
risprudência, a vinculação com á política. Nota-
se que até o próprio Fichte parece não ter perce-
bido, pois incorre em muitas exposições políti-
cas das quais, aparentemente, não é consciente.
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 55

Desde Fichte não se tem feito muito pela


elaboração filosófica da ciência jurídica, mas é
de se esperar que de novos esforços, totalmente
diferentes dos trabalhos anteriores, surjam no-
vas opiniões. Com estas características, apareceu
em Frankfurt, uma ZeitschriftfiirRechtsmssenschaft
(de Molitor e Kollmann), que, fora de discus-
são, contém o melhor juízo sobre o direito na-
tural de Fichte. Prescindindo do fato de que está
escrito com grande genialidade, algumas frases
deixam uma impressão desagradável. Tem-se a
impressão de que algo excelso foi profanado,
percebe-se que é um produto da época. Goethe
emitiu uma ponderação eternamente válida so-
bre todos esse escritos. Wilhelm Meister, t. 3, p.
81, Berlim, Ünger, 1795; "Não encontrei nos
atores de teatro, e em geral, arrogância pior que
quando alguém tem pretensões de espírito, en-
quanto nem sequer a letra é compreensível e
habitual para ele".
A opinião corrente a respeito do es-
tudo do direito natural é que este deveria prece-
der, como conhecimento prévio, o estudo da ju-
risprudência positiva. Mas, considerar uma ciên-
cia filQsófica apenas como conhecimento pré-
vio de uma ciência histórica, seria degradá-la. Po-
rém, nem sequer como conhecimento prévio a
. filosofia é absolutamente necessária para o juris-
ta. A jurisprudência pode ser estudada perfeita-
mente tanto com o direito, quanto sem ele. Isto
flui do fato de que a jurisprudência pôde flores-
cer perfeitamente em épocas nas quais não se
estudou filosofia alguma, e, se foi estudada, foi
56 FRIEDRICH K A R L VON S A V I G N Y

de modo tal que não poderia ser considerada


como filosofia. Quem não tiver inclinação para
a filosofia, é melhor que a deixe. O seu estudo
requer a vida toda, e não tão só metade de um
ano.
Segunda Parte

METODOLOGIA DO ESTUDO
LITERÁRIO DA JURISPRUDÊNCIA

Observações preliminares a respeito


dá leitura crítica e histórica

Como é possível aplicar o estudo dos li-


vros jurídicos ao estudo geral da jurisprudência?
Ao se ler um ou vários livros sobre qual-
quer matéria, nota-se a preponderância de um
escrito determinado sobre o próprio saber e, en-
tre muitos, é difícil escolher. Da mesma forma,
também não se sabe se uma nova obra é melhor
do que as realizadas até o momento. Em pou-
cas palavras, existem as seguintes regras:

• deve-se ler criticamente;


• deve-se ler historicamente.

Deve-se kr criticamente. Ler significa aumen-


tar os próprios pensamentos sobre uma maté-
ria, que se tenta elaborai: mediante o conheci-
mento de um esforço realizado anteriormente
sobre essa mesma matéria. Ler criticamente sig-
nifica ler de modo tal que seja possível formu-
58 FRIEDRÍCH K A R I . VON S A V I G N Y

lar, concomitantemente, um juízo. Julgar uma


obra significa descobrir como ela se corresponde
com o seu ideal. Por esse motivo deve-se saber:

• qual é a missão;
• que fez o autor para resolver o pro-
blema.

Quando se lê, poucas vezes se tem co-


nhecimento do problema. Geralmente, ele de-
corre da própria leitura.
Esta maneira de ler criticamente é uma
regra para toda leitura. Parece paradoxal que,
mesmo um principiante, possa ler criticamente
uma obra mestra. Mas isto desaparece se o con-
ceito correto (comparação com o ideal) for vin-
culado à crítica. Existe a crítica de admiração a
uma obra mestra e a de condenação a uma obra
ruim.

• Trata-se de produzir algo em qual-


quer parte da ciência, por si só, e o
mais perfeito possível. Isto é muito
necessário e muito importante, por-
que não existe melhor aclaração para
uma obra alheia que a própria.
• Devem-se ler as obras mestras. Não
é o caso de ler muito ou pouco, mas
de ler o melhor, o excelente, e de ter
prática para julgá-lo.

Em se tratando de obras particulares é


necessário fazer o esforço de se concentrar o
máximo possível na obra a criticar. Esta tarefa é
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 59

tanto mais difícil quanto mais amplo for o ma-


terial. Para isso, um meio excelente é, desde o
início, fazer apontamentos, o mais breves possí-
veis e escrever uma opinião determinada, fato
que, geralmente, acontecerá de maneira auto-
mática.

Deve-se ler historicamente. É possível conce-


ber um estudo sem leitura, realizado diretamen-
te das fontes. Mas, se for feita uma leitura, deve-
se ler historicamente, ou seja, em conexão com
o todo. Deve-se ler tudo, isto é, no mínimo, co-
nhecer todas as obras. Neste ponto, podemos
pensar em qualquer escrito em forma dupla, ou
seja, em uma série sincrônica na qual cada obra
figura como uma parte do todo, e cronológica,
isto é, em relação à totalidade da época à qual a
obra pertence, porque cada escritor está limita-
do também pelo período anterior. Se cada autor
for considerado nesta dupla relação, a leitura será
realizada historicamente. Só de posse de um pa-
norama geral de todo o campo da literatura, é
que se pode estudar um determinado autor, e
só assim será possível uma leitura crítica. Desta
maneira, ao criticar várias obras, exclui-se a pos-
sibilidade da existência de outra obra melhor.
Este requisito de ler tudo aparenta ser
difícil mas, no fundo, o plano mais perfeito é,
ao mesmo tempo, também o mais fácil e, desta
forma, evitam-se, em grande medida, os vácuos.
A realização de um plano não deve estar atrela-
da a um tempo determinado, ela só deve ser exe-
cutada proporcionalmente. Desta forma, o re-
60 FRIEDRÍCH K A R I . V O N S A V I G N Y

sultado não será tão difícil. Assim, o estudo da


literatura estará vinculado ao da história da lite-
ratura, o que comprova a justeza do plano.
Para este objetivo o meio auxiliar é, no-
vamente, uma visão geral da literatura e o fàto
de tentar abordar a obra por partes.
Estas duas regras de ler, crítica e histori-
camente, estão em perfeita relação. Segundo a
primeira, pensa-se o livro como parte de um
todo ideal, e, conforme a segunda, como parte
de um todo real, o que indica que o estudo
metodológico deve estar relacionado com a ela-
boração histórica da literatura.

Aplicação das regras indicadas em partes


especiais do estudo jurídico .

Neste ponto, não se deve esperar uma


exposição completa da literatura, em parte por-
que o número das obras jurídicas "é grande "de-
mais, em parte porque elas se estendem até os
dois campos do direito civil e do direito penal.
Devem-se revisar o mais rapidamente possível
os dados e notícias sobre literatura.
Toda história literária da jurisprudência
está dividida em duas partes:

• história da elaboração científica;


• resultados da elaboraçaó, conheci-
mento de livros.

O que foi feito para a elaboração da ciên-


cia? Duas regras são decisivas:
M E T O D O L O G I A JTÜTIDICA 61

a) Pode ser considerada a sucessão in-


terna na ciência e ser tomada em
conta a menor quantidade possível
de evoluções. Entre cada período
científico e o seu anterior, sempre
existe uma íntima relação.

Este importante ponto foi muito descui-


dado na jurisprudência, na medida em que con-
sideram novos períodos, sem vinculação algu-
ma com os anteriores. Por exemplo, desta for-
ma se supõe que, no período dos humanistas,
surgiu uma elaboração totalmente nova. Esta
opinião é completamente falsa. Tudo o que exis-
tia anteriormente, permaneceu. Só começou uma
nova classe de conhecimentos que se adicionou
ao todo.-Isto aparecerá com clareza se lermos
um dos humanistas antigos, Alziat ou Zasius.
Nunca se deve supor uma revolução absoluta.

b) Em cada período, tenta-se descobrir


o ponto de vista que se tinha no
momento de elaboração das ciências.

• O que era postulado como ideal,


como missão?
• O que fez cada um para resolver
o problema?

Até o momento, na elaboração da his-


tória da literatura, tem-se separado a história da
ciência, em sentido estrito, da biografia, a histó-
ria dos eruditos. Isto é unilateral. Efetivamente,
62 FRIEDRÍCH K A R I . VON S A V I G N Y

o que deve constar na história dos eruditos ou


tem influência sobre a ciência — e então perten-
ce à mesma ciência — ou nãó tem influência —
não pertencendo, portanto, ao tema. Ao mes-
mo tempo, esta divisão é quase geral, e por isso
se formula a pergunta: O que foi feito, no senti-
do estrito, pela história da literatura?
Quase nada. A maioria das obras são li-
vros e catálogos de eruditos. Louva-se dentre
eles: Literaturajúris, de Hommel, mas são meras
compilações de informações, misturadas, às ve-
zes, com piadas.
Alguma coisa foi feita pela biografia, que
é preciso agradecer e justamente a parte mais
difícil é a que melhor elaborada está, ou seja, o
primeiro período, que abrange o estudo em Bo-
lonha, nos séculos XI e XII. Existe uma obra
clássica a respeito. Sarti, um italiano, começou a
editar a biografia dos mestres de Bolonha, ela
foi acabada, sob o papado de Clemente XIV, por
Vaturini, que editou o primeiro volume corres-
pondente ao período do século XI até o século
XIV.
De claris archigymnasii bononiensis professo-
ribus, Bolognae, 1769, 1770. Considerada como
obra histórico-crítica, é clássica.
A respeito das épocas seguintes, nada
foi feito em forma completa. A obra mais com-
pleta é: Guido Panzirolus, De claris legum inter-
pretibus.
No século XVII, apareceram: Jugler, Bei-
tràge %urjuristischen Biographie, seis volumes. Mui-
to exata, embora não seja uma biografia como
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 63

parte da história da ciência. É um mero registro


de informações, o que também não é ruim.
Ultimamente, apareceram duas obras:
Hópfner, Biographis von Wenck, a respeito da qual
só seja de lamentar que Wenck não tenha sido
jurista.
Depois, a única magistral Biografia de Bran-
dis, de Spittler, em Mag. E. 1 de Hugo cit. Apre-
senta de forma muito apropriada a relação do eru-
dito com a ciência.
Conhecimento de livros. A este respeito
seria desejável.

a) De um ponto de vista bibliográfico,


um repertório geral de todos os es-
critos jurídicos.

No século XVII, Lipenius (m. 1692), que


não foi jurista, editou algo semelhante para as
quatro faculdades:
Lipenius, Biblioteca realisjurídica, 1679 nov.
1756, na base do qual, de forma imerecida, foi
construído tudo o que posteriormente se fez. O
plano é bastante medíocre. A exposição, pior
ainda.
Struv e Jenichen fizeram algumas contri-
buições. Além disso, as matérias são duvidosas.
Posteriormente, foram publicados dois
suplementos: por Schott (em Leipzig), que ade-
re a Lipenius, porém, com informações mais se-
guras, e depois por Senkenberg. Novamente,
com menor fidelidade que Schott, Bõttcher (em
Herborn).
64 FRIEDRÍCH K A R I . V O N S A V I G N Y

Uma revisão total seria necessária.

b) Também é de desejar um catálogo


razoado sobre livros jurídicos, espe-
cialmente para o principiante. Uma
obra de conteúdo menor, mas que,
ao mesmo tempo, abranja mais que
a anterior. Um índice sistemático de
todos os escritos úteis", com úmâ bre-
ve crítica, ou seja, notas sobre modo.
e grau de sua utilidade.

Um trabalho muito mais difícil do que


o anterior. O autor deve ter um conhecimento
pleno da literatura e do direito. O melhor seria que
fosse realizado por uma sociedade de juristas.
O trabalho é difícil demais para uma pessoa só.
Temos:
Struv, IMbliothecajúris. ex. ed. Buderi, Jenae,
1756, que, em alguns aspectos, segue este pla-
no. É bastante útil e pode ser recomendado. De-
pois, deveria ser apresentada a nova literatura.
Isto já resulta mais fácil. Com o dito propósito,
o melhor são as instituições de recensão e os
institutos críticos. Os melhores eram as bibliote-
cas de Bach e Schott, mas logo se dissolveram.

Indicação detalhada de uma-bihlioteca jurídica

Deve seguir a mesma trilha que a meto-


dologia absoluta segue. Assim sendo, primeiro
há de se tratar de interpretação, depois, de ela-
boração histórica e, finalmente, de sistema.
M E T O D O L O G I A J URÍDI C A 65

Direito civil

INTERPRETAÇÃO

O que foi feito em prol da interpreta-


ção das fontes? •
Aqui não corresponde realmente ao es-
tudo das fontes, más ao seu tratamento, e tão só
a respeito de cada fonte, ou seja, de cada texto
impresso, dos que. já existem alguns esforços crí-
ticos.

Obras gerais

1. A respeito da jurisprudência pré-justiniana.

• O que colecionou Schulting

Jurisprudentia antejustinianea

Escritos de Caio, Paulo, Ulpiano, e ou-


tros. A crítica do texto é descuidada, mas a in-
terpretação. é muito importante, particularmen-
te para o conhecimento do,direito justiniano
prático. Após Schulting, pouco foi feito nesse
sentido. De qualquer modo, mais pela crítica que
pela interpretação. Assim foram editados: Ulpia-
nüs,Gottingaé, Í788, 8 e ; Paulus, Berol, 1795, 8 9 ;
ambos por Hugo, porém o segundo foi melhor
preparado. A edição é especialmente importan-
te, porque está acompanhada de uma visão com-
pleta das edições destas obras antigas.
OO FRIEDRÍCH KARI. V O N S A V I G N Y

Cajus, Lp., 1792, 8fi, foi preparado por


Haübold com notas de Meermann.

• O Código teodosiano

Nele Gothofred fez quase tudo. O pon-


to de vista mais importante para sua utilização é
a legislação da época dos imperadores cristãos.
Por muito importante que o estudo do Código
teodosiano seja, perde muito do seu aspecto prá-
tico, devido ao fato de que uma peça do mesmo
chegou até nós muito impuro', através do breviá-
rio alariciano. E esses cinco primeiros livros con-
têm precisamente o direito privado.

2. Coleção justiniana de leis

• Crítica

O direito justiniano consta de quatro


partes. Algumas delas foram impressas já no sé-
culo XV, com bastante freqüência e dedicação
(por exemplo, as Instituições, 1468, em Mainz).
Não foram elaboradas criticamente. Um famo-
so humanista, Policiano, fez, pela primeira vez,
uma comparação entre as Pandectas e o código
florentino. Bolognini advertiu sobre isso pela pri-
meira vez.
Muito foi feito no século XVI. O pri-
meiro elaborador verdadeiro foi Haloander.
Entre os anos 1529-1531, editou todo o direito
justiniano. Depois dele, muito fizeram Konzius,
Panzius, Charondas e Russard.
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 67

De 1580 a 1776, nada se fez pela crítica.


Em 1583 Gothofred editou o direito justiniano
sem as glosas, num papel ruim, com letra pe-
quena, com algumas notas em formato 4 9 . Esta
edição ruim era muito barata e foi reproduzida
muitas vezes. Toda elaboração crítica paralisou
completamente.
No início do século XVIII, falou-se bas-
tante a respeito de uma nova edição. Brenkmann
viajou para a Itália a fim de colecionar novamen-
te a Florentina. Morreu por lá, legando seu ma-
nuscrito para Bynkershoek, que nada pode fa-
zer para dar continuidade. O manuscrito, que
pertencia à biblioteca de Bynkershoek, foi com-
prado por Gebauer, por 1.050 gulden, e o pri-
meiro volume foi publicado em 1776. O segun-
do volume, elaborado por Spangerberg, apare-
ceu após a sua morte, em 1797.
O resultado total desta nova elaboração
é muito insignificante. Porém, há nela mais apa-
relho crítico do que em todas as outras edições.
Contudo, não só a exposição poderia ter sido
melhor, também o plano foi erroneamente tra-
çado. Se a Florentina era considerada como o
único manuscrito original, não deveria ter sido
admitida variante alguma. Pelo contrário, todas
as versões deveriam ter sido consideradas e não
deveriam ter sido reunidas sob o nome de Vulga-
ta, porque cada manuscrito tem o valor de ma-
nuscrito original e constitui uma fonte própria.
A respeito do valor da edição gebaue-
riana das Instituições e Pandectas, v. Dr. Meyer,
Gõtt, 1777.
68 FRIEDRICH K A R L VON S A V I G N Y

• Interpretação do direito justiniano

Na prática, esta é muito importante. É


necessário perguntar: o que foi feito pela inter-
pretação do texto global?
Temos muitos e muito úteis commentarii
perpetui sobre as Instituições. O melhor deles é
o de Vinnius. A respeito das outras partes, os
comentários eram muito difíceis devido à sua ex-
tensão. A maioria das obras que têm tais títulos
apenas contém observações práticas a leis indi-
viduais, por exemplo, Brunnemann {adpand).
Faber tinha o plano (rationa&à) a respeito das
Pandectas, mas só entregou vinte e cinco livros.
A sua obra é útil.
Sobre o direito romano global existe só
um intento: a glosa. Ela há de se usar:

a) Em sentido crítico; Os glòsadores


não tinham à sua disposição nada
além dos manuscritos. Amiúde, so-
. bre o texto faziam observações, das
quais pode-se deduzir a versão que
serviu como base. As vezes, há mui-
tas variantes.
b) Em favor da história literária, devi-
do a que dela surgiram muitas opi-
niões dos juristas posteriores.
c) Como commentariusperpetuus sobre os
códigos justinianos. Neste sentido,
são tanto mais úteis quanto menor
conhecimento da história e da anti-
güidade se supõe, e quanto mais se
.\Í.-TODOIX>GIA J U R Í D I C A 69

tratar de uma interpretação lógica do


texto. Sua utilização é difícil para
... nós. Primeiro, porque as edições, na
sua maioria, estão impressas muito
deficientemente, contendo mais er-
ros do que o próprio original, e se-
gundo, porque o que temos como
glosa é um extrato defeituoso e ruim
. dos escritos dos glosadores. Francis-
co. Accursius, o último dos glosado-
res, preparou esses extratos que nós
mal chamamos de glosas. Provavel-
mente ele era o pior de todos. Al-
guns glosadores devem ter sido ex-
celentes, especialmente Johannes e
Azo. Deste último conserva-se uma
"' lectura in Codicem, com a qual toda a
glosa se converte em código, porém
' . . • e rríuito pior que a lectura. Konzius
foi quem a editou, pela primeira vez,
em Paris, em 1577.

Seria muito útil um lexicon completo.


Neste caso não se trata de real léxica, mas de
verbal léxica. Dos existentes, apenas um pode
ser mencionado aqui; Barnabas Brissonus; De
verboruffi significatione noviss. edid. Heineccius cum
praefat. Boehmeri, Halae, 1743. Muito tem ser-
vido: Joan, Wunderlich, Additamenta ad Brisso-
nium.
Também é útil para juristas, Gesneri,
Thesaurus linguae latinae-. ajuda precisamente a
compreender Brissonius.
70 FRIEDRICH K A R L VON S A V I G N Y

Livros especiais

Interpretação de passagens individuais


das fontes.
Neste campo, ao invés de pouco, tem-
se feito demais. Os escritos abrangem:

• Grandes partes de uma fonte particular

Pertencem a eles especialmente os co-


mentários a respeito de títulos inteiros das Ins-
tituições, do Código e das Pandectas. Por exem-
plo, apareceram vários a respeito dos títulos D.
de verborum significationibus e regulis júris, especial-
mente de J. Godefroi e de Faber.
Além disso, explicações de escritos com-
pletos dos juristas antigos, por exemplo Paulus,
Ulpiano. Isto aconteceu particularmente na es-
cola francesa. Cuiacio comentou todo o traba-
lho de Papiniano, Paulo ad edíctum.
Pode ser encontrado, com uma indica-
ção, na história do direito de Bàch. E necessário
um meio auxiliar, um index historicus, para esta
segunda classe de interpretação. Já no século
XVI se pensou a respeito.
Labitti, index, Parisiis, 1557, 8 9 , revisado
por Wieling, Jurisprudentía restituta, Amsíel, 1727,
8Q. É muito útil.
Haubold prometeu uma nova revisão.
Além disso é correto que seja impresso sempre
nessa ordem. No que tange às Pandectas, Hommel
fez a mesma coisa. Hommel, Palingenesiajúris., Lp.,
1767,1768, 8», 3 ts.
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 71

Mesmo sendo útil, sua correção admite


certas objeções.
Os escritos abrangem:

• Ou esclarecem só alguns fragmentos

Neste ponto, o mais difícil é achar o me-


lhor caminho. Quando se conta com as opera omnia
dos juristas mais significativos, consegue-se ter
reunida a maior parte. Em seguida, vêm as co-
leções de pequenos escritos para interpretar, es-
pecialmente o Tbesaurus de Otto e Meermann,
Htintcch,jurisprud. romana et attica.
A maioria tem índices.
Haubold, Praecognita júris romani, Lp.,
1796, 8®.
Além disso, existe um grande número de
pequenos escritos que não aparecem em nenhu-
ma coleção e figuram sob o nome de observationes,
eniendaiiones, inlerpretationes.
Seria muito útil um registro geral sobre
tudo isto e sobre toda a interpretação jurídica.
Já no século XVI começou a ser oferecida tal
coisa. Em primeiro lugar está: Marc. Anton. dei
Rio, Ex miscellaneorum scriptoribus Digest. Codic. p.
interpretado, Paris, 1580, 4®.
Posteriormente editado em forma mais
completa por Brossáus, Lion,. 1590, 4 9 ; Apare-
ce impresso em várias edições do corpus iurisglos-
sati. No século XVIII, Hommel quis elaborá-lo
novamente, mas só apareceu a primeira metade
como Corpus iuris ávilis cum notis variorum, Lp.,
1768, 8 9 .
72 FRIEDRICH K A R L V O N S A V I G N Y

Só passa pelas Instituições e as Pandectas,


mas seria de desejar mais perfeição e uma sele-
ção mais apropriada. É, porém, muito útil, es-
pecialmente a respeito das coleções.

ELABORAÇÃO HISTÓRICA

Esta parte está muito incompleta e os es-


critos, na sua maioria, são ruins. Desde muito
cedo, fez-se uma distinção entre história interna
e externa. Da história externa do direito, deve-
riam constar todos os fatos que não contives-
sem princípios jurídicos em si. A história inter-
na do direito (antiquitates) deveria conter todo o
aspecto histórico dos mesmos princípios jurídi-
cos, ou seja, a evolução do sistema.
Nos últimos tempos, os autores afasta-
ram-se, e com razão, desta separação, que tem
algo de incômodo e arbitrário. A melhor obra, e
praticamente a única útil, é: Rechtsgeschichte de
Hugo, 2 a ed., 1799.
Considerando sua forma é ótima. No
que se refere ao material, devido à sua brevida-
de, faz com que não seja desnecessário nenhum
dos livros antigos para serem usados em aula.
Entre esses antigos figura:

a) a obra principal para a história exter-


na do direito: Bach, Historia iuris, 8B.

A última edição realizada por Stockmann


contém importantes adendos, particularmente
nas notas. Haubold os tornou fáceis por meio
de tabelas.
M E T O D O L O G I A JUÍUDICA 73

História iuris romani tabu lis illustrata, Lp.,


1790, 4a.
Também é boa a história do direito de
Heineccius, à qual Ritter, e depois Silberrad, adi-
cionaram oportunas notas (Strassburg, 1765,8S).

b) para a história interna do direito é


" . ' muito importante a obra de Hugo,
a única, aliás, desta índole.

Sigonius, De antiquo jure populi romani,


noviss. Italae, 1750, que apareceu pela primeira vez
no século XVI. O plano desta obra não é apre-
sentar uma história do sistema do direito, mas ex-
plicar os clássicos. Por esta razão, tem uma cer-
ta limitação, que se evidencia ainda mais na expo-
sição, e é o fato de ser desigual. Não obstante, é
muito útil, e de ótimo estilo e, devido ao fato de
que abrange toda a antigüidade, indispensável.
Além disso, nas notas de Schulting, en-
contra-se reunido muito material para o direito
antigo. Também Gothofred, no seu comentário
sobre o Código teodosiano, ofereceu uma con-
tribuição muito importante a respeito do direi-
to na época dos imperadores cristãos. | 1
Temos compêndios mal sucedidos de
obras antigas, como o de Selchow (completa-
mente inútil), e o de Heineccius (nova edição por
Leeuw e Francker, 1777, 8 a ), compilados por
Sigonius e Schulting, sem um estudo pessoal e,
ademais, com um plano ruim.
Como sistema de escritos antigos pode
ser mencionada a excelente obra de Brissonius,
74 FRIEDRICH K A R L V O N S A V I G N Y

Deformulis et solennibuspopuli romani. nov. edid. Bach,


F f . etLp, 1754, foi., que reúne e explica as fór-
mulas jurídicas restantes.

LITERATURA DO S I S T E M A

O sistema deve apresentar os resultados


da interpretação, na literatura dos quais devem
estar indicados os escritos que servem para se-
rem estudados como resultado das fontes.

Sistemas que abrangem todo o direito romano

Seria indispensável, e uma necessidade,


uma obra dessa natureza, que pudesse ser seguida
sem hesitação. No que se refere ao ordenamento
das partes, a maioria dos escritos está vinculada
a uma das fontes. Nos glosadores já se encontram
tais obras: Summa in Digesta. Codicemp., também
nos juristas franceses, sob o nome de Varatitla.
Assim estava bem. Mais tarde, porém, manteve-
se a ordem nos compêndios e comentários, o que
estava absolutamente equivocado. A maioria das
obras está elaborada segundo esta ordem.
Disto difere o comentário de Stoedt (a
respeito dos livros 1 a 27 das Pandectas), que
passa de título em título e coloca introduções..
O melhor, porém, é o Comentário de
Conzius. Hõpfner legou-nos uma obra sobre as
Instituições que é semelhante, mas não totalmen-
te recomendável por carecer dé plano.
Dentre os comentários às Pandectas,
aquele que perdurou durante mais tempo é o
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 75

Compêndio de Bõhmer, mas mesmo merecen-


do isto em alguns aspectos, e contendo mais
material, a recriminação anterior também é váli-
da para ele. Hellfeld, pelo contrário, é pior e
freqüentemente falso. Porém foi muito comen-
tado, entre outros, também por Glück. Quem
pensou e leu sobre matérias separadas, pode
revê-lo e verificar se não menciona escritores
desconhecidos. A sua literatura é bastante com-
pleta. No demais, sua obra não é útil, ao menos
para a fundamentação do sistema" A última obra
de Malblank também não é a melhor e, amiúde,
carece de plano. Apenas uma obra é muito útil:
Westenberg, Principia iuris romani secundum ord. Dig.
Mesmo o plano sendo ruim, a obra resulta
muito útil como preparação para o estudo das
fontes, aspecto no qual é muito completa. Dentre
todas estas obras, nenhuma delas apresenta em
forma completa os resultados do direito romano.
Dentre elas, podemos enumerar também
aquelas que ordenam as fontes de modo parti-
cular, já que nada contêm além disso.
Berger, Corpus iuris reconciliatum cum
praejatione Senkerbergii. Nesta obra, a ordem é con-
fusa demais. Algo melhor e mais útil é Pothier,
Pandectae justinianeae in ordinem redactae. Contém
pouca literatura.
Alguns, porém poucos, escolheram seu
próprio plano, mas, na sua maioria são tão ruins,
que não vale a pena conhecê-los.
Fr. Conani, Commentarius iuris civilis. nov.
Neapo/., 1724, 2 foi, é uma das obras mais im-
portantes e resulta útil até hoje.
76 FRIEDRICH K A R L VON S A V I G N Y

A melhor e talvez a única obra útil é:


Comment. iuris civilis de Hugo Donellus, que, em
vinte e oito livros, contém o sistema completo
do direito romano privado. No início, imprimi-
ram-se só onze livros, em Frankfurt, em 1589-
1590, em 2 foi. Depois, Scipio Gentilis editou
todos os vinte e oito em Frankfurt, entre 1595
e 1597, em 5 foi. Posteriormente, mais comple-
to e em in-fólio, em Hanau, 1612, em Frankfurt,
1626 e em Lukka, 1762-1770 — uma obra es-
plendidamente editada. Kõnig encomendou uma
nova edição, 1.1, Nuremberg, 1800, 8 a . Em cer-
to sentido, é a melhor obra sobre o direito ro-
mano, porque todos os outros planos estão su-
bordinados a ele. O sistema é apropriado e mui-
to recomendável, Considera-se esta obra como
sendo mais difícil que as novas — em grande me-
dida trata-se de um preconceito. Mesmo que
muitas coisas estranhas devam ser superadas, elas
desaparecerão com um pouco de prática, então
a obra se tornará mais segura e mais fácil. Este
valor especial é quase totalmente desconhecido,
apenas foi utilizado na medida em que se en-
contraram opiniões a seu respeito.
Neste ponto, também devemos conside-
rar o seguinte comentário: Hillinger, Donellus
enucleatus, Jenae, 1710, 4 a , impresso juntamente
com a edição de Lukka.
Outro sistema do direito é: Domat, Les
lois civiles dans kur ordre naturel, Paris, 1689, 4 a . O
ordenamento é ruim, ele é tomado dos enga-
gements (obrigações) et successions (sucessões). No
total, é bastante pobre, mas pode ser utilizado a
M E T O D O L O G I A J URÍDI C A 77

respeito de um caso. Para nós, Domat é um es-


critor completamente estranho, e freqüente-
mente encontramos opiniões pouco comuns.
Berger, Oeconomaforensis, é para práticos,
como tratado de teoria é muito ruim. Ele foi
editado pelos célebres juristas Bach, Winkler e
Haubold (Lp., 1801, 4S).
Hofacker, Principia iuris romani. Sem dú-
vida, esta obra possui um grande mérito, mas,
em parte, pelo próprio plano, que não só abran-
ge o sistema do direito romano mas também o
do direito atual, e em parte porque, devido à
morte de Hofacker, ficou carecendo de homoge-
neidade e não serve como base para o estudo.

Elaboração de partes individuais do sistema


a) Elaboração de partes individuais do
direito. Aqui ajudam as obras biblio-
gráficas comuns.
b) Elaborações de questões particula-
res. As mesmas encontram-se indi-
cadas em forma dispersa.

Em ambos os casos, é necessária certa


familiaridade com a literatura'de dissertações, tão
necessária quanto difícil. A este respeito, está fal-
tando um repertório próprio. Por este motivo,
tenta-se revisar rapidamente qualquer coleção
importante e assim reunir certas normas. Por
exemplo, vai-se encontrar que as dissertações do
século XVII são completamente inúteis.
O melhor do repertório encontra-se em
Hofacker, Princípios.
78 FRIEDRICH K A R L V O N S A V I G N Y

Direito penal

Além das obras bibliográficas gerais que


correspondem a esta área, existem algumas ou-
tras específicas para o direito penal: Uteratura de
derecho feudaly criminal Bastante defeituosa.
Algo melhor é: Uteratura de derecho penal
(de Blümner), Lp., 1794.
O direito penal, mais do que qualquer
outro campo da jurisprudência, está apoiado so-
bre diferentes fontes independentes entre si: ale-
mãs e romanas, duas legislações completas que
quase sempre abarcam os mesmos objetos. Por
' este motivo, enquanto se cometer o erro de não
separá-las, e se persistir no mesmo, não será pos-
sível uma elaboração profunda.
Novamente, os escritos se dividem em
literatura da interpretação, da história e do sis-
tema.

INTERPRETAÇÃO

1. Direito penal romano

A esse respeito quase não se fez nada. A


interpretação há de se procurar no direito pri-
vado romano, do qual não está muito separada.

1. Direito penal alemão

A fonte principal é a Carolina, sobre a


qual apareceram muitos comentários devido à
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 79

sua escassa extensão. O comentário principal é


o de Bôhmer, mas não é uma interpretação ver-
dadeira. Nesse sentido, o melhor é o de Kress.
Melhores ainda são alguns antigos, como os de
Ziriz e Renus. Walchii, Glossarium germ. interpret.
CCC inserviens, Jenae, 1790, 8®.
Quem mais fez pela crítica do texto foi
Koch, embora tenha tido que remontar às fon-
tes originais, já .que se ateve quase exclusivamente
às edições antigas da Carolina.

E L A B O R A Ç Ã O HISTÓRICA

1. Direito penal romano

Não havemos de procurar nada a esse


respeito entre os nossos penalistas, porque o me-
lhor foi feito pelos filõlogos.
A história externa do direito segue o
mesmo caminho querer, direito civil, enquanto a
interna é tratada em. vários escritos, os de Hei-
neccius, entre outros;. Os escritos apresentam
diferenças conformemos períodos.

Primeiro período. Até o ano de 604 u.c.


eram poucas as leis-penais.
Naturalmente não existia nada mais im-
portante do que a função de juiz,, já que só a
jurisdição foi determinada de forma precisa. Há
muita escuridão a.respeito.
Autores para o primeiro período são:
Sigonius, De antiquo jure populi romani. Na seção
80 FRIEDRICH K A R L VON S A V I G N Y

de antiquo jure civium rom. Lib. 2, cap. 18 — de


judiáis. Lib. 2, cap. 3. Scipio Gentilis, Disputationes
iurispubl. rom. — opera t. 1, Neapol., 1763.
Van Der Hoop, De iis, qui antiquitus apud
Romanos de criminibus judicarunt. "Lugo. Batau 1723
apud Meerm. in suppl.
Madihn, Vicissitudines rerum criminalium
apud Romanos. Halae, 1772.
Toli, Diss.philog. de quaestion, rerum capita-
lium, Hardervyci, 1776.
F. Sachs, De ordine judiciorum publ. apud
Romanos. Ultrajecti, 1784.
Heyne, 2 progr. de judiciorum publicorum
ratione et ordine apud Romanos, 1788, opusc. acad.,
t. 4, n s 4 , 5;t. 3 , n f i l l .

Segundo período. No ano de 604 u.c. (149


a.C.) surge a lex Calpurnia de repetundis. Tornou-
se fato corriqueiro ditar uma lei própria para cada
delito. Afloram as quaestionesperpetuae, por exem-
plo, a lex Julia por cima do crimen laesae majestatis,
por isso é melhor o estudo das /«^particulares.
Esse período acaba sob o império de Augusto.
Sigonius, 1. c. Comentários das Institui-
ções sob o título de publ. jud.

Terceiro período. Todo o direito penal an-


tigo tinha por fundamento a constituição repu-
blicana. Por este motivo, devia ser reformado
pelos imperadores. Pode-se considerar .estè pas-
so como concluído no início do século III. A
jurisdição tornou-se mais simples. L. 1. pr. de
officio praefecti urbi.
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 81

Devido à prática dos tribunais, estabele-


ceram-se penas mais severas, algumas introduzi-
das no direito penal desde o direito civil, por exem-
plo, a maioria dos casos de furto. Surgem os crimi-
na extraordinaria, crimes para os quais é bastante a
satisfação privada, mas são punidos publicamente.
É possível conhecer esta nova forma
através dos escritos dos juristas que falam em
prática judicial. Especialmente aqui temos o
quinto livro de Paulus. D. 47. 48.

Quarto período. A partir deste período, as


constituições dos imperadores continuaram desen-
volvendo o direito penal. É especialmente impo-
rtante a influência da religião cristã. As fontes
principais são: L. 9, Cod. Just., e L. 9, C. Theod.
A melhor elaboração do quarto período
encontra-se no comentário de Gothofred a res-
peito de L. 9, C. Theod.

Quinto período. Justiniano também com-


pilou o direito antigo e, por esse motivo, surgiu
uma estranha mistura de institutos velhos e noj-
vos. Deve-se, então, separar tudo: o direito anti-
go do direito prático justiniano.
Para este período quase nada foi feito, a
maioria considerou tudo como se fosse contem-
porâneo. : !'

Comentários sobre as Pandectas (L. 47,


48) e o Código (L. 9).
Ant. Mathaeus, De criminibus, oferece of
seu próprio comentário sobre os livros 47 e 48 j
das Pandectas.
82 FRIEDRICH K A R L VON S A V I G N Y

2. Direito penal alemão

A CCC e sua história. Trata-se dos tribu-


nais alemães de jurados e suas modificações por
meio da influência do direito romano, especial-
mente da história dos governos de Maximiliano
I e Carlos V.
Além das obras gerais, é especialmente
recomendável, devido.à qualidade de seu mate-
rial, mas não como uma obra histórica, Malblank,
Geschichte derpeinUchen Halsgerichtsordnung, Nürnberg,
1783, 8B.

Depois da CCC, toda modificação reali-


zada foi por meio da prática dos tribunais. Por
este motivo, seria desejável uma história dos mes-
mos. Porém, por estar relacionada com a histó-
ria da literatura, resulta difícil.

L I T E R A T U R A DO SISTEMA

Hão de ser considerados a respeito os


comentários mencionados sobre as Pandectas,
o Código e a CCC.
Os sistemas que seguem um próprio pla-
no, sistemas estes que são mais freqüentes no
direito civil, são mais importantes, embora, em
geral, ainda muito incompletos. E necessário re-
visar o que há de melhor, para ter uma visão ge-
ral pessoal. As fontes históricas estão sempre
misturadas. A elaboração.da parte mais difícil,
chamada parte geral, é ainda tão acientífica, que
necessariamente cada um deve procurar pontos,
de vista pessoais.
M E T O D O L O G I A J URÍDI C A 83

Os maiores sistemas derivam dos italia-


nos, mas são pouco úteis e declinam entre os
anos 1750-1760. Resultados deBeccaria.
Dentre os alemães, existem muitos co-
mentários, na maioria ruins.
Quistorp, Peinliches JLecht, é inútil para o
estudo. Trata-se de uma compilação sem espíri-
to, o que os práticos preferem.
A elaboração da parte geral de Kleins-
chrod já foi criticada.
As duas obras mais úteis' são: Meister,
Principia iuris criminalis, que contém pouco de
novo, embora apresente as opiniões gerais em
forma simples, e Feuerbach, Lehrbuch desPeinlichen
Kechts, que é o melhor que foi feito até agora,
mesmo com erros.
E, para estar ao par da literatura deste
tempo, podem-se recomendar as duas publica-
ções seguintes: A melhor, Bibliothek des Krimi-
nalrechts, de Groknann, Almendingen e Feuer-
bach, e o desaparecido Archiv des Kriminalrechts,
de Klein, Kleinschrod e Konopak.
Terceira Parte

METODOLOGIA DO ESTUDO
ACADÊMICO DO JURÍDICO

Em outros tempos, na Idade Média, a


comunicação científica e acadêmica eram uma e
a mesma coisa. Em nossa época, especialmente
desde a invenção da arte da imprensa, isto mu-
dou muito, porque quase tudo o que pode ser
ouvido nas universidades, pode ser lido também
nos livros. Com isto, as universidades perderam
muito do seu prestígio natural e assim também
os Spruchcollegia, já que não detêm o monopólio
da comunicação científica.
Afirmou-se que as bniversidades agora
são supérfluas, mas pode-se dizer o contrário,
pois, só perdendo aquele monopólio, ganharam
um terreno próprio. Querendo atingir o objeti-
vo de um estudo erudito, no final deste, deve
estar formada, na mente dos estudantes, uma
visão independente a respeito da ciência, de
modo tal qüe eles possam se movimentar livre-
mente. E, então, sempre necessário o estudo pro-
86 FRIEDRICH K A R L V O N S A V I G N Y

priamente erudito. Contra esta idéia, existe o


preconceito de que o estudo erudito é comple-
tamente diferente daquele que possui o homem
de negócios. O orgulho pedante destes últimos
transportou este conceito para sua rotina de ne-
gócios e assim se manteve. O mal entendido é
fácil de suprimir.
Sem estudas acadêmicos, é possível que
o objetivo de todo o estudo científico seja atin-
gido, tanto pelo homem de negócios quanto pelo
homem de ciência?
É possível, porém muito pouco freqüen-
te, devido às muitas dificuldades. Dentro de cada
homem, em certa medida, existe um início-de
preguiça espiritual, de modo que ele faz somen-
te aquilo que lhe é oferecido em primeiro lugar.
Se alguém aprender uma ciência só por meio dos
livros, sem assistir às aulas, e, além disso, estu-
dar por conta própria, estará sujeito, em grande
medida, só àquilo que acontece acidentalmente,
adotará opiniões alheias, terá um comportamento
totalmente passivo perante as mesmas, não ten-
do uma visão livre da ciência. No estudo, exis-
tem muitas dificuldades, especialmente para o ini-
ciante, que não se podem superar facilmente sem
consultar alguma outra pessoa que já tenha estu-
dado profundamente toda a ciência, que dela te-
nha uma visão geral e que tenha atingido certo
aperfeiçoamento.
Ambos os argumentos desaparecem no
estudo acadêmico. O primeiro, a falta de exercí-
cios sistemáticos da própria atividade, será su-
perado por meio do ensino oral, assim também
M E T O D O L O G I A J URÍDI C A 87

o segundo, ou seja, as inúmeras dificuldades que


surgem da grande quantidade de escritos sobre
a mesma matéria.
A verdadeira prova que atingiu o ensino
acadêmico é a seguinte:

• Todas as ciências encontram-se in-


timamente vinculadas entre si, e se
o ensino for liberal (como deve ser),
esta vinculação deve estar exatamen-
te reconhecida.
• Do mesmo modo também deve sur-
gir o contraste da ciência em ques-
tão a respeito de toda outra ciência.

Todo estudo liberal, então, conduz a uma


cultura literária profunda.
O objetivo das universidades é mal in-
terpretado, e tanto teórica quanto praticamente,
opõe-se à opinião generalizada de que consiste
em ensinar os conhecimentos mais indispensá-
veis na forma mais breve e simples possível. Isto
pode ser conseguido muito mais facilmente por
meio dos livros. O verdadeiro objetivo da uni-
versidade é o de nos introduzir no estudo cien-
tífico, de forma tal que nenhuma parte deste seja
estranha para nós, ou, pelo menos, que esteja-
mos em condições de aprender o que faltar de
modo mais fácil e profundo.
Aplicado isto no estudo acadêmico da
jurisprudência, o seu objetivo deveria ser con-
duzir até tudo aquilo pertencente à jurisprudên-
cia. A respeito do estudo absoluto, é necessário
88 FRIEDRICH K A R L VON S A V I G N Y

que para nós nada resulte estranho em exegese,


história e sistema, ou seja, que o estudioso saiba
ou ao menos possa encontrar onde poderá
aprender o restante.
Para esclarecer aquilo que foi exposto,.
serve bem:

Plano do curso jurídico acadêmico

Todas as aulas deveriam estar assim or-


ganizadas:
No primeiro curso deveria ser dada uma
introdução às fontes, de modo tal que nada fi-
casse estranho. Mas, como isto só é possível por
meio da história, deveria ser oferecida a histó-
ria do direito e, dentro dela, a pesquisa das fon-
tes.
Pertence ao segundo curso o conheci-
mento dos resultados das fontes, o sistema. Mas
não deveria ser apresentado como algo demons-
trado, e sim como algo que se deve descobrir.
Também seria necessária a vinculação com a
exegese, de modo que o sistema surgisse evidente
em cada momento da interpretação., Para isto,.
não se requer a totalidade do material, mas tão
só aquilo que tende à elaboração posterior de
todos os objetos. Este último parece não ser
possível. Porém o é se pensarmos quanto é pos-
sível ganhar em tempo, e quanto se beneficia a
sensibilidade do auditório com a brevidade e a
eliminação do desnecessário. Por este motivo,
uma palestra breve pode, freqüentemente, con-
ter mais conhecimentos reais.
M E T O D O L O G I A JI>Í:I.>'(..\ 89

O estudo da jurisprudência segundo


o estado atual das universidades

As nossas universidades não têm esse


ordenamento, embora por regra geral tendam no
sentido desse objetivo. Porém os meios para atin-
gi-lo não são bem-escolhidos, já que as aulas, na
sua maioria, nada mais oferecem que aquilo que
um livro bem escrito sobre a matéria poderia
oferecer. Prescindindo disto, evidentemente, es-
pera-se mais proveito de uma palestra acadêmi-
ca que de um livro, que pode ser igualmente bom
ou melhor ainda, conforme o seu índice (se não
melhor, pelo menos um pouco diferente).
Então, o que é isto?
Cada livro é um fato particular da série
de elaborações da ciência. Ao invés, a palestra
acadêmica nãp é assim. Não se espera que ela
contenha algo de novo, porque dela sve espera
que nos conduza diretamente ao estudo da ciên-
cia e da literatura.
. Em. que está baseada esta diferença?
O que toda comunicação, todo livro ou
palestra podem conter de melhor é, sem dúvi-
da, o método de pesquisa. Segundo dizemos, po-
demos encontrá-lo em cada forma de comuni-
cação. Mas ílos livros ele deve ser extraído pelo
leitor e descoberto mediante um processo arti-
ficial, o que é possível, mesmo que difícil.
Completamente diferente é o caso da pa-
lestra acadêmica, em que o método de pesquisa
é conseguido diretamente, ou seja, em que o mé-
todo é comunicado ao auditório também de for-
90 FRIEDRICH K A R L VON S A V I G N Y

ma direta. A dissertação acadêmica, então, não


é supérflua. Porém, como se supõe que nem
sempre é assim, deveríamos pensar que é assim,
e tratá-la de um modo diferente de como real-
mente é - o qual é tão difícil quanto o estudo
de um livro.
A aplicação dos princípios fundamentais
gerais do estudo da jurisprudência pressupõe o
seguinte princípio: "Este estudo consta de in-
terpretação, história e sistema". Tudo isso deve-
ria se expor em separado, mas devido a que as
dissertações acadêmicas estão preocupadas quase
unicamente com a apresentação do sistema, de
resultados, o ouvinte deve fazer uso dela e vin-
cular-lhe sua própria interpretação. Trata-se, en-
tão, não só de crer em tudo o que se diz, mas de
comprová-lo.

Os meios auxiliares (para tirar proveito das palestras)

EJ'tudo das fontes

Àquilo que deve acontecer antes da dis-


sertação - preparação. Aqui, como em geral, o
estudo das fontes é o melhor meio auxiliar. O
melhor caminho parece ser o seguinte: contro-
lar as passagens de referência e comparar com
elas os princípios a serem comprovados. Porém,
isto somente seria possível se, nas próprias cita-
ções, houvesse um plano e uma perfeição, pois
não deveriam conter nada inútil, nem esquecer
nada essencial. Poucas vezes é este o caso, e não
pode ser encontrado em nenhum livro nem em
M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 91

nenhuma aula universitária. Realiza-se um bom


exercício revisando rapidamente as fontes, sem
passar'por alto nada importante. Notas deverão
ser tomadas. Assim, será possível obter facilmen-
te uma visão do método do professor e extrair
o melhor da sua dissertação.
A única dissertação preparada segundo
o que foi comentado é a de Hugo sobre as Pan-
dectas.
' ' Só deste modo é possível aprender a in-
terpretação das fontes: apenas mediante uma in-
terpretação própria pode-se construir uma opi-
nião pessoal para julgar as inúmeras opiniões
alheias.

Utilização imediata das dissertações acadêmicas

Devemos tomá-las criticamente, não se


tratando especialmente de controlar a verdade
das sentenças particulares, mas de obter a visão
do todo. Há, em toda dissertação, definições,
conceitos, panoramas esquemáticos etc., meras
facilidades, justamente o de menor importância.
A parte essencial, o método da pesquisa, não
pode ser encontrado em tais meios auxiliares
lógicos. Não devemos nos distrair do real, mas
nos acostumar a modificar freqüentemente as
definições dadas, mesmo não sendo as melho-
res. Os pontos de vista pessoais do professor
devem ser apenas meios fáceis para nos comu-
nicarmos.

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