Alexy Robert Teoria Dos Direitos Fundame
Alexy Robert Teoria Dos Direitos Fundame
Alexy Robert Teoria Dos Direitos Fundame
* www.teoriaedireitopublico.com.br
teoria & direito público - - - - -
ROBERTALEXY
_,.. ,
·'
TEORIA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
tradução de
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA
_ - MALHEIROS
:S'iiEDITORES
TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
ROBERT ALEXY
© SUHRKAMP VERLAO, 1986
ISBN: 978-85-7420-872-5
Composição
Acqua Estúdio Gráfico Ltda.
Capa
Criação: Vânia Lúcia Amato
Arte: PC Editorial Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
04.2008 /
.
_!!'
·'
Para
Georg Corbin
e
Julia.
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
·'
l - REGRAS E PRINCÍPIOS................................................................ 85
1. Critérios tradicionais para a distinção entre regras e prin-
cípios................................................................................... 86
2. Princípios como mandamentos de otimização ... ,.............. 90
3. Colisões entre princípios e conflitos entre regras............. 91
3.1 O conflito entre regras.................................................. 92
3.2 A colisão entre princípios............................................. 93
3.2.l A lei de colisão..................................................... 94
3.2.2 Resultados de sopesamentos como normas de
direito fundamental atribuídas .... ... .. ....... ...... ....... 99
4. O distinto caráter "prima facie" das regras e dos princí-
pios ..................................................................................... 103
5. Regras e princípios como razões....................................... 106
6. Generalidade e princípios.................................................. 108
7. Três objeções ao conceito de princípio ............................. 109
7.1 A invalidade de princípios............................................ 110
7.2 Princípios absolutos..................................................... 111
7.3 A amplitude do conceito de princípio........................... 114
8. A teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade.... 116
II - TRt.S MODELOS
1. O modelo puro de princípios ............................................. 121
2. O modelo puro de regras................................................... 123
2.1 Direitos fundamentais garantidos sem reserva............ 124
2.2 Direitos fundamentais com reserva simples ................. 130
SUMÁRIO 17
1. Cf., por exemplo, os trabalhos reunidos em Roman Schnur (Org.), Zur Ge-
schichte der Erklêirung der Menschenrechte, Darmstadt: Wissenschaftliche Buchge-
sellschaft, 1964, especialmente os de Georg Jellinek e Émile Boutmy.
2. De trabalhos recentes, cf., de um lado, John Rawls, A Theory of Justice, Cam-
bridge (Mass.): Harvard University Press, 1971, e, de outro, Robert Nozick, Anarchy,
State and Utopia, New York: Basic Books, 1974.
3. Cf. Niklas Luhmann, Grundrechte ais lnstitution, 2ª ed., Berlin: Duncker &
Humblot, 1974.
32 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
5. Sobre o conceito de dogmática jurídica, cf. Ewald J. Thul, "Die Denkfonn der
Rechtsdogmatik". ARSP 46 (1960), pp. 241 e ss.; Theodor Viehweg, "Zwei Rechts-
dogmatiken", in Ulrich Klug (Org.), Philosophie und Recht: Festschriftjür C. A. Emge,
Wiesbaden: Steiner, 1960, pp. 106 e ss.; Ludwig Raiser, "Wozu Rechtsdogmatik", DRiZ
46 (1968), p. 98; Franz Wieacker, "Zur praktischen Leistungen der Rechtsdogmatik", in
Rüdiger Bubner et ai. (Orgs.), Hermeneutik und Dialektik, Festschrift jür H.-G. Gada-
mer, 2, Tübingen: Mohr, 1970, pp. 311 e ss.; Josef Esser, "Mõglichkeiten und Grenzen
des dogmatischen Denkens im modemem Zivilrecht", AcP 172 (1972), pp. 97 e ss.; do
mesmo autor, "Dogmatik zwischen Theorie und Praxis", .in Fritz Baur (Org.),
Funktionswandel der Privatrechtsinstitutionen, Tübingen: Mohr, 1974, pp. 517 e ss.;
Klaus Adomeit, "Zivilrechtstheorie und Zivilrechtsdogmatik", Jahrbuchjür Rechtssozio-
logie und Rechtstheorie 2 (1972), pp. 503 e ss.; Hans Albert, "Erkenntnis und Recht",
Jahrbuchjür Rechtssoziologie und Rechtstheorie 2 (1972), pp. 80 e ss.; Spirios Simitis,
"Die Bedeutung von System und Dogmatik", AcP 172 (1972), pp. !31 e ss.; Wemer
Krawietz, "Was leistet Rechtsdogmatik in der richterlichen Entscheidungspraxis?",
07.0R 23 (1972), pp. 47 e ss.; Ulrich Meyer-Cording, Kann der Jurist heute noch Dog-
matiker sein?, Tübingen: Mohr, 1973; Dieter de Lazzer, "Rechtsdogmatik als Kompro-
rniBformular", in Roland Dubischar et al. (Orgs.), Dogmatik und Methode, München:
Scriptor, 1975, pp..~5 e ss.; Gei;hard Struck, "Dogmatische Diskussionen über Dogma-
tik", JZ 30 (1975), pp. 84 e ss.; Eike v. Savigny/Ulfrid Neumann/Joachim Rahlf, Juris-
tische Dogmatik und Wissenschaftstheorie, München: Beck, 1976; Ralf Dreier, Recht -
Moral - ldeologie, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981, pp. 51 e ss., 85 e ss., 109 e ss.
6. Cf. Gustav Radbruch, Rechtsphilosophie, 8' ed., Stuttgart: Koehler, 1973,
pp. 205 e ss.
7. Sobre a tese da tridimensionalidade, cf. Ralf Dreier, Recht - Moral - ldeolo-
gie, pp. 10 e ss., 51ess.,88-89; RobertAlexy, Theorie der juristischenArgumentation,
pp. 308 e ss. Aqui, a tese da tridimensionalidade diz respeito à dogmática jurídica. Para
sua aplicação no âmbito da distinção entre Teoria do Direito, Sociologia Jurídica e Fi-
losofia do Direito, cf. Hubert Rottleuthner, Rechtstheorie und Rechtssoziologie, Frei-
burg: Alber, 1981, pp. 13 e ss., o qual, de resto, no âmbito da dogmática jurídica, faz
as mesmas diferenciações presentes no texto. Cf. também Manfred Rehbinder, Rechts-
soziologie, Berlin: de Gruyter, 1977, pp. 5 e ss., que aplica a tridimensionalidade à
diferenciação entre Filosofia do Direito, dogmática jurídica e Sociologia Jurídica.
17. Cf. Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp. 17 e ss.
18. Idem, pp. 31 e ss., 53 e ss., 161 e ss.
19. Cf. Capítulo 10, 111.3.2.2.
20. O problema da fundamentação pode ser claramente percebido quando o Tribu-
nal Constitucional Federal afirma que é concebível que o Poder Judiciário, cuja "autori-
dade se funda não apenas externamente na Constituição, mas, de certa maneira, também
na própria idéia de direito - o que corresponde à essência de sua atividade", controle as
"normas constitucionais com base no direito supralegal incorporado à Constituição e por
ela pressuposto" (BVerfGE 3, 225 (235)). Para uma crítica a essa idéia - e com referên-
cias adicionais -, cf. Friedrich Müller, Die Einheit der Verfassung, Berlin: Duncker &
--..., Hurnblot, 1979, pp. 50 e ss. e 128 e ss.
21. Cf., neste ponto, a teoria das "razões fundantes" (underpinning reasons):
Neil MacConnick, Legal Reasoning and Legal Theory, Oxford: Clarendon, 1978, pp.
62 e ss., 138 e ss., 240 e ss., 275 e ss.
22. Nesse contexto, é elucidativa a diferenciação feita por Peczenick entfe justi-
ficação profunda e justificação suficiente no contexto jurídico. Cf. Aleksander Pecze-
nick, Grundlagen der juristischen Argumentation, Wien: Springer, 1983, pp. 1 e ss.
"9 ,'- .- ,.~ '7
·- ' - '·'
0
\}._, ::_ç,,,,t-i '. 'l• Cç_.J ~
,)
1 () •'- 0,
OBJETO E TAREFA DE UMA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 37
26. Sobre o conceito de coerência, cf. Nicholas Rescher, The Coherence Theo-
ry of Truth, Oxford: Oxford University Press, 1973; do mesmo autor, Cognitive
Systematization, Oxford: Blackwell, 1979; sobre o papel da coerência na Ciência
do Direito, cf. Aleksander Peczenick, Grundlagen der juristischen Argumentation,
pp. 176 e ss.; Aulis Aarnio, Philosophical Perspectives in Jurisprudence, Helsinki:
Societas Philosophica Fennica, 1983, p. 191; Neil MacCorroick, "CoherenCe in legal
justification'', in Werner Krawietz et al. (Orgs.), Theorie der Normen: Festgabejür
Ota Weinberger, Berlin: Duncker & Humblot, 1984, pp. 37 e ss.
1
OBJETO E TAREFA DE UMA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 39
l
bito das três dimensões e os combine de forma otimizada. Em relação
a uma tal teoria, pode-se falar em uma "teoria ideal dos direitos fun-
damentais". Toda teoria dos direitos fundamentais realmente existente
consegue ser apenas uma aproximação desse ideal.
A idéia de uma teoria integradora está sujeita a dois tipos de in-
compreensões. O primeiro sugere que o postulado da integração con-
duziria a uma enorme mixórdia. O que se pretende é exatamente o
oposto: um sistema de enunciados gerais de direitos fundamentais, cor-
retos ou verdadeiros, ordenados da forma mais clara possível. O se-
gundo tipo de incompre~nsão sugere que o programa integrativo exige
demais da teorização sobre direitos fundamentais, fazendo com que
toda teoria de direitos fundamentais pareça insuficiente ou sem valor
se, mesmo que verdadeira ou coITeta, ela não for ampla. Também não
é esse o caso. O conceito de uma teoria integrativa é uma idéia regu-
lativa, da qual a teorização sobre os direitos fundamentais pode se
aproximar das mais variadas formas. Toda teoria sobre direitos funda-
mentais que contribua para a realização desse ideal tem, devido a essa
contribuição, o seu valor. Considerá-la sem valor por não realizar to-
talmente o ideal significaria desconhecer o caráter regulativo do pro-
grama integrativo. Para realizar da forma mais ampla possível a teoria
dos direitos fundamentais (no sentido de uma teoria ideal), é necessá-
40 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
l
OBJETO E TAREFA DE UMA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 41
tese básica pode ser classificada como _uma "teoria unipolar". Uma
teoria que não consta da lista de teorias unipolares elaborada por
Bõckenfõrde é a tese dos direitos fundamentais como garantia proce-
dimental. 31 Tudo milita a favor da suposição de que os direitos funda-
mentais não são adequadamente compreendidos com base em uma
teoria unipolar, qualquer que ela seja. A confirmação de tal suposição
será analisada no correr deste trabalho. Neste ponto quis-se apenas
suscitar, de forma genérica, que seria surpreendente que - dadas a
multiplicicjade e a complexidade daquilo que é regulado pelos direitos
fundam~Útais e a experiência de que em questões práticas de alguma
importância sempre há um feixe de pontos de vista conflitantes - jus-
tamente os direitos fundamentais pudessem ser reduzidos a apenas um
único princípio. Uma exceção seria uma teoria unipolar de grau má-
ximo de abstração, como aquela segundo a qual o fim último dos di-
reitos fundamentais é a garantia da dignidade humana. 32 Contudo,
essa não é uma verdadeira exceção, pois tais teorias de grau máximo
de abstração não são, na realidade, teorias unipolares, porquanto abar-
cam, dentro de seus limites, as mais diversas teorias de direitos fun-
damentais das espécies aqui apresentadas.
Contraposto ao conceito de teoria unipolar é o conceito de teoria
combinada. Uma teoria combinada é a que subjaz à jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal, a qual recorre a todas as concepções
básicas aqui mencionadas. 33 Esse tipo de teoria é também sustentada
por inúmeros autores, que falam em inúmeras funções, 34 aspectos" ou
fins 36 dos direitos fundamentais. Contra uma teoria combinada levan-
31. Cf., com inúmeras referências, Helmut Goerlich, Grundrechte ais Verfah-
rensgarantie, Baden-Baden: Nomos, 1981.
32. Cf., além disso, fónnulas como a de Walter Schmidt, "Grundrechtstheorie
im Wandel der Verfassungsgeschichte", Jura 5 (1983), p. 180, segundo a qual a pro-
teção "da liberdade decisória do indivíduo entre a dominação estatal e o poder social"
deve ser o ponto central de uma moderna teoria dos direitos fundamentais.
33. Cf., por exemplo, BVerfGE 50, 290 (337): teoria liberal; BVerfGE 12, 205
(259 e ss.): teoria institucional; BVerfGE 7, 198 (205): teoria axiológica; BVerfGE
42, 163 (170): teoria democrática; BVerfGE 33, 303 (330 e ss.): teoria social-estatal;
BVerfGE 53 30 (64-65)' teoria procedimental.
34. Cf. Ekkehart Stein, Staatsrecht, 8' ed., Tübingen: Mohr, 1982, pp. 250 e ss.;
Erhard Denninger, Staatsrecht, v. 2, Reinbeck: Rowohlt, 1979, p. 138; Albert Bleck-
mann, Allgemeine Grundrechtslehren, Kõln: Heymann, 1979, pp. 155 e ss.
35. Cf. Peter Hiiberle, "Grundrechte im Leistungsstaat", WDStRL 30 (1972), p. 75.
36. Cf. Martin Kriele, Einführung in die Staatslehre, pp. 336 e ss.
42 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
ta-se de imediato a objeção de que ela não é uma teoria que possa guiar
a decisão e a fundamentação jurídicas, mas apenas uma coleção de to-
pai extremamente abstratos, dos quais se pode servir da maneira que se
desejar. Exatamente nesse sentido é a crítica feita por Bõckenfürde ao
Tribunal Constitucional Federal, segundo a qual esse tribunal "apóia-se
alternadamente em diversas teorias sobre direitos fundamentais como
ponto de partida de sua interpretação, sem que, nessa alternãncia, seja
possível reconhecer um sistema". 37 A objeção é correta ao apontar que
uma teoria que consista precipuamente em uma lista extremamente
geral de idéias básicas sobre os fins e as estruturas dos direitos funda-
mentais tem pouca valia. E isso não apenas devido ao grau de abstração
das teorias agrupadas, mas sobretudo ao fato de que, nos casos concre-
tos, essas teorias podem colidir entre si de diversas formas. 38
Se houvesse apenas uma alternativa - ou uma teoria unipolar, ou
uma combinação indeterminada de idéias básicas abstratas e passíveis
de colisão - poder-se-ia dizer que a teoria dos direitos fundamentais
encontra-se, de fato, diante de um dilema. Mas essas alternativas não
esgotam, de form(\ nenhuma, as possibilidades de construção de teo-
rias sobre direitos fundamentais. A insuficiência de ambas as teorias
apenas demonstra que uma teoria dos direitos fundamentais não pode
manter-se na superficialidade de idéias básicas, seja sob a forma de
uma teoria unipolar, seja sob a forma de uma teoria combinada. Em-
bora a teoria combinada expresse de forma acertada a existência de
inúmeros pontos de vista a serem considerados, o controle desses
pontos de vista requer, no entanto, um modelo que proporcione mais
que uma simples compilação não vinculante. Elaborar um modelo
desse tipo é a tarefa de uma teoria integrativa.
suscetíveis de uma análise racional sem que haja clareza sobre os con-
ceitos de liberdade, de restrições ou de direito a prestações positivas.
Há provavelmente um amplo consenso sobre a necessidade de
esclarecimentos sistemático-conceituais e, com isso, sobre a importân-
cia da dimensão analítica. Não faltam vozes nesse sentido. Lerche, por
exemplo, acentua o "valor que todo contorno formal e retilíneo possui,
o valor da clareza constitucional";71 Kloepfer adverte acerca de uma
"perigosa subestimação do formal", 72 e a crítica de Forsthoff sobre
uma "desformalização da Constituição" deve ser interpretada, em sua
ligação com as referências à "escola matemática na Economia Políti-
ca" e à "corrente lógica na Filosofia moderna",73 também no sentido de
um postulado por uma clareza sistemático-conceituai. É de se esperar
controvérsia, por outro lado, quando se trata de definir o peso que a
dimensão analítica deve ter em relação às dimensões empírica e nor-
mativa no trabalho jurídico. Tal controvérsia conduz às questões ftm-
damentais do método jurídico, desde há muito discutidas.
A atividade na dimensão analítica coincide em grande medida
com aquilo que é denomiµado, pela jurisprudência dos conceitos, de
"tratamento lógico do direito". 74 Uma formulação clássica desse pro-
grama é a de Laband: "Eu sei perfeitamente que a dominação exclu-
siva do tratamento lógico do direito seria de uma unilateralidade ex-
tremamente desvantajosa e, em determinadas relações, levaria a uma
atrofia de nossa ciência. Eu não desconheço nem o significado das
pesquisas histórico-jurídicas (... ), nem o valor que História, Econo-
mia, Política e Filosofia têm para a cognição do direito. A dogmática
não é a única face da Ciência do Direito, mas é uma delas. A tarefa
científica da dogmática de um determinado direito positivo consiste
na construção de institutos jurídicos, na remissão dos enunciados ju-
71. Peter Lerche, "Re~nsion: Peter Hãberle, Die Wesensgehaltgarantie des Art.
19 Abs. 2 Grundgesetz'", DOV 18 (1965), p. 213.
72. Michael Kloepfer, Grundrechte als Entstehenssicherung und Bestands-
schutz, München: Beck, 1970, p. 26.
73. Ernst Forsthoff, "Die Umbildung des Verfassungsgesetzes", in Hans Barion
et ai. (Orgs.), Festschriftfiir Carl Schmitt, Berlin: Duncker & Humblot, 1959, p. 52.
74. Cf. as referências em Werner Krawietz, "Begriffsjurisprudenz", in Joachim
Ritter et al., Historisches WOrterbuch der Philosophie, v. 1, Basel: Schwabe, 1971,
colunas 809 e ss.; cf. também Wemer Krawietz (Org.), Theorie und Technik der Be-
griffsjurisprudenz, Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1976.
OBJETO E TAREFA DE UMA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 47
75. Paul Laband, Das Staatsrecht des deutschen Reiches, 2ª ed., v. 1, Freiburg:
Mohr. 1888, p. X. Cf., além disso, Rudolf v. Jhering, "Unsere Aufgabe'', Jahrbücher
jür die Dogmatik 1 (1857). pp. 7 e ss.; Carl F. W. Gerber, System des deutschen
Privatrechts, 2~ ed., Jena: Mauke, 1850, pp. V e ss. Para uma exposição mais ampla,
cf. também Walter Wilhelm, Zur juristischen Methodenlehre im 19. Jahrhundert,
Frankfurt am Main: Klostermann, 1958.
76. Cf., nesse sentido, Karl Larenz, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 5ª
ed., Berlin: Springer, 1983, pp. 43 e ss.
77. Cf. Manfred Friedrich, "Die Grundlagendiskussion in der Weimarer Staats-
rechtslehre", Politische Vierteljahresschrift 13 (1972), pp. 582 e ss.; Kurt Sontheimer,
"Zur Grundlagenproblematik des deutschen Staatsrechtslehre in der Weimarer Repu-
blik", ARSP 46 (1960), pp. 39 e ss.
78. Rudolf Smend, "Verfassung und Verfassungsrecht (1928)'', in, do mesmo
autor, Staatsrechtliche Abhandlungen und andere Aufsiitze, 2ª ed., Berlin: Duncker
& Humblot. 1968, p. 124.
79. Idem, pp. 119 e ss.
80. Erich Kaufmann, Kritik der neukantischen Rechtsphilosophie, Tübingen:
Mohr, 1921, p. 75.
48 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
88. Rudolf v. Jhering, Geist des rOmischen Rechts, v. 3, 511 ed., Leipzig: Breit-
kopf und Hãrtel, 1906. p. 321. Cf., além disso, Eugen Ehrlich, Die juristische l..ogik,
Tübingen: Mohr, 1918, pp. 299 e ss.; Philipp Heck, Begriffsbildung und Interessen-
jurisprudenz, Tübingen: Mohr, 1932, pp. 94 e ss.
89. Ralf Dreier, Recht- Moral - ldeologie, p. 112.
90. Como exemplo, cf. a teoria dos status de Jellinek, analisada no Capítulo 5.
Capítulo 2
O CONCEITO DENORMAS
DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
1. A existência de uma estreita conexão não significa que não se possa dife-
renciar entre nonna de direito fundamental e direito fundamental. Há numerosos
exemplos de uma diferenciação deficiente nesse âmbito. A menção a dois deles é
suficiente: o Tribunal Constitucional Federal, por exemplo, fala que ele "só [pode J
decidir se uma regulamentação legal está de acordo com as normas da Constituição,
especialmente com os direitos fundamentais( ... )" (BVerjGE 21, 73 (78); sem grifos
no original), e Breuer utiliza a expressão "direitos fundamentais como normas de
pretensão" como título de um artigo sobre o conteúdo das "pretensões de direitos
fundamentais" (Rüdiger Breuer, "Grundrechte ais Anspruchsnonnen", in Otto Bachof
et al. (Orgs.), Verwaltungsrecht zwischen Freiheit, Teilhabe und Bindung, München:
Beck, 1978, p. 89). Uma clara diferenciação entre norma de direito fundamental e
direito fundamental é feita, por exemplo, por Walter Schmidt-Rimpler/Paul Gieseke/
Ernst Friesenhahn/Alexander Knur, "Die Lohngleichheit von Mãnnem und Frauen",
AoR 76 (1950), p. 172, e Ernst Friesenhahn, "Der Wandel des Grundrechtsverstiind-
nisses", in Verhandlungen des fünft,igsten Deutschen Juristentages, v. II, München:
Beck, 1954, p. G4, bem como por Friedrich Klein, "Vorbemerkung", in Hennaiin v.
Mangoldt/Friedrich Klein, Das Bonner Grundgesetz, 1, A VI, p. 79.
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 51
2. Com isso não se pretende tomar posição sobre o clássico problema acerca
da prioridade do direito ou do dever, da norma objetiva ou do direito subjetivo. Esse
problema diz respeito primariamente a questões substanciais. Cf., a esse respeito,
John Finnis, Natural Law and Natural Rights, Oxford: Clarendon Press, 1980, pp.
205 e ss.
3. Uma abrangente exposição, tanto da diversidade da terminologia quanto da
multiplicidade de significados a ela relacionados na Sociologia, pode ser encontrada
em Rüdiger Lautmann, Wert und Norm: Begriffsanalysen für die Soziologie, 2ª ed.,
Opladen: Westdeutscher Verlag, 1971, pp. 54 e ss. Uma das mais fecundas tentativas
52 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
de sistematização foi levada a cabo por Georg H. v. Wright, Norms and Action, Lon-
don: Routledge & Kegan Paul, 1963, pp. 1 a 16.
4. Hans Kelsen, Reine Rechtslehre, p. 5.
5. Niklas Luhmann, Rechtssoziologie, v. l, Reinbeck: Rowohlt, 1972, p. 43.
6. John Austin, Lectures on Jurisprudence, 4ª ed., vol. 1, London: Murray,
1873, p. 98.
7. Theodor Geiger, Vorstudien zu einer Soziologie des Rechts, 2ª ed., Neuwied/
Berlin: Luchterhand, 1964, pp. 61-62 e 68 e ss.
8. Jerzy Wróblewski, "The problem of the meaning of the legal n.orm", in,
do mesmo autor, Meaning and Truth in Judicial Decision, Helsinki: Juridica,
1979, p. 15.
9. H. L. A. Hart, The Concept of Law, Oxford: Clarendon, 1961, pp. 54 e ss.
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 53
10. Tal .diferenciação é feit.?, de fato, por diversos autores, mas a terminologia
é bastante vacilante e há uma série de diferenças tanto na fundamentação dessa dife-
renciação quanto naquilo que diz respeito às conseqüências dela advindas. A termi-
nologia aqui adotada coincide com a de Christiane Weinberger e Ota Weinberger (cf.
Christiane Weinberger/Ota Weinberger, Logik, Semantik, Hermeneutik, München:
Beck, 1979, pp. 20 e 108). Ross diferencia entre a "forma lingüística que expressa
uma diretiva" e a "diretiva" (Alf Ross, Directives and Norms, London: Routledge &
Kegan Paul, 1968, pp. 34 e ss.). A "diretiva" é o que aqui é chamado de "norma''.
Ele, no entanto, dá outro significado ao conceito de "norma", como será exposto mais
adiante. Segundo Hans J. Wolff, o termo "norma" significa o "conteúdo (sentido)
imperativo expresso por um 'enunciado jurídico'" (Hans J. Wolff/Otto Bachof, Ver-
waltungsrecht, I. 9' ed., München: Beck, 1974, p. 115). Georg H. v. Wright emprega
as expressões "formulação normativa" e "norma", mas tal diferenciação não coincide
totalmente com a tese aqui defendida acerca da relação entre enunciado normativo
e norma (Georg H. v. Wright, Norm and Action, pp. 93-94). Rottleuthner adota a
terminologia de von Wright (cf. Hubert Rottleuthner, Rechtstheorie und Rechtssozio-
logie, p. 42). Já a expressão "enunciado normativo" é por ele empregada, na esteira
de Kelsen, para designar enunciados sobre a validade de uma norma. Kelsen chama
tais enunciados de "enunciados jurídicos" e os contrapõe às "normas jurídicas" (Hans
Kelsen, Reine Rechtslehre, p. 73). Kelsen emprega a expressão "norma" de forma di-
versa da aqui proposta, pois segundo ele só é norma aquilo que tem "objetivamente
o sentido do dever-ser", o que para ele significa poder ser reconduzido a uma norma
fundamental que fundamenta a validade objetiva (idem, pp. 7-8). Mesmo que des-
considerado isso, é difícil integrar a concepção de Kelsen no modelo aqui utilizado.
Segundo Kelsen a norma é o "sentido de uma vontade, um ato de vontade" (Hans
Kelsen, Allgemeine Theorie der Normen, Wein: Manz, 1979, p. 2~ cf. também, do
mesmo autor, Reine Rechtslehre, pp. 4 e ss.), o que parece ser algo completamente
distinto do sentido ou significado de um enunciado. O sentido de um ato de vontade
é caracterizado por Kelsen da seguinte forma: "que o outro deve se comportar de uma
determinada maneira" (idem, Allgemeine Theorie der Normen, p. 31). Nesse sentido,
ele afirma: "por 'norma' designa-se que algo deve ser ou acontecer, especialmente
que uma pessoa deve se comportar de uma determinada maneira" (idem, Reine
Rechtslehre, p. 4). Mas isso é exatamente o que aqui se entende por "norma". Se se
desconsideram os elementos mentalísticos (vontade, ato de vontade), parece haver
relações estreitas entre o modelo aqui utilizado e a concepção de Kelsen.
54 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
13. Nesse contexto, Ross afirma que, assim como as afirmações têm um ele-
mento específico indicativo - "assim é"-, as diretivas têm um "elemento específico
diretivo 'assim deve-ser'" (Alf Ross, Directives and Norms, pp. 13 e 34). Hare desig-
na esses elementos, em um desenvolvimento de sua conhecida diferenciação entre
nêustica e frástica (cf. Richard M. Hare, The Language of Morais, Oxford: Clarendon
Press, 1952, p. 18), como trópica, à qual pertence o que se diz e não o que se faz, como
é o caso da nêustica (cf. Richard M. Hare, "Meaning and speech acts", in Richard M.
Hare, Practical lnferences, London: Macmillan, 1971, p. 90). Cf., a esse respeito,
Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp. 83 e ss. O que aqui é cha-
mado de "modalidade deôntica" corresponde ao que Hare chama de "trópica" e ao
que Ross chama de "elemento específico diretivo 'assim deve-ser"'.
14. A respeito dessa expressão, cf. Georg H. v. Wright, Norm and Action, p. 96.
Há que se salientar que enunciados deônticos não são algo diverso de enunciados nor-
mativos, mas sim uma espécie destes. Todos os enunciados deônticos são enunciados
normativos, mas nem todo enunciado normativo é um enunciado deôntico. Christiane
Weinberger e Ota Weinberger usam a expressão "enunciado deôntico" em um sentido
completamente diverso: como um enunciado afinnativo sobre sistemas normativos, ou
seja, no sentido daquilo que, mais adiante, será denominado "enunciado de asserções
sobre normas" (cf. Christiane Weinberger/Ota Weinberger, Logik, Semantik, flermeneu-
tik, pp. 99 e 111-112). Mais adiante será às vezes usado, no lugar do termo "deôntico", o
termo ''deontológico'', principalmente em contraposição a termos como "axiológico''.
15. Cf., sobre isso, Alf Ross, Directives and Norms, p. 36.
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 57
20. Cf., por exemplo, Hans Kelsen, Allgemeine Theorie der Normen, p. 77.
21. Cf. Alf Ross, Directives and Norms, p. 93.
22. Idem, p. 79.
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 59
25. Sobre o conceito de norma individual, cf. Alf Ross, Directives and Norms,
pp. 106 e ss.; Hans Kelsen, Reine Rechtslehre, p. 20.
26. Cf., sobre isso, Hajime Yoshino, "Zur Anwendbarkeit der Regeln der Logik
auf Rechtsnormen", in Hans-Kelsen-lnstitut (Org.), Die Reine Rechtslehre in wissen-
schaftlicher Diskussion, Wien: Manz, 1982, pp. 146 e ss.
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 61
dos que têm por objetivo informar quais normas são válidas devem ser
chamados de "enunciados sobre validade normativa'', Dependendo
do critério de validade pressuposto, podem ser expressas coisas diver-
sas com esse tipo de enunciados. Normalmente, os casos como o men-
cionado não dizem respeito nem à obediência fática das regras sobre
estacionamento, nem à sua sanção, nem ao que é obrigatório ou per-
mitido a partir de considerações racionais, mas àquilo que é determi-
nado, no âmbito do ordenamento jurídico pressuposto - e em geral
eficaz -, enyrelação à questão do estacionamento. Esse tipo de enun-
ciado sobré validade normativa é passível de uma análise quanto à sua
veracidade: eles são ou verdadeiros ou falsos. 35
36. Klaus Grimmer, Demokratie und Grundrechte, Berlin: Duncker & Humblot,
1980, p. 285.
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 65
37. Sobre esse conceito, cf. Franz v. Kutschera, Einführung in die Logik der
Normen, Werte und Entscheidungen, Freiburg: Alber, 1973, p. 13.
66 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
38. Carl Schmitt, "Grundrechte und Grundpflichten (1932)", in, do mesmo autor,
Verfassungsrechtliche Aufsiitze, 2' ed., Berlin: Duncker & Humblot, 1973, p. 190.
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 67
44. Cf., por exemplo, Richard Thoma, "Die juristische Bedeutung der grund-
rechtlichen Satze der deutschen Reichsverfassung im allgemeinen", in Hans C. Nip-
perdey (Org.), Die Grundrechte und Grundpflichten der Reichsverjassung, Berlin:
Hobbing, 1929, pp. 3 e ss.; Friedrich Klein, "Vorbemerkung", in Hermano v. Man-
goldt!Friedrich Klein, Das Bonner Grundgesetz, v. 1, A VI, pp. 78 e ss.
45. Friedrich Klein, "Vorbemerkung'', in Hermann v. Mangoldt/Friedrich Klein,
Das Bonner Grundgesetz, v. 1, A VII 3, p. 83.
46. Acerca do caráter de direito fundamental do direito de resistência do art. 20, §
4-U, da Constituição alemã, cf. Josef Isensee, Das legalisierte Widerstandsrecht, Bad
Homburg: Gehlen, 1969, pp. 81 e ss. Um catálogo de disposições periféricas ao catálo-
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 69
47. Aqui é possível renunciar a uma análise mais acurada da abertura semântica.
Cf., a esse respeito, Hans-J. Koch/Helmut RüBmann, Juristische Begründungslehre,
pp. 191 e ss.; Robert Alexy, "Die logische Analyse juristischer Entscheidungen",
ARSP Beih. 14 (1980), pp. 190 e ss.
48. Cf., a respeito, Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp.
276 e ss.
49. BVerjGE 35, 79 (113).
50. BVerjGE 5, 85 (146).
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 71
53. Essa situação é, por conseguinte, diferente da que ocorre quando se aceita
um "direito fundamental não-escrito". Um direito fundamental não-escrito é caracte-
rizado pelo fato de que a norma de direito fundamental que o garante não se· encontra
em uma relação de refinamento com uma norma de direito fundamental expressa
diretamente pelo texto constitucional.
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 73
54. Cf. Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp. 326 e ss. e
334 e ss.
55. Isso é válido, de forma geral, para as regras da fundamentação jurídica.
Cf., sobre isso, Robert Alexy, "Die Idee einer prozeduralen Theorie der juristischen
Argumentation", Rechtstheorie, Beiheft 2 (1981), pp. 180 e ss.
56. Pode ocorrer, portanto, que para duas nonnas inconciliáveis, N 1 e N2, exis-
tam fundamentações igualmente procedentes. Devem, então, tanto N 1 quanto N2 valer
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 75
como normas de direitos fundamentais? A resposta a essa pergunta deve ser negativa.
Para tanto o conceito de uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais,
utilizado ~o critério mencionado acima, deve ser entendido de tal forma q.ue uma fun-
damentação da atribuição de N 1, - que, isoladamente considerada, ~eria correta - perde
seu caráter de correção se N2 puder ser fundamentada de forma igualmente c.orr;ta.
Nesse caso nenhum dos candidatos à atribuição é considerado como norma atribu1da.
Assim, um.tribunal que entenda que Nt e N2 são igualmente fundam~ntáveis nã~ tem
como se basear em uma norma que possa ser considerada como válida em razao de
sua correta fundamentação e tem que, por isso, decidir em um âmbito abe~o no que
diz respeito à questão da validade Em razão de sua força como precedente, importante
inclusive do ponto de vista da fundamentação, essa decisão p~de fazer com que a nor-
ma a que se deu preferência pareça,.no futuro, como sendo mrus bem fundamentada. A
situação em questão aqui, na qual, do ponto de vista daquele que decide: duas n~~
inconciliáveis entre si são supostamente igualmente corretas no que diz respe~to. as
possibilidades de fundamentação, deve ser distinguida d~ ~i~ação na qual dois JUlg~
dores distintos têm diferentes concepções sobre as poss1b1hdades de fundamentaçao
de uma norma. Esta última situação é muito mais freqüente que aquela na qual um
julgador não consegue definir qual das duas fundamentações é a melhor.
57. Uma vantagem desse conceito pode ser mencionada de passagem: ele per-
mite que se fale em descoberta de novas normas de direitos fundamentais. Nesse
contexto, pode-se mencionar a bela metáfora usada por Thoma, qu~, com algu~as
relativizações, vale também para a Constituição atual: "É possível <l!:er que a C1en-
cia do Direito alemã trata a Constituição de Weimar como uma reg1ao montanhosa,
em cujos rincões a vara-de-condão da exegese pode sempre revelar novos veios de
normas válidas, até então ocultas" (Richard Thoma, Die juristische Bedeutung der
grundrechtli'chen Siitze der deutschen Reichsverfassung im allgemeinen, P· 4).
76 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
ser generalizada. Uma tal definição geral sustenta que normas de di-
reitos fundamentais são todas as normas para as quais existe a possi-
bilidade de uma co1Teta fundamentação referida a direitos fundamentais.
Para as normas diretamente estabelecidas normalmente é suficiente uma
referência ao texto constitucional. Uma fundamentação mais profun-
da, que demonstre por que aquilo que a Constituição diz é válido,
normalmente tem, para a práxis da fundamentação referida a direitos
fundamentais, um interesse apenas teórico. Isso demonstra que a ge-
neralização da definição baseada em uma correta fundamentação re-
ferida a direitos fundamentais não elimina, de forma nenhuma, a dife-
rença entre normas de direitos fundamentais estabelecidas direta e
indiretamente. No caso de uma norma diretamente estabelecida, uma
fundamentação correta é sempre diferente da fundamentação no caso
de uma norma indiretamente estabelecida.
reitos fundamentais. Mas essa asserção tem como objeto uma norma
de direito fundamental somente se ela for correta, o que só ocorre se,
para tal atribuição, for possível uma correta fundamenta?ã~ referida a
direitos fundamentais. Em um terceiro passo, a defimçao baseada
no conceito de fundamentação correta é generalizada, e passa a valer
tanto para as normas estabelecidas diretamente quanto para as normas
atribuídas.
Essa teoria da norma de direito fundamental, e também a concep-
ção semântib do conceito de norma, que ~ ela subjaz, e~contr~ um
contraponto na teoria da norma desenvolvida por Fnedrich Muller.
Essa teoria te_i;n especial inte_resse no present~ conte~to porque ela, ~m
rimeiro lugar, foi desenvolvida tendo em vista o direito cons!ltuc10-
P • - 59
nal" e, além disso, porque conta com uma crescente ace1taçao.
Müller caracteriza sua teoria com uma "teoria da norma que su-
pera 0 positivismo jurídico". 60 O en~~ciado central ~e ~~ª-;,~orno de
define - "teoria estrutural pós-pos1!lv1sta da norma JUnd1ca cons1s-
.
te na tese da "não-iden!ldade entre norma e texto normat.1vo"62c
. om
essa tese, Müller pretende dizer "que uma norma jurídica é mais que
0 texto"." A concepção da norma jurídica como "constituída apenas
lingüisticamente" seria a "ilusão de uma ~onc,epçãoyu~amente forma-
lista do Estado de Direito". 64 Uma teona pos-pos1!1v1sta - que para
Müller significa uma teoria adequada - da norma jurídica teria, por
oposição, que partir do pressuposto de que "a norma jurídica é deter-
65
minada também pela realidade . · 1, pe1o am
sacia - bºt
1 o d a norma" . Se-
gundo Müller, o texto normativo "expressa o '~ro~r~m~ da noi:na',
tradicionalme_nte entendi!1o como o 'comando JUnd1co . Com igual
58. Cf. Friedrich Müller, Juristische Methodik, 2ª ed., Berlin: Duncker & Hum-
blot, 1976. pp. 24 e 26 e ss. . .
59. Cf. a exposição de Müller na obra acima citada, pp. 116-117.
60. Idem, p. 126.
61. Idem, p. 265. . .. . ,,
62. Friedrich Müller, "Rechtsstaatliche Method1k und pohtische Rechtstheone ,
Rechtsteorie 8 (1977), p. 75; do mesmo autor, Juristische Methodik, pp. 55, 61, 147,
202 e 265.
63. Friedrich Müller, Juristische Methodik, p.. 117; do mesmo autor, Normstruk-
tur und Normativitiit, Berlin: Duncker & Humblot, ~966, PP· ~~7 e ss. . ,,
64. Friedrich Müller, "Rechtsstaatliche Methodik und pohtische Rechtstheone ,
p. 74.
65. Idem, p. 75.
78 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
76. Cf. Friedrich Müller, Juristische Methodik. pp. 200 e ss. Somente na de-
finição dos limites dos resultados admissíveis é que os dados lingüístico's teriam
precedência em face dos dados reais (idem. p. 202).
77. Cf. Friedrich Müller, Juristische Methodik, pp. 199 e ss.
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 81
79. Mas não se pretende estabelecer mais que uma certa semelhança. Uffia aná-
lise mais detalhada poderia expor alguns problemas da norma de decisão de Müller.
Isso pode ser percebido de forma exemplar na seguinte passagem: "Por fim, enquanto
O CONCEITO DE NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 83
norma de decisão, uma prescrição deve ser considerada como definitiva somente (e,
mesmo assim, apenas para esse caso específico) quando o caso estiver solucionado"
(Friedrich Müller, Juristische Methodik, p. 132). O trecho entre parêntesis parece
sustentar que a nonna de decisão é uma norma somente para o caso a ser decidido,
ou seja, uma nonna individual, no sentido kelseniano (cf. Hans Kelsen, Reine Rechts-
lehre, pp. 255 e ss.; e, do mesmo autor, Allgemeine Theorie der Normen, p. 180) ou
um juízo de dever-ser jurídico concreto, no sentido de Engisch (cf. Karl Engisch,
Logische Studien zur Gesetzesanwendung, pp. 3 e ss. ). Nesse sentido é a afinnação
de Müller que identifica a nonna de decisão como a fonnulação lingüística da deci-
são individual: "A imputação da decisão individual e de sua fonnulação lingüística
(a 'nonna de decisão')" (Friedrich Müller, Juristische Methodik, p. 278). Contra essa
posição, sugerida pelo trecho citado de Müller, militam não somente o fato de ele
falar da prescrição como nonna de decisão, mas sobretudo o fato de que, por essa
interpretação, a norma jurídica,: não poderia, "no decorrer de seu tempo de validade,
ser determinada, modificada ou ampliada em seu conteúdo por meio das normas de
decisão que são a ela imputadas em cada caso concreto" (idem, pp. 272-273). Isso
pressuporia uma prática decisória universalista, que associaria a norma jurídica rela-
tivamente geral a nonnas de decisão relativamente específicas, mas, ainda assim, uni-
versais. Essa versão da norma de decisão - que é a que Larenz tem em mente quando
salienta "que Müller, por 'nonna de decisão', de maneira semelhante a Fikentscher,
com sua 'nonna do caso', supõe uma norma que é concretizada de forma tão ampla
por parte daquele que decide, que sua aplicação ao caso concreto não exige nenhum
passo intermediário" (Karl Larenz, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 4-3- ed.,
Berlin: Springer, 1979, p. 495) - deve ter preferência não somente por razões subs-
tanciais, mas também porque corresponde à constatação de Müller segundo a qual
a norma de decisão seria a "situação agregada [da norma jurídica], 'concretizada'
a partir de um determinado caso e com vistas à sua solução vinculante" (Friedrich
Müller. Juristische Methodik, p. 119).
84 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
[ - REGRAS E PRINCÍPIOS
1. Critérios tradü;ionais
para a distinÇão entre regras e princípios
A distinção entre regras e princípios não é nova. Mas, a despeito
de sua longevidade e de sua utilização freqüente, a seu respeito impe-
1. Cf.: por exemplo, Eike v. Hippel, Grenzen und Wesensgehalt der Gruizd-
recht~, Berlin: Duncker & Humblot, 1965, pp. 15 e ss.: Detlef C. Gõldner, Verfassungs-
pnnz~p und Pnv?trechtsnorm in der verfassungskonformen Auslegung und Rechts-
fortb1ldung, Berlm: Duncker & Humblot, 1969, pp. 23 e ss.; Ulrich Scheuner, "Die
Funkt1on der Grundrec~te im Sozialstaat: Die Grundrechte ais Richtlinie und Rabmen
der Staatstãtigkeit", DOV24 (1971), p. 507; Ernst-Wolfgang Bõckenfürde "Die Me-
thoden der Verfassungsinterpretation", NJW 29 (1976), p. 2.091. '
2. Cf. os exemplos da jurisprudência Tribunal Constitucional Federal, apresen-
tados no Capítulo 1, III.
3. Cf., por exemplo, Peter Hâber!e, "Grundrechte im Leistungsstaat'', WDStRL
30 (1972), p. 135.
4. Cf., por exemplo, BVerfGE 32,54 (72); Hans Huber, "Über die Konkretisie-
rung der Grundrechte", in Der Staat ald Aufgabe, p. 197: estilo taquigiáfico
H 5. Cf. Bernhard Schhnk, Abwii.gung im Verfassungsrecht, Berlin: Duncker &
umblot, 1976, p. 195; Adalbe~ Pod!ech, Gehalt und Funktionen des allgemeinen
verfassungsrechtlichen Gleichheitssatzes, Berlin: Duncker & Humblot, 1971,-p. 90.
6. Cf. Ernst Forsthoff, Zur Problematik der Verfassungsauslegung, Stuttgart:
Kohlhammer, 1961, p. 34.
7. Cf. Hans-J. Koch/Helmut RüBmann, Juristische Begründungslehre, pp. 97 e ss.
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 87
8. Cf., por exemplo, Josef Esser, Grundsatz und Norm, 311 ed., Tübingen: Mohr,
1974. O Tribunal Constitucional Federal às vezes fala em "normas e princípios da
Constituição" (BVerjGE 51, 324 (350)).
9. Cf., por exemplo, Joseph Raz, "Legal principies and the limits of law", Yale
Law Journal 81.(1972), p. 83&;.George C. Christie, "The model of principies", Duke
Law Journal 17 (1968), p. 669; Graharn Hughes, "Palicy and decision making", Yale
Law Journal 77 (1968), p. 419; August Simonius, "Über Bedeutung, Herkunft und
Wandlung der Grundsãtze des Privatrechts", Zeitschrift jür Schweizerisches Recht
NF 71 (1952), p. 239. Contra a generalidade como critério distintivo, cf. JosefEsser,
Grundsatz und Norm, p. 51; Karl Larenz, Richtiges Recht, München: C. H. Beck,
1979, p. 26: "Não é o grau de generalidade que é decisivo para o princípio mas a sua
aptidão como razão fundamentadora".
10. Cf., nesse sentido, BVerfGE 12, 1 (4).
11. O conceito de generalidade de uma norma tem que ser estritamente distin-
guido do conceito de universalidade. A despeito de seus diferentes graus de gene-
ralidade, tanto "todos gozam de liberdade de crença" quanto "todo preso tem o
direito de converter outros presos à sua crença" expressam normas universais. Isso
porque ambas as normas se referem a todos os indivíduos de uma classe aberta (pes-
soas/presos). Sobre o conceito de classe aberta, cf. Alf Ross, Directives and Norms,
88 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
ciados também com base no fato de serem razões para regras ou serem
eles mesmos regras,' 8 ou, ainda, no fato de serem normas de argumen-
tação ou normas de comportamento. 19
Com base nesses critérios, são possíveis três teses inteiramente
diversas acerca da distinção entre regras e princípios. A primeira sus-
tenta que toda tentativa de diferenciar as normas em duas classes, a
das regras e a dos princípios, seria, diante da diversidade existente,
fadada ao fracasso. Isso seria perceptível, por exemplo, na possibili-
dade de qd~ os critérios expostos, dentre os quais alguns permitem
apenas diferenciações gradativas, sejam combinados da maneira que
se desejar. Assim, não seria.difícil imaginar uma norma que tenha um
alto grau de generalidade, não seja aplicável de pronto, não tenha sido
estabelecida expressamente, tenha um notório conteúdo axiológico e
uma relação íntima com a idéia de direito, seja importantíssima para
a ordem jurídica, forneça razões para regras e possa ser usada como
um critério para a avaliação de argumentos jurídicos. Some-se a isso
o fato de que, isoladamente considerados, aquilo que esses. critérios
distinguem é algo extremamente heterogêneo.'º Diante disso, é neces-
sário atentar para as diversas convergências e diferenças, semelhanças
e dessemelhanças, que são encontradas uo interior da classe das nor-
mas, algo que seria mais bem captado com a ajuda do conceito witt-
gensteiniano de semelhança de família 21 que por meio de uma divisão
~2. C~., nesse sentido, Robert Alexy, "Zum Begriff des Rechtsprinzips", Rechts~
theorze, Beih. 1 (1979), pp. 79 e ss.; do mesmo autor, "Rechtsregeln und Rechtsprin-
zipien", ARSP. Beiheft 25 (1985), pp. 13 e ss.
23. O conceito de mandamento é aqui utilizado em um sentido amplo, que inclui
também as permissões e as proibições.
2.4. ~.necessário _distinguir dois casos de restrição à realização ou à satisfação
dos. pnnc1p1os por ~e~o de regras: (1) A regra R, que restringe o princípio P, vale
estntamente. Isso s1gn1fica que vale uma regra de validade R ', que diz que R tem
~recedência em relação a P, independentemente de se saber o quão importante é a rea-
hzaçã? d~ P e o quão desimportante é a realização de R; (2) R não vale estritamente.
l~so s1gn1fica que vale um princípio de validade P', que permite, em determinadas
s1t~ações, que P supere ou restrinja R. Essas condições não podem ser satisfeitas com
a simples constatação de que o cumprimento de Pé, no caso concreto, mais importante
que o cumprimento do princípio PR, que materialmente sustenta R, pois isso faria
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 91
.:.
3. ColMks entre princípios
e conflitos entre regras
A diferença entre regras e princípios mostra-se com maior clareza
nos casos de colisões entre princípios e de conflitos entre regras. 28 Co-
com que P' não desempenhasse nenhum papel. Tudo seria uma questão de relação
entre P e PR. P' desempenha um papel se para a determinação da precedência de P
não somente se exija que P preceda o princípio PR, que materialmente sustenta R,
mas também que P seja mais forte que PR em conjunto com o princípio P', que exige
o cumprimento de regras e que, nesse sentido, sustenta formalmente R.
25. O § 5°, l, do Código de Trânsito alemão (StVO) é uma regra que exprime
bem o que se quer dizer com isso. Ultrapassagens são possíveis ou pela esquerda ou
pela direita. A característica de poder ser ou não ser cumprida não se limita, contu-
do, a esse tipo simples de regras. Ela não depende do fato de que a ação obrigatória
(proibida, permitida) somente pode ser realizada ou não realizada. Mesmo as regras
que prescrevem ações que podem ser realizadas em diferentes graus podem ter aquela
qualidade. Isso ocorre também quando um detenninado grau da ação ou do compor-
tamento é obrigatório (proibido, permitido). Um exemplo são as prescrições que se
referem a condutas imprudentes. O que se exige não é um grau máximo de cuidado,
mas um deten:aj.Q_fldo gra_u de,.: cuidado, dependendo do ramo do direito de que se
trate. Embora seja possível que surjam dúvidas, em casos individuais, sobre qual é o
grau de cuidado exigido, isso é algo possível na aplicação de qualquer norma e não
representa nenhuma peculiaridade. Para o esclarecimento dessas dúvidas exige-se
exatamente que se decida se o grau de cuidado exigido pelo dispositivo foi satisfeito,
ou não. Esse questionamento é típico das regras.
26. Essa é também a conclusão de Josef Esser, Grundsatz und Norm, p. 95.
27. A distinção apresentada assemelha-se à proposta por Dworkin (cf. Ronald
Dworkin, Taking Rights Seriously, 2' ed., London: Duckworth, 1978, pp. 22 e ss. e
71 e ss.). Mas ela dela difere em um ponto decisivo: a caracterização dos princípios
como mandamentos de otimização. Para uma discussão acerca dessas semelhanças e
diferenças, cf. Robert Alexy, "Zum Begriff des Rechtsprinzips", pp. 59 e ss.
28. A terminologia é oscilante. Paulson, por exemplo, sem diferenciar entre
regras e princípios, utiliza em geral a expressão "conflito entre normas" (cf. Stanley
Paulson, "Zum Problem der Normkonflikt", ARSP 66 (1980), pp. 487 e ss.), e o Tri-
92 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A constatação de que pelo menos uma das regras deve ser decla-
rada inválida quando uma cláusula de âceção não é possível em um
conflito entre regras nada diz sobre qual das regras deverá ser tratada
dessa forma. Esse problema pode ser solucionado por meio de regras
como !ex posterior derogat legi priori e !ex specialis derogat legi
generali, mas é também possível proceder de acordo com a importân-
cia de cada regra em conflito. O fundamental é: a decisão é uma de-
cisão sobre validade. Um exemplo de conflito entre regras que o Tri-
bunal Constitucional Federal resolven exatamente nesse sentido - com
base na !!<Íílna sobre conflitos do art. 31 da Constituição alemã ("o
direito federal tem prioridade sobre o direito estadual") - é aquele
entre o § 22,-·l, da ordenação sobre o horário de trabalho, de 1934 e
1938 (direito federal vigente na época da decisão), que, pela interpre-
tação do tribunal, permitia a abertura de lojas entre 7 e 19h nos dias
úteis, e o § 2° da lei do Estado de Baden sobre o horário de funciona-
mento do comércio, de 1951, que, entre outras coisas, proibia a aber-
tura de lojas após as 13h nas quartas-feiras.'º As duas regras não po-
deriam valer ao mesmo tempo, caso contrário a abertura das lojas nas
tardes de quartas-feiras seria tanto permitida quanto proibida. A pos-
sibilidade de considerar a cláusula da lei estadual como uma exceção
ao direito federal estava excluída, em face do disposto no art. 31 da
Constituição. Nesse sentido, restou apenas a possibilidade de declara-
ção de nulidade da norma de direito estadual.
31. Sobre o conceito da dimensão do peso, cf. Ronald Dworkin, Taking Rights
Seriously, pp. 26-27.
32. Os sopesamentos de interesses demonstram com grande clareza que o Tribu-
nal Constitucional Federal concebe as normas de direitos fundamentais (pelo menos
também) como princípios. Isso pode ser percebido de forma ainda mais clara quando
o tribunal formula expressamente mandamentos de otimização, como, por exemplo,
no caso da decisão sobre o Partido Comunista Alemão (BVerfGE 5, 85 (204)): "o
desenvolvimento de sua personalidade na maior medida possfveI''; na decisão sobre
farmácias (BVerfGE 7, 377 (403)): "A escolha da profissão (... ) deve ser protegida
o máximo possível contra intervenções dos poderes estatais"; e na decisão sobre a
regulação dos ofícios manuais (BVerfGE 13, 97 (195)): "a maior liberdade possível
na escolha da profissão" (sem grifos nos originais).
33. BVerfGE 51, 324.
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 95
bém obriga o Estado". 34 Essa relação de tensão não pode ser solucio-
nada com base em uma precedência absoluta de um desses deveres,
ou seja, nenhum desses deveres goza, "por si s6, de prioridade". 35 O
"conflito" deve, ao contrário, ser resolvido "por meio de um sopesa-
mento entre os interesses conflitantes". O objetivo desse sopesamento
é definir qual dos interesses - que abstratamente estão no mesmo ní-
vel - tem maior peso no caso concreto: "Se esse sopesamento levar à
conclusão de que os interesses do acusado, que se opõem à interven-
ção, têm, nq,caso concreto, um peso sensivelmente maior que os inte-
resses efl1,que se baseia a ação estatal, então, a intervenção estatal viola
o princípio da proporcionalidade e, com isso, o direito fundamental do
acusado que deriva do art. 2Q, § 2°, 1, da Constituição". 36 Essa situação
de decisão corresponde exatamente à colisão entre princípios. As di-
ferenças são de caráter terminológico. Na decisão não se fala em
''colisão", mas de uma "situação de tensão" e de um "conflito"; e aqui-
lo que colide e que é sopesado não é caracterizado como "princípio",
mas como "dever", "direito fundamental", "pretensão" e "interes-
se". Mas a caracterização da situação decisória como uma colisão
entre princípios é perfeitamente possível. Isso ocorre quando se fala,
de um lado, do dever de garantir, na maior medida possível, a opera-
cionalidade do direito penal e, de outro lado, do dever de manter in-
cólume, na maior medida possível, a vida e a integridade física do
acusado. Esses deveres devem ser aplicados na medida das possibili-
dades fáticas e jurídicas de sua realização. Se houvesse apenas o prin-
cípio da operacionalidade do direito penal, a realização da audiência
seria obrigatória ou, no mínimo, permitida. 37 Se houvesse apenas o
41. Idem.
42. No caso analisado tratava-se de decidir se a conseqüência jurídica resultante
do princípio P 1 deveria ser realizada em toda sua extensão, ou não. Pode haver casos
nos quais seja necessário excluir parte da conseqüência jurídica do princípio prevalente.
Nesse caso, P 1 tem precedência em relação a P 2 sob as condições do caso (C) apenas em
relação a uma conseqüência jurídica limitada (R'), o que pode ser simbolizado por (P, P P2)
C, R'. A questão da precedência em relação a uma conseqüência jurídica limitada deve
ser distinguida dos problemas da adequação e da necessidade, a serem analisados mais
adiante, os quais dizem respeito às possibilidades de realização fática do princípio.
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 99
48. Não pode haver dúvidas de que o tribunal decidiu o caso por meio de um so-
pesamento entre princípios. Mas é possível indagar se esse era o único caminho possí-
vel. E são considerações feitas pelo próprio tribunal que dão ensejo a essa illdagação,
quando ele examina se a transmissão de um programa que identificasse o reclamante
seria adequada e necessária para os objetivos perseguidos pela emissora ZDF. Dentre
esses objetivos estão, por exemplo, o esclarecimento da população sobre a eficácia
das sanções penais, um efeito intimidador sobre outros possíveis criminosos e um
"fortalecimento da moral pública e da responsabilidade social" (BVerfGE 35, 202
(243)).' Diante diSSQ, seria posSível sustentar que o caso poderia ter sido resolvido
não no nível do sopesamento entre valores ou princípios constitucionais, ou seja, não
na terceira etapa da máxima da proporcionalidade (cf., a respeito, Lothar Hirschber,
Der Grundsatz der VerhiiltnismiifJigkeit, Gõttingen: Schwartz, 1982, pp. 2 e ss.; cf.
também o tópico I.8, neste Capítulo), mas nas etapas anteriores - da adequação e da
necessidade (nesse sentido, cf. Bernhard Schlink, Abwiigung im Verfassungsrecht, p.
34). Mas dessa forma teria sido possível apenas excluir a identificação nominal do
reclamante e a exposição de sua imagem. No entanto, como o tribunal pressupõe que o
reclamante teria seus direitos violados mesmo sem sua identificação nominal e sem
a exposição de sua imagem (BVerfGE 35, 202 (243)), a decisão na terceira etapa da
máxima da proporcionalidade era inafastável. Somente se o tribunal não tivesse par-
tido dessa premissa é que seria possível solucionar o caso apenas com o auxílio das
máximas da adequação e da necessidade.
49. BVerfGE 35, 202 (231).
102 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
53. Sobre o conceito de caráter prima facie, cf. a obra fundamental, ainda que
pouco clara em muitos pontos, de W. D. Ross, The Right and the Good, Oxford:
Clarendon, 1930, pp. 19 e ss., 28 e ss., bem como Kurt Baier, The Moral Point o/View,
Jthaka/London: Comell University Press, 1958, pp. 102 e ss., e Richard M. Hare, Mo-
ral Thinking, Oxford: ClarendQJl; 1981, pp. 27 e ss. e 38 e ss., os quais se baseiam em
Ross. John Searle ("Primafacie obligations", in Joseph Raz (ed.), Practical Reaso-
ning, Oxford: Oxford University Press, 1978, pp. 84 e ss.) sugere que se abra mão da
expressão "prima facie" e de seus contrapontos para, no lugar deles, diferenciar entre
aquilo "que alguém tem como obrigação de fazer" e aquilo "que alguém deve fazer
depois de se levar tudo em consideração" (idem, pp. 88-89). Aqui interessa apenas
que, também segundo Searle, há dois usos para "dever-ser" (ought): um "depois de se
levar tudo em consideração" e um não "depois de se levar tudo em consideração". É
necessário concordar com Searle quando ele afirma que o segundo caso está associa-
do a alguns problemas. Mas renunciar à expressão "prima facie" seria recomendável
apenas se se pretendesse renunciar a toda e qualquer distinção terminológica: Para
uma interessante tentativa de reconstrução do caráter prima facie com os meios da
lógicadeôntica, cf. Jaakko Hintikka, "Some main problems ofDeontic Logic", in Ris-
to Hilpinen (ed.), Deontic Logic: Introdutory and Systematic Readings, Dordrecht:
Reide!, 1971, pp. 67 e ss.
104 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
57. Cf., por exemplo, BGHZ 24, 153; 59, 236. Para uma visão geral, cf. Hans-
Friedrich Brandenburg, Die teleologische Reduktion, Gõttingen: Schwartz, 1983.
58. Nesse contexto é possível introduzir os conceitos de rigidez e flexibilidade
de um ordenamento jurídico. Um ordenamento jurídico é tão mais rígido quanto mais
forte for o caráter prima facie de suas regras e quanto mais coisas forem reguladas
por meio delas. Para uma verificação de que a polêmica sobre a necessária rigidez do
ordenamento jurídico não é um tema novo, cf. Okko Behrends, "Institutionelles und
prinzipielles Denken im rõmischen Privatrecht", Zeitschrift der Savigny-Stiftung für
Rechtsgeschichte (Romanistische Abteilung) 95 (1978), pp. 187 e ss.
106 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
razões para ações ou razões para normas; enquanto razões para normas,
podem eles ser razões para normas universais (gerais-abstratas) e/ou
para normas individuais (juízos concretos de dever-ser).60 O entendi-
61
mento de que normas são razões para ações é defendido por Raz.
Aqui, ao contrário, regras e princípios devem ser considerados como
razões para normas. O fosso entre ambas ~s concepções é'. no, e~tant_o,
menos profundo do que pode parecer, pois, se regras e pnnc1p1os sao
razões para normas, eles são também indiretamente .razões p~a a~ões.
A visão aqJ.lf defendida corresponde ao ponto de vista da C!enc1a do
Direito. Na Ciência do Direito são formulados juízos sobre o que é
devido, o que é proibido e o que é pennitido, e o juiz deci~e exatamente
sobre isso. o-·conceito semâlltico de norma é desenvolvido para essa
tarefa. Se se compreendem regras e princípios como razões para nor-
mas, a relação de fundamentação fica limitada a objetos de uma catego-
ria, o que facilita seu manejo e, sobretudo, sua análise lógica.
Um dos critérios para a diferenciação entre regras e princípios,
acima mencionados, classifica os princípios como razões para regras,
e somente para regras. Se esse critério fosse correto, princípios não
poderiam servir como razões diretas para decisões concretas. A coi:i-
preensão de que os princípios são razões para regras e as regr~ s.ao
razões para decisões concretas (normas individua~s) tem, à pnmeira
vista, algo de plausível. Mas, a partir de uma aná!Ise mais ~etalha~a,
essa concepção mostra-se incorreta. Regras podem ser tambem razoes
para outras regras e princípios podem também ser razões para deci-
sões concretas. Quem aceita para si como inafastável a norma "não
ferir alguém em sua auto-estima", aceita uma regra. Essa regra pode
ser uma razão ·para outra regra: "não falar com alguém sobre seus
fracassos". De outro lado, princípios podem também ser razões para
decisões, isto é, para juízos concretos de dever-ser. Nesse sentido, o
princípio da proteção à vida foi, na decisão sobre a incapaci~ade .~e
participar de audiência processual, uma razão para a não-a?rn1~s1b1h
dade da realização da audiência. Ainda assim a caractenzaçao dos
princípios como razões para regras indica u~ ~onto acerta_do. Ela
reflete o diferente caráter das regras e dos pnnc1p1os como razoes para
60. Sobre essas diferenciações, cf. a nota de rodapé 11, neste Capítulo.. .
61. Cf. Joseph Raz, Practical Reason and Norms, London: Oxford Un1vers1ty
Press, 1975, pp. 15 e 58.
1
_J
108 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
6. Generalidade e princípios
É razoavelmente simples fundamentar a correção relativa do cri-
tério da generalidade. Normalmente, princípios são relativamente ge-
rais, porque ainda não estão em relação com as possibilidades dos
mundos fático e normativo. A partir do momento em que se passam a
se relacionar com os limites dos mundos fálico e normativo, chega-se,
então, a um sistema diferenciado de regras. O conceito de sistema
64. BVerjGE 34, 238 (245). É interessante, nessa decisão, como o tribunal define
a relação entre o conceito de âmbito absolutamente protegido e o conceito de sope-
samento: "nem mesmo interesses preponderantes da coletividade podem justificar
uma intervenção na esfera nuclear da configuração da vida privada, protegida de
forma absoluta; não há lugar para um sopesamento nos tennos da máxima da pro-
porcionalidade" Esse enunciado suscita problemas de interpretação. Deve ele ser
compreendido de forma a que o princípio da dignidade humana tenha precedência
também nos casos em que um princípio colidente tenha um peso maior do ponto de
vista do direito constitucional? Isso seria contraditório. Para evitar essa contradição,
a cláusula "interesses preponderantes da coletividade" tem que ser compreendida de
fo~a a que se refira a interesses que tenham mais peso a partir de algum outro ponto
de vista que não o do direito constitucional. Assim, do ponto de vista do direito cons-
titucional seria possível simplesmente sopesar e decidir que o princípio da dignidade
humana é mais importante. ·
65. BVerjGE 30, 1 (25).
66. BVerjGE 30. 1 (26).
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 113
outro interesse constitucional" reduziria "a garantia da dignidade, no fim das contas,
( ... )a uma defesa contra brutalidades apocalípticas" (Michael Kloepfer, "Grundrechts-
tatbestand und Grundrechtsschranken in der Rechtsprechung des Bundesverfassungs-
gerichts - dargestellt am Beispiel der Menschenwürde", in Christian Starck (Org.),
Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz, v. 2, Tübingen: Mohr, 1976, p. 411)
pode dessa forma ser evitado, sem que se insira uma cláusula não-escrita de restrição
no suporte fático da norma da dignidade humana, o que parece ser a sugestão de
Kloepfer. A possibilidade dessa construção decorre da abertura semântica do concei-
to de dignidade humana. ·
70. BVerfGE 35, 202 (219). Cf. também BVerfGE 30, 173 (195).
71. BVerfGE 51, 324 (345).
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 115
86. A constelação mais simples é aquela fonnada por apenas dois sujeitos de direito,
o Estado e um cidadão,. tom a~nas dois princípios em jogo. Se mais de dois princípios
estiverem envolvidos, peide surgir a seguinte situação: M1 e M2 são duas medidas igual-
mente adequadas em relação ao objetivo Z, cuja persecução é requerida por P 1 (ou Zé
idêntico a P1). M2 afeta menos que M1 a realização de P2, mas M, afeta menos que M2 a
realização de P3. Nesse caso, a máxima da necessidade não permite nenhuma decisão
dentre as três possibilidades existentes: (1) M, é escolhida e, com isso, P3 tem precedêllcia
em face de P2 e Pt é realizado; (2) M2 é escolhida e, com isso, P2 tem precedência em face
de P3 e P1 é realizado; (3) nero M1 nem M2 são escolhidas e, com isso, P2 e P3 têm, juntos,
precedência em face de P 1• Para fundamentar a escolha entre uma dessas possibilidades
- por exemplo, a primeira - é necessário demonstrar que é justificado preferir a não-afe-
tação de P3 por M2 em conjunto com a realização de P1 à afetação deP2 por M1• Mas isso
não seria nada mais que a fundamentação de uma relação condicionada de preferência
entre P2 , de um lado, e P, e P3 , de outro; ou seja, um sopesamento.
Completamente diferentes são os problemas que podem surgir quando estão
envolvidas mais pessoas. De novo, M 1 e M2 são duas medidas igualmente adequadas
em relação ao princípio P 1, perseguido pelo Estado. M1 afeta menos que M2 o direito
primafacie de a, garantido por P2 . M2 afeta menos que M1 o direito primafacie de b,
garantido por P2 ou por um outro princípio P3. Também nesse caso a máxima da ne-
cessidade não pennite nenhuma decisão.
Esses problemas suscitados por constelações complexas devem ser distinguidos
dos problemas que a aplicação da máxima da necessidade suscita também nas cons-
telações mais simples. Dentre esses problemas destaca-se a questão acerca da exten-
são da discricionariedade para fazer prognósticos que deve ser conferida ao legislador
e à Administração no âmbito do exame da necessidade e, com isso, também na defi-
nição de medidas alternativas (sobre esses problemas, cf., com inúmeras referêrícias
adicionais, Lothar Hirschberg, Der Grundsatz der Verhiiltnismii}Jigkeit, pp. 50 e ss.).
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 119
II - TRÊS MODELOS
92. Eike v. Hippel, Grenzen und Wesensgehalt der Grundrechte, pp. 15-16.
93. Idem, p. 18.
94. Idem, p. 22.
122 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
104. Para uma ampla exposição das teorias dos limites dos direitos funda-
menta~s chamados de imanentes - e também para uma análise crítica -, cf. Herwig
van N1euwland, Darstellung und Kritik der Theorien der immanenten Grundrechts-
schranken: Gõttingen: Dissertation, 1981.
105. Cf.. para isso, Capítulo 6, l.2.
106. BVerjGE 28, 243.
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 125
107. Cf.. por exemplo, BVerfGE 30, 173 (193 e ss.); 32, 98 (108); 33, 23 (29);
41. 29 (50); 44. 37 (50); 49, 24 (56).
108. BVerjGE 28, 243 (261).
109. Cf. Theodor Maunz, Deutsches Staatsrecht, p. 123. .
110. Cf. Günter Dürig, "Art. 2 Abs. 1", in Theodor Maunz/Günter Düng,
Grundgesetz, § 72.
111. Cf., para uma posição divergente, BVerjGE 30, 173 (192-193): ...
112. Cf. Günter Dürig, "Art. 2 Abs. !'', in Theodor Maunz/Gunter Dung,
Grundgesetz, § 70.
113. Idem,§§ 73 e ss.
126 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
/
/
128 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
outro, porque a lei moral, para que seja juridicamente relevante, tem
que dizer respeito a relações entre indivíduos, bem como entre indiví-
duos e coletividade, o que significa que, para a sua aplicação em casos
concretos, os sopesamentos são inafastáveis.
O que foi até aqui afirmado sobre as cláusulas restritivas de Dürig
pode ser aplicado também às tentativas de solucionar o problema dos
direitos fundamentais garantidos sem reserva por meio não do estabe-
lecimento de restrições, mas de limitações ao suporte fático. Um exem-
plo de uma _téntativa nesse sentido é a teoria de Müller acerca das
modalidades de ação materialmente específicas. Como essa teoria - bem
como, em geral, a relação entre limitação ao suporte fático e cláusula
de restrição - s"erá analisada i:om mais detalhes mais adiante, 119 aqui
será suficiente um breve exame de um caso utilizado por Müller como
exemplo. Trata-se do caso do pintor que quer pintar no meio de um
cruzamento viário. Segundo Müller, a proibição de realizar essa ação
não intervém no direito fundamental à liberdade artística, porque ela
não estreitaria qualquer "forma de ação específica protegida pelo di-
reito fundamental"."º Decisivo seria que uma "modalidade específi-
ca, (... )equivalente e intercambiável, (... )permanecesse aberta". 121 Se
se pressupõe que não há grande diferença - nem subjetivamente para
o artista, nem objetivamente para a obra de arte - se a pintura for rea-
lizada no cruzamento ou em uma faixa de grama ao lado dele, então,
o critério de Müller é claramente aplicável. Mesmo assim, é facilmente
perceptível que ele não é aplicável sem um recurso ao sopesamento.
Suponha-se que o cruzamento estivesse bloqueado ao tráfego 122 e que,
por isso, a pintura nesse cruzamento a ninguém incomodasse nem
afetasse qualquer interesse público. Nessas circunstâncias, obrigar o
pintor a se deslocar até a faixa de grama não é justificável nem mesmo
sob as condições aceitas acima, porque, nesse caso, não haveria razão
suficiente para que o pintor fosse expulso. A intercambiabilidade não
é alterada. Mas, ao contrário, se houver diferença entre pintar em um
cruzamento movimentado e em um cruzamento bloqueado, então, a
I
132 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
148. Sobre esse conceito, que, em virtude dos mal-entendidos que pode suscitar,
será utilizado aqui com muita cautela, cf. Robert Alexy, "Zum Begriff des Rechts-
prinzips", pp. 79 e ss.
149. Cf., por exemplo, Norbert Achterberg, "Antinomien verfassungsgestaltender
Grundentscheidungen", Der Staat 8 (1969), pp. 159 e ss.
140 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
156. Sobre a fonna lógica da subsunção a uma norma desse tipo, cf. Hans-
Joachim Koch/Helmut RüBmann, Juristische Begründungslehre, pp. 101 e ss.
144 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
I. Princípio e valor
Duas considerações fazem com que seja facilmente perceptível
que princípios e valores estão intimamente relacionados: de um lado,
é possível falar tanto de uma colisão e de um sopesamento entre prin-
cípios quanto de uma colisão e de um sopesamento entre valores; de
outro lado, a realização gradual dos princípios corresponde à realiza-
ção gradual dos valores. Diante disso, é possível transformar os enun-
ciados sobre valores do Tribunal Constitucional Federal em enuncia-
dos sobre princípios, e enunciados sobre princípios ou máximas em
enunciados sobre valores, sem que, com isso, haja perda de conteúdo.
Ao invés de constatar que "a liberdade de imprensa( ... ) [encerra] em
si a possibilidade de entrar em conflito com outros valores protegidos
pela Constituição", 158 o tribunal poderia ter afirmado, na decisão Spie-
159. Que essa não é uma alternativa remota é algo que pode ser percebido pelo fato
de o tribunal, ao longo de sua argumentação, falar, de um lado, em "máxima da liberdade
de imprensa" e, de outro, na "não menos importante máxima constitucional do dever
incondicional de todos os órgãos estatais, instituições e cidadãos defenderem a existência
e a segurança do Estado e de sua ordem de liberdade" (BVerfGE 20, 162 (218-219)).
160. BVerjGE 36, 264 (270).
161. Cf. Georg Henrik v. Wright, The Logic of Preference, p. 7; do mesmo au-
tor, The Varieties o/Goodness, London: Routledge, 1963, pp. 6-7. A tenninologia de
von Wright é vacilante. Às vezes ele utiliza duas designações para o mesmo conceito.
Assim, por exemplo, no lugar de "antropológico", ele às vezes fala em "psicológico";
no lugar de "deontológico", fala ele também em "nonnativo"; por fim, além de "rudo-
lógico", ele utiliza também a expressão "conceitos valorativos". Sobre a distinção
tríplice, cf. também Joseph Raz, Reasons and Norms, pp. 11 e ss.
146 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
164. Cf., nesse sentido, William K. Frankena, "Value and valuation", in Paul Edwards
(ed.), The Encyc/opedia of Phi/osophy, v. 7, NewYork: Macmillan, 1967, pp. 229 e ss.
165. Além dos já mencionados trabalhos de Scheler, Hartmann e von Wright,
cf., a respeito, Christian v. Ehrenfels, System der Werttheorie, 211 v., Leipzig: Reis-
land, 1897/1898; Ralph B. Perry, General Theory of Value, New York: Longmanns,
1926; Victor Kraft, Die Grundlagen einer wissenschaftlichen Wertlehre, 2ª ed., Wien:
Springer, 1951; Rüdiger Laut~n. Wert und Norm: Begrif.fsanalysen jür die Soziolo-
gie, 2' ed., Opladen: Westdeutscher Verlag, 1971; Milton Rokeach, The Nature of Hu-
man Values, New York: Free Press, 1973; Ervin Laszlo/James B. Wilbur (eds.), Value
Theory in Philosophy and Social Science, New York: Gordon and Breach, 1973.
166. Sobre essa diferenciação, cf. Victor Kraft, Die Grundlagen einer wis-
senschaftlichen Wertlehre, 2' ed., Wien: Springer, 1951, pp. 10-11; Ralph B. Perry,
Realms ofValue, Cambidge (Mass.): Harvard University Press, 1954, pp. 1-2.
167. O contraponto para o juízo de valor situado no nível axiológico (protótipo:
"x é bom") é o juízo de dever atribuível ao nível deontológico (protótipo: "x deve
ser"). Sobre os conceitos de juízos de valor e de dever, cf. Paul Edwards, The Logic of
Moral Discourse, New York: Free Press, 1955, p. 141; William K. Frankena, Analyti-
sche Ethik, München: DTV, 1972, pp. 27-28; Robert Alexy, Theorie der juristischen
Argumentation, pp. 84 e ss.
168. O termo "valoração" é ambíguo. Suponha-se que a expresse o juízo de
valor "x é bom". Há, então, três coisas que podem ser chamadas de valoração: (1)
148 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
aquilo que o enunciado expresso por a significa, ou seja, que "x é bom" (conceito
semântico de valoração); (2) o ato lingüístico que a realiza ao expressar o enunciado
mencionado (conceito pragmático de valoração); (3) o ato físico que, em geral, ante-
cede ou acompanha a expressão de um juízo de valor, e cujo conteúdo é expresso pelo
juízo de valor (conceito psicológico de valoração). Aqui, apenas o conceito semântico
de valoração será utilizado.
169. Cf, sobre isso, Franz v. Kutschera, Einjührung in die Logik der Normen,
Werte und Entscheidungen, pp. 85 e ss.
170. Sobre o procedimento classificatório baseado em critérios valorativos, cf.
James O. Urmson, "Einstufen", in Günther Grewendorf/Georg Meggle (Orgs.), Semi-
nar: Sprache und Ethik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1974, pp. 140 e ss.
171. O conceito de neutralidade deve ser distinguido do conceito de indiferença.
De acordo com o critério "sabor", os alimentos podem ser divididos naqueles que têm
um valor positivo, um valor negativo ou um valor neutro. Alimentos têm um valor
neutro quando não têm um sabor nem bom, nem ruim. Mas nem tudo aquilo que não
é nem bom nem ruim receberá, com base no critério "sabor", uma avaliação neutra.
A uma poesia, por exemplo, à qual esse critério não é aplicável, não será atribuído
nenhum valor. Em relação ao critério "sabor", ela é indiferente. Cf., a respeito, mas
com outra tenninologia, Christiane Weinberger/Ota Weinberger, Logik, Semantik,
Hermeneutik, p. 151. ·
172. Sobre conceitos valorativos métricos, cf. Franz von Kutschera, Einführung
in die Logik der Normen, Werte und Entscheidungen, pp. 87 e ss.
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 149
mar que algo tem um valor positivo, negativo ou neutro; com o auxí-
lio de conceitos valorativos comparativos, que um objeto a ser valo-
rado tem um valor maior ou o mesmo valor que outro; e com o auxílio
de conceitos valorativos métricos, que algo tem um valor de determi-
nada magnitude. Em todos os casos trata-se de juízos sobre algo que
tem um valor. Mas o que significa que algo é um valor? A diferencia-
ção entre o objeto e o critério da valoração conduzirá a uma resposta
a essa questão.
i
.1.
"
1.2.2 Valores como critérios de valoração
Muitas coisas podem ser objeto de valoração. Entre elas, podem
ser valorados objetos naturais, artefatos, idéias, acontecimentos, ações
e situações. Também os critérios de valoração são de natureza varia-
da. Um carro pode ser valorado, por exemplo, com base nos critérios
de rapidez, segurança, conforto, preço, economia e beleza. Os crité-
rios de valoração podem colidir - basta pensar, por exemplo, nos
critérios rapidez e economia. Nesses casos, para que se possa realizar
uma valoração global de determinado carro, é necessário determinar
a relação entre esses critérios. Na já mencionada decisão Spiegel os
objetos da valoração são, dentre outras coisas, situações de regulação
jurídica, que são avaliadas com base sobretu~o em dois critérios, o da
liberdade de imprensa e o da segurança nacional. Uma das situações
de regulação jurídica valoradas nesse caso refere-se à existência de
"um direito, garantido à imprensa, de manter sigilo acerca de seus
informantes, lllesmo nos.casos( ... ) em que( ... ) o objeto da investiga-
ção seja um crime doloso de traição à pátria e os redatores sejam
suspeitos de serem os autores do crime, e os informantes, seus cúm-
plices" .1'3 Se se parte somente do critério da liberdade de imprensa,
então, essa situação pode ser considerada como "boa"; se se parte so-
mente da segurança nacional, ela pode ser classificada como "ruim".
Ambos os critérios colidem. Para fazer uma valoração global, é neces-
sário definir a relação entre eles.
Não se pode dizer nem do carro, nem da mencionada situação de
regulação jurídica, que eles são um valor em si. Como objetos da va-
norma
~~
norma deontológica norma axiológica
174. A partir delas, em conjunto com premissas adicionais, pode ser deduzido o
juízo concreto de valor. Cf. Richard M. Hare. The Language of Morais, pp. 145-146;
Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp. 93-94.
175. Os objetos dessa divisão são em parte designados por meio de outros ter-
mos; os termos aqui utilizados são, em parte, também usados com outro significado;
e, em parte, são outros os objetos utilizados para esse tipo de divisão. Diante das di-
versidades conceituai e classificatória, esse esquema não pode pretender refletir o uso
majoritário da linguagem. A terminologia escolhida só pode ser encarada como uma
tentativa de dar nomes - que, na medida do possível, correspondam ao uso corrente
da linguagem - a coisas que, por razões sistemáticas, têm que ser diferenciadas.
152 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
mais amplo da idéia de uma ordem objetiva de valores pode ser en-
contrado em Max Scheler.
Segundo Scheler, valores não somente valem, eles têm também
um ser independente, um "ser dos valores". 186 Por isso, Scheler acredi-
ta que valores podem ser qualificados como fatos ("fatos independen-
187
tes da vida moral"). Ao enunciado valorativo "A é bom" deve cor-
responder um fato moral, da mesma forma que ao enunciado descritivo
"A é verde" deve corresponder um fato empírico. "A diferença consis-
te apenas na matéria do predicado." 188 Havendo correspondência com
os fatos, ambos os enunciados são igualmente verdadeiros. 139
A cognição dos valores deve ocorrer por meio de uma faculdade
~ognoscitiv~ específica, descrita por Scheler com as seguintes palavras:
A verdaderra sede de todo valor a priori (e também da Moral) é a
cognição do valor ou intuição do valor, construída a partir do sentimen-
to, da pre!erência e, sobretudo, do amar e do odiar, bem como a partir
da conexao entre valores, do seu 'ser superior' ou 'ser inferior', isto
é, da 'cognição moral'. Essa cognição ocorre, então, por meio de fim-
ções e atos especiji~o.s, que são tato coe/o diferentes de toda percepção
e pensamento, e o umco acesso ao mundo dos valores". 190
Uma teoria desse tipo, que, em primeiro lugar, pressupõe que "há
qualidades valoral!vas que representam um âmbito próprio de ob'}·e-
t "191 d 1 -
os e, em segun o ugar, que supoe que esses objetos são acessíveis
a un;. .conhecimento direto, que não tem nem caráter empírico, nem
anal1l!co, e que podem ser mais bem descritos como um sentimento
de valores ou experiência de evidências, deve ser classificada como
192
"intuicionista". O argumento mais forte contra o intuicionismo afü-
ma que, diante da observação de que diferentes pessoas percebem
diferentes valorações como evidentes, mesmo sob condições ideais
para a percepção de evidências (como, por exemplo, ausência de emo-
186. Max Scheler, Der Formalismus in der Ethik und die materiale Wertethik,
p. 195.
187. Idem, pp. 173, 192 e 195.
188. Idem, p. 192.
189. Idem, p. 196.
190. Idem, p. 87.
191. Idem, p. 37 .
. 1~2 . Sobre o intuicionismo, cf., com mais referências, Robert Alexy, Theorie
der 1unsttschen Argumentation, pp. 58 e ss.
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS I57
195. Cf., por exemplo, Helmut Goerlich, Wertordnung und Grundgesetz, p. 64.
196. Idem, pp. 133 e 189.
197. Idem, pp. 140, 134 e 189.
198. Ernst-Wolfgang Bõckenfõrde, "Grundrechtstheorie und Grundrechtsinter-
pretation", NJW 27 O974), p. 1.534. Em sentido semelhante, cf. Ernst Forsthoff, "Zur
heutigen S1tua~on e1ner Verfassungslehre", pp. 190 e ss.; Erhard Denninger, Staats-
recht, v. 2, Re1beck: Rowohlt, 1979, p. 184; Ulrich K. Preuss, Die /nternalisierung
des Subjekts, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1979, pp. 151 e ss.
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 159
entre os valores a serem ordenados. 199 É fácil perceber que uma orde-
nação abstrata de valores constitucionais, não importa se cardinal ou
ordinal, é inaceitável.
É possível utilizar como exemplo uma situação como a do caso
Lebach, na qual dois valores (princípios) são relevantes, o da proteção
da personalidade e o da liberdade de informar por meio de radiodifu-
são.'°º Em primeiro lugar, é possível considerar a tentativa de se che-
gar a uma conclusão a partir de uma ordenação desses valores em uma
escala cardinal. Em uma escala como essa é possível ordenar esses
dois valores de duas formas: por meio da atribuição de números iguais
(igual hierarquia) ou por meio da atribuição de números diversos (di-
ferente hierarquia). Se se atribuem números iguais, então, a ordenação
cardinal, sozinha, não tem nenhuma utilidade. Se se atribuem números
distintos - como, por exemplo, 0,8 para a proteção da personalidade e
0,4 para a liberdade de informar por meio de radiodifusão -, então, o
caso está decidido. A atribuição desses números expressa uma impor-
tância duas vezes maior da proteção da personalidade em face da li-
berdade de informar por meio de radiodifusão.20 i Se se parte apenas de
uma tal ordenação 'hierárquica abstrata, isso significa que, nos casos
de colisão, a proteção da personalidade sempre prevalecerá sobre a li-
berdade de informar por meio de radiodifusão. Uma tal hierarquia
abstrata não apenas contradiria a correta constatação do Tribunal
Constitucional Federal, segundo a qual nenhum dos dois valores pode
ter pretensão a uma precedência abstrata;202 ela teria também conseqüên-
cias fatais. Uma precedência da proteção da personalidade sobre a li-
berdade de informar por meio de radiodifusão em todos os casos
significaria que um mínimo fomento à proteção da personalidade jus-
tificaria a mais intensa restrição à liberdade de informar. Com isso,
estaríamos diante daquilo que Carl Schmitt, na esteira de Hartmann,203
chamou de "tirania dos valores": "a partir da lógica dos valores, é sem-
199. Sobre os conceitos de ordenação cardinal e ordinal, cf. Gérard Gãfgen, Theo-
rie der wirtschaftlichen Entscheidung, 3ª ed., Tübingen: Mohr, 1974, pp. 150 e ss.
200. BVer/GE 35, 202 (219 e ss.)
201. A tese de Steiner, segundo a qual "é difícil atribuir qualquer significado a
uma tal afirmação", tem alguma procedência. Cf. Joseph M. Steiner, "Judicial discre-
tion and the concept of law", Cambridge Law Journal 35 (1976). p. 153.
202. BVer/GE 35, 202 (225).
203. Cf. Nicolai Hartmann, Ethik, pp. 523 e ss.
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 161
P, P,
(proteção da personalidade) = O,8 (liberdade de radiodifusão)= 0,4
0,4 0,3
R,
(proibição)
0,3 0,9
R,
(permissão)
204. Carl Schmitt, "Die Tyrannei der Werte, in Sergius Buve (Org.), Siikularisa-
tion wuf Utopie -Festschrift jür Ernst Forsthoff, Stuttgart: Kohlhammer, 1967, P· 60.
205. Cf. Bernbard Schlink, Abwiigung im Verfassungsrecht, pp. 131 e ss.
162 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
206. Sobre esse procedimento, cf. Karl Haag, Rationale Straftumessung, Kõln:
Heymann, 1970, pp. 45 e ss.; Bernhard Schlink, Abwiigung im Verfassungsrecht pp.
132-133. ,
207. Cf. Bernhard Schlink, Abwiigung im Verjassungsrecht, pp. 134-135.
208. A possibilidade, suscitada por Schlink, de se resolver o problema da ordem
de valores por meio de uma função - no estilo da economia do bem-estar -, que
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 163
permitiria inferir utilidades sociais (ou preferências cole.tiv~s º.º ~on~epções coleti~as
de valor) a partir de utilidades individuais (ou preferências 1nd1v1dua1s ou concepç?es
individuais de valor), será aqui examinada apenas marginalmente (cf., a respeito,
Bemhard Schlink, Abwiigung im Verfassungsrecht, pp. 154 e ss.). Um enfoque ness~s
termos pressupõe que aquilo que é válido como direito _::onstitu~i~nal po?e ~e~ eq~i
parado às utilidades coletivas na forma ~e uma funçao de ~tihdade_s 1?~v1d~ais.
Embora essa equiparação tenha-como Schlink ressalta-tendências tan~o mdiv1dualistas
como democráticas, ela vincularia por completo o direito constitucional às conce_?-
ções de valor generalizadas eIQ cada momento. Contudo, o fato de que ~a con~pç.ao
de valor seja generalizada não significa que seja válida do ponto de vista do direito
constitucional. Mesmo que se desconsidere esse problema, esse _enfoque f~a~assa
diante da dificuldade de se agregar as utilidades individuais às utilidades sociais. Se
as utilidades individuais forem mensuradas em uma escala cardinal, surgem, pelo
menos no que diz respeito a questões jurídico-constitucionais, dificuldades i~superá
veis em relação à mensuração e à comparação dessas utilidades (c~.. Sc~hnk, PP·
166-167). É certo que esses problemas podem ser evitados com a utJ.hzaçao _de um
escala ordinal, mas, nesse caso, a agregação fracassaria diante do teoreI?a da 1mpo~
sibilidade de Arrow. A esse respeito, cf. Kenneth J. Arrow, Social Chozce and I?di-
vidual Values, 2ª ed., New York: Wiley, 1963; R. Duncan Luce!H?ward Raiffa,
Games and Decisions. Introduction and Criticai Survey, New York: W1ley, 1957, PP·
327 e ss. · Adalbert Podlech, Gehalt und Funktionen des allgemeinen verfassungs-
rechtlich~n Gleichheitssatzes, pp. 274 e ss.; Bemhard Schlink, Abwiigung im Verjas-
sungsrecht, pp. 180 e ss.
164 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
212. Sobre isso, cf. Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp.
285 e ss.
213. Cf., por exemplo, Bernhard Schlink, Abwiigung im Verfassungsrecht, pp.
181, 192 e 199; Adalbert Podlech, Wertung und Werte im Recht. p. 208.
1
·.•.•.··
II
167
A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
1
·.•.•.··
II
168 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
liberdade de imprensa
segurança nacional
liberdade de imprensa
a
b
segurança nacional
grau de satisfação
(grau de não-afetação) de P1
(p. ex.: liberdade de imprensa)
grau de importância
da satisfação de P 2
(p. ex.: segurança nacional)
224
alcance das emissões de televisão, aos efeitos do formato documen-
tário,225 ao alto grau de credibilidade que os programas de TV têm
junto ao público, 226 à ameaça à ressocialização do autor, decorrente
dessa credibilidade227 e de outras características do documentário e ao
prejuízo adicional que implica a transmissão de um docume~tário
depois da perda da atualidade da informação. 228 No que diz respeito à
importância da realização do princípio da liberdade de radiodifusão
são aduzidas, em primeiro lugar, diversas razões para a importânci~
da transn:issão de n_otícias atuais sobre crimes graves. A partir dessa
constataçao, a repettção de uma notícia é qualificada como não sufi-
cientemente importante para justificar a intensidade da afetação.'"
As razões utilizadas pelo tribunal são plausíveis. Mesmo sem
uma análise mais detida, pode-se perceber que dentre essas razões se
encont~an: coisas muito diversas, como a referência a fatos (alcance
das enussoes de televisão), a regularidades empíricas (causar risco à
ressocialização) e juízos normativos (caracterização da ressocializa-
ção como urgentemente exigida pelo art. 1•, § 1•, combinado com 0
~rt. 2~, § 1•, d: Constituiç.ão alemã). Um tal conjunto de razões -que
m~lm ;alor.açoes - é alg? característico da fundamentação jurídica.
E e: ale?1 disso, nec~ssár10 quando se trata de estabelecer definições
n~ amb1to de. conceitos vagos, ou seja, no âmbito da interpretação
class1ca. Por isso, o simples argumento de que os valores desempe-
nham um papel no sopesamento não constitui uma objeção à possi-
b1hdade de fundamentação racional das decisões ponderativas a não
s~r que se. dig~ que a argumentação jurídica se torna sempre ~ão-ra
cwna_J ou mac1onal tão logo se adentre o âmbito das valorações não
defimdas de forma cogente. Uma tal concepção não apenas teria co-
mo conseqüência a necessidade de qualificar como não-racional ou
irracional muito daquilo que a Ciência do Direito, desde sempre, en-
cara como sua tarefa; é também possível aduzir boas razões contra a
tese a ela subjacente, segundo a qual juízos de valor e de obrigação
230. Cf., sobre isso, Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp.
53 e ss.
231. Cf. Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts, § 72.
232. Idem.
233. Christian v. Pestalozza, "Kritische Bemerkungen zu Methoden und Prin-
zipien der Grundrechtsauslegung in der Bundesrepublik Deutschland", Der Staat 2
(1963), p. 447.
234. Idem, p. 448.
174 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
mentação jurídica racional. A lei de colisão diz o que deve ser funda-
mentado de forma racional. Nesse sentido, não se pode dizer que ela
nada diz e que é, portanto, uma fórmula vazia. A recorrente objeção
do irracionalismo já foi refutada.'35 Já a tese segundo a qual os sope-
samentos conduziriam a "decisões particulares"236 é, no mínimo, equi-
vocada. Na medida em que as decisões de sopesamentos são decisões
judiciais, é claro que elas são proferidas, em geral, para a solução de
casos particulares. Mas, com base nessas decisões e nos termos da lei
do sopesamento, é sempre possível formular uma regra. Por conse-
guinte, nada há de inconciliável entre o sopesamento no caso particular
e sua universalizabilidade. No modelo aqui defendido, ambos estão
associados. 237 Também não é procedente a objeção segundo a qual, no
limite, o sopesamento nada mais é que uma palavra contra outra. 238
Um princípio é contraposto a outro princípio, e a conseqüência é aqnilo
que é previsto na lei de colisão e de sopesamento.
O modelo de sopesamento aqui proposto não apenas evita os pro-
blemas mencionados, mas tem também vantagens, que são válidas
também para modelos alternativos; e os problemas dessas alternativas
não afetam o modelo aqui defendido. Isso é demonstrável a partir do
conceito de análise do âmbito da norma, que Müller contrapõe ao so-
pesamento de interesses. 239 Com esse conceito, Müller sublinha a im-
portância de argumentos empíricos (dados reais) no âmbito da funda-
mentação constitucional. Ele clama, além disso, por uma dogmática
diferenciada para o âmbito de cada direito fundamental. 240 Esses dois
postulados são satisfeitos pelo modelo de sopesamento aqui defendido.
No âmbito da fundamentação dos enunciados sobre intensidades de
afetação e sobre a importância da realização de princípios colidentes,
tomam-se relevantes argumentos empíricos que digam respeito às pe-
culiaridades do objeto da decisão, bem como às conseqüências das
241. Cf., sobre isso, Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp.
285 e ss.
242. Cf. Capítulo 2, II.3.
243. Friedrich Müller, Juristische Methodik, p. 134.
244. Friedrich Müller, Juristische Methodik, p. 40.
176 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENfAIS
tureza das coisas,245 mesmo assim elas não fornecem uma resposta
suficiente para o problema da valoração. Uma tal resposta pode ser
fornecida pelo modelo de sopesamento baseado na teoria dos princí-
pios, na medida em que ele vincula a estrutura formal do sopesamento
a uma teoria da argumentação jurídica que inclui uma teoria da argu-
mentação prática geral. 246
.•
252. Isso significa que no modelo de regras e princípios a dedução não é suplan-
tada pelo sopesamento. Ao contrário, nesse modelo ambos são associados. Sobre duas
fonnas para essa associação, cf., de um lado, Robert Alexy, "Die logische Analyse
juristischer Entscheidungen", pp. 195 e ss., e, de outro, Hans-Joachim Koch/Helmut
RüBmann, Juristische Begründungslehre, pp. 97 e ss.
253. Cf. Capítulo 10, Ill.3.2.2.
Capítulo 4
DIREITOS FUNDAMENTAIS
COMO DIREITOS SUBJETIVOS
duvidoso se, diante das condições presentes, ela confere a a urn direito
subjetivo. Responder a esta questão envolve urn problema corriqueiro
de interpretação. Os problemas que afetam o conceito de direito subje-
tivo não têrn, aqui, nenhuma importância. A segunda situação é, ao
contrário, caracterizada pelo fato de que não há nenhuma dúvida de que
N é aplicável ao caso de a, rnas é duvidoso se N garante algum direito
subjetivo. O caso clássico sobre essa questão é o caso da proteção adua-
neira, utilizado por Jhering: "a lei que, no interesse de alguns ramos
industriais, introduz proteções aduaneiras beneficia os fabricantes e os
promove e protege ern sua atividade negocial, rnas, apesar disso, não
confere a eles nenhum direito( ... ). O que existe aqui é urn simples efei-
to reflexo, urna relação que tern enorme semelhança corno direito e que,
contudo, deve ser corn ainda rnais cuidado dele apartada".'
Saber quando urna norma jurídica confere direitos subjetivos é
urna questão que tern importância prática sobretudo sob o aspecto
processual. Assim é que, de acordo cornos§§ 42, 2, e 113, 1, da Lei
sobre os Tribunais Administrativos, a alegação e a demonstração de
urna violação de urn direjto subjetivo do demandante são condição
de admissibilidade e de êxito de urna demanda. 8 Aqui interessa apenas
a constatação de que saber se urna norma confere ou não urn direito
subjetivo é urn problema normativo. Esse problema surge quando o
texto normativo deixa essa questão ern aberto, corno ocorre, por
exemplo, quando o teor literal do texto determina que a norma N obri-
ga o Estado a realizar a ação h, rnas não define se a tern urn direito
à realização dessa ação estatal. Para demonstrar que a tern urn tal di-
reito são necessárias premissas adicionais, que podem ser, na esteira
7. Rudolf v. Jhering, Geist des riJmischen Rechts auj den verschiedenen Stufen
seiner Entwicklung, Parte 3, 5'ed., Leipzig: Breitkopfund Hãrtel, 1906, p. 351. Sobre
esse caso, cf. Otto Bachof, "Reflexwirkungen und subjektive Rechte im õffentlichen
Recht", in Otto Bachof etal. (Orgs.), Gedachtnisschriftfür Walter Jellinek, München:
lsar, 1955, p. 288; H. L. A. Hart, "Bentham on legal rights", in A. W. B. Simpson
(ed.), Oxford Essays in Jurisprudence, Second Series, Oxford: Oxford University
Press. 1973, p. 189.
8. Sobre a discussão acerca do direito subjetivo no direito administrativo, cf.,
por exemplo, Otto Bachoff, "Reflexwirkungen und subjektive Rechte im õffentlichen
Recht", pp. 287 e ss.; Hans H. Rupp, Grundfragen der heutigen Verwaltungsrechts-
lehre, Tübingen: Mohr, 1965, pp. 246 e ss.; Wilhelm Henke, Das subjektive 6ffentli-
che Recht, Tübingen: Mohr, 1968; Manfred Zuleeg, "Hat das subjektive õffenlichte
Recht noch eine Daseinberechtigung?'', DVBI 91 (1976), pp. 510 e ss.
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 183
9. Cf., por exemplo, BVerwGE. 1, 83; 27, 29 (32); 28, 268 (270); 32, 173 (175);
41, 58 (63); 52, 122 (128). Cf., além disso, BVerjGE 27, 297 (307).
10. Cf. Robert Alexy. Theorie der juristischen Argumentation, pp. 295 e ss.
li. Cf. Max Weber, Wirtschaft und Gesellschajt, 5' ed., Tübingen: Mohr, 1980,
pp. 397 e ss.
12. Cf. Helmut Coing, "Zur Geschichte des Begriffs 'subjetives Recht'", in Hel-
mut Coing, Zur Geschichte des Privatrechtsystems, Frankfurt am Main: Klostermann,
1962, pp. 29 e ss.
13. Cf. Niklas Luhmann, "Zur Funktion der 'subjektiven Rechte"', Jahrbuchfür
Rechtssoziologie und Rechtstheorie 1 (1970), pp. 321 e ss.; Jan Schapp, Das subjekti-
ve Recht im Prozefi der Rechtsgewinnung, Berlin: Duncker & Humblot, 1977, p. 14.
14. Ulrich K. PreuB, Die Internalisierung des Subjekts, p. 30.
15. Cf. Capítulo !, 1.2.
184 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
16. Sobre esse tipo de argumento histórico, cf. Robert Alexy, Theorie der jurisM
tischen Argumentation, p. 294.
17. Sobre a utilização do termo "posição" pelo Tribunal Constitucional Federal,
cf. BVerfGE 45, 63 (76); 53, 30 (58).
18. Cf. Capítulo 2, I.2.
19. Sobre esse conceito, cf. Capítulo 3, I.1, nota de rodapé 11.
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 185
and Legislation (ed. J. H. Bums/H. L. A. Hart), London: Athlone, 1970, p. 206 (cf.,
a respeito, H. L. A. Hart, "Bentham on legal rights", p. 177) e, de outro lado, John
Austin, Lectures on Jurisprudence, 4ª ed., v. 1, London: Murray, 1873, p. 410. Re-
centemente a polêmica entre as teorias da vontade e do interesse voltou a se inflamar.
Do lado da teoria da vontade está Hart (H. L. A. Hart, "Bentham on legal rights'', pp.
183 e ss.); do lado da teoria do interesse estão MacCormick e Lyons (Neil MacCor-
mick, "Rights in legislation", in Peter M. S. Hacker/Joseph Raz (eds.), Law, Morality
and Society: Essays in Honour o/ H. L. A. Hart, Oxford: Clarendon, 1977, pp. 189 e
ss.; David Lyons, "Rights, claimants and beneficiaries", American PhiloSophical
Quarterly 6 (1969), pp. 173 e ss.).
21. Rudolf v. Jhering, Geist des rOmischen Rechts, Parte 3, p. 339.
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 187
22. Cf., sobre isso, H. L. A. Hart, "Bentham on legal rights", pp. 196 e ss. O
aspecto da livre escolha pode se referir não apenas à demanda, isto é, à exigibilidade
do direito, mas também à disposição sobre o direito. Cf., a esse respeito, Bemhard
Windscheid, Lehrbuch des Pandektenrechts, v. l, p. 156. Se esse aspecto é encarado
como constitutivo para o direito subjetivo, surgem, então, consideráveis dificuldades
nos casos de direitos inalienáveis. Cf., sobre isso, Neil MacCormick, "Rights in le-
gislation", pp. 195 e ss.
23. Rudolf v. Jhering, Geist des rOmischen Rechts, Parte 3, p. 338.
24. Idem, pp. 333-334.
25. Deixo em aberto, aqui, a questão acerca da correção desse argumento.
188 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
29. Cf., sobre isso, Ernst R. Bierling, Zur Kritik der juristischen Grundbegriffe,
Parte 2, Gotha: Perthes, 1883, pp. 62-63.
30. Um problema semelhante suscita a inclusão da capacidade para demandar
judicialmente no conceito de direito subjetivo no caso do § 42, 2, da Lei sobre os
Tribunais Administrativos, segundo o qual a alegação de violação de um direito
subjetivo é condição para a capacidade processual ativa (cf., neste ponto, Wilhelm
Henke, Das subjektive iiffentliche Recht, Tübingen: Mohr, 1968, pp. 2-3).
190 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
31. Sobre essa ultima, cf. Neil MacCormick, "Rights in legislation", p. 204.
32. A resposta a essa pergunta depende de se saber se o conceito de norma jurí-
dica válida implica que aquilo que por ela é ordenado pode ser exigido por meio de
atos de coerção previstos no sistema jurídico. O fato de que isso seja verdadeiro para
a maioria das normas válidas não justifica a conclusão de que isso decorre do concei-
to de norma jurídica válida. Também da necessária existência, em todo ordenamento
jurídico, de normas garantidas por sanções estatais (H. L. A. Hart, The Concept of
Law, pp. 195 e 212) não resulta que todas as normas jurídicas, em todos os ordena-
mentos jurídicos, sejam assim garantidas.
33. Sobre a constatação de que da falta de exigibilidade não se pode concluir
por uma não-existência de um direito, cf. Gerhard Leibholz, Die Gleichheit vor dem
Gesetz, 2ª ed., München: Beck, 1959, p. 236: "Incorreto é apenas(... ) querer concluir
do possível fato de que o direito estatal não proteja, ou proteja de forma inadequada,
os direitos subjetivos que esses direitos simplesmente não existem".
34. Cf. Heinrich Lehmann, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Gesetzbuches,
13• ed., Berlin: de Grnyter, 1962, pp. 75 e ss.
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 191
35. Cf. Georg Jellinek, System des subjektiven offentlichen Rechts, pp. 87 e 95 e ss.
36. Cf. Hans Kelsen, Reine Rechtslehre, pp. 130 e ss.
37. Bemhard Windscheid, Lehrbuch des Pandektenrechts, v. 1, p. 156.
38. Eugen Bucher, Das subjektive Recht als Normsetzungsbefagnis, Tübingen:
Mohr, 1965. p. 55.
39. Cf. Lars Lindahl, Position and Change. Dordrecht: Reide!. 1977.
40. Lindahl apóia-se, nesse âmbito, sobretudo nos trabalhos de Kanger. Cf. Stig
Kanger, "New foundations for ethical theory", in Risto Hilpinen (ed.), Deontic Logic:
Introductory ans Systematic Readings, Dordrecht: Reide], 1970, pp. 36 e ss.; Stig Kan-
ger/Helle Kanger, "Rights and parliamentarism", Theoria 32 (1966), pp. 85 e ss.
41. Cf. Lars Lindahl, Position and Change. p. 84.
192 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1. Direitos a algo48
47. Essa divisão está associada tanto à diferenciação, proposta por Bentham,
entre "direitos a serviços" (rights to services), ..liberdades" (liberties) e "poderes"
(powers) (Jeremy Bentham, Of I.aws in General, London: Athlone, 1970, pp. 57-58.
82 e ss., 98, 119 e 173 e ss.) quanto àquela proposta por Bierling, entre "pretensão
jurídica", "simples permissão jurídica" e "faculdade jurídica" (Ernst R. Bierling, Zur
Kritik der juristischen Grundbegriffe, Parte 2, pp. 49 e ss.).
48. A expressão "direito a algo" pode soar um pouco estranha. Alternativas pos-
síveis seriam "direito (subjetivo)" e "pretensão". Mas direitos (subjetivos) incluem
também liberdades e competências. Por isso, essa expressão parece pouco adequada
para designar posições que devem ser claramente distinguidas das liberdades e com-
petências. A expressão "preteusão" é mais adequada. O conceito de "direito a algo"
compartilha com o conceito de "pretensão" um caráter relacional. Tanto quanto uma
pretensão, um direito a algo dirige-se sempre contra alguém, e o objeto é, em ambos
os casos, sempre um fazer ou uma abstenção. Contudo, aqui se renunciará à utili-
zação do conceito de pretensão em um sentido técnico. Esse conceito está onerado
por inúmeras controvérsias que, no presente contexto, pouco interessam (cf., por
exemplo, Ludwig Enneccerus/Hans C. Nawiasky, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen
Rechts, 15' ed., v. 2, Tübingen: Mohr, 1960, pp. 1363 e ss.). Se se deixam de lado as
controvérsias acerca do conceito de pretensão, as quais dizem respeito, por exemplo,
à atualidade, à determinação da parte contrária e à exigibilidade judicial, então, o
direito a algo poderia, sem problemas, ser designado como "pretensão". De resto,
é necessário salientar que falar em "direitos a algo" perde um pouco de seu caráter
insólito quando se trata da formulação de direitos específicos. Por uma perspectiva
lingüística, o enunciado "a tem, em face de b, um direito a G" não é inferior ao enun-
ciado "a tem, em face de b, uma pretensão a G".
194 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
49. Sobre o caráter triádico dessa relação, cf. Alan R. Anderson, "Logic, nonns,
and roles", Ratio 4 (1962), p. 42.
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 195
50. Cf. Immanuel Kant, Metaphysik der Sitten, pp. 247, 260 e 274.
51. Cf., por exemplo, Hans Kelsen, Reine Rechtslehre, pp. 135 e ss.
52. Contra a concepção .de que, no caso do jus in rem, trata-se de um complexo
de direitos a algo, liberdades e/ou competências manifestaram-se, recentemente,
Anthony M. Honoré, "Rights of exclusion and immunities against divesting", Tulane
Law Review 34 (1960), pp. 453 e ss., e Joseph Raz, The Concept of a Legal System,
Oxford: Clarendon, 1970, p. 180. Para uma crítica a essas concepções, cf., com argu-
mentos convincentes, Lars Lindahl, Position and Change, pp. 34 e ss.
53. BVerjGE 1, 97 (105).
54. BVerfGE 46, 160 (164). Nessa decisão fala-se não em um direito à proteção
da vida, mas somente em um dever estatal de proteção. Mais adiante (Capítulo 9, 11.2)
será demonstrado que, ao menos quando não há problemas em relação à titularidade
do direito fundamental - o que não era o caso na decisão sobre o aborto (BVerfGE
31, 1 (41)) -, ao dever constitucional de proteção corresponde, em princípio, um
direito subjetivo.
55. Sobre os conceitos de ação negativa ou de abstenção, cf., por todos, Georg
H. v. Wright, Norm and Action, pp. 45 e ss.
196 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
57. Cf., por exemplo, a formulação de Bühler, segundo a qual os direitos fun-
damentais são, "enquanto direitos a uma abstenção( ... ) pretensões, contra o Estado,
a que ele se abstenha de embaraçar certas ações dos indivíduos" (Ottmar Bühler, Die
subjektiven Ojfentlichen Rechie und ihr Schutz in der deutschen Verwaltungsrecht-
sprechung, Berlin: Kohlhammer, 1914, p. 63). . , .
58. Sem as normas jurídicas que os constituem, esses atos senam poss1ve1s, no
máximo, como atos sociais.
198 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
59. Cf., a esse respeito, John R. Searie, Speech Acts, pp. 33 e ss., 50 e ss.; Neil
MacCormick, "Law as institutional fact", pp. 105 e ss.
60. A esse respeito, cf Capítulo 4, II.3.
61. Se se escreves para o Estado e Ha para "a realiza a ação h", então, a es-
trutura desse enunciado, com a utilização do símbolo "..," para a negação; pode ser
representada da seguinte fonna:
(6') Ras (~embaraças (Ha)).
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 199
71. Se se utiliza RPa p~a "a encontra-se na posição jurídica RP", então, a es-
trutura desse enunciado pode ser representada da seguinte forma:
(8') Ras (~eliminas (RPa)). . . .
72. Quando se trata de normas como, por exemplo, as que con~tituem o instituto
jurídico da propriedade, isso conduz ~ interess:mtes pr?blemas relacionados ao .c~áter
positivo ou negativo das ações estatais às quais o drre1to se ~fere. a tem um dii:1t~ à
não-eliminação da norma N, se a tiver um direit_o a que N e~1s~. Se a tem ~m direito
a que N exista, então, o caráter positivo ou negativo de se~ direito depend: tao-~om~n
te da constatação sobre se N já existe, ou não. Se se consideram como açao leg1s~ativa
não apenas os atos de criação e revogação non:iativa, mas tai:i~m a manut~nçao da
vigência da nonna, então, ao direito à não-elinunação como direito a uma aça~ n~ga
tiva corresponde sempre um direito à manutenção da vigência, o qual é um drre1to a
uma ação positiva. Os problemas que com isso se suscitam terão um papel quando da
análise dos direitos à prestação normativa do Estado (Capítulo 9, 111.4).
202 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
~~
Direitos a ações negativas Direitos a ações positivas
~I~ /~
Direitos
Direitos
Direitos ao Direitos à Direitos à
não-embaraço não-afetação. não-eliminação a ações a ações
de ações de características de posições positivas positivas
e situações jurídicas fálicas normativas
83. Cf., a esse respeito, Erik Stenius, Wittgensteins Traktat, Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1969, pp. 206 e ss.
84. Ludwig W1ttgenstein, Philosophische Untersuchungen, p. 299. .
85. Richard M. Hare, "Meaning and speech acts", p. 90. Cf., a esse re~~e1to,
Robert Alexy, Theorie der juristischenArgumentation, pp. 87 e ss. Alf Ross utiliza o
termo "topic" (cf. AlfRoss, Directive and Norms, pp. 9 e. ss. e 34 e,. ss:)·
86. Sobre o paralelismo estrutural entre as modalidades deonticas e aquelas
da lógica modal gerai (necessidade/impossibilidadelpossibilidade),d. Georg H. v:
Wright An Essay in Deontic Logic and the General Theory oj Actlon, Amsterdam.
North-Hoiland, 1968, pp. 13-14, bem como, de forma fundante, Gottfried W. Leibniz,
Elementa juris naturalis, p. 466: ·"Omnes ergo Modalium complicationes et transpo-
sitiones et oppositiones, ab Aristotele aliisque in Logicis demonstratae ad haec nostra
Iuris Modalia non inutiliter transferri possunt" (em tradução livre: "Portanto, todas
as imbricações, transposições e oposições dos conceitos modai~, demonstrados, na
Lógica, por Aristóteles e outros, podem ser utilmente transfendos para as nossas
modalidades juridicas" [N. do T.]).
206 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
(7) Fp.
(8) Pp. 81
Os três operadores deônticos podem ser definidos reciprocamente.
~er obrigatório expressar sua opinião (Op) significa que não é permi-
tido não expressar sua opinião. Isso pode ser escrito, com o auxílio do
símbolo de negação ",",88 como ,P--p. Nesse sentido, vale:
(9) Op = df,P--p.
O dever e a permissão são, portanto, definíveis reciprocamente'. o
mesmo vale para a relação entre a permissão e a proibição. Ser proibi-
do expressar sua opinião significa que não é permitido expressá-la:
(10) Fp = df ,Pp.
A possibilidade de definição recíproca dos conceitos deônticos
básicos faz com que fique claro que não seria necessário utilizar todos
eles. Apenas um deles, não importa qual, seria suficiente.
Para a teoria dos direitos fundamentais o conceito de permissão
tem especial interesse. Se se aceitam as definições apresentadas, que
C?ITespo~dem ao s(stema padrão da lógica deôntica,89 então, a permis-
sao consiste na negação da proibição:
(11) Pp =df,Fp.
Ser permitido expressar a sua opinião significa, nesse sentido,
que não é proibido fazê-lo. Esse conceito de permissão é relativamente
fraco. O que é permitido no sentido de não-proibido pode ser obriga-
tóno. Quem defende a concepção de que o exercício de um direito é,
ao mesmo tempo, um dever aponta para essa vinculação entre permis-
são e dever. O que esse conceito de permissão não abarca é a ausência
tanto de uma proibição quanto de uma obrigação. A forma como essas
posições devem ser construídas é demonstrada pelo assim chamado
quadrado deôntico:
Op - - - - - - - - - - F p
Pp _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ P,p
(= ,1 , Fp) (= df, Op)"'
93. Sobre o conceito de equivalência lógica, cf. Rudolf Carnap, Meaning and
Necessity, p. 11.
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 209
tre dois sujeitos de direito. Aqui, direitos são concebidos como r~la
ções triádicas entre o titular, o destinatário_e o objeto. No en~nto, isso
implica a não-aplicabilidade das concepçoes de Hohfeld, pois, no lu-
gar da relação
(7) (... )tem, em face de( ... ), um direito a( ... ),
à qual corresponde um enunciado sobre direitos na forma
(8) RaqG,
sempt~ é possível falar da relação
(9) (... )tem um direito a G em face de( ... ),
à qual ~~rresponde u~ enunciado sobre direitos na forma
(10) RGab,
e vice-versa.
O núcleo da teoria de Hohfeld é formado por suas teses sobre as
correspondências lógicas entre as relações jurídicas. A teoria de Hoh-
feld pode, nesse sentido, ser qualificada como uma teona sobre ~s
correspondências lógicas entre as relações jurídicas. As relações lógi-
cas no ãmbito dos direitos a algo podem ser representadas, segundo
Hohfeld, por meio do seguinte esquema:
!.
(correlativos) ___ dever
direito _ _ __e::.=:.=::::....:.:.:_
(opositivos) (opositivos)
não-direito------------ privilégio
(correlativos)
(op.) (op.)
99. Idem, p. 39: "um dado privilégio é a mera negação de um dever". É sinto-
mático que Hohfel_d às vezes fale em "não-dever" em vez de em "privilégio" (idem,
p. 48: nota 59). D1sc~te-se se privilégio e não-direito sejam relações, já que dizem
respeito a algo negativo. Essa questão é respondida de forma negativa, dentre ou-
tros, por Albert Kocourek, "Non-legal-content Relations'', Illinois Law Quarterty 4
(1922), p. 234; do mesmo autor, Jurai Relations, 2' ed., Indianapolis: s.e., 1928, pp.
91 e ss.; e Manfred Montz, Uber Hohjelds System der juridischen Grundbegriffe, p.
84. De forma afirmativa ela é respondida, dentre outros, por Geo W. Goble, "Affir-
mative and negative legal relations'", Illinois Law Quarterly 4 (1922), pp. 94 e ss.;
do mesmo autor, "Negative legal relations re-examined", Illinois Law Quarterly 5
(1922), pp. 37-38. É possível que, em face do Estado. uma ação h seja permitida a a
mas que, em relação a terceiros, seja proibida. Nessa situação, é conveniente falar em
duas relações jurídicas na qual a se encontra, das quais uma - a relação com o Estado
- é o complemento, isto é, a negação, da relação de dever. Isso - e o fato de que com
a aceitação de uma tal relação não está associada qualquer desvantagem - justifica
tratar como relação também aquilo que surge da negação de uma relação, o que, de
resto, corresponde à lógica geral das relações, de acordo com a qual "a negação (ou o
complemento) de uma relação R (R') é a relação que existe entre x e y, se 'xRy' não
for ~erdadeir~" (Günther Patzig, "Relation", in Hermann Krings/Michael Bauffigartner/
Chnstoph W1ld (Orgs.), Handbuch philosaphischer Grundbegriffe, v. 4, München:
Kõsel, 1973, p. 1.229).
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 213
Um exemplo:
( 13) Se, e somente se, em face do Estado a não está obrigado a se
associar, a a é, então, permitido, em face do Estado, associar-se.
O esquema de Hohfeld pode, então, ser representado da seguinte
forma:
Pba~G
primeira, mas a primeira não implica a segunda. Como exemple:. ele alega que do fato
de que a não esteja obrigado a zelar para que a grama de b não seja aparada não decor-
re que a a seja pennitido aparar a grama de b (cf. Alan R. Andersen, "Logic, nonns, and
rol~s·:,. pp. 44-45 e 48). De fato, a permissão utilizada no·exemplo não decorre da pro-
pos1çao que a precede sobre a negação de uma obrigação. Isso reside no fato de que os
objetos da obrigação.e da permissão são de espécies bastante distintas. Para demonstrar
isso será utilizado o operador de ação Do para a cláusula "zelar para que" (see to it that)
(cf., nesse sentido, Lars Lindahl, Position and Change, pp. 65 e ss.). Para o objeto
desse operador, utilizar-se-á simplesmente p. O primeiro enunciado, então, tem a forma
•OaDo•p; o segundo, a forma PaDop. •OaDo-ip é equivalente a Pa•Do•p, e isso é
também pressuposto por Andersen. PaDop decorreria de Pa-iDo•p, se -iDo-p e Dop
dissessem a mesma coisa. Mas é fácil perceber que -.Do-p significa algo diverso de
Dop, já que não se pode zelar para que o vizinho não beba meSmo que não se zele para
que ele beba; o primeiro pode ser também realizado quando nada se faz. Isso faz com
que fique claro que o problema suscitado por Anderson se baseia em problemas da ló~
gica das ações. Desde que se tome o cuidado de que, nas transformações no esquema
de Hohfeld, os objetos de direitos, deveres e permissões sejam sempre negados em sua
inteireza (externamente) e que nenhuma negação seja inserida nos enunciados de ação
(negação interna), então, as transformações deixam de criar dificuldades. Se a não está
obrigado a zelar para que a grama de b não seja aparada, então, é permitido a a não
zelar para que a. grama de b não seja aparada, e se a não está obrigado a zelar para que
a grama de b seja aparada, então, a a é permitido não zelar para que a grama de b seja
aparada. Essa solução evita os problemas suscitados por Andersen, mas também mostra
que a lógica do esquema de Hohfeld não capta a estrutura do objeto do direito, a não
ser por meio de negações externas bastante rudimentares. Como aqui não é necessária
uma lógica de ações que tome isso possível, essa limitação pode ser aceita. Além disso,
essa renúncia custa pouco, porque uma inclusão da lógica das ações não significaria
uma modificação, mas apenas um refinamento do modelo. Sobre esse tipo de modelo
mais refinado, cf. Stig Kanger/Helle Kanger, "Rights and parliarnentarism", pp. 87 e ss.,
e Lars Lindabl, Position and Change, pp. 66 e ss.
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 215
ObaG Oba•G
(Pba~G)
104. Isso equivale exatamente à explicação feita por Hohfeld para a sua <:_on~~
tatação de que "um dado privilégio é a mera negação de um dever": ''a mençao e,
obviamente, a um dever que tenha um conteúdo ou um sentido exatamente oposto
àquele do privilégio em questão" (Wesley N. Hohfeld, "Some fundamental legal
conceptions as applied in judicial reasoning", p. 39).
105. Cf., a respeito, Frederic B. Fitch, "A revision of Hohfeld's theory of legal
concepts", Logique et Analyse 10 (1967), pp. 270 e ss.
216
TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
2. Liberdades
~~!~~~~º;~S:r~::ib:~d;!d~~~i~~uª ~~:ºã~;;~~::~~~lo~~~!~ª~
J r a e.
De acordo com o que foi at, 0 fi . .
~;~~a~e e
po.sitiva liberdade neg;ti~ ;:s~de~i:n~~~ ~~t~~;:~:~:: ~~
a pnme1ra o objeto da liberdade é uma única açã
no caso da segunda ele consiste em . o, enquanto
~~;~;:~~s de liberdades po~itiva e nega~~= :~~e~~~~~~~e~ ::~~d~:s~~
com seu uso na lmguagem corrente. O conceito de liberdade
with negative liberty", in Alan Ryan, The ldea ojh . .
Berlin, Oxford: Oxford University Press 1979 ele7d5om. Essays in Honour of Isaiah
122 Cf r ·ah B · , , pp. e ss.
· · sru erhn "Introducti " · p,
herdade da qual eu falo é ~ais que a aço_n ' tn . our Essays on liberty, p. XLIT: "A li- ,j
123. A relação qu~ subjaz a esseª~::~~~~s:.~ ~eovportunidadef pardia a ação". :%
r~1ação triádica de liberdade de von Fre tah Lõrin e ser con un da com a
hberdade tem a seguinte forma· "X é r Y f; ghoff. Segundo ele, a relação de
da vinculação superior Z' (Bru.no ~vre em ~e~ da vinculação inferior Ypor meio
Begriffs Freiheit"' in Josef Simon ~r reytag _Lo:1ngh?ff, "Die logische Struktur des
concepção expressa a hipótese sub;ta;;{,;/;;::::~t:re~bu;)l~Alber, 1977, p. 43). Essa
vinculaçéío] por meio da aceita ão d . .?uem s pode se hbertar [de uma
(idem, p. 42). Aqui não se co~parte.lhuma v1nculaçao nova, e de hierarquia superior"
I a com essa hipótese A rei - d 1'b
que aqui· se pressupõe'
é neutra não ap f: · açao e 1 erdade
mas também em face da questão " araena~,,em ace .da questão "por meio de quê"'
no conceito de liberdade. p que ' a qual introduz um elemento de dever
124. Sobre a redução de enunc' d b rb
cf. Gerald C. MacCaIJum Jr "N i_a os so re .1. erdade a enunciados dessa forma,
., egat1ve and positive freedom'', pp. 315 e ss.
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 223
2 .2 Liberdades jurídicas
face de b, realizar ou não realizar pelo menos uma ação. Se todos forem
jurídica e absolutamente livres em relação a pessoas, está-se diante da
situação normativa suposta por Hobbes no estado de natureza. 135
137. Neste caso, a qualificação baseia-se no enunciado "o que não é proibido é
permitido" (-i()-ip-7 Pp ou -.Op -7 P.p). Este enunciado p~ce ser trivial, mas uma
simples olhada na discussão a seu respeito faz com que surja a impressão oposta (cf.,
por exemplo, Georg H. v. Wright, Norm and Action, pp. 85 e ss.; do mesmo autor, An
Essay in Deontic Logic and the General Theory of Action, pp. 82 e ss.; Carlos E. Al-
chourrón/Eugenio Bulygin, Normative Systems, Wien: Springer, 1971, pp. 119 e ss.;
Hans Kelsen, Allge'meine Theorie der Normen, p. 81; Joseph Raz, The Concept o/ a
Legal System, pp. 170 e ss.). Um dos problemas que sempre dá ensejo a que se duvide
do enunciado "o que não é proibido é permitido" é aquele que se refere à abertura do
ordenamento jurídico. Assim, lê-se em Christiane Weinberger/Ota Weiberger (Logik,
Semantik, Hermeneutik, p. 116): "O enunciado •o que não é proibido é permitido' é
válido apenas se se pressupõe que o sistema de nonnas é algo fechado, isto é, que,
nesse sistema, devido é apenas aquilo que expressamente foi definido como tal". Isso
é correto apenas a partir do pressuposto de que o enunciado "o que não é proibido é
permitido" deva ser interpretado da seguinte fonna: "o que não é expressamente proi-
bido é pennitido". Mas uma tal interpretação não é nem necessária, nem apropriada.
Ao contrário, parece ser mais apropriado compreender o enunciado "o que não é proi-
bido é permitido" da seguinte forma: "o que não é expressa ou tacitamente proibido é
permitido". A partir dessa interpretação, esse enunciado é válido também em sistemas
nonnatívos abertos no que diz respeito à explicitação da normação. Ele expressa que,
em um sistema normativo livre de contradições, uma ação deve ser sempre qualificada
ou como proibida ou como pennitida. Um problema adicional é suscitado por qualifi-
cações normativas retrospectivas. Mas também nesse ponto deve ser dito que toda
ação deve ser qualificada, por um sistema jurídico livre de contradições S, no momen-
to ti, apenas ou como proibida ou como permitida. Embora aquele que entende serem
possíveis qualificações normativas retrospectivas possa afmnar que a ação h, até o
momento ti, era permitida por Se que, depois do momento ti, passou a ser qualificada
por S como proibida, ele não pode afinnar que ela, em um mesmo momento, por meio
do mesmo sistema jurídico, era qualificada tanto como permitida quanto como proibi-
da. Portanto, ele terá que aceitar •(0-p A Pp), do qual decorre •0-ip-? Pp.
231
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS
144. A estrutura dessa espécie de liberdade protegida pode ser representada por:
(1) LasHa A Ras (o embaraças (HahHa)).
O enunciado ( 1) deve ser lido da seguinte forma:
(2) A a é facultado, em relação ao Estado (s), realizar h, e a tem, em face do
Estado, um direito a que este não o embarace em relação à alternativa de ação h/-ih.
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 235
entido estrito, a qual toma possível.o real gozo daquilo que é fa-
em s . d . , .
f vo. Com isso ainda não se toma partido acerca a ex1stenc1a e
cuilta - .. cu·
d~ eventual extensão de normas sobre proteçoes positivas na ons -
. - a1ema.
tmçao - !45
3. ·Competências
uma competência seja, em geral, também permitida, 160 uma ação que
seja meramente a realização de algo permitid~ não é, po~ si s~, o exer-
cício de uma competência, o que é perceptível pela diversidade de
ações permitidas que não implicam alteração de u,mª. situaçã? jurídi-
ca.1" A diferença entre as permissões e as competencias mamfesta-se
também em suas negações. A negação de uma permissão é uma proi-
bição; a negação de uma competência, uma não-competência. 162
A peITjl.issão nada adiciona à capacidade de ação, que existe inde-
pendentertfonte dela. É igualmente possível fumar e não fumar, mdepen-
"
encontradas em Georg H. v. Wiight, Norm and Action, pp. 192-193; Lars Lindahl,
Position and Change, pp. 212 e ss. Cf. também Hans Kelsen, Hauptproble~ der
Staatsrechtslehre, p. 639: "'Capacidade' e 'permissão' são, portanto, ( ... ) conceitual-
mente coincidentes".
160. Mas ela pode também ser proibida. Isso é válido ao meno~ ~uando s~ ~ata
de uma proibição relativa, ou seja, de um dever, e?1 face de outr?s ~UJe1tos de ~~eitos
específicos, de não realizar essa ação (cf., a respeito, ~mst R. B1erhng, Zu~ Kritik d~r
juristischen Grundbegriffe, Parte 2, p. 50). Já a relaçao entre ª. c?~petência e a proi-
bição absoluta é problemática. Em geral, no caso de uma pro1b1çao absoluta parece
ser conveniente retirar daquele atingido pela proibição a competência co:resp~nden
te. Mas isso não precisa necessariamente ocorrer. Nesse sentido'. o Supenor.Tnbunal
Federal (BGH) considerou válido um contrato sobre detemunado medicamento
embora sua comercialização violasse a lei sobre produtos fannacêuticos (BGH, NJW
68, 2.286). Também o§ 134 do Código Civil alei;ião pressupõe qu7 u_m~,competência
e uma proibição que diga respeito ao seu exerc1cio poss~m coex1st:J.r. Um negóc1.o
jurídico que contrarie uma proibição legal é nulo, se da lei não se depreender algo di-
verso". Um exemplo clássico da coexistência entre uma proibição e uma competência
era a proibição de casamento para os casos em que um. dos cônjuges tivesse mantido
relações sexuais com parentes do outro(§ 4, 2, da Lei 16 do Conselho de C~ntrole
- lei sobre matrimônio -, de 20.2.1946 (ABIKR, p.77)), sobre a qual o Tnbunal
Constitucional Federal observou: "o matrimônio celebrado em contranedade com a
proibição é válido desde o início" (BVerfGE 36, 146 (148, 160)). . .
161. Isso fica especialmente claro no caso de ações não-proibidas que, realiza-
das por uma outra pessoa ou sob outras circunstâncias, consubstanciariam o exerc~cio
de uma competência. Cf. Ernst R. Bierling,Zur Kritik der juristis.chen Grundbegriffe,
Parte 2, p. 54: "Embora seja certo que, de acordo co~ nossas leis, os contr~tos cele-
brados por incapazes não os vinculam, mesmo que o incap~z :enha pretendido gerar
tais efeitos jurídicos, não se pode afirmar que a ele é pro1b1d~ c~l~brar contratos,
que não pode aceitar empréstimos, que não pode pro~eter restitu1çao, que ~m~ tal
promessa seria ilegal". No mesmo sentido, Georg Jelhnek, .system d~r sub1ekt!~en
Ojfentlichen Rechte, p. 47: "Não seria correto afirmar que ao incapaz nao é permitido
celebrar um contrato; na verdade, ele não é capaz de fazê-lo, já que, não importa o
que ele faça, disso não decorre um contrato".
162. Cf. Klaus Adomeit, Rechtstheoriejür Studenten, p. 49.
238 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
(D. J. Hislop, "The Hohfeldian system of fundamental legal conceptions", p. 64), ele
utiliza o conceito de poder (power) no sentido de uma ca~acidade fá~ca de produzrr
conseqüências jurídicas, não no sentido de uma competência. A tentativa ~e encon~ar
uma definição do conceito de competência por meio do conceito de capacidade f~tlca
no âmbito de um sistema formal pode ser encontrada, por exemplo, em Fredenc ~B.
Fitch "A revision of Hohfeld's theory of legal concepts'', pp. 273 e ss. Cf. tambem
Manfred Moritz, Über Hohfelds System der juridischen Grundbegriffe, p. 102, o qual,
também em relação a uma aç;ío delituosa, faz menção a uma "capacidade" no sentido
de uma competência. .
165. Cf., a respeito, John R. Searle, Speech Acts, pp. 33 e ss.; John L. Austm,
"Performative utterances", in, do mesmo autor, Philosophical Papers, 2ª ed., London:
Oxford University Press, 1970, pp. 233 e ss.; Alf Ross, Directives and Nonn~. PP· 53
e ss.; Neil MacConnick, "Law as institutional fact", pp. 105 e s~., o qual, ao 1nvé~ de
ações institucionais, fala de "fatos institucionais". John L. Aust1n (How to do Things
with Words, p. 19) utiliza a expressão "atos conven~ionais". _ .
166. John R. Searle, Speech Acts, p. 33. Tambem essas açoes podem ser descn-
tas fazendo-se referência a uma regra. Isso ocorre, por exemplo, quando uma deter-
minada ação é descrita como "assassinato". Essa ação continua a ser~ que é mesmo
sem o § 211 do Código Penal alemão; sua qualificação como assass1n~to é apenas
uma dentre as inúmeras formas possíveis de descrição geral de uma açao natural, a
qual foi escolhida para, por meio do estabelecimento de uma norma, transformá-la
em uma ação proibida e associar a ela uma conseqüência jurídica.
240 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
167. Cf., nesse ponto, Alf Ross, Directives and Norms, pp. 56-57.
168. U~a outra expres~ão, tão adequada quanto, seria "norma autorizadora"; cf.
Klaus Adome1t, Rechtstheorze für Studenten, pp. 48 e ss. As normas de competência
P,.ºd~m ser subdivididas .em normas que estabelecem quem tem determinada compe-
tenc1a (n~i:mas sobre o ;1tu.lar da competência), normas que regulam o procedimento
do exerc1c10 d~ competenc1as ~(no!mas procedimentais de competência) e nónnas que
definem os objetos da competenc1a (nonnas substanciais de competência) A respeito
cf. Alf Ross, Directives and Norms, p. 130. · '
1
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS 241
com a exceção de que, com a existência, ela passa a ter as. característi-
cas de obrigatória, proibida ou pennitida e passa a ser designada como
.''lesão corporal", "constrangimento" etc. No caso das normas ?e c~m
;,etência, por causa de seu caráter constitutivo, a situação é mmto dife-
rente. Sem as regras do processo legislativo seria possível qu~, em ui;ia
assembléia, ocorresse a ação física de levantar os braços; sena tambem
possível que essa ação fosse interpretada como a manifestação de uma
vontade; mas ela não seria um ato de legislação. 169 A diferença entre
nonnas de,.conduta e normas de competência é especialmente clara nos
casos de seu descumprimento. o descumprimento de uma norma de
competência não implica a ilegalidade, mas a nulidade ou a deficiência
do ato. Se uma conduta que é o descumprimento de uma norma de
competência é, ainda assim, classificada como ilegal, isso ocorre por-
que se pressupõe que, ao lado da norma de competência, há uma norma
de conduta que obriga o correto exercício da competência.
Mais importante que o primeiro é o segundo grupo de tentativas
de redução. A ele pertencem os esforços de conceber todos os fatos
naturais ou sociais que constituem o suporte fático da norma de com-
petência como pressupostos para a validade das normas de_condu~a.
Ross expressa isso da seguinte forma: "Normas de competencia sao
logicamente redutíveis a normas de conduta, na seguinte forma: nor-
mas de competência fazem com que seja obrigatório agir de acordo
com as normas de conduta, as quais foram criadas de acordo com o
procedimento por elas prescrito" .110 Essa redução é possível, 171 mas
com ela se perde algo essencial para o sistema jurídico. 172 A posição
do titular da competência deixa de ser compreendida. Essa posição é,
contudo, de importância fundamental, pelo menos para os sistemas
jurídicos desenvolvidos. 173 Nem a estrutura escalonada do ordenamen-
1
242 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
uai em iguais circunstâncias, não existiria sem esse ato. Nesse sen-
~do,' a posição de a pode ser descrita da seguinte forma:
(1) a tem, em face de b, a competência para criar uma posição
jurídica RP de b.
Se, em correspondência com a relação triádica dos direitos, se
utiliza K como o operador triádico de competência e RPb como enun-
ciado sobre a posição de b, então ( 1) pode ser representado como:
(2) Kqb (RPb ).
RP .p~de simbolizar uma posição jurídica de qualquer natureza,
como, por exemplo, uma simples obrigação não relacional (C:aG), .um
direito a algõ (RabG) ou uma liberdade (LabG), mas pode s1mbohzar
também competências de nível inferior (K'bc (RPc)).
Da mesma forma que ocorre nos casos de direitos a algo, também
no caso das competências é possível construir relações conversas. A
relação conversa à competência será chamada de suje_iç~o. '.". Se a
tem diante de b, a competência para alterar uma pos1çao JUndica de
b b, encontra-se, em face de a, e no que diz respeito a essa posição,
e~ uma relação de sujeição, e vice-versa. Se se utiliza S para repre-
sentar a relação de sujeição, então, vale:
(3) Kab (RPb) B Sba (RPb).
Duas outras posições são obtidas se se negam Kab (RPb) e Sba
(RPb):
(4) ,Kab (RPb)
simboliza um enunciado segundo o qual a não tem, em face de b,
uma competência em relação a RPb. Essa posição deve ser denomina-
da de não-competência.
(5) ,Sba (RPb)
representa um enunciado segundo o qual b, em face de a e em
relação a RPb, não se encontra em uma relação de. sujeição. Essa po-
sição deve ser denominada de não-sujeição. Segum~o o esquema de
Hohfeld, as quatro posições apresentadas podem ser s1stemallzadas da
seguinte forma:
177. Cf., sobre isso, Alf Ross, Directives and Norms. pp. 119 e B2. Hohfeld
fala em liability (Wesley N. Hohfeld, "Some fundamental legal concepl!ons as ap-
plied in judicial reasoning", p. 36).
244 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
191. BVerjGE 35, 79. A respeito, cf. Andreas Sattler, "Die Pflicht des Gesetz-
gebers zum ErlaB von Vorschriften über die Organisation von H~chs~hulen", 10 Hans
Schneider et al. (Orgs.), Im Dienst an Recht und Staat: Festschriftfür Werner Weber,
Berlin: Duncker & Humblot, 1974, pp. 325 e ss.
192. BVerjGE 35, 79 (112-113).
193. Idem.
250 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1. O status passivo
O status passivo (status subiectionis) é tratado de forma relativa-
mente breve. Nele encontra-se o indivíduo em razão de sua "sujeição
ao Estado (... ) no âmbito da esfera de obrigações individuais''. I4 Isso
dá ensejo a duas interpretações. De acordo com a primeira, o fato de
que a se encontra no status passivo significa simplesmente que existe
algum dever ou proibição estatal ao qual a esteja sujeito, 'ou que po-
deria legitimamente existir algum dever ou proibição, ou seja, que o
Estado teria uma competência diante de a para estabelecer algum de-
ver ou proibição que o afetasse, o que significa que a se encontra, em
relação ao Estado, em uma posição de sujeição, na forma como defi~
nida anteriormente. Is De acordo com a segunda interpretação, o status
passivo de uma pessoa é composto pela totalidade ou pela classe dos
deveres e proibições que o Estado lhe impõe ou da totalidade ou da
classe dos deveres e proibições para cuja imposição o Estado tem com-
petência. De acordo com a primeira interpretação o status não se alte-
ra quando se alteram os deveres e proibições individuais ou a compe-
tência do Esta<,lo para estabelecê-los; o status passivo somente pode
deixar de existir quando o.indivíduo deixar de estar submetido a qual-
quer dever ou proibição e o Estado não tiver mais a competência para
estabelecê-los. Já, de acordo com a segunda interpretação, qualquer
modificação nos deveres e proibições ou na competência para estabe-
lecê-los implica uma mudança no status.
Algumas manifestações de Jellinek - como aquelas segundo as
quais "a relação entre indivíduo e Estado condensada em um ser( ... )
permanece, enquanto tal, inalterada, não importa que conteúdo con-
creto a ela se atribua",1 6 ou "o conteúdo de um status (... ) não pode,
portanto, nunca, ser definido"I 7 - demonstram que apenas a primeira
interpretação mencionada acima corresponde às suas intenções.
Há, contudo, uma ligação entre a primeira e a segunda interpreta-
ções. Se a não está sujeito ao menos a um determinado dever ou a uma
determinada proibição estatal, e se o Estado não tem competência pa-
ra estabelecer pelo menos um dever ou uma obrigação que afete a,
14. Idem.
15. Cf. Capítulo 4, Il.3.5.
16. Georg Jellinek, System der subjektiven Ojfentlichen Rechte, p. 118.
17. Idem.
DIREITO FUNDAMENTAL E STATUS 257
2. O status negativo
O conceito de status passivo não é muito problemático. O mesmo
não pode ser dito, contudo, do conceito de status negativo. Um pro-
blema teórico-estrutural central desse conceito pode ser expresso por
meio da seguinte indagação: o status negativo é algo composto exclu-
sivamente de faculdades, ou seja, de liberdades jurídicas não-protegi-
das, no sentido definido anteriormente, 19 ou a ele pertencem também
proteções por meio de direitos a um não-embaraço? Quando se fala,
na literatura, em status negativo, faz-se menção, na maioria das vezes,
aos direitos de defesa, ou seja, aos direitos, em face do Estado, a ações
negativas. No entanto, isso seria contraditório com as considerações
feitas por Jellinek.
Jellinek explica o conceito de status negativo com as seguintes, e
muito citadas, palavras: "Ao membro do Estado é concedido um sta-
tus, no âmbito do qual ele é o senhor, uma esfera 1ivre do Estado, que
nega o seu imperium. Essa é a esfera individual de liberdade, do status
negativo, do status libertatis, na qual os fins estritamente individuais
encontram a.soa satisfação por meio da livre ação do indivíduo". 20
Nesse sentido, um status negativo é formado por uma esfera indivi-
dual de liberdade. Mas essa esfera individual de liberdade é, segundo
Jellinek, a classe das "ações dos súditos que são juridicamente irrele-
vantes para o Estado". 21 Irrelevante para o Estado seria uma ação que,
ao menos no que diz respeito à relação Estado/cidadão, "não tenha
condições de produzir um efeito juridicamente relevante". 22 Como
exemplos de ações juridicamente irrelevantes Jellinek utiliza a publi-
cação de um impresso, o saborear de um vinho e o passeio em sua
própria propriedade. Ainda que a publicação de um impresso possa
termo, é ao menos possível-, então, sua definição reflete a intenção de Jellinek ape-
nas se disser respeito não apenas aos deveres potenciai~ na t~r~eira acepção, mas
também na segunda, bem como na acepção de um dever 1ncondic~onado. Portanto, a
definição de Wolff para o status passivo corresponde àquela fornecida no texto ape~~s
se se entender "essência" como abstração e se seu conceito de deveres potenc1a1s
abranger tanto os deveres potenciais na segunda e na terceira acepções quanto os
deveres incondicionados.
19. Cf. Capítulo 4, 11.2.2.1.
20. Georg Jellinek, System der subjektiven Offentlichen Rechie, p. 87.
21. Idem, p. 104.
22. Idem, p. 46.
DIREITO FUNDAMENTAL E STATUS 259
3~. Jellinek freqüente~e~te faz menção não a direitos, mas a pretensões. Por
pretensoes ele co~preende direitos concretos e atuais, como o direito do proprietário,
con~a um determinado perturbador, a uma não-realização da perturbação (Georg
Jelhnek, System der subjektiven Ojfentlichen Rechte, pp. 54-55). De acordo com a
terminologia aqui utilizada, esse é um direito a algo.
36. Cf. Georg Jellinek, System der subjektiven Ojfentlichen Rechte, p. 86.
37. Idem, p. 84.
38. Idem, p. 106.
39. Idem, p. 106. Em sentido semelhante, cf. também, Hans J. Wolff/Otto Ba-
chof, Verwaltungsrecht, v. !, § 32 IV a.
. 40. A reconstrução levada a cabo aqui diferencia-se em pontos essenciais da
teona de Rupp, um dos mais interessantes desenvolvimentos da teoria dos status de
DIREITO FUNDAMENTAL E STATUS 263
3. O status positivo
Sobre os status passivo e negativo foi dito que eles se encontram
em.uma relação de contradição, da mesma forma que ocorre com o
dever e a proibição, de um lado, e a faculdade, de outro. Jellinek, ao
fàlar do status positivo como "exatamente o contrário do negativo" ,41
parece querer fazer referência a uma relação semelhantemente estrei-
ta entre eles. Para se compreender o que se quer dizer com isso, é
necessário ,analisar brevemente aquilo que Jellinek denomina status
positivo,oíi· status civitatis.
O indivíduo está inserido nesse status sempre que o Estado a ele
"reconhece ·a capacidade jurídica para recorrer ao aparato estatal e
utilizar as instituições estatais, ou seja, [quando] garante ao indivíduo
Jellinek. A análise de Rupp limita-se aos status negativo e positivo. No que diz res-
peito ao status negativo, Rupp - como Jellinek - salienta que esse status deve ser
estritamente distinguido do direito subjetivo: "no caso do status, trata-se na verdade
apenas de uma situação delimitada por um feixe de 'deveres de abstenção' normati-
vos por parte da Administração, que, por si só, não gera direitos subjetivos - e muito
menos direitos absolutos; quando muito, gera direitos subjetivos em casos de viola-
ção" (Hans H. Rupp, Grundjragen der heutigen Verwaltungsrechtslehre, p. 162).
Assim, ao contrário do que ocorre aqui, o status não é definido como uma abstração
sobre faculdades ou sobre liberdades jurídicas não-protegidas, e não se, parte de uma
proteção por meio de direitos a um não-embaraço. Além disso, Rupp concorda intei-
ramente com Jellinek acerca do fato de que o status pode "gerar" direitos subjetivos
(idem). Contudo, ao contrário de Jellinek, Rupp deixa claro que esses direitos não
decorrem automaticamente do status (idem, p. 172). Para que isso ocorra é necessária
uma "nonna fundamental material jurídico-administrativa" que fundamente esse di-
reito (idem, pp. 250, 221, 253). Como demonstram as considerações apresentadas no
texto acima, é possível, em princípio, concordar com essa tese. Mas não é possível
concordar com a configuração que Rupp dá a essa nonna fundamental. Segundo ele,
ela não deve conduzir a direitos a abstenções, como ocorre com o direito ao não-em-
baraço, de Jellinek, mas apenas a pretensões reativas, que surgem nos casos de viola-
ção do statils (idem, p. 164). Segundo Rupp, somente essas pretensões reativas po-
dem ser levadas em consideração como direitos subjetivos (idem, pp. 164-165). Por
pretensões reativas ele entende pretensões a eliminações (idem, pp. 254 e ss.). Nada
há a objetar na idéia de que a violação do status tem como conseqüência pretensões
reativas. No entanto, não é facilmente compreensível por que somente elas deveriam
ser qualificadas como "direitos subjetivos". Não haveria problema algum em consi-
derar as liberdades do status negativo como protegidas por meio de direitos subjeti-
vos a um não-embaraço e, nos casos de violações desses direitos - as quais são sem-
pre também urna violação do dever estatal que a eles correspondem -, aceitar a
pretensão à eliminação como um direito subjetivo secundário.
41. Georg Jellinek, System der subjektíven Offentlichen Rechte, p. 121.
264 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
pretensões positivas". 42 O que se quer dizer com isso não é algo mui-
to claro. Fica mais claro quando Jellinek afirma que o Estado confere
ao indivíduo o "status cívico" quando (1) lhe garante "pretensões à
sua atividade" e (2) "cria meios jurídicos para a realização desse
fim". 43 Jellinek chama de "pretensões jurídicas positivas formais" 44 os
direitos que o indivíduo pode fazer valer em um procedimento legal.
O fato de o indivíduo ter esse tipo de pretensão em face do Estado
significa, em primeiro lugar, que ele tem direitos a algo em face do
Estado e, em segundo lugar, que tem uma competência em relação ao
seu cumprimento. Segundo Jellinek, a existência de uma tal competên-
cia é uma condição necessária para que o indivíduo se encontre no
status positivo. 45 A fórmula utilizada por Jellinek para resumir "as
pretensões jurídicas individualizadas, reconhecidas formalmente, que
surgem do status positivo", ou seja, "a capacidade protegida juridica-
mente para exigir prestações positivas do Estado",46 deve ser compreen-
dida nesse duplo sentido. 47
tos subjetivos, "vale na verdade somente para o status negativus ou libertatis" (Hans
H. Rupp, Grundjragen der heutigen Verwaltungsrechtslehre, p. 265). Já se demons-
trou que nos casos de "surgimento" ou "nascimento" de direitos a partir do status
negativo trata-se de uma adição de direitos a algo às liberdades não-protegidas. Se se
parte disso, então, há, de fato, uma diferença fundamental entre os status positivo e
negativo. Os direitos do status positivo não são adicionados a algo; eles compõem,
em sua totalidade, o conteúdo do status positivo.
53. Georg Jellinek, System der subjektiven õftentlichen Rechte, p. 111.
54. Idem, p. 105.
55. Idem, p. 121 (sem grifos no original).
DIREITO FUNDAMENTAL E STATUS 267
mentais, esse dilema pode ser resolvido por meio da divis~o dos st~tus
gativo e positivo em status negativo e pos1uvo em senl!dos estnto e
:pio. o status negativo em sentido estri~o ~e origi~al de Jel~inek -
diz respeito exclusivamente a liberdades JUndicas nao-froteg1~as. O
status negativo em sentido amplo - que extrapola a s1stemál!c~ ~e
Jellinek- diz respeito aos direitos a ações negativas do Estado (direi-
tos de defesa), que protegem o status negativo em sentido estrito. Ao
status positivo em sentido amplo pertencem direito~ tanto a a~es po-
sitivas quapto a ações negativas. Já ao status_ ~os1tJvo em sent1?0 es-
trito perténcem somente direitos a ações pos1tJ;as. A~ consequencias
sistemáticas dessa divisão para o sistema de Jellmek sao simples e ~!a
ras Os direitos que são acrescentados ao status negatJvo em senlido
es~ito para que se possa convertê-lo em um stat~s.negativ? e'.11 sen-
tido amplo (direitos de defesa) são uma subespec1e dos dJre1tos do
status positivo em sentido amplo.
Contra essa solução é possível suscitar, quando muito, objeções
pragmáticas, porque ela supostamente complicaria a linguagem dos
direitos fundamentais. Sempre que se falasse em status negatJvo ou
positivo seria necessário acrescentar se se pretende fazer_refer~ncia a
um status em sentido estrito ou em sentido amplo, e quahfJcaçoes co-
mo essas não seriam auto-explicáveis. Mas essa objeção é fácil de ser
refutada. Na argumentação habitual no ãmbito dos direitos funda~en
tais, em geral O contexto faz com que fique claro O qu~,se quer ~lz~r
com as expressões "status negativo" e "status pos1uvo . ~a ma10na
das vezes quer-se fazer menção ao status negatJvo em sentJdo amplo
e ao status positivo em sentido estrito. Esses termos podem, P?rtanto;
ser utilizados sem qualificações extras, e é isso ~ue será feito aq~1
também. As dúvidas que surgirem poderão ser rapidamente escl~ec1-
das a partir do recurso à teoria das posições jurídicas fundamentais, na
qual as divisões propostas acima se baseiam. Quand? se tratar, contu-
do, de questões complexas de direitos fu°:da_me~tais, que e°:volv~
problemas da própria teoria dos status, as dislinçoes estabelecidas sao
imprescindíveis.
4. O status ativo
Aquilo que o dever e a obrigação impostos ao indivíduo represen-
tam para 0 status passivo, que a faculdade representa para o status
268 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
pode ser violado também pelo legislador, como, por exemplo, por meio
do estabelecimento de normas proibitivas que contradigam uma norma
de direito fundamental permissiva. O problema do conteúdo do status
negativo é solucionável, portanto, por meio da introdução do conceito
de status negativo fundamental. 69
Freqüentemente são levantadas objeções categóricas à teoria dos
status de Jellinek, dirigidas sobretudo contra seu caráter formal. Nes-
se sentido, Hesse critica um caráter "puramente formal" do status ne-
gativo de_}ellinek e sustenta que a pessoa que ele toma por base não
seria "o.ser humano ou o cidadão da vida real" e que a liberdade que
ele garante "não se refere a relações de vida concretas específicas''.
Mas, visto ·que as normas de direitos fundamentais contêm "uma ga-
rantia e um fundamento concretos", o status formal de Jellinek deve-
ria, então, ser substituído por um "status jurídico material", que seria
fundamentado e garantido pelos direitos fundamentais da Constitui-
ção.'º Já Hãberle71 critica o fato de a teoria dos status de Jellinek ex-
cluir dos direitos fundamentais um "momento cívico-ativo''. Os dife-
rentes status estariam "isolados e estanques lado-a-lado em um modo
de pensar espacial''. Dessa forma, não seria possível perceber que a
garantia dos direitos fundamentais coloca os "titulares dos direitos
fundamentais 'efetivamente' e 'socialmente' na posição de cidadãos
ativos". Perder-se-ia aquilo que Smend definiu como "sentido de uma
constituição", isto é, "organizar seres humanos em uma comunidade
política''. 72 PreuB - para citar um terceiro ponto de vista - inclui sua
crítica à teoria dos status de Jellinek73 em uma crítica fundamental à
petências. Mas se assim é, en~ã?, é possí~el f~ar em. quatro. status. ;:s
qualificações das posições 1undicas dos c1dadaos assim real1za~as tem
um caráter puramente analítico. Não se afirma nem se pressupoe nada
acerca da questão substancial e normativa sobre como suas posições
jurídicas devem ser constituídas. O mesmo vale para a qu~stão empíri-
ca acerca do que significa para o indivíduo e para a sociedade o fato
de os cidadãos estarem inseridos em um determinado status jurídico.
Por meio de normas de direitos fundamentais o cidadão é inserido
em status sam determinados conteúdos, dentre eles o status negativo
fundam~IÍtal. Nesse sentido, é correta a tese de Hesse acerca do "sta-
tus jurídico material". Mas dela não é possível derivar uma objeção a
um caráter formal da teoria dos status. A posição jurídica global de um
cidadão pode ser examinada tanto a partir de uma perspectiva formal
quanto a partir de uma perspectiva material. Hãber~e te~ raz~o quan-
do afirma que a teoria dos status não compreendena a s1tuaçao real e
social do cidadão ativo, na qual as normas de direitos fundamentais
inserem o indivíduo. Mas esse não é, em primeiro lugar, seu objetivo
e, além disso, esse objetivo não é por ela excluído. O objeto da teoria
dos status é a estrutura formal da posição jurídica global do cidadão.
Pode-se, então, perceber que seu estudo é útil também no âmbito dos
problemas mencionados pm Hãberle, quan_do se leva em conta ~ue
não se deve somente quesuonar que conteudo as normas de direitos
fundamentais têm que ter para que o indivíduo seja colocado no status
ativo, mas também que estrutura essas normas devem ter para alcan-
çar esse objetivo. Por exemplo: são suficientes faculdades e compe-
tências do cidadão, ou também são necessárias obrigações dos cida-
dãos ou, ainda, obrigaçõ!<S estatais relativas à criação de determina~as
relações fáticas? Clareza sobre esse tipo de questão é pressuposto m-
dispensável para uma discussão racional sobre teses como a de Hãberle.
O mesmo vale para a concepção de direitos fundamentais como "nor-
mas de organização da liberdade social", sustentada por PreuB. Se as
normas de organização são normas jurídicas, devem elas expressar
deveres, proibições, faculdades, direitos a algo e competências. PreuB
confirma isso quando afirma que no âmbito da liberdade social, criada
pelas "normas de organização", "obviamente se encontram as preten-
sões individuais". 77 Ele não parece ser contrário ao conceito de direito
tir "nos termos das leis da lógica pura" .."de acordo com a lógica pura
[não haveria] restrições das disposições d~ direitos fundamentais,
mas apenas definições dessas disposições". 1 E necessário perguntar se
Klein tem razão.
O conceito de restrição a um direito sugere a existência de duas
coisas - o direito e sua restrição -, entre as quais há uma relação de
tipo especial, a saber, uma relação de restrição. Se a relação entre di-
reito e restrição for definida dessa forma, então, há, em primeiro lugar,
o direito eJÍz si, não restringido, e, em segundo lugar, aquilo que resta
do direito após a ocorrência de uma restrição, o direito restringido.
Essa é a concepção que, normalmente de forma crítica, é denominada
de teoria exiérna.2 Embora· a teoria externa possa admitir que, em um
ordenamento jurídico, os direitos apresentam-se sobretudo ou exclusi-
vamente como direitos restringidos, ela tem que insistir que eles são
também concebíveis sem restrições. Por isso, segundo a teoria externa,
entre o conceito de direito e o conceito de restrição não existe nenhuma
relação necessária. Essa relação é criada somente a partir da exigência,
externa ao direito em si, de conciliar os direitos de diversos indivíduos,
bem como direitos individuais e interesses coletivos.
Um cenário completamente diferente é a base de sustentação da
teoria interna. 3 Segundo ela, não há duas coisas - o direito e sua res-
trição -, mas apenas uma: o direito com um determinado conteúdo. O
conceito de restrição é substituído pelo conceito de limite. 4 Dúvidas
acerca dos limites do direito não são dúvidas sobre quão extensa pode
ser sua restrição, mas dúvidas sobre seu conteúdo. Quando eventual..;
~ent~ s:
fala em "restrições" no lugar de "limites", então, se fala em
restnçoes imanentes".
A polêmica entre a .teoria interna e a teoria externa não é, de for'J
ma alguma, uma polêmica exclusivamente acerca de questões concei-
tuais e problemas de construção teórica. Entre teorias sobre restrições·
e hipóteses normativas gerais existem conexões claras. Nesse sentido·
alguém que defenda uma teoria individualista do Estado e da socieda'.
de ten?erá mais à teoria externa, enquanto alguém para o qual o impor-•
tante e o papel de membro ou participante de uma comunidade tende~·
rá mais para a teoria interna. Antes de uma análise mais detalhada da
relação entre direito e restrição não é possível, contudo, estabelecer
mais que essas meras tendências gerais.
Saber se c?rreta é a teoria externa ou a teoria interna é algo que
depende essencialmente da concepção de normas de direitos fundamen-
t~s como ~egras ou como princípios, ou seja, da concepção das posi-
çoe.s de drrertos fundamentais como posições definitivas ou prima
facze. Se se parte de posições definitivas, então, a teoria externa pode
ser refutada; se se parte de posições prima fade, então, é a teoria in-
terna que o pode ser.
Partindo-se exclusivamente de posições definitivas um caso sim-
ples ~ode ilustrar de que forma a teoria externa pode ~er refutada e,
com rsso, ao mesmo tempo, de que forma se pode confirmar a teoria
de Klein acerca da impossibilidade lógica de restrições a direitos fun-
d.~entais. Trata-se de uma reclamação constitucional contra a impo-
s1çao de m~l~ em ~azão d~ de~respeito à obrigação de uso de capacete
para ~o~o~rchstas. A obngaçao de se usar capacete restringe a liber-
dade 1und1ca geral, na medida em que se elimina a liberdade jurídica
específica de, como motociclista, usar ou não usar capacete. O Tribu-
nal C?nstitucional Federal fala corretamente em uma "restrição (... )
[da] hb~r~ade de a~ão". 6 Mas algum direito fundamental é restringi-
do? Os umcos candidatos possíveis são as posições atribuíveis ao art.
2•, § 1•, da Constituição alemã. Como demonstrado anteriormente 1
'
12. Cf. Capítu!o 4, II.3.~, no qual a relação entre a competência e a sujeição foi
apresentada por meio da "qmvalência Kab (RPb) H Sba (RPb).
. 13 .. Peter Lerche (Uberma}J und Verfassungsrecht, p. 106) designa também a
lei a~ton~adora como "norm~ 'interventora"'. Isso é correto na medida em que uma
autonzaça? para o :stabelec1mento de restrições, a qual sempre é uma autorização
para. uma interven~ao, é algo potencial e indiretamente restritivo ou interventivo no
sentido exposto acima. '
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS RESTRIÇÕES 283
que pode ser dito acerca do caráter restritivo das normas mandatórias
e proibitivas é também aplicável, em sua essência, a outras espécies de
normas. Em razão disso, aqui serão analisadas apenas as normas man-
datórias e proibitivas. Neste ponto, de fundamental importància é a dis-
tinção entre regras e princípios. Inicio com uma breve análise das regras
que estabelecem restrições. Uma regra (compatível com a Constitui-
ção) é uma restrição a um direito fundamental se, com sua vigência,
no lugar de uma liberdade fundamental prima facie ou de um direito
fundamenlal prima facie, surge Ullla não-liberdade definitiva ou um
não-direit~ definitivo de igual conteúdo. 14 Alguns exemplos podem
esclarecer isso. Enquanto não existe o dever de usar capacete, dirigido
aos motociclistas, o titular do direito fundamental tem, em razão do
princípio da liberdade geral de ação, uma liberdade fundamental pri-
ma facie para, como motociclista, usar ou não usar um capacete. As-
sim que o dever passa a existir, passa o titular a estar em uma posição
de não-liberdade definitiva, em face do Estado, no que diz respeito a
usar ou não usar capacete. A regra que obriga os motociclistas a usar
capacete é uma restrição a um direito fundamental, porque em virtude
de sua vigência surge, no lugar da liberdade prima facie, uma não-li-
berdade definitiva de igual conteúdo.
Como exemplo da relação entre uma regra que estabelece uma
restrição e um não-direito definitivo pode ser utilizado o § 17, 2, do
Regulamento sobre Artes e Ofícios, que "autoriza" o representante
da Câmara de Ofícios a entrar em locais de trabalho com o objetivo de
examiná-los e vistoriá-los; isso é qualificado expressamente como uma
restrição ao direito fundamental à inviolabilidade do domicílio. 15 Se
se estende a proteção do art. 13 da Constituição alemã também aos
locais de trabalho, da forma como o faz o Tribunal Constitucional Fe-
deral, então, o princípio constitucional da inviolabilidade do domicí-
lio garante ao indivíduo um direito prima facie a não ter seu local de
trabalho adentrado pelo representante da Câmara de Ofícios. A esse
direito prima facie a uma ação negativa corresponde uma proibição
primafacie de entrar nos locais de trabalho, que atinge o representan-
16. Sobre a equivalência entre o direito a uma ação negativa (Rab -.G) e a proi-
bição (relacional) (Oba •G), cf. Capítulo 4, ll.I.2.2.
17. Acerca da equivalência PbaG H •Rab•G, cf. Capítulo 4, Il.1.2.2.
18. BVerjGE 28, 243 (261).
19. Cf. Capítulo 3, I.3.2.1.
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS RESTRIÇÕES 285
21
conflitos. Apesar dos inúmeros esforços, que levaram a inúmeras e
importantes idéias, não se pode dizer que já exista uma sistemática das
restrições que seja satisfatória. Uma razão para tanto pode ser 0 fato de
que .até agora ~e _abdicou de. um fundamento teórico-estrutural para a
teona das restnçoes. A segurr procurar-se-á desenvolver algumas im-
portantes classificações para a teoria estrutural dos direitos fundamen-
tai~, a part!r da distinção entre regras e princípios e da teoria das mo-
dahda.des Jurídicas, as quais já constituíram a base da definição do
concer:o de restrição a.di~eitos fundamentais. Nesse ponto, 0 que im-
porta sao somente as distmções no interior da classe das restrições. o
problema da delimitação entre as restrições e outras normas no âmbi-
to dos direitos fundamentais será abordado mais adiante.
21. Cf. Peter Lerche, Überma}J und Verjassungsrecht, pp. 106 e ss.
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS RESTRIÇÕES 287
3•., e art. 17a, todos da Constituição alemã). Nesse ponto deve ser
ferta uma drstmção entre reservas simples e qualificadas; no primeiro
caso ª.competência para estabelecer restrições é pura e simplesmente
garanl!da (por exemplo: art. 2°, § 2°, 3, da Constituição alemã) e no
segundo caso há uma limitação ao conteúdo da restrição (por exem-
plo~ art. 11, § ~·). 31 As discussões anteriores demonstraram que a com-
petencra para rmpor restrições não existe apenas quando a ela se faz
menção expressa. Sempre que se faz menção a leis ordinárias como
forma de restrição, é estabelecida uma competência para impor restri-
ções. Disso são exemplos os arts. 2•, § 1• (segunda parte), 5•, § 2• e
9•, § 2•, da Constituição alemã. Na medida em que neles se faz refe-
rência a leis ordinárias, esses dispositivos podem ser considerados co-
mo "cláusulas implícitas de reserva".
, O pri~cip~l ~rob~ema das reservas é sua delimitação. Neste ponto
e necessárw dISt.mgurr entre os aspectos formal e material. O aspecto
formal diz rnsperto sobretudo à competência para impor restrições, ao
seu procedrm~nto e à sua forma. Aqui, no entanto, interessa apenas 0
a_:;pe.cto n_1ªt':nal, e ap~nas na medida em que diga respeito à compe-
t:nci: atr'.bmda ao legislador para impor restrições. Essa competência
nao e hrmtada apenas pelas condições expressas nas reservas qualifi-
cadas e pela barreira do conteúdo essencial - se se parte de uma ga-
rantia absoluta do conteúdo essencial -, 32 mas também pela máxima
da proporcionalidade e, com isso, pelo dever de sopesamento." A par-
trr dessa associação entre competência e sopesamento evita-se de um
lado, que os direitos fundamentais, ao menos na parte que esteJa além
da barr~ira do conteúdo essencial, fiquem à mercê do legislador e, nes-
se sentido, tenham seu conteúdo esvaziado - resultado, este, incom-
34. Peter Hãberle, Die Wesensgehaltgarantie, p. 126. Na mesma linha, cf. Wal-
ter Krebs, Vorbehalt des Gesetzes und Grundrechte, p. 115.
35. Cf. Walter Krebs, Vorbehalt des Gesetzes um/ Grumlrechte, p. 116. Ao
contrário do que defende Wolfgang Knies (Schranken der Kunstjreiheit ais verfas-
sungsrechtliches Problem, München: Beck, 1967, p. 102), a teoria interpretativa não
tem necessariamente como conseqüência que, em princípio, o legislador seja privado
da prerrogativa para a definição de restrições. A competência interpretativa pode ser
conferida ao legislador.
294
TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
42. Cf. BVerjGE 6, 32 (41); 7, 377 (411); 13, 97 (122); 15, 126 (144); 16. 194
(201); 21. 92 (93); 22, 180 (219); 27, 344 (352); 30, 1 (24); 31, 58 (69); 32, 373 (379),
34. 238 (245); 45, 187 (242, 270-271). .
43. Hermano v. Mangoldt/Friedrich Klein, Das Bonner Grundge~etz, v. l, Art.
19 Anm. V 2a. Como representantes da teoria objetiva podem ser menc1c;i_nados, den-
tre' outros: Ernst R. Huber, "Der Streit um das Wirtschaftsverfassung", D?,V9 (1956),
pp. 143-144; Hans Peters, "Eltemrecht, Erziehung, Bildung.und Schule, m Karl A.
Bettermann/Hans C. Nipperdey/Ulrich Scheuner (Orgs.), Die Grundrechte, v. IV/!,
Berlin: Duncker & Humblot, 1960, p..383; Hartmut Jãc~el, Grur;:Jrechtsgeltung.und
Grundrechtssicherung, pp. 49 e ss.; S1gurd Hendr1chs, Art. 19 , in Ingo v. Munch
(Org.), Grundgesetz: Kommentar, v. !, 2' ed., München: Beck, 1981, §§ 23 e ss.
44. Para uma associação das teonas subjetiva e Objetiva, cf. Konrad Hesse,
Grundzüge des Verfassungsrechts, §§ 332 e ss. . .
45. Cf. Peter Hãberle, Die Wesensgehaltgarantie, pp. 47 e ss.; E1ke v. H1p~l,
Grenzen und Wesensgehalt der Grundrechte, pp. 47 e ss. Konrad Hesse, Grundzuge
des Verfassungsrechts, §§ 332-333; BGH, DVBI 1953, p. 371; BGHSt 4, 375 (377).
298 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
46. Cf. Herbert Krüger, "Der Wesensgehalt der Grundrechte i. S. des Art. 19
GG", DÔV 8 (1955), pp. 597 e ss.; Jõrg Paul Müller, Elemente einer schweizerischen
Grundrechtstheorie, Bem: Stãmpfli, pp. 152 e ss.
47. BVerfGE 34, 238 (245).
48. BVerjGE 16, 194 (201).
49. BVerjGE 31, 58 (69).
50. BVerjGE 6, 32 (41). Cf. também BVerjGE 32, 373 (379).
51. BVerjGE 22, 180.
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS RESTRIÇÕES 299
60. Sobre o problema da existência de direitos absolutos, cf. Alan Gewirth, "Are
there any absolute rights?'', The Philosophical Quarterly 31 (1981), pp. 1 e ss.; Jer-
rold Levinson, "Gewirth on absolute rights", The Philosophical Quarterly 32 (1982).
pp. 73 e ss.; Alan Gewirth, "There are absolute rights", The Philosophical Quarterly
32 (1982), pp. 348 e ss.
302 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
x, ... ), --t é o sinal para o condicional (sempre que .. ., então, ... ),Fé um predicado de
ação, Pé o operador de pennissão e V é um operador de ação. Assim, (1 ") deve ser
lida da seguinte fonna: Para toda ação x, se x tem a característica F, então, é penni-
tido realizar x. A vantagem de tornar condicionada a permissão está na obtenção de
um suporte fático claramente delimitado. Sobre o conceito dO indivíduo que age, cf.
Donald Davidson, "The logical fonn of action sentences", in Nicholas Rescher (ed.),
The Logic o/ Decision and Action, Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1967,
pp. 84 e ss. Sobre a concepção de um operador de ação, cf. Lars Lindahl, Position
and Change, pp. 50 e ss.
67. Cf. Capítulo 4, 11.1.1. l.
68. Sobre esses conceitos, cf. Capítulo 4, II.1.1.1.
69. Cf. Capítulo 4, 11.1.2.2.
304 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Embora possa soar um pouco estranho, isso põe às claras sua es-
trutura. Ora, nada há que milite contrai:iamente à estrutura triádica
(bem protegido/intervenção/restrição); pelo contrário, ela é até mes-
mo sugerida por (5). Mas isso ainda não é uma razão suficiente a favor
de uma construção do suporte fálico somente com base no interesse
protegido. A idéia do conceito de suporte fático como um conceito
contraposto ao conceito de restrição tem como tarefa abranger todos
os pressupostos materiais para a ocorrência da conseqüência jurídica
prima jaci~,.:No caso das normas que garantem direitos de defesa essa
tarefa só ,pôde ser satisfeita por meio de um suporte fático que, diferen-
te do que ocorre no caso das normas permissivas simples, seja com-
posto por dois elementos: o bem protegido e a intervenção. Um tal
suporte fático deve ser chamado de "suporte fático composto pelo
bem protegido e pela intervenção".
A necessidade de que o conceito de intervenção seja incorporado
ao conceito de suporte fático é demonstrada também pelo fato de que
a abrangência da proteção prima facie depende, em igual medida, da
extensão do conceito de bem protegido e da extensão do conceito de
intervenção. A decisão do Tribunal Constitucional Federal sobre o di-
reito de entrar e vistoriar oficinas de trabalho mostra com clareza essa
relação. O tribunal parte, em primeiro lugar, de uma interpretação tão
ampla do conceito de domicílio que até mesmo oficinas de trabalho e
escritórios são por ele abrangidos;'º depois, no entanto, o tribunal pres-
supõe um conceito restrito de intervenção, que não abrange a visita e
a vistoria desses locais. Apesar da concepção ampla do bem abstrata-
mente protegido, como resultado tem-se uma concepção restrita do
suporte fático.
No caso dos direitos de defesa, se se pressupõe um suporte fálico
composto pelo bem protegido e pela intervenção, então, surgem pro-
blemas em relação à coincidência de conteúdo entre o conceito de su-
porte fálico e o conceito de âmbito de proteção. Quando se fala, usual-
mente, em intervenções no âmbito protegido porum direito fundamental,
pressupõe-se um conceito de âmbito de proteção que equivale ao con-
ceito de bem protegido. Não há congruência de conteúdos entre esse
conceito de âmbito de proteção e um conceito de suporte fálico no qual
o conceito de intervenção esteja incorporado. Para se chegar a essa
71. É facilmente perceptível que(!') decorre logicamente de(!) e que (II') de-
corre logicamente de (II), pois, expresso de fonna abreviada, de E (intervenção) ---t
F (proibição) decorre •F ---t -iE. Para o conceito de intervenção, é uma questão inte-
ressante - que, no entanto, não será aqui decidida - saber se é válido que "(III) Todas
as medidas que sejam prima facie proibidas pelos direitos fundamentais constituem
intervenções em um bem protegido por um direito fundamental".
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS RESTRIÇÕES 307
Essas leis fazem com que fique claro que os conceitos de bem
protegido e de interv~nção nfo têm necessariamente que detei:nlin~
os primeiros passos sistemáticos em um controle de const1tuc1onal1-
dade no âmbito dos direitos fundamentais. A partir de uma interven-
ção em bens protegidos é possível inferir uma proibição prima facie
(1), mas é também possível, a partir da inexistência de uma proibição
prima facie, inferir a não-ocorrência de uma intervenção em um bem
protegido (I'). O primeiro é recomendável nos casos em que a ocor-
rência de ugm intervenção é clara. No entanto, nos casos em que não
é claro se..álgo deve ser qualificado como uma intervenção - tais casos
são discutidos sobretudo sob a rubrica "afetações fáticas" 72 - é prefe-
rível o outro caminho. A decisão sobre se algo é proibido, ou não, pe-
los direitos fundamentais deve ser tomada, então, com o recurso direto
aos princípios envolvidos. É justamente nessa direção que se aponta
quando se propõe, na esteira da teoria civilista da finalidade da nor-
ma,73 que a ocorrência de uma intervenção não dependa de caracterís-
ticas como a imediatidade ou a finalidade, mas do objetivo normativo
dos direitos fundamentais. 74
o que Muller quer dizer com isso. pod~ ser percebi~o por mei~ de
seus exemplos. Especialmente mstrutJvo e o caso do ymtor que pmta
um cruzamento viário movimentado.98 A soluçao proposta por
:ner é a seguinte: pintar, enquanto tal, é protegido pelo art. 5º: J .3~;
1, da Constituição alemã; o aspecto "pi~tar em um ~ruzamento vian.o
não é, contudo, protegido. Por consegumt~, uma lei q~~ proíba o p1~
tàr em um cruzamento viário não estre1tana q?,~ quer ~o!Tlla d~ ª?~º
9
specífica protegida pelo direito fundamental , ela nao restrmgma
e , d - ,, d b't t' o JOO
qualquer "pp.ssibilidade especifica e _aç~o .º am 1 o no!Tlla 1v ..
A
Essa lei seria ilirigida "contra uma açao msenda nos, arr~dores da h-
berdade artística (... ), mas que não pertence a seu amb1to no!Tllat1-
vo" 101 Uma tal lei não representaria ou possibilitaria, portanto, uma
inte;,,enção e não seria necessária, por isso, qual~uer reserva le~~I. ~º'
o mesmo valeria "para uma proibição de pregaçao ou uma pro1b1çao
de expressão de opinião política no cruzamento vi~o já reiterada-
mente mencionado" 103 ou para um "músico que à n01te, na rua ou em
um apartamento com paredes finas, improvisa suas composições para
trombone" .104
As debilidades dessa construção ficam claras quando se realiza
uma subsunção sob o art. 5•, § 3°, 1. Não pode haver dúvi~as de que
por meio desse dispositivo, independentemente do que mais ele pr~
tege, são permitidas no mínimo ações que configurem uma expressao
artística. Se se orienta pelo teor literal do art. 5°, § 3•, l, que garante
a liberdade artística sem restrições e de forma iITestringível, então, é
natural que, em um primeiro momento, a esse dispositivo seja atribuí-
105
da a seguinte no!Tlla permissiva:
106. Sobre a estrutura lógica de normas permissivas como essa, cf. a nota de
rodapé 66, neste capítulo.
107. Friedrich Müller, Die Positivitiit der Grundrechte, p. 88.
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS RESTRIÇÕES 315
110. Cf., por exemplo, BVerfGE 28, 243 (261); 30, 173 (193).
Ili. Cf. Capítulo 3, 11.3.3, e, neste Capítulo 6, l.3.1.
112. Uma cláusula de conteúdo semelhante é proposta por Jürgen Schwabe,
Probleme der Grundrechtsdogmatik, p. 163, que pretende acrescentar à- "garantia
constitucional da liberdade artística" a restrição geral: "nos casos concretos, a liber-
dade artística tem que ceder em favor de bens jurídicos que tenham maior valor".
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS RESTRIÇÕES 317
113
dida de diversas formas. Aqui, interessam apenas duas formas de
enneralidade, que são aquelas que Smend denommou · de " general"d 1 a-
ge "d d bº .
de material" e "general! a e o ~et1va . ,, u•
129. Sobre o conceito de campo semântico, cf. Robert Alexy, "Die logische
Analyse juristischer Entscheidungen", ARSP Beih. 14 (1980), pp. 186 e ss.
130. Hennann v. Mangoldt/Friedrich Klein, Das Bonner Grundgesetz~ v. 1, Art.
5, Arun. VI 3. Para outras interpretações restritas, cf. Herbert Krüger, Der Wesensge-
halt der Grundrechte, p. 58; Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts, § 394.
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS RESTRIÇÕES 323
que não pode haver dúvidas acerca da não-proteção. Mas uma teoria
jurídica que oferece nada ou quase nada para os casos duvidosos é de
pouca utilidade.
Diante disso, a teoria ampla do suporte fático tem vantagens cla-
ras. Ela pode tratar os casos em que não há dúvidas acerca da não-
proteção como casos meramente potenciais, nos quais uma fundamen-
tação no âmbito dos direitos fundamentais, embora possível, seria
totalmente dispensável. Com isso, ela evita o risco de um deslocamen-
to excessivo da argumentação jurídica ordinária na direção de uma
argumentação constitucional. Além disso, sempre que surgirem dúvi-
das acerca da proteção ou da não-proteção constitucional, a teoria
ampla pode pressupor a existência de um caso real de direitos funda-
m~ntais, o que abre o caminho para uma argumentação substancial,
onentada pela máxima da proporcionalidade. Com isso, ela evita 0
risco de um sufocamento da argumentação constitucional pela argu-
mentação jurídica ordinária.
A teoria ampla do suporte fático conduz a um modelo em dois
âmbitos. O primeiro âmbito é o âmbito dos casos potenciais; o segun-
do, o âmbito dos casos reais. Sempre que um princípio de direito fun-
damental for relevante, o caso é pelo menos um caso potencial de
direitos fundamentais, não importa com que grau de certeza o princí-
pio em questão possa ser superado por princípios colidentes. Um exem-
plo disso é a proibição de furto. O indivíduo tem sua liberdade geral de
ação restringida por essa proibição. A liberdade geral de ação é prima
facie constitucionalmente protegida pelo princípio da liberdade de
144
ação. No caso do furto esse princípio é, sem dúvida, coITetamente
superado por princípios colidentes. Ele é, portanto, um caso meramen-
te potencial de direitos fundamentais. Mas mesmo um caso meramente
potencial não deixa de ser um caso de direitos fundamentais. Com isso,
o ordenamento jurídico assume o caráter de um sistema abrangente de
soluções para colisões de direitos fundamentais. A maioria das normas
do .siste1:1a j~rídico pertence ao âmbito dos casos meramente poten-
Ciais. O amb1to dos casos potenciais forma o substrato do verdadeiro
âmbito dos problemas de direitos fundamentais e da argumentação no
144. Sobre o fato de que "o mandamento 'não furtarás' reduz as possibilidades
de uso da minha liberdade", cf. Hans H. Klein, Die Grundrechte im demokratischen
Staat, p. 89 (nota 59).
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS RESTRIÇÕES 329
supérflua no caso do furto, mas grotesca ela não é. Ela adquire sentido
quando é concebida como a expressão de um ponto lógico final em
uma escala de graus de certeza no estabelecimento de restrições. Mas
por que não deveria ser possível às construções jurídicas - caso elas
conduzam a conclusões as mais racionais possíveis pelas vias as mais
racionais - desvincular-se das concepções intuitivas existentes e se-
guir suas próprias leis?
Intimamente relacionada às críticas abordadas até aqui está a obé
jeção segundo a qual a teoria ampla do suporte fático conduziria a um
aumento no numero de colisões e concorrências entre direitos funda-
147
mentais. Esse fato é inegável. Além disso, é de se constatar que a
solução de concorrências e colisões sempre causou sérias dificuldades
à dogmática dos direitos fundamentais. De certa forma, todas as ten-
tativas de solução envolvem questões de valoração. Mas valorações
estão também presentes nas concepções restritas do suporte fático. Se
isso é assim, então é questionável que o aumento no numero de coli-
sões - que, de qualquer forma, têm importância somente quando um
caso for um caso real de direitos fundamentais - seja algo negativo.
Não seria justamente o contrário, ou seja, não seria exatamente a di-
minuição no numero de colisões e concorrências que seria algo nega-
tivo, em razão do postulado segundo o qual todos os pontos de vista
relevantes para um determinado caso devem ser levados em conside-
ração? Para que a satisfação desse postulado não conduza a uma so-
brecarga daquele que argumenta no âmbito dos direitos fundamentais
é necessário que se leve em consideração um postulado de racionali-
dade contraposto, segundo o qual aquilo que não é duvidoso, ou aqui-
lo sobre o qual há consenso, não necessita de fundamentação. As
exigências desses dois postulados são mais bem satisfeit~s p~r uma
teoria ampla do suporte fático baseada no modelo em dois ambJtos do
que por uma teoria restrita.
Ainda permanece, contudo, uma objeção relativa a competências.
Essa objeção atingiria a teoria ampla do suporte fático se essa teoria
acarretasse um inadmissível "aumento na competência da jurisdição
constitucional", seja em detrimento do legislador, seja em detrimento
da jurisdição ordinária. 148 Mas essa conseqüência não está necessaria-
mente assooiada à teoria ampla do suporte fático. De início, é duvido-
so se a teôria ampla de fato conduz a um aumento do numero de ações
perante o Tribunal Constitucional Federal. Quem recorre a esse tribu-
nal está interessado em uma proteção definitiva de um direito funda-
mental, e não em uma constatação dogmática de que sua conduta se
insere em um suporte fático, mas é abrangida por uma restrição. Mes-
mo se uma reclamação constitucional se orientar unilateralmente pelo
suporte fático, a comissão de juízes do tribunal poderá rejeitar o re~
curso por não haver suficiente perspectiva de êxito (§ 93a (3) da Lei
do Tribunal Constitucional Federal). A decisão acerca da aceitação do
recurso pela turma(§ 93a (4) da Lei do Tribunal Constitucional Fede-
ral) impõe ainda um filtro adicional. Se a rejeição do recurso é funda-
mentada, então, a referência a uma restrição é pelo menos tão convin-
cente quanto a referência a uma não-inclusão no suporte fático. Se a
reclamação constitucional é aceita, então, a teoria ampla não apenas
não conduz necessariamente a decisões que extrapolem as competên-
cias do Tribunal, ela tampouco exerce pressões nesse sentido. Como
se demonstrou anteriormente, os princípios formais - isto é, aqueles
que expressam questões de competência - fazem parte do grupo de
princípios contrapostos. Extrapolar ou não extrapolar determinadas
competências não depende da construção da fundamentação, mas da
definição do peso dos princípios envolvidos e, com isso, do conteúdo
da fundamentação. É certo que em alguns casos uma teoria restrita
pode evitar, de antemão, decisões que extrapolem a competência da
jurisdição constitucional, ao determinar o conteúdo dos direitos i:un-
damentais com base em uma concepção restrita do suporte fátlco;
contudo, para além dos casos triviais, nos quais não há duvidas de que
151. Cf. Peter Hãberle, Die Wesensgehaltgarantie, pp. 180 e ss.; Konrad Hesse,
Grundzüge des Verfassungsrechts, §§ 303 e ss.
152. Peter Hãberle, Die Wesensgehaltgarantie, p. 181.
153. Idem, p. 184.
154. Idem, p. 186.
155. Idem, p. 187. Segundo Hãberle, as "contribuições constitutivas" do legis-
lador para o conteúdo dos direitos fundamentais não excluem sua vinculação a esses
direitos. Mas isso suscita problemas conceituais. Na definição de conteúdos para os di-
reitos fundamentais o legislador não pode estar vinculado ao conteúdo que ele mesmo
constitutivamente confere aos direitos fundamentais por meio da criação de normas.
Portanto, a vinculação tem que ser estabelecida por outros meios. Uma possibilidade
seriam os princípios de direitos fundamentais. Mas uma criação constitutiva de nor-
mas é definida pelo fato de os princípios relevantes não definirem obrigatoriamente
uma única regra, pois se não fosse assim seria possível apenas uma única "dação de
conteúdo" por meio da legislação, o que retiraria desse processo o caráter constituti-
334 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
vo. Mas se várias regras forem igualmente compatíveis com os princípios, então, a
escolha de uma delas não estaria sujeita a uma vinculação a eles. O legislador teria
então, uma discricionariedade, no seio da qual poderia escolher de forma constitutiv~
mas, exatamente por isso, não-vinculada. Nesse sentido, agir de fonna constitutiva e
vinculação dizem respeito a duas coisas muito distintas: o constitutivo, a uma discri-
cionariedade; a vinculação, aos seus limites.
156. Peter Hãberle, Die Wesensgehaltgarantie, p. 189.
157. Idem, pp. 190-191.
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS RESTRIÇÕES 335
essa concepção. Mas esse não é o caso. O fato de o tribunal i:ressupor uma re:strição
no sentido aqui definido é demonstrado pela sua fundamentaçao para a norma 1~pug:
nada em face das exigências do direito fundamental, fundamentação, essa, que mclu1
também um exame de proporcionalidade (BVerfGE 58, 300 (338 e ss.)). O ponto
decisivo da decisão é o fato de que o ponto de referência da desapropriação não é
constituído pelo direito primafacie, que, por defi?ição, é í~i~tado, mas por_ui:i ~i
reito já definitivamente restringido por meio de leis compattve1s com a C:,onstttu1ça?,
ou seja, restringido de forma permitida (BVerfGE 58, 300 (336)). ls~o nao contradiz
o conceito de restrição aqui defendido; pelo contrário, ele o pressupoe.
175. BVerjGE 28, 243 (260-261).
176. Cf. sobretudo BVerfGE 7, 377 (399 e ss.).
340 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1. BVerjGE 6, 32.
2. Para decisões mais recentes, cf. BVerjGE 59, 275 (278).
342 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
23
gais na liberdade". Ao invés de liberdade de ação, seria possível falar
apenas de uma liberdade contra intervenções. 24 Assim, o direito geral
de liberdade transformar-se-ia em um direito fundamental à constitu-
cionalidade da totalidade da ação estatal. O "princípio fundamental do
Estado de Direito" seria alçado à condição de direito fundamental."
Isso teria enormes e indesejáveis conseqüências procedimentais e cons~
titucionais, que Ehmke resume da seguinte forma: "Toda lei que res-
trinja a liberdade geral de ação - e qual não o faz? - pode ser impug-
nada por meio de uma reclamação constitucional, sob a alegação de
que viola algum dispositivo qualquer da Constituição. Parece-me que
o sentido do § 90 da Lei do Tribunal Constitucional Federal não é
compatível com essa interpretação". 26
29. Cf. Eberhard Grabitz, Freiheit und Vefassungsrecht, pp. 120 e 248. Cf. tam-
bém Walter Schmidt, "Die Freiheit vor dem Gesetz", p. 51.
30. BVerfGE 20. 150.
31. BVerfGE 54, 143.
32. Cf., a respeito, Hans H. Rupp, "Das Urteil des Bundesverfassungsgerichts
zum Sammlungsgesetz - eine Wende in der Grundrechtsinterpretation des Art. 2 Abs.
1 GG?", NJW 19 (1966), pp. 2.037 e ss.
O DIREITO GERAL DE LIBERDADE 349
·nos do ponto de vista lógico.43 Contudo, uma análise mais detida reve-
la alguns problemas, cuja discussão pressupõe clareza acerca do con-
teúdo do princípio ao qual corresponde o direito geral de liberdade.
Acima,44 na análise do conceito de liberdade, a liberdade de se
fazer ou deixar de fazer tudo o que se quer, ou seja, a liberdade de
escolher entre alternativas de ação, foi denominada "liberdade negati-
va em sentido amplo''. Uma pessoa seria considerada como livre em
sentido negativo na medida em que suas alternativas de ação não se-
jam bloque~~as por obstáculos a essas ações. Esses obstáculos foram
objeto de algumas diferenciações. Se os obstáculos às ações são ações
positivas de outrem, sobretudo do Estado, então, trata-se de liberdade
negativa em sentido estrito ou da liberdade liberal. Estamos diante de
uma liberdade negativa em sentido estrito, ou liberdade liberal, quando
se proíbem ações obstaculizadoras positivas. O caso mais precisamen-
te determinado de liberdade liberal é a liberdade jurídica. Uma liberda-
de jurídica existe quando é permitido tanto fazer algo quanto deixar de
fazê-lo. Isso ocorre exatamente quando algo não é nem obrigatório,
nem proibido. 45
A liberdade negativa em sentido amplo vai além da liberdade ne-
gativa em sentido estrito ou liberdade liberal. De um lado, ela inclui
essa liberdade liberal e, de outro, abarca outras coisas, como a liber-
dade econômico-social, a qual não existe se o indivíduo estiver sub-
metido a uma situação de privação econômica que o embarace em seu
exercício de alternativas de ação. 46
O princípio cuja viabilidade é aqui analisada deve ter por objeto
a liberdade negativa em sentido estrito, ou seja, a liberdade liberal. Ele
tem como objetivo, entre outros, a maior medida possível de liberdade
43. Aqui interessa apenas esse ponto de vista. O princípio da liberdade geral de
ação diz respeito à liberdade negativa em sentido estrito, liberal (cf. Capítulo 4, II.2.1 ).
É evidente que contra o princípio da liberdade em sentido estrito, liberal, podem ser
suscitadas não apenas objeções formais, mas também substanciais. Aquele que, por
exemplo, entende que a liberdade faz as pessoas serem infelizes, e a au~ência de liber-
dade felizes, pode atacar o princípio da liberdade negativa com o auxílio do argumen-
to segundo o qual o que importa é a felicidade. No entanto, essa é uma objeção contra
a existência desse princípio, não contra a adequação de liberdade geral de ação como
objeto de um princípio.
44. Cf. Capítulo 4, 11.2.
45. Cf. Capítulo 4, 11.2.2.
46. Cf. Capítulo 4, 11.2.1.
352 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
47. No que diz respeito ao seu conteúdo e à sua estrutura, o princípio da li-
berdade negativa apresenta uma diferença fundamental em relação ao "princípio
constitucional da liberdade", de Grabitz. Esse último abrange um feixe de liberdades
(liberdades negativa, real, social, democrática e política - cf. Eberhard Grabitz, Frei-
heit und Verfassungsrecht, pp. 243 e ss.). Na medida em que o princípio de Grabitz
inclui quase tudo aquilo que pode colidir em nome da liberdade, ele não expressa, em
sentido estrito, um princípio, mas o ideal de estabelecer um equilíbrio racional e justo
entre tudo aquilo que possa ser concebido sob o conceito de liberdade.
O DIREITO GERAL DE LIBERDADE 353
48. Cf. Charles Taylor, "What's wrong with negative liberty'', in Alan Ryan,
The /dea oj Freedom: Essays in Honour oj /saiah Berlin, Oxford: Oxford Univers1ty
Press, 1979, p. !83.
354 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
2. A vinculação
entre princípios formais e materiais
Com base no que foi até agora afirmado, não é ainda possível de-
cidir se uma proibição de alimentar pombas é uma afetação mais inten-
sa que a proibição de freqüentar missas. Para tanto são necessários
critérios adicionais, de natureza material. Nesse exemplo é possível
procurar construir um tal critério a partir da garantia jurídico-positiva
da liberdade de crença. Para além desse critério, a fonte jurídico-po-
sitiva mais geral de critérios substanciais é a norma da dignidade hu-
mana. Exatamente nesse sentido, o Tribunal Constitucional Federal
afirma que "na definição do conteúdo e da extensão do direito funda-
mental do art. 2°, § 1°, da Constituição alemã é necessário levar em
consideração que, segundo a norma fundamental do art. 1º, § 1º, a
dignidade da pessoa humana é inviolável e requer respeito e proteção
em face de todos os poderes estatais". 50
Neste ponto seria possível objetar que a concepção de um direito
geral negativo de liberdade foi abandonada e substituída por uma con-
cepção substancial de liberdade orientada pela dignidade humana, na
qual algumas liberdades específicas, valoradas positivamente, passam
a ocupar o lugar da liberdade geral de fazer ou deixar de fazer aquilo
que se quer. Uma breve análise da conexão entre a liberdade negativa
e a dignidade humana mostra que não é isso o que ocorre. Essa cone-
xão pode ser descrita por meio das seguintes teses: a liberdade nega-
60. Cf. Inunanuel Kant, Grundlegung zur Metaphysik der Sitten, pp. 446 e ss.
61. Sobre a diferenciação entre liberdade interior e liberdade exterior, cf. Imma-
nuel Kant, Metaphysik der Sitten, pp. 214, 380, 396 e 406.
62. BVerfGE 4, 7 (16).
63. BVerJGE 45, 187 (228).
64. É necessário salientar que essa frase expressa apenas uma condição neces-
sária, mas não uma condição suficiente.
65. BVerJGE 45, 187 (227)
66. BVerjGE 4, 7 (16).
358 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
todos podem fazer ou deixar de fazer o que quiserem, desde que não
existam razões suficientes (direitos de terceiros, interesses coletivos)
que fundamentem uma restrição na liberdade negativa. Nesse sentido
o princípio da liberdade negativa permite considerar em toda sua plê:
nitude a vinculação do indivíduo à comunidade.
Ainda permanece, no entanto, a peculiaridade de o princípio da
'.ib~rdade negativa exigir uma .razão suficiente para qualquer restrição
a lrberdade, por menor que SeJa; a partir disso, alguém poderia alegar
~ue e~e ~ada .tem, a ver c?".1 a dignidade humana. Para perceber que
isso nao e assim, e necessano refletrr sobre o que ocorreria se não fos-
se exigido nenhum motivo suficiente para as restrições insignificantes
à liberdade. Significaria que, nesses casos, seriam possíveis restrições
arbitrárias à liberdade. Nas pequenas coisas o indivíduo poderia ser
submetido a toda forma de chicanas sem fundamentos. Mas ter sua
liberdade arbitrariamente restringida é algo incompatível com a dig-
mdade humana mesmo quando se trata de pequenas coisas, indepen-
dentemente da inexistência de consenso sobre a forma como se define
"pequeno" ou "ipsignificante". 67 Diante disso, o princípio da liberda-
de negativa pode baseàr-se, em toda sua amplitude, no princípio da
dignidade humana.
O princípio da liberdade negativa expressa apenas uma das con-
dições para a garantia da dignidade humana. Do princípio da dignida-
de humana decorrem, além do princípio formal da liberdade negativa,
_ 67. Bons exemplos de "casos pequenos" são casos que dizem respeito à alimen-
taçao de pássaros. Horst Ehmke e Walter Schmidt consideraram um direito funda-
mental a alimentar pardais uma conseqüência absurda e ridícula do direito geral de
liberd~de (cf. Horst Ehmke, Wírtschaft und Verfassung, p. 58; Walter Schmidt, "Die
Freih~1t ~ordem Gesetz", P: 81 ). Parece quase uma ironia da história da interpretação
const1tuc1onal que, quase vinte anos depois, o Tribunal Constitucional Federal tenha
c~nsiderado alimentar pombas como prima facie protegido pelos direitos fundamen-
tais (BV~rfGE 54'.143). O Tribunal Constitucional Federal tem razão. Claro que não
é apro~nado co~s1de:ar ~ ahmentaç~o de pombas como algo especialmente digno de
proteçao. Mas nao é JUStificado cons1~erá-la como não merecedora de proteção algu-
m~: Pod~ ~aver pessoas para a~ quais uma tal atividade seja mais importante que
aço:s religiosas. ~claro que ~a ~mportãncia subjetiva não decorre uma importância a
partir_ da perspectiva d~ Constltu1ção, mas a importância subjetiva tem um significado
constltuc1onal,_ na ~e?i~ª er;n que o respeito que a Constituição exige pelàs decisões
e formas de vida 1nd1v1durus requer, no mínimo, que nelas não se intervenha sem
razões suficientes.
O DIREITO GERAL DE LIBERDADE 359
68. Isaiah Berlin, Four Essays on Liberty, Oxford: Oxford University Press,
1969,p. LX.
360 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
69. Rupert Scholz, "Das Grundrecht der freien Entfaltung der Persõnlichkeit",
p. 91.
70. É sintomático que no repositório oficial de jurisprudência do Tribunal Cons-
titucional Federal a decisão sobre a alimentação de pombas na rua seja seguida pela
decisão do caso Eppler (cf. BVerjGE 54, 143; 54, 148).
71. BVerjGE 6, 32 (41).
72. BVerjGE 6, 32 (36) - sem grifos no original.
73. Cf., sobre isso, Dietwalt Rohlf, Der grundrechtliche Si::hutz der Privatsphêi-
re, Berlin: Duncker & Humblot, 1980, pp. 70 e ss.
O DIREITO GERAL DE LIBERDADE 361
74. BVerjGE 6, 32 (41). De forma semelhante: BVerjGE27, 1 (6); 27, 344 (350);
32. 373 (379); 34, 238 (245).
75. BVerjGE 27, 1 (8).
76. BVerjGE 32, 373 (379).
77. BVerJGE 34. 238 (245).
78. Cf. BVerjGE 27, 1 (7-8); 27, 344 (351); 32. 373 (379); 33, 367 (376); 34,
238 (246); 35, 202 (220). .
79. Sobre essa distinção tripla, cf. Rupert Scholz, "Das Grundrecht der fre1en
Entfaltung der Persõnlichkeit", pp. 92, 266 e ss., 273 e ss.
80. BVerjGE 35, 202 (220).
81. BVerjGE 34, 238 (245).
362 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
tion", pp. 30 e ss.; Robert Alexy, "Zum Begriff des Rechtsprinzipien", Rechtstheorie,
Beiheft 1 (1979), pp. 68-69.
85. BVerfGE 32, 373 (379); 33. 367 (377); 34, 205 (209); 34. 238 (246); 35, 35
(39); 35, 202 (232).
86. Até em virtude do caráter rudimentar da divisão, deve-se concordar com a
crítica de Detlef Merten, "Das Recht auf freie Entfaltung der Persõnlichkeit", JuS 16
(1976), p. 349, segundo a qual "uma divisão rígida em esferas(... ) [parece] artificial
e impraticável". Também críticos em relação à teoria das esferas são Júrgen Schwabe,
Probleme der Grundrechtsdogmatik, pp. 314 e ss.; e Eggert Schwan, "Datenschutz,
Vorbehalt des Gesetzes und Freiheitsgrundrechte'', VerwArch 66 (1975), pp. 147 e ss.
364 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
em que ele confia, não altere a situação em que a se encontra, fazendo com que b ou
terceiros passem a ter conhecimento desses fatos, embora a assim não queira. Se b
pretende tomar públicos os fatos obrigando a a contá-los, suscita-se, ao lado de um
direito à não-afetação de uma situação, uma permissão de não-realização do ato de
revelar aqueles fatos. Direitos à não-afetação de uma situação são freqüentemente
descritos com o auxi1io do conceito de tolerdncia. Se a não tem um direito à não-afe-
tação, ele tem que tolerar a afetação correspondente. Se a tem um direito à não-afeta-
ção, ele não tem que tolerar a afetação correspondente.
94. BVerjGE 54, 148 (153).
95. BVerjGE 35, 202 (220).
96. BVerjGE 35, 202 (237).
97. Cf. BVerjGE 6, 32 (42 e ss.).
98. BVerjGE 17, 306 (313 e ss.). A caracterização dessa posição como "defi-
nitiva" não significa que ela não possa ser alterada, por exemplo, por meio de uma
restrição à luz de uma nova constelação de casos. Mas, então, surge mais uma vez
uma posição definitiva.
99. Sobre o conceito de atribuição, cf. Capítulo 2, 11.2.
366 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
'
direito é posta ell). dúvida por diversas razões. A mais importante de-
las, a da ausência de substância, já foi refutada anteriormente. A se-
guir serão analisadas quatro outras objeções.
\
1. Direito geral de liberdade e garantias pontuais
A objeção histórica é relativamente fácil de ser refutada. Segundo
ela, os direitos fundamentais surgiram "historicamente de situações
específicas de demandas por segurança ou de ameaças prementes" e
devem ser concebidos, por conseguinte, como "garantias específicas
relacionadas a um âmbito de proteção bastante determinado"'" ou,
116. Ulrich Scheuner, "Die Funktion der Grundrechte iro Sozialstaat", DÕV24
(1971), p. 509. Cf. ~bfo1, .do mesmo autor, "Pressefreiheit'", WDStRL 22 (1965),
P· 45, ~?rst Ehmk:e Prinz1p1en der Verfassungsinterpretation'', p. 82; Konrad Hesse,
<ÇJ-run~zu!fe des Verfassungsrechts, § 428; Wolfgang Rüfner, "Grundrechtskonflikte'',
1n Chnstian Starck (Or~.), J!undesverfassungsgericht und Grundgesetz, II, Tübingen:
Mohr, 1976, P· .456; Fnedrich Müller, Die Positivitiit der Grundrechte, pp. 41 e ss.,
87. e ~s:; Christian Graf von Pestalozza, "Kritische Bemerkungen zu Methoden und
Pnnz1p1en der Grundrechtsauslegung in der Bundesrepublik Deutschland", Der Staat
2 (1963/; p. 437; Walter Schmidt, "Die Freiheit vor dem Gesetz", p. 84; Rupert
Scholz, Das Grundrecht der freien Entfaltung der Persõnlichkeit", pp. 82-83.
O DIREITO GERAL DE LIBERDADE 371
como muitas vezes se diz, como "garanti_as pontuais", o que seria in-
conciliável com a concepção de um direito geral de liberdade. Não há
dúvidas de que existem inúmeros bons argumentos a favor da tese
segundo a qual os diferentes direitos fundamentais surgiram como
reações a ameaças concretas. Mas isso é apenas um lado da questão.
Ao lado da linha de tradição "concreta" existe uma linha "abstrata".
São evidências dessa linha abstrata o art. 4°, 1, da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: "A liberdade consiste em
poder fazer _tudo aquilo que não prejudique outrem; assim, o exercício
dos direitos naturais de cada homem não encontra outros limites além
daqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos
mesmos clireitos"; e a máxima de Kant: "Liberdade (independência de
arbitrariedade coercitiva proveniente de outrem), na medida em possa
coexistir com a liberdade de todos os outros com base em uma lei
geral, é o único direito original conferido a todo ser humano em vir-
tude de sua natureza humana". 117 Diante disso, a tese segundo a qual
os direitos fundamentais, sob o aspecto histórico, devem ser concebi-
dos como garantias pontuais deve ser encarada com certas restrições.
Um segundo argumento histórico contra a objeção histórica é o argu-
mento da tabula rasa, de Dürig, que chama a atenção para uma "ex-
periência histórica de uma tabula rasa apocalíptica de direitos funda-
mentais, à qual a Constituição alemã responde historicamente'', e
classifica as teorias da garantia pontual como "completamente a-his-
tóricas" .118 Esse argumento pode se apoiar na gênese histórica do art.
2°, § 1°, da Constituição alemã." 9
Aos argumentos históricos contra a objeção histórica pode ser
adicionada uma consideração de caráter sistemático. Mesmo que só
L
O DIREITO OERAL DE LIBERDADE 375
L
O DIREITO GERAL DE LIBEROADE 377
146. Essa situação não pode ser criada inserindo cada ação concreta em uma
norma. Isso pressuporia a possibilidade de elaboração de uma lista completa de todas
as ações imagináveis, mas isso não é possível. Por isso, essa situação somente pode
ser alcançada por meio de normas de alto grau de generalidade. Excluídas estão as
normas "o que não é obrigatório é proibido" e "o que não é proibido é obrigatório".
Se até então uma ação h não era nem obrigatória nem proibida, ou seja, se até então
nem sua realização (h) nem sua não-realização (-.h) eram obrigatórias, ou nem sua
não-realização (-ih) nem sua realização (h) eram proibidas, então, a primeira dessas
nomias tem como resultado que tanto h quanto -,h são proibidas; e a segunda, que
tanto h quanto -ih são obrigatórias. Em todos os casos, portanto, há uma contradição.
Essa contradição pode ser facilmente evitada por meio de uma norma como "o que
não é obrigatório nem fazer nem não fazer é obrigatório fazer (proibido fazer)''. Uma
tal norma eliminaria muitas liberdades, mas encontra seus limites nos casos de obri-
gações que podem ser satisfeitas de várias formas diferentes. Além disso, é necessário
indagar se a situação por ela criada faz algum sentido. É questionável também se é
possível eliminar todas as liberdades por meio de uma norma teleológica como "é
obrigatório aquilo que fomentar Z melhor que todas as outras alternativas" ou por
meio de uma norma deontológica como "o intrinsecamente melhor é sempre obriga-
tório". Há alguns indícios a favor da hipótese segundo a qual para cada objetivo ou
para cada grupo de objetivos há alternativas de ação neutras em relação ao objetivo,
e que há ações sobre as quais se pode dizer que nem sua realização nem sua não-rea-
lização são intrinsecamente melhores. Assim, é possível supor que um sistema de
normas livre de contradições e sensato não é possível se nele não houver liberdades.
O DIREITO GERAL DE LIBERDADE 381
154. Sobre essa expressão, cf. Walter Schmidt, "Die Freiheit vor dem Gesetz",
p. 66.
155. Cf. BVerjGE 13, 181(190);13, 237 (239); 14, 105 (116); 15. 226 (231); 24,
367 (385); 32, 319 (326); 34. 139 (146); 40, 371 (378); 53, 1 (15).
156. Quando Ingo v. Münch ("Art. 2", in Ingo v. Münch, Grundgesetz: Kom-
mentar, v. l, § 23) afirma que a posição formal funda-se, "na verdade, mais no dever
do Estado de Direito que no art. 20., § 1n", mas que ela é atribuível ao ait. 22, § 12,
porque caso contrário surgiria "uma questionável lacuna no Estado de Direito", ele
chega ao menos perto dessa resposta.
O DIREITO GERAL DE LIBERDADE 383
157. Cf. Jürgen Schwabe, "MiBdeutungen um das 'Elfes-Urteil' des BVerfG und
ihre Folgen", DÔV 26 (1973), p. 623.
158. Cf. BVerJGE 50, 290 (337).
384 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
166. Cf. Walter Schmidt, "Die Freiheit vor dem Gesetz'', pp. 50 e 52; Rupert
Scholz, "Das Grundrecht der freien Entfaltung der Persõnlichkeit", p. 286.
167. Cf. Peter Lerche, Übermaj3 und Verfassungsrecht, p. 299, nota 158,
168. BVerjGE 21, 73 (79, 87).
O DIREITO GERAL DE LIBERDADE 387
dentre outros, não havia sido violado porque não haviam sido viola-
dos direitos fundamentais. 169
No que diz respeito ao problema do exame de outros direitos
fundamentais no âmbito do art. 2°, § 1°, é necessário que se diferencie
se se trata de outros direitos fundamentais do mesmo titular ou se se
trata de direitos fundamentais (inclusive o do art. 2°, § 1°) de titulares
distintos. Quando se trata de outros direitos fundamentais do mesmo
titular é ainda necessário que se diferencie se se trata de direitos de
liberdade oµ de outros direitos que não sejam direitos de liberdade.
No <raso dos outros direitos de liberdade do mesmo titular o pro-
blema do exame do direito fundamental no interior do exame do direi-
to fundamental pode ser minimizado pela referência à subsidiariedade
do art. 2°, § 1°, em face de outros direitos de liberdade específicos. 17º
Em razão da regra da subsidiariedade, aquilo que é abrangido pelo
suporte fático de um direito de liberdade específico não deve ser con-
trolado a partir do art. 2°, § 1°. Diante disso, não há como surgir o
problema do exame do direito fundamental no interior do exame do
direito fundamental. Mas essa não é, de forma alguma, apenas uma
solução técnica para o problema. A regra da subsidiariedade expressa
uma idéia substancial. O suporte fático do direito geral de liberdade
abrange todos os suportes fáticos dos direitos de liberdade específi-
cos. Se não existissem os direitos de liberdade específicos, o art. 2°, §
1°, protegeria - ainda que, em parte, com diferente intensidade - aqui-
lo que esses direitos específicos protegem. Os direitos específicos são
expressões de decisões do legislador constituinte na esfera da liberda-
de negativa. Eles expressam o princípio da liberdade negativa a partir
de determinadas ênfases. Essas ênfases têm caráter de regra, como já
foi demonstrado anteriormente por meio da teoria do caráter duplo
das normas de direitos fundamentais.m Se os direitos de liberdade
específicos de um mesmo titular tivessem que ser examinados no âm-
bito do direito geral de liberdade, de um lado haveria uma dupla in-
clusão do princípio da liberdade negativa no sopesamento, o que não
faria sentido, e, de outro lado, existiria o risco de superar decisões do
legislador constituinte que tenham natureza de regra.
169. BVerfGE 24, 220 (235); cf. também BVerfGE 10, 354 (363).
170. Cf. BVerjGE 32, 98 (107).
171. Cf. Capítulo 3, 11.3.3.
388 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
· controlado no âmbito do art. 2°, § 12, pois, ainda que seja possível, não
é necessário proceder dessa forma. O conceito de ordem constitucio-
nal, no sentido do art. 2°, § 1°, pode ser restringido de tal forma que
ele, em geral, não abarque direitos de igualdade do mesmo titular. 173
Uma tal restrição é conveniente porque é conveniente não tratar dife-
rentes pontos de vista no âmbito de um controle global, mas no âmbi-
to de controles sucessivos.
Permanece, no entanto, o problema do controle de direitos funda-
mentais de terceiros no âmbito do art. 2°, § 1°. Instrutiva nesse sentido
é a decisão. sobre a lei acerca do horário de funcionamento do comér-
cio,174 na qual o Tribunal Constitucional Federal examinou, no âmbito
do art. 2°, § ! 0 , reclamações constitucionais de consumidoras contrá-
rias ao que, na opinião delas, seria um horário de funcionamento mui-
to restrito. Teria sido mais apropriado realizar esse controle nos ter-
mos do art. 12, § 1°, que, sem dúvida, faz parte da ordem constitucional.
O tribunal poderia ter questionado se o direito geral de liberdade das
consumidoras havia sido ferido porque a lei sobre o horário de funcio-
namento do comércio viola a ordem constitucional em razão de uma
lesão ao direito fundamental à liberdade profissional dos proprietários
de lojas. Proceder dessa formar teria significado que a lesão a um di-
reito fundamental qualquer, de um titular qualquer, é condição sufi-
ciente para uma violação ao direito geral de liberdade de um outro
titular. de direito fundamental quando a ação violadora embaraça esse
último em algum sentido. Mas o Tribunal Constitucional Federal não
foi por esse caminho. Ao contrário, após um controle formal da inter-
venção, com base em normas de competência, ele procedeu a um con-
trole de proporcionalidade no âmbito do art. 2°, § 1°, da Constitui-
ção.175 Isso é correto quando há uma razão suficiente para tratar de
formas distintas as normas de competência e os direitos fundamentais
fiisches Staatsrecht, v. l, 2' ed., Berlin: Stilke, 1930, p. 243; Richard Thoma, "Die
juristische Bedeutung der grundrechtlichen Sãtze der deutschen Reichsverfassung im
allgemeinen", in Hans C. Nipperdey (Org.), Die Grundrechte und Grundp/Uchten der
Reichsverfassung, I, Berlin: Hobbing, 1929, p. 23; do mesmo autor, "Ungleichheit
und Gleichheit im Bonner Grundgesetz", DVBI 66 (1951), pp. 457 e ss.
3. Carl Schmitt (cf. Carl Schmitt, Unabhiingigkeit der Richter, Gleichheit vor
dem Gesetz und Gewahrleistung des Privateigentums nach der Weimarer Verfassung,
Berlin: de Gruyter, 1926, pp. 22-23) observou que a igualdade perante uma lei pres-
supõe que a lei seja aplicável a mais de uma pessoa, isto é, que não seja uma norma
individual (ordem individualizada) e que, nesse sentido, fundamenta um dever de
uma práxis legislativa universal, dirigido ao legislador. Esse dever dirigido ao legis-
lador não é, contudo, parte do dever de igualdade na aplicação do direito, dirigido
aos órgãos de aplicação do direito, mas um dever vinculado a um aspecto formal da
igualdade na criação do direito.
4. Gerhard Anschütz, Die Verfassung des deutschen Reiches, Art. 109, Anm. l,
p. 523.
5. Cf. Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp. 273 e ss.;
Hans-Joachim Koch/Helmut RüBmann, Juristische Begründungslehre, pp. 113-114
e 236 e ss.
6. Cf. Châim Perelman, "Eine Studie über die Gerechtigkeit", in Über die Ge-
rechtigkeit, München: Beck, 1967, p. 55: "A igualdade de tratamento é somente uma
conseqüência lógica da obediência às leis".
7. Cf. Hans Kelsen, Reine Rechtslehre, p. 146.
O DIREITO GERAL DE IGUALDADE 395
8. Cf. Ji!R 1 (1951), pp. 66 e ss. Cf., sobre isso, Christian Starck, "Die An-
wendung des Gleichheitssatzes", in Christoph Link (Org.), Der Gleichheitssatz im
modernen Verfassungsstaat, Baden-Baden: Nomos, 1982, pp. 52-53.
9. Cf. John H. Ely, Democracy and Distrust, Cambridge (Mass.): Harvard Uni-
versity Press, 1980.
10. Cf. BVerfGE l, 14 (52)- jurisprudência reiterada.
11. Cf. Heinrich Triepel, Goldbilanzenverordnung und Vorzugsaktien, Berlin:
Vereinigung Wiss. Verleger, 1924, pp. 26 e ss.; Erich Kaufmann, "Die Gleichheit vor
dem Gesetz im Sinne des Art. 109 der Reichsverfassung", VVDStRL 3 ( 1927), pp. 2 e
ss.; Heinrich Aldag, Die Gleichheit vor dem Gesetz in der Reichsverfassung, Berlin:
Heymann, 1925, pp. 51 e ss.; Günther Holstein, "Von Aufgaben und Zielen heutiger
Staatswissenschaft", Ai!R 50 (1926), pp. 3 e ss.
396 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
12. Cf. Gerhard Leibholz, Die Gleichheit vor dem Gesetz, 2ª ed., München;
Beck, 1959 (!' ed., 1925).
13. Cf. Niklas Luhmann, Grundrechte als lnstitution, 211 ed., Berlin: Duncker &
Humblot, 1974, pp. 167 e ss.; Ernst Forsthoff, Der Staat der Jndustriegesellschaft,
pp. 134 e ss.; Erich Eyermann, "Gleichheitssatz, Wurzel des Willkürverbots?", in
Hans Domcke (Org.), Verfassung und Verfassungsrechtsprechung: Festschrift zum
25-ji:ihrigen Bestehen des Bayerischen Verfassungsgerichtshofs, pp. 45 e ss.; Karl
Schweiger, "Zur Geschichte und Bewertung des Willkürverbots", pp. 55 e ss.
14. Cf. Hans Kelsen, "Das Problem der Gerechtigkeit", in Hans Kelsen, Reine
Rechtslehre, p. 391; Adalbert Podlech, Gehalt und Funktionen des allgemeinen ver-
fassungsrechtlichen Gleichheitssatzes, Berlin: Duncker & Humblot, 1971, pp. 44-45.
Hans Peter lpsen, "Gleichheit". p. 141.
O DIREITO GERAL DE IGUALDADE 397
15. Cf. Platão, As Leis, VI 757; Aristóteles, Política, III 5 (1280a): "Considera-
se, por exemplo, que justiça é igualdade, e de fato o é, mas como igualdade para os
iguais, não para todos. E considera-se também que a desigualdade pode ser justa, e
de fato o pode, mas não para todos, somente para os desiguais entre si"; do mesmo
autor, Ética a Nicômaco, V 6 (1.131a).
16. Sobre uma interpretação nesses termos, cf. Hans Kelsen, Reine Rechtslehre,
pp. 392 e ss.
398 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
22. Cf. BVerjGE 6, 273 (280); 13, 181 (202); 13, 225 (228); 50, 57 (77); 50,
177, (186): 53, 164 (178).
23. Essa constatação é, neste ponto, suficiente. Sobre os problemas lógicos e
teórico-cognitivos da igualdade e da identidade, cf. Ota Weinberger, "Gleichheits-
postulate", pp. 147 e ss.; Konrad Hesse, "Der Gleichheitsgrundsatz im Staatsrecht",
AOR 77 (1951/52), pp. 172 e ss.
24. Cf. Adalbert Podlech, Gehalt und Funktionen, pp. 30 e ss.
400 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
L
O DIREITO GERAL DE IGUALDADE 401
25. Cf. BVerfGE 42, 64 (74 e ss.); 57, 39 (42). Claramente nesse sentido: Ger-
hard Leibholz, Die Gleichheit vor dem Gesetz, p. 72.
26. Cf. BVerjGE 42, 79 e ss. (voto divergente). Cf., além disso, as contribuições
de Geiger e Leibholz ao debate, em Christoph Link (Org.), Der Gleichheitssatz im
modernen Verfassungsstaat, pp. 100 e ss. e 105 e ss.
27. BVerjGE 42, 64 (74).
402 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
32. Às vezes é possível encontrar formulações nas quais se faz menção à arbitra-
riedade como uma condição necessária para a violação - cf. BVerfGE 60, 101 (108).
Mas essas formulações não podem ser compreendidas de forma a que a arbitrariedade
seja somente uma condição necessária da violação.
O DIREITO GERAL DE IGUALDADE 405
33. Cf., por exemplo, BVerjGE 17, 319 (330). Na mesma direção aponta a
distinção feita por Leibholz entre incorreção e arbítrio. Cf. Gerhard Leibholz, Die
Gleichheit vor dem Gesetz, pp. 76-77.
O DIREITO GERAL DE IGUALDADE 407
34. BVerjGE I, 14 (52). No mesmo sentido, por exemplo, BVerjGE 12, 341
(348); 20, 31(33);30, 409 (413); 44, 70 (90); 51, 1(23);60, 101 (108).
408 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Por presença ou existência de uma razão suficiente para uma diferenciação não se
compreende, portanto, ~ma presença ou existência e~ si ~esmas, mas uma presença
ou uma existência para interlocutores concretos e rac1ona1s.
40. Cf., por exemplo, Nildas Luhmann, Grundrechte al~ l~stitution, ~P· .169 e
ss.· Adalbert Podlech, Gehalt und Funktionen, pp. 85 e ss.; Christian Starck, D1eAn-
we,ndung des Gleichheitssatzes", p. 61; Manfred Gubelt, "Art. 3", in lngo v. Münch
(Org.), Grundgesetz: Kommentar, v. !, § 26. . .
41. Sobre o ônus argumentativo para tratamentos desiguais como um postulado
geral de racionalidade, cf. Marcus C. Singer, Generalization _in Ethi~s, New. York:
Knopf, 1961, p. 31; John Rawls, "Justice as fairness", The Ph1losoph1cal Review 67
(1958), p. 166; RobertAlexy, Theorie der juristischen Argumentatwn, p. 243.
42. Adalbert Podlech, Gehalt und Funktionen, p. 57.
43. Idem.
410 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
decisão não é simples, e não raro as relações lógicas entre as normas de igualdade que
podem ser formuladas são de difícil identificação. Essa é uma explicação para as di-
ficuldades da análise do enunciado da igualdade.
45. Cf. BVerfGE 37, 38 (46).
46. Portanto, ao suporte fático da norma de tratamento igual corresponde a pri-
meira linha do esquema apresentado na nota de rodapé 44, e ao suporte fático da nor-
ma de tratamento desigual a oitava linha, desde que se pressuponha que uma proibição
de um tratamento igual seja o mesmo que uma obrigação de um tratamento desigual
(O~ Tratlg <-> O TratDesig).
47. Cf. Reinhold Zippelius, Wertungsprobleme im System der Grundrechte,
München: Beck, 1962, pp. 33 e ss.
412 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
48. Hans Peter lpsen, "Gleichheit'', p. 181 (cf. também pp. 156 e ss. e 178 e
ss.). Além disso, cf. Wolfgang Zeidler, "Die Aktualitãt des Gleichheitssatzes nach
dem BGG", DÔV 5 (1952), pp. 5-6; Friedrich Klein, "Zum Begriff und zur Grenze
der Verfassungsgerichtsbarkeit", DÔV 17 (1964), pp. 475 e ss.; Richard Thoma,
"Ungleichheit und Gleichheit im Bonner Grundgesetz", p. 459; Wemer Bõckenfõrde,
Der allgemeine Gleichheitssatz und die Aufgabe des Richters, Berlin: de Gruyter,
1957, pp. 88-89.
49. Cf., por exemplo, Günter Dürig, "Art. 3'', in Theodor Maunz/Günter Dürig,
Grundgesetz: Kommentar, § 248.
50. Hans Peter lpsen, "Gleichheit", p. 156.
51. Cf., por exemplo, BVerfGE 9, 334 (337); 57, 107 (115).
O DIREITO GERAL DE IGUALDADE 413
52. Cf. Gerhard Leibholz, Die Gleichheit vor dem Gesetz, pp. 76-77: "diferença
quantitativa".
1 414 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
53. Nesse sentido, cf., por exemplo, Hans Peter lpsen, "Gleichheit", p. 178.
1 O DIREITO GERAL DE IGUALDADE
54. Cf., sobre isso, Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp.
273 e ss.
55. De forma geral sobre a segurança da fundamentação no âmbito dos direitos
fundamentais, cf. Capítulo 10, Ill.3.
56. Cf., sobre isso, Christian Starck, "Die Anwendung des Gleichheitssatzes",
pp. 64 e ss.
57. Cf. Christoph Degenhart, Systemgerechtigkeit und Selbstbindung des Ge-
setzgebers als Verfassungspostulat, München: Beck, 1976.
416 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
igualdade, 66 como tem também que solucionar uma boa parte dos pro-
blemas da igualdade já no âmbito do enunciado da igualdade.
O paradoxo da igualdade pode ser facilmente evitado se for pos-
sível uma renúncia total ou ao princípio da igualdade jurídica ou ao
princípio da igualdade fática. A partir da perspectiva do direito cons'
titucional, a possibilidade de se renunciar ao princípio da igualdade
jurídica deve ser excluída, porque não é possível haver dúvida de que
esse princípio é um elemento do direito constitucional vigente. Aque-
le que tem alguma dúvida quanto a isso pode saná-la por meio de uma
simples olhada na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal.
A esse argumento jurisprudencial somam-se argumentos práticos ge-
rais. A igualdade jurídica é um valor em si mesmo. De duas situações
que sejam iguais em todos os aspectos, com a exceção de que na pri-
meira há uma desigualdade jurídica e na segunda não, deve-se dar
preferência à segunda. Nesse sentido, há um paralelismo entre a igual-
dade jurídica e a liberdade negativa. Além disso, como já foi demons-
trado acima,67 o ônus argumentativo para o tratamento desigual é um
postulado fundamental da racionalidade prática. Esse postulado é com
certeza válido pai:a tratamentos desiguais no sentido relacionado a
atos. A isso soma-se um argumento que apenas à primeira vista parece
ser exclusivamente pragmático. O princípio da igualdade jurídica- por
estar ligado ao ato de tratamento em si e não ter de levar em conside-
66. Esse problema, suscitado com freqüência, não será aqui analisado. As ob-
servações acerca do direito geral de liberdade e do direito geral de igualdade, bem
como aquelas referentes às teorias dos princípios e das modalidades, demonstram de
que forma uma solução é possível: é necessário distinguir cuidadosamente entre as
normas de liberdade e igualdade imagináveis e as posições jurídicas e situações fáti-
cas em que os membros da comunidade jurídica são inseridos por meio dessas nor-
mas. O resultado de uma tal análise é que por "liberdade" e "igualdade" devem ser
entendidas coisas que em parte estão necessariamente associadas, em parte colidem e
em parte são apenas compatíveis. Da imensa bibliografia que enfatiza a complexida-
de dessa questão, podem ser aqui mencionadas as contribuições de David D. Raphael
("Tensions between the goals of equality and freedom"), Robert Walter ("Das Span-
nungsverhãltnis der sozialen Ziele Freiheit und Gleichheit"), Stuart S. Nagel ("lssues
regarding the tensions between goals of equality and freedom") e Ota Weinberger
("Gleichheit und Freiheit: Komplementiire oder widerstreitende ldeale"), todos em
Gray Dorsey (ed.), Equality and Freedom, 2, New York/Leiden: Oceana, 1977, pp.
543 e ss., 583 e ss., 603 e ss., 641 e ss.; e Martin Kriele, Befreiung und politische
Aufkliirung Freiburg: Herder, 1980, pp. 57 e ss.
67. Cf. o tópico IV deste capítulo.
O DIREITO GERAL DE IGUALDADE 419
78. É essa colisão que o Tribunal Constitucional Federal tem em mente quando
afirma: "o princípio do Estado Social também não autoriza uma configuração estatal
qualquer, que elimine o dever de igualdade" (BVerfGE 12, 354 (367)).
424 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
83. Christian Starck, "Die Anwendung des Gleichheitssatzes", p. 68, nota 84.
De forma bastante geral, Starck exige que se preencha substancialmente o enunciado
da igualdade com o auxílio das "proibições de diferenciação e das obrigações de di-
ferenciação, expressas direta ou indiretamente na Constituição" (p. 64). Nesse ponto
deve-se concordar com ele. O problema reside em saber em que medida é possível
extrair da Constituição alemã, com segurança suficiente, critérios suficientemente
precisos para esse objetivo.
84. Cf. Adalbert Podlech, Gehalt und Funktionen, pp. 220 e ss.
O DIREITO GERAL DE IGUALDADE 427
85. Sobre isso, sob o aspecto do direito a prestações, cf. Capítulo 9, I.2.
428 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
86. Aqui será analisado apenas o princípio da igualdade fática. A análise dos di-
reitos sociais demonstrará que esse princípio pode atuar em conjunto com a liberdade
fálica. Cf. Capítulo 9, IV.2.
O DIREITO GERAL DE IGUALDADE 429
91. A formulação dessas normas não permite identificar uma diferença entre_
suporte fático (em sentido estrito) e cláusula de restrição. É necessário indagar se é
viável uma construção na qual seja possível identificar essa diferença. Aqui será ana-
lisada apenas a norma de tratamento igual (7). Para se chegar a uma norma que di-
ferencie entre suporte fáticocn e cláusula de restrição (S) como condições positiva e
negativa da conseqüência jurídica (R), ou seja, uma norma que corresponda ao esque-
ma T A -..., S --7 R, é possível a seguinte reformulação de (7): Se uma ação estatal x
constitui um tratamento desigual, e se não houver uma razão suficiente para a permis-
sibilidade desse tratamento desigual, então, a realização de x é proibida. O suporte
fático dessa norma é extremamente amplo. Ele abarca toda diferenciação jurídica e,
com isso, quase todas as ações estatais. Isso não é, contudo, uma desvantagem. Se se
pretende que o enunciado geral de igualdade seja um critério a partir do qual possa
ser mensurada a totalidade das ações estatais, levando-se em consideração todos os
pares de comparação, então~ essa amplitude - que equivale à do suporte fático do
direito geral de liberdade (cf. Capítulo 7, 11.1.1) e à teoria ampla do suporte fálico,
apresentada anteriormente (cf. Capítulo 6, 11.2.2) - é imprescindível. O cerne da
cláusula de restrição é o conceito ·de razão suficiente. Para se demonstrar que algo tem
ou não a qualidade de razão suficiente para uma diferenciação, é possível utilizar
argumentos bastante diversos. Esses argumentos podem ser estruturados no âmbito
do modelo de princípios, que, como já foi demonstrado, implica a máxima da propor-
cionalidade (cf. Capítulo 3, 1.8). Como justificação para uma diferenciação D é ale-
\ gado que D é um meio para Se alcançar o objetivo Z. Para que isso seja qualificado
como uma razão insuficiente é possível, por exemplo, demonstrar (1) que D não é
adequado para alcançar Z, (2) que D não é necessário para alcançar Z ou (3) que,
embora D seja adequado e necessário para alcançar Z, e embora a obtenção de Z
sirva à realização do princípio P 1, que colide com a igualdade jurídica, os princípios
P2, •.. , Pn, aos quais pertence, entre outros, a igualdade jurídica, prevalecem, no que
diz respeito a Z e a D, sobre o princípio P 1 (proporcionalidade em sentido estrito).
Nesse sopesamento é preciso levar em consideração o princípio da liberdade de con-
formação do legislador.
De acordo com essa construção, os problemas da aplicação da norma de trata-
mento igual devem ser resolvidos no âmbito da cláusula de restrição. Uma construção
completamente diferente foi proposta por Kloepfer. Segundo ela, o suporte fático não
consiste simplesmente em um tratamento desigual, mas em um tratamento desigual do
que for substancialmente igual. A cláusula de restrição é preenchida pela reserva de
restrição da liberdade de conformação do legislador. Assim, a proibição de arbítrio e a
máxima da proporcionalidade encontram-se juntas em uma cláusula de restrição da
restrição (Michael Kloepfer, Gleichheit ais Verfassungsfrage, Berlin: Duncker & Hum-
blot, 1980, pp. 54 e ss.). Há algumas objeções contra essa construção. Um primeiro
problema suscita a utilização, no suporte fático, do conceito de igualdade substancial.
Como foi demonstrado acima, por igualdade substancial pode ser entendida apenas
O DIREITO GERAL DE IGUALDADE 431
uma igualdade valorativa. Mas nos casos de igualdade valorativa o tratamento igual
é sempre obrigatório, de forma que a restrição e a restrição da restrição tomar-se-iam
supérfluas. Além disso, não parece ser apropriado relacionar a restrição apenas ao
princípio formal da liberdade de conformação do legislador. Em si mesma, a liberda-
de de conformação do legislador nunca é uma razão suficiente para uma diferencia-
ção. A essa liberdade deve ser sempre acrescentada uma razão que se baseie em um
princípio material. Por isso, os aspectos materiais não devem ser removidos da cláu-
sula de restrição e atribuídos a uma cláusula de restrição da restrição; eles devem fazer
parte da cláusula de restrição. O "caldo de subsunções impenetrável" que Kloepfer
teme (p. 56) pode ser evitado, como já se indicou acima, por meio de uma estruturação
da argumentação favorável e contrária à existência de uma razão suficiente.
92. Cf., por exemplo, BVerfGE 21, 292 (301 e ss.).
93. Cf., por exemplo, BVerfGE 27, 220 (230).
432 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
94. Cf., sobre a questão, Michael Sachs, "Zur dogmatischen Struktur der
Gleichheitsrechte ais Abwehrrechte", DÔV37 (1984), pp. 414 e ss.
95. Sobre o conceito de "direito fundamental completo", cf. Capítulo 4, III.
Capítulo 9
DIREITOS AAÇ,9ES ESTATAIS POSITIVAS
(DIJl.EITOS A PRESTAÇOES EM SENTIDO AMPLO)
1. O texto constitucional
e a história de sua elaboração
A Constituição alemã é bastante cautelosa ao formular direitos a
prestações. Nesse sentido, ela claramente se aparta de uma série de
Constituições dos Estados-membros, nas quais, ao lado dos direitos
de defesa clássicos, podem ser encontrados direitos como o direito ao
trabalho, 7 o direito à moradia,' o direito a meios de subsistência,' o
direito à educação 10 e o direito à participação;"·" e .ela também se
aparta de Constituições de outros países. 13 Baseando-se apenas no
texto da Constituição alemã, é possível encontrar como formulação
explícita de um dirçito fundamental social no sentido de um direito
Estado tomou para si "um monopólio fático, não afastável por pura
vontade", na formação para as profissões acadêmicas, a qual é, "por
sua vez, pressuposto necessário para a realização de direitos funda-
mentais''.23 Importante para a teoria dos direitos a prestações é, antes
de mais nada, que dentre os três dispositivos constitucionais nos quais
o tribunal se baseia se encontra - e não poderia ser diferente - um
direito de liberdade - formulado pelo art. 12, § 1° - que é imprescin-
dível para garantir o resultado da decisão. Sem uma referência à liber-
dade de escolha da instituição de ensino e da profissão ficaria de fora
uma peça importante da fundamentação do dever de uma utilização
exaustiva da capacidade das instituições de ensino. 24 Em si mesmo
considerado, o enunciado da igualdade, ao menos em sua interpreta-
ção como proibição de arbítrio, é compatível também com uma utili-
zação não exaustiva dessa capacidade. 25 Nesse sentido, o direito à li-
vre escolha do estabelecimento de ensino e da profissão tem um peso
decisivo contra argumentos que podem ser utilizados· para justificar
um tratamento desigual, como, por exemplo, argumentos ligados à
eficiência. Em relação ao princípio do Estado Social, é de se duvidar
se ele isoladamente' considerado ou combinado com o enunciado da
igualdade, garante um direito à educação para uma carreira acadêmi-
ca. É significativa a utilização de um direito de liberdade na funda-
mentação do tribunal, porque essa utilização pressupõe que o direito
1 de liberdade não tenha sido interpretado apenas como direito de defe-
sa. Apenas como direito de defesa, ele em nada teria como auxiliar a
fundamentação. Ele se toma uma parte fundamental da fundamenta-
ção apenas quando passa a se referir aos "pressupostos necessários
para a realização" do direito de liberdade,26 ou seja, quando interpre-
tado como uma garantia de uma parte da liberdade fática, o que o tri-
bunal fundamenta, entre outras, com as seguintes palavras: "o direito
34. BVerjGE 35, 79 (116). Para uma crítica ao reconhecimento de um tal direito
subjetivo, cf. sobretudo o voto divergente dos Juízes Simon e Rupp-von Brünneck,
BVerjGE 35, 148 (155).
35. Cf. Capítulo 4, Jl.1.1.2.
36. Hans Hugo Klein, Die Grundrechte im demokratischen Staat, p. 65.
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSffiVAS 441
37. Helmut Willke, Stand und Kritik der neueren Grundrechtstheorie, Berlin:
Duncker & Humblot, 1975, p. 216.
38. Cf. Peter Badura, "Das Prinzip der sozialen Grundrechte und seine Verwi-
rklichung im Recht der Bundesrepublik Deutschland", Der Staat 14 (1975), p. 17.
39. Cf. Walter Schmidt, "Soziale Grundrechte im Verfassungsrecht der Bundes-
republik Deutschland", Der Staat, Beiheft 5 (1981), p. 12.
40. Cf., por todos, Ernst Friesenhahn, "Der Wandel des Grundrechtsverstãnd-
nisses'', p. Gl e ss.; Peter Saladin, Grundrechte im Wandel, 2ª ed., Bem: Stãmpfli,
1975; Hans H. Rupp, "Vom Wandel der Grundrechte", AoR 101 (1976), pp. 161 e ss.
41. Luzius Wildhaber, "Soziale Grundrechte", in Peter Saladin et ai. (Orgs.),
Der Staat ais Aufgabe: Gedenkschrift für Max Imboden, Base!: Helbing & Lichten-
hahn, 1972,p. 390.
442 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
42. Isso não significa que a concepção ampla seja inteiramente imprestável.
Nesse sentido, Scholz fala de "uma prestação estatal sob a forma de uma interven-
ção soberana contra terceiros como perturbadores (potenciais)" (Rupert Scholz,
"Nichtraucher contra Raucher", JuS 16 (1976), p. 234). Sobre a proposta de uma
concepção ampla do conceito de prestação no direito administrativo, cf. Erich Becker,
"Verwaltung und Verwaltungsrechtsprechung", VVDStRL 14 (1956), p. 109; Gerd
Beinhardt, "Das Recht der õffentlichen Sicherheit und Ordnung in seinem Verhãltnis
zur Eingriffs- und Leistungsverwaltung", DVBl 76 (1961), pp. 612-613.
43. Sobre os conceitos de prestações fática e normativa, cf. Capítulo 4,
111.1.2.
44. Em última instância, como em toda questão terminológica, trata-se de uma
questão funcionalidade; cf. Hans J. Wolff/Otto Bachof, Verwaltungsrecht, III, 4'1 ed.,
München: Beck, 1978, p. 181.
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 443
5. Idéia-guia
É possível recorrer a inúmeros e variados argumentos contra e a
favor da atribuição de direitos a prestações a dispositivos de direitos
fundamentais. É recomendável, por isso, apreciá-los a partir de uma
idéia-guia. Uma possível perspectiva ou idéia-guia seria um conceito
geral e formal de direitos fundamentais, que pode ser expresso da se-
guinte forma: direitos fundamentais são posições que são tão impor-
tantes que a decisão sobre garanti-las ou não garanti-las não pode ser
simplesmente deixada para a maioria parlamentar simples. Essa defi-
nição está sujeita a uma série de refinamentos. Um deles deve ser feito
de imediato: aqui se trata dos direitos fundamentais da Constituição
alemã, ou seja, de posições que, do ponto de vista do direito constitu-
cional, são tão importantes que a decisão sobre garanti-las ou não
garanti-las não pode ser simplesmente deixada para a maioria parla-
mentar simples. Por isso, pode-se dizer que os direitos fundamentais
da Constituição alemã são posições que, do ponto de vista do direito
li - DIREITOS A PROTEÇÃO
68. Sobre os efeitos dos direitos fundamentais perante terceiros, cf. Capítulo
10, 11.2.
69. Em relação à jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal é possível
afinnar, portanto, que o problei:ia da subjetivização dos deveres de proteção ainda
está em aberto. Para uma análise do problema da subjetivização na literatura cf
Eberhard Schmidt-ABmann, "Anwendungsprobleme des Art. 2 Abs. 2 GG im r~:
sionsschutzrechf', AoR 106 (1981), pp. 214 e ss.; Joseflsensee, Das Grundrecht auf
Slcherheu, Berhn: de Gmyter, 1983.
70. BVerfGE 39, 1 (78).
454 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
71. Cf. Güter Dürig, "Der Grundrechtssatz von der Menschenwürde", pp. 118 e
ss.; do mesmo autor, "Art. 1 Abs. l", in Theodor Maunz/Günter Dürig, Grundgesetz:
Kommentar, § 16, e "Art. 1 Abs. 3", § 102.
72. BVerfGE 39, 1 (41); 46, 160 (164); 49, 89 (141); 53, 30 (57).
73. BVerfGE 53, 30 (57).
74. BVerfGE 39, 1 (41).
75. Cf. Capítulo 3, III.
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSIDVAS 455
88. A tese segundo a qual todas as ações humanas não proibidas devem ser
imputadas ao Estado pressupõe um dever estatal de responsabilidade universal, o qual
abarca tudo aquilo que é pennitido às pessoas. Poder-se-ia até mesmo aceitar, como
uma construção possível, a imputação baseada nesse dever universal de responsabili-
dade. O convite privado para um jantar, como mencionado no texto, seria, então,
imputável ao Estado, em razão desse dever de responsabilidade; mas essa imputação,
baseada na não-proibição estatal, ou não seria uma intervenção em um direito funda-
mental, ou essa intervenção estaria justificada. O problema dessa construção está na
fundamentação substancial do dever estatal de responsabilidade universal. Aqui inte-
ressa apenas que o dever de responsabilidade - da mesma fonna que a imputação -
não pode ser fundamentado com base em uma participação do Estado no convite
privado em razão de sua simples não-proibição. Se se pretende relacionar o convite
privado ao Estado, isso só pode ocorrer por meio do dever universal de responsabili-
dade. Com isso, no entanto, tudo volta a ser uma questão de dever de proteção e de
direito de proteção. Que sentido teria, então, a complexa construção baseada nos di-
reitos de defesa?
DIREffOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 459
3. Estrutura e justiciabilidade
dos direitos a proteção
Com freqüência afirma-se que a justiciabilidade dos direitos a
ações negativas (direitos de defesa) impõe menos problemas que a
justiciabilidade dos direitos a ações positivas (direitos a prestações).
Urna razão básica para tanto decorre de urna simples, porém funda-
mental, diferença teórico-estrutural. Para seus destinatários, direitos de
defesa são, dentre outras, proibições de destruir ou afetar negativa-
mente algo. Já os direitos a prestações são, para seus destinatários,
dentre outras, obrigações de proteger ou fomentar algo.95 Se é proibi-
do destruir ou afetar negativamente algo, então, toda e qualquer ação
que represente ou produza destruição ou afetação negativa é proibida. 96
97. Esses enunciados representam formulações das mais gerais e são passíveis e
carentes de qualificações adicionais. Como demonstram os exemplos que se seguem,
é especialmente necessário distinguir entre proibições e deveres prima facie e proi-
bições e deveres definitivos. Assim, urna proibição prima facie de se destruir algo
implica apenas uma proibição prima facie de toda e qualquer ação destrutiva.
DIREITOS AAÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 463
des fáticas e jurídicas existentes; isso significa que eles podem colidir
com outros princípios. Emblemática nesse sentido é a constatação, na
decisão do caso Schleyer, de que a Constituição fundamenta "um
dever de proteção não apenas em face do indivíduo, mas também em
face da totalidade dos cidadãos" .101
A possibilidade de diferentes graus de efetividade e de colisões
faz com que seja necessário refinar consideravelmente o modelo bá-
sico. Um exemplo simples pode fazer com que fique claro como isso
deve ocorrer. Vamos supor que existam cinco meios para a satisfação
do dever de proteção P 1 , a saber, M 1 - M,, e que exista também um
princípio colidente P 2• M 5 é totalmente ineficiente e, por isso, deve ser
excluído, mesmo com base no modelo básico. M 1 e M 2 são igualmen-
te efetivos e o mesmo ocorre entre M 3 e M 4 ; mas M 1 e M 2 são mais
efetivos que M 3 e M4 • Assim, isoladamente considerado, P 1 exige M 1
ou M2 • Por isso, se se parte apenas de P1, então, a discricionariedade
no modelo básico existe somente em relação a M 1 e M 2 • Ocorre que a
realização do princípio contraposto P 2 é afetada por meio da adoção
de todas as quatro medidas ainda relevantes, mas de forma mais inten-
sa por M 1 e M 2 que por M; e M4 • Nesse caso, um sopesamento tem que
decidir se P 1 tem, em face de P,, um peso tão grande que ainda justi-
fique a adoção de M 1 e M 2 e, se esse não for o caso, se ao menos a
adoção de M 3 ou M4 é justificada. Se nenhuma das duas alternativas
for verdadeira, a escolha de qualquer uma das medidas adequadas
para a satisfação do dever de proteção prima facie é definitivamente
vedada; caso não sejam ambas as alternativas impossíveis, porque ao
menos a adoção de M3 ou M4 pode ser justificada à luz de P 1 em face
de P 2 , então, no modelo básico, a discricionariedade existe em relação
a M 3 e M4 • Mas mesmo essa discricionariedade pode facilmente enco-
lher, pois, embora M 3 e M4 possam ser igualmente efetivas em relação
a P 1, M4 pode afetar P 2 de forma mais intensiva que M 3 , de modo que
escolher M 4 representaria uma afetação não necessária de P,, o que
significa que, como meio mais suave em relação a P,, apenas a adoção
de M 3 é justificada. Assim, deixa de existir uma discricionariedade
para a realização de P1, ainda que haja vários meios eficazes para
essa realização, alguns deles, inclusive, igualmente eficazes.
105. Idem.
106. Idem, p. 46.
107. Cf. BVerjGE 49, 24 (53 e ss.).
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 467
110. Cf. Fritz Ossenbühl, "Die Kontrolle von Tatsachenfeststellungen und Pro-
gnosenentscheidungen durch das Bundesverfassungsgerichts", in Christian Starck
(Org.), Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz, 1, Tübingen: Mohr, 1976, pp.
467 e ss.; Gunnar F. Schuppert, Funktionell-rechtliche Grenzen der Verfa~sungsin
terpretation, p. 54.
111. Cf. Fritz Ossenbühl, "Die Kontrolle von Tatsachenfeststellungen und Pro-
gnosenentscheidungen durch das Bundesverfassungsgerichts", p. 503.
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 469
121. Cf., por exemplo, John Rawls, A Theory oj Justice, Cambridge (Mass.):
Harvard Un1vers1ty Press, 1971; Jürgen Habermas, "Diskursethik-Notizen zu einem
~egründungsprogramm", in Jürgen Habermas, MoralbewujJtsein und kommunika-
t1ves Handeln, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1983, pp. 53 e ss.
122. Pe~er Hãberle, "Grundrechte im Leistungsstaat", p. 129.
123. Fntz Ossenbühl, "Kernenergie im Spiegel des Verfassungsrechts", DÔV
34 (1981), p. 6.
124. Herbert Bethge, "Grundrechtsverwirklichung und Grundrechtssicherung
durch Organisation und Verfahren", NJW 35 (1982), p. 2.
125. Cf. Robert :Alexy, ".Juristische Argumentation und praktische Vemunft",
Jahrbuch der Akademie der Wissenschaften in GOttingen 1982, pp. 29 e ss.
472 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
126. Konrad Hesse, "Bestand und Bedeutung der Grundrechte in der Bundesre-
publik Deutschland", p. 434; Christian Starck, "Die Grundrechte des Grundgesetzes",
JuS 21 (1981), p. 242; Herbert Bethge, "Grundrechtsverwirklichung und Grund-
rechtssicherung durch Organisation und Verfahren", p. 1.
127. Cf., por exemplo, Konrad Hesse, "Bestand und Bedeutung der Grundrech-
te in der Bundesrepublik Deutschland", pp. 435 e ss.; Fritz Ossenbühl, "Kemenergie
im Spiegel des Verfassungsrechts", pp. 5-6; Herbert Bethge, "Grundrechtsverwirkli-
chung und Grundrechtssicherung durch Organisation und Verfahren", pp. 2 e ss.
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSffiVAS 473
128. Cf. BVerfGE24, 367 (401); 35, 348 (361); 37, 132 (148); 39, 276 (294); 44,
105 (120); 45, 297 (322); 45, 422 (431); 46, 325 (334); 48, 292 (297); 49, 220 (225);
49, 252 (256); 51, 150 (156); 52, 391 (408).
129. BVerjGE 35, 79 (116).
130. Normas de organização e procedimento podem ter não apenas esse caráter
de meio, elas podem ser também um fim em si mesmas. No que diz respeito aos di-
reitos fundamentais, uma norma procedimental N tem um caráter de fim em si mesma
se ela continuar a ser exigível da perspectiva dos direitos fundamentais mesmo que se
constate que, com a vigência de N, o resultado do procedimento não seria, em nenhu-
ma situação e sob qualquer aspecto, mais compatível com os direitos fundamentais do
que seria sem sua vigência. Aqui pode ficar em aberto saber se existe alguma norma
de organização e procedimento com esse caráter de fim em si mesma.
474 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
(156). Sobre o art. 12, cf., por exemplo, BVerjGE 39, 276 (294); 41, 251 (265); 44,
105 (120); 45, 422 (431); 48, 292 (297); 52, 380 (388 e ss.). Sobre o art. 2', § l', cf.,
por exemplo, BVerjGE 52, 214 (219); 53, 30 (65). Sobre o art. 16, § 2', 2, cf., por
exemplo, BVerjGE 52, 391 (407).
138. BVerjGE 53, 30 (65).
139. Cf., por exemplo, BVerjGE 49, 220 (225 e ss.); 49, 252 (256 e ss.); 51,
150 (156 e ss.).
140. BVerjGE 35, 79 (116).
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 477
158. Cf. Konrad Hesse, "Bestand und Bedeutung der Grundrechte", p. 434;
Christian Starck, "Staatliche Organisation und staatliche Finanzierung", p. 485.
159. Cf. Ralf Dreier, Recht und Gerechtigkeit, Weinheim/Basel: Deutsches Insti-
tui für Femstudien an der Universitãt Tübingen (Funkkolleg Recht), 1982, pp. 28 e ss.
DIRErros AAÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 485
175. Cf. BVerjGE24, 367 (401); 35, 348 (361); 37, 132 (148); 39, 276 (294); 44,
105 (120); 45, 297 (322); 45, 422 (432); 46, 324 (334); 48, 292 (297); 49, 252 (256);
51, 150 (156); 53, 30 (64-65).
176. BVerjGE 42, 64 (73); cf. também BVerjGE 46, 325 (333); 49, 220 (226);
52, 131 (153).
177. Cf. Robert Alexy, "Die Idee einer prozeduralen Theorie der juristischen
Argumentation", in Rechtstheorie, Beiheft 2 (1981), pp. 178 e ss.
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 489
180. Cf. Jürgen Schwabe, Problem der Grundrechtsdogmatik, pp. 286 e ss.
181. Cf. Capítulo 4, li.LI.
182. Sobre essa forma de apresentação, cf. Capítulo 4, li.LI.
183. Sobre isso, cf. Capítulo 4, 11.1.2.2.
492 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
196. Idem.
197. Idem.
198. BVerjGE 12, 205 (259).
199. BVerjGE 57, 295 (321)- sem grifos no original.
200. Idem.
201. Herbert Bethge, "Rechtsschutzprobleme eines rundfunkspezifischen Plura-
lismus", Ufita 81 (1978), p. 92.
496 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
[!
498 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
206. Cf., por todos, Fritz Scharpf, Demokratietheorie zwischen Utopie und
Anpassung, Konstanz: Universitiitsverlag, 1970, pp. 29 e ss.
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 499
1. Conceito e estrutura
Direitos a prestação em sentido estrito são direitos do indivíduo,
em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios
financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no merca-
do, poderia também obter de particulares. Quando se fala em direitos
fundamentais sociais, como, por exemplo, direitos à assistência à saú-
de, ao trabalho, à moradia e à educação, quer-se primariamente fazer
menção a direitos a prestação em sentido estrito.
É necessário diferenciar entre direitos a prestações previstos de
forma expressa, como aqueles encontrados em uma série de Consti-
tuições estaduais, e direitos a prestação atribuídos por meio de inter-
pretação. Às vezes a expressão "direitos fundamentais sociais" é re-
servada para os primeiros, enquanto os últimos são denominados como
"direitos fundamentais a prestações" 207 ou "interpretações sociais dos
direitos de liberdade e igualdade". 208 A diferença entre os direitos a
prestações expressamente garantidos e aqueles atribuídos por meio de
vinculante não-vinculante
1 2 3 4 5 6 7 8
sejam feitas. 226 A partir desse pano de fundo, é necessária urna breve
análise dos argumentos favoráveis e contrários aos "direitos funda-
mentais sociais". A expressão "direitos fundamentais sociais" será
utilizada corno um supraconceito para as normas dos tipos (1) a (8).
O objetivo é o desenvolvimento de urna proposta, baseada na teoria
dos princípios227 e na idéia guia de caráter formal apresentada ante-
riormente,228 que leve em consideração tanto os argumentos favorá-
veis quanto os contrários.
É a essa constatação que Lorenz von Stein faz referência quando afir-
ma: "A liberdade é real apenas para aquele que tem as condições para
exercê-la, os bens materiais e intelectuais que são pressupostos da
autodeterminação",231 ou quando o Tribunal Constitucional Federal
decide que "o direito de liberdade não teria valor sem os pressupostos
fáticos para o seu exercício". 232
A segunda tese defende que, sob as condições da moderna socie-
dade industrial, a liberdade fática de um grande número de titulares de
direitos fundamentais não encontra seu substrato material em um "es-
paço vital por eles controlado";233 ela depende sobretudo de atividades
estatais. 234 Com algumas qualificações adicionais,235 é possível con-
cordar também com essa tese.
Mas essas teses não podem ser mais que apenas um ponto de par-
tida de um argumento a favor dos direitos fundamentais sociais. Isso
é facilmente perceptível a partir da constatação de que, mesmo sem
aceitar a existência dos direitos fundamentais sociais,.seria não apenas
possível aceitar ambas as teses como, também, conceber a criação de
uma liberdade fática como algo desejado pela Constituição. Seria ne-
cessário apenas aceitar uma repartição de tarefas entre os direitos fun-
damentais e o processo político, de acordo com a qual aos primeiros
caberia zelar pela liberdade jurídica; e aos segundos, pela liberdade
fática. 236 'Por isso, para complementar o argumento baseado na liber-
dade é necessário demonstrar por que a liberdade fática deve ser ga-
rantida diretamente pelos direitos fundamentais.
Para que isso seja fundamentado não é suficiente afirmar que os
direitos fundamentais devem garantir a liberdade, que a liberdade fá-
tica também é liberdade e que, por isso, os direitos fundamentais de-
vem garantir também a liberdade fática. A questão é justamente essa:
saber se os direitos fundamentais também devem garantir a liberdade
fática. Portanto, para justificar a atribuição de direitos fundamentais
sociais com o auxílio de um argumento baseado na liberdade é neces-
sário também fundamentar por que a liberdade garantida pelos direi-
tos fundamentais inclui a liberdade fálica.
Neste ponto, dois são os principais argumentos que podem ser
utilizados. O primeiro baseia-se na importância da liberdade fática
para o indivíduo. Para utilizar apenas três exemplos, para o indivíduo
é de importância vital não viver abaixo do mínimo existencial, não
estar condenado a um desemprego de longo prazo e não estar excluí-
do da vida cultural de seu tempo. É certo que, para aquele que se
encontra em uma tal situação de necessidade, os direitos fundamen-
tais não são totalmente sem valor. 237 É exatamente aquele desprovido
de meios que pode valorizar especialmente aqueles direitos fundamen-
tais que, por exemplo, o protegem contra o trabalho forçado e outras
situações semelhantes e aqueles que lhe dão a possibilidade de me-
lhorar sua situação por meio do processo político. Contudo, não é
236. Cf. Hans H. Klein, Die Grundrechte im demokratischen Staat, pp. 48 e ss.
237. Cf. Albert Bleckmann, Allgemeine Grundrechtslehren, p. 162.
506 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
243. Cf. Karl H. Friauf, "Zur Rolle der Grundrechte im Interventions- und Lei-
stungsstaat'', p. 676; Eberhard Grabitz, Freiheit und Verfassungsrecht, pp. 41 e ss.
244. Cf. Capítulo 8. VI.2. Cf. também Gerhard Leibholz, Strukturprobleme der
modernen Demokratie, 3ª ed., Karlsruhe: C. F. Müller, 1967 (reimpr. Frankfurt am
Main: Athenãum Fischer, 1974), p. 131.
245. Cf. Jõrg Paul Müller, Soziale Grundrechte in der Verfassung?, pp. 5-6 e
20 e ss.; Christian Starck, "Die Grundrechte des Grundgesetzes", p. 241; Theodor
Tomandl, Der Einbau sozialer Grundrechte in das positive Recht, Tübingen: Mohr,
1967, pp. 17-18; Georg Brunner, Die Problematik der sozialen Grundrechte, pp. 17-
18; Karl Korinek, "Betrachtungen zur juristischen Problematik sozialer Grundrech-
te", in Katholische Sozialakademie Õsterreichs (Orgs.), Die sozialen Grundrechte,
Wien: KSÔ, 1971, p. 12.
246. Cf. Albert Bleckmann, Allgemeine Grundrechtslehre, p. 164.
508 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
251. Cf. Christian Starck, "Die Grundrechte des Grundgesetzes", p. 241; Hans
H. Klein, Die Grundrechte im demokratischen Staat, pp. 58-59; Albert von Mutius,
"Grundrechte als 'Teilhaberechte'", p. 193.
252. Sobre a tese de que os direitos fundamentais sociais se encontram em
uma relação de incompatibilidade com os direitos clássicos de liberdade, cf. Hans
Huber, "Soziale Verfassungsrechte?", in Ernst Forsthoff (Org.), Rechtsstaatlichkeit
und Sozialstaatlichkeit, Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1968, p. 9;
Wolfgang Martens, "Grundrechte im Leistungsstaat", p. 33; Hans H. Klein, Die
Grundrechte im demokratischen Staat, pp. 64-65; do mesmo autor, "Ein Grundrecht
auf sauberes Umwelt?", pp. 657 e ss.; Ernst Forsthoff, Der Staat der Industriege-
sellschajt, pp. 73 e 78; Herbert Schambeck, Grundrechte und Sozialordnung, Ber-
lin: Duncker & Humblot, 1969, pp. 127-128.
253. Cf. Georg Brunner, Die Problematik der sozialen Grundrechte, pp. 14-15.
510 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
254. Cf. Theodor Tomandl, Der Einbau sozia/er Grundrechte in das positive
Recht, pp. 30-31; Georg Brunner, Die Problematik der sozialen Grundrechte, pp.
14 e ss; Christian Starck, "Staatliche Organisation und staatliche Finanzierung", p.
519; do mesmo autor, "Die Grundrechte des Grundgesetzes", p. 241; Josef Isensee
~·,erfassung ohne soziale Grundrechte", pp. 379-380; Rupert Scholz, "Das Recht,
auf Arbeit", in Emst-Wolfgang Bõckenfõrde et al. (Orgs.), Soziale Grundrechte,
Heidelberg: Müller, 1981, pp. 84-85; Jõrg Lücke, "Soziale Grundrechte als Staats-
zielbestimmungen und Gesetzgebungsauftrãge", p. 39. Que uma realização plena do
direito ao trabalho não é possível sem uma intervenção nos direitos fundamentais
dos proprietários dos meios de produção é algo que os próprios defensores desse
direito também reconhecem. Cf., por exemplo, Wolfgang Dãubler, "Recht auf Arbeit
verfassungswidrig?", in Udo Achten et al. (Orgs.), Recht auf Arbeit: eine politische
Herausforderung, Neuwied: Luchterhand, 1978, p. 171, o qual propõe que essa in-
~rv~nção seja fundamentada por meio do art. 15 da Constituição. Em geral sobre o
direito ao trabalho, cf. Hans Ryffel/Johannes Schwartliinder (Orgs.), Das Recht des
Menschen aud Arbeit, Kehl et ai.: Engel, 1983.
255. Cf. Carl Schmitt, "Nehmenffeilen/Weiden", in Carl Schmitt, Verjassungs-
rechtliche Aufsãtze, p. 503; Walter Leisner, "Der Eigentümer als Organ der Wirt-
schaftsverfassung", DÔV28 (1975), p. 74.
256. Cf. Josef lsensee, "Verfassung ohne soziale Grundrechte'', p. 380.
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 511
to. 260 Direitos individuais podem ter peso maior que razões político-
financeiras. Nesse sentido, na decisão sobre o auxílio-moradia para os
beneficiários da assistência social o Tribunal Constitucional Federal
ampliou - com impacto financeiro - o círculo daqueles que teriam
direito a essa prestação, com o objetivo de eliminar um tratamento
desigual;261 e em uma decisão sobre a duração da prisão preventiva o
tribunal obrigou o Estado a criar os meios necessários para evitar uma
prisão preventiva desproporcionalmente longa. 262 Todos os direitos
fundamentais da Constituição alemã restringem a competência do le-
gislador,263 e muitas vezes eles o fazem de forma incômoda para o
próprio legislador; às vezes até mesmo sua competência orçamentária
é atingida pelos direitos fundamentais, como direitos com claros efei-
tos financeiros.
A extensão do exercício dos direitos fundamentais sociais aumen-
ta em crises econômicas. Mas é exatamente nesses momentos que po-
de haver pouco a ser distribuído. Parece plausível a objeção de que a
existência de direitos fundamentais sociais definitivos - ainda que mí-
nimos - tomaria impossível a necessária flexibilidade em tempos de
crise e poderia transformar uma crise econômica em uma crise cons-
titucional. 264 Contra essa objeção é necessário observar, em primeiro
lugar, que nem tudo aquilo que em um determinado momento é con-
siderado como direitos sociais é exigível pelos direitos fundamentais
sociais mínimos; em segundo lugar, que, de acordo com o modelo aqui
proposto, os necessários sopesamentos podem conduzir, em circuns-
tãncias distintas, a direitos definitivos distintos; e, em terceiro lugar,
que é exatamente nos tempos de crise que a proteção constitucional,
ainda que mínima, de posições sociais parece ser imprescindível.
Também contra o modelo aqui proposto pode ser levantada a
objeção de uma justiciabilidade deficiente. Essa objeção deve ser re-
271. Cf. Josef lsensee, "Verfassung ohne soziale Grundrechte", pp. 382-383;
Hans H. Rupp, "Vom Wandel der Grundrechte", p. 177.
272. Cf. Capítulo 6, 11.2.2.
273. BVerjGE 43, 291 (315).
274. Idem.
275.Jdem.
276. BVerjGE 43, 291 (314); 33, 303 (333).
277. BVerjGE 33, 303 (334).
516 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
5. Sob uma Constituição que, como a alemã em seu art. 79, § 32 , protege algu-
mas normas contra emendas constitucionais, algumas diferenCiações adicionais são
necessárias. O sistema jurídico não tem apenas conteúdos necessários e iinpossíveis
em relação ao conteúdo atualmente vigente da Constituição, mas também conteúdos
necessários e impossíveis em relação à própria vigência da Constituição.
NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA JUIÚDICO 523
20. Aquilo que se perde em estrutura por meio da tripla abstração fica claro
quando se contrapõe a fórmula estrutural do dever-ser da liberdade de expressão
- ou seja, OM - à fórmula do direito a partir do qual se abstraiu - ou seja, Ras (-i
embaraça s (Ha)).
21. BVerfGE7, 198 (205).
22. BVerfGE 30, 173 (188).
23. BVerfGE 42, 64 (73).
24. BVerfGE 42, 64 (74).
25. Neste ponto, o conceito de nível de abstração diz respeito aos três aspectos
da abstração. Em relação ao objeto do direito, é possível ainda distinguir entre graus
de abstração. Assim, o dever-ser da liberdade tem um maior grau de abstração que
o dever-ser da liberdade de expressão. Mas ambos apresentam o mesmo nível de
abstração.
528 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
30. Günter Dürig, "Das Eigentum ais Menschenrecht'', ZGesStW 109 (1953),
pp. 339 e ss.; do mesmo autor, "Grundrechte und Zivilrechtsprechung", in Theodor
Maunz (Org.), Festschriftfür Hans Nawiasky, München: lsar, 1956, pp. 157 e ss.; do
mesmo autor, "Art. l", in Grundgesetz: Kommentar, §§ 127 e ss., e "Art. 2", idem,
§§ 56 e ss.; e "Zum 'Lüth-Urteil' des Bundesverfassungsgerichts vom 15.1.1958",
DÔV 11 (1958), pp. 194 e ss.
31. Cf. BVerjGE 7, 198 (203 e ss.); 52, 131 (166); e jurisprudência reiterada.
32. BVerjGE 7, 198 (206).
33. Cf. BVerjGE 34, 269 (279 e ss.).
34. BVerjGE 7, 198 (205).
35. Cf. Ludwig Enneccerus/Hans C. Nipperdey, Allgemeiner Teil des Bürgerli-
chen Rechts, 15' ed., tomo 1, Tübingen: Mohr, 1959, pp. 91 e ss.; Hans C. Nipperdey,
"Freie Entfaltung der Persõnlichkeit", pp. 747 e ss.; do mesmo autor, "Grundrechte
und Privatrecht", in Hans C. Nipperdey (Org.), Festschriftfor E. Molitor. München:
Beck, 1962, pp. 17 e ss. Cf. também Walter Leisner, Grundrechte und Privatrecht,
München: Beck. 1960, pp. 356 e ss.
530 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
36. Cf., por exemplo, BAGE 1, 185 (181 e ss.); 4, 274 (276 e ss.).
37. Hans C. Nipperdey, "Grnndrechte und Privatrecht". p. 24.
38. Idem.
39. Idem.
40. Idem. p. 26.
41. Idem, p. 24.
42. Cf. Capítulo 9, 11.2.2.
43. Cf. Jürgen Schwabe, Die sogenannte Drittwirkung der Grundrechte, pp.
16 e ss., 149 e 154 e ss.; do mesmo autor, Probleme der Grundrechtsdogmatik, pp.
213 e ss.
NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO 531
44. Cf. Jürgen Schwabe, Die sogenannte Drittwirkung der Grundrechte, pp.
141 e ss.
45. Cf. Capítulo 9, 11.2.2.
46. Cf., a esse respeito, Hans H. Rupp, "Vom Wandel der Grnndrechte", AoR
101 (1976), p. 170.
47. Cf., a esse respeito, BVerfGE 14, 263 (278); 38, 132 (140).
48. A equivalência em relação aos resultados das diferentes cons.truções sobre
os efeitos dos direitos fundamentais perante terceiros já foi salientada diversas vezes:
cf., por exemplo, Franz Gamillscheg, "Die Grnndrechte im Arbeitsrecht'.'; PP· '.'°4 e
419; Franz Bydlinski, "Bemerkungen über Grundrechte und Pnva~~cht , OZOR 12
(1962/63), p. 441; Fridel Eckhold-Schmidt, Legitimation durch Begrundung, pp. 71 e
ss. Segundo Christian Starck ("Die Grnndrechte des Grnndgesetzes", J".S 21 (1981),
p. 243), é "ainda necessário analisar em detalhes" se a construção de Dung conduz a
resultados diferentes daquela de Nawiasky.
532 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
66. Sobre o sentido amplo que esse conceito tem nesse contexto, cf. Capítulo
9, 1.4.
538 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
67. Cf., por todos, Hans C. Nipperdey, "Grundrechte und Privatrecht", p. 27.
68. BVerjGE 25, 256 (263).
69. Cf. Capítulo 4, 11.1.2.2: ~RahG t-7 PbaG.
70. Cf. Capítulo 4, 11.1.2.2: RahG t-7 Oba~G.
540 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
71. Cf. Hans H. Klein, "Õffentliche nnd private Freiheit", Der Staat 10 (1971),
p. 149.
72. Walter Leisner, Grundrechte und Privatrecht, p. 378.
73. Cf. Günter Dürig, "Grnndrechte und Zivilrechtsprechung", pp. 158 e ss.
NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO 541
74. Cf. Jürgen Schwabe, Die sogenannte Drittwirkung der Grundrechte, pp.
140 e ss.
75. Cf., a respeito, Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp.
305, 307 e ss., 334 e ss.
76. Sobre a exigência de uma fundamentação especial, cf. Christian Starck,
"Die Grundrechte des Grundgesetzes'', p. 245.
542 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
J. Direitos fundamentais
e a natureza do sistema jurídico
A irradiação das normas de direitos fundamentais a todos os ra-
mos do direito, um de cujos aspectos mais problemáticos - os efeitos
perante terceiros ou efeitos horizontais - acabou de ser analisado, tem
amplas conseqüências na natureza do sistema jurídico. Três dessas
conseqüências têm significado especial.
A primeira é a limitação dos possíveis conteúdos do direito ordi-
nário. Embora a constituição, enquanto constituição mista material-
procedimental, não determine todo o conteúdo do direito ordinário, os
direitos fundamentais excluem alguns conteúdos como constitucional-
mente impossíveis e exigem alguns conteúdos como constitucio-
nalmente necessários. Isso vale para todos os procedimentos de criação
do direito existentes no sistema jurídico, isto é, também para a compe-
tência privada para estabelecer obrigações jurídicas por meio de con-
tratos, necessária do ponto de vista dos direitos fundamentais. Assim,
em virtude da vigência das normas de direitos fundamentais, o sistema
jurídico tem a natureza de um sistema jurídico substancialmente de-
terminado por meio da Constituição.
A segunda conseqüência decorre do tipo de determinação subs-
tancial. A determinação substancial seria algo não-problemático se
sempre fosse claro aquilo que é devido em razão das normas de direi-
tos fundamentais. Mas esse não é o caso. A razão para tanto não resi-
de apenas na abertura semântica e estrutural das disposições de direitos
fundamentais, mas sobretudo na natureza principiológica das normas
de direitos fundamentais. Essa natureza principiológica implica a ne-
cessidade de sopesamentos. Embora o processo de sopesamento seja,
como já foi demonstrado,78 um processo racional, ele não é um pro-
cesso que sempre leva a uma única solução para cada caso concreto.
Decidir qual solução será considerada como correta após o sopesamen-
to é algo que depende de valorações que não são controláveis pelo
próprio processo de sopesar. Nesse sentido, o sopesamento é um pro-
79. Cf. Ralf Dreier, Recht- Moral -ldeologie, p. 124; Martin Kriele, Recht und
praktische Vernunft, p. 124.
80. Cf. John Rawls, A Theory of Justice, pp. 302-303.
81. BVerfGE 3, 225 (233). Cf. também Gerhard Robbers, Gerechtigkeit ais
Rechtsprinzip, Baden-Baden: Nomos, 1980.
NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO 545
O que aqui interessa é apenas saber quais são, para esses problemas,
as conseqüências de uma visão especificamente ligada aos direitos
fundamentais.
O ponto de partida é a idéia de que os direitos fundamentais, en'
quanto direitos individuais em face do legislador, são posições que,
por definição, fundamentam deveres do legislador e restringem suas
competências. O simples fato de um tribunal constitucional agir no
âmbito da legislação quando constata, por razões ligadas aos direitos
fundamentais, um não-cumprimento de um dever ou uma violação de
competência por parte do legislador não justifica uma objeção de uma
transferência inconstitucional das competências do legislador para o
tribunal. Se a Constituição confere ao indivíduo direitos contra o legis-
lador e prevê um tribunal constitucional (também) para garantir esses
direitos, então, a atividade do tribunal constitucional no âmbito da le-
gislação que seja necessária à garantia desses direitos não é uma usur-
pação inconstitucional de competências legislativas, mas algo que não
apenas é permitido, mas também exigido pela Constituição.
Isso signifiça que não está em discussão se o tribunal constitucio-
nal tem competências de controle no âmbito da legislação, mas apenas
qual é a sua extensão. Neste ponto, é imprescindível distinguir três ní-
veis de argumentação: o da argumentação material; o da funcional ou
relativa a competências; e o da metodológica ou epistemológica.
Está-se no nível material quando o Tribunal Constitucional Fede'
ral, na mencionada decisão sobre co-gestão, faz com que a "prerroga~
tiva do legislador para fazer estimativas" e, com isso, a competência
de controle do tribunal dependam, dentre outros, "da importância dos
bens jurídicos em jogo". 85 Isso significa que o peso dos princípios ma'
teriais relevantes é fator que desempenha um papel na determinação
da medida da competência de controle nos casos concretos ou em de,
terminados grupos de casos.
Trata-se de argumentos do nível funcional ou relativo a competên-
cias quando são aduzidas razões para a atribuição de competências
decisórias que se baseiem em características, reais ou supostas, dos to-
madores de decisão, como, por exemplo, em uma legitimação demo-
crática mais intensa por parte do legislador parlamentar, em sua maior
86. Carl Schmitt, "Das Reichsgericht als Hüter der Verfassung", in Carl Schmitt,
Verfassungsrechtliche Aufsãtze, p. 81.
87. Cf. Ronald Dworkin, "Hard cases", in Ronald Dworkin, Taking Rights Seri-
ously, pp. 81 e ss.
88. Cf. Hans P. Schneider, "Verfassungsgerichtsbarkeit und Gewaltenteilung",
p. 2.104; Gunnar F. Schuppert, Funktionell-rechtliche Grenzen der Verjassungsge-
richtsbarkeit, pp. 38 e ss.; Gerhard Zimmer, Funktion - Kompetenz - Legitimation,
Berlin: Duncker & Humblot, 1979, pp. 68 e ss.
548 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
3. Argumentação e decisão
O tema da certeza na fundamentação no âmbito dos direitos fun-
damentais expressa apenas um aspecto do problema geral da existên-
cia de critérios e regras que permitam, no âmbito da Ciência do Direi-
to, diferenciar fundamentações jurídicas certas e erradas. Enfrentar
essa questão é tarefa da teoria da argumentação jurídica. Já me posi-
cionei sobre isso, com mais profundidade, em outros trabalhos. 89 Aqui
interessam apenas os problemas específicos da argumentação no âm-
bito dos direitos fundamentais.
92. Cf., a esse respeito, Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation,
pp. 53 e ss.
93. Cf. Robert Alexy, "Die Idee einer prozeduralen Theorie der juristischen
Argumentation", pp. 178 e ss.; do mesmo autor, "Juristische Argumentation und
praktische Vemunft", Jahrbuch der Akademie der Wissenschaften in GOttingen, 1982,
pp. 29-30.
94. Cf. RobertAlexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp. 221 e ss.; Jür-
gen Habermas, Diskursethik-Notizen zu einem Begründungsprogramm, pp. 53 e ss.
550 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
95. Cf. Robert Alexy, "Die Idee einer prozeduralen Theorie der juristischen
Argumentation", pp. 185 e ss.
96. Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, p. 234. Sobre isso,
cf. Marteen Henket, "Towards a Code of Practical Reason?", ARSP, Beiheft 25
(1985), pp. 36 e ss.
97. A esse argumento a favor da institucionalização de um ordenamento jurídi:-
co, baseado nos limites da cognição prática, soma-se o argumento da coação. Esse
argumento baseia-se no fato de que a concordância de todos os participantes do dis-
curso acerca de uma regra não tem como conseqüência necessária sua obediência.
Uma combinação do argumento da cognição com o da coação, no âmbito de uma
fundamentação da necessidade de uma ordem jurídica institucionalizada, pode ser
encontrada em Immanuel Kant, Metaphysik der Sitten, p. 312.
NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO 551
98. Cf. Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp. 289 e ss.
99. Idem, pp. 251-252.
100. Cf. Robert Alexy, "Teleologische Auslegung und Gesetzesbindung", Spra-
che und Recht-Loccumer Protokolle 31 (1980), pp. 143 e ss.
101. Cf., por todos, Hans Huber, "Über die Konkretisierung der Grundrechte",
in Der Staat ald Aufgabe, pp. 192 e ss.; Emst-Wolfgang Bõckenfõrde, "Die.Methoden
der Verfassungsinterpretation". NJW29 (1976), pp. 2.090-2.091.
102. Huber defende a concepção segundo a qual, nesse âmbito, "a interpretação
jurídica tradicional está fora de lugar e fracassa" (Hans Huber, "Über die Konkre-
NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO 553
tisierung der Grundrechte", p. 195). Se com isso se quer di_zer qu: a interpretação
semântica e a interpretação genética, enquanto cânones clássicos, nao desempenham
nenhum papel na argumentação no âmbito dos d~eitos fund_am~ntais, então, essa
tese é equivocada. Contudo, o próprio Huber restnnge a radicahd~de de sua tes::
"no máximo, é possível apenas preparar o terreno para a verdadeira compreensao
dos direitos fundamentais". Com isso, no entanto, concedeu-se ao menos um certo
papel aos cânones clássicos. O mesmo vale para Bõckenfôrde, que, embora saliente a
"insuficiência das regras clássicas de interpre~ção", conserva. s~u ~~pel a~ pre~ender
introduzir a teoria constitucional que ele considera como dec1s1va na aphcaçao d~s
regras clássico-hermenêuticas de interpretação" (Emst-Wolfgang Bõckenfõrde, "D1e
Methoden der Verfassungsinterpretation", p. 2.091).
103. Sobre as possibilidades e limites da interpretação semântica, cf. Hans-
Joachim Koch/Helmut RüBmann, Juristische Begründungslehre, pp. 126 e ss.
104. BVerjGE 51, 97 (106-107).
105. BVerjGE 7, 377 (400 e ss.). .
106. Cf. Robert Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, p. 305; MartJ.n
Kriele, Recht und praktische Vernunft, pp. 79 e ss.
554 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
3.2.2 Precedentes
A segunda parte da base da argumentação no âmbito dos direitos
fundamentais é formada pelos precedentes. As palavras de Smend
expressam sua importância: "na prática, a Constituição vale, atualmen-
te, tal como interpretada pelo Tribunal Constitucional Federal"."º Essa
importância corresponde à auto-avaliação do tribunal como "intérpre-
te principal e guardião da Constituição". m Nos detalhes, contudo, há
112. Cf., por todos, Michael Sachs, Die Bindung des Bundesver[assungsge~
richts an seine Entscheidungen, München: Vahlen, 1977; Norbert W1scherma~n,
Rechtskraft und Bindungswirkung verfassungsgerichtlicher Entscheidungen, Berhn:
Duncker & Humblot, 1979; RüdigerZuck, "Die Selbstbindung des Bundesvetfassun~s
gerichts", NJW28 (1975), pp. 907 e ss.; Hermann Maassen, "Probleme der Selbstbm-
dung des Bundesverfassungsgerichts", NJW28 (1975), pp. 1.343 e ss.; Klaus Vogel,
"Rechtskraft und Gesetzeskraft", in Christian Starck (Org.), Bundesverjassungs-
gericht und Grundgesetz, v. !, Tübingen: Mohr, 1976, pp. 568 e ss.; Klaus Lange,
"Rechtskraft, Bindungswirkung und Gesetzeskraft der Entsche1dungen des Bundes-
verfassungsgerichts", JuS 18 (1978), pp. 1 e ss.
113. BVerfGE 4, 31 (39); 20, 56 (86-87). Além disso, o.Tribun~l Constitucional
Federal mantém elástica sua vinculação mesmo quando ele Já dec1d1u antenonnente
sobre uma determinada norma, como demonstram suas decisões sobre novas repre-
sentações nos termos do art. 100, § i', 1, da Constituição alemã. Cf. BVerfGE 33, 199
(203-204); 39, 169 (181-182).
114. BVerjGE 4, 31 (38); 20, 56 (87).
115. Em sentido contrário, cf. Hans J. Wolff/Oto Bachoff, Verwaltungsrecht, I,
p. 127; em sentido favorável, e coro referências adicionais, cf. Klaus Lange, "Rechts-
kraft Bindungswirkung und Gesetzeskraft", p. 8.
'116. Cf. BVerjGE 33, 199 (203-204); cf. também Klaus Lange. "Rechtskraft,
Bindungswirkung und Gesetzeskraft", p. 8.
556 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.17. Cf., por exemplo, Martin Kriele, Theorie der Rechtsgewinnung pp 299 e
ss.; Michael Sachs, Die Bindung des Bundesverfassungsgerichts an sein; En~schei
dungen, p. 139.
118. Cf. R_obert.Alexy, The?rie der juristischen Argumentation, p. 339.
119. Martin Krie.le, Theone der Rechtsgewinnung, pp. 258 e ss.; do mesmo
auhtor, Recht und p;aktzsche Vernunft, pp. 96 e ss.; Robert Alexy, Theorie der juristi-
sc en Argumentation, pp. 335 e ss.
. 12?. Cf. Robei:t Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, pp. 274 e 335-
336, Ne!l MacConruck, Legal Reasoning and Legal Theory, pp. 73 e ss.
121. BVerfGE 35, 202 (237).
NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO 557
126. Cf. Martin Kriele, Theorie der Rechtsgewinnung, pp. 275 e ss.; Neil Mac-
Cormick, Legal Reasoning and Legal Theory, pp. 219 e ss.
127. A força vinculante das decisões do Tribunal Constitucional Federal não
significa, portanto, uma "canonização de enunciados do Tribunal Constitucional Fe-
deral"; cf., nesse ponto, Klaus Schlaich, "Verfassungsgerichtsbarkeit im Gefüge der
Staatsfunk.tionen", p. 138.
128. Cf. Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts, § 299.
NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO 559
e ss.). Por fim, uma classificação quádrupla pode ser baseada na distinção, feita por
Klein, entre as "quatro dimensões do conceito jurídico-constitucional de liberdade": o
conceito de "liberdade em face do Estado", o de "autodeterminação política", o de
"participação social" e o de "pretensão à proteção estatal contra o poder social" (cf.
Hans H. Klein, Grundrechte im demokratischen Staat, p. 48).
137. Cf. Hans H. Klein, Die Grundrechte im demokratischen Staat, p. 64. Cf.
também Ernst Forsthoff, "Zur heutigen Situation einer Verfassungslehre'', in Hans
Barion et ai. (Orgs.), Epirrhosis, Festgabe fiir Carl Schmitt, p. 195; Carl Schmitt,
Verfassungslehre, p. 164.
138. O princípio da igualdade jurídica não será considerado nesse contexto.
139. Herbert Krüger, "Der Wesensgehalt der Grundrechte i. S. des Art. 19
GG", DÔV 8 (1955), p. 45. Cf. também Wolfgang Abendroth, Das Grundgesetz, 7'
ed., Pfullingen: Neske, 1978, p. 76; Helmut Ridder, "Meinungsfreiheit", in Franz L.
Neumann/Hans C. Nipperdey/Ulrich Scheuner (Orgs.), Die Grundrechte, v. 2, Berlin:
Duncker & Humblot, 1954, pp. 249 e ss. e 266.
140. Smend pode ser considerado o principal autor das teorias democráticas e de
outras teorias não-liberais ou ao menos não exclusivamente liberais. Cf., por exem-
NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO 563
1 R d lf Smend "Bürger und Bourgeois im deutschen Staat srecht" ' I·n StaatsrechtM
hc~e :b~andlunge~, 2' ed., Berlin: Duncker & Humblot, 1968, pp. 318 e ss.
41 Walter Krebs, Vorbehalt des Gesetzes und Grund~ec~t~; p. 78.
Verfassu~gspnnz1p Rech;~theorie
.
;42. Cf. Eberhard Grabitz, "Freiheit als • }{},
(1977), p: 10. Cf. também Peter Hãberle, "Grundrechte im Le1stungsstaat • WDSt
30 (1972). pp. 99 e 109.
143. Cf. Capítulo 3, 111.1.
564 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
deve ser feito para sua criação e asseguração. O que se sabe é apenas
que se deve conferir um peso signif}~~tivo.às finalidad~s su?ra-i?,~~~
viduais, ou, nos termos de H!iberle, a totalidade supra-mdiv1dual ,
quando da interpretação das disposições de direitos fundament_ais, o
que é a expressão de uma tese axiológica fundamental .ª respeito ~a
relação entre bens individuais e coletivos. Também a pnmerra condi-
ção pode ser, sem grandes problemas, interp.rei_ada a partir da perspec-
tiva de uma teoria axiológica. O fato de os drreilos fundamentais deve-
rem ser efetiva e continuamente invocados pelo maior número possível
.1 . 150 d
de pessoas é algo que aponta para elementos socia -estatais e emo-
1 2
cráticos 151 da teoria, uma tendência mais tarde seguida por Hliberle. '
A tese de que o conteúdo normativo da teoria institucional dos direitos
fundamentais deve ser interpretado a partir de uma teoria axiológica
encontra diversas outras confirmações. Em vez de "idéias de direitos
fundamentais" 153 e "imagens guias", 154 a serem realizadas pelo legis-
lador, é possível falar também em valores ou princípios. Exatamente
nesse sentido, Hãberle faz com freqüência menção a valores e deci-
sões sobre valores. 155 Por fim, é necessário mencionar que o sopesa-
mento, que é a característica identificadora mais certa de uma teoria
de valores ou de princípios - assumida ou disfarçada -, desempenha
156
um papel central na "teoria institucional" de Hliberle.
Diante do exposto, é possível afirmar que o conteúdo normativo
da teoria institucional dos direitos fundamentais consiste em uma teo-
ria dos princípios ou dos valores. É característico do conteúdo dessa
teoria dos princípios que todos os princípios nela relevantes desempe-
nham um papel, mas que o princípio liberal tem um peso relativamen-
te pequeno e que aos princípios que se refiram a interesses coletivos
é atribuído um peso relativamente grande.
nese que faz com que seja necessária uma teoria material dos direitos
fundamentais. Mas, se isso é assim, então, não se pode esperar que
apenas do texto e de sua gênese seja possível derivar uma teoria que
elimine essa abertura. Ao contrário, para sua fundamentação são ne-
cessárias premissas que não são derivadas de forma inequívoc~ do
texto e de sua gênese. Uma pista acerca da natureza dessas premissas
é dada pela caracterização que Bõckenfürde faz das teorias de direitos
fundamentais como "expressão de determinadas concepções de Esta-
do e de idéias fundamentais acerca da relação entre os indivíduos e a
comunidade estatal" .162 Isso permite identificar que toda teoria dos
direitos fundamentais, na medida em que não é passível de fundamen-
tação inequívoca a partir do material dotado de autoridade preexisten-
te, tem que se basear em uma teoria do Estado e da sociedad~, o que
dá ensejo a uma objeção de circularidade diante das tentatJ.vas de
fundamentação baseadas apenas no texto ou em elementos imanentes
à Constituição: 163 o teórico retira do texto a teoria que, segundo sua
própria teoria, deve ser extraída do texto. Bõckenfürde enfrenta essa
objeção afirmando que caracteriza sua teoria como uma hipótese de
interpretação, "que está submetida a uma estrita confirmaçã? dos
enunciados (normativos), dos pressupostos, do contexto de surgimen-
to etc. da Constituição concreta" e sobre a qual tem que ser criado um
"consenso argumentativo" .164 Isoladamente considerada, essa resposta
é aceitável; mas, com base no que foi dito acima sobre a abertura do
texto e de sua gênese, é de se duvidar se o material de confirmação
mencionado por Bõckenfürde - se é que ele já não foi interpretado à
luz da teoria que se quer confirmar, o que levaria de novo a uma cir-
cularidade - confirmaria apenas uma teoria puramente liberal, ou seja,
não rejeitaria unicamente essa teoria.
Àquele que, nessa situação, não deseja adentrar diretamente o ter-
reno movediço de uma filosofia do Estado e da sociedade, resta ape-
nas a busca por mais material dotado de autoridade. Em razão da
força vinculante de seus precedentes, um material desse tipo pode ser
sos no âmbito dos direito fundamentais não é algo viável. Isso fornece
razões para que não se espere muito, de antemão, de uma teoria ma-
terial dos direitos fundamentais. Não se pode exigir dela mais que a
estruturação, no maior grau de racionalidade possível, da argumenta-
ção de forma substancialmente aceitável. Esses requisitos são satisfei-
tos por uma teoria dos princípios que contenha um conjunto de prin-
cípios de direitos fundamentais e que os organize em uma ordem
flexível a partir de precedências primafacie a favor dos princípios da
liberdade jurídica e da igualdade jurídica.
187. Com relação ao fato de o discurso no âmbito dos direitos fundamentais não
ser apenas uma questão de jurisdição constitucional e de ciência do direito constitu-
cional, cf. Peter Hãberle, "Die offene Gesellschaft der Verfassungsinterpreten", JZ
30 (1975), pp. 279 e ss.
574 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
[ - INSUFICIÊNCIA E DEMASIA
. II - MOLDURA E FUNDAMENTO
A alternativa entre Estado judiciário e Estado legislativo é um
confronto entre dnas espécies de repartição de competências. Bõcken-
fõrde associa essa dicotomia - situada no nível das competências - a
uma alternativa que se refere à estrutura e ao conteúdo das normas
constitucionais e, nesse sentido, da constituição como um complexo
normativo. Trata-se da contraposição entre ordem-moldura e ordem-
fnndamento. A alternativa entre moldura e fnndamento tem um papel
central na polêmica em torno da teoria dos princípios. Isso já é per-
ceptível pelo fato de o conceito de moldura se ter transformado em
uma bandeira comum para os adversários da idéia de otimização, ad-
versários, esses, que, individualmente considerados, têm posições bas-
12. Ernst Forsthoff, Der Staat der Industriegesellschaft, 2ª ed., München: Beck,
1971. p. 144.
13. Ernst-Wolfgang Bõckenfõrde, "Grundrechte ais Grundsatznormen", p. 197.
14. Idem. p. 190.
15. Idem, p. 196.
16. Idem, pp. 198 e ss.
POSFÁCIO (2002) 579
tante distintas entre si. Nesse ponto, à teoria dos princípios é atribuído
0 conceito oposto, isto é, o conceito de ordem-fnndamento. Segundo
Bõckenfõrde, uma constituição é uma "ordem jurídica fnndamental de
toda a comunidade" quando "todos os princípios jurídicos e possibili-
dades de harmonização para a conformação do ordenamento jurídico
já estão in nuce contidos na própria constituição" .17 Isso equivale ao
genoma jurídico de Forsthoff e espelha, de forma rudime~t~, ~as pre-
cisa, o inimigo comum de todos os defensores da constltmçao como
moldura.
A partir dessa base, a teoria dos princípios é uma vítima fácil. Se
ela necessariamente conduz a uma constituição na qual a totalidade da
ordem jurídica já está contida, então, a teoria dos princípios condena
o legislador - sob o controle do Judiciário - a apenas declarar aquilo
que já foi decidido pela constituição. A "liberdade de conformação
política do legislador" seria, assim, eliminada totalmente, por meio de
uma "pressão otimizadora jurídico-constitucional", 18 o que seria in-
compatível com os princípios do parlamentarismo democrático e da
separação de poderes. Esses princípios exigem que o Legislativo, le-
gitimado democraticamente, tenha uma participação significativa -
quantitativa e qualitativamente - na configuração da ordem jurídica.
Diante disso, o que se deve indagar é se a teoria dos princípios
leva, de fato e necessariamente, a uma ordem-fnndamento no sentido
dado por Bõckenfõrde, uma ordem que exclui toda e qualquer liber-
dade do legislador. A resposta a essa questão depende dos conceitos
de moldura e de fnndamento. No tópico seguinte será analisado o con-
ceito de moldura.
1. O conceito de ordem-moldura
O conceito de moldura tem que ser distinguido dos critérios para
a determinação de seu conteúdo. Para a determinação do conteúdo de
ordem-moldura são propostos diversos critérios. Três exemplos serão
examinados. O primeiro é o de Bõckenfõrde. Para Bõckenfõrde, a mol-
dura surge por meio do abandono das novas dimensões dos direitos
2, O conceito de ordem-fundamento
Antes de abordar o problema da compatibilidade entre a idéia de
moldura e a de otimização, é necessário esclarecer o segundo concei-
to do arsenal dos adversários da teoria dos princípios: o conceito de
ordem-fundamento. Esse conceito pode ser compreendido de forma
quantitativa ou de forma qualitativa. Em um sentido quantitativo, uma
constituição é uma ordem-fundamento se ela nada faculta, ou seja, se
para tudo ela tem ou um dever, ou uma proibição. Esse é o genoma
584 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
descrito por Forsthoff, que teria uma decisão até mesmo para os ter-
mômetros para febre. Esse conceito quantitativo de ordem-fundamen-
to é um verdadeiro conceito contraposto ao conceito de ordem-mol-
dura.27 É impossível que uma constituição seja, ao mesmo tempo, uma
ordem-fundamento em sentido quantitativo e uma ordem-moldura. Mas
o caso do conceito de ordem-fundamento em sentido qualitativo é
bem diferente. Uma constituição é uma ordem-fundamento em senti-
do qualitativo ou substancial se por meio dela são decididas questões
que sejam fundamentais para a comunidade. Esse conceito de ordem-
fundamento é compatível com o conceito de ordem-moldura. Uma
constituição pode decidir questões fundamentais, e, nesse sentido, ser
uma ordem-fundamento, e, mesmo assim, deixar muitas questões em
aberto, e, nesse sentido, ser uma ordem-moldura. De acordo com ateo-
ria dos princípios, uma boa constituição deve conciliar as duas coisas.
Ela tem que ser tanto uma ordem-fundamento quanto uma ordem-mol-
dura. Isso é possível se ela, em primeiro lugar, obriga e proíbe algu-
mas coisas, ou seja, se ela estabelece uma moldura; em segundo, fa-
culta outras coisas, ou seja, aceita discricionariedades; e, em terceiro,
se por meio de seus deveres e proibições forem decididas aquelas ques-
tões fundamentais para a comunidade, que podem e devem ser deci-
didas por uma constituição. A questão é saber se esse postulado pode
ser satisfeito quando se pressupõe que os direitos fundamentais têm a
estrutura de princípios.
efeito irradiador por todo o sistema jurídico, então, fica claro que a
objeção à idéia de ponto máximo nada mais é que uma variante espe-
cial, aplicada à otimização, da crítica baseada na idéia de genoma
jurídico, feita por Forsthoff.
Saber se a objeção do ponto máximo é procedente é algo que
depende do que se entende por "otimização" na teoria dos princípios.
Esse conceito decorre da própria definição de princípios. Princípios
são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Uma
das teses centrais da "Teoria dos Direitos Fundamentais" é a de que
essa definição implica a máxima da proporcionalidade, com suas três
máximas parciais - as máximas da adequação, da necessidade e da
proporcionalidade em sentido estrito -, e que a recíproca também é
válida, ou seja, que da máxima da proporcionalidade decorre logica-
mente o caráter principiológico dos direitos fundamentais. 38 Essa
equivalência significa que as três máximas parciais da máxima da
proporcionalidade definem aquilo que deve ser compreendido por .
"otimização" na teoria dos princípios. A questão acerca da incompati-
bilidade da otimização com a idéia de constituição como moldura é,
portanto, equivalente à questão acerca dessa incompatibilidade em
relação à máxima da proporcionalidade. Para responder a essa per-
gunta, é necessário antes um breve exame das máximas da adequação
e da necessidade.
artigo satírico em que estava inserida. Nele, várias pessoas têm algu-
ma característica associada ao adjetivo "riato", de uma forma "clara-
mente não-séria, por meio de jogos de palavras que às vezes beiravam
a tolice". O então Presidente da República, Richard von Weizsacker,
é chamado, por exemplo, de "burguês nato". 54 Esse contexto impede
que se considere a alcunha uma "violação inadmissível, intensa e
ilegal do direito de personalidade"." Diante disso, a afetação ao direi-
to de personalidade é avaliada, no máximo, como sendo de intensida-
de moderada, talvez até mesmo leve. A isso corresponde uma impor-
tância média, talvez apenas pequena, em proteger a personalidade do
oficial da reserva por meio de uma indenização em dinheiro. Essas
classificações encerram a primeira parte da decisão. Para justificar a
condenação à indenização em dinheiro - uma intervenção séria no
direito fundamental à liberdade de expressão - seria necessário que a
afetação do direito de personalidade - a ser compensada mediante a
indenização - fosse igualmente séria. Mas na avaliação do Tribunal
Constitucional Federal não era esse o caso. Então, a intervenção na
liberdade de expressão havia sido desproporcional, o que significa
que a utilização da alcunha "assassino nato" para designar o oficial da
reserva não poderia ser sancionada por meio de uma indenização em
dinheiro.
Diferente é o caso da alcunha "aleijado", que fere o oficial tetra-
plégico "seriamente em seu direito de personalidade". 56 Portanto, é de
grande importância a proteção do oficial da reserva por meio de uma
indenização em dinheiro. Isso é fundamentado por meio do fato de
que chamar de "aleijado" um portador de deficiência física grave é,
hoje em dia, em ge~al "visto como uma humilhação" e expressão de
um "desrespeito". A séria intervenção na liberdade de expressão é,
então, contraposta a grande importância da proteção do direito de per-
sonalidade. Nessa situação, o Tribunal Constitucional Federal chega à
conclusão de que não é possível identificar "nenhuma ponderação
equivocada contra a liberdade de expressão do pensamento". 57 Assim,
a reclamação constitucional da revista Titanic foi considerada justifi-
'!
600 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Nesses casos, vale (Pj PP,) C. A esses seis casos, que podem ser
de•~Id.ldt)S ern razão do escalonamento triádico, sornam-se três casos
de impasse:
(7) IP,C: l!WPjC: l
(8) IP,C: m!WPjC: m
(9) IP,C: s!WPjC: s
Os três casos de impasse no sopesarnento levam a urna discricio-
nariedade estrutural para sopesar. Para demonstrar isso, o modelo
triádico tem que ser analisado urn pouco mais.
Os três níveis do modelo triádico constituem urna escala que
procura sistematizar as classificações que são encontradas tanto na
prática cotidiana quanto na argumentação jurídica. Urn escalonamen-
to triplo está longe de urna metrificação das intensidades de interven-
ção e dos graus de importância por rneio de urna escala cardinal corno,
por exemplo, urna escala de O a 1. E isso tern que ser assim, porque as
intensidades de intervenção e os graus de importância não são passí-
veis de serem rnetrificados corno auxílio de urna escala desse tipo. 63
Corn certa freqüência a simples classificação corno leve, mediano ou
sério já cria problemas. Às vezes consegue-se, corn certo esforço,
distinguir entre leve e sério, e ern alguns casos até rnesrno isso parece
ser impossível. Por isso, escalonamentos jurídicos só são possíveis
corn limiares relativamente rudimentares, e isso nern rnesrno ern todos
os casos. Por conseguinte, ficam excluídas rnetrificações calculáveis
corn o auxílio de urn continuum de pontos entre O e 1. O que é, no
entanto, possível é urna ilustração numérica da estrutura que subjaz ao
modelo triádico. A partir desse pano de fundo, é possível estabelecer
urna fórmula que expresse o peso de urn princípio sob as circunstân-
cias de urn determinado caso, ou seja, que expresse o seu peso con-
creto. Ela tern o seguinte conteúdo:
IPC
,,,
GP.C=-'-
WPjC
64. A fórmula do peso contém apenas grandezas concretas. Nesse sentido, ela
representa uma situação na qual apenas esse tipo de grandeza importa. Como já foi
mencionado, isso é ~assim sempre que os pesos abstratos são iguais. Se os pesos
abstratos forem distintos, então, eles devem ser acrescentados a essa fórmula. Para
tanto, pode-se simbolizar o peso abstrato de P1 por "GP,.A" e o peso abstrato de Pi, por
"GPiA". Nesse caso, a fórmula do peso passa a ter a seguinte redação:
IP;C· GP;A
GP;JC:::::: - - - - -
WP;C · GP;A
Essa fórmula faz com que fique claro por que os pesos abstratos são supérfluos
quando são iguais: eles podem ser cancelados mutuamente. Por isso, a fórmula sem
os pesos abstratos não é uma fórmula distinta daquela com esses pesos; ela é a mesma
fórmula após a realização desse cancelamento.
Uma questão interessante é saber se é possível introduzir um efeito cumulativo
na fórmula do peso. Essa é uma questão que surge, por exemplo, quando se pode
recorrer a mais de um princípio em favor de uma intervenção em determinado direitó
fundamental. Seria, então, possível pensar na seguinte extensão da fórmula do peso:
IP;C· GP;A
GP1_,,C =------------
WP1C · GP;A + ... WP"C · GP"A
65. Seria também possível pensar em representar a escala em três níveis por
meio de três pontos em uma escala de O a 1. Uma possibilidade mais óbvia seria
dividir essa escalar em três partes e escolher, para l, me s, exatamente o valor central
de cada uma dessas partes. Assim, l teria o valor 1/6, m, o valor 1/2, e s, o valor 5/6.
Como as distâncias entre l e m, de um lado, e m e s, de outro, seriam iguais, isso
criaria uma seqüência aritmética. Mas, na definição de um quociente, esses valores
conduziriam a distorções inadmissíveis. Nos casos em que uma intervenção justifi-
cada em P_, isso até despertaria uma impressão plausível. A cadeia de valores seria:
lis = li5, llm = 113, mis = 3i5. O fato de o valor de lim- apesar da igual distância, de
um lado, entre l e m, e, de outro lado, entre m e s - ser menor do que o valor de mis,
poderia ser interpretado como a expressão de que princípios são mais resistentes nos
casos de intervenções moderadas do que nos casos de intervenções leves, ou seja,
com o aumento da intensidade da intervenção eles ganhariam força. Mas o mesmo
teria que ocorrer do lado oposto, nos casos em que P1 vence. No entanto, a cadeia de
valores nesse caso é: sim = 513, mil= 3, si!= 5. Nesses termos, P1 tem um peso con-
creto menor (513) no caso de uma intervenção séria diante de uma importância apenas
mediana do princípio colidente do que no caso de uma intervenção mediana diante
de uma importância pequena do princípio que com ele colide (3). Isso contradiz a
intuição segundo a qual princípios ganhariam força com o aumento da intensidade da
intervenção. Em seqüências aritméticas, essas distorções podem ser evitadas somente
os quocientes forem substituídos por diferenças. Com a seqüência 1/6, 112 e 516,
seriam obtidas os seguintes valores diferenciais, nos casos de superação de P 1: l!m
= -113, mls = -1/3, l/s = -2/3. No caso de uma vitória de P1, obter-se-ia a seguinte
cadeia: sim = 113, mil= 113, sil = 2i3. E nos casos de um impasse (1/1, mim, sis). a
diferença é sempre O. Essa forma de exposição tem a vantagem da simplicidade. Sua
desvantagem é que ela não expressa, ao contrário do que ocorre com a uma seqüên-
cia geométrica, como a adotada no texto, que princípios sempre ganham força com
o aumento da intensidade da intervenção. Agradeço aqui a Virgílio Afonso da Silva,
Matthias Klatt e Hennann Kõnig suas interessantes observações acerca dos proble-
mas na atribuição de números a l, me s.
606 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
76. Cf., a esse respeito, Nils Jansen, "Die Abwãgung von Grundrechten", Der
Staat 36 (1997). pp. 29 e ss.
POSFÁCIO (2002) 6II
te. Mas há poucos indícios de que uma tal estrutura de fato exista. Aqui
vale - como vale em geral no âmbito prático - a observação de Aris-
tóteles segundo a qual nós não podemos "buscar a mesma exatidão em
relação a todo e qualquer objeto, mas, em cada caso, apenas aquilo que
é compatível com o material dado". 77 Os direitos fundamentais não são
um objeto passível de ser dividido de uma forma tão refinada que ex-
clua impasses estruturais - ou seja, impasses reais no sopesamento -,
de forma a tomá-los praticamente sem importância. Nesse caso, então,
de fato existe uma discricionariedade para sopesar, uma discricionarie-
dade estrutural tanto do Legislativo quanto do Judiciário. 78
Mas por trás dessa constatação há um problema latente. Como é
possível diferenciar, nos sopesamentos, entre os impasses que decor-
rem da estrutura normativa dos direitos fundamentais e os impasses
que somente surgem porque as possibilidades cognitivas são limita-
das? Apenas os primeiros fundamentam uma discricionariedade estru-
tural. Os últimos podem ser, quando muito, objeto de uma discricio-
nariedade epistêmica. A simples possibilidade de questionar acerca da
distinção entre impasses estruturais e epistêmicos - e a ausência de
critérios facilmente disponíveis para responder a essa questão - indica
que a distinção entre as discricionariedades estrutural e epistêmica
pode ser algo difícil. Mas essa dificuldade não significa que a distin-
ção não exista. E, se ela existe, então, surge a pergunta acerca da ad-
missibilidade de discricionariedades epistêmicas. Em sua essência,
isso é algo que diz respeito aos princípios formais.
IV - PRINCÍPIOS FORMAIS
A relação entre princípios materiais e princípios formais é uma das
questões mais polêmicas da teoria dos princípios. A preparação para
uma resposta a algumas objeções de alguns críticos exige, em primeiro
lugar, que se deixe clara a posição da teoria dos princípios. Essa posi-
ção pode ser resumida na tese segundo a qual o problema da discricio-
nariedade epistêmica ou cognitiva deve ser solucionado por meio de
sopesamentos entre princípios formais e princípios materiais.79
1. A discricionariedade epistêmica
como resultado de sopesamentos
A questão acerca da existência de uma discricionariedade epistê-
mica surge quando é incerta a coguição daquilo que é obrigatório,
proibido ou facultado em virtude dos direitos fundamentais. A insegu-
rança pode ter suas causas na insegurança das premissas empíricas ou
normativas. Insegurança empírica pode se tornar um problema em qual-
quer fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais. Ela tem um
papel especial nos exames da adequação e da necessidade. A decisão
sobre produtos derivados de cannabis oferece um exemplo. Saber se o
legislador pode proibir produtos derivados de cannabis é algo que
depende essencialmente de se saber se a intervenção na liberdade cons-
titucionalmente protegida, resultado dessa proibição, é adequada e ne-
cessária para diminuir os riscos associados a essa droga. Se a proibi-
ção penal não for adequada ou não for necessária para tanto, ela seria
definitivamente proibida pela perspectiva do direito fundamental.
Seria possível pensar, então, que o Tribunal Constitucional Federal só
poderia adruitir afotervenção no direito fundamental se a veracidade
das suposições empíricas - das quais a adequação e a necessidade
dependem - fosse sólida. Mas o Tribunal procede de outra forma. Ele
não constata a veracidade das premissas empíricas pressupostas pelo
legislador, mas apenas a sua incerteza: "Não estão presentes conheci-
mentos fundados cientificamente que decidam indubitavelmente em
favor de um ou de outro caminho".'º
Mesmo assim ele admite a intervenção no direito fundamental.
Isso ocorre por meio do reconhecimento ao legislador de uma discri-
cionariedade em relação à cognição dos fatos relevantes - ou seja,
uma discricionariedade epistêmica de tipo empírico - e da inclusão,
nessa discricionariedade cognitiva, das suposições empíricas que fun-
damentam a proibição de produtos derivados de cannabis.
Já uma discricionariedade epistêmica de tipo normativo, ou uma
discricionariedade epistêmica normativa, está relacionada à incerteza
acerca da melhor quantificação dos direitos fundamentais em jogo e
ao reconhecimento em favor do legislador de uma área no interior da
qual ele pode tomar decisões com base em suas próprias valorações.
87. Marius Raabe (Grundrechte und Erkenntnis, p. 228) fala, com precisão, de
uma "exigência de caráter epistêmico no âmbito dos direitos fundamentais". Seria
possível também utilizar o conceito de otimização epistêmica.
88. Cf. Capítulo 9, 11.3. Cf. também Capítulo 6, 1.3.2.
89. Cf. Capítulo 3. Il.3.1.
616 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
90. Cf. Capítulo 9, 1.5. Cf. também Robert Alexy. "Basic rights and democracy
in Jürgen Habermas's procedural paradigm of the law", Ratio Juris 7 (1994), pp. 227
e ss.
91. BVerfGE 50. 290 (332).
92. Cf. BVerfGE 56, 54 (81).
POSFÁCIO (2002) 617
95. Idem.
POSFÁCIO (2002) 619
Mas tudo isso pressupõe que faça sentido e seja procedente falar
em graus de segurança ou certeza e graus de insegurança e incerteza
das premissas empíricas do legislador. Com essa indagação surge o
problema do uso de escalas também na parte epistêmica da lei do
sopesamento.
Na decisão sobre co-gestão o Tribunal Constitucional Federal
procurou diferenciar três níveis de intensidade de controle: um "con-
trole intensificado de conteúdo", um "controle de plausibilidade" e
um "controle por evidência". 96 Isso constitui um modelo triádico que
apresenta grandes semelhanças formais com o modelo triádico mate-
rial apresentado anteriormente, e que pode ser incorporado à fórmula
do peso sem grandes problemas. 97 Esse modelo compartilha a grande
plausibilidade intuitiva do escalonamento material em três níveis.
Assim, dificilmente se pode duvidar de que no caso de uma intervenção
de intensidade alta deve ser exigida uma grande certeza das premissas
empíricas que a sustentam. A isso corresponde o "controle intensificado
de conteúdo", que o Tribunal Constitucional Federal realiza, por exem-
plo, no caso da pena de prisão perpétua. 98 Se tanto a intensidade da
intervenção quanto o grau de importância alcançam o nível mais alto,
então, uma certeza apenas mediana do lado do princípio colidente nun-
ca será suficiente para justificar uma perda certa do lado do objeto da
intervenção. Está-se diante de uma certeza média quando as premissas
são plausíveis ou defensáveis. Quando, na decisão sobre cannabis, o
2. A discricionariedade epistêmica
e a vinculação à constituição
Se uma decisão pode ser tomada porque ela é abrangida por uma
discricionariedade epistêmica, então, não se pode excluir a eventuali-
dade de que essa decisão, embora possível, seja incorreta. As análises
empíricas até então não realizadas ou os argumentos até então não
levados em consideração podem tomar claro esse equívoco. Portanto,
uma discricionariedade epistêmica está necessariamente associada ao
problema da divergência entre aquilo que é de fato obrigado, proibido
e facultado pelos direitos fundamentais e aquilo que por meio deles
pode ser demonstrado como sendo obrigatório, proibido ou faculta-
do.102 Com essa divergência entre aquilo que é, ou seja, o ôntico, e
aquilo que pode ser constatado, ou seja, o epistêmico, a discriciona-
riedade cognitiva parece conduzir a violações a direitos fundamentais
não-constatáveis. À competência do legislador para, por meio de lei e
em virtude de uma discricionariedade epistêmica, proibir algo que não
pode ser proibido em razão dos direitos fundamentais parece corres-
ponder não apenas a não-competência do Tribunal Constitucional
para invalidar a proibição inconstitucional, mas também uma proibi-
ção constitucional para fazê-lo. Isso suscita a possibilidade de proibi-
ções de direitos fundamentais infensas a controles. A fundamentação
de uma discricionariedade epistêmica com o auxílio de princípios for-
mais parece conduzir inafastavelmente a uma divergência entre nor-
mas de ação - ou seja, normas que dizem o que é proibido, obrigatório
e facultado ao legislador - e normas de controle - ou seja, normas nos
termos das quais o Tribunal Constitucional controla o legislador. 103
A principal objeção aos princípios formais dirige-se contra essa
divergência. Ela sustenta que a discricionariedade epistêmica criada
pelos princípios formais é inconciliável com a vinculação do legisla-
dor aos direitos fundamentais, exigida pelo art. 1•, § 3°, da Constitui-
ção alemã, 104 e, de resto, com a vinculação do Legislativo à Constituição,
102. A esse respeito, cf. Marius Raabe, Grundrechte und Erkenntnis, pp. 147 e ss.
103. Cf. Matthias Jestaedt, Grundrechtsentfaltung im Gesetz, p. 259.
104. Amo Scherzberg, Grundrechtsschutz und "Eingrifjsintensitat", pp. 175-
176, e Martin Gellermann, Grundrechte in einfachgesetzlichem Gewande, Tübingen:
Mohr, 2000, p. 71.
624 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
exigida pelo art. 20, § 3°. 105 A hierarquia jurídica seria relativizada por
essa divergência. 106 A "espinha dorsal do ordenamento jurídico" seria
submetida a um "processo de osteomalacia normativa". 107 Em resu-
mo: tudo seria tragado por um turbilhão incontrolável.
Para enfrentar essas objeções, é recomendável distinguir duas in-
dagações. A primeira refere-se ao quanto de divergência os princípios
formais criam. E a segunda, se essa divergência é, de fato, uma diver-
gência real. A primeira indagação será analisada antes. Princípios for-
mais teriam uma força máxima para a criação de divergências se, em
primeiro lugar, eles fossem capazes de afastar direitos fundamentais
e, em segundo lugar, se eles pudessem fazê-lo por completo. Scherz-
berg chega perto dessa idéia quando alega que o princípio formal da
competência decisória do legislador criaria uma situação na qual "se
abriria uma exceção à estrutura normativa fundamental que se postu-
la" para os princípios em favor do próprio legislador. A natureza prin-
cipiológica dos direitos fundamentais - "sua natureza de mandamentos
de otimização" - seria transformada, "ela mesma em 'princípio"'. 108
Scherzberg parece, com isso, querer dizer que, no caso de uma colisão,
os princípios forrnaís não apenas superariam os princípios materiais,
como também lhes retirariam seu caráter de mandamento de otimiza-
ção. Com isso, não restaria praticamente nada na esfera material.
Esse ponto de vista ignora que o princípio formal da competência
decisória do legislador, considerado em si mesmo, não é suficiente
para superar um princípio material de direito fundamental. Se isso não
fosse assim, então, não seria impossível afirmar algo como: "A inter-
venção no direito fundamental é muito intensa, e não há a menor razão
substancial que a justifique. Mesmo assim, ela é admissível, porque o
legislador democraticamente legitimado tem um campo decisório mais
amplo se ele puder decidir acerca dessa intervenção". Se é sabido que
uma intervenção muito intensa em um direito fundamental não é jus-
tificada por nenhuma razão substancial, então, nos termos da fórmula
do peso, essa intervenção viola claramente o direito fundamental. Se
generalizado, o enunciado mencionado anteriormente desembocaria