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Rede Globo de Televisão

Central Globo de Produção Cap. 1


RECICLÁVEL
Favor deixar nas caixas coletoras
caixascoletocccoletorascocoletoras 06/09/2004
Como Uma Onda
VERSÃO GUIMARÃES 2-
VALE ESTA
Novela de
WALTHER NEGRÃO
Escrita por
Jackie Vellego
Renato Modesto
Walther Negrão

Personagens deste capítulo

ALMERINDA
DANIEL CASCAES
LAVÍNIA
NINA
LENITA
SINÉSIO
AMARANTE/FLORIANO
MARILÉIA
PAI DE ALMERINDA
GIGI
IDALINA
PEDROCA
QUEBRA-QUEIXO
QUERUBIM
JULIA
CONRADO
ENCARNAÇÃO
FRANKLIN
JJ
ROSÁRIO
RUBICO/BARTÔ
Açores Capítulo 1 Pag.: 1

RECEPCIONISTA/GUIA/CAPANGAS
CENA 01. PORTUGAL. GUIMARÃES. EXTERIOR. DIA.
CAMERA/EDIÇÃO: PG DE OCEANO, DERIVANDO LENTAMENTE PARA O
CONTINENTE, REVELANDO A COSTA PORTUGUESA.
ATENÇÃO SONOPLASTIA: SOBRE AS IMAGENS, TEMA MUSICAL
PORTUGUÊS. AOS POUCOS, A MÚSICA VAI CAINDO PARA BG. ENTRA BELA
VOZ DE GUIA PORTUGUÊS.
GUIA PORT. — (OFF) Uma antiga lenda conta que um príncipe de olhos
verdes e uma princesa de olhos azuis choraram muito por não
poder se casar. De seus lamentos, veio a música que embala as
paixões arrebatadas e os amores mais intensos. De suas lágrimas,
nasceram as águas azuis e os campos verdes de Portugal...
CORTA:
CENA 02. GUIMARÃES. CASTELO DE GUIMARÃES. EXTERIOR. DIA
PP DE TURISTAS, INCLUINDO OS PAIVA ( SINÉSIO, MARILÉIA, NINA E LENITA)
QUE ACOMPANHAM O GUIA VESTIDO A CARÁTER: FIGURINO PORTUGUÊS
MEDIEVAL. VÁRIOS OUTROS TURISTAS ACOMPANHAM SEUS GUIAS.
GUIA PORT. — (CONT.) ... E o que não fez a Natureza com sua mão
generosa, fizeram os homens, com sua religiosidade e sua
capacidade de produzir belezas que se eternizam. Assim é nossa
cidade medieval de Guimarães, verdadeiro berço da nação
portuguesa, nascida no século X, com a construção do convento
dúplice onde hoje encontra-se a a igreja da Oliveira, que já
conhecemos.
CAMERA: DETALHA A FAMÍLIA PAIVA. NINA COM CADERNO DE ESBOÇOS.
GUIA — O Castelo de Guimarães, originalmente um convento,
também data do século X, quando o local chamava-se ainda
Vimaranes. Mas ataques de mouros e normandos obrigaram à
necessidade de transformá-lo numa fortaleza, para a defesa dos
cristãos. Talvez porisso, apesar de tratar-se de um castelo,
perceba-se por cá uma atmosfera de desapego aos mundanismos,
que conduz a um estado ... puramente espiritual.
ALGUNS PASSOS E O GRUPO PASSA POR UMA MOITA OU DESVÃO DO
JARDIM, SEGUINDO EM FRENTE.
CAMERA: FICA ALI, CONTORNA A MOITA OU DESVÃO, REVELANDO:
Açores Capítulo 1 Pag.: 2

CENA 03. GUIMARÃES. CASTELO. EXTERIOR. DIA.


CAMERA: FECHA EM DANIEL CASCAES E ALMERINDA NUM BAITA BEIJO.
UM INSTANTE ALMERINDA SE AFASTA, OLHAR ANSIOSO.
DANIEL — (EMBALADO) Se tu me botas nas nuvens e depois páras
desse jeito, eu despenco do céu, Almerinda! (AVANÇA)
ALMERINDA — (AFLITA) Não brinques, Daniel. Não vim aqui para beijos,
vim avisar-te que meu pai botou atrás de ti seus capangas.
Lembras que ele prometeu que te daria um corretivo?
DANIEL — E lá me interessam as promessas de teu pai? Prefiro as tuas,
que são mais doces (NOVO ATAQUE)
ALMERINDA — (SÉRIA) Pára com isso, homem! Não levas nada a sério?
DANIEL — Decerto que sim. Sempre beijo-te com muita seriedade.
(ATACA)
ALMERINDA — (OLHANDO AO REDOR) Eles podem ter me seguido. Estás
correndo perigo, meu amor.
DANIEL — Isso descobri na primeira vez em que provei tua boca: tornei-
me um homem com a vida por um fio.
DANIEL A BEIJA NOVAMENTE, ELA SE ENTREGA.
CORTA PARA:
CENA 04. GUIMARÃES. CASTELO. EXTERIOR. DIA
ENTRADA DO CASTELO. CHEGA UM GRUPO DE SEIS HOMENS MAL
ENCARADOS, LIDERADOS PELO PAI DE ALMERINDA. SEM ÁUDIO, O PAI
INDICA DIREÇÕES. OS ASSECLAS SE DIVIDEM EM TRÊS GRUPOS.
SEGUEM À PROCURA DE DANIEL. CORTA:
CENA 05. GUIMARÃES. OUTRO PONTO DO CASTELO. EXTERIOR. DIA
GRUPO DE TURISTAS ANDA PELA FORTALEZA. DOIS ASSECLAS PASSAM
PELO GRUPO, TENTANDO NÃO CHAMAR ATENÇÃO. CAM. FICA UM
INSTANTE COM O GRUPO, IDENTIFICANDO UM POUCO MAIS OS PAIVA: NINA
TIRA FOTOS, MARILÉIA INDICA ALGO PARA SINÉSIO E LENITA. CORTA:
CENA 06. GUIMARÃES. OUTRO PONTO DO CASTELO. INTERIOR. DIA.
DANIEL COM ALMERINDA, ENTRANDO NO CASTELO E INDO PARA LOCAL
ESCONDIDO. TURISTAS SEMPRE POR ALI.
ALMERINDA — (APREENSIVA, TRISTE) Não sei se devemos seguir com
Açores Capítulo 1 Pag.: 3

isto, Daniel. Não quero colocar-te em mais apuros.


DANIEL — (ROMANTICO) Já temos tão pouco para nós, Almerinda ...
Por que ficas a falar de teu pai o tempo todo?
ALMERINDA — Porque é sempre ele que está entre nós.
DANIEL — Pois então, vamos nos livrar de vez do velho Almirante.
ALMERINDA — E de que modo?
DANIEL — (INTENSO) Do modo mais romântico: foge comigo. Vamos
embora pras ilhas.
ALMERINDA — Estás louco? O pai nos encontra onde quer que vamos. Jamais
vai concordar que eu me case com o filho de um “desertor”.
DANIEL — (IMITA ALMIRANTE) Traidor da pátria, que desonrou as
insígnias recusando-se a combater na guerra nas colonias ... (T)
Meu pai era um libertário, minha menina! Jamais concordaria
com uma luta contra o direito de liberdade de qualquer homem
ou povo!
ALMERINDA — Eu sei, concordo com ele e contigo. Mas vá-se explicar isso a
um militar como meu pai, que sempre fez da farda sua razão de
viver!
DANIEL — Pois então não explicamos nada. (PEGA MÃO DELA)
Vamo-nos daqui e que fique lá o Almirante a namorar sua
farda ... enquanto eu cá namoro-lhe a filha!
DANIEL ABRAÇA ALMERINDA. PV DELE: DOIS CAPANGAS O VÊEM E VÃO EM
SUA DIREÇÃO.
DANIEL — Ôps! Encrenca. E das boas!
ALMERINDA OLHA, SE ASSUSTA. DANIEL PEGA MÃO DELA E VIRA EM
OUTRA DIREÇÃO. PV DELE: MAIS DOIS CAPANGAS VINDO.
DANIEL — (APONTA) Dois pra lá, dois pra cá. E sequer é um bolero!
ALMERINDA — (AFLITA) Foge, Daniel!
DANIEL INDECISO UM SEGUNDO. DEPOIS SOLTA A MÃO DELA E SE VIRA
PARA FUGIR. PÁRA E GIRA NO EIXO:
DANIEL — Um pouco mais de combustível!
ELE DÁ UM ÚLTIMO BEIJO CORRIDO NELA E SE MANDA. ALMERINDA O
Açores Capítulo 1 Pag.: 4

OLHA AFASTAR-SE, POUSA A MÃO NO PEITO, MURMURA:


ALMERINDA — (TRISTE) E agora, o que faço, meu Deus?
PV DELA DE LONGE: NA CORRIDA, DANIEL GRITA, COMO EM RESPOSTA:
DANIEL — Desmaia, Almerinda! Desmaia!!!
ELA FICA UM SEGUNDO SEM ENTENDER E DEPOIS SACA: QUANDO OS
CAPANGAS ESTÃO PERTO, ELA DESABA NO CHÃO, SIMULANDO DESMAIO.
ELES PARAM PARA SOCORRÊ-LA. PV DELA: DANIEL, NA CORRIDA, MANDA
UM BEIJO E SAI. DOIS CAPANGAS ATRÁS DELE.
CENA 07. GUIMARÃES. CASTELO. INTERIOR. DIA.
CLIP DA FUGA DE DANIEL, ESTILO CAPA-E-ESPADA, COM MUITA ESPERTEZA
E DEBOCHE, EM DIFERENTES LOCAIS DO CASTELO. O GRUPO TURISTAS SAI.
GUIA CONTINUA INFORMANDO, SEM AUDIO.
1) Daniel atrás de uma pilastra. Grupo de turistas passa atrás dele. Capangas de olho. Ele
bota a cara pra fora, dá com capangas e corre. Turistas atentos, principalmente Lenita.
2) Cozinha. Um capanga entra correndo. É barrado ao dar de cara com pesada tampa de
panela. Cai estatelado. Daniel corre, dando encontrão com turistas que passam.
3) Salão do castelo. Turistas ali. Capangas próximos. Daniel pega uma vassoura ou algo
que sirva de espada e, esgrimindo com ela, mantem os capangas longe. No melhor estilo
Zorro, com malabarismos e acrobacias. Turistas, animadíssimos, aplaudem. Daniel corre.
4) Jardins do castelo. Nina, separada do grupo, focando sua máquina pra bater uma foto de
um ponto qualquer. Na corrida, Daniel dá encontrão com ela.
CAMERA: Detalha máquina estatelando no chão, o compartimento do filme abrindo.
Nina se abaixa para pegar, Daniel também. As mãos deles se encontram, eles erguem os
olhos, ficam ambos em suspenso por um segundo.
AUDIO: REGISTRA O CLIMA ROMANTICO.
Tempo, e Daniel olha para trás, recolhe o que sobrou da máquina, entrega a Nina e se
manda correndo. O grupo já se aproxima, para deixar o castelo. Nina ali, olhando Daniel
fugir, intrigada e interessada na figura dele.
CAMERA: A expressão de Nina.
5) Fuga de Daniel pelas ruas. Capangas atrás. CORTA PARA:

CENA 08. GUIMARÃES. MOSTEIRO DE TIBÃES. IGREJA. EXT. DIA.


DANIEL SE ESGUEIRA, ATÉ QUE PÁRA, AFLITO E EXAUSTO. PV DE DANIEL:
Açores Capítulo 1 Pag.: 5

DOIS ASSECLAS VÊM ANDANDO EM SUA DIREÇÃO. AINDA NÃO O VIRAM.


NERVOSO, DANIEL OLHA PARA O OUTRO LADO. PV DE DANIEL: O GRUPO DE
TURISTAS VEM VINDO. GUIA (COM ROUPA MEDIEVAL) GESTICULA, SEM
ÁUDIO. DANIEL SE ESCONDE NUM DESVÃO. OS TURISTAS SE APROXIMAM.
GUIA PORT. — O mosteiro de São Martinho de Tibães destaca-se pelo papel
que desempenhou na arte portuguesa dos séculos XVII e XVIII.
Cá trabalharam mestres entalhadores, douradores, arquitetos,
escultores, cuja produção .../
BRAÇOS DE DANIEL APARECEM DO DESVÃO E PUXAM O GUIA PARA TRÁS,
CORTANDO SUA FALA. O GUIA DESAPARECE. REAÇÃO SURPRESA DOS
TURISTAS. UM INSTANTE E DANIEL SAI DO DESVÃO, COM O CHAPÉU E
ALGUMA OUTRA PEÇA DO FIGURINO DO GUIA. ESTRANHAMENTO DE
TODOS.
DANIEL — (FINGE DE GUIA) Como eu estava a dizer, aqui em
Guimarães tudo é emocionante e muito bonito/...
DOIS ASSECLAS CHEGAM À ALTURA DO GRUPO. DANIEL REGISTRA.
DANIEL — (CONT. COM MEDO) ...A começar pelas mulheres. Pena
que também sejam um bocadinho perigosas...
CAMERA: DETALHA LENITA, ATRAÍDA PELA BELEZA DE DANIEL. ASSECLAS
OBSERVAM DANIEL, CURIOSOS E MAL-ENCARADOS.
DANIEL — (APRESSA PASSO) Os senhores já estão cansados de ver
tantos santos e ouro, pois não? Que tal um breve repouso numa
cafetaria logo mais? Temos cá um vinho que é de se beber de
joelhos...
SEGUE APRESSADO. TURISTAS ACOMPANHAM. CAMERA FECHA NOS PAIVA.
SINÉSIO — (CONFUSO) Por que trocamos de guia?
MARILÉA — Sei lá, Sinésio. Deve ser algum costume português.
CAMERA: DERIVA PROS DOIS ASSECLAS, AINDA DESCONFIADOS, OLHANDO
O GRUPO SEGUIR. TOCA O CELULAR DE UM DELES, QUE ATENDE.
CENA 08A. GUIMARÃES. CASTELO. EXTERIOR. DIA.
PAI DE ALMERINDA REBOCANDO-A À FORÇA, FALA AO CELULAR
PAI — Que é que estão a fazer aí plantados, seus cabeças de bagre?
Podem ir embora que já encontrei a menina. Mais tarde
Açores Capítulo 1 Pag.: 6

acertamos as contas com Daniel Cascaes.


E SEGUE, PUXANDO ALMERINDA. OS ASSECLAS ACOMPANHAM. CORTA:
CENA 09. GUIMARÃES. MOSTEIRO DE TIBÃES. IGREJA. INTERIOR. DIA.
CAMERA: ABRE DIRETO EM LENITA E CORRIGE PARA GERAL: DANIEL COM
GRUPO DE TURISTAS, ONDE ESTÃO OS PAIVA. MARILÉIA CARREGADA DE
SACOLAS.
DANIEL — ... graças ao apoio real, o Mosteiro de Tibães transformou-se
num dos mais ricos e poderosos mosteiros de Portugal. Mas no
século XX conheceria a ruína e o abandono. (SEGUE
FALANDO SEM ÁUDIO)
CAMERA: FECHA EM MARILÉIA QUE SEGURA LENITA.
MARILÉIA — Tou achando essa conversa de parede de pedra e anjinho
dourado um porre, Lenita. Eu vi uma lojinha ali na entrada.../
LENITA — (DE OLHO EM DANIEL) Outra loja, mãe? Vai precisar de
uma cabine só para esse monte de sacolas!
MARILÉIA — (ARRASTA-A ) Mas é cada santinho de porcelana mais
lindo, filha!
LENITA VAI A CONTRAGOSTO, ESPICHANDO O OLHO PARA VER DANIEL.
CAMERA: VOLTA PARA DANIEL COM O GRUPO.
DANIEL — ... Esta Igreja é um dos mais grandiosos templos do país e um
dos marcos da arte barroca portuguesa, com sua ornamentação
exuberante.
NINA — (CORTA, LIGADA) Não é bem assim. As primeiras obras
obedeciam à corrente maneirista, desprezavam a simetria.
DANIEL — Desculpe lá, senhorita: a obra é toda ela de um barroco
incontestável.

NINA — (FIRME) Mas não a partir das primeiras restaurações.

DANIEL — (SEM PERDER HUMOR) Então, desculpem-me os senhores.


Vosso guia aqui é uma besta genuína e a senhorita ali é que está
com a razão. Não estava cá o estilo barroco na reconstrução do
mosteiro.
NINA SORRI, VITORIOSA.
Açores Capítulo 1 Pag.: 7

DANIEL — Havia fugido pra o Brasil numa caravela de Cabral, para


fixar-se nas igrejas de lá.
NINA — (REAGE BRONQUEADA)
NINA ESCAPA NA DIREÇÃO DE MARILÉIA E LENITA. DANIEL FALANDO, SEM
AUDIO. CORTA:
CENA 10. SANTA CATARINA. VILA DOS PESCADORES. EXTERIOR DIA.
CAMERA/EDIÇÃO: CLIP RÁPIDO DOS CRIATÓRIOS DE OSTRAS E DA BELA
PAISAGEM À BEIRA MAR.
LEGENDA: “SANTA CATARINA, BRASIL”.
CORTA: PP DE OSTREIROS TRABALHANDO NOS BERÇOS DE MOLUSCOS,
ENTRE ELES ESTÁ AMARANTE.
CAMERA: DERIVA E IDENTIFICA LANCHA DE J. J. SE APROXIMANDO. VOLTA
PRA AMARANTE QUE OBSERVA A LANCHA, CISMADO. FECHA NA LANCHA, E
CORTA:
CENA 11. LANCHA DE JJ. PERTO DOS CRIADOUROS. EXTERIOR. DIA.
APRESENTAÇÃO DE JJ E CONRADO. JJ PILOTA EM BAIXA VELOCIDADE.
JJ — (IRRITADO) Ostras! Mariscos! (T) Essa droga dessa
extração de moluscos está atravancando o crescimento da região,
Conrado. (INDICA CRIADORES) Só esses infelizes não
percebem. E por que? Me diga: por que?!
CONRADO — Por que não têm dinheiro para investir em outra coisa?
JJ — Porque eles pensam pequeno! (OLHA AO REDOR,
AMBICIOSO, VISIONÁRIO) É bem aqui que vou me instalar!
CONRADO — Essa gente não abandona os criatórios tão fácil, JJ.
JJ — Dessa parte cuido eu. Logo isso tudo vai cair fora!
CAMERA/EDIÇÃO: DETALHA AMARANTE NO CRIATÓRIO.
AMARANTE — (COMO SE ADIVINHASSE, DÁ SOLENE BANANA)
CONRADO — (PAUSA) Vai comprar uma briga feia...
JJ — Vou comprar é esse pessoal todo. Um por um! Cada homem
tem um preço, aprenda isso. E escreva: em menos de um ano a
minha empresa estará explorando essa maravilha de natureza que
Deus botou aqui. (“BRINCA”) Bela parceria, han? Deus e Jorge
Açores Capítulo 1 Pag.: 8

Junqueira! Ele cria e JJ explora! Uma sociedade perfeita!


JJ FALA E ACELERA TUDO QUE DER. A LANCHA ARRANCA NA DIREÇÃO DO
BARQUINHO-OSTREIRO (QUASE UMA CAIXA DE FÓSFOROS NO MAR)
PILOTADO POR LAVÍNIA. PASSA POR ELA, SEGUE PRA LONGE. CORTA:
CENA 12. MAR. CRIATÓRIO DE AMARANTE. EXTERIOR. DIA.
PP DO PEQUENO BARCO: APRESENTAÇÃO DE LAVÍNIA. ELA MOVE O
BARQUINHO EM PÉ, COM UM VARÃO QUE TOCA O FUNDO D’ÁGUA. MOSTRA
HABILIDADE E VEM SEGURA, SORRINDO, O VENTO LEVANTANDO SUA SAIA,
AGITANDO OS CABELOS. LINDA, ALTIVA, SENSUAL, FORTE, RECORTADA
CONTRA O AZUL DO CÉU. UM TEMPO AÍ E ELA ACENA, SORRINDO.
CAMERA: FECHA EM LAVÍNIA QUE ENCOSTA O BARCO NO CRIATÓRIO.
AMARANTE PULA PARA O BARCO DELA. ABRAÇAM-SE.
AMARANTE — (NO ABRAÇO) Que é que veio fazer aqui? Desse jeito eu
não trabalho, Lavínia...!
LAVÍNIA — Vim buscar ostra, que a freguesia do bar não tem paciência de
esperar. (T) E te trazer água fresca.
LAVÍNIA PEGA UMA BILHA D’ÁGUA NO BARCO E DERRAMA ÁGUA NA BOCA
DELE, NUM GESTO SENSUAL. ELE BEBE, FELIZ. DEPOIS ELA SE ENCOSTA A
ELE E DERRAMA ÁGUA SOBRE OS DOIS. ENCHARCADOS E FELIZES OS DOIS
SE BEIJAM APAIXONADAMENTE.
CENA 13. EMPRESA SINÉSIO. PIER E ESTEIRA DE PEIXES. EXTERIOR. DIA.
APRESENTAÇÃO DO CENÁRIO. JJ SEGUE POR ENTRE FUNCIONÁRIOS QUE
RETIRAM PEIXES GRANDES DAS ESTEIRAS, SEGUIDO POR CONRADO.
JJ — Tenho uma missão importantíssima pra você, Conrado. (T)
Daqueles ostreiros todos, quem é o “papa-ostra” mais destacado?
CONRADO — Ele ouvem muito a opinião do tal de Amarante.
JJ — Então é para ele que você vai levar um recado meu. (T) Se é
pra começar o ataque, que seja pelo cacique da tribo. (T) Vamos
dar o primeiro grande passo sobre a areia daquela aldeia deles!
CORTA DIRETAÇO:
CENA 14. VILA DOS PESCADORES. EXTERIOR. ENTARDECER.
APRESENTAÇÃO DA LOCAÇÃO: VILA TÍPICA AÇORIANA DE PESCADORES
EM SANTA CATARINA - RIBEIRÃO DA ILHA OU EQUIVALENTE. TAKES AO
Açores Capítulo 1 Pag.: 9

ENTARDECER MOSTRAM A PRAIA, BARCOS VIRADOS SOBRE A AREIA, CASAS


DOS PESCADORES, ETC. BELAS IMAGENS DO SOL SE PONDO. CORTA:
CENA 15. VILA DOS PESCADORES. BEIRA-MAR. EXTERIOR. ENTARDECER.
BARCO COM PEDROCA, FLORIANO E ROSÁRIO CHEGA DA PESCA. ROSÁRIO
DESLIGA O MOTOR, FLORIANO JOGA O POITÃO. PEDROCA SALTA COM
BALAIO DE PESCADO E SE AFASTA, COM ÁGUA ACIMA DOS JOELHOS.
PEDROCA — Floriano, avisa tua mãe: vou levar esse pescado no bar da
Lavínia!
FLORIANO — Tá bom. Mas não demora no boteco que a mãe vira uma onça!
PEDROCA — (INDO) Não mete a foice em roça alheia, menino!!
FLORIANO — (ALTO) Ô, sêo Pedroca... Toma jeito!
ROSÁRIO ABAIXA PRA PEGAR CESTO DE PEIXES. FICA INADVERTIDAMENTE
NUMA POSIÇÃO SENSUAL, COM O BUMBUM NA DIREÇÃO DE FLORIANO. ELE
NÃO AGÜENTA, AVANÇA E A ABRAÇA POR TRÁS. ELA SE VIRA, ABRAÇA.
ROSÁRIO — (DENGOSA) Depois é o sêo Pedroca que não toma jeito, né?
FLORIANO — Quedê meu beijo, Rosário?
ROSÁRIO — (SAFADINHA) Vem buscar, vem!
ELA ESCAPA RINDO. PULA DO BARCO E NADA PRA PRAIA, MOLHANDO A
POUCA ROUPA. FLORIANO PULA ATRÁS, TENTA ALCANÇÁ-LA. ROSÁRIO
CHEGA NA AREIA E CORRE. FLORIANO A ALCANÇA E ATRACA. ROLAM NO
QUEBRA MAR, SENSUAIS. BEIJAM-SE. ELE SOBE A MÃO PELA COXA DELA.
FLORIANO — Saudade que eu tava desse teu beijo quente!!
ROSÁRIO — (SEGURA A MÃO) Opa... Devagar com o andor, Floriano!
FLORIANO — Que foi, minha peixinha? É só carinho.
ROSÁRIO — (FINGE QUE CONCORDA) Então tá, vou te dar todo
carinho desse mundo...
ELE FICA FELIZ, AVANÇA DE NOVO.
ROSÁRIO — (SE SOLTA) Mas só depois que a gente casar!

ELA SAI CORRENDO, RINDO. ELE DÁ MURRO NA AREIA, FRUSTRADO. CORTA:


CENA 16. BAR DE LAVÍNIA. SALÃO. EXTERIOR. ENTARDECER.
APRESENTAÇÃO DO CENÁRIO. JÚLIA SERVINDO AS MESAS, PESCADORES E
Açores Capítulo 1 Pag.: 10

TURISTAS POR ALI. PEDROCA CHEGA COM BALAIO DE PEIXES.


PEDROCA — Ô, Julia.
JÚLIA — Oi, seu Pedroca. O pai inda não chegou.
PEDROCA — ... Sua mãe?
JÚLIA — Com esse movimento... Na lida. (APONTA COZINHA)
PEDROCA SEGUE PARA A COZINHA. CORTA:
CENA 17. BAR DE LAVÍNIA. COZINHA. INTERIOR. ENTARDECER.
LAVÍNIA DE COSTAS PRA PORTA, TRABALHANDO NA PIA. PEDROCA ENTRA
COM BALAIO, FICA ALI ADMIRANDO A SUA SENSUALIDADE NATURAL. ELA
SE VOLTA, COMO SE SENTINDO OBSERVADA. AJEITA A ROUPA NO CORPO.
LAVÍNIA — Quer o que, ô Pedroca? Lugar de freguês é lá no salão.
PEDROCA — Vim te trazer uns peixes, Lavínia. Hoje o mar foi generoso.
LAVÍNIA — (DURONA) E eu lá preciso comprar peixe de você?
PEDROCA — (CHARME) É pra comprar, não. É de presente. O balaio todo.
LAVÍNIA — Olhe aqui, seu Pedroca: não careço de peixe nem comprado
nem presenteado. Já se viu levar peixe em casa de pescador?
Então não tenho na família quem pesca igual você?
PEDROCA — (RI) O Querubim? Aquele mais o parceiro dele não pegam
nem siri no puçá!
CORTA DIRETO PARA:
CENA 18. MAR. BARCO. EXTERIOR. ANOITECER.
CAMERA: APRESENTAÇÃO DO BARCO. ABRE COM O TETO DE PALHA DA
CABANA DO BARCO PEGANDO FOGO, BEM NO MEIO DA COBERTURA.
QUERUBIM CORRE, AFLITO, COM LATA OU BALDE PARA APAGAR O FOGO.
QUERUBIM — Quebra Queixo! Ô, Quebra Queixo! O barco tá pegando fogo!
QUERUBIM CORRE, JOGANDO ÁGUA, PEGANDO MAIS. UM TEMPO E QUEBRA
QUEIXO SURGE DE BAIXO DA COBERTURA, SEGURANDO UMA FRIGIDEIRA
CHEIA DE MANJUBAS E COMENDO COM AS MÃOS.
QUEBRA QUEIXO — (PARVO) Chamou, Querubim?
QUERUBIM — (FULO) Não, tava fazendo serenata! Apaga o fogo.
QUEBRA QUEIXO — Apagar por que? Ainda vou fritar mais peixinho...
Açores Capítulo 1 Pag.: 11

QUERUBIM — (SEMPRE CORRENDO) Olha aí no que deu tua fritura!


QUEBRA QUEIXO — Ô, Querubim, tava só fritando umas manjubinhas...
QUERUBIM — Pois fritou a palha junto! Larga isso e vem apagar o fogo!
QUEBRA QUEIXO — (RESMUNGA BORDÃO) Tudo eu, tudo eu!
(COMENDO) Só queria fazer uma boquinha ...
QUERUBIM — Que boquinha? A Lavínia tá esperando com a janta pronta!
QUEBRA QUEIXO — (COME) É que eu não gosto de jantar de barriga vazia...
QUERUBIM APAGOU O FOGO. DESABA, EXAUSTO. QUEBRA-QUEIXO LIMPA
TESTA, SENTA E SUSPIRA (COMO SE ESTIVESSE EXAUSTO TAMBÉM):
QUEBRA QUEIXO — Que trabalheira, hein?
QUERUBIM — (FURIOSO) Levanta esse traseiro daí e olha o tamanho do
rombo que você fez no telheiro do barco!
QUEBRA QUEIXO — (OLHA, SÉRIO) Ficou especial de bom. Agora vou
dormir vendo a lua!
CARA DE QUERUBIM. CORTA:
CENA 19. BAR DE LAVÍNIA. SALÃO. EXTERIOR. ANOITECER.
LAVÍNIA EMPURRA PEDROCA, COM BALAIO, PRA FORA. FREGUESES RIEM.
PEDROCA — Mas ... Lavínia ... Não me oferece nem um cafezinho corrido?
LAVÍNIA — Vá tomar café na tua casa, não me intica!
TOPAM IDALINA ENTRANDO NO BAR. FECHA A CARA AO VER PEDROCA.
PEDROCA — Xi, danou-se!
LAVÍNIA — Toma, Dala, leva aí o teu homem e o balaio dele!
IDALINA — Dia sim outro também te pego bicando flor no jardim dos
outros!
IDALINA PEGA PEDROCA PELA ORELHA E VAI LEVANDO EMBORA. OS
FREGUESES SE DIVERTEM. LAVÍNIA RI E VOLTA PARA COZINHA. CORTA:
CENA 20. BAR DA LAVÍNIA. COZINHA. INTERIOR. ANOITECER.
LAVÍNIA TRABALHANDO, AINDA RINDO DE PEDROCA. AMARANTE ENTRA,
COLOCA OSTRAS SOBRE A MESA E ABRAÇA LAVÍNIA POR TRÁS.
LAVÍNIA — (MOLINHA) Amarante! O salão cheio de gente! Que isso?!
Açores Capítulo 1 Pag.: 12

AMARANTE — (ENROSCADO) Isso é marido com vontade de dar um


cheirinho nesse pescoço gostoso ...
LAVÍNIA — Cheiro bom tá o teu. Cheiro de mar, de noite de lua cheia.
AMARANTE — (AGARRANDO) Que é que o Pedroca queria aqui contigo?
LAVÍNIA — (NO CLIMA) O de sempre: “vender o peixe dele” ...
AMARANTE — Vai dormir de balaio cheio: esta freguesa tem quem lhe sirva.
AMARANTE E LAVÍNIA SE BEIJAM. JÚLIA ENTRA, FLAGRA O AMASSO.
DISFARÇA COM PIGARRO. ELES SE COMPÕEM, LAVÍNIA AJEITA O VESTIDO.
JÚLIA — (SORRI) O Conrado tá lá em casa, quer falar com o senhor.
AMARANTE — Coisa boa não é. Já andaram aí rodeando de lancha. Agora
vem esse estropício querer falar comigo... Isso é coisa do JJ.
ELE SAI. JÚLIA AINDA SORRINDO. LAVÍNIA, SEM GRAÇA, BOTA ORDEM:
LAVÍNIA — Rindo de quê? Não tem mesa pra servir, prato pra recolher?
CORTA PARA:
CENA 21. CASA DE LAVÍNIA. SALA. INTERIOR. NOITE.
CAMERA: ABRE DIRETO EM CONRADO FALANDO. AMARANTE COM ELE.
CONRADO — O recado é esse, Amarante: Jota Jota quer te ver amanhã
cedo, sem falta. Oito horas, lá na empresa.
AMARANTE — E isso lá é cedo? Só se for em relógio de rico. Nessa hora tô
lidando no meu criatório faz tempo.
CONRADO — Pois amanhã você deixa pra lidar mais tarde! O que o Jota
Jota tem pra te dizer é mais importante.
AMARANTE — E por que ele não vem aqui? Se é ele que tá querendo a prosa!
CONRADO — Ele é muito ocupado, só isso.
AMARANTE — Não quer é sujar o sapatinho de verniz na areia. (T) Volte lá,
diga pro JJ que não confio nele. Se é assunto do interesse da
empresa de pesca trato com seo Sinésio. Não são sócios? Então!
CONRADO — Impossível. Seo Sinésio está viajando com a família.
CORTA DIRETO:
CENA 22. GUIMARÃES. PORTA E SAGUÃO DE HOTEL. EXTERIOR. NOITE.
FAMÍLIA PAIVA CHEGANDO. DANIEL AJUDA MARILÉIA COM SACOLAS. NINA
Açores Capítulo 1 Pag.: 13

EMBURRADA. LENITA DE OLHO EM DANIEL. CHEGAM À RECEPÇÃO.


NINA — (MAU HUMOR) 850 e 860, por favor.
RECEPCIONISTA ENTREGA AS CHAVES E FALA PARA DANIEL:
RECEPCIONISTA — Almerinda ligou duas vezes. Tem urgência em falar-te.
LENITA E NINA REGISTRAM O RECADO. DANIEL MEIO SEM GRAÇA.
DANIEL — Agradecido, Adélia.
MARILÉIA E SINÉSIO PEGAM SUA CHAVE E SAEM DALI. NINA PEGA A SUA.
OUTRA RECEPCIONISTA A CHAMA, MOSTRANDO O TELEFONE.
RECEPCIONISTA — Senhorita Mônica... Senhor Jorge Junqueira, do Brasil.
Quer que transfira para seu apartamento?

NINA — (POSUDA, INDO) Pode deixar, eu atendo aqui mesmo.

ELA ATENDE E FALA MEIO ALTO, PRA DANIEL OUVIR.

NINA — Meu amor, que saudade! (T) Eu também... não vejo a hora de
voltar, querido...

CAMERA: VAI PARA DANIEL, QUE OUVIU E REGISTRA.

NINA — (MAU HUMOR) Alô? Alô?! Droga, caiu a ligação.

DANIEL — (PROVOCADOR) Caem muitas coisas por cá.

NINA — (TOPANDO) Pranchetas de desenhho, por exemplo.

LENITA — (INSINUANTE, A ELE) Já sabe que nosso navio sai amanhã


do Porto?
NINA — (MAU HUMOR) Claro que não, ele nem é nosso guia!
DANIEL — (PROVOCA) A menina não gostaria de deixar-me seu
endereço no Brasil? Posso mandar-lhe uns livros sobre a
arquitetura barroca de Guimarães...
NINA — Dispenso a gentileza. (IRÔNICA) Provavelmente não vou
conseguir assimilar a informação.
DANIEL — (IDEM) Então mando-lhe um de poemas.
NINA — Não tenho tempo para poemas. Depois de hoje, vou ter de
voltar pra escola. Lenita, vou subindo. (DE PROPÓSITO) Passe
Açores Capítulo 1 Pag.: 14

bem, Manoel.
DANIEL — Igualmente, senhorita Verônica!
NINA SAI PISANDO DURO. DANIEL SORRI, LENITA SE DIVERTE. CAM VAI
PARA NINA QUE ENROSCA O PÉ NA ALÇA DE UMA SACOLA NO CHÃO E LEVA
UM TEMPO PARA SE DESVENCILHAR. DANIEL RI DA TRAPALHADA DELA.
NINA SE LIVRA E VAI EMBORA BUFANDO. LENITA ESBANJA CHARME.
LENITA — Não liga para o humor da Nina. Deve ser saudade do “quase-
noivo”que ela deixou no Brasil.
DANIEL — E tu? Tens também um quase noivo ou quase marido por lá?
LENITA — (CHARME) Quase isso. Aliás, tudo na vida é quase... Nada é
definitivo.
DANIEL — (ENTRA NO JOGO DELA) Uma paixão repentina pode não
ser definitiva... mas um amor verdadeiro sempre será.

LENITA — (JOGANDO) E você sabe como é que se descobre a diferença


entre uma paixão repentina e um amor verdadeiro, Daniel?

DANIEL — O tempo sempre nos mostra quando estamos diante de um ou


de outro.

ELA SE APROXIMA MAIS, FICA CARA-A-CARA COM ELE.

LENITA — (SAGAZ) Pois eu conheço um teste... um teste muito simples


que diz logo se um homem e uma mulher estão se amando ou
apenas se desejando.

DANIEL — (SONSO) Ah... um teste...?

LENITA — (DIRETA E FIRME) Este!

ELA O JUNTA E TASCA UM BEIJAÇO NA BOCA. UM TEMPO NO BEIJO. LENITA DESAPARTA E


SAI RINDO. MANUEL A OLHA IR, AINDA SURPRESO. CORTA:

1º INTERVALO COMERCIAL

CENA 23. CASA DE JOTA JOTA. SALA DE JANTAR. INTERIOR. NOITE


FINAL DE JANTAR.. MESA SOLENE, COMPRIDA. JOTA JOTA NUMA PONTA, AO
TELEFONE SEM FIO. ENCARNAÇÃO NA OUTRA PONTA E RUBICO NA
Açores Capítulo 1 Pag.: 15

LATERAL, AO LADO DELA. SILÊNCIO FORMAL E OPRESSIVO.


APRESENTAÇÃO DE ENCARNAÇÃO E RUBICO. ENQUANTO JJ FALA AO
TELEFONE, RUBICO TENTA ESCAPAR DA MESA. ENCARNAÇÃO O FAZ
SENTAR DE VOLTA, SÓ NO OLHAR DE REPROVAÇÃO. ELE SENTA, CHEIO.
JJ — (ANIMADO) Ótimo, meu caro Conrado! Excelente trabalho!
Eu estarei esperando esse Amarante, esse papa-ostra, amanhã de
manhã. (T) Tenha uma boa noite, que você fez por merecer...

JJ DESLIGA. UMA PAUSA E ENCARNAÇÃO FALA COM CUIDADO:

ENCARNAÇÃO — Está negociando com os criadores de ostras, meu irmão?

JJ — (PODA, SUAVE) Ora, ora! Nunca te vi interessada nos meus


negócios, Encarnação...

ENCARNAÇÃO — Você e o seo Sinésio pretendem fazer o quê com aquele


pessoal da aldeia?

JJ — Não me lembro de ter mencionado o Sinésio.

ENCARNAÇÃO — Já que são sócios, imaginei que/...

JJ — (CORTA) Mana! Por favor! A hora da refeição é sagrada.


Não vamos falar de negócios.

ENCARNAÇÃO SE CALA, OLHA DESCONFIADA PARA JJ, DEPOIS MUDA:


ENCARNAÇÃO — (A RUBICO) Mais sobremesa, querido?
RUBICO — Não cabe mais nada. (BATE NA BARRIGA) Já tô cheio!
JOTA JOTA — (SECO) Isso é jeito de falar, moleque?
RUBICO — (CORRIGE, IRONICO) Estou satisfeito.
AUDIO: ASSOBIO DE FRANKLIN, VINDO LÁ DE FORA. RUBICO REGISTRA.
JOTA JOTA — Que assobio é esse?
RUBICO — Assobio nada, tio. Isso é piado de andorinha-rei.
JOTA JOTA — (AZEDO) Não existe esse tipo de andorinha.
RUBICO — (SONSO) Então como é que piou?
AUDIO: NOVO ASSOBIO EM CÓDIGO.
RUBICO — Tia... tenho prova amanhã. Posso ir estudar?
Açores Capítulo 1 Pag.: 16

ENCARNAÇÃO — Não se esqueça de escovar os dentes. (T) E dê uma olhada em


cima da cama. Deixei uma coisa pra você.
RUBICO SOBE PARA O QUARTO, APRESSADO.
JOTA JOTA — Andou comprando mais daquelas porcarias pro menino, é?
CORTA:
CENA 24. CASA DE JOTA JOTA. QUARTO DE RUBICO. INTERIOR. NOITE
CAMERA: ABRE NO DETALHE DE PACOTE SOBRE A CAMA E CORRIGE:
RUBICO ENTRANDO. PEGA O PACOTE, CURIOSO. DÁ UMA BALANÇADA PRA
VER SE ADIVINHA O QUE É. IRIA ABRIR, MAS...
AUDIO: NOVO ASSOBIO DE FRANKLIN, VINDO DE FORA.
RUBICO LARGA PACOTE SOBRE A CAMA. PULA A JANELA, ALCANÇANDO UM
GALHO DE ÁRVORE QUE SE VÊ DE DENTRO DO QUARTO. CORTA:
CENA 25. CASA DE JOTA JOTA. QUINTAL DOS FUNDOS. EXTERIOR. NOITE
RUBICO DESCENDO DA ÁRVORE. CAI EM CIMA DE FRANKLIN.
FRANKLIN — (MISTERIOSO) Que lerdeza! Achei que tava com medo de ir
caçar assombração.
RUBICO — Que que há, Frank? E eu lá sou homem de ter medo duma
assombraçãozinha de nada?
FRANKLIN — Nem da assombração do Velho Bartô?
RUBICO — Vambora que a Gigi tá esperando... (AFASTA-SE)
CORTA:
CENA 26. GUIMARÃES. SALETA DE SUÍTE DO HOTEL. EXTERIOR. NOITE.
OS PAIVA JÁ COM OUTRAS ROUPAS, PRONTOS PARA O JANTAR. MARILÉIA
ABRINDO SACOLAS DE COMPRAS. MARILÉIA TIRA DE DENTRO DE SACOLA
UM VESTIDO CHEIO DE RENDAS, BORDADINHOS E FRUFRUS.
MARILÉIA — Olha só que coisa mais chuchuca que eu comprei para a Gigi.
Não é a cara dela?
NINA — Se você conseguir convencer a Gigi a entrar nisso aí, eu
atravesso a ponte Ercílio Luz de joelhos.
SINÉSIO — (PREOCUPADO) Será que a minha Gigi está bem, sozinha?
LENITA — Ela não tá sozinha,né, pai? Tá cheio de gente lá em casa.
Açores Capítulo 1 Pag.: 17

SINÉSIO — Eu sei ... Mas ela deve estar se sentindo triste, com saudade,
sem ter o que fazer ... Nem deve estar comendo direito ...
CORTA DIRETO PARA:
CENA 27. CASA DE SINÉSIO. ESCRITÓRIO. INTERIOR. NOITE.
ABRE EM GIGI COM SANDUÍCHE ENTALADO NA BOCA, TREPADA NUMA
ESCADA VASCULHANDO A PARTE DE CIMA DO ARMÁRIO, NA MAIOR FARRA.
ELA JOGA TRALHA PRA BAIXO: VARAS, MOLINETES, ARBALETE, ETC. EM
BAIXO, FRANKLIN E RUBICO “ESCOLHENDO” MATERIAIS.
GIGI — Pega isso, deve servir pra arpoar a criatura. (DESCE)
FRANKLIN — (CONFERE) Lanterna, binóculo, máquina fotográfica ...
RUBICO — Vai fotografar a assombração, Franklin?
FRANKLIN — (POSE) Claro, né! Que graça tem capturar e não ter prova?
GIGI — Meu pai fotografa tudo que é peixe que ele pega. Bem de
perto, pra parecer maior do que é. Uma sardinha fica parecendo
um tubarão.
RUBICO — Acho que já tem tudo. Vamos nessa.
ELES CATAM A TRALHA E SAEM DO ESCRITÓRIO. CORTA PARA:
CENA 28. CASA DE SINÉSIO. SALA. INTERIOR. NOITE.
APRESENTAÇÃO CENÁRIO. AS CRIANÇAS PASSAM SORRATEIRAS PELA
SALA, CARREGANDO A TRALHA, MEIO SE ATRAPALHANDO COM O MONTE
DE COISAS, ESBARRANDO EM MÓVEIS. ABREM A PORTA E SAEM. CORTA
PARA:
CENA 29. VILA PESCADORES. CAMINHO C/ PEDRAS GRANDES. EXT. NOITE.
CAMINHO SOMBRIO, DESERTO, PRÓXIMO DO MAR. RUBICO, FRANK E GIGI
SURGEM DE TRÁS DAS PEDRAS E CAMINHAM CAUTELOSOS, COM
LANTERNA ACESA. CARREGAM TRALHA DE EQUIPAMENTOS DE “CAÇA”.
RUBICO SEGUE NA FRENTE. GIGI ATRÁS DELE. FRANKLIN POR ÚLTIMO, MAIS
NERVOSO.
FRANKLIN — (OLHA PROS LADOS) O que será que assombração come?
RUBICO — A do velho Bartô come perna de criança.

FRANKLIN — (TOCA PERNAS) Eu devia ter botado calça comprida!

RUBICO — (INSTIGA) Diz que assombração que se preza sabe se


Açores Capítulo 1 Pag.: 18

transformar em bicho.
RUBICO — E se ela pular do meio das pedras? Ou chegar voando?
FRANKLIN — (COM MEDO) Putz!... Será que assombração voa?
RUBICO — Se chegar voando a gente usa o plano B.
GIGI — Plano B? Que plano é esse?
RUBICO — Se liga, Gigi: é aquele que vem depois do plano A.
GIGI — E qual é o plano A?
RUBICO — (SIMPLES) Não inventei ainda.
GIGI E FRANK SE ENTREOLHAM, PREOCUPADOS, E SEGUEM RUBICO. CORTA:
CENA 30. VILA. CANTÃO DE PRAIA COM PEDRAS GRANDES. EXT. NOITE.
CAMERA/EFEITOS ESPECIAIS: ABRE NA LUA CHEIA. UMA NUVEM PASSA, A
COBRE A LUA. CORRIGE PRA GIGI, RUBICO E FRANKLIN À ESPREITA. HÁ
FOG, O VENTO MOVIMENTA A BRUMA, DEIXANDO TUDO SINISTRO,
ASSUSTADOR.
GIGI — Droga, cadê a criatura?
RUBICO — Calma, Gigi. Pensa que assombração é que nem a gente que
tem hora pra tudo? (ASSUSTANDO) Elas aparecem em noite
assim, de lua cheia... na hora do espanto, do terror, na hora
maldita das almas penadas...
FRANKLIN — (MEDO) Quer parar com isso, Rubico?
GIGI, OLHOS ARREGALADOS NA DIREÇÃO DAS PEDRAS, APONTA. RUBICO E
FRANKLIN OLHAM. ARREGALAM OS OLHOS. PV DELES: NO FIM DA VIELA,
NO CONTRA-LUZ, A FIGURA DE BARTÔ - SEM IDENTIFICAR ROSTO, SÓ A
SILHUETA. CONFORME ANDA NA DIREÇÃO DOS TRÊS, SUA SILHUETA VAI
CRESCENDO. CAMINHA DEVAGAR, MEIO FRANKENSTEIN.
FRANKLIN — (PAVOR) Que que que que ...
RUBICO LHE DÁ UM TAPÃO PARA DESENGASGAR.
FRANKLIN — Que que é aquilo ... ????
GIGI — (OLHÃO) Assombração, mula sem cabeça.
RUBICO — Cabeça tem. E das grandes! Acho que é o Velho Bartô.
FRANKLIN — (MEDO) Que que a gente faz agora?
Açores Capítulo 1 Pag.: 19

RUBICO — A gente arpoa ele. Não, a gente taca um pedra. Não, a gente/
FRANKLIN — (RÁPIDO) Corre?
RUBICO — Fotografa. Pega a câmera aí, Frank, bate logo uma foto.
FRANK, APAVORADO, PEGA MÁQUINA E DEIXA CAIR. PV DELES: A FIGURA
SE APROXIMA, CADA VEZ MAIOR.
GIGI — Anda, Frank! A criatura tá chegando muito perto!
PV DELES: A FIGURA MAIS PERTO. FRANKLIN CONSEGUE PEGAR MÁQUINA.
RUBICO — Vai, fotografa logo, antes que ele ele ele....
FRANK CONSEGUE BATER UMA FOTO. O FLASH CHAMA A ATENÇÃO DA
FIGURA, QUE ESTANCA E DEPOIS ANDA MAIS RÁPIDO. ELES SE APAVORAM.
RUBICO — Vambooooraaaaaa!!!!!!
OS TRÊS SAEM CORRENDO, LARGANDO A LANTERNA ACESA NO CAMINHO.
CAMERA SUBJETIVA: VISÃO DE BARTÔ QUE CHEGA ONDE ELES ESTAVAM,
ABAIXA, PEGA A LANTERNA AINDA ACESA. OLHA CURIOSO O FOCO DE LUZ,
ILUMINANDO O PRÓPRIO ROSTO. COM O FOCO DE LUZ DE BAIXO PRA CIMA
SURGE PELA PRIMEIRA VEZ A FIGURA FANTASMAGÓRICA DO VELHO
BARTÔ: BARBA, CABELOS LONGOS, CHAPÉU DE NAVEGADOR PORTUGUÊS
CENTENÁRIO. UM ROSTO ASSUSTADOR NAQUELA LUZ, MAS SEM
DEFINIÇÃO.
CAMERA: A VISÃO DA “CRIATURA” AINDA INDEFINIDA, E CORTA:
CENA 31. CASA DE JOTA JOTA. QUARTO DE RUBICO. INTERIOR.NOITE
RUBICO VOA JANELA A DENTRO. PULA NA CAMA, PUXA AS COBERTAS E SE
METE DEBAIXO, COBRINDO A CABEÇA, ASSUSTADO. NESSE MOVIMENTO O
PRESENTE QUE ESTAVA SOBRE A CAMA DESPENCA NO CHÃO. PAUSA E
ENCARNAÇÃO ENTRA. FECHA A JANELA. AO SAIR DÁ COM O PRESENTE
CAÍDO. PEGA, COLOCA SOBRE A MESA DE CABECEIRA, APAGA A LUZ E SAI.
CAMERA: FECHA EM RUBICO QUE DESCOBRE SÓ A CABEÇA, COM OS OLHOS
ARREGALADOS, AINDA AMEDRONTADO. CORTA:
CENA 32. GUIMARÃES. RUA/FACHADA DE ALMERINDA. EXT.
AMANHECER.
CAMERA/EDIÇÃO: TAKE DE PASSAGEM E LOCALIZAÇÃO. ABRE NO GERAL
DA RUA DESERTA E FECHA NA FACHADA DA CASA DE ALMERINDA. CORTA:

CENA 33. GUIMARÃES. QUARTO DE ALMERINDA. EXTERIOR.


Açores Capítulo 1 Pag.: 20

AMANHECER.
ALMERINDA DORME. DANIEL SAI DA CAMA CUIDADOSAMENTE, COMEÇA A
VESTIR-SE. ELA DESPERTA. FALAM MUITO BAIXO.
ALMERINDA — Não devias ter vindo hoje, meu pai pode ver-te sair..
DANIEL — O almirante está a dormir, certamente. Ainda é madrugada.
DANIEL CHEGA ATÉ ELA. ABRAÇA, BEIJA. FALAM RÁPIDO, BAIXO.
ALMERINDA — Aqueles gajos devem estar a vigiar-me.
DANIEL — Pois não os culpo. O que de melhor pode haver para se olhar
do que teu encanto?
ALMERINDA — Por que ficas a dizer essas coisas? Me confundes, me
arrebatas e eu não acho como dizer-te que/...
DANIEL — Shh... Apenas escuta-me: quero mesmo levar-te daqui. Já
acertei tudo, tens apenas que ir logo mais encontrar-me no porto.
ALMERINDA — (ANIMA) No porto? Então vamos mesmo para as ilhas!
DANIEL — Pega umas poucas roupas. À hora em que teu pai sai para a
caminhada, corre e toma o carro que vai piscar as luzes, no canto
da rua. Ele te levará até à cidade do Porto.
ALMERINDA — Eu vou, meu amor. Vou contigo para qualquer lugar deste
mundo. Agora despacha-te, tem cuidado, não deixa que te vejam.
DANIEL — E lembra-te, qualquer problema encontre-me no farol.
ALMERINDA — Está bem, no farol.
ELE VAI PARA A JANELA PRA SAIR POR ALI. ELA O RETÉM MAIS UM POUCO:
ALMERINDA — Promete-me que vais te cuidar.
DANIEL — Promete-me que vais me encontrar.
ALMERINDA — É tudo o que mais quero.

DANIEL — No porto. Vou estar te esperando, meu amor.


DANIEL A BEIJA. ELA SAI DO BEIJO PENSATIVA. ELE NOTA.
DANIEL — (SÉRIO) O que foi agora, Almerinda?
ALMERINDA — (ENCAFIFADA) Me veio uma estranha sensação, Daniel...
(T) É como se nunca mais fosse beijar-te ...
Açores Capítulo 1 Pag.: 21

DANIEL — É porque foi teu último beijo como Almerinda de Jesus


Figueiroa. Amanhã, depois de partirmos, passarás a ser a senhora
Daniel Cascaes.

ALMERINDA SORRI.

DANIEL — Volta à cama. Dorme um bocadito mais... como se ainda


estivesses em meus braços.

ELE SAI PELA JANELA. ELA, APAIXONADA, PASSA A MÃO NOS LÁBIOS.
CORTA

CENA 34. CASA DE LAVÍNIA. QUARTO CASAL. INTERIOR. AMANHECER.


LAVÍNIA CARINHOSA COM AMARANTE NA CAMA. ELE LEVANTA.
LAVÍNIA — (FRUSTRA) Será que está ficando velho, meu amor?

AMARANTE — Do teu lado tô sempre na flor da idade. (T) É que acertei de ir


na empresa de pesca encarar o tal de JJ.

ELA LEVANTA, TIRA ROUPA DE DORMIR PRA SE TROCAR ENQUANTO FALAM.


LAVÍNIA — Coisa mais esquisita, Amarante. Que é que ele quer com
você? Nunca nem pisou os pés por aqui ...
AMARANTE — Encomendar ostra é que não é. Não sei onde seo Sinésio tava
com a cabeça quando botou esse moço de sócio na empresa.
LAVÍNIA — Também não gosto dele. Olha todo mundo de cima, metido a
barão.
AMARANTE — Só se for barão da areia, que o pai era pescador que nem a
gente. Agora tá assim, suberboso, esquecido do lugar donde veio.
LAVÍNIA — Um infeliz.
AMARANTE — Infeliz, o JJ?
LAVÍNIA — É, Amarante. Basta olhar nos olhos dele: lá no fundo tem
alguma coisa cinzenta, sem brilho, alguma coisa de quem deixou
assunto mal resolvido no meio do caminho.
AMARANTE — E isso lá assusta?
LAVÍNIA — Não tem nada que me assuste mais que gente muito infeliz.
Porque são esses que semeiam a infelicidade dos outros... (T)
Acha mesmo que tem de ir falar com ele?
Açores Capítulo 1 Pag.: 22

AMARANTE — É o único jeito de descobrir o que tá querendo com a gente.


LAVÍNIA SE ENROSCA NELE, JÁ SEMI-NUA, EM PÉ.
LAVÍNIA — Se benza antes de entrar lá... aquilo não é flor que se cheire.
UM BEIJO DELES E CORTA PARA:
CENA 35. GUIMARÃES/RUA DE ALMERINDA. EXT. DIA.
CAMERA/EDIÇÃO: BELOS TAKES DA CIDADE. TERMINA EM PLANO FECHADO:
FACHADA DA CASA DE ALMERINDA.
ALMERINDA SAI DE CASA, COM UMA MALINHA. SEGUE SORRATEIRA PELA
CALÇADA. UM POUCO ADIANTE, HÁ UM TÁXI ESTACIONADO PERTO DE UMA
ÁRVORE. CHOFER PISCA AS LUZES DO CARRO. ALMERINDA ENTRA NO TÁXI.
ALMERINDA — Já sabes pra onde ir, não é? Pois toque pro porto. Depressa!
TÁXI PARTE. DE TRÁS DA ÁRVORE SURGE UM ASSECLA. ELE CORRE PRA
OUTRO CARRO, ONDE ESTÃO MAIS TRÊS CAPANGAS. ENTRA APRESSADO.
ASSECLA — (ANSIOSO) Para o porto!Rápido, homem, rápido!
CARRO SAI EM VELOCIDADE, ALCANÇA E ULTRAPASSA O TÁXI. CORTA:
CENA 36. EMPRESA DE SINÉSIO. GABINETE DE JJ. INTERIOR. DIA.
AMARANTE SENTADO. JJ ALTIVO, DONO DA SITUAÇÃO. CONVERSA PELO
MEIO.
JJ — Então é isso, seu ...
AMARANTE — (SIMPLES) Amarante.
JJ — Amarante, é verdade. Uma bela proposta: eu compro o seu
criatório de ostras e com esse dinheiro você pode comprar um
barco muito melhor, até uma casa decente para sua família ...
AMARANTE — (SERENO) O senhor conhece a minha casa, doutor Jorge?
JJ — (DESCONCERTADO) Não ... Claro que não ...
AMARANTE — Então como pode dizer que ela não é decente? (CALMO) A
minha casa cheira a peixe. Peixe que minha mulher frita no bar,
pra gente que come sem luxo, de “pé no chão”, mas feliz porque
está comendo o que foi buscar no arrasto da rede.
JJ — (IMPACIENTE) Aceita ou não a proposta?
AMARANTE — (NEM AÍ) A minha casa não tem tranca na porta, que é pros
Açores Capítulo 1 Pag.: 23

amigos entrarem quando têm vontade. É uma casa que foi de


meu pai e do pai dele e do pai do pai dele. Uma casa construída
com a lida de ostreiro, semeando e colhendo dia atrás do outro/...
JJ — (CORTA) Eu sou um empresário, não tenho tempo a perder...
AMARANTE — (FIRME, LEVANTA) Não, doutor Jorge. Agradeço, mas não
lhe vendo meu criatório nem lhe entrego a casa que sustento com
ele. Nem por esse, nem por dinheiro nenhum. É lá que vou
morrer, no meu canto de mundo, se o mar não me levar primeiro.
JJ — (FULO) Está sendo teimoso, Amarante. E muito imprudente!
AMARANTE — Meu pai me ensinou a não comer enrolado. E por trás de sua
mão estendida, parece que eu adivinho outro braço. Que nem
braço de polvo, que espalha pra todo lado e gruda em tudo que
alcança. E não gosto disso, não.
JJ — (FURIOSO) Você vai se arrepender dessa atitude, Amarante.
Ainda vou te ver entrar por aquela porta de chapéu na mão. Mas
vai ser para pedir, não para negar.
AMARANTE — (SAINDO SAINDO) Desculpe qualquer coisa, doutor Jorge.
JJ — (MURRO NA MESA) Idiota prepotente!
CORTA PARA:
CENA 37. CIDADE DO PORTO. PORTO. EXTERIOR. DIA.
TURISTAS EMBARCANDO NO TRANSATLANTICO. DANIEL ESPERA PERTO DE
UM BARCO PEQUENO, AO LONGE. SURGE CARRO COM CAPANGAS. DANIEL
SACA A CILADA, CORRE NA DIREÇÃO DO NAVIO E DOS TURISTAS.
CAPANGAS CORREM ATRÁS. ESBARRÕES, EMPURRÕES. DANIEL. PUXA UM
CARRINHO DE MALAS E COLOCA NO CAMINHO. CAPANGAS SE CHOCAM
CONTRA O CARRINHO E ESPARRAMAM NO CHÃO. DANIEL APROVEITA O
ATRASO, SE MISTURA AOS PASSAGEIROS, SOBE PRO NAVIO. CAPANGA VÊ,
FAZ SINAL AOS OUTROS. CORREM TODOS PRA ESCADA. CORTA:
CENA 38. NAVIO. INT/EXT. DIA.
CLIPE RÁPIDO DA PERSEGUIÇÃO EM VÁRIOS AMBIENTES DO NAVIO:
A) CONVÉS - DANIEL PEGA UM BALDE E JOGA NA CABEÇA DE UM DOS
CAPANGAS. ACERTA E O CARA CAI. SEGUE CORRENDO.
B) PISCINA DO NAVIO - DANIEL ESTICA UMA CORDA. CAPANGA TROPEÇA E
CAI NA PISCINA. DANIEL SEGUE CORRENDO DOS OUTROS QUE CHEGAM.
Açores Capítulo 1 Pag.: 24

C) COZINHA - DANIEL ATRAVESSA A COZINHA, CORRENDO POR CIMA DE


UMA LONGA MESA. PULA DA MESA E SAI POR UMA PORTA.
D) FINAL DE CORREDOR DOS CAMAROTES. DANIEL SURGE POR UMA PORTA
E DÁ DE CARA COM TODOS OS CAPANGAS. ELE ENGOLE EM SECO,
ENCURRALADO. OS CAPANGAS AVANÇAM DEVAGAR, AMEAÇADORES. UM
DELES TIRA O CINTO. EXPRESSÃO ASSUSTADA DE DANIEL. CORTA:
CENA 39. CIDADE DO PORTO. PORTO. EXTERIOR. DIA.
CHEGA TÁXI COM ALMERINDA QUE SALTA FICA À ESPERA, ANSIOSA.
CAMERA: TEMPO E REVELA CAPANGAS DESCENDO DO NAVIO, UM DELES
RECOLOCANDO O CINTO. CAMERA VOLTA PARA ALMERINDA (QUE NÃO VÊ
OS CAPANGAS) AFLITA, ESPERANDO POR DANIEL. CORTA:
CENA 40. NAVIO. CAMAROTE E CORREDOR DOS CAMAROTES. EXT. DIA.
CAMERA: DETALHA DANIEL CAÍDO, MACHUCADO, DESACORDADO.
CORRIGE E SAI PELA PORTA, REVELANDO NINA QUE VEM CAMINHANDO
PELO CORREDOR. SUSPENSE: SERÁ QUE ELA VAI VER DANIEL CAÍDO POR
TRÁS DA PORTA ENTREABERTA, SERÁ QUE VÃO SE ENCONTRAR?
ATENÇÃO SONOPLASTIA: APITO DO TRANSATLÂNTICO. CORTA:
CENA 41. CIDADE DO PORTO. PORTO/NAVIO/CAMAROTE. EXTERIOR. DIA.
ALMERINDA COM LÁGRIMAS E SUA MALINHA. O NAVIO PARTINDO.
TAKES DE EDIÇÃO: ELA, O NAVIO, DANIEL DESACORDADO, NINA
PASSANDO PELA PORTA DO CAMAROTE SEM NOTAR A FIGURA DE DANIEL
CAÍDO LÁ DENTRO. ALMERINDA, COM O NAVIO EM QUADRO SE
AFASTANDO, NINA SE AFASTANDO PELO CORREDOR, DANIEL
DESACORDADO, E ENCERRA.

FIM CAP. 01

wn/30 julho 2004/sp

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