O Sentido Da República

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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”


Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP

GILBERTO DE ASSIS BARBOSA DOS SANTOS

O SENTIDO DA REPÚBLICA EM ESAÚ E JACÓ, DE


MACHADO DE ASSIS

ARARAQUARA – S.P.
2015

GILBERTO DE ASSIS BARBOSA DOS SANTOS


O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis

Dissertação apresentada ao curso de Pós-


Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de
Ciências e Letras da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP –
campus de Araraquara, como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais.

Linha de pesquisa: Cultura, Democracia e


Pensamento Social

Orientador: Prof. Dr. Carlos Henrique Gileno


Bolsa: CAPES

ARARAQUARA – S.P.
2015

GILBERTO DE ASSIS BARBOSA DOS SANTOS


Estudo sobre o sentido que a passagem da Monarquia para a República adquire no
penúltimo romance de Machado de Assis: Esaú e Jacó, publicado em 1904.

Dissertação apresentada ao curso de Pós-


Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de
Ciências e Letras da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP –
campus de Araraquara, como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais.

Linha de pesquisa: Cultura, Democracia e


Pensamento Social

Orientador: Prof. Dr. Carlos Henrique Gileno


Bolsa: CAPES

Data da defesa: 30/03/2015

Membros componentes da banca examinadora

Presidente e Orientador: Professor-doutor Carlos Henrique Gileno – UNESP – ARARAQUARA

Membro Titular: Professor-doutor José AntonioSegatto – UNESP – ARARAQUARA

Membro Titular: Professora-doutora Vera Alves Cepeda – UFSCar – SÃO CARLOS


Francisco Barbosa dos Santos (in memorian)

Geny Pereira dos Santos (in memorian)

Agradecimentos àqueles que fizeram parte da historia dessa dissertação


A Andreia Cristina de Melo Minotti, esposa por confiar na realização deste
trabalho e caminhada desde as primeiras linhas do projeto de pesquisa. Ao meu filho
Miguel Francisco Minotti dos Santos que cresceu junto com esse trabalho,
reconhecendo e compreendendo as ausências do pai durante a realização dos créditos no
programa de Pós-graduação em Ciências Sociais – na FCL – Campus de Araraquara.

Também às minhas irmãs Maria Cristina dos Santos, Rosana Márcia dos Santos,
Eunice Pereira dos Santos, Eliane Francisca Pereira dos Santos Caldeira pelo apoio
desde a graduação em Ciências Sociais na década de 90. Não poderia deixar de enfatizar
aqui aquela que não viveu para ver a concretização deste trabalho, minha mãe, Geny
Pereira dos Santos falecida pouco depois da minha aprovação para ingressar no
Mestrado.

Ao professor Ulisses Bueno Marques Júnior que, na condição de diretor da


FASSP (Faculdade de Saúde São Paulo) me possibilitou dar aulas na graduação em
Enfermagem e Fisioterapia enquanto eu realizava solitariamente a pesquisa para dar
corpo a esse trabalho.

Ao professor-doutor Marcelo Siqueira Ridenti pelo estimulo durante a


graduação, me instigando sempre a compreender as intricadas chaves que mantem o
poder longe do cidadão comum. Dos primeiros passos na investigação científica surgiua
minha monografia sobre o movimento Tenentista.

Estendo os meus agradecimentos à amiga Raquel Facina VendraminiFantucci.

Ao amigo desde os tempos de graduação e agora na orientação na realização


desta dissertação, o professor-doutor Carlos Henrique Gileno.

Agradeço à banca de qualificação formada pelos professores-doutores José


AntonioSegatto e Sylvia Helena Telarolli de Almeida Leite que fizeram importantes
observações sobre aquele trabalho inicial, sem os quais, o resultado não seria esse que ai
está.

Aos colegas da pós-graduação em Ciências Sociais, bem como aos professores


com quem pude discutir alguns pontos desse trabalho durante a realização das aulas que
eles ministraram.

Ao amigo e professor de Língua Portuguesa e Inglesa Valdir Lopes pela revisão


do texto dissertativo.

A CAPES, pela bolsa de estudos concedidas nos últimos dois anos, sem a qual
não seria possível concluir a dissertação em tempo hábil.
“[...] conhecer o passado é indispensável para
pensar e atuar no presente, mas sem a ilusão de
que isso necessariamente envolva escolhas
melhores [...]”
Marcelo Ridenti
Resumo

Esta dissertação tem como objetivo compreender o sentido da representação que


Machado de Assis faz da passagem da Monarquia a República. A transposição de um
fato histórico para a ficção se encontra no penúltimo romance que o cronista publicou
em 1904: Esaú e Jacó. Entre outras personagens, nesta narrativa os leitores encontrarão
personagens que podem personificar a polaridade que existe entre monarquistas e
republicanos nas últimas décadas do Império que vinha cambaleando desde o final dos
anos 60 do século XIX. A presente análise fundamenta-se, sobretudo, na maneira como
os eventos que levaram o desaparecimento do reinado brasileiro aparece nesta
enunciação, de forma a possibilitar aos narratários entenderem o jogo político que havia
naquele período e como as danças partidárias foram mantidas pelo novo regime,
inaugurado no final do Brasil Oitocentista.

Palavras-chaves: Machado de Assis; Literatura; Monarquia e República; Política

1
Abstract

This dissertation has the objective to understand the sense of the representation that
Machado de Assis does of the way of the monarchy until republic. The transposition of
a historic fate for the fiction is at the penultimate romance that the chronicler published
in 1904: Esaú and Jacó. Between others characters, in this narrative the readers will find
characters that can impersonate there polarity between monarchists and republicans at
the last decades of the empire that had been reeling from the final 60s of the XIX
century. This analysis is based, especially, in the way how the events leading the
disappearance of the reign Brazilian appears in this enunciation, so as to allow to
readers understand the politic game that was in that time and how the partisan dances
were maintained by the new regime, opened in the final of the Brazil nineteenth century.

Key words: Machado de Assis, Literature, Monarchy and Republic, Politic

2
ÍNDICE

Introdução........................................................................................................02

Capítulo 1
Machado de Assis: o homem entre as letras................................................14
Segundafase......................................................................................................26

Capitulo 2
O Brasil retratado por Machado de Assis ....................................................38

Capitulo 3
Representação da História do Brasil em Esaú e Jacó.................................51
Coisas Futuras e o fim do escravismo..............................................................56
Questão militar...................................................................................................63
A dança política do Império..............................................................................64

Capítulo 4
Representação da História do Brasil em Esaú e Jacó.................................51
Coisas Futuras e o fim do escravismo..............................................................56
Questão militar...................................................................................................63
A dança política do Império...............................................................................64

Capítulo4
Entre dois regimes: Monarquia e República
(“Noite de 14”... “Manhã de 15”).....................................................................73
Quinze anos de República (1889-1904)............................................................75
O sentido da República......................................................................................82

Considerações Finais .....................................................................................91

Bibliografia.......................................................................................................97

Anexos............................................................................................................108

3
Introdução

Esta dissertação é fruto de um projeto de pesquisa que surgiu durante a


elaboração da monografia escrita como parte exigida para a obtenção do título de
bacharel em Ciências Sociais pela UNESP (1994). O trabalho, sob a orientação do
professor-doutor Marcelo Ridenti, realizado na FCL (Faculdade de Ciências e Letras) –
campus de Araraquara, teve como tema o movimento tenentista e a sedição dos jovens
militares ocorrida nas primeiras décadas do século XX no Brasil.
Durante a execução daquele trabalho de finalização de curso, nos deparamos
com várias questões, como por exemplo, a presença dos militares na política nacional.
Aos consultarmos as fontes que poderiam nos responder tais indagações, observamos
que eles tiveram participação ativa na queda da Monarquia Constitucional Parlamentar,
instalando em seguida a República Federativa e Presidencialista. A extinção do Império
ocorreu na madrugada do sábado, 15 de Novembro de 1889 e desferido por militares
descontentes com o tratamento que o Exército estava recebendo do monarca e dos
gabinetes indicados por D. Pedro II1.
Esta foi a primeira inquietação motivadora da pesquisa que empreendemos no
mestrado; a segunda apareceu durante a leitura do poema Tristeza do império (2013),
composto por Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).

Os conselheiros angustiados/ante o colo ebúrneo/das donzelas


opulentas/que ao piano abemolavam/“bus-co a cam-pi-nase-re-na/pa-
rali-vresus´pi-rar”,/esqueciam a guerra do Paraguai,/o enfado
bolorento de São Cristóvão,/a dor cada vez mais forte dos negros/e
sorvendo mecânicos/uma pitada de rapé,/sonhavam a futura libertação
dos instintos/e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus de
Copacabana, com rádio e telefone automático (DRUMMOND, 2013,
p. 88).

Os treze versos retratam as angústias existentes nos bastidores da Monarquia e


“o enfado bolorento de São Cristóvão2”. Quais seriam as tormentas que afligiam os
conselheiros e todos aquelas pessoas que viviam sob o auspício da Corte em pleno “colo
ebúrneo”? A terceira interpelação nos ocorreu a partir da primeira leitura do penúltimo

1
- John Schulz: O Exército na política (1994).
2
- Um dos imóveis da família real brasileira que compunha a Corte Monárquica. Localizado na Quinta da
Boa Vista, no hoje bairro de São Cristóvão. Machado de Assis, sob o pseudônimo de Lélio escreveu uma
crônica publicada no dia 9 de setembro de 1884, ironizando a decadência e o descrédito que a Monarquia
vinha tendo. Cinco anos depois, o Império deixa de existir enquanto regime político no Brasil.

4
romance elaborado pelo escritor brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis (1839-
1904): Esaú e Jacó (2008).
Nessa obra, existem várias enunciações que retratam o período que antecedeu a
queda da Monarquia, bem como os primeiros anos da República. Entretanto, essa leitura
não deu conta de algumas das questões que formulamos anteriormente: ou seja, como os
militares se envolveram na política brasileira? Uma segunda leitura deste romance nos
trouxe novas inquietações que vieram se somar às já existentes, além da necessidade de
se entender como foi feita a transição do Império à República. Compreender essa
transposição de um regime para o outro, significava esclarecer uma parte das
indagações.
Todavia, na medida em que lembranças do romance vinham à tona, novas
inquietações surgiam. Uma delas dizia respeito à forma como o escritor apresentava, no
âmbito literário, aqueles fatos. Seria Esaú e Jacó uma resposta ou a maneira como o
ficcionista tratou a queda da Monarquia e para tanto usou o seu texto para expressar, de
forma metafórica, suas observações sobre momentos importantes da vida política
brasileira? A obra foi composta por Machado de Assis nos primeiros anos do século XX
e publicada em 1904, portanto 15 anos depois do Marechal Manuel Deodoro da Fonseca
(1827-1892) eliminar o Império, porém, sem conseguir exterminar seus vícios e práticas
políticas, conforme o escritor, por intermédio do conselheiro José Marcondes Aires,
aponta em determinadas passagens do seu romance.
Não podemos deixar de enfatizar que, para o próprio escritor, o universo da arte
não deveria ser utilizado como ferramenta para expressões ideológicas3. Neste sentido,
ler Esaú e Jacó em busca de um posicionamento de seu autor sobre aqueles fatos seria
uma tarefa a não ser empreendida, seguindo os próprios preceitos de seu autor. Segundo
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), a obra de arte só o é enquanto
espiritualidade e, desta forma, existe no plano das ideias.

O interesse humano, o valor espiritual de um acontecimento, de uma


ação, de um caráter individual, em seu desenvolvimento e finalidade,
são pela obra de arte apreendidos e realçados de um modo mais puro e
transparente do que a da realidade ordinária, não artística. A obra de
arte é, por isso, superior a qualquer produto da natureza que não efetua
esta passagem pelo espírito. Assim, o sentimento e a ideia que, em
pintura, inspiram uma paisagem conferem a essa obra do espírito um
lugar mais elevado do que o da paisagem tal como existe em estado
natural. Tudo que pertence ao espírito é superior ao que se encontra

3
- Joaquim Maria Machado de Assis: Instinto de Nacionalidade (1910, p. 7-28).

5
em estado natural. E não esqueçamos que ser de natureza algum
representa ideais divinos, que só a obra de arte pode exprimir
(HEGEL, 1991, p. 35).

Desta forma, ao criar personagens que existem apenas no plano ficcional, o


escritor Machado de Assis idealizou o que acreditou ter sido a queda do Império e a
deposição da Corte de D. Pedro II e a chegada de um novo regime: a República. Porém,
não o faz na condição de historiador que, segundo Aristóteles relata os acontecimentos
como foram. Entretanto, no plano ficcional, o poeta conta não o que ocorreu, porém
relata as coisas como poderiam ter sido (ARISTÓTELES, 1999, p. 47).
Se, por um lado, o folhetinista carioca compõe suas obras a partir da matéria que
existia à sua volta, por outro aponta que a sua obra não tem como objetivo tratar da
opinião política de seu autor. Desta forma, como então é possível trabalhar seus textos
como mecanismo analíticopara se entender um momento significante do Brasil
Oitocentista, entre eles, a troca do regime monárquico para o republicano? É importante
salientar que o romancista trabalhou na imprensa do Rio de Janeiro, depois conseguiu
uma colocação no Diário Oficial e, em seguida, foi deslocado para o Ministério da
Agricultura, onde permaneceu por longo tempo, período em que compôs a maior parte
de sua obra romanesca.
Sendo assim, na condição de funcionário público e ligado a alguns setores da
sociedade carioca que aparecem de forma irônica em seus textos e estilizada a partir de
outras referências textuais, como o Antigo e o Novo Testamento, Machado aponta para
os leitores que tanto Monarquia quanto República surge do mesmo ventre, a exemplo
dos filhos de Rebeca, que brigaram em suas entranhas antes de nascerem e passaram a
vida todo em divergências.
Igualmente, ao dar o nome de Pedro e Paulo aos dois principais protagonistas do
romance que será analisado nesta dissertação, o romancista objetivava demonstrar que,
assim como no Novo Testamento, os apóstolos Pedro4 e Paulo5 têm divergências no que
diz respeito à implantação do cristianismo como religião, no plano ficcional a dupla
representaria a dualidade do mesmo regime que da noite para o dia mudou de nome,

4
- Sobre este apóstolo recaiu a tarefa de organizar a Igreja de Cristo na terra cujo responsável moderno
passou a ser o Papa.
5
- “Paulo tinha uma coisa nova a oferecer a todos: a ideia da salvação por meio da morte e da
ressurreição de Jesus. Segundo Paulo, Deus, por amor, enviara seu Filho para sofrer e morrer com a
finalidade de tirar os homens do seu estado humano e levá-los para além de todo sofrimento e morte”
(RUDEN, 2013, p. 15). Somente essa concepção sugere aos leitores machadianos uma miríade de
interpretações sobre os motivos que levaram o escritor carioca a dar o nome de Paulo ao republicano.

6
alterando sua estrutura governativa: Império para República, porém manteve as mesmas
articulações políticas que eram praticadas durante a vigência da Monarquia.
Esse processo de se apropriar dum outro discurso para dar sustentação à sua
narrativa, amplamente utilizado pelo ficcionista brasileiro, é conhecido como
intertextualidade, na condição de uma teoria que se insere numa ideia totalizante do
texto que engloba “suas relações com o sujeito, o inconsciente e a ideologia numa
perspectiva semiótica” (NITRINI, 2000, p. 158).
Segundo Leyla Perrone-Moisés (1993, p. 63), a intertextualidade pode ser
compreendida como o trabalho de cada texto em relação aos outros, ou seja, um grande
diálogo entre obras que constitui a literatura em que cada uma aparece como nova voz,
fazendo soar diferentes vozes interiores, criando novas estruturas. Ela explica ainda que
o escritor, ao fazer uso do intertexto, constrói em suas obras um mundo espiritual e
outro linguístico autônomo e a coexistência dos mesmos, “longe de tender para a
unificação final, mantém a permanência da pluralidade” (PERRONE-MOISÉS, 1993, p.
60).
Portanto, ao apropriar-se das narrativas bíblicas, sejam elas presentes tanto no
Antigo quanto Novo Testamento, Machado externou, a partir da perspectiva
ficcional,seu olhar 6 sobre os acontecimentos da segunda metade do século XIX,
acreditamos que ele pretendia atar as duas pontas dos fatos que culminaram com o
advento de um novo regime, isto é, do sistema monárquico de um lado e o republicano
do outro.
Sendo possível apontar que o ficcionista pode ter se utilizado do seu romance
para apontar que, embora Monarquia e República sejam substantivos femininos
distintos em suas características enquanto regimes políticos, na prática, quando o
primeiro foi substituído pelo segundo, não apresentou uma substancial ruptura. Também
possibilita especular que Machado apresenta a inexistência da participação popular
naqueles episódios que marcaram o fim do Império. Desta forma, a Proclamação da
República não teria sido “uma revolução social”, mas sim um reordenamento dos
grupos que se alternavam no poder, seguido de uma expansão econômica e política dos
proprietários rurais (SCHULZ, 1994, p. 121).

6
- Olhar aqui é entendido como móvel, portanto, diferente do que se entende por ponto de vista. Desta
forma, é abrangente, incisivo, cognitivo, emocional, passional. “O olho que perscruta e quer saber
objetivamente das coisas pode ser também o olho que ri ou chora, ama ou detesta, admira ou despreza.
Quem diz olhar diz, implicitamente, tanto inteligência quanto sentimento” (BOSI, 2000, p. 10).

7
Essa observação da não presença da população - mais especificamente dos
cortesãos na queda do Império - corrobora com a frase do jornalista e propagandista
republicano Aristides da Silveira Lobo (1838-1896) que ficou famosa, justamente por
conta do seu enunciado, dando conta de que, o povo assistiu a queda da Monarquia,
bestializado, acreditando se tratar de uma parada militar7 (CARVALHO, 1991, p. 9).
Ainda: sendo Machado de Assis monarquista e cavaleiro da Ordem Rosa Cruz,
outorga concedida pelo governo imperial como forma de evidenciar a importância que o
homenageado tinha para a esfera intelectual e artística, não deixou de apontar, por meio
da ficção, o desgaste que a realeza brasileira sofria desde o final da década de 60 do
século XIX. Um exemplo dessa abordagem encontra-se numa crônica publicada no dia
9 de setembro de 1884 no jornal carioca Gazeta de Notícias. O texto é assinado por
Lélio8 – pseudônimo que o cronista utilizou durante o tempo em que publicou os textos,
ou seja, entre 1883 e 1887.
A crônica trata de uma festa dedica ao São Benedito, promovida em prol de
algumas entidades assistenciais. O evento acontece na residência imperial e por se tratar
de uma reunião destinada às instituições de caridade, em seu final seria realizado um
leilão. Ironicamente, o cronista aponta que o leiloeiro se chama Augusto República. A
designação sugere uma série de interpretações que nos possibilitam compreender qual
era a intenção do autor do texto jornalístico.
Decompondo o nome, é possível indicarmos que Machado, por intermédio de
Lélio, estava apontando que a Monarquia já não vinha bem desde há quase duas décadas
em vários sentidos e, por isso, doou apenas frango para serem comercializados e os
valores arrecadados destinados às obras de caridade. Augusto, além de ser nome
próprio, é também adjetivo e significa magnífico, grandioso, venerável. Portanto, para
nós, ao dar esse nome ao personagem que leiloará os brindes ofertados pelo monarca, o
ficcionista quer apontar que a República pode surgir das entranhas do próprio Império
que estava carcomido pelo fisiologismo estimulado pelo Imperador através da
alternância na chefia ministerial, ou seja, ora ele estava com os Conservadores, ora com
os Liberais.
7
- A historiadora Maria Tereza Chaves de Mello afirma em seu livro A República consentida (2007) que,
contrário à afirmação de Aristides Lobo, a população teve participação efetiva nos atos que marcaram o
fim da Monarquia, inclusive com forte presença dos libertos que integraram a Guarda Negra. A autora
sustenta seus argumentos a partir de uma ampla pesquisa realizada em diversos jornais e outras fontes
históricas da época.
8
- Lélio é um dos protagonistas do livro de Marco Túlio Cícero (106 a.C. – 43 a.C.), Da República. Ele
conversa com Cipião, entre outras personagens. Esta é uma das mais importantes obras filosóficas de
Cícero. Nela, o autor aborda questões relativas ao Estado, sua constituição e suas leis (www.jahr.org. ).

8
Para analisar a contribuição do folhetinista na compreensão da sociedade
brasileira do século XIX, sem se deixar levar pelos aspectos político-partidários do
período, se mantendo imparcial ante os problemas ocasionados por uma forma
específica de se conduzir as coisas de um Estado patrimonialista e clientelista,
incluímos Machado de Assis na condição de integrante de um grupo de intelectuais que
discutiam os problemas que o Brasil Oitocentista enfrentava.
Entre essas personalidades destacamos Francisco de Paula Brito (1809-1861),
primeiro editor do Brasil imperial. O jornalista Quintino Antônio Ferreira de Sousa
Bocaiuva (1836-1912) que teve importante participação na propaganda republicana e
posteriormente o primeiro ministro das relações exteriores da República entre 1889 e
1891. Durante o período em que Machado de Assis escrevia Esaú e Jacó, Quintino era
presidente (atual governador) do Estado Rio de Janeiro (1900-1903).
O ficcionista ainda era próximo do jornalista e político Joaquim Saldanha
Marinho (1816-1895). Na condição de Grão-Mestre da Maçonaria, publicou
importantes textos durante a chamada Questão Religiosa. Na vigência do Império, foi
também um dos autores do Manifesto Republicano de 1870. Após a Proclamação da
República em 1889, participou da elaboração do anteprojeto da Constituição de 1891.
Foi Senador da República entre 1890 e 1895.
Machado de Assis teve contatos com o ex-presidente da província de Goiás,
Caetano Figueiras (1830-1882). Fez parte do círculo literário que se reunia em torno do
jornal A marmota fluminense, formado pelo poeta, jornalista e senador monárquico
Otaviano Costa (1825-1889), patrono da cadeira 13 da Academia Brasileira de Letras.
Era amigo do escritor José Martiniano de Alencar (1829-1877) que, além de ter uma
vasta contribuição romanesca, também foi jornalista, político e Ministro da Justiça
durante o Império. Teve relacionamento pessoal com o autor de Memórias de um
Sargento de Milícias9 (2007), Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) que, além de se
dedicar a literatura, foi médico, professor, jornalista e diretor da Tipografia Nacional,
onde conheceu Machado. O cronista Machado também dialogou com o jornalista e

9
- Obra brasileira “que recorda uma das feições mais características do nosso período colonial. Cenários,
tipos, costumes – o major Vidigal, comandante da polícia, com a sua companhia de granadeiros armados
de chibata. Leonardo Pataca, Maria Regalada, Luizinha, o mestre de reza, as beatas de mantilha, o rancho
das baianas na procissão, o domingo do Espírito Santo, o fogo no campo – tudo isso é bem nosso, é
acentuadamente nacional” (PUJOL, 2007, p. 12).

9
crítico literário Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero10 (1851-1914). Embora
participasse de um circulo ativamente político,

Machado de Assis encarava com indiferença a agitação da política.


Quando Quintino Bocaiúva, ao convidá-lo para a redação do Diário
do Rio de Janeiro [grifos do original], procurou conhecer-lhe as
opiniões (e eram íntimos!), vimos a confissão do novo jornalista: não
as tinha fixas nem determinadas. Não as teve depois. Não as teve
nunca. Acolhido no seio de liberais, vivendo entre liberais, querido de
Otaviano e Saldanha Marinho, íntimo de Quintino e Pedro Luís, não
se deixou contaminar da infecção política. Desviou cautamente os
olhos da “infecção messalina”, de que tanto se queixava Otaviano. Em
toda a sua obra, não há vestígio de preferências ou inclinações suas no
meio da luta dos partidos e das pessoas. Considerava odiosa a
disciplina dos partidos e a natural sujeição dos homens à necessidades
aos interesses comuns [grifos do original] (PUJOL, 2007, p. 19).

Mesmo tendo essa indiferença à política partidária de que fala Pujol, em uma
crônica publicada no dia 09 de julho de 1893, no jornal Gazeta de Notícias, quatro anos
após a queda da Monarquia, o cronista dialoga com Sílvio Romero com quem tivera
entrevero estético por conta da publicação de seu romance Memórias póstumas de Brás
Cubas (1998). A opinião do crítico, ligado à escola de Recife, encontra-se no livro
Machado de Assis (1992).

O acirramento das tensões entre ambos atinge seu apogeu em 1897, no


trabalho do crítico sobre o escritor. Machado de Assis pode ser
entendido como a produção de um discurso que encerra o
posicionamento-limite assumido pelo crítico naturalista, buscando
influir na modulação do cânone, reconhecendo a legitimidade do
romancista, porém tentando tirar-lhe a proeminência absoluta como
homem de letras no Brasil. O livro se propunha a realizar uma análise
comparativa com Tobias Barreto. Nesse momento, Sílvio Romero
deixa entrever sua própria trajetória, como um intelectual do Nordeste
que, paulatinamente, era deslocado a posições de menor prestígio em
relação ao domínio hegemônico do grupo fluminense. Já se colocava
naquele período a questão regional ligada às formas de consagração
intelectual. Dadas as similaridades entre as biografias de Machado e
Tobias Barreto, a comparação entre ambos era uma tarefa atrativa para
um crítico que buscasse as regularidades do caráter cultural no estudo
de variáveis como personalidade, raça e meio. Dedicado,
nostalgicamente, ao próprio Tobias Barreto e outros “amigos” da
Escola do Recife, o estudo é, na realidade, uma apologia do seu
confrade; uma tentativa de colocá-lo em comparação, palmo a palmo,
com Machado.

10
- Em 30 de maio de 1870, ainda na condição de estudante, Sílvio Romero em Pernambuco, escreveu
um texto no jornal pernambucano A crença,criticando o que chamou de lirismo subjetivista e humorismo
pretensioso presentes nos livros As falenas e nos Contos Fluminenses, publicados naquele ano por
Machado de Assis (MAGALHÂES JR. 2008, p.147).

10
Localizando Machado “como um espírito de transição entre os
românticos e os sectários das recentes teorias”, Sílvio Romero declara
a necessidade da militância na política intelectual, sustentando que,
“no meio da agitação em que atualmente se debate a nossa pátria, não
haverá provavelmente nem tempo nem lazer para se apreciarem
escritos puramente literários”. Uma vez que o crítico sergipano
prepara a leitura de seu próprio trabalho, reiterando a necessidade de
participação política como missão do “homem de letras” e
estabelecendo a perspectiva militante como premissa fundamental
para a atividade crítica e da criação, ficaria fácil, páginas adiante
convencer o leitor da desconexão aparente da obra de Machado para o
presente (PASSOS, 2014, p. 169-170).

Em seu livro Parlamentarismo e presidencialismo na República Brasileira


(1893), portanto, quatro anos depois de o Império ruir e a família real ser desterrada,
Sílvio Romero, criticando os rumos que o novo regime estava tomando, afirmava que o
mesmo se tornava incapaz de criar no país uma República que seria de fato livre em
virtude da elite que possuía (COSTA, 2010, p. 18).

E, depois este sistemático desdém pelo povo, declarado incompetente


para fazer a escolha de seus representantes políticos e acoimado de
vícios no manejo desse dinheiro, como fazem, verbi-gratia [grifos do
original], os positivistas, é nada menos do que a pretensão desairosa e
extravagante de dividir ainda e sempre a maioria válida de uma nação
em dois grupos – de um lado os privilegiados, os possuidores sem
monopólio das luzes e da dignidade moral, e de outro lado, os ineptos
e viciados, os incapazes de qualquer ação política acertada! Àqueles, o
governo, a direção, o mando, aos outros a eterna tutela, a minoridade,
a incompetência perpétua. É o regime do privilégio na sua mais
recente edição, porém, sempre o privilégio, queremos dizer o abuso e
a compreensão (ROMERO, 1893, p. 56-57).

Sílvio Romero dizia que o “banqueirismo governativo não passa de uma


aristocracia do dinheiro, de um particularismo do capital, a mais viciada e bastarda de
todas as aristocracias” (1893, p. 58).
Posto isso, vejamos como Machado de Assis trata da mesma questão em uma
crônica da série A Semana e publicada no jornal A Gazeta de Notícias do dia 9 de julho
de 1893, portanto, mesmo ano em que o livro de Silvio Romero era publicado. O
objetivo do texto jornalístico é abordar a presença de estudantes da Escola Militar na
Câmara dos Deputados para protestar contra um deputado, representante do Estado de
Minas Gerais. Ele teria feito comentários envolvendo a organização da instituição
militar, cujo conteúdo foi considerado ofensivo pelos manifestantes. “O protesto foi tão
barulhento que os deputados tiveram de suspender a sessão, e, nos dias seguintes, houve
várias moções de protesto na Câmara” (ASSIS, 1996, p. 263-264).

11
O ficcionista começa a crônica11 fazendo uma comparação entre as impressões
de um pintor e um comandante militar sobre uma batalha campal. Segundo ele, o
primeiro se ocupará em demonstrar os horrores dos combates a partir das expressões
dos soldados, enquanto o segundo, sem nenhuma preocupação com a perspectiva
estética, ou representação artística das batalhas, trabalha a questão estratégica para se
chegar a um resultado positivo almejado pelos seus superiores. Após essas explicações
iniciais e comparativas entre o artista e o militar, como é próprio da escrita metafórica
machadiana, cujo objetivo, segundo o crítico literário Antônio Candido, para expor o
que havia sob dos esmaltes, isto é, a verdadeira face da cutícula12.

Digo tudo isso, que talvez seja banal... Mas o que não é banal debaixo
do sol, desde o amor até o empréstimo? Digo tudo isso a propósito do
acontecimento central da semana, o caso dos estudantes e da Câmara
dos Deputados. Esse acontecimento teve para os homens políticos um
aspecto. Condenando ou atenuando o ato, combinando ou divergindo
na solução da crise, os políticos estão de acordo com os seus próprios
olhos, aos quais o sucesso apareceu como um incidente na vida
pública (ASSIS, 1996, p. 263-264).

Por esse pequeno fragmento da crônica é possível compreendermos como o


romancista interpretava as questões políticas, não somente a brasileira, mas também a
global e pela data da publicação do texto na imprensa carioca (09 de julho de 1893),
observamos que o autor estava fazendo referências à passagem da Monarquia para a
República e o fato dos mesmos políticos que gravitavam em torno da Coroa,
continuarem usufruindo dos benefícios conferidos pelo governo àqueles que se mantém
sob o auspício do poder, mesmo no regime republicano. O que nos permite indicar que
Machado dialogava com Sílvio Romero, pois este também apontava a permanência no
regime republicano dos grupos que gravitavam em torno da corte deposta anos antes.
Em outro trecho da crônica, o autor muda o foco de sua narrativa, apontando que
“os leigos também rezam, e pela cartilha dos padres” (ASSIS, 1996, p. 264).
Novamente o texto nos permite uma série de interpretações, começando pelo viés
metafórico, o enfoque dado à enunciação não diz respeito à religião, mas pode

11
- A crônica pode ser classificada dentro do grupo da memorialística “[...] quando narrada em primeira
pessoa, tem o propósito de comentar, refletir, dissertar ou palestrar sobre um ou mais temas que envolvem
a experiência pessoal do narrador” (BETELLA, 2007, p. 18).
12
- De acordo com Antônio Candido, sob o autor de Dom Casmurro, que respeitava para ser respeitado,
“[...] funcionava um escritor poderoso e atormentado que recobria os seus livros com a cutícula do
respeito humano e das boas maneiras para poder, debaixo dela, desmascarar, investigar, experimentar,
descobrir o mundo da alma, rir da sociedade, expor algumas das componentes mais esquisitas da
personalidade. Na razão inversa da sua prosa elegante e discreta, do seu tom humorístico e ao mesmo
tempo acadêmico, avultam para o leitor atento as mais desmedidas surpresas” (SOUZA, 1995, p. 20-21).

12
possibilitar leitura indicando as manifestações políticas advindas dos estudas da Escola
Militar. Portanto, é possível atribuirmos ao período em tela, a hipótese de que o cronista
estava tratando de outro assunto, talvez abordando a questão da República em manter
alguns políticos que fizeram parte da Monarquia e em virtude disso, o governo se
pautava pelas diretrizes do regime eliminado.
Permite outros desdobramentos, caso queiramos reportar tal assertiva à
sociedade brasileira daquele período que, assim como o fiel que reza através da
condução dos integrantes do clero, também aceitava tudo, conforme os discursos dos
políticos13. “Aplicando esta observação da fonética à psicologia política, não se pode
dizer que entre emoção e moção [grifos do original] há, com a mesma perda da letra
inicial, uma filiação evidente?” (ASSIS, 1996, p. 264), eis a pergunta formulada pelo
cronista que a explicará em seguida.

No regímen imperial, uma emoção destas levava à moção imediata. A


Constituição republicana não mudou os hábitos morais dos homens, e,
no meio da agitação produzida pela manifestação escolar, a primeira
fórmula que ocorreu para consubstanciar os sentimentos da Câmara
foi a moção, e não uma, nem duas, mas seis, sete. A consequência é
que o parlamentarismo parece estar ainda na massa do sangue -, outra
ideia banal -, mas eu hoje estou banal como um triste molambo velho
(1996, p. 264).

É importante ressaltarmos que a análise desse texto jornalístico tem um duplo


sentido: o primeiro é apontar que a narrativa proporciona a compreensão de que seu
autor estava dialogando com uma das pessoas que fazia parte do seu círculo de
relacionamento, inclusive com quem tinha divergências por questões estéticas. O
segundo é demonstrar que, Machado de Assis, mesmo se recusando a emitir opiniões
sobre questões políticas, o fazia de forma velada a partir de suas crônicas que, em certa
medida, eram transpostas depois para seus romances e contos.
Essa visão de mundo fica externada no parágrafo em que o cronista se ocupa em
fazer a seguinte explicação: “Concluir daí que sou parlamentarista é imitar aquele
homem que me dizia, uma vez, notando-lhe eu que certa casa estava pintada de
amarelo” (1996, p. 264). O diálogo seguinte diz que tudo depende de quem olha ou
observa algo, pois não adianta ficar perguntando, já que a resposta será a mesma.

13
- Sobre essa questão, interessante a leitura do conto Capitulo dos chapéus (2004), em que o autor narra
uma sessão no Legislativo brasileiro sob o olhar de duas mulheres, Clara e Sofia, sendo que uma delas era
namorada de um congressista e tinha por hobby assisti-lo discursando no parlatório, mesmo que seus
pares não estivessem prestando atenção no que estava sendo dito.

13
O que eu digo é que esta bota parlamentarista há de levar tempo a
descalçar. Que não seja próprio do clima, não serei eu que o negue;
mas a minha questão no capítulo das botas (Sganarello achou um
capítulo dos chapéus) é que a bota parlamentar, por menos ajustada
que haja sido ao pé, há de levar tempo a arrancá-la. São costumes.
Fazia doer os calos e cambava para o lado de fora, mas era de fábrica
inglesa. Westminster & Companhia, e nós sempre gostamos de
fábricas estrangeiras14. Nos primeiros tempos éramos todos franceses;
no segundo reinado passamos aos bretões15. Vida, patrícios, vida para
a indústria nacional16! (ASSIS, 1996, p. 264-265).

Tendo isso como premissa é que desenvolvemos a presente dissertação de


mestrado, pretendendo demonstrar o sentido que a República adquire no penúltimo
romance machadiano, publicado nos primeiros anos do século XX e após 15 anos da
eliminação da Monarquia. Para apontarmos esse vetor, dividimos o texto em quatro
partes: o primeiro capítulo enfoca o escritor Machado de Assis e sua produção ficcional;
o segundo sua contribuição para se interpretar o Brasil Oitocentista, cuja obra literária é
um excelente referencial para os pesquisadores que pretendem se debruçar sobre a
transição política e social da Monarquia Constitucional Parlamentar para os primeiros
anos da República Federativa e presidencialista.
No terceiro capítulo, analisamos como o período histórico retratado por
Machado de Assis aparece no corpus do romance Esaú e Jacó(2008). A narrativa
engloba os últimos anos da Monarquia, começando no final dos anos 60, quando os
Conservadores chegam ao poder em mais uma das ações do Imperador que sempre
apontava que a escolha contava com a anuência do Conselho de Estado, e,encerranos
primeiros anos da República, já no governo de Prudente de Morais (1894-1898), com
osirmãos Pedro e Paulo desempenhando as funções de deputados na República, porém
divergindo sobre os rumos que o regime tomou depois de seu advento.

14
- Parece-nos que aqui o cronista quer de fato apontar a ideia de que os brasileiros, principalmente os
políticos gostam de importar ideologias para serem implantadas aqui, como por exemplo, o liberalismo
que deveria ser transformado para se adaptar às estruturas escravistas, bem como o modelo de República
importado dos Estados Unidos. Sobre isso, ver As ideias fora do lugar (2000), de Roberto Schwarz.
15
- Aqui, em nossa interpretação, Machado faz alusão à influência que os ingleses exerciam sobre o
Brasil, principalmente depois da chegada da Família Real em 1808 e a abertura dos portos às nações
amigas, leia-se Inglaterra, cuja Marinha fez segurança as naus lisboetas que abrigavam a corte portuguesa
que fugia da sanha conquistadora napoleônica. Há ainda o fato de que o Brasil pagou a dívida da
Independência fazendo um empréstimo a um banco inglês. Havia também pressões feitas pelo capitalismo
inglês ao país, para que este eliminasse o trabalho escravo e adotasse o modelo de mão de obra
assalariada.
16
- É possível especularmos que com essa finalização de sua crônica, o seu autor estava pedindo o
desenvolvimento da indústria nacional, tendo em vista que muitos dos produtos consumidos aqui pelos
brasileiros vinham do exterior e neste sentido, havia a pressão do capitalismo internacional para transferir
para cá suas filiais. Sobre esse assunto ver A luta pela industrialização do Brasil (1978), de Nícia Vilela
Luz.

14
Apontaremos como as questões escravistas e militares aparecem no romance e
também abordaremos o baile da Ilha Fiscal, o último do Império brasileiro em que se
evidencia do ponto de vista ficcional, como as articulações políticas eram feitas na
Monarquia e depois com o surgimento da República, a situação permanecem a mesma
já que a esposa de Batista o induz a falar com o Marechal Floriano Peixoto sobre a
possibilidade do advogado e ex-conservador nos tempos de Monarquia conseguir uma
colocação na estrutura republicana.
No terceiro capítulo trataremos de algumas passagens do romance Esaú e Jacó
nas quais fica evidente, para nós, a maneira como Machado de Assis retratou a mudança
de regime: ou seja, apenas como alteração na nomenclatura, a exemplo da tabuleta que
identificava a confeitaria do Custódio. Além desse episódio, há outros em que as
personagens principais do enredo conversam na noite anterior à queda da Monarquia,
porém, o tema não diz respeito às supostas agitações que levaram a ruptura com o
sistema imperial, mas sim a provável nomeação do Conservador Batista, convertido em
Liberal pela articulação política de sua esposa, Cláudia. Na manhã do dia seguinte, já é
República, porém, a substituição de um regime pelo outro não alterou em nada a vida da
população, conforme Machado de Assis representa o fato sob o olhar do Conselheiro
Aires. Desta forma, o leitor pode ser levado a concluir a partir da leitura deste penúltimo
romance, que a República não substituiu a Monarquia.

15
CAPÍTULO 1

Machado de Assis: o homem entre as letras

Debruçar-se sobre os textos do escritor brasileiro Joaquim Maria Machado de


Assis (1839-1908), é para nós a possibilidade de desvendarmos parte de seus
apontamentos e representações das observações que fez sobre o mundo que o
circundava, isto é, o Brasil da segunda metade do século XIX, já que “[...] o poeta só o é
poeta porque se vê cercado de figuras que vivem e atuam diante dele e em cujo ser mais
íntimo seu olhar penetra” (NIETZSCHE, 1992, p. 59). Desta forma, a Nação que
aparece nas páginas compostas por Machado, é estruturada no trabalho escravo, mas
que buscava se modernizar, abraçando o ideário liberal, porém o reinterpretando de
maneira que se adaptasse às condições locais e uma sociedade regida pelo monarquismo
constitucional parlamentar – sistema político que perdurou até novembro de 1889
quando foi extinto após um golpe militar comandado pelo Exército Brasileiro, surgindo
em seu lugar uma República Federativa e Presidencialista.
Sendo assim, entendemos que, ao contrário do que muitos autores e
pesquisadores afirmaram, inclusive por meios ficcionais como o narrador do romance
Eu vos abraço, milhões (2010), do escritor gaúcho Moacyr Scliar (1937-2011),
Machado não deixou de apontar em suas prosas romanescas, nos contos ou crônicas, os
problemas que a população vivenciava no Brasil Oitocentista, entre eles, a violência que
o escravidão legou ao escravagista afetando também o cativo.
Na obra de Scliar, construída a partir de uma carta que a personagem Valdodeixa
ao seu neto relatando suas memórias concentradas em sua maioria no Rio de Janeiro no
final da década de 20 do século XX, o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas
(1998) aparece como um ficcionista conservador, reacionário que não se ocupou em
apresentar, em suas narrativas, as principais problemáticas que o povo brasileiro sofreu
nas últimas décadas do século XIX – período em que transcorrem as histórias
machadianas. Portanto, de acordo com as reflexões do narrador de Eu vos abraço,

16
milhões, Machado teria se ocupada apenas em retratar, em seus textos, a vida dos
grupos que faziam parte das estruturas dominantes na época.
Mas quem era esse escritor, ufanado por uns e contestado e até detestado por
outros, criador de narradores singulares como Brás Cubas, cuja enunciação não seguia o
mesmo fluxo nem em um curto parágrafo sequer, “mudando de assunto, opinião ou
estilo quase que a cada frase” (SCHWARZ, 2000, p. 30)?
Machado de Assis -para Carlos Fuentes (2005) “[...] foi um rebelde quixotesco”
– ou simplesmente Machadinho como era conhecido no círculo de amigos, nasceu no
Rio de Janeiro17, então sede do Império brasileiro, em uma casa simples no morro do
Livramento, no dia 21 de junho de 1839. O ficcionista era filho do pintor de paredes
Francisco de Assis e da portuguesa, Maria Leopoldina Machado de Assis. Muitos
pesquisadores da obra machadiana, como Carlos Faraco, atestam que o cronista
frequentou a chácara do Livramento sob o auspício da rica proprietária, também sua
madrinha de batismo, Maria José de Mendonça Barroso, que morre vítima de varíola.
Ela era viúva do Brigadeiro Bento Barroso Pereira (1785-1837) que havia sido Senador
imperial.
Em 1845, o escritor perde a sua única irmã e quatro anos depois falece a mãe
Maria Leopoldina, vítima de tuberculose. Em 1854 o pai Francisco de Assis contrai
segunda núpcia com Maria Inês que será auxiliada pelo adolescente Machadinho na
comercialização de doces para auxiliar no sustento da família. Mesmo diante das
dificuldades financeiras, o filho do pintor Francisco, se esforçava para sair da vida
sofrida que levava no Morro do Livramento, hoje Ladeira do Livramento.
Até esse momento, Machado de Assis estava atrelado à vida do subúrbio
carioca, entretanto, a efervescência intelectual da Corte18o atraia muito, principalmente
na Rua do Ouvidor, logradouro em que os transeuntes pertencentes à classe detentora do
poder desfilavam, se divertiam tudo sob as vistas do jovem suburbano que trabalhava

17
- Nessa época a cidade, que possuía iluminação a gás apenas na área central, com cheiro horrível e
águas estagnadas por todo lado, contava com um transporte muito precário, tinha uma população de
aproximadamente 300 mil, sendo que a metade era composta por escravos (FARACO, Apud ASSIS,
1998, p. 2).
18
- “A palavra ‘corte’ significava tanto a residência do imperador quanto a cúpula de uma elaborada
hierarquia de privilégios. Na base da hierarquia estavam fidalgos, de sangue nobre ou azul. Este status
podia ser herdado, obtido por nomeação a uma das ordens de cavalaria ou adquirido por ordenação como
oficial militar. Como imperador do Brasil, D. Pedro I manteve três ordens de cavalaria da monarquia
portuguesa – Cristo, São Bento d’Aviz e São Tiago da Espada – e estabeleceu outras três –Cruzeiro,
Pedro I e Rosa” (BARMAN, 2012, p. 28). Esta última teve em Machado de Assis um dos nomeados. A
condecoração aconteceu no dia 16 de março de 1867 quando o escritor foi outorgado com “[...] o grau de
Cavaleiro da Ordem Rosa, juntamente com dois franceses: o jornalista ÉmileAdet e o editor Baptiste-
Louis Garnier e o brasileiro José da Silva Costa” (MAGALHÃES JR, 2008, p. 49).

17
como caixeiro numa livraria.Além disso, ele era também visto com frequência no
Gabinete Português de Leitura, espaço que abrigava um acervo com mais de 16 mil
livros.
No dia 12 de janeiro de 1855, portanto, aos 16 anos, ainda adolescente, Machado
publica o seu primeiro trabalho literário, o poema Ela. Os versos são estampados na
revista Marmota Fluminense pertencente a Francisco de Paula Brito (1809-1861). A sua
livraria era ponto de encontro dos novos talentos da época e o recém-poeta passou a ser
colaborador efetivo do periódico.
Perto de completar 17 anos, no dia 9 de setembro de 1856 – dois dias após o
Brasil comemorar 34 anos de sua Independência –, o ficcionista publica no jornal
carioca Correio Mercantil 19 o poema O grito do Ipiranga que é datado do dia 7 20
daquele mês. Embora os versos sejam relativos à juventude de seu autor, Wilton
Marques (2015) esclarece que eles trazem em si diversas peculiaridades do romantismo,
especialmente no que diz respeito à “[...] representação de aspectos ligados à realidade
local (natureza, oceano, etc.) como marcas de nacionalidade literária, o que, em termos
machadianos, também é uma novidade literária”.
Após a publicação desses versos, Machado começa a trabalhar como aprendiz de
tipógrafo na Imprensa Nacional e nos tempos livres passa a escrever mais intensamente.
Neste emprego, conhece o diretor do órgão, o escritor Manuel Antônio de Almeida
(1831-1861) autor do livro Memórias de um sargento de milícias (2007). Em 1858
retorna à livraria de Paula Brito na condição de revisor de a Marmota, integrando a
partir daí a sociedade de literatura humorística Petalógica,criada pelo proprietário da
livraria. É nesse grupo que constrói o seu círculo de amizades mantendo relações com
Manoel Antônio de Almeida, Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882), José
Martiniano de Alencar (1829-1877), Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), entre outros
literatos que frequentavam o local.
No início da década de 60 daquele século, o autor de contos singulares como Pai
contra mãe (2004) começa a trabalhar como jornalista no Diário do Rio de Janeiro,
sendo redator-chefe Quintino Antônio Ferreira de Sousa Bocaiuva (1836-1912), como
19
- Este jornal era dirigido por Francisco Otaviano de Almeida Rosa (1825-1889) que exerceu o cargo de
Senador liberal no Império entre 1867 a 1889, além das funções de jornalista, advogado, diplomata e
poeta brasileiro.
20
- Este poema esquecido do escritor carioca foi recentemente descoberto pelo professor Wilton Marques,
do Departamento de Letras da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) durante pesquisa sobre a
obra poética de Machado de Assis entre 1854 e 1860 publicada no jornal Correio Mercantil. Em seus 76
versos decassílabos distribuídos por nove estrofes irregulares, o leitor encontrará uma louvação ao Brasil
e a D. Pedro I sendo comparado a Napoleão Bonaparte.

18
“não se contentava em ser apenas jornalista e ansiava por se transformar em homem de
negócio" (MAGÃLHÃES JR, 2008, p. 8), transformou Machado em seu braço direito
no periódico.
A experiência do ficcionista na imprensa carioca terá grande utilidade em sua
escrita, tendo publicado nos jornais capítulos de boa parte de sua obra romanesca,
inclusive transpondo para seus romances alguns fatos que explorou em suas crônicas.
Esse recurso literário vem sendo pesquisado como fontes primeiras, pois o escritor faz
do texto jornalístico um ensaio do que pretende desenvolver futuramente em seus
romances.

Fontes podem ser todo e qualquer material utilizado pelo artista antes
de produzir sua obra: lembranças infantis, sonhos, histórias
particulares ou coletivas, a tradição local ou nacional, escritos
próprios ou alheios. Genericamente fontes[grifo do original]
correspondem a um significante que pode acolher tudo que precede a
obra, pertencendo à sua fase de gestação e produção
(ZILBERMAN,2004, p. 18).

Desta forma, um trabalho analítico sobre boa parte das crônicas, dos mais de
seiscentos textos publicados por Machado na imprensa do Rio de Janeiro, juntamente
com seus nove romances e o conto-romance O Alienista (1996), seria interessante para
se compreender a singularidade dessas narrativas e de como as mesmas podem ser
elevadas “[...] ao mesmo estatuto de suas obras”, já que “o que deveria ser efêmero, por
causa do veículo em que era publicado, tornou-se perene e fonte riquíssima de estudos
literários, sociais e históricos” (CALLIPO, 2005, p. p. 1).
Há pesquisadores, como o brasilianista John Gledson (1990, p. 11), que
acreditam que as crônicas, compostas para consumos imediatos e nos dias seguintes à
suas produções pelos seus valores intrínsecos, possam ser lidas pelos leitores
contemporâneos em virtude de suas abordagens divertidas e sagazes apresentando
pontos fundamentais do período em que circularam.
Sendo assim,

[...] a crônica ocupa, na obra de Machado de Assis, um lugar especial;


estava, por assim dizer, no seu sangue; com ela se identificou de tal
modo que, sem avaliarmos o papel que essa modalidade literária
desempenhou ao longo de sua trajetória, corremos o risco de ficar com
uma visão incorreta do perfil literário (MÓISES, 2002, p. 109).

Ainda no âmbito dos textos jornalísticos machadianos usados como referenciais


para se pensar momentos significativos da história brasileira, entre eles, o fim do

19
monarquismo e o advento da República, seguidos de suas consequênciasé possível
apontarmos os seus significados porque “[...] o cronista que narra os acontecimentos,
sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do
que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história” (BENJAMIN, 1994,
p. 223).
Retomando a vida de um dos maiores escritores brasileiros, se é que seja
possível desvendar muito das particularidades de Machado de Assis21, no início de sua
carreira publica mais textos poéticos e peças teatrais que deveriam ser lidas e não
encenadas, segundo o amigo Quintino Bocaiúva. Se por outro lado, na segunda metade
da década de 60 do século XIX, aumenta o seu trabalho na condição de jornalista, por
outro, “[...] começam a lhe ser dirigidas cartas e mais cartas abertas, pelas colunas do
Diário do Rio de Janeiro [grifos do original], sinal de seu crescente prestígio
jornalístico” (RAIMUNDO JR, 2008, p. 32).
Além da atividade na imprensa e poética, o autor de Helena (1981), atua no
ramo de traduções de romances franceses para a Língua Portuguesa. Entre as obras,
destaca-se o texto “O barbeiro de Sevilha, de Caron de Beaumarchais, representado em
recital de gala em7 de setembro de 1866, com a presença do Imperador Pedro II e da
Imperatriz Teresa Cristina” (RAIMUNDO JR, 2008, p. 36). O escritor carioca também
verteu para o português em 1866, o romance de Victor Hugo Os trabalhadores do mar
que foi saudado com grande expectativa pelos jornais do Rio, entre eles, o Diário do
Rio de Janeiro, que publicou a versão, posteriormente editada em livro no final daquele
ano em três volumes.
Nesse período, Machado se dedicou à crítica literária, escrevendo análises dos
romances de José de Alencar: Iracema(1865); O culto do dever (1866), composto pelo
seu amigo Joaquim Manuel de Macedo e Cantos Fantásticos(1920) de Fagundes Varela
(1841-1875), entre outras obras. Em 1864, mesmo ano que faleceu seu pai Francisco de
Assis, publica seu primeiro livro de poemas Crisalidas. Três anos após a obra vir à
pública, Machado é nomeado para o cargo de ajudante de publicação do diretor do
Diretor do Diário Oficial, posto em que ficará até 1874.
Paralelo às atividades literárias e jornalísticas, Machado de Assis, após rápido
namoro, se casa com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais. A cerimônia

21
- O escritor “[...] reteve deliberadamente os fatos de sua vida privada, pois aparentemente sentia que
tais fatos não tinham nada que ver com sua vida espiritual e que o conhecimento deles traria somente
empecilhos à apreciação de suas obras” (CALDWELL, 2002, p. 12).

20
acontece no dia 12 de novembro de 1869. A noiva irmã de seu amigo Faustino Xavier
de Novais, que morreu três meses antes, em 16 de agosto de 1869. Ela viera da Europa
para cuidar de Faustino, e também, conforme muitos biógrafos apontam, para escapar
de um amor que não teve vida longa. A celebração das núpcias contraídas pelo até então
jornalista, tradutor, poeta Machado ocorre na capela particular da casa de Rodrigo Pereira Felício
(1820-1872), o Conde de São Mamede, no Cosme Velho.
No mesmo ano de seu casamento, Machado publica o seu primeiro livro de
contos: Contos avulsos(1994), composto por sete narrativas breves 22 , entre elas, O
segredo de Augusta e Miss Dólar cuja história é centrada numa cachorra que nomeia a
enunciação. “Tudo, personagem e conflitos, gravita ao seu redor, como um legítimo
antepassado do cão que contracena em Quincas Borba [1985]” (MÓISES, 2002, p.
118).
23
Para entendermos o que os contos significam na prosa machadiana ,
compreendemos essa forma de enunciação como “uma máquina infalível destinada a
cumprir a sua missão narrativa com a máxima economia de meios” (CORTAZAR,
1993, p. 228). Nessa perspectiva, esse tipo de narrativa pode ser analisado a partir de
sua forma fechada ou esférica, na qual

[...] o narrador poderia ter sido uma das personagens, vale dizer que a
situação narrativa em si deve nascer e dar-se dentro da esfera,
trabalhando do interior para o exterior, sem que os limites da narrativa
se vejam traçados como quem modela uma esfera de argila. Dito de
outro modo, o sentimento da esfera deve pré-existir de alguma
maneira ao ato de escrever o conto, como se o narrador, subentendido
pela forma que assume, se movesse implicitamente nela e a levasse à
sua extrema tensão, o que faz precisamente a perfeição da forma
esférica (1993, p. 228).

Desta forma, podemos dizer que:

A grandeza dos contos machadianos começa nessa incomum


capacidade de ver o instante revelador das figuras em conflito no seu
aspecto mais dramático ou trágico. Machado vai diretamente ao ponto,
não raro driblando as expectativas do leitor: por mais que este ponha a
funcionar a sua imaginação, não consegue antever o desfecho da
história. Mesmos nos contos que fluem naturalmente, como se fossem
crônicas inspiradas no cotidiano banal, o desenlace é uma surpresa
para o leitor. A necessidade da releitura pode ser a consequência

22
- Os contos machadianos, “distribuídos pelos vários livros, publicados em momentos distintos, tratam
do autoritarismo das imposições sociais como determinador do comportamento dos indivíduos”
(PROENÇA FILHO, Apud ASSIS, 2004, p. 13).
23
- Machado considerava o gênero difícil, apesar de sua aparente facilidade, o que poderia ter afastado
muitos escritores, bem como a ausência de um público ou quando existiu, deu pouca atenção a ele.

21
imediata dessa brincadeira de esconde-esconde, como se o leitor,
espicaçado, tivesse de voltar uma vez mais ao conto para surpreender
os pormenores onde se ocultam as chaves que facultem prever o seu
final. Um autêntico espetáculo hipnótico, vazado numa linguagem
concisa, ática, com a falsa aparência de simplicidade, que somente os
grandes contistas conseguem montar. Aí, em síntese, a maestria de
Machado na arte do conto, e a sedução que exerce ainda hoje nos
leitores, inclusive os mais exigentes (MÓISES, 2002, p. 119).

Voltando à bibliografia do ficcionista, também em 1869, ele edita pela casa


Garnier, o seu segundo livro de poemas Falenas. Machado retornaria ao estilo em 1875
publicando Americanas e em 1901 o último trabalho Poesias completas. No âmbito
romanesco 24 , a estreia de Machado se dá com o seu romance Ressurreição (2008),
publicado em 1872.

Embora ainda com laivos de romantismo, Ressurreição [grifo do


original] já era uma tentativa de análise psicológica. A intriga era o
que menos importava nessa narrativa, sem a preocupação de final
feliz, como em geral acontecia nos romances sentimentais. O que
interessava a seu autor era estudar o caráter e o comportamento de um
médico, o Dr. Félix, que aos 36 anos abandonara a medicina,
enriquecido por uma súbita herança. Ocioso e mundano, troca de
amantes a cada seis meses e rompe com a última delas, Cecília,
exatamente ao saber que despertava sentimentos de admiração e de
simpatia, senão de amor, a uma viúva, rica e mãe de um menino de
cinco anos, Lívia. Os dois se apaixonam, ao fim de alguns encontros e
de algumas valsas.
[...]
Às vésperas do casamento, rompe Félix com a viúva, numa carta
brutal, em que não explica a razão de tal atitude. Meneses, seu amigo,
é quem analisa, a frio, a situação, mostrando-lhe que a carta anônima
só podia ser o último recurso de um rival infame, um homem casado
que planejara fazer de Lívia a sua amante. O vacilante Félix procura,
por todos os meios, recompor o fio que brusca e desastradamente
partira. Mas o casamento já não é mais possível, pois, na mesma
medida em que ele é indeciso e vacilante, Lívia é orgulhosa e
intransigente. O sentimento de dignidade ferida faz com que ela feche
a porta à reconciliação, sem dar a Félix oportunidade de feri-la, no
futuro, com as suas suspeitas, ou novo repúdio (MAGALJÃES JR,
2008, p. 174-175).

Conforme Raimundo Magalhães Júnior apontou acima, nesse primeiro romance


é possível sentir certos lampejos de romantismo, entretanto, pelo conteúdo da prosa,
podemos especular que o autor já começava a indicar alguns elementos do que viria ser
designado realismo como estilo literário. Desta forma, concordamos com Tânia
Pelegrini (2009, p. 14) quando esta afirma que “o romance acomodou-se de modo mais

24
- O gênero romance “[...] não nasceu para copiar toda a vida. Como qualquer criação artística ele impõe
artifício, quer dizer, simplificação, quer dizer, escolha” (HOLANDA, 1978, p. 62).

22
que perfeito ao realismo, por sua incompletude e berço incerto e por eleger como
epicentro da narração um indivíduo determinado”.
Ainda no âmbito da importância do romance para o mundo literário, Mikhail
Bakhtin (1895-1975) diz que o gênero seria o único que “[...] reflete mais
profundamente, mais substancialmente, mais sensivelmente e mais rapidamente a
evolução da própria realidade. Somente o que evolui pode compreender a evolução”
(BAKHTIN, 1988, p. 400).
De acordo com o teórico russo,

[...] o romance tornou-se o principal personagem do drama da


evolução literária na era moderna precisamente porque, melhor que
todos, é ele que expressa as tendências evolutivas do novo mundo, ele
é, por isso, único gênero nascido naquele mundo e em tudo
semelhante a ele (1988, p. 400).

Entre o seu primeiro romance e o segundo A mão e a luva (2008) lançado em


1874, Machado publica em 187325 mais um livro de contos: Histórias da meia noite
contendo seis enunciações mais a advertência. Entre as narrativas, o leitor encontrará A
parasita azul (1994), o maior conto do livro contendo 81 advérbios de modo.
É deste ano também o texto crítico Instinto de Nacionalidade, no qual o autor
volta suas reflexões para a necessidade de a literatura produzida no Brasil até
aquelemomento ressaltar as coisas do país, se tornando mais independente, ou com um
viés mais original (PASSOS, 2014, p. 167), inclusive criando uma crítica para que
pudesse estabelecer os princípios que iriam norteá-la.
A obra foi publicada pela primeira vez em 24 de março daquele ano, no
periódico brasileiro O Novo Mundo, impresso em Nova Iorque e editado por José Carlos
Rodrigues que, em carta de setembro de 1872 solicitou a Machado de Assis uma análise
geral da situação literária no Brasil até então. No trabalho – que poderia ser traduzido
para o inglês -, o ficcionista faria comentários críticos sobre as boas e as más tendências
no âmbito literário e moral (BERGAMINI, 2013, p. 22).
Machado ressaltava que o romancista pode retratar em sua prosa, as cores
locais26, mas sem estabelecer doutrinas absolutas, pois pode empobrecê-la. Portanto,

25
- Neste ano é nomeado, por determinação do governo monárquico, funcionário público assumindo o
posto de primeiro-oficial da Secretaria do Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas. Machado de Assis permanecerá servidor público até 1908, assistindo de dentro da esfera
burocrática o fim do Império e os primeiros anos do regime republicano.
26
- No dia 24 de julho de 1872, o mesmo periódico que publicara um ano depois o texto crítico
encomendado a Machado de Assis, “comenta artigo no qual Joaquim Nabuco defendia, contra [o poeta

23
deve-se esperar ou até mesmo exigir do escritor certo sentimento íntimo que o torne um
homem do seu tempo e de seu país mesmo quando aborda temas remotos no tempo e no
espaço (ASSIS, 1910, p. 14).

O crítico [Machado de Assis] buscava assegurar aos brasileiros o


direito à universalidade das matérias, por oposição ao ponto de vista
“que só reconhece espírito nacional nas obras que tratam de assunto
local”. Pode-se dizer também que reivindicava o melhor legado
romântico – o sentimento da historicidade – contra a aliança em voga
de pitoresco e patriotismo, que naquela altura já se revelava uma
prisão para a inteligência. Isso posto, o brasileirismo que Machado
tinha em mente e iria realizar na sua obra da segunda fase, um
brasileirismo “interior, diverso e melhor do que se fora apenas
superficial”, não é fácil de trocar em miúdos (SCHWARZ, 2000, p. 9-
10).

Ainda neste texto em que trata de diversos assuntos relativos à literatura


brasileira, Machado faz algumas observações sobre o romance que as consideramos
importantes para entender o seu posicionamento naquele momento da história literária
do país e o que torna o seu texto singular. Segundo ele, de todas as formas de
expressões literárias no Brasil, entre elas a lírica e o poema, o romance seria a mais
cultivada no país, já que teria a preferência em virtude da inexistência de obras que
tratavam de assuntos relacionados à filosofia, crítica histórica, política. Sendo assim, o
romance teria o predomínio entre o público leitor brasileiro27 (ASSIS, 1910, p. 15).
Mesmo de forma limitada em função do escasso público leitor, o ficcionista
dizia que os romancistas brasileiros da época possuíam qualidade de observação e de
análise. Desta forma, os estrangeiros poderiam encontrar muitas páginas retratando a
vida e os costumes brasileiros, entretanto, os romances inteiramente analíticos seriam
escassos. Isso ocorria porque, segundo Machado, a índole nacional não chamava os
escritores para esse ponto ou talvez porque o tipo de obra era incompatível com a
adolescência literária em que se encontrava o Brasil (ASSIS, 1910, p. 16).

português] Alexandre Herculano [1810-1877], que a poesia de Gonçalves Dias tinha ‘muita cor local’,
mas isso não era suficiente para garantir originalidade. Não falta a referência a Shakespeare (bretão,
romano, mouro), lugar comum no período. Em 23 de agosto de 1872, no artigo ‘Longfellow, o poeta’,
William Cullen Bryant é criticado em comparação com Longfellow, pois os poemas do primeiro, ‘ricos
como são da cor local americana, são muito contemplativos demais, e tem pouca ternura ou paixão para
nos agradar’” (BERGAMINI, 2013, p. 27).
27
- Vale ressaltarmos que, a exemplo do que aconteceu na Europa XVIII, o Brasil Oitocentista também
não poderia ser considerado uma Nação composta por um grande público leitor, tendo em vista o alto
percentual de analfabetos existentes, além de a população ser, em sua maioria, formada por escravos.
Hélio Seixas Guimarães (2012) realizou pesquisa sobre como os narradores machadianos se referiam aos
seus virtuais leitores.

24
Após a publicação deste artigo crítico, Machado lança no final de 1874 o seu
segundo romance A mão e a luva (2008). Inicialmente em forma de folhetim em 20
edições, entre os dias 26 de setembro e 3 de novembro daquele ano, do jornal O
Globodirigido por Quintino Bocaiuva e logo depois a obra sai em volume. A
enunciação foca na história de amor envolvendo quatro pessoas: Guiomar e três
pretendentes: Jorge, Estêvão e Luís Alves. Inicilamente Estêvão cai de amores pela
moça que vivia sob a proteção de sua madrinha que desejava vê-la casada com o
sobrinho Jorge, entretanto, a moça, que inicilamente opta pelo parente da protetora,
posteriormente inclina-se àLuís Alves, amigo de Estêvão. A escolha reside no fato de
que mabospartilhavam os mesmos desejos ambiciosos.
De acordo com Roberto Schwarz, esse segundo romance machadiano foge do
corriquiero, já que busca “[...] formular e poetizar – ai a surpresa – o interesse bem
compreendido das partes, em questões de cooptação, no que procede com reflexão e
audácia” (2003, p. 95). Pela enuncição, o leitor compreenderá que a heroína não exitará
em escolher entre as paixões chorosas do advogado Estevão, a inércia de Jorge que
aguarda receber os benefícios aferidos pelo sobrenome de que é portador e o ambicioso
Luís Alves. Guiomar optará pelo seu ideal de luzimento social, uma boa casa com bons
móveis e um marido com posição social. Desejos divididos com o seu escolhido que
almeja ser deputado, além de já ser rico (SCHWARZ, 2003, p. 98).
Concordamos com Schwarz quando este afirma que o folhetinista apresentouem
A mão e a luva certa compreensão da socidade brasileira da época, no entanto com o
desfecho da enuncição, “[...] Machado opõeao paternalismo autoritário e tradicionalista
um paternalismo esclarecido, que aproveita os dons naturais e a iniciativa do
beneficiado, em lugar de sacríficá-lo” (2003, p. 99). Sendo assim, o mérito da narrativa
reside no fato do autor apontar os desencontros protagonizados pelo quarteto,

[...] passando-os de fatos perdidos na vida corrente a germens de


construção romanesca e interpretação da existência. Noutras palavras,
as relações de favor vieram a ser bem mais do que um assunto.
Puxando as ideias liberais para dentro de seu campo de gravitação,
dão origem a um território com problemas, conflitos, prioridades e
meandros próprios. Esta lógica reitera uma lógica real, naturalmente
sem reproduzir a realidade inteira. Aqui o fundamento da tão singular
brasilidade sem pitoresco, que todos reconhecem a Machado, e que ele
próprio ambicionava. Mas é certo também que só na segunda fase esta
lógica estará desenvolvida sem entraves. A mão e a luva [grifos do
original] elabora-lhe alguns elementos e beneficia deles, subordinados
porém à inconsequência rigorosa da literatura leva. Donde a impressão
duvidosa deixada pelos romances da primeira fase: não são melhores

25
que os seus predecessores, sendo bastante mais encorpados. A
densidade é devida às formas de que falamos, que no sentindo simples
da palavra são genuínas, pois representam generalizações da prática
social (SCHWARZ, 2003, p. 100-101).

Antes de lançar a sua terceira prosa romanesca, Machado, sob a influência dos
amigos escitores indigenistas José de Alencar e Gonçalvez Dias publica em 1875 sua
terceira coletânia de poemas: As americanas. Em 1876, usando também o expediente
do folhetim nas páginas do Globo dá vida a Helena. Título alusivo à personagem que
aporta na residência da família do Conselheiro Vale na condição de filha deste e
reconhecida somente em testamento.
Helena - os leitores saberão conforme avançam a leitura – não detem grau de
parentesco com o seu benfeitor e esconde esse segredo da família que o acolhe como
membro do clã, porém, todos os dias, acompanhado do escravo Vicente 28 , visita
Salvador, o verdadeiro pai, cuja esposa o abandonou para viver com o Conselheiro.
Entre as idas e vindas,ela mantém relações de meia-irmã com Estácio, chegando ao
ponto de sugerir ao leitor a possibilidade de haver um idílio incestuoso. Entre os dois
existe Dona Úrsula.
O desfecho dos 28 capítulos da enuncição ocorre quando os segredos da moça
são descobertos pelos familiares do seu benfeitor e Helena é obrigada a viver na casa
como agregada. Todavia, a protagonista se recusa, morrendo em seguida de causas
desconhecidas, ou de uma espécie de bovarismo29, semelhante ao óbito de Flora, outra
personagem machadiana presente no penúltimo romance Esaú e Jacó (2008).
Entre algumas observações sobre determinadas peculiaridade presente nessa
terceira narrativa longa de Machado, podemos apresentar a que Sidney Chalhoub
chamou de ideologia senhorial. De acordo com ele, a enunciação ja aponta essa relação
nos primeiros capítulos quando da morte do Conselheiro e a abertura do seu testamento.

O episódio parece exemplar e concentra o significado social mais


decisivo a um determinado ideário de dominação de classe: a vontade
28
- Durante os périplos de Helena à casa do pai biológico, Vicente aproveita para ficar à vontade
enquanto a égua Moema pasta à beira do caminho. Sidney Chalhoub aponta que essa narrativa apresenta
momentos em que o cativo se sente verdadeiramente livre, apesar de gozar de determinados benefícios
aferidos pelo fato de ser escravo doméstico e bem quisto pelo falecido Conselheiro Vale.
29
- Embora o vocábulo, lançado na França e atrelado à personagem Emma Bovary do romance Madame
Bovary (2007) lançado por Gustave Flauber (1821-1880) em 1857, tenha diversos significados inclusive
no Brasil, conforme atesta Eliana Maria de Melo Souza em seu artigo Itinerários do bovarismo (2013),
usamos o termo aqui como sendo uma necessidade que a pessoa, no caso, Helena, tem de transferir para o
externo seus sonhos. Desta forma, como a personagem não consegue concretizar seus desejos secretos de
se casar com Estácio acaba padecendo deste sonho diante do fato de viver de favor na casa deste e não
como sua esposa.

26
do chefe da família, do senhor-proprietário, é inviolável, e é essa
vontade que organiza e dá sentido às relações sociais que a circundam
(CHALHOUB, 2003, p. 19-20).

Ainda sobre a singularidade do terceiro romance machadiano e o retrato da


ideologia senhorial exposta nele, Chalhoub afirma que enquanto nos primeiros capítulos
a narrativa aponta esse aspecto da vida brasileira do século XIX, explorando as tensões
internas que marcavam a classe dominante, com a personagem principal Machado lança
os seus virtuais leitores na essência das contradições da classe que constituem essa
política específica de dominação (2003, p. 23-24).

A chave do problema, talvez a chave do livro, consiste em perceber


que há na personagem Helena, apesar das aparências em contrário,
uma visão de mundo que lhe é própria, e que não pode ser entendida
se referida apenas à ideologia senhorial. Dito de outra forma, a
protagonista decerto conhecia e compartilhava os significados sociais
gerais que, regisdos por Estácio e criaturas semelhantes, reproduziam
aquele universo de relações sociais; o fato crucial, no entanto, é que
Helena, por sua posição ambivalente, está condenada a uma introjeção
crítica dos valores e significados que organizam o mundo a partir do
ponto de vista de Esácio (CHALHOUB, 2003, p. 24).

Antes de lançar o seu quarto romance Iaiá Garcia (1878), Machado colabora
com a revista Ilustração Brasileira. A contribuição tem início em julho de 1876 e vai
até abril de 1878. Durante esse período, o escritor publica trabalhos em todas as edições
do períodico. Paralelamente aos textos que estampam a revista, em janeiro deste ano, o
ficcionista inicia no jornal O Cruzeiro a publicação em forma folhetinesca dos capítulos
que comporão o seu quarto trabalho.
Com Iaiá Garcia (2008), conforme muitos críticos apontam entre eles Roberto
Schwarz, chega-se ao fim da chamada primeira fase romanesca de Machado de Assis
composta pelos quatro primeiras narrativas longas. Após conhecer o cinismo ingênuo de
A mão e a luva e do purismo de Helena, os leitores se depararão com uma enuncição em
que há um completo desencanto.

Uma posição circunspecta, por assim dizer adulta, que não se priva da
reflexão e dos sentimentos desabusados, nem do apoio e da ordem
estabelecida (e que é um compromisso entre a exigência moral de
Helena e o realismo de Guiomar). É ela a responsável pelo livro sem
humor. Melhor, pontos de vista de uma audácia muitas vezes
excepcional ficam parados na sombra, sem outro efeito que o de
existirem. Seu pessimismo não se expande em desapego ou na
vivacidade do comentário crítico, e tem alguma coisa irredimida,
contrária também à beleza literária (SCHWARZ, 2003, p. 151).

27
No enredo deste quarto romance machadiano, o leitor encontrará a história
vivida por Iaiá, filha do funcionário público Luís Garcia que, além de viúvo, mantinha
laços de amizade com a família da também viúva Valéria Gomes, cujo filho Jorge está
apaixonado por Estela, filha do funcionário do falecido marido, entretanto, tal
sentimentos não pode ser concretizado pela diferença social e em virtude de a mãe
querer que o mesmo contraia núpcias com alguém da mesma condição sócio-
econômica.
Para evitar que o filho se case com algupem abaixo de sua reputação, Valéria
obriga Jorge a alistar-se no Exército e lutar na Guerra do Paraguai (1864-1870).
Atentendo as súplicas da matriarca, ele vai para o front, de onde volta com alta patente
das Forças Armadas, entretanto, entre uma batalha e outra, Jorge sempre pensa em
Estela, porém, ficou chocado quando soube que esta se casou com Luís Garcia em
virtude das boas relações que ela mantinha com a filha do funcinário público, Iaiá.
Jorge volta para a vida civil e com o falecimento da mãe, conduz sua existência
a partir dos contatos que fez durante a batalha e os benefícios aferidos com a morte da
matriarca da família. No desenrolar da narrativa, Luís Garcia falece e o ex-amado de sua
esposa acaba contraindo matrimônio com a sua filha Iaiá.

Em Iaiá Garcia[grifos do original], desde as primeiras páginas o leitor


percebe a realidade mais abundante, menos esquemática, e ainda
assim melhor unificada. Como era de esperar, a apreciação realista das
relações sociais é propícia também ao realismo literário, e se não
assegura o ângulo crítico radical, pois pode se associar a uma atitude
conformista, assegura a propriedade e a latitude na incorporação da
empiria (SCHWARZ, 2003, p. 152).

Segunda fase

A chamada segunda fase romanesca de Machado de Assis, conforme muitos


críticos apontam, tem início com a publicação em folhetim das Memórias póstumas de
Brás Cubas(1998). Elas vêm a público em 1880, após retiro do folhetinista em
Petrópolis – consta que foi essa a única vez que ele saiu da cidade do Rio de Janeiro –
para cuidar de problemas de saúde. O romance, que sai integralmente em forma de livro
em 1881, é narrado na primeira pessoa e traz a história de Brás Cubas que herda fortuna
do pai, mantem-se solteiro por toda a vida, conforme aponta no final de suas
enunciações de defunto-autor: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o
legado da nossa miséria” (ASSIS, 2008, p. 176).

28
Em suas memórias, Brás conta as peripécias de sua existência desde a infância
quando quebrou a cabeça de uma escrava porque ela se recusara a dar-lhe doce antes
que estivesse pronto. Passa pela adolescência e os primeiros amores e a necessidade de
abandoná-los por conta de compromissos familiares, a viagem ao exterior para
frequentar uma universidade, como era próprio das famílias abastadas da época. Entre
esses relacionamentos sentimentais, há um específico com Eugênia, filha dona
Eusébiaamiga da família.A alcunha da moça, Flor da moita, lembrava a sua condição de
filha de pai desconhecido.
Ainda no que diz respeito aos seus périplos, o narrador resgata, após a sua morte,
o seu envolvimento com Marcela, além de recuperar as histórias de seu amor pela
namorada Virgíliaque acaba casando com o político Lobo Neves, mas se torna sua
amante por muitos anos. Ele relata ainda sua relação conturbada com o cunhado Cotrim.
Os leitores encontrarão ainda o relacionamento de Brás Cubas com o escravo Prudêncio
desde a infância até o dia em que o encontrou na condição de alforriado, surrando um
cativo que comprou.
No âmbito político, destacamos uma passagem do capítulo IV A ideia fixa
(ASSIS, 1998, p. 20-21), cuja leitura metafórica possibilita uma miríade significativa de
interpretações tendo em vista o seu conteúdo.

Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva,


há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares,
que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes lhe
sobrevivem? Mal comparando, é como a arraia-miúda, que se acolhia
à sombra do castelo feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se
fez graúda e castelã... Não, a comparação não presta (ASSIS, 1998, p.
21).

Somente esse trecho suscita-nos uma série de observações sobre as reais


intenções do autor ao colocá-lo no final deste capítulo. Entretanto, sobre a obra em si
podemos dizer que esse quinto romance machadiano é considerado um divisor de águas
em sua obra, ao ponto de afirmamos que a partir das Memórias a produção romanesca
de Machado de Assis se divide em dois momentos. A primeira seria composta pelos
quatro primeiros livros e o segundo inicia-se a autobiografia de Brás Cubas, além das
referências à sátira menipéia, conforme atesta Enylton de Sá Rego. Segundo ele, “[...] a
partir da metade da década dos setenta que Machado passa a se servir da tradição da
sátira menipéia, tradição que aparece pela primeira vez em seus romances” (SÁ REGO,
1989, p. 8) como nas Memórias.

29
Outro que analisou a prosa considerada como sendo a virada na vida romanesca
do ficcionista brasileiro foi Alfredo Bosi para quem, com a criação da personagem Brás
Cubas, Machado

[...] passou a lidar com o foco narrativo de primeira pessoa. O estilo


de memorialista poderia ser interpretado como um procedimento
retórico escolhido para conferir verossimilhança ao relato, supondo-se
que o narrador, ao assumir-se como sujeito do enunciado, seja a
testemunha mais idônea para contar a sua própria história. Em
princípio o eu [grifo do original] fala só do que viu e do que sabe ou
lhe parece e, nesse sentido, a sua percepção seria mais realista que a
do narrador onisciente que afeta conhecer tudo o que se passa fora e
dentro das personagens (BOSI, 2006, p. 7).

Passando pela volubilidade do narrador, conforme demonstrou Roberto Schwarz


em seu estudo sobre o folhetinista, no qual aponta que “Brás encarna perfeitamente o
princípio da subjetividade moderna, que não acata limitações e se sabe intitulada à
totalidade do que o mundo tem a oferecer de mais recente”(2001, p. 64), temos claro
que a sociedade brasileira retratada nesse quinto romance por Machado de Assis estava
estruturada sob a norma liberal paradoxalmente associada ao trabalho escravo, cujo
casamento ficcional entre Brás Cubas e Eugênia não poderia se concretizar.

Ao lado da norma liberal e com presença tão sistematizada quanto a


dela, há aqui uma ideologia familista, calcada na parentela de tipo
brasileiro, com seu sistema de obrigações filiais e paternais abarcando
escravos, dependentes, compradores, afilhados e aliados, além dos
parentes. Esta ideologia empresta familiaridade e decoro patriarcal ao
conúbio difícil de relações escravistas, clientelistas e burguesas. À
condenação liberal da sociedade brasileira, estridente e inócua, soma-
se a sua justificação pela piedade do vínculo familiar, cuja hipocrisia é
outra especialidade machadiana. Condenação e justificação
contribuem igualmente para o concerto de vozes inacessíveis em que
consiste esse romance (SCHWARZ, 2001, p. 70).

Antes de publicar, Quincas Borba (1985), obra tida por muitos como a
continuidade dasMemórias 30 , Machado ficou sem escrever romances por dez anos,
portanto, essa sexta obra só foi lançada em 1891. Durante esse período publicou o livro

30
- No prólogo da terceira edição publicada em 1899, o próprio Machado já aponta que Quincas Borba
não é uma continuidade de Memórias. “Um amigo e confrade ilustre tem teimado comigo para que dê a
este livro o seguimento de outro. ‘Com as Memórias Póstumas de Brás Cubas, donde este proveio, fará
você uma trilogia, e a Sofia de Quincas Borba ocupará exclusivamente a terceira parte’. Agora tempo
cuidei que podia ser, mas relendo agora essas páginas concluo que não. A Sofia está aqui toda. Continuá-
la seria repeti-la, e acaso repetir o mesmo seria pecado. Creio que foi assim que me tacharam este e
alguns outros dos livros que vim compondo pelo tempo fora no silêncio da minha vida. Vozes houve,
generosas e fortes, que então me defenderam; já lhe agradeci em particular, agora o faço cordial e
publicamente [grifos do original]” (ASSIS, 2008, p. 761).

30
de contos Histórias sem data (1884), além de escrever várias crônicas para os jornais
cariocas, cujos conteúdos vão do fim da escravidão ao enfraquecimento do trono,
culminando com a sua extinção em 1889, tudo de forma irônica e metafórica. Exemplo
deste tipo de narrativa jornalística pode ser encontrado em um texto publicado no dia 9
de setembro de 1884, no jornal Gazeta de Notícias e que integra a série Balas de Estalo
(1998). A significância da crônica na obra machadiana reside no fato de que a mesma
“[...] vive amarrada ao cotidiano, ou ao rés do chão, e ao humor, tendo em vista que a
vida diária das gentes e da sociedade brasileira mudou nos últimos cem anos”
(FACIOLI, Apud CRUZ JR, 2002, p. 9).
Além das crônicas, o romancista escreveu o conto longo Casa Velha(1994). A
narrativa foi publicada entre 1885 e 1886 na revista carioca A estação. A história
contendo nove capítulos foi editada em 25 edições daquele periódico. De acordo com
John Gledson, essa enunciação machadiana ficou esquecida pelo publico até 1944 ao ser
recuperada e republicada de maneira integral pela crítica e biógrafa de Machado de
Assis, Lucia Miguel-Pereira [1901-1959](GLEDSON, 2003, p. 37).
Assim como ocorreu em Iaiá Garcia (2008), nesse texto, cuja narrativa excede a
maioria dos contos machadianos, o leitor encontrará novamente a questão da relação
sentimental entre duas pessoas pertencentes a estratos sociais diferentes da sociedade
brasileira do século XIX. Em virtude das dissonâncias sociais existentes entre o casal, o
idílio amoroso não pode se concretizar e, para que o objetivo da matriarca da família e
mãe do jovem se concretize ela tenta mandá-lo estudar na Europa.

O narrador ficcional de Casa Velha [grifos do original] é um velho


cônego da Capela Imperial; lembra (em data indeterminada) os
eventos em que se envolveu muitos anos antes, em 1839, quando tinha
trinta e dois anos. Estes eventos giram em torno dos habitantes da
própria Casa Velha, uma aristocrática casa nos arredores do Rio,
descrita, com sua imponente solidez e autossuficiência, no primeiro
capítulo. Dona Antônia, a chefe da família, é a viúva de um ex-
ministro de Pedro I; seu único filho, Félix, apaixonou-se por Lalau
(Cláudia), uma agregada que foi criada por Dona Antônia, após ficar
órfã em 1831. O padre-narrador, que foi à casa pela primeira vez em
busca de documentos para uma planejada história do Primeiro
Reinado, envolve-se no drama criado por essa situação porque, apesar
de seu afeto por Lalau, Dona Antônia não pôde aceitar um casamento
de seu filho abaixo de sua condição social. O padre tenta persuadi-la a
permitir o casamento, até que ela, como último recurso, sugere que o
casamento dos dois seria incestuoso; Lalau, insinua (embora não
declare), é produto de um caso ilícito entre seu falecido marido e a
mãe da menina (agora morta). O padre, então, fica do lado de Dona
Antônia e ajuda-a a separar os enamorados, dizendo-lhes a “verdade”

31
sobre a origem dos dois. Mas, no último dia de suas pesquisas
históricas, ele descobre um bilhete, escrito pelo ex-Ministro, que se
refere a uma criança morta (“um anjinho”). Achando que este
“anjinho” (e não Lalau) pode ter sido o produto do caso amoroso, ele
conversa com a tia de Lalau e descobre a verdade. Lalau não é a filha
do ex-Ministro, mas sua mãe realmente teve um caso com ele, que
resultou no “anjinho”. Quando esta notícia é revelada a Dona Antônia,
ela fica altamente chocada, pois sua “revelação” inicial era uma
simples mentira, visando a obter a ajuda do padre. No entanto, mesmo
agora, que o principal empecilho para o casamento está afastado,
Lalau recusa-se a casar com Félix, dizendo que não pode esposar o
filho de um homem que desonrou sua mãe, a quem ela adorava. No
fim, cada qual se casa dentro de sua classe social e o comentário final
do narrador é: “Se ele e Lalau foram felizes, não sei; mas foram
honestos, e basta” (GLEDSON, 2003, p. 38-39).

Em linhas gerais, através dessa breve apresentação deste conto feita por John
Gledson, podemos dizer que a tônica das enunciações machadianas pautava-se pelas
questões sociais e o relacionamento entre pessoas de classes distintas e a
impossibilidade de se manterem no mesmo nível desejado em virtude de seus
pertencimentos classicistas. Esse seria o mote principal da narrativa de Casa Velha,
entretanto, em uma espécie de segunda enunciação é possível o leitor encontrar
lampejos da história do Brasil, principalmente no que diz respeito ao período da
história, ou seja, entre o Primeiro e o Segundo Reinado.

As especulações políticas e históricas de Machado muitas vezes são


assim ocultas e implícitas. Mas podem ser desvendas e compõem, com
muito mais frequência do que suspeitavam os críticos, um aspecto
essencial de suas intenções como escritor (GLEDSON, 2003, p. 49).

Isso é possível, porque nos textos do escritor carioca, a enunciação

[...] ganha relevo e sentido enquanto prática social autônoma da


linguagem e permite sua decifração fundada numa ironia estratégica,
onde falam muitas vozes, todas mediadoras da “verdade” do escritor,
que se utiliza delas de múltiplas formas, sem que a opinião de
Machado de Assis se imponha autoritariamente (FACIOLI, Apud
CRUZ JR, 2002, p.10).

Essas particularidades machadianas também estão presentes no sexto romance


do ficcionista: Quincas Borba (1985). Nesta enunciação, cuja serialização começa na
revista Estação e posteriormente publicado em 1891 pela editora Garnier, o leitor
encontrará a história de Quincas Borba que aparece inicialmente no romance anterior
Memórias póstumas, que, seguindo exemplo da origem de sua fortuna, a deixa em
testamento para o amigo Rubião, professor em Barbacena, interior de Minas Gerais.

32
Junto com o dinheiro, o educador recebe como compromisso a obrigação de cuidador do
cachorro do seu benfeitor, também chamado de Quincas Borba.
Após se apropriar da herança, Rubião muda-se para o Rio de Janeiro, sede da
Corte imperial. Durante o traslado conhece o casal Cristiano Palha e Sofia que promete
ao novo milionário apresentar a capital da monarquia, juntamente com seus amigos,
além de proteger-lhe de espertalhões para não perder a fortuna deixada pelo amigo
filósofo.
Com a convivência, a mulher de Palha observa que Rubião devota-lhe
sentimentos especiais e compreende, sob a influência do marido, que pode obter
dividendos com essa devoção do professor-milionário que se declara a ela durante um
baile. Mesmo indignada, Sofia continua o jogo, pois Cristiano devia muito dinheiro a
ele e, além disso, tinha outros interesses, como se tornar sócio de Rubião, coisa que
acontece tempos depois.
A consequência diante do deslumbramento do herdeiro por Sofia, o esposo desta
passa a administrar todos os recursos da sociedade e, após estar estabelecido
financeiramente, rompe com Rubião que não deixa de assediar a mulher do ex-sócio, a
ponto de um determinado dia, se encontrar com ela no interior de uma carruagem
dizendo que era Napoleão III, indicando que poderia estar demente. A notícia de sua
insanidade espalha-se pela cidade e os Palhas assumem os cuidados com o doente que é
transferido para uma residência mais simples e de lá para um hospício de onde consegue
escapar na companhia do cachorro Quincas Borba.
O destino dos dois é Barbacena, cidade natal do professor. Por não ser
recepcionado por nenhum dos moradores, acaba dormindo na rua em companhia do cão.
No dia seguinte, o amigo do filósofo morre acreditando ser Napoleão III. Em linhas
gerais, esse é o conteúdo do sexto romance de Machado de Assis, cuja época histórica
aborda os anos de 1867 e 1871, ou seja, o período em que a Monarquia começa seu
declínio, chegando a ruina e a sua completa eliminação em 1889. Entre os fatos,
podemos destacar “[...] a Guerra do Paraguai, que se prolongou até o início de 1870, e a
Lei do Ventre Livre, aprovada em 28 de setembro de 1871” (GLEDSON, 2003, p. 74).
Devemos enfatizar ainda

[...] a mudança de governo, em 1868 quando o Imperador, face


auma Câmara de Deputados dominada pelo Partido Liberal,
impôs o velho líder do Partido Conservador, o Visconde de
Itaboraí, como presidente doConselho, acontecimento chamado

33
na hora de “estelionato” e posteriormente de golpe de estado
(2003, p. 74).

Por outro lado, a obra machadiana se destaca pela apresentação da possibilidade


que as personagens demonstram de se passar de uma classe para outra. Desta forma,

[...] a principal escada utilizada com esse objetivo são os negócios, e


Cristiano Palha, ex-seminarista, junto com sua esposa Sofia, filha de
um funcionário público, são mostrados com cuidadosos detalhes, em
sua suave e cínica ascensão através dos escalões sociais. A mudança
de uma sociedade estável para outra (relativamente) fluida é
obviamente muito importante e representa uma mudança, claro, não
apenas com relação aCasa Velha, mas a Brás Cubas também. Vale a
pena lembrar que Brás morre em 1869; ele não apenas pertence a um
mundo anterior: a própria data é simbólica, porque Machado parece
situar precisa e especificamente, no fim da década de 1860, a mudança
de um tipo de sociedade para outro e, consequentemente, de um tipo
de trama para outro [grifos do original] (GLEDSON, 2003, p. 74).

De qualquer forma, é possível dizermos que Quincas Borba seria visto pela
crítica como uma importante ruptura na ficção do próprio autor, mesmo que este
romance possa demonstrar certa continuação dos livros anteriores, entretanto, apresenta
uma composição difícil já que precisou passar por ajustes, sendo que um dos mais
difíceis, conforme aponta Gledson, diz respeito à questão política personificada no
desafio de reproduzir a partir da perspectiva ficcional a crise política iniciada no final da
década de 60 do século XIX (GLEDSON, 2003, p. 85-85).

Os romances realistas, afinal, davam muitos modelos para os


comerciantes em ascensão, e Palha, sutilmente retratado como ele é,
parece ter apresentado, relativamente, pouca dificuldade para
Machado (isto, a julgar pelas mudanças entre as duas versões do
romance que, neste caso, são mínimas) (2003, p. 85).

Após a publicação de Quincas Borba, Machado só voltaria à forma romanesca


em 1899 com o que se pode chamar de sua obra mais complexa: Dom Casmurro (2008).
Durante o intervalo entre sua sexta narrativa longa e o sétimo livro, o escritor publicou
dois livros de contos: Várias Histórias (1896) e Páginas recolhidas (1899). Do
primeiro, o conto A cartomante (1997) talvez seja o mais famoso pela sua temática
envolvendo traição e exercício de adivinhação e também o texto Um homem célebre
(2004), cuja enunciação retrata a história de Pestana, um pianista que sonhava compor
músicas semelhantes a Mozart, mas se torna famoso pelas polcas, entretanto não dá a

34
mínima importância a isso, pois desejava mesmo se igualar aos grandes músicos
clássicos.
Compõe também Varias Histórias o conto O enfermeiro, cuja história enfoca a
relação entre o coronel Felisberto e o enfermeiro Procópio José Gomes Valongo. O
primeiro, por se encontrar em enfermidade letal, estava sob os cuidados do segundo que
consegue o trabalho graças à influência de um pároco de Niterói para quem havia
prestado serviços de escrita. O ápice da relação entre ambos é a morte de Felisberto,
assassinado pelo enfermeiro após um ataque de raiva que acometeu o enfermeiro depois
de mais uma série de sevícias praticadas pelo patrão que, mesmo sendo violento, legou
ao seu empregado toda a sua fortuna.
No que diz respeito ao segundo livro de contos, há várias histórias, entre elas O
dicionário (2004) e o Caso da Vara (2004). No primeiro, a narrativa diz respeito ao
tanoeiro Bernardino que achava que “este mundo é um imenso tonel de marmelada, e
em política pedia o trono para a multidão” (ASSIS, 2004, p. 289). O segundo relata a
existência de uma escrava, Lucrécia, que vivia sendo surrada pela sua proprietária,
Sinhá Rita, por qualquer falta que cometesse. Determinado dia, antes de 1850, conforme
o narrador aponta, chega a casa Damião que havia fugido do seminário e pedia o auxílio
da matriarca para não ser punido pelo pai.
Enquanto este solicitava as súplicas de Rita para que intercedesse por ele em
relação ao seu pai, Damião conversa com a escrava que, novamente comete falta e seria
punida, porém, ela pede ao jovem que a defenda, evitando sofrer novas sevícias. Em
linhas gerais, a dona da casa consegue aliviar a situação do jovem seminarista, porém,
este, para não perder o apoio da matriarca, não cumpre o trato que fez com Lucrécia que
é severamente açoitada.
Já em Dom Casmurro a narrativa é centrada em torno do casal Bento Santiago e
sua esposa e amor de infância Capitolina. De maneira geral, a história pode ser
apresentada a partir do nascimento do enunciador, após a morte do primeiro filho de
dona Glória que, em virtude disso, faz promessa ao seu santo de devoção que, se o
próximo filho sobrevivesse, o faria padre.
Após a morte do marido, a mãe de Bentinho muda-se para o Rio de Janeiro -
capital do Império -, indo morar em Mata-cavalos onde o filho adolescente conhece a
filha do funcionário público Pádua e com ela mantém estreito laço de amizade, ao ponto
de o agregado da casa, José Dias, alertar a matriarca dos Santiago sobre a hipótese dela
não ver a sua promessa realizada, ante a possibilidade de Bento e Capitu iniciarem um

35
namoro. Ao saberem da conversa que o agregado tivera com a mãe do adolescente,
tanto ele quanto Capitu tenta articular de todas as formas para que Bentinho não
ingresse no seminário, inclusive recorrer ao Imperador D. Pedro II, tido como
representante divino na terra. Entretanto, apesar de todas as confabulações, o filho acaba
fazendo a vontade da mãe e inicia seus estudos para se tornar padre.
No seminário, Bento Santiago conhece Ezequiel Escobar que o ajuda a
abandonar os estudos para se casar com o seu amor de infância. A saída encontrada para
que o narrador realizasse seu sonho de infância, foi dona Glória custear os estudos de
um jovem pobre, fazendo-o padre e desta forma, a promessa seria cumprida e o filho
desta voltaria para os braços de sua amada, mas antes do casamento, iria para São Paulo
cursar Direito, juntamente com Ezequiel Escobar.
A maneira como o narrador apresenta a história, ou seja, do presente para o
passado em uma espécie de autobiografia, é possível ao leitor entender que todas as
adjetivações negativas que atribui à sua esposa, no momento da enunciação já morta,
advêm de observações feitas por José Dias quando o casmurro era adolescente. Desta
forma, apresenta a esposa como adúltera por achar que ela o traiu com o seu melhor
amigo Ezequiel Escobar. A suposta prova da traição seria o filho que tem o nome dele:
Ezequiel. Ele acaba desterrando-a como esposa adúltera e enterra a mãe como santa. “A
conclusão à qual Santiago gradualmente leva o leitor é que a traição perpetrada por sua
adorável esposa e seu adorável amigo age sobre ele, transformando o gentil, amável e
ingênuo Bentinho no duro, cruel e cínico Dom Casmurro” (CALDWELL, 2002, p. 29).
Este romance apresenta não somente essa questão, qual seja, do adultério de
Capitu, mas também vários elementos anunciativos que possibilitam aos leitores se
aproximarem do que pode ser a verdade da virulência narrativa que Bentinho, o
casmurro, usa para endeusar a mãe e satanizar a esposa, entre elas, o fato de viver numa
sociedade patriarcal do século XIX em que o ambiente privado estava reservado às
mulheres e o mundo público aos homens. Portanto, ao demonstrar publicamente um
suposto comportamento que deveria ser específico à vida doméstica, Capitolina teria
extrapolado essa ambientação, levando o marido a desconfiar de sua fidelidade.
O penúltimo romance de Machado e objeto de análise nesta dissertação foiEsaú
e Jacó, publicado inicialmente em 1904, cinco anos depois de Dom Casmurro, após
consumir mais de três anos de trabalho de seu autor. Nesta obra, o leitor encontrará
diversas referências sobre a História do Brasil, mais especificamente os fatos que
marcaram o fim do Império e o começo da República. A transposição de um regime

36
governamental para o outro aconteceu no dia 15 de novembro de 1889, após sucessivas
crises na Monarquia, que se acentuaram a partir do final da década de 60 do século XIX.
Sendo assim, a enunciação que compõe os 121 capítulos percorre o período entre
1871 e 1894, ou seja, a partir do ano em que foi promulgada a lei do Ventre Livre, a
“Lei Rio Branco” que entrou em vigor no dia 28 de setembro, até os primeiros anos do
governo civil da República Brasileira, isto é, a gestão de Prudente José de Morais e
Morais (1841-1902). A narrativa percorre vários fatos dessa época, tendo como
personagens a família do banqueiro Agostinho Santos que se torna barão do Império por
determinação do monarca, seus dois filhos Pedro e Paulo – protagonistas principais que
disputam tudo, inclusive o coração da jovem Flora -, o casal Batista que vive de
conchavo político e de forma não tão secundária, Bárbara a sibila do Castelo e o espírita
Plácido, além do financista Nóbrega que faz fortuna especulando na bolsa de valores a
partir de uma esmola deixada por Natividade, esposa do banqueiro após uma visita ao
Morro do Castelo.
Essa oitava obra machadiana deveria se chamarÚltimo, conforme constava no
primeiro contrato que o escritor assinou com seu editor e também em carta na qual fazia
referência ao seu penúltimo romance (GUIMARÂES, Apud ASSIS, 2012, p. 9).

Ao percorrer em ordem cronológica o conjunto dos escritos


machadianos do início do século XX, vemos que essa sugestão de
romance derradeiro, contida no título original, se manteve até às
vésperas da publicação. [...]. Entretanto, apesar de modificado o título,
mantiveram-se em Esaú e Jacó [grifos meus] as marcas do romance
de desfecho e liquidação que o título original sugeria. Nele, o escritor
levou a um nível extremo de complexidade sua produção ficcional, na
qual a problematização do enredo e das convenções narrativas muitas
vezes assume o primeiro plano da narração, sobrepondo-se ao que está
sendo contado. Se existe uma teoria da composição ficcional de
Machado de Assis, formulada no próprio fazer da ficção, ela encontra
sua melhor forma em Esaú e Jacó (GUIMARÃES, Apud ASSIS,
2012, p. 9-10).

Em 1908 é publicada a última enunciação romanesca de Machado de Assis,


teoricamente vista como continuidade da anterior, já que a história é fruto dos cadernos
deixados pelo narrador Conselheiro Aires31 que, além de enunciador como em Esaú e
Jacó, é também personagem deste texto que fechou a série de nove romances.

31
- Através das advertências contidas as duas últimas obras machadianas, o texto “ressalta um
procedimento literário comum, que é fazer crer ao leitor que a narrativa foi realizada a partir de um
manuscrito encontrado, por exemplo, num baú” (LEONEL, 2012, p. 14).

37
O Memorial começou a circular no Rio de Janeiro no fim de julho de
1908, quando o escritor, já abatido pela doença 32 , manifestava aos
amigos a consciência de que este sim era o último romance,
antecipando o desfecho, que se daria em 29 de setembro de 1908, com
a morte do autor aos 69 anos (GUIMARÃES, Apud ASSIS, 2012, p.
9).

A narrativa engloba os anos de 1888-1889, ou seja, os dois últimos anos da


Monarquia e entre outras histórias, reproduz ficcionalmente a problemática da
libertação dos escravos retratada a partir de ações de determinados proprietários que
alforriaram seus cativos, entre eles, o Barão de Santa Pia, que age desta forma, apenas
para garantir o direito de fazer o que bem entender com suas propriedades. “Machado
muitas vezes usou da ironia contra pessoas que transformavam algo inevitável em
virtude; neste caso, ele se mostra até relativamente sóbrio” (GLEDSON, 2003, p. 25). O
fazendeiro,defensor da escravidão enquanto sistema econômico, acaba por morrer três
meses depois do fim da escravidão: agosto de 1888.
É interessante observamos também como o diplomata aposentado José
Marcondes Aires expõe sua opinião sobresistema escravista, justamente no momento
em que ele é eliminado por determinação da Princesa Isabel que ocupava o trono em
mais uma das sucessivas ausências do seu pai, o Imperador D. Pedro II. Ação essa que
poderia lhe garantir a sucessão na coroa, mesmo que a Constituição de 1824 apontasse o
contrário, ou seja, que o cargo de monarca seria ocupado por um homem que estivesse
na linha sucessória e não uma mulher.

Ainda bem que acabamos com isso. Em tempo. Embora queimemos


todas as leis, decretos e avisos, não poderemos acabar com os atos
particulares, escrituras e inventários, nem apagar a instituição da
história, ou até da poesia. A poesia falará dela, particularmente
naqueles versos de Heine33, em que o nosso nome está perpétuo, Neles
conta o capitão do navio negreiro haver deixado trezentos negros no
Rio de Janeiro, onde “a casa Gonçalves Pereira” lhe pagou cem
ducados por peça. Não importa que o poeta corrompa o nome do
comprador e lhe chame de GonzalesPerreiro; foi a rima ou a sua má
pronúncia que o levou a isso. Também não temos ducados, mas ai foi
o vendedor que trocou na sua língua o dinheiro do comprador (ASSIS,
2013, p. 40).

32
- Durante o seu padecimento físico, Machado recebeu a visita de Astrogildo Pereira, que se tornou uma
das mais emblemáticas figuras do comunismo brasileiro na década de 20 do século XX, além de ser uma
das personagens principais do romance de Moacyr Scliar: Eu vos abraço, milhões (2010).
33
- A referência diz respeito ao poeta romântico alemão Christian Johann Heinrich Heine (1797-1856)
que usou suas obras literárias como ferramenta de engajamento político para fazer críticas a sociedade
alemã da época influenciada pelos ideais da Revolução Francesa.

38
Após uma breve exposição e análise do conjunto da obra de Machado de Assis,
acreditamos que ela apresenta aos seus leitores, sejam eles do século XX ou deste início
de Terceiro Milênio, “a emergência de um intelecto estávele consistente, com ideias e
formas que aparecem, reaparecem e se desenvolvem” (CALDWELL, 2022, p. 13),
possibilitando a compreensão de um período singular da vida brasileira retratada em
seus diversos textos, sejam os contos, as crônicas ou a expressada por meio de seus
nove romances. É o que tentaremos expor no próximo capítulo.

39
Capítulo 2

O Brasil retratado por Machado de Assis

Ler as páginas compostas pelo escritor Joaquim Maria Machado de Assis (1839-
1908) é, antes de tudo, acessar um universo poético repleto por personagens singulares e
de caráter volúvel e cheio de dubiedades, conforme o narrador de Dom Casmurro
(2008) apresenta o seu Bento Santiago, ciumento e apaixonado pela sua amiga de
infância Capitu, bem como a ardilosa Sofia que encanta, enquanto ludibria Rubião em
Quincas Borba (1985). E o que dizer então de Brás Cubas que, ao morrer, resolve
escrever suas memórias recheadas de casos amorosos e acordos políticos no Brasil
Oitocentista, além da enunciação em que um negro, após ser alforriado pelo seu
proprietário, adquire um escravo e passa a surrá-lo por qualquer coisa. Nas Memórias
póstumas de Brás Cubas (1998), o leitor encontrará uma reflexão do enunciador que
retrata como funciona o Estado brasileiro, confirmando as observações feitas anos mais
tarde pelo cientista político Renato Lessa, em seu livro A invenção Republicana (1999).
No romance, a abordagem se encontra na metade do capítulo IV: A ideia fixa.
Nele, o defunto-narrador pergunta: “Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande,
pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares,
que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes lhe sobrevivem?”
(ASSIS, 1998, p. 21). A interpelação é instigante, pois usando da metáfora34, Machado
de Assis pretende apontar, de maneira indireta, o funcionamento da sociedade brasileira
na primeira metade do século XIX.
Portanto, para nós esse apontamento feito pelo romancista em 1880, foi
recuperado no final do século XX pelo Lessa em sua tentativa de compreender um dos

34
- Metáfora é compreendida aqui não apenas no seu sentido literário, isto é, como recurso que
determinado autor usa para expressar seu pensamento sobre coisas específicas, mas também na condição
de possibilitar ao poeta a utilizá-la para além do conceito. Ou seja, “[...] não é uma reunião de traços
individuais, que foram procurados para compor um todo, mas uma pessoa insistentemente viva, perante
seus olhos, que se distingue da visão similar do pintor pelo fato de continuar a viver e agir”
(NIEZTSCHE, 1992, p. 59).

40
aspectos singulares do Estado patrimonialista brasileiro. Ele resgata a “doutrina Alves
Branco” edificada pelo ministro Manuel Alves Branco (1797-1855) – Visconde de
Caravelas 35 . Um desses dispositivos coletados pelo cientista político diz respeito ao
relacionamento entre o governo e o partido que se encontra no poder, ou seja, que
preside o conselho de Ministros.

[...]. De acordo com o ministro, os funcionários públicos devem


lealdade não ao Estado, entidade abstrata, mas ao governo que, de
modo prático, realiza a obra administrativa. Daí segue-se perverso
silogismo: se os funcionários públicos devem lealdade ao governo e se
o governo é a materialização de uma diretriz partidária, logo aqueles
funcionários devem obediência compulsória ao partido que ocupa o
governo [...].
A doutrina banaliza prática que se tornará corrente em todo o período
imperial. À medida em que se estabelece algum rodízio dos partidos
no poder, por escolha imperial, haverá ampla redistribuição de cargos
e empregos no serviço público (LESSA, 1999, p. 41-42).

Desta forma, seguindo as observações que Renato Lessa faz sobre outro período
da história brasileira (1840-1850) porém, útil para os nossos objetivos, podemos dizer
que Machado de Assis, ao transpor para o universo ficcional uma característica peculiar
da vida política nacional durante o período abordado em seu romance e em outros
textos, como o conto Capítulo dos Chapéus (2004), estava representando através da
ficção um pequeno fragmento histórico dessa sociedade.

A literatura, enquanto atividade artística, e a história têm finalidades


específicas de reprodução do real; com a literatura o homem
relaciona-se imaginariamente com a realidade histórica. Mas, por seu
turno, a ficção não é antagônica do real; ao criar um real imaginário,
ela não deixa de representar um real verídico, existente (SEGATTO,
2007, p. 139).

A partir dessas observações, podemos afirmar que o escritor Machado de Assis


se iguala aos literatos que compuseram obras vistas como chaves capazes de abrir-nos
portas de quartos históricos, sem as quais não saberíamos como iniciar a nossa jornada
pelo conhecimento de uma determinada realidade, pautada pelos seus costumes e
práticas políticas, como no Brasil Oitocentista.
De qualquer forma, o escritor carioca, além de proporcionar, por meio de sua
ficção, que os seus leitores enveredem por caminhos que os levem a compreender a

35
- Ocupou vários cargos na estrutura administrativa e legislativa na Monarquia, entre eles, o de
presidente do Conselho de Ministros do Império entre 1847-1848 e Senador, empossado em 1834,
ficando até a sua morte em 1855.

41
passagem da Monarquia à República, também faz importantes observações que nos
possibilitem deslindar uma parte da alma humana, fazendo parte do rol de romancistas,
cronistas singulares como Jane Austen (1775-1817) e Honoré de Balzac (1799-1850).
Machado fez isso usando a matéria que dispunha ao seu redor e disponibilizada
pela sociedade carioca e sede da Corte36, cujas peculiaridades de suas personagens são
encontradas em outras obras romanescas escritas em outros países e épocas históricas
diferentes. Ele foi capaz dessa empreita porque “[...] o poeta só é poeta porque se vê
cercado de figuras que vivem e atuam diante dele e em cujo ser mais íntimo seu olhar
penetra” (NIETZSCHE, 1992, p. 59).
A partir das observações do universo que o circundava, o romancista pode criar
tipos possuidores de características que podem ser encontradas em outras obras. Esse é
o caso do banqueiro e futuro barão do Império, Agostinho Santos, integrante do
romance Esaú e Jacó (2008) – que será analisado no corpo dessa dissertação. No
capítulo IX: Vista de Palácio (ASSIS, 2008, p. 1.088-1.089), o financista, pai dos
gêmeos Pedro e Paulo, estava andando pelas ruas do Rio de Janeiro no interior de seu
cupê, quando passa defronte ao palácio Nova Friburgo e o olha com o mesmo desejo de
antes. Ele cobiçava adquiri-lo, sem desconfiar que o prédio futuramente, viria a ser sede
do governo republicano. Mas a Agostinho, não importava reflexões sobre o futuro da
política.

[...]. Para Santos a questão era só possuí-lo, dar ali grandes festas
cheias de admiração, de rancor, ou de inveja. Não pensava nas
saudades que as matronas futuras contariam às suas netas, menos
ainda nos livros de crônicas, escritos e impressos neste outro século.
Santos não tinha a imaginação da posteridade. Via o presente e suas
maravilhas.
Já não lhe bastava o que era. A casa de Botafogo, posto que bela, não
era um palácio, e depois, não estava tão exposta como aqui no Catete,
passagem obrigada de toda a gente, que olharia para as grandes
janelas, as grandes portas, as grandes águias no alto, de asas abertas.
Quem viesse pelo lado do mar, veria as costas do palácio, os jardins e
os lagos... Oh! gozo infinito! Santos imaginava os bronzes, mármores,
luzes, flores, danças, carruagens, músicas, ceias... (ASSIS, 2008, p.
1.1089).

Nessa exposição, se evidenciam as intenções do romancista: demonstrar que o


banqueiro não precisava daquele imóvel, porém, acalentava sua aquisição pelo desejo

36
- “A palavra ‘corte’ significava tanto a residência física do imperador quanto a cúpula de uma
elaborada hierarquia de privilégios. Na base da hierarquia estavam fidalgos, de sangue nobre ou azul.
Esse status [grifo do original] podia ser herdado, obtido por nomeação a uma das ordens de cavalaria ou
adquirido por ordenação como oficial militar” (BARMAN, 2012, p. 28).

42
de consumir determinado produto, no caso examinado, um imóvel que passaria à
sociedade da época a ideia de opulência que Santos pretendia externar com a compra do
palácio. A personagem Agostinho Santos envereda-se “na teia da ‘boa sociedade’, nos
altos círculos, na comunidade estamental” (FAORO, 2001, p. 30). Portanto, para nós,
esse desejo de consumo do supérfluo não é peculiaridade brasileira, mas sim uma
característica cultural, conforme aponta Mary Douglas em seu trabalho O mundo dos
bens (2006).
Segundo ela,

[...] deveríamos saber de que modo os bens funcionam como


comunicadores ou, melhor, uma vez que os bens não são agentes
ativos, mas apenas sinais, deveríamos saber de que forma são usados.
Acontece que tudo depende de qual maneira as pessoas são
organizadas, a comunidade como um todo sendo a caixa de sinais. E o
que ocorre se não há comunidade, ou se ela é muito tênue? As
mensagens serão muito diferentes. Temos de tentar descobrir o
sistema de feed-back[grifos do original] que se move entre o modo
como as pessoas vivem quando dizem coisas sobre si mesmas, através
dos bens num determinado ponto do tempo, e o que fazem sobre esse
modo de viver depois de receber as mensagens e começar a emitir a
nova rodada (DOUGLAS, 2006, p. 43-44).

No começo do século XX, outro economista fez observações semelhantes. Trata-


se de TornsteinVeblen (1857-1929) que escreveu A teoria da classe ociosa (1980).
Pelas análises dele, podemos afirmar que o desejo de Agostinho Santos estava atrelado
ao consumo conspícuo, ou improdutivo de bens, que é apenas honorífico, já que diz
respeito às proezas de quem se encontra nessa categoria, passando a ser “[...] um
requisito da dignidade humana; secundariamente, torna-se tal consumo por si mesmo
substancialmente honorífico, especialmente no caso das coisas mais desejáveis”
(VEBLEN, 1980, p. 48-49).
Essa peculiaridade conspícua da personagem machadiana como elemento de
distinção de classe, aparece também em outros romances. Entre eles, Persuasão (2011),
da escritora inglesa Jane Austein e Ilusões perdidas (2010), do romancista francês
Honoré de Balzac. O interesse nos dois literatos nesse trabalho dissertativo reside no
fato de que ambos abordaram a mesma temática machadiana exposta nos desejos do
banqueiro Santos, porém, em períodos e países diferentes. A primeira retrata
peculiaridades da sociedade inglesa do século XVIII, e o segundo autor percorre as
entranhas da França na primeira metade do século XIX.

43
O enredo composto por Austen diz respeito ao amor entre as personagens Anne
Elliot e o marinheiro Frederick Wentworth. A realização do idílio entre os dois esbarra
na ausência de propriedades e títulos honoríficos que o pretendente não era possuidor.
Diante da ausência de posses, Anne é aconselhada pela amiga da família, Lady Russell a
recusar o pretendente que se afasta, voltando tempos depois com nobiliarquia e outros
bens materiais, passando a ser cotejado por várias mulheres, justamente por seus
cabedais financeiros.
Já em Balzac, os bens têm outros significados e suas aquisições dão sentido às
pessoas que os compram, sejam simples mercadorias, porém recheadas de significados,
como uma roupa - desejo de Èva, irmã de Lucien de Rubenpré, personagem principal de
Ilusões Perdidas.
Rubenpré seria anunciado na alta sociedade parisiense da época e Èva não
gostaria que este se apresentasse com as roupas surradas que usava em seu cotidiano.
Além de dar dinheiro para que o jovem reformulasse seu guarda-roupa, a sua irmã
Ève“[...] guarneceu-lhe sua melhor camisa com um forro, que alvejou e dobrou ela
mesma. Que felicidade quando o viu assim vestido! Como estava orgulhosa de seu
irmão! Quantas recomendações! Ela previu todos os pequenos detalhes” (BALZAC,
2010, p. 64).
Retomando Esaú e Jacó, analisando a enunciação presente no capítulo Vista de
Palácio, juntamente com os romances de Jane Austen e Honoré de Balzac, podemos
afirmar que evidenciam um modo de agir do indivíduo ocidental integrante de um tipo
específico de cultura no que diz respeito ao consumo de bens e mercadorias, como
imóveis, veículos, cabriolés, cupês, conforme Machado aponta no capítulo IV: A missa
do cupê (ASSIS, 2008, p. 1.080-1.082).

Às oito horas parou um cupê à porta; o lacaio desceu, abriu a


portinhola, desbarretou-se e perfilou-se. Saiu um senhor e deu a mão a
uma senhora, a senhora saiu e tomou o braço ao senhor, atravessaram
o pedacinho de largo e entraram na igreja. Na sacristia era tudo
espanto. A alma que a tais sítios atraíra um carro de luxo, cavalos de
raça e duas pessoas tão finas não seria as outras almas ali sufragadas.
A missa foi ouvida sem pêsames nem lágrimas. Quando acabou, o
senhor foi à sacristia dar as espórtulas. O sacristão agasalhando na
algibeira a nota de dez mil-réis que recebeu, achou que ela provava a
sublimidade do defunto; mas que defunto era esse? O mesmo pensaria
a caixa das almas, se pesasse, quando a luva da senhora deixou cair
dentro uma pratinha de cinco tostões. Já então havia na igreja meia
dúzia de crianças maltrapilhas, e, fora, alguma gente às portas e no
largo, esperando. O senhor, chegando à porta, relanceou os olhos,

44
ainda que vagamente, e viu que era objeto de curiosidade. A senhora
trazia os seus no chão. E os dois entraram no carro, com o mesmo
gesto, o lacaio bateu a portinhola e partiram (ASSIS, 2008, p. 1.081).

O luxo, a pompa que o casal apresentou durante o cerimonial religioso, provoca


a inveja de muitos que passaram pela região em que ficava o templo católico. A cobiça
ocorreu enquanto o lacaio aguardava o retorno dos patrões que participavam da
celebração em intenção a uma alma qualquer, mesmo que seja a do parente da pessoa
que encomendou tal ritual.
Ao longo da narrativa, o leitor saberá que os dois que estiveram naquela igreja
formavam o casal Agostinho Santos e Natividade, pais dos gêmeos Pedro e Paulo que
disputavam o coração da indecisa Flora, filha do advogado Batista, alinhado com os
conservadores, e de Cláudia. A dupla vive de conchavo político com os partidos
Conservador e o Liberal.
Machado de Assis criou ainda outros tipos que personificam e estilizam
características universais, próprias da espécie humana. Um exemplo é Bento Santiago,
narrador-personagem de Dom Casmurro. O enfoque deste romance, cujo período
histórico percorre os anos de 1871 a 1899 quando a Monarquia começa a sua
vertiginosa queda até o último ano do século, quando o país já era republicano – é o
ciúme que o ex-seminarista e advogado Bentinho sente da esposa, Capitu amor de
infância. Esse sentimento o corrói, a ponto de desterrar a mulher por desconfiar de
adultério praticado por ela com o seu melhor amigo, Escobar e o fruto dessa suposta
infidelidade é o filho Ezequiel.
Nessa obra, publicada em 1899, o leitor encontrará a personagem José Dias,
agregado da família de Bentinho. Ele adora usar os superlativos, principalmente quando
está diante da matriarca dos Santiago e os demais serviçais e dependentes da família.
Para nós, José Dias – uma espécie de braço direito de dona Glória – usa esse expediente
para demarcar território no espaço doméstico e também para sobressair-se aos demais
agregados e indivíduos que vivem de favor na residência do narrador.
Além de José Dias, o escritor brasileiro criou outros tipos que viviam sob o
auspício de senhores escravagistas, como a personagem Helena do romance que leva o
seu nome. Ela vive na residência do falecido Conselheiro Vale, como se fosse filha
ilegítima deste, mas quando a verdade vem à tona, ela prefere a morte a viver como
agregada na casa em que foi bem tratada, chegando a ponto de desenvolver um
sentimento especial por Estácio, seu suposto meio-irmão.

45
O sistema de favor e os homens livres que vivem desse expediente dá o tom da
narrativa no conto O enfermeiro (2004). O conto trata da relação entre o enfermeiro
Procópio José Gomes Valongo e o coronel Felisberto que, moribundo, tendo contra si a
fama de carrasco e de péssimo comportamento trazendo-lhe dificuldades para encontrar
um profissional que zele pela sua saúde, apela para o pároco de uma cidade fluminense
que lhe recomenda o aprendiz de copista.
O relacionamento entre paciente e cuidador oscila, entre as sevícias sofridas por
Procópio e as observações que faz por conta dos benefícios que recebe como
funcionário do coronel. Todavia, as humilhações chegam ao limite, mesmo com o
enfermeiro sendo massacrado pela consciência de que deve favores ao religioso que lhe
conseguiu a colocação, tenta manter-se no trabalho, mas, após um acesso de raiva
motivado por novas humilhações, acaba estrangulando o patrão.
Constatado o óbito, Procópio prepara o corpo e espera pelo sepultamento. Em
seguida desaparece da cidade, sem que ninguém desconfie dos motivos que levaram o
patrão a óbito. Tempos depois recebe telegrama do pároco, solicitando o seu retorno
àquela localidade. Entre o receio de ser descoberto ou não, resolve voltar justamente
pela relação de troca que mantivera com o religioso. Ao chegar ao antigo município,
descobre que a sua presença era necessária pela leitura do testamento do falecido
coronel que lhe deixou toda a sua fortuna.
Essa narrativa machadiana, como muitas da chamada segunda fase romanesca, é
uma tentativa de Procópio reatar o seu presente, de um indivíduo que está à beira da
morte, com o seu passado de assassino. Ninguém ficou sabendo que ele matara
Felisberto e, para aliviar a sua consciência culposa, faz pequenas doações para
instituições de caridade.
Embora a história possa ser apenas mais um texto para ser lido como outro
qualquer, para nós o conto apresenta peculiaridades da vida brasileira do século XIX,
conforme vimos demonstrando até aqui, principalmente no que diz respeito às relações
existentes entre pessoas que não pertenciam nem à categoria composta por escravagistas
e nem de escravos, criando uma terceira categoria, a dos homens livres que viviam das
bênçãos auferidas pelas pessoas que detinham certo cabedal financeiro e posses.
Embora o romancista carioca tenha se destacado mais no âmbito artístico e na
crítica literária, mas ao criar personagens como Agostinho Santos, apresenta aos seus
leitores uma caracterização de tipos existentes na sociedade carioca, sede da Corte e

46
posteriormente capital da República Federativa. O banqueiro integrava uma das classes
sociais emergentes do final do Império, formada por donos de capitais e comerciantes.

Classe aquisitiva ou especuladora, que se expandiu em correlação com


a classe proprietária, vinculada ao mercado, herdeira dos capitalistas
portugueses, responsáveis pelos fornecimentos de escravos,
equipamentos e capitais para instituir os estabelecimentos rurais e
adquirir-lhes os produtos. Vendia aos proprietários os bens
necessários à produção, a crédito largos, adquirindo-lhes o açúcar,
depois o café, base de grandes fortunas urbanas. Dessa classe de
comerciantes, traficantes de escravos e banqueiros é que saem os
Cotrins (Memórias póstumas), os Palhas (Quincas Borba) e os Santos
(Esaú e Jacó). Sobre ela nascem e ganham esplendor as cidades – que
abrigam outros elementos da mesma classe, os negociantes de
fornecimentos e concessões governamentais (os Procópios Dias) –
mais do que dos fazendeiros, porventura absenteístas de seus domínios
[grifos do original] (FAORO, 2001, p. 34).

Além dessas criações romanescas, o que torna Machado de Assis fonte de


inspiração para a pesquisa que empreendemos, é também a sua contribuição ao universo
da crônica. São centenas de textos publicados na imprensa carioca que, ao serem lidas,
permitem aos leitores apropriarem-se de uma parte da visão que seu autor tinha dos
acontecimentos daquele cotidiano.

A crônica ocupa, na obra de Machado de Assis, um lugar especial:


estava, por assim dizer, no seu sangue; com ela se identificou de tal
modo que, sem avaliarmos o papel que essa modalidade literária
desempenhou ao longo da sua trajetória, corremos o risco de ficar com
uma visão incorreta do seu perfil literário (MÓISES, 2001, 109).

Dentro do arcabouço literário que a crônica ocupa na produção literária


machadiana, inclusive como matriz para algumas histórias que compõem seus
romances, destacamos o texto O punhal de Martinha (2012), publicado no dia 5 de
agosto de 1894 pelo jornal Gazeta de Notícias como parte integrante da série A Semana.
O cronista aborda um acontecimento trivial na cidade de Cachoeiras, no interior da
Bahia. O enfoque é dado ao assassinato de João Limeira e praticado por Marta,
moradora do município baiano, conhecida pelo carinhosamente como Martinha.
Antes mesmo de tratar do homicídio num município do sertão brasileiro, o
cronista inicia sua narrativa abordando fato ocorrido na Roma Antiga e diz respeito à
Lucrécia que, ultrajada pelo hospede de sua casa, Sexto Tarquínio, denuncia a desonra
ao seu marido e ao pai, solicitando dos mesmos que a vinguem.

47
[...]. Eles juram vingá-la, e procuram tirá-la da aflição dizendo-lhe que
só a alma é culpada, não o corpo, e que não há crime onde não houve
aquiescência. A honesta moça fecha os ouvidos à consolação e ao
raciocínio, e, sacando o punhal que trazia escondido, embebe-o no
peito e morre. Esse punhal podia ter ficado no peito da heroína, sem
que ninguém mais soubesse dele; mas, arrancado por Bruto, serviu de
lábaro à revolução que fez baquear a realeza e passou o governo à
aristocracia romana. Tanto bastou para que Tito Lívio lhe desse um
lugar de honra na história, entre enérgicos discursos de vingança. O
punhal ficou sendo clássico. Pelo duplo caráter de arma doméstica e
pública, serve tanto a exaltar a virtude conjugal, como a dar força e
luz à eloquência política (ASSIS, Apud SCHWARZ, 2012, p. 307).

Interessante observar que o narrador se utiliza dessa história para comentar o


crime praticado por uma mulher no sertão brasileiro usando um punhal. “Bem sei que
Roma não é a Cachoeira, nem as gazetas dessa cidade baiana podem competir com
historiadores de gênio. Mas é isso mesmo que deploro” (ASSIS, Apud SCHWARZ,
2012, p. 307-308), sentencia o cronista machadiano que prossegue em seu texto
afirmando que Martinha não é Lucrécia e nem a cidade em que a primeira residia era a
Roma da segunda, assim como os punhais que dão mote a narrativa não pertencem ao
mesmo tempo histórico.
Para expor o seu objetivo que nos parece ser o de evidenciar que as duas
histórias, separadas pelo tempo, podem muito bem atar o passado ao presente,
possibilitando assim que o narrador explique uma situação estritamente local a partir de
um fato, digamos, universal, já que pertence a História romana. Para isso, Machado faz
as comparações entre as duas personagens, esmiuçando os seus aspectos físicos e
contrastando-os e, em seguida, tecendo algumas considerações sobre ambos os fatos e
suas diferenças.

[...]. Martinha não deu hospedagem a nenhum moço de sangue régio


ou de outra qualidade. Andava a passeio, à noite, um domingo do mês
passado [julho de 1894]. O Sexto Tarquínio da localidade, cristãmente
chamado João, com o sobrenome de Limeira, agrediu e insultou a
moça, irritado naturalmente com os seus desdéns. Martinha recolheu-
se a casa. Nova agressão, à porta. Martinha indignada, mas ainda
prudente, disse ao importuno: “Não se aproxime, que eu lhe furo”.
João Limeira aproximou-se, ela deu-lhe uma punhalada, que o matou
instantaneamente (ASSIS, Apud SCHWARZ, 2012, p. 308).

Após narrar o fato, o cronista reflete sobre as duas histórias que tem como
enredo principal um punhal, todavia, no caso de Lucrécia, o objeto foi usado para
cometer um suicídio e, no âmbito brasileiro, para consumar um homicídio motivado
pela agressão praticada pela vítima contra a sua assassina.

48
Se, ao menos, o punhal de Lucrécia tivesse existido, vá; mas tal arma,
nem tal ação, nem tal injúria, existiram jamais, é tudo uma pura lenda,
que a história meteu nos seus livros. A mentira usurpa assim a coroa
da verdade, e o punhal de Martinha, que existiu e existe, não logrará
ocupar um lugarzinho ao pé do de Lucrécia, pura ficção. Não quero
mal às ficções, amo-as, acredito nelas, acho-as preferíveis às
realidades; nem por isso deixo de filosofar sobre o destino das cousas
tangíveis em comparação com as imaginárias. Grande sabedoria é
inventar um pássaro sem asas, descrevê-lo, fazê-lo ver a todos, e
acabar acreditando que não há pássaros com asas... Mas não falemos
mais em Martinha (ASSIS, Apud SCHWARZ, 2012, p. 309-310).

O conteúdo dessa crônica dá bem o tom da visão que Machado de Assis tinha da
literatura e de como o escritor deveria lidar com as ambivalências apresentadas por ele
em seu texto sobre enfoques nacionais e universais que todo autor deveria observar.

Desenvolvendo os contrastes, o cronista concede que a gazeta baiana


não pode competir com o historiador insigne; que Martinha ao que
tudo indica não é um modelo de virtude conjugal romana, antes pelo
contrário; e que João Limeira não tem sangue régio nas veias. As
comparações, todas desabonadoras, são feitas do ângulo do literato
ultra-afetado do Rio de Janeiro, que diverte os leitores à custa de uma
cidade modesta, que a ninguém ocorreria comparar ao padrão da
Antiguidade. Dito isso, Machado inverte a ironia – sem o que não
seria quem é – e observa que a cachoeirense não fica a dever à romana
em bravura: Martinha vinga-se com as próprias mãos onde a outra
confia a vingança ao marido e ao pai, sem contar que pune a mera
intenção, e não o ultraje consumado. A nota cafajeste desta segunda
distinção, destinada a botar defeito na honestidade de Lucrécia, não
deixa de ser um achado memorável, especialmente vindo de um
consertador de injustiças... Seja como for, por um momento é Lucrécia
quem se deve mirar no exemplo de Martinha, e não vice-versa, uma
viravolta de alcance quase inconcebível (SCHWARZ, 2012, p. 30).

Em linhas gerais, podemos considerar que o escritor e monarquista Machado de


Assis, embora tenha observado que o mundo artístico não é campo para manifestações
políticas e ideológicas, se encontra, por intermédio de sua ficção no rol de
personalidades que refletiram sobre o Brasil, Tavares Bastos, Sílvio Romero que lhe era
crítico desde a publicação de seus livros Falenas e Contos Fluminenses37.
Como os contos de Machado de Assis também são repletos de enigmas,
deixando espaços que devem ser preenchidos pelo leitor e o conhecimento se dispõe
sobre o conteúdo da matéria narrada, é importante apontarmos como compreendemos o
conto, principalmente no que diz respeito à sua organização estrutural.

37
- O primeiro publicado em 1869 é dedicado à poesia e o segundo, também de 1869, aborda seus
primeiros contos.

49
O nosso entendimento parte das observações feitas por Júlio Cortázar. Para ele, a
forma de narrar uma história através desse procedimento é entendida “como uma
máquina infalível destinada a cumprir a sua missão narrativa com a máxima economia
de meios” (CORTÁZAR, 1993, p. 228). Nessa perspectiva, Cortázar diz que essa noção
de pequeno ambiente que o leitor encontra em um conto pode ser definida do ponto de
vista estrutural como forma fechada ou esférica, na qual

[...] o narrador poderia ter sido uma das personagens, vale dizer que a
situação narrativa em si deve nascer e dar-se dentro da esfera,
trabalhando do interior para o exterior, sem que os limites da narrativa
se vejam traçados como quem modela uma esfera de argila. Dito de
outro modo, o sentimento da esfera deve pré-existir de alguma
maneira ao ato de escrever o conto, como se o narrador, subentendido
pela forma que assume, se movesse implicitamente nela e a levasse à
sua extrema tensão, o que faz precisamente a perfeição da forma
esférica (1993, p. 228).

Ainda no âmbito da definição de conto sob a ótica das enunciações machadianas,


Massaud Moisés afirma que a complexidade existente nesses textos do escritor carioca
“[...] é uma fonte de prazer e de convite à reflexão que se renovam a cada momento. E
não só: reserva surpresas como uma caixa de Pandora, usando uma imagem meio
desgastada, mas que seria certamente agradável ao criador de Capitu” (MOISÉS, 2001,
p. 115).Ainda: “[...] a grande contribuição dos contos machadianos começa”, segundo
Moisés, “na incomum capacidade de se ver o instante revelador das figuras em conflito
no seu aspecto mais trágico ou dramático” (2001, p. 119).

Machado vai diretamente ao ponto, não raro driblando as expectativas


do leitor: por mais que este ponha a funcionar a sua imaginação, não
consegue antever o desfecho da história. Mesmo nos contos que fluem
naturalmente, como se fossem crônicas inspiradas no cotidiano banal,
o desenlace é uma surpresa para o leitor. A necessidade da releitura
pode ser a consequência imediata dessa brincadeira de esconde-
esconde, como se o leitor, espicaçado, tivesse de voltar uma vez mais
ao conto para surpreender os pormenores onde se ocultam as chaves
que facultem prever o final. Um autêntico espetáculo hipnótico,
vazado numa linguagem concisa, ática, com a falsa aparência de
simplicidade, que somente os grandes contistas conseguem montar.
Aí, em síntese, a maestria de Machado na arte do conto, e a sedução
que exerce ainda hoje nos leitores, inclusive os mais exigentes (2001,
p. 119).

Outro exemplo da importância que os contos de Machado de Assis têm para se


compreender um período da vida brasileira está no texto Um homem célebre (ASSIS,
2004, p. 225-233). A narrativa conta a história de Pestana, pianista e compositor que

50
sonha ardentemente em criar uma música que se assemelha às composições de Mozart
[Wolfgang Amadeus Mozart – 1756-1791], entretanto, enquanto não concretiza esse
ideal, vai vivendo e compondo outras músicas e estilos como a polca que o leva ao
ápice da fama. Porém, mesmo obtendo sucesso com esse estilo, o pianista persegue
obstinadamente o caminho percorrido por um instrumentista estrangeiro, sem perceber
que atingiu a glória em sua própria terra com suas melodias.
Entendemos que neste conto, o narrador machadiano tem como objetivo induzir
o leitor à ideia de que o ser humano, e não somente o brasileiro, mas de um modo geral,
nunca está contente com o que tem, inclusive optando pelo que é importado em
detrimento do que é produzido no Brasil, não somente em termos de arte - da qual
Pestana pode servir de exemplo - mas de alimentação e ideologias, como o liberalismo
europeu do século XIX que levou o crítico literário a escrever o ensaio As ideias fora do
lugar (2014), no qual aponta a incongruência entre tais ideais professadas no país,
enquanto o mesmo mantinha o escravismo como estrutura de suas relações econômicas
e força de trabalho.

Como tratei de explicar, ideias sempre têm alguma função, e nesse


sentido sempre estão no seu lugar. Entretanto, as funções não são
equivalentes, nem têm o mesmo peso. Considere-se, por exemplo, que
o ideário liberal na Europa oitocentista correspondia à tendência social
em curso, a qual parecia descrever corretamente, inclusive do ponto de
vista do trabalhador, que vende sua força de trabalho no mercado.
Mesmo a crítica marxista, que desmascara a “normalidade” da relação
salarial, reconhece que ela tem fundamento nas aparências reais do
processo, ou seja, no trabalho livre. Ora, nas ex-colônias, assentadas
sobre o trabalho forçado, o liberalismo não descreve o curso real das
coisas – e nesse sentido ele é uma ideia fora do lugar. Não impede
contudo que ele tenha outras funções. Por exemplo, ele permite às
elites falarem a língua mais adiantada do tempo, sem prejuízo de em
casa se beneficiarem das vantagens do trabalho escravo. Menos
hipocritamente, ele pode ser um ideal de igualdade perante a lei, pelo
qual os dependentes e os escravos lutam. A gama de suas funções
inclui a utopia, o objetivo político real, o ornamento de classe o puro
cinismo, mas exclui a descrição verossímil do cotidiano [grifos do
original], que na Europa lhe dá a dignidade realista. É claro que em
abstrato todas as funções existem e que a neutralidade científica
manda reconhecê-las e não condená-las. Em princípio, por que a
função do prestígio valeria menos do que a função descritiva?
Entretanto, não vivemos num mundo abstrato, e o funcionamento
europeu do liberalismo, com sua dimensão realista, se impõe,
decretando que os demais funcionamentos são despropositados. As
relações de hegemonia existem, e desconhecê-las, se não for num
movimento de superação crítica, é por sua vez uma resposta fora do
lugar (SCHWARZ, 2012, p. 170-171).

51
Também no romance, Esaú e Jacó, objeto de estudo desse trabalho, por
intermédio das famílias do banqueiro Agostinho Santos e do advogado Batista, o
enunciador-personagem conduz o leitor, aos bastidores da política monárquica até a
extinção do Império que dá lugar a Republica, implantada na madrugada de sábado dia
15 de novembro de 1889, através de um golpe desferido pelos militares descontentes,
entre outros fatores, com o tratamento que a Coroa estava dispensando ao Exército.
Nesta obra, existem várias passagens que apontam a prática fisiológica que envolve os
dois partidos: Conservador e o Liberal que se alternam na chefia ministerial por
determinação do monarca D. Pedro II.
Para compreender o sentido que a passagem de um regime político ao outro
adquire na representação que o cronista brasileiro faz daqueles momentos em seu
penúltimo romance, faremos abordagens de alguns fatos históricos e como eles
aparecem na trama machadiana, cuja narrativa é composta por um enunciador que
também se torna uma personagem do enredo que apresenta aos leitores38 do início do
século XX.

38
- Sobre a presença dos leitores na obra machadiana, através de um procedimento meta-ficcional, Hélio
Seixas Guimarães desenvolveu uma pesquisa culminando com o livro Os leitores de Machado de Assis
(2012).

52
Capítulo 3

Representação da História do Brasil em Esaú e Jacó

Neste capítulo nos ocuparemos em apontar como alguns fatos da História do


Brasil são representados em Esaú e Jacó, penúltimo romance de Machado de Assis que
pauta a presente dissertação de mestrado. É importante salientarmos que o período que a
obra abrange diz respeito ao início da década de 70 do século XIX até os primeiros anos
da República, isto é, 1894 quando o chefe do Executivo Federal era Prudente José de
Morais e Barros (1841-1902). Ele sucedeu no posto, o Marechal Floriano Vieira Peixoto
(1839-1895), segundo presidente republicano.
Durante o período que as enunciações machadianas percorrem, muitos fatos
marcaram a vida política do Brasil. A narrativa, conforme o leitor vai avançando os 121
capítulos, tem início em 1870 quando a Guerra do Paraguai39 chega ao fim, terminando
nos primeiros anos em que os civis chefiam o Executivo Federal.
Nos quase 25 anos de história nacional que o romance retrata, o país passa por
profundas transformações, como a eliminação da Monarquia e o desterro do Imperador
D. Pedro II; o fim do trabalho escravo após sucessivas tentativas e medidas que
protelaram sua extinção; a luta pela industrialização e o advento do trabalho assalariado.
Problemas do governo monárquico com os militares; querelas com os padres; questões
econômicas e o movimento republicano que ganha corpo na medida em que os
problemas políticos do Império vão se avolumando a partir do final da década de 60
daquele século.
Eliminado o Império, surge a República e com ela os problemas vivenciados
pelo país durante as últimas décadas da Coroa, não são solucionados, como por
exemplo, a incorporação da massa de escravos ao mundo do trabalho livre, cujos postos
eram em sua maioria ocupados por imigrantes, conforme o escritor Aluísio Tancredo
Gonçalves de Azevedo (1857-1913) apresenta em seu romance O cortiço (2013). Havia
também questões alusivas ao processo eleitoral e a universalização do direito de voto; as

39
- Esse conflito é enfocado por Machado de Assis em seu romance Iaiá Garcia (2008).

53
dificuldades enfrentadas pelo governo militar do Marechal Manuel Deodoro da Fonseca
(1827-1892) e sua renúncia, sendo empossado o seu vice, o também marechal Floriano
Peixoto, cuja gestão foi marcada por turbulências40 e a decretação do Estado de sítio e
os problemas com os jacobinos, além da problemática envolvendo a sua sucessão na
presidência da República, cujo pleito teve como vitorioso Prudente de Morais que
obteve 276.583 votos, enquanto o seu adversário, Afonso Augusto Moreira Pena (1847-
1909) conseguiu 38.291.

O modo machadiano de configurar literalmente estes acontecimentos


históricos [...] se caracteriza pela indiferença programática de que é
imbuído o narrador para adotar tais eventos e também por um apelo
circunstancial que rege a organização dos episódios históricos dentro
da dinâmica do enredo. O autor se vale de uma bem construída
irrelevância no modo de tratar as datas políticas e suas reverberações –
quase nulas – na vida das personagens do romance em questão. Trata-
se, portanto, do romance em que Machado mais se ocupa da História
do Brasil e, ao mesmo tempo, esta História é mostrada de um modo
barateado e em ritmo tedioso, características que trazem sugestivas
implicações para a especificação do ritmo histórico brasileiro (LIMA,
p. 140-141).

Desta forma, é possível afirmamos que a partir de seus textos, sejam eles
apresentados através dos contos, crônicas, romances ou análises críticas, que o
ficcionista usa o expediente literário para fazer uma representação do real e no caso aqui
do Brasil das últimas décadas da Monarquia e os primeiros anos da República, porém,
sem a pretensão de ser historiador e se prender na apresentação dos fatos como eles
ocorreram na sua concretude.
Neste sentido, Machado pode usar o nascimento dos gêmeos Pedro e Paulo no
dia 7 de abril de 1870 para fazer alusão à abdicação de D. Pedro I ao trono em prol do
seu filho, Pedro II que na época ainda era criança. No plano real a renúncia ocorreu 39
anos antes do nascimento ficcional dos filhos de Natividade, ou seja, em 1831.
Sendo assim, a literatura pode ser vista como uma forma plausível de
representação do real e o faz por intermédio da encenação dos fatos e atos, recriando
ficcionalmente a história (SEGATTO, 2007, p. 139), no caso em questão aqui a
passagem da Monarquia à República.

Nas análises elaboradas e/ou construídas pela historiografia, a


realidade é reproduzida abstratamente no plano do pensamento (como

40
- Um dos fatos marcantes do governo Floriano Peixoto foi a revolta da Armada ocorrida em 1893 e
representada pelo escritor Lima Barreto em seu romance Triste fim de Policarpo Quaresma (1998).

54
síntese de múltiplas determinações, como construção ideal-típica,
como sistematização de fenômeno) tal como, de modo aproximado,
ela é ou se deu por meio de conceitos, categorias, alusões,
comparações; na literatura, ela é criada e recriada, imaginada ou
fantasiada, inventada ou reinventada artisticamente, através de
metáforas, figuras, símbolos, alegorias. Embora sejam de natureza e
modalidade distintas, ambas produzem conhecimento, além de serem
representações aproximativas, confluentes e complementares. Se a
literatura contribui para desvendar aspectos (particulares) das relações
humanas, sociais e de poder, impossíveis de serem captadas pela
historiografia, esta, por sua vez, fornece elementos e subsídios
fundamentais para a compreensão da obra de arte literária e do
processo histórico (SEGATTO, 2007, p. 139).

Com base nesta observação, apontamos que, ao criar personagens como o casal
Batista, o romancista brasileiro pretende representar a configuração política no Brasil no
final da Monarquia e início da República que substitui o regime anterior, entretanto, não
eliminou certas práticas fisiológicas e clientelistas, estimuladas pelo Imperador e
configuradas nas sucessivas trocas entre os partidos Conservador e Liberal na chefia
ministerial. Condutas que externam aos leitores do século XXI a ausência no Brasil
Oitocentista de uma sociedade civil numa estrutura em que as “[...] lealdades políticas e
programas partidários, bem como a própria violência [...] são instrumentos como
quaisquer outros para a reprodução da estrutura de poder” (SILVA, 2014, p. 95).

A singularidade da monarquia brasileira está nisto sobretudo, que


procura ser um regime liberal – apesar de comportar o trabalho
“servil” e impor algumas restrições políticas aos que não sigam a
religião do Estado -, mas é destituída de base democrática
(HOLANDA, 2012, p. 34).

Tendo tais apontamentos iniciais como premissa, entendemos que o penúltimo


romance de Machado de Assis pode ser divido em duas partes: a primeira tem início
com o casamento de Agostinho Santos e Natividade, pais de Pedro e Paulo no final da
década de 50 do século XIX, passando pelo nascimento dos filhos gêmeos em 1870. A
guerra do Paraguai, embora o cronista aborde o conflito na obra Iaiá Garcia, o evento
ressurge no romance em pauta através da personagem Perpétua.
O texto machadiano ainda trata de questões relacionadas ao sincretismo
religioso, na medida em que a mãe e Perpétua, tia dos gêmeos, procuram uma advinha,
a Cabocla do Castelo, para obterem informações sobre o futuro dos filhos e dos
sobrinhos, respectivamente. É bom lembrar que as irmãs são católicas, mas quando se

55
trata de tentar compreender ou adivinhar o amanhã, buscam apoio em crendices
espiritualistas.
A obra faz alusão também a Lei Rio Branco (Lei do Ventre Livre), assinada pela
Princesa Isabel em 28 de setembro de 1871, determinando que a partir daquela data
todos os filhos de mulheres escravas que nascessem a partir daquele dia seriam livres. O
código proporcionava mudanças significativas no mundo do trabalho, mas sem fazer
alterações no universo econômico. Entretanto, faz-se necessário ressaltarmos que,
embora de alcance limitado, a legislação, ao entrar em vigor, possibilitaria a extinção do
escravismo, na medida em que evitava a geração de novos cativos.
Esaú e Jacó faz uma representação irônica dessa questão, bem como a crise que
o Império vinha sofrendo desde o início da década de 70. O retrato é feito num capítulo
dedicado a honraria concedida à família do banqueiro Agostinho Santos. José Murilo de
Carvalho (1996) ressalta que durante a vigência do Segundo Reinado, nenhum
indivíduo ligado ao mundo das finanças recebera a outorga nobiliárquica das mãos do
Monarca.
Há ainda abordagem da questão militar, que seria um dos fatores que levaram a
queda da Monarquia, dando lugar à República, cujo movimento se intensificará a partir
de 1870 com a criação do Partido Republicano e o lançamento do Manifesto do partido.
O texto machadiano faz referências sobre a vida política durante a vigência do
reinado de Pedro II, cuja caraterística peculiar era a alternância entre Liberais e
Conservadores na chefia do gabinete ministerial, aprofundando a prática do clientelismo
como elemento fundamental das relações de poder entre o monarca e os políticos.

A estrutura formal do clientelismo encontrava um reflexo preciso na


esfera formal. Nas inúmeras cartas de recomendação enviadas por fora
dos canais oficiais, os protetores na verdade “apresentavam” os nomes
pretendentes a cargos. Algumas vezes, remetiam esses pedidos
diretamente àqueles com o poder de nomear; em outras, pediam que o
destinatário apresentasse o nome do candidato a um terceiro. Assim,
como formalmente, o direito de apresentar um nome significava na
realidade o direito de nomear, algumas cartas de recomendação
tinham poder equivalente. Os atores políticos passavam muito tempo
escrevendo ou recebendo essas cartas e, nessa demonstração de
confiança social, revelavam mais uma vez como o poder político
estava exclusivamente com os alfabetizados. O preenchimento de
cargos para um país tão extenso como o Brasil implicava uma grande
dependência, por parte dos protetores e clientes, da correspondência
privada na gestão de troca de deferência por favores. A própria
centralização, operando para criar uma unidade nacional, levava a rede
a abranger todo o país (GRAHAM, 1997, p. 277-278).

56
Voltando ao romance que norteia esta análise, no que diz respeito aos aspectos
econômicos nas últimas décadas do Segundo Reinado, o ficcionista Machado de Assis
apresenta a situação por intermédio do banqueiro que fez fortuna através de
especulações e das ações, bem como a acumulação de capitais e fortalecimento da
moeda. Mas como a economia brasileira era estruturada no braço servil, a progressiva
extinção do escravismo poderia levar a ruína muitos fazendeiros, comerciantes e outros
financistas que viviam da exploração do braço africano.
É preciso acrescentar que a partir dos anos 60 do século XIX, o Brasil registra o
crescimento na produção de café, proporcionando ao país um equilíbrio favorável no
âmbito da balança comercial. Segue-se a isso, a valorização da moeda com a
estabilização cambial, proporcionando a acumulação de capital fazendo surgir
financistas como a personagem Agostinho Santos que se torna banqueiro como
consequência da febre das ações de 1855. A partir desses fatos, a mão de obra escrava
começa a perder espaço, havendo a necessidade de eliminar o trabalho servil adotando o
trabalho assalariado, culminando com a queda da Monarquia.
Desta forma, a primeira parte do romance tem seu fim com o surgimento da
República, sem, no entanto, provocar grandes rupturas com o regime sepultado. Assim
como o primeiro período da narrativa é marcada inicialmente pela realização do baile da
Ilha Fiscal, o último da Monarquia, a segunda parte do romance também tem seu início
associado a uma festa, porém, promovida pelos militares que derrubaram a Monarquia.
A partir deste marco divisório, a enunciação machadiana passa pelos dois
primeiros governos militares, apresentando a mesma prática política do Império, com
Batista fazendo um périplo nos bastidores do governo federal em busca de uma vaga na
estrutura governamental da República.
O romance retrata ainda o estado de sítio imposto pelo Marechal Floriano
Peixoto, enquanto os gêmeos Pedro e Paulo, Natividade, Agostinho Santos, Batista e
Cláudia velam o corpo da filha destes, Flora. Tudo isso sobre o olhar observador do
amigo de todos e avesso à controvérsia, o conselheiro Aires, cujo outorga lhe foi
concedida pelo Imperador em virtude dos serviços que este prestou à nação durante o
período em que atuou como diplomata monárquico.
Ainda sobre o governo de Floriano Peixoto, Machado transpõe às páginas de
Esaú e Jacó o conflito existente entre os republicanos que achavam que os rumos que o

57
regime não estava seguindo não condiziam com os interesses daqueles que derrubaram
o Império e aqueles defensores do governo de Floriano, os jacobinos.
A narrativa termina com os gêmeos eleitos deputados federais na República,
embora a discórdia no que diz respeito aos regimes monárquico e republicano tenha
sido sanada, Pedro e Paulo continuam divergindo sobre os caminhos que o regime
seguia. O primeiro contentava-se com a presente situação e o segundo acreditava que os
republicanos que eliminaram o trono, foram traídos. A polêmica pode ser compreendida
a partir das dificuldades que o presidente Prudente de Moraes teve para assumir o cargo
conquistado por intermédio das urnas.

Coisas futuras e o fim do escravismo

O romance começa com a ida de Natividade e sua irmã Perpétua a uma vidente:
Bárbara, conhecida como Cabocla do Castelo. A sibila residia no morro do Castelo,
região afastada do Botafogo, bairro onde as duas moravam. O objetivo da dupla era
saber como seria o futuro dos filhos de Natividade, Pedro e Paulo que receberam esses
nomes por iniciativa da tia, viúva que perdera o marido durante a Guerra do Paraguai
(1864-1870).
A enunciação se encontra no capítulo I Coisas futuras (ASSIS, 2008, p. 1.075-
1.078). Nela, a mãe dos gêmeos recebe respostas enigmáticas, entre elas, que os filhos
seriam grandes homens, porém, Bárbara não explica como isso e quando os gêmeos
alcançariam o sucesso tão almejado por Natividade e a tia. A “Pítia do Norte” – como a
chama o narrador -, quando é instigada pelas duas, se limita a afirmar: “coisas futuras!”.

O que nos importa ressaltar é que a profecia feita por Bárbara, tomada
por Natividade como a confecção da própria realidade, assume, na
trama da obra, o papel real de modeladora da realidade. A previsão
dela, sendo uma forma de intervir em demandas objetivas, não é nem
boa nem ruim em si. Sua força estética reside na permanência da sua
palavra ao longo da narrativa, e no tratamento dado a ela pela família
Santos – em determinado momento, todos já sabem da profecia, e os
jovens Pedro e Paulo esforçam-se por torná-la em suas investidas
políticas. É uma profecia que se autocumpre, nascida da força da
previsão de uma cabocla do norte, da fraqueza de espírito de uma mãe
da alta sociedade do Rio e de uma brilhante articulação estética de
Machado de Assis (IMBROSI, 2012, p. 112).

Como “todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma
parte de seu trabalho” (ECO, 1994, p. 9), acreditamos que as coisas futuras de que falou
a sibila à esposa de Agostinho Santos pode significar muitas coisas, entre elas, o fato de

58
que o Império estava em declínio e os filhos de Natividade poderiam ter participação
nos fatos que viriam acontecer, sejam eles bons ou ruins para o destino da Coroa
brasileira.
É bom lembrar que o autor do romance está olhando para o passado da capital
federal, tendo em vista que compôs sua obra no começo do século XX, quando a
República já existia há mais de uma década. Em uma carta enviada ao amigo Joaquim
Nabuco que havia deixado o Brasil para prestar serviços de diplomacia à República,
Machado de Assis afirmava-lhe que o passado seria a melhor parte do presente
(ARANHA, 2013, p. 60). Ou seja, para se compreender o hoje em que vivia, fazia-se
necessário debruçar-se sobre o passado e ele o faz por intermédio de seus romances,
entre eles, este que pauta nossa análise.
Desta forma, o leitor saberá que a consulta à sibila do morro feita pela esposa e
cunhada do banqueiro ocorreu em 1871, quando os filhos já tinham um ano de idade.
Enquanto elas se ocupavam em saber sobre o destino dos gêmeos, o pai estava voltado
aos negócios e o desejo de adquirir um suntuoso prédio no qual imaginava dando
grandes festas que ficariam marcadas por muitas gerações e estampadas nos jornais
cariocas. Estes fatos são narrados entre os capítulos I: Coisas futuras! e o IX: Vista de
Palácio (ASSIS, 2008, p. 1.075-1.089).
Como nosso objetivo neste capítulo é compreender de que maneira Machado de
Assis representou em seu romance, alguns fatos marcantes daquele período, iniciando
pela crise que a Monarquia passava, culminando com a sua eliminação em 1889,
destacamos a preocupação do banqueiro com as medidas adotadas pelo governo
imperial no que diz respeito à questão escravista.
Na trama, Agostinho Santos resolveu ir mais tarde para o seu banco porque
queria obter informações sobre a visita que a esposa fez a Bárbara. “Ia pensando nela e
nos negócios da praça, nos meninos e na lei Rio Branco, então discutida na câmara dos
deputados; o banco era credor da lavoura” (ASSIS, 2008, p. 1.088). E nesta condição,
não havia como o banqueiro deixar de se preocupar, tendo em vista que a medida
proposta pelo gabinete conservador de José Maria Paranhos da Silva (1819-1880), o
Visconde do Rio Branco, poderia levar muitos fazendeiros a derrocada.
Conforme já apontamos, esse código pode ser considerado como um dos
importantes passos que o país deu para extinguir o trabalho servil no Brasil. Todavia,
essa lei produziu pífios resultados, já que poucas crianças foram entregues ao poder

59
público, enquanto os escravagistas continuavam utilizando seus serviços (FAUSTO, p.
2006, 218).
É importante ressaltarmos que o monarca, juntamente com seus conselheiros,
tinha interesse em equacionar o problema servil, mesmo não ocorrendo rebeliões de
escravos, o assunto era discutido nos círculos dirigentes desde o fim da Guerra do
Paraguai. A opinião corrente dizia respeito à fraqueza que o país portava em virtude de
não poder contar com a lealdade de sua população (2006, p. 218). Desta forma, “o
encaminhamento da questão servil, mesmo ferindo interesses econômicos importantes,
era visto como um mal menor diante desse problema e do risco potencial de revoltas de
escravos” (2006, p. 218).
Se por um lado, o círculo em torno do imperador era favorável à medida, o
projeto era visto pela classe social dominante como um grande risco de subversão da
ordem (2006, p. 218). Esse segmento acreditava que a alforria concedida pelos
proprietários poderia levar os libertos ao reconhecimento e à obediência. “Abrir
caminho à liberdade por força da lei gerava nos escravos a ideia de um direito, o que
conduziria país à guerra entre as raças” (FAUSTO, 2006, p. 218).
Este ponto desejado pela classe dominante, que consiste na libertação do cativo
como um ato benevolente do seu proprietário foi retratado por Machado de Assis em
uma crônica publicada no dia 19 de maio de 1888 pelo jornal Gazeta de Notícias, seis
dias depois do fim do escravismo.
A enunciação tem como protagonista o narrador que não se identifica e um
escravo doméstico: Pancrácio. Ele recebeu das mãos de seu proprietário a carta de
alforria que a mandou publicar nos jornais41 da Corte. Entretanto, a enunciação deixa
claro que a ação não teve nada de benevolente, mas sim um artifício utilizado pelo dono
de cativo para evitar que o governo lhe retirasse o direito de propriedade, podendo
utilizá-la da maneira que lhe aprouvesse. De acordo com o narrador, antes mesmo que
os debates sobre a eliminação da escravidão se acirrassem, optou por libertar seu
escravo que deveria estar com 18 anos. “Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por
mil, perdido por mil quinhentos, e dei um jantar” (ASSIS, 1990, p. 62).
O jantar, nomeado de banquete pelos amigos do anfitrião, objetivou anunciar
que o escravagista, antes mesmo do decreto imperial, alforriou seu agora ex-escravo e

41
- Roland Barthes (1970, p. 57-60) classifica as notícias estampadas nos jornais como fait divers, já que
são dados totais, através dos quais os leitores são informados do que está ocorrendo em um determinado
momento da sociedade. Entretanto, os textos não são longas narrativas, mas sim como pequenos informes
que encadearão dentro dos contextos de seus conteúdos.

60
brindou a ação com seus convidados. O jovem que escutava tudo a espreita, adentrou a
sala e foi abraçar o seu antigo algoz e agora benfeitor, momento em que as visitas
brindaram o ato. O anfitrião discursou mais uma vez em tom de agradecimento,
entregando a carta de alforria ao liberto. “Todos os lenços comovidos apanharam as
lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos
cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo” (ASSIS, 1990, p.
63).
Mas para compreender o que a alforria oficial significou para os libertos,
justamente por ter partido do governo sem que os próprios cativos participassem
ativamente da sua conquista, faz-se necessário observarmos o restante da crônica42 em
seu desfecho, quando Pancrácio passa da condição de escravo a trabalhador assalariado.
No dia seguinte, ao ver confirmada a sua liberdade e que podia seguir o caminho
que pretendesse, resolveu ficar na casa de seu antigo proprietário, seguindo como
empregado com salário mensal de “uns seis mil-réis; mas é de grão em grão que a
galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha” (ASSIS, 1990, p. 63),
afirmou-lhe o patrão.
Ao publicar essa crônica em livro, o brasilianista John Gledson explica que o
valor que o trabalhador Pancrácio receberia equivalia a duas camisas, sendo que não
seria possível ao novo liberto, se quer locar uma casa simples para morar, pois o aluguel
estava próximo a 35 mil-réis e, caso o funcionário quisesse sair do imóvel em que atuou
como escravo, provavelmente iria residir em casebres semelhantes aos retratados pelo
escritor Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo (1857-1913) em O cortiço
(2013). Ainda: um jantar no Hotel Javanês não saia por menos do que quatrocentos réis.
Já no jornal em que Machado de Assis publicara esta crônica, o exemplar custava 40
reis (ASSIS, 1990, p. 63).
Portanto, ao ler esses e outros textos jornalísticos de Machado, considerados
como “crônicas da escravidão”, podemos constatar que as críticas do autor eram
dirigidas “[...] à hipocrisia de políticos que, dizendo-se abolicionistas, votavam a favor
dos senhores” (DUARTE, 2007, p. 247) escravagistas e aqueles que depois da abolição
se posicionaram contrários “[...] à tentativa de estabelecimento por lei de indenização

42
- “Toda crônica é uma intensa evocação dessa comunidade, que em si é uma das razões – ou das
justificações – da alusividade que torna as crônicas muitas vezes impossíveis de ler sem notas. Como em
toda comunidade verdadeira, há um fundo de experiência compartilhada, e que portanto pode ficar
subentendida, implícita: o humor, muitas vezes, tem a sua origem neste tipo de experiências”
(GLEDSON, apud ASSIS, 1996, p. 29).

61
aos proprietários repentinamente desprovidos da mão-de-obra cativa” (2007, p. 247).
Neste sentido, a leitura dessas crônicas pode revelar como Machado de Assis “[...] usa
com maestria os recursos da narrativa romanesca para tratar de assuntos polêmicos em
seu tempo, utilizando-se por vezes daquele humor ácido e cortante que caracterizou
muitos de seus escritos ficcionais” (DUARTE, 2007, p. 247).
Retornando ao romance, Machado retrata ainda outro aspecto negativo da
escravidão. A enunciação se encontra no capítulo XX: A joia (ASSIS, 2008, p. 1.102-
1.103). A narrativa enfoca a conquista da baronia por parte dos pais de Pedro e Paulo,
cuja outorga é publicada pelos jornais no dia em que Natividade estava aniversariando,
tornando-se presente que, bem escolhido, deu muito trabalho ao novo barão adquirir.
Ressaltemos aqui que, além dos familiares, a escravaria da casa se regozijou
com a conquista, chegando ao ponto de se achar melhor do que os demais cativos
porque, a partir daquele momento, pertenciam a barões imperiais.

Os próprios escravos pareciam receber uma parcela da liberdade e


condecoravam-se com ela: “Nhã Baronesa!”, exclamavam saltando. E
João puxava Maria, batendo castanholas com os dedos: “Gente, quem
é esta crioula? Sou escrava de nhã baronesa!” (ASSIS, 2008, p.
1.103).

O escritor brasileiro, ao retratar a condição dos cativos a partir dessa perspectiva,


estava ironizando a ideia de que com o fim do cativeiro, eles poderiam se tornar pessoas
diferentes, pois o sistema não corrompia somente o escravagista, mas também o
escravo, conforme Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (1849-1910) aponta em
seu estudo O abolicionismo (2010).

Não pode, [...], ser objeto de dúvida que a escravidão transportou da


África para o Brasil mais de 2 milhões de africanos; que, pelo
interesse do senhor na produção do ventre escravo, ela favoreceu
quanto pôde a fecundidade das mulheres negras; que os descendentes
dessa população formam pelo menos dois terços do nosso povo atual;
que durante três séculos a escravidão, operando sobre milhões de
indivíduos, em grande parte desse período sobre a maioria da
população nacional, impediu aparecimento regular da família nas
camadas fundamentais do país; reduziu a procriação humana a um
interesse venal dos senhores; manteve toda aquela massa pensante em
estado puramente animal; não a alimentou, não a vestiu
suficientemente; roubou-lhe as suas economias, e nunca lhe pagou os
seus salários; deixou-a cobrir-se de doenças, e morrer ao abandono;
tornou impossíveis para ela hábitos de previdência, de trabalho
voluntário, de responsabilidade própria, de dignidade pessoal; fez dela
o jogo de todas as paixões baixas, de todos os caprichos sensuais, de

62
todas as vinditas cruéis de uma outra raça (NABUCO, 2010, p. 56-
57).

No final dos anos 70 do século XX, Florestan Fernandes em seu estudo A


sociedade escravista no Brasil (2008) abordou a mesma temática apontada por Nabuco
em 1883. Para Fernandes, tanto do apogeu quanto da crise do sistema escravista, o
senhor escravista não emerge do mesmo como era antes. Todavia,

[...] se ele aproveita, agora em estilo tradicional-patrimonialista e em


estilo capitalista, o momento de apogeu, ele não se converte em vítima
da crise final dessa ordem. A vítima sempre foi o “negro” como
categoria social, isto é, o antigo agente do modo de produção
escravista que, quer como escravo, quer como liberto, movimentara a
engrenagem econômica da sociedade estamental e de castas. Para ele,
não houve “alternativa histórica”. Ficou com a poeira da estrada,
submergindo na economia de subsistência, com as oportunidades
medíocres de trabalho livre das regiões mais ou menos estagnadas
economicamente e nas grandes cidades em crescimento tumultuoso,
ou perdendo-se nos escombros de sua própria ruína, pois onde teve
que competir com o trabalhador branco, especialmente o imigrante,
viu-se refugiado e repelido para os porões, os cortiços43 e a anomia
social crônica [grifos do original] (FERNANDES, 2008, p. 257).

A escravidão ainda é tema do capítulo XXXVII: Desacordo no acordo (ASSIS,


2008, p. 1.121). O romance em pauta traz em sua totalidade, vários eventos em que os
irmãos Pedro e Paulo são adversários, inclusive na disputa pelo coração da jovem e
indecisa Flora. Entretanto, neste trecho da obra, o narrador se ocupará em apontar um
ponto em que ambos convergem para a mesma opinião.
“Não esqueça de dizer que, em 1888, uma questão grave e gravíssima os fez
concordar também, ainda que por diversa razão. A data explica o fato: foi a
emancipação dos escravos. Estavam então longe um do outro, mas a opinião uniu-os”
(2008, p. 1.121).
Para Pedro, o fim do cativeiro era um ato de justiça, enquanto Paulo o via como
o início de uma revolução. “Ele mesmo o disse, concluindo um discurso em São Paulo,
no dia 20 de maio: ‘A abolição é a aurora da liberdade; esperemos o sol; emancipado o
preto, resta emancipar o branco’” (2008, p. 1.121).
Ao ler essas observações estampadas nos jornais, Natividade ficou estarrecida e
enviou uma carta ao filho ressaltando suas preocupações. Obteve como resposta que ele

43
- O romance O cortiço (2013), escrito por Aluísio Azevedo retrata, de modo ficcional, como era a vida
dos escravos que pagavam aluguel para seus proprietários, e também a vida dos descendentes nesses
casebres, como o cortiço Cabeça de Porco destruído nos primeiros anos da República.

63
podia sacrificar tudo, inclusive a vida, mas as suas opiniões deveriam ser mantidas.
Entretanto, a mãe continuava apreensiva, pois acreditava que tais afirmações poderiam
significar uma ameaça ao Império e ao próprio Paulo.
Os temores de Natividade sobre os riscos que o filho poderia correr em virtude
do discurso proferido e publicado por conta do fim da escravidão continuam no capítulo
XLIII: O discurso (ASSIS, 2008, p. 1.128-1.129). Aqui a mãe conversa com o marido
por conta do conteúdo do texto composto pelo filho que se encontrava no Rio e Janeiro
na casa dos pais em função das férias escolares.
Ao contrário do que pensava Natividade, Agostinho Santos gostou da escrita de
Paulo, inclusive externando que este tinha talento e, em função disso leu o texto para os
amigos mandando fazer várias cópias. A esposa não se opunha a tal ação, mas achava
que alguns trechos deveriam ser cortados por considerá-los republicanos. Ela leu os
trechos ao esposo que não deixou de concordar com ela, entretanto, achava que os
discursos deviam ser transcritos em sua integralidade.

Pedro, que assistia desde alguns instantes ao debate, interveio


docemente para dizer que os receios da mãe não tinham base; era bom
pôr a frase toda, e, a rigor, não diferia muito do que os liberais diziam
em 1848.
- Um monarquista liberal pode muito bem assinar esse trecho –
concluiu ele, depois de reter as palavras do irmão.
- Justamente! – assentiu o pai (ASSIS, 2008, p. 1.128).

Uma das cópias do discurso foi ricamente encadernada e entregue pelo próprio
barão à Princesa Isabel (1846-1921). Durante a visita, Agostinho seguiu as
recomendações da esposa, informando a regente que Paulo era liberal à moda de 1848.

As revoltas liberais da década de 1840, registradas em algumas


províncias do país, foram marcadas pelo repúdio à monarquia, em
favor da república e de reformas políticas radicais; a última delas, em
1848, se deu em Pernambuco e ficou conhecida como Revolução
Praieira (ASSIS, 2012, p. 118).

As questões envolvendo o escravismo são tidas como um dos fatores que


levaram a queda da Monarquia, entretanto, o processo de desgaste do Império surgiu
bem antes das primeiras medidas para por fim ao trabalho escravo, como por exemplo, a
lei do Ventre Livre. Os problemas mais crônicos da Monarquia tem início no final da
década de 60 do século XIX quando o gabinete liberal de Zacarias de Góes e
Vasconcelos (1815-1877) é substituído pelo conservador que tinha a frente Joaquim
José Rodrigues Torres (1802-1872), o Visconde de Itaboraí.

64
A propósito da recomposição de forças e programas políticos que se
opera no Brasil em 1868 com a queda do ministério de 3 de agosto e a
ascensão do gabinete conservador de 16 de julho, foi dito que [...] a
partir desse momento, “começa a crescer a onda que vai derrubar a
instituição monárquica. Ela viveria ainda alguns anos, às vezes até
com o antigo brilho. Os homens mais lúcidos, no entanto, sabiam que
o império estava condenado. Em 1869 começa o seu declínio até
chegar à queda em 1889. Ele já revelara seu potencial, o que tinha de
positivo e negativo. Agora ira viver quase vegetativamente, pois eram
sabidos os seus limites. A data de 1868 encerra o período de esplendor
e abre o das crises que levarão à sua ruína”. Não se poderia melhor
assinalar o grande alcance do acontecimento que produz uma
clivagem na história política da monarquia brasileira e marca o ponto
de partida mais visível da deterioração do regime (HOLANDA, 1997,
p. 7).

Questão militar

Retomando a narrativa machadiana, vamos observar referências à questão


militar, considerada como uma das responsáveis pela destruição da Monarquia
brasileira. O episódio compõe o capítulo LI: Aqui presente (ASSIS, 2008, p. 1.141-
1.142). Para nós, o enfoque principal diz respeito ao diálogo entre Pedro e Flora,
motivado pela carta que o irmão Paulo lhe enviara de São Paulo.
A quase totalidade do texto dizia respeito à questão militar e como o jovem
estudante de direito se posicionava sobre aqueles fatos. O que trouxe novos
aborrecimentos para a mãe de ambos. Flora quis tomar conhecimento do conteúdo do
trecho que mais incomodara Natividade.
“Pedro leu-lhe o ponto principal, que era quase toda a carta; falava da questão
militar. Já havia a ‘questão militar’, um conflito de generais e ministros, e a linguagem
de Paulo era contra os ministros” (ASSIS, 2008, p. 1.142).
Ao abordar retratar o assunto em pequenas linhas, Machado de Assis estaria
retratando “de um modo barateado e em ritmo tedioso, características que trazem
sugestivas implicações para a especificação do ritmo histórico brasileiro” (LIMA, 2014,
p. 141).
O autor do romance trata amatéria com certa indiferença, apenas a partir da
perspectiva das desavenças entre os filhos de Natividade, já que Pedro utiliza o
conteúdo da carta para evidenciar a mãe, monarquista, que ele estava do lado da família

65
que recebera a outorga de barões do Império44 por determinação do monarca, enquanto
o irmão apenas colocava-se ao lado daqueles que queriam ver o fim Império.
Apesar do livro não trazer mais detalhes sobre o evento – também se o texto
tivesse que dizer tudo, o leitor jamais acabaria de lê-lo (ECO, 1994, p. 9) -, acreditamos
ser necessário apontarmos aqui o que foi a Questão militar. Na década de 80 do século
XIX, uma série de incidentes marcou a relação entre governo e forças armadas. O
primeiro tentou enquadrar os “[...] oficiais que ousassem manifestar em público as suas
ideias. Vários desses episódios estavam ligados a abusos estritamente militares,
enquanto outros se relacionavam diretamente à abolição” (SCHULZ, 1994, p. 95).
Entre os vários entreveros, destacamos um ocorrido em 1884, quando o tenente-
coronel Sena Madureira, militar que gozava de enorme prestígio junto ao monarca D.
Pedro II, “convidou um dos jangadeiros que havia participado da luta pela libertação
dos escravos no Ceará a visitar a Escola de Tiro do Rio de Janeiro, do qual era
comandante” (FAUSTO, 2006, p. 233-234).
O ato teve como consequência, a transferência do oficial da capital da Corte para
a província do Rio Grande do Sul. Ali ele publicou no jornal republicano A
federação,um artigonarrando o episódio do Ceará, acirrando mais as pendengas entre
Monarquia e Exército (2006, p. 234).

Ao lado do caso Sena Madureira havia outros gerando polêmicas, nos


jornais. O ministro da Guerra [Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves]
assinou então uma ordem em que proibia militares de discutir pela
imprensa questões políticas ou da corporação. Os oficiais sediados no
Rio Grande do Sul realizaram uma grande reunião em Porto Alegre,
protestando contra a proibição do ministro. Deodoro da Fonseca, na
presidência da província do Rio Grande do Sul, recusou-se a punir os
oficiais, sendo chamado ao Rio de Janeiro. Afinal, surgiu uma fórmula
conciliatória, favorável aos militares. Revogou-se a proibição e o
gabinete foi censurado pelo Congresso.
Nessa altura (junho de 1887), os oficias organizaram o Clube Militar
como associação permanente para defender seus interesses, sendo
Deodoro eleito presidente. No mesmo mês de fundação do clube,
Deodoro solicitou ao ministro da Guerra que o Exército não fosse
mais obrigado a caçar escravos fugidos. Isso aconteceu na prática,
apesar da recusa do ministro em atender ao pedido (FAUSTO, 2006,
p. 234).

A dança política do Império

44
- No Império brasileiro, os títulos nobiliárquicos que os pais recebiam, não eram extensivos os filhos.

66
Entre outros referenciais históricos representados em Esaú e Jacó há as
peculiaridades e eventos políticos que marcaram a passagem da Monarquia para a
República, entre eles a última festa organizada pelo Império, conhecida como o baile da
Ilha Fiscal, cuja realização objetivava saudar os militares chilenos que se encontravam
no Brasil.
Ao transferir o baile para a ficção, Machado de Assis apontou vários aspectos da
questão político-partidária daquela época em que os partidos, Liberal e Conservador, se
alternavam na chefia do gabinete ministerial. No meio dessa gangorra política estava o
advogado conservador Batista, que perdera o posto de presidente provincial sob a
acusação de nepotismo, mas que acalentava o desejo de voltar ao posto. Porém, como os
liberais foram alçados ao governo imperial, seria obrigado a dançar de acordo com a
música política, conforme lhe sugere sua mulher, Cláudia.
A dança sugerida pela esposa de Batista se encontra no capítulo XLVII: S.
Mateus, IV, 1-10 (ASSIS, 2008, p. 1.132-1.135), cujo título faz referência a uma
passagem do Novo Testamento que retrata a tentação a que Cristo foi exposto no
deserto.

Então Jesus foi conduzido pelo Espírito (Santo) ao deserto, para ser
tentado pelo demônio. E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta
noites, depois teve fome. E, aproximando-se (dele) o tentador, disse-
lhe: Se és filho de Deus, dize que estas pedras se convertam em pães.
Ele, porém, respondendo-lhe, disse: Está escrito: Não só de pão vive o
homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. Então o
demônio transportou-o à cidade santa, e pô-lo sobre o pináculo do
templo, e disse-lhe: Se és filho de Deus, lança-te daqui abaixo. Porque
está escrito: Confiou aos seus anjos o cuidado de ti, e eles te tomarão
nas mãos, para que não tropeces com o teu pé na pedra. Jesus disse-
lhe: Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus. De novo o
demônio o transportou a um monte muito ato, e lhe mostrou todos os
reinos do mundo e a sua magnificência. E lhe disse: Tudo isto te darei,
se, prostrado, me adorares. Então Jesus disse-lhe: Vai-te, Satanás,
porque está escrito: O Senhor teu Deus adorarás, e a ele só servirás.
Então o demônio deixou-o; e eis que os anjos se aproximaram, e o
serviram (BIBLIA SAGRADA, 1959, p. 1.180).

Se no texto bíblico, o criador do cristianismo sofreu várias investidas do Diabo


para mudar de lado, na enunciação machadiana, o conservador e ex-presidente de
província é induzido pela esposa a se tornar liberal objetivando conquistar um lugar na
estrutura governamental do Império.

Se há muito riso quando um partido sobe, também há muita lágrima


do outro que desce, e do riso e da lágrima se faz o primeiro dia da

67
situação, como no Gênesis45. Venhamos ao evangelista que serve de
título ao capítulo. Os liberais foram chamados ao poder, que os
conservadores tiveram de deixar. Não é mister dizer que o abatimento
de Batista foi enorme (ASSIS, 2008, p. 1.132).

Esse primeiro parágrafo expõe, do ponto de vista fictício, uma situação


corriqueira no Brasil monárquico em que havia o bipartidarismo e a troca constante dos
partidos que assumiriam a chefia do governo monárquico. Como o período da
enunciação de Aires encontra-se próximo da queda do regime, Machado de Assis, por
intermédio de seu narrador, está se referindo ao 37º gabinete da Monarquia, chefiado
por Afonso de Assis Figueiredo, o “Visconde de Ouro Preto” (1836-1912), integrante
do Partido Liberal que, no romance em análise e no plano concreto da política nacional,
era contrário ao Partido Conservador ao qual Batista era filiado. Esse foi o último
gabinete empossado por D. Pedro II que, observando o descredito e o desgaste que a
Coroa vinha sofrendo, tenta salvar o seu reinado, buscando condições para um Terceiro
Reinado, tendo à frente a sua filha Princesa Isabel, mesmo com a Constituição de 1824
determinando que o sucessor do trono teria que ser um homem.
“Peças centrais dessa engrenagem, os partidos Liberal e Conservador faziam a
intermediação entre o poder central e o local e serviam de instrumento de aglomeração
de políticos e grupos de interesses (dispersos) patrimoniais e fisiológicos” (SEGATTO,
2007, p. 135). É justamente essa finalidade das agremiações que dá o mote para
Machado apresentar nesse capítulo o diálogo entre os pais de Flora, já que Batista havia
sido presidente de uma província, mas tinha esperança de conquistar novamente o
posto, entretanto com a chegada dos Liberais ao poder, as chances seriam remotas.

- Justamente agora que eu tinha esperanças, disse ele a mulher.


- De quê?

45
- Gênesis é o primeiro dos cinco livros que compõe o Pentateuco. Os outros quatro são: Êxodo,
Levítico, Números e o Deuteronômio. O autor do Pentateuco é Moisés, sendo “[...] um livro em parte
histórico e em parte legal. Narra a história do homem desde a criação do mundo até a dispersão dos povos
(Gên. 1,1 – 11,22) e, particularmente, a história do povo hebreu desde a sua origem até a conquista da
Terra Prometida. Por outro lado, contém a legislação civil e religiosa de Israel, seja a adotada no tempo da
peregrinação no deserto, seja a que deveria ser observada depois da ocupação e durante a permanência na
Palestina” (BIBLIA SAGRADA, 1959, p. 17). Esses cinco textos formam “[...] a doutrina comumente
admitida por toda a antiguidade judaica e cristã [...]” (1959, p. 17). É importante acrescentar que a leitura
do Pentateuco “[...] não exige que Moisés seja o autor imediato de tudo aquilo que está contido nos cinco
livros. Assim como há certos trechos que não podem ter sido escrito por ele, por ex., a narração de sua
morte: Deutr. 34,5 seg.;ou a continuação de certas genealogias alcançando personagens que sobreviveram
a Moisés (Gên. 36), existem também glosas, apostilas e traços de remanuseio que pertencem, sem dúvida
alguma, a épocas bem posteriores a Moisés. Também não se pode excluir que ele se tenha servido das
obras dos amanuenses e tenha podido incluir na sua narração – integralmente, resumidos ou amplificados
– documentos e antigas tradições preexistentes” (BIBLIA SAGRADA, 1959, p. 17).

68
- Ora de quê! de uma presidência. Não disse nada, porque podiam
falhar, mas é quase certo que não. Tive duas conferências, não com
ministros, mas com pessoa influente que sabia, e era negócio de
esperar um mês ou dois...
-Presidência boa?
- Boa.
- Se você tivesse trabalhado bem...
- Se tivesse trabalhado bem, podia estar já de posse, mas vínhamos
agora a toque de caixa.
- Isso é verdade, concordou d. Cláudia olhando para o futuro (ASSIS,
2008, p. 1.132).

A conversa entre os dois demonstra a forma como a vida política era conduzida
na Corte e seus acordos fisiológicos objetivando manter no poder o partido indicado
pelo Imperador. Isso era feito por intermédio de diversos artifícios, entre eles as eleições
municipais, que ficava sob a responsabilidade dos presidentes provinciais nomeados
pelo Monarca. Eles tinham como função “[...] organizar e manipular as eleições, de
forma a só eleger os candidatos do partido que estivesse no governo” (SEGATTO,
2007, p. 134).

As eleições paroquiais eram feitas e controladas pelo poder local,


composto por grandes proprietários rurais e comerciantes, juízes,
delegados ou subdelegados, párocos etc. Vencer a eleição significava
não só o domínio político da localidade, mas o prestígio diante do
governo e a manutenção dos cargos e empregos para apaniguados e
dependentes. E para ganhar as eleições quaisquer meios eram válidos.
A utilização da violência e da coação, do favor e do clientelismo, de
mecanismos manipulatórios e de práticas fraudulentas era uma
constante, aparecendo em alguns momentos institucionalizada 46
(SEGATTO, 2007, p. 134-135).

No que diz respeito ao clientelismo, o mesmo era alimentado pelo próprio


Imperador e “[...] significava tanto o preenchimento de cargos governamentais quanto a
proteção de pessoas humildes, mesmo os trabalhadores agrícolas sem terra”
(GRAHAM, 1997, p. 16). Machado descreve essa prática política imperial através da
conversação entre as duas personagens políticas da sua narrativa: Cláudia e Batista que
caminha para a tentação presente no título do capítulo.

46
- Essa prática também foi registrada por Jorge Amado em vários de seus livros, entre eles o romance
Gabriela, cravo e canela (2008). Essa obra publicada pela primeira vez em 1958 demonstra que a troca
de “favores” entre o povo e os políticos perdurou por muito tempo no interior do Brasil, tornando-se uma
das marcas da República brasileira.

69
Enquanto o marido, conservador, andava pela sala, sem saber ao certo quanto
tempo os liberais47 iriam manter-se no poder, a esposa fazia suas confabulações, entre
elas, a de sugerir que o esposo mude de cadeira. Cláudia se ergueu do assento em que
estava acomodada, perguntando ao marido o que é que este esperava dos conservadores.
Obteve como resposta que a expectativa era de que eles retornassem ao poder.
Entretanto, a esposa achava que isso levaria tempo e, caso os amigos do advogado
voltassem ao poder, será que se lembrariam dele? Batista diz à mulher que aguardaria o
retorno dos conservadores à chefia do ministério imperial e, caso não conquistasse um
lugar na nova estrutura governista, morreria em seu posto de honra, isto é, de ex-
presidente de província.
Cláudia o olhou fixamente, afirmando que o mesmo nunca havia sido
Conservador. Batista empalideceu, recuando, pois sempre teve em conta ser um
conservador afinado com as ideias do pai, do pároco e dos parentes próximos. Ele
tentou explicar suas razões, mas a mulher, não dando ouvidos ao que dizia o advogado,
afirmou-lhe que estava com os conservadores como quem está num baile e deve-se
dançar conforme a música. Ou seja, se o canto entoado politicamente partia das
trombetas dos liberais, era preciso bailar conforme a melodia que elas executavam.

- Sim, mas a gente não dança com ideias, dança com pernas.
- Dance com que for, a verdade é que todas as suas ideias iam para os
liberais, lembre-se que os dissidentes na província acusavam a você de
apoiar os liberais ...
- Era falso; o governo é que me recomendava moderação. Posso
mostrar cartas.
- Qual moderação! Você é liberal.
- Eu liberal?
- Um liberalão, nunca foi outra coisa.
- Pense no que diz, Cláudia. Se alguém a ouvir é capaz de crer, e daí a
espalhar...
- Que tem que espalhe? Espalha a verdade, espalha a justiça, porque
os seus verdadeiros amigos não o hão de deixar na rua, agora que tudo
se organiza. Você tem amigos pessoais no ministério; por que os não
procura? (ASSIS, 2008, p. 1.133).

O narrador informa que durante o diálogo com a esposa, Batista caminhava pela
sala com as mãos às costas e os olhos pregados no chão. Estava apreensivo, mas
suspirava “[...] sem prever o tempo em que os conservadores tornariam ao poder. Os

47
- Durante o Império, os integrantes do partido Conservador eram conhecidos como Saquaremas;
enquanto os filiados ao Partido Liberal foram designados como Luzias.

70
liberais estavam fortes e resolutos. As mesmas ideias pairavam na cabeça de d. Cláudia”
(2008, p. 1.132).
O enunciador explica aos seus virtuais leitores, sejam eles do início do século
XX ou deste XXI, o fio que ata o casal Batista. “Este casal só não era igual na vontade;
as ideias eram muitas vezes tais que, se aparecessem cá fora, ninguém diria quais eram
as dele, quais as dela, pareciam vir de um cérebro único” (ASSIS, 2008, p. 1.132).
Aires continua com sua explanação: “Naquele momento nenhum achava
esperança imediata ou remota. Uma só ideia vaga... E foi que a vontade de d. Cláudia
fincou os pés no chão e cresceu” (2008, p. 1.132-1.133). Ainda: “Não falo só por
imagem; d. Cláudia levantou-se da cadeira, rápida, e disparou esta pergunta ao marido:”
(ASSIS, 2008, p. 1.133).

- Mas, Batista, você o que é que espera mais dos conservadores?


Batista parou com um ar digno e respondeu com simplicidade:
- Espero que subam.
- Que subam? Espera oito ou dez anos, o fim do século48, não é? E
nessa ocasião você sabe se será aproveitado? Quem se lembrará de
você?
- Posso fundar um jornal.
- Deixe-se de jornais. E se morrer?
- Morro no meu posto de honra (ASSIS, 2008, p. 1.133).

As conversas mantidas entre o casal, em que a mulher sugere ao advogado


Batista dançar conforme a música que se executa e as intenções da tentação feita ao
esposo conservador ficam evidentes no capítulo seguinte, intitulado Terpsícore 49 -
alusão a “uma das nove musas da mitologia grega, patrona da poesia lírica e da dança”
(ASSIS, 2012, p. 129).
O foco da narrativa em que o enunciador relata o baile mais aguardado pela
Corte, conforme notícias estampadas pelos jornais da época, desloca-se do casal Batista
para a mãe dos gêmeos Pedro e Paulo, Natividade que, do seu canto do salão, de acordo
com as observações do enunciador, analisa os fatos, inclusive a provável concretização
dos anseios de Cláudia que articula a conversão do marido conservador, em liberal.

48
- Se for possível datar, mesmo que a partir da perspectiva ficcional, essa interpelação de D. Cláudia,
pode se chegar a ideia de que a conversa acontece entre os meses finais de 1887 e 1889, quando a
Monarquia brasileira é eliminada pelos militares. Há ainda que acrescentar que a esposa de Batista
acreditava na hipótese de um terceiro reinado, provavelmente tendo a frente a princesa Isabel e seu
esposo, o conde D’Eu.
49
- Machado de Assis escreveu uma crônica com o mesmo título e publicada no jornal Gazeta de Notícias
no dia 25 de março de 1886, abordando a vida do casal Porfírio e Glória marcada pela dança e por um
bilhete de loteria.

71
[...]. Também ela pensava no baile da ilha Fiscal, sem a menor ideia
de dançar, nem a razão estética da outra. Para ela, o baile da ilha era
um fato político, era o baile do ministério, uma festa liberal, que podia
abrir ao marido as portas de alguma presidência. Via-se já com a
família imperial. Ouvia a princesa:
- Como vai, dona Cláudia?
- Perfeitamente bem, sereníssima senhora50.
E Batista conversaria com o imperador, a um canto, diante dos olhos
invejosos que tentariam ouvir o diálogo, à força de os fitarem de longe
(ASSIS, 2008, p. 1.132).

Embora a enunciação aponte se tratar de um devaneio da mulher de Batista


enquanto aguardava o baile, ela antecipa a conversão do conservador em liberal, graças
à influência da mulher que sugeriu a ele bailar conforme o canto político do momento.
O advogado reluta em dançar com as ideias liberais, mas sede aos encantos e os brados
entoados pela mulher, atentando-se para o fato de que o mais importante era estar no
poder, independentemente da ideologia proferida pelo grupo que caia nas graças do
Imperador e a forma clientelística como conduzia as questões políticas do seu reinado.

O procedimento de Batista, derivado da volubilidade fisiológica é, de


fato, conduta peculiar que molda o caráter dos agentes políticos-
partidários, cujos traços perpassam o processo histórico brasileiro-
fisiológico, sem compromissos programáticos, sobrevivem das fatias,
migalhas51 ou à sombra do poder; usam o Estado como provedor de
empregos, verbas, subsídios, favores; estão constantemente próximos
do governo, seja ele qual for; ordinariamente, à disposição para serem
cooptados ou aderirem a governos de que eram oposição ou até
mesmo inimigos de véspera; são, acima de tudo, governistas e
estatistas (SEGATTO, 2007, p. 135).

O baile retratado por Machado de Assis sugere ainda outras interpretações do


cenário político do Segundo Reinado, como o desejo do banqueiro Agostinho Santos em
tornar-se Senador vitalício do Império, mas contrário ao Batista, é dissuadido pela
esposa, Natividade, a fazer tal investida, mesmo que tenha que passar primeiro pela
Câmara dos Deputados e usar a sua influência de banqueiro e barão imperial52.
Ao construir a personagem Batista, o ficcionista carioca caracterizou o típico
político da vida brasileira do século XIX. Ele “encarna e concentra em si o máximo das
tendências da cultura e da prática políticas, com traços patrimonialistas, clientelistas e

50
- Fazendo referência ao processo eleitoral brasileiro, Machado de Assis escreveu o conto A sereníssima
república (2004) que foi publicado em livro nos Papéis avulsos em 1882.
51
- Essa peculiaridade, o escritor brasileiro acentua no capítulo IV: Ideia fixa (ASSIS, 1998, p. 20-21),
que compõe seu romance Memórias póstumas de Brás Cubas.
52
- Machado de Assis também retratou em diversos textos, quem eram os integrantes do Senado e como
funcionava o Legislativo brasileiro. Sobre o primeiro, há artigo O velho Senado publicado na Revista
Brasileira e sobre o segundo tratou da matéria no conto Capítulos do Chapéu(2004).

72
fisiológicos que se reproduzem no seio e nas sombras do poder” (SEGATTO, 2007, p.
134).
Desta forma, o escritor, em seu penúltimo romance, abre as portas para que os
leitores do século XXI compreendam o passado brasileiro, principalmente no âmbito de
sua história política monárquica que pode ser resumida “[...] a partir de 1836, na luta
dos dois grandes partidos, o liberal e o conservador, separados e identificáveis por um
ideário próprio” (FAORO, 1991, p. 341) e o advogado que num momento era
conservador, para, no instante seguinte, se tornar liberal atendendo aos cânticos da
mulher, desejosa de ver o esposo voltando a presidir uma província, mesmo que
longínqua do centro do poder, se encontra bem no meio desta disputa.
Quando finalmente acata as admoestações da mulher que o tentava
constantemente, numa espécie de verificação objetivando detectar até onde ia à defesa
dos preceitos conservadores do marido, Batista opta por bandear para os lados do
governo, independentemente da agremiação que formava o ministério, a Monarquia é
eliminada e em seu lugar instala-se o regime republicano. Diante do novo contexto,
Batista volta ao velho jogo político para conseguir manter um posto na estrutura do
novo sistema.
De qualquer forma, o advogado, amigo da família do barão Agostinho Santos,
personifica aqueles funcionários públicos que não devem lealdade ao Estado, mas sim
ao grupo que chefia o ministério por determinação do Imperador. Sendo assim, se os
servidores públicos “[...] devem lealdade ao governo e se o governo é a materialização
de uma diretriz partidária, logo aqueles funcionários devem obediência compulsória ao
partido que ocupa o governo” (LESSA, 1999, p. 41).
Ao retratar, a partir da ficção, as peripécias e andanças de Batista em busca de
um cargo na estrutura governamental brasileira, Machado não pretendia torna-se
historiador, pois este retrata os fatos como ocorreram, enquanto que o escritor conta não
às ações em si, mas como elas poderiam ter sido e o faz usando recursos que a literatura
lhe faculta (ARISTÓTELES, 1999, p. 47).
Portanto, ao acessar as páginas do romance machadiano, o leitor compreenderá
que a literatura – na condição de atividade artística e a história têm objetivos diferentes
no que diz respeito à reprodução do real. Com a primeira, o indivíduo se relaciona por
meio da imaginação com o universo histórico. Entretanto, a obra ficcional não é
contrária à realidade, pois ao construir um real imaginário, a ficção não deixa de
representar, através da enunciação, a existência real (SEGATTO, 2007, 139).

73
Apresentamos a primeira parte da divisória que fizemos deste penúltimo
romance de Machado de Assis. A segunda parte, que tem início com a queda da
Monarquia e o surgimento da República, será observada no terceiro capítulo dessa
dissertação. O nosso objetivo é compreender como, através de uma representação
desinteressada dos fatos, Machado apresentou aos seus leitores o seu olhar sobre
aqueles acontecimentos que marcaram profundamente a forma do Brasil existir.
A nossa análise começa pelo capítulo XLIX: Tabuleta Velha, terminando na
seção CXXI: Último, justamente o nome que iria intitular esse romance, todavia, o
próprio Machado o alterou momentos antes de ser impresso, passando a se chamar Esaú
e Jacó.
Permanecendo no caminho que fizemos até este ponto da dissertação, vamos nos
deter apenas nos fatos históricos que marcaram a transição de um regime para o outro,
de modo que seja possível nos aproximarmos do que o autor tentou apontar neste seu
penúltimo romance através das representações artísticas e literárias sobre o Brasil
Oitocentista.
Desta forma, a nossa exposição pretende situar o escritor dentro do contexto
histórico em que escreveu sua obra. O texto foi publicado em 1904, porém, levou três
anos para ser concluído. Neste período, a República oligárquica se consolidou, muitos
conselheiros da Monarquia conquistaram alguns postos na estrutura administrativa do
novo regime, chegando inclusive a presidir a nação, como é o caso de Rodrigues Alves.
O jacobinismo enquanto movimento político foi banido do cenário nacional e, enquanto
isso no plano ficcional os gêmeos Pedro e Paulo perderam a sua amada Flora; a mãe
Natividade também falece, sem que antes obtenha dos filhos a promessa que iriam se
reconciliar. Acordo esse mantido por pouco tempo, até que ambos são eleitos deputados
federais e se posicionam em lados opostos, principalmente no que diz respeito à
consolidação da República.

74
Capítulo 4

Entre dois regimes: Monarquia e República


(“Noite de 14”... “Manhãde 15”)

Ao debruçarmos sobre o romance Esaú e Jacó, penúltima obra do escritor


carioca Machado de Assis, pretendemos compreender o sentido que a representação da
República adquire nesta obra. O primeiro procedimento analítico nos possibilitou
interpretar que, em sua narrativa, por intermédio de intertexto bíblico, o romancista fez
referências aos gêmeos personagens do Gênesis - livro do Antigo Testamento – e Pedro
e Paulo – do Novo Testamento.
Ao fazer isto no plano ficcional, Machado possibilita aos seus leitores fazerem
leituras que apontem caminhos que os levarão à interpretação, segundo a qual, a partir
da apropriação das duas duplas de personagens bíblicas, estava buscando atar as duas
pontas do processo histórico que vivenciou na condição de escritor e cronista: isto é,
unir a Monarquia à República, já que o segundo regime substitui o primeiro através de
um golpe de Estado desferido pelos militares na madrugada de sábado 15 de novembro
de 1889.
Tendo essas observações iniciais como pressupostos, entendermos ser
necessário, mesmo que de maneira sintética, compreendermos a sociedade em que
Machado de Assis vivia quando os fatos representados em seu romance se
desenrolaram. Isto é, o Rio de Janeiro, enquanto capital da República entre o final do
século XIX e começo do XX.

75
Estabelecemos este marco divisório para que a análise da segunda parte do
romance alcance o objetivo proposto nesta dissertação, ou seja, entender o sentido da
representação que a passagem do regime monárquico ao republicano tem na penúltima
obra ficcional machadiana.
Importante notar que quando Machado escrevia seu romance havia pouco mais
de dez anos que o Império tinha desaparecido, porém deixando para trás uma
quantidade considerável de defensores da Monarquia, como o diplomata Joaquim
Nabuco, amigo do cronista carioca. Alguns se tornaram saudosistas, mas existiam
outros que reverenciavam o passado acreditando na possibilidade de um retorno da
família real que vivia exilada na França, onde D. Pedro II morrera em 1891, dois anos
depois de ser expulso do Brasil com a extinção da Monarquia.
Portanto, cremos que, ao compor Esaú e Jacó, utilizando recursos literários, seu
autor retrata parte da existência do Brasil entre os dois regimes que existiram entre 1869
e 1894. Olhando essas ocorrências a partir dos primeiros anos do século XX,
acreditamos que Machado pretendia atar o ontem com o vivenciado no seu presente, ou
seja, os primeiros anos da República.
Mesmo que o momento em que vivia não estivesse diretamente ligado à sua
narrativa, pôde vivenciar as consequências dos primeiros anos de governo militar e
posteriormente o civil, bem como a criação da política dos governadores que, em linhas
gerais pode ser resumida como um pacto em que o governo federal sustentava
politicamente os chefes dos executivos estaduais. Para tanto, fazia uso de uma extensa
máquina partidária envolvendo os coronéis e as eleições municipais, visando sempre os
candidatos afinados com a administração central.
Entretanto, como a ficção pode transgredir a realidade, conforme Aristóteles
apontou em Poéticas (1999), é possível que o ficcionista tenha transposto para o
período abordado em seu romance fatos ou discursos que aconteceram depois. Essa
observação respalda-se em um evento ocorrido no dia 21 de março de 1895 no Clube
Militar.

Os oradores estavam convencidos de que os militares deveriam


preparar-se para enfrentar o movimento restaurador, que poderia
eclodir proximamente. Cabia as classes armadas zelar para que, ao
menor sinal da revolução, as forças republicanas se movimentassem
(JANOTTI, 1990, p.59).

76
Tendo como premissa o olhar que Machado lança sobre o passado a partir do
seu presente, isto é, o começo do século XX, é possível interpretarmos esse discurso no
Clube Militar como fonte do medo de Custódio, o dono da confeitaria que conversa com
o conselheiro Aires sobre seus temores quanto ao nome que pretendia dar ao seu
estabelecimento. Este diálogo entre o padeiro e o diplomata aposentado, se encontra no
capítulo LXIII: Tabuleta nova (ASSIS, 2008, p. 1.158-1.160).
Desta forma, entendemos haver a necessidade de operar essa busca do local onde
Machado de Assis escrevia sobre as coisas do passado do Brasil Oitocentista, isto é, o
país que havia saído da escravidão e se esforçava para integrar os ex-cativos ao nascente
mercado de trabalho na condição de mão de obra assalariada, mesmo que os
descendentes de escravos tivessem que competir com os trabalhadores europeus. Havia
também o desafio de fazer com que a população fosse incorporada ao processo eleitoral,
cuja prática antidemocrática persistia desde os tempos monárquicos.
Para compor as personagens que representariam um período singular no Brasil, o
cronista teve 15 anos para acompanhar tudo o que aconteceu após o fim da Monarquia.
Mesmo com a extinção do Império, Machado permaneceu prestando serviços no
Ministério da Agricultura. Portanto, após o advento da República, pôde observar tudo
meticulosamente e posteriormente compor, sem pressa, as suas narrativas, sejam elas no
campo das crônicas e dos romances publicados a partir do final do século XIX.
O literato vivenciou a revolta de Canudos, a revolução federalista, os conflitos
entre governo republicano e os jacobinos levemente retratados no capítulo CVIX:
Consultório e banca (ASSIS, 2008, p. 1.216-1.217) que será objeto de análise no corpus
deste capítulo. Também assistiu de seu gabinete de trabalho, a ditadura dos marechais; a
chegada dos civis ao poder e a tentativa de assassinato do primeiro presidente civil da
República Prudente José de Morais e Barros (1841-1902). Machado viu a consolidação
53
da Republica Oligárquica e soube das pequenas movimentações buscando a
restauração da Monarquia, principalmente algumas pífias tentativas isoladas no interior
do Estado de São Paulo.

53
- “Oligarquia é uma palavra grega que significa governo de poucas pessoas, pertencentes a uma classe
ou uma família. De fato, embora a aparência de organização do país fosse liberal, na prática o poder foi
controlado por um reduzido grupo de políticos em cada Estado. A República concretizou a autonomia
estadual, dando plena expressão aos interesses de cada região. Isso se refletiu no plano da política através
da formação dos partidos republicanos restritos a cada Estado. As tentativas de organizar partidos
nacionais foram transitórias ou fracassaram. Controlados por uma elite reduzida, os partidos republicanos
decidiam os destinos da política nacional e fechavam os acordos para a indicação de candidatos à
presidência da República” (FAUSTO, 2006, p. 261).

77
Sendo assim, Esaú e Jacó, obra que compõem a pauta desta análise, pode conter
referenciais dos dois momentos vivenciados pelo país naquele período: um antes e outro
depois da eliminação do trono. O primeiro período foi tratado no capítulo anterior e o
segundo momento deverá dar a tônica das abordagens nesta terceira seção desta
dissertação.

Quinze anos de República (1889-1904)

A primeira ponta que criamos para entender o segundo período do romance


machadiano, bem como a localização do seu autor no tempo histórico brasileiro, tem
início no começo de 1889 que se inicia como monárquico, mas termina republicano. A
alteração ocorreu em novembro quando os militares destituíram o monarca e todo o
sistema institucional que lhe dava sustentação regimental. Do outro lado da linha, isto é,
1904, encontramos diversas questões que vão do campo da saúde pública como a
Revolta da Vacina, passando pela problemática socioeconômica.
Começando o percurso histórico que acreditamos o ficcionista tenha percorrido
para compor seu penúltimo romance, não podemos esquecer, conforme já pontuado
nessa dissertação, que a Monarquia ruiu após duas décadas se definhando. O descrédito
da Corte era motivado por sucessivas crises políticas que vinham solapando as
estruturas imperiais desde o final da década de 60 do século XIX.
Este ceticismo foi externado por Machado de Assis em diversas crônicas, entre
elas uma publicada pelo jornal Gazeta de Notícias no dia 11 de maio de 1888, portanto,
18 meses antes da extinção do Império. O texto faz alusão ao problema escravista,
inclusive apontando questões emblemáticas como a compra de escravos fugitivos por
outros escravagistas.
Em determinado ponto da narrativa, duas pessoas conversam sobre tais assuntos
e emendam outro tema: a fragilidade monárquica. Uma das personagens afirma ao seu
interlocutor que este não sabia o que havia no ar. Recebe como resposta que deve ser
um papagaio (ASSIS, 1990, p. 58).

- Não, senhor; é uma república. Querem ver que também não acredita
que esta mudança é indispensável?
- Homem, eu, a respeito de governos, estou com Aristóteles, no
capítulo dos chapéus. O melhor chapéu é o que vai bem à cabeça.
Este, por ora, não vai mal.

78
- Vai pessimamente. Está saindo dos eixos; é preciso que isto seja,
senão com a monarquia, ao menos com a república, aquilo que dizia o
Rio-Post[grifo do original], de 21 de junho do ano passado. Você sabe
alemão?
- Não.
- Não sabe alemão?
E, dizendo-lhe eu outra vez que não sabia, ele imitando o médico de
Molière, dispara-me na casa esta algaravia do diabo:
- Esdürfteleichtzuerweisensein, das
BrasilienwenigereinekonttitutionelleMonarchiealseineabstoluteOligarc
hieist.
- Mas que quer isto dizer?
- Que é deste último tronco que deve brotar a flor.
- Que flor?
- AS (ASSIS, 1990, p. 58-59).

Pelo diálogo entre as duas personagens, sendo uma delas o narrador, podemos
observar como o autor da crônica estava vendo aqueles meses que sucederam o fim da
Monarquia no Brasil. Além disto, a frase em alemão significa “na realidade, o Brasil
não é uma monarquia constitucional, mas uma oligarquia absolutista54”, o que sugere
uma série de especulações e interpretações, principalmente no que diz respeito às
estruturas políticas imperiais que o cronista representa de forma ficcional a partir das
relações que o casal Batista, do romance Esaú e Jacó, mantinha com o governo e a
classe política que gravitava em torno do poder central.
Mantendo o foco no ficcionista55, é interessante notar que este publicou também
textos jornalísticos depois do fim da Monarquia, que, apesar de terem vindo a público já
na fase republicana, possibilitam aos seus leitores uma compreensão de como o regente
não conseguia mais se sustentar à frente do governo imperial e por várias razões, entre
elas, o seu crônico problema de saúde.
Mesmo tendo a sua popularidade se esvaindo ano a ano, D Pedro II,

[...] com seus defeitos e suas qualidades, governava o país


patriarcalmente, mal tomando conhecimento da agitação republicana
que nem chegava a ser agitação, confinada que estava a dois ou três
jornais no Rio e outros tantos em São Paulo (BASBAUM, 1986, p.
15).

Isto nos demonstra o quanto ele não vivenciava questões urgentes que o Brasil
precisava equacionar, mas por outro lado, estimulava outras tantas coisas. “O dom

54
- Essa tradução que fiz é semelhante à que se encontra no livro de crônicas e feita pelo organizador da
obra, John Gledson.
55
- Machado de Assis atuou durante muito tempo como empregado na imprensa carioca, onde travou
relações com vários políticos, entre eles os republicanos Quintino Bocaiúva e Joaquim Saldanha Marinho
(1816-1895).

79
Pedro de Machado de Assis está coroado com o mito, que o eleva, nas ruas, no coche,
no jogo político” (FAORO, 2001 p. 69). Mas se por um lado, esse monarca machadiano
está repleto de pompa, por outro, o próprio ficcionista, através de seus textos aponta que
poderia, no plano real, haver outro imperador que dava vida a um sistema político na
condição de cúpula e ao mesmo tempo árbitro deste sistema (2001, p. 69).
Se se podemos ter essa ideia por um prisma, por outro, há ainda questões e fatos
que demonstrem o descontrole governamental perante os seus súditos. Uma situação
que evidencia a fraqueza do Imperador diz respeito ao destino do cortesão que furtou
algumas joias da coroa.
Mais: em virtude de sua frágil saúde, obrigando-o a se ausentar várias vezes do
país para cuidar da sua situação clínica, D. Pedro II não participou de dois eventos
importantes que podem ser considerados vitais para a queda da Monarquia: o primeiro é
a lei Rio Branco, que entrou em vigor em setembro de 1871 e foi assinada pela sua
filha, Princesa Isabel.
O segundo foi o decreto que colocou fim à escravidão no Brasil, abrindo espaço
para o trabalho assalariado. Essa lei também foi chancelada pela regente, que provou,
conforme aponta vários pesquisadores, a revoada de vários defensores da Monarquia
para o movimento republicano que ganhara força nos últimos anos de Império.
É justamente o ingresso de vários monarquistas, principalmente aqueles que se
viram alijados do braço escravo da noite para o dia, entre os escravocratas do norte
fluminense, do qual pertencia à família de Bento Santiago, herói/vilão do romance Dom
Casmurro (2008), associados aos fazendeiros do café de São Paulo que irá manter a
estrutura arcaica que vinha desde a chegada da família real portuguesa ao Brasil,
conforme atestam Emília Viotti da Costa emseu livro Da Monarquia a República
(2010) e José Murilo de Carvalho em A construção da ordem (1996).
Esta manutenção pode ser observada a partir do momento em que nos
deparamos com a presença de ministros republicanos que ocuparam cargos no primeiro
escalão durante o regime monárquico, como por exemplo, Francisco de Paula Rodrigues
Alves (1848-1919). Antes de ser presidente da República (1902-1906) durante o
período em que Machado escrevia seu Esaú e Jacó, fora Visconde e conselheiro do
Império.
Não podemos deixar de atentarmos para o fato de que a República se faz
presente no Brasil após um golpe que não contou com a participação efetiva da

80
população, conforme atestou José Murilo de Carvalho em seu livro Os bestializados
(1991)56.
De qualquer forma, o fim da Monarquia proporcionou a ascensão no plano
nacional dos cafeicultores paulistas e dos militares como força política. Apesar de terem
interesses antagônicos, a união entre ambos foi fundamental para a extinção da Corte.
Eliminado o Império, e com ele todos os títulos nobiliárquicos, como a baronia recebida
pela família Agostinho Santos, o novo regime passa a ser administrado por um governo
provisório, sobretudo marcado por uma política inflacionária e industrializante.
De acordo com Fernando Henrique Cardoso (1977, p. 13-50), as forças que se
beneficiaram imediatamente à Proclamação da República faziam parte dos setores
industriais e financeiros urbanos. Ele diz ainda que o período entre 1890 e 1891 – fase
em que ocorreu o Encilhamento – foi conhecido como industrialista e inflacionário.
Outro problema enfrentado pelo governo provisório dizia respeito à necessidade
de se federalizar o Estado, dando autonomia às províncias, a liberdade de culto –
separação da Igreja e do Estado -, entre outras medias a ser adotadas para que o novo
regime fluísse de acordo com os preceitos estabelecidos nos anos que antecederam a
ruptura com o monarquismo.
Mas para que esse ideário fosse implantado, a única força capaz de exercer o
poder político (e repressivo) era o Exército – que aparece sutilmente em Esaú e Jacó,
mas tem destaque no conto O Espelho (ASSIS, 2004) e em Iaiá Garcia (2008).
Enquanto o Marechal Deodoro da Fonseca simbolizava o Executivo, mais do que isso, a
unidade das Forças Armadas, a oposição, tanto imperial que sonhava com o retorno da
Monarquia, como a dos burgueses agrários republicanos, teve que restringir-se à
retórica (CARDOSO, 1977, p. 39).
Os preceitos republicanos não passaram de anseios de parte dos chamados
republicanos idealistas ou românticos, já que logo após a eliminação do Império, houve
uma adesão às fileiras do republicanismo por parte de monarquistas descontentes com a
coroa. Dito de outra forma: com os

[...] antigos monarquistas se transformando da noite para o dia em


republicanos históricos, ocupando os postos-chaves da administração,

56
- Existem interpretações dando conta de que houve participação efetiva de determinados segmentos da
sociedade carioca, seja favorável ou contrário ao novo regime. Um desses agrupamentos foi a Guarda
Negra, cujos integrantes eram descendentes de africanos libertos e defendiam a Monarquia, acreditando
que a Princesa Isabel era a responsável por livrá-los dos grilhões e sevicias dos senhores escravagistas
(MELLO, 2007).

81
enquanto os verdadeiros republicanos, os idealistas, iam abandonando
a luta, convencidos de que não era a república dos seus sonhos. Mas é
sabido que em História, os fatos não acontecem por acaso. Deve por
força existir uma lógica, um elo invisível a ligar esses fatos. Esse elo,
essa causa, possa talvez permitir-nos encaixar as peças desse
complicado puzzle nos devidos lugares e dar-nos por fim uma
compreensão desse tortuoso e torturado período (BASBAUM, 1986,
p. 15).

São esses encaixes e acertos que possibilitaram a Monarquia, através de diversos


de seus quadros, estar presente na República, bem como manter a prática política
existente no antigo regime. A permanência de tais condutas foi personificada por
Machado de Assis através do casal Batista, marcado pelo périplo que o marido faz para
conseguir um cargo na estrutura do novo sistema governamental brasileiro. As andanças
do advogado ex-conservador, convertido em liberal monarquista e posteriormente
republicano são retratadas no capítulo LXXVIII: Visita ao Marechal (ASSIS, 2008, p.
1.177-1.178).
Tudo isso se passa sob as vistas do Conselheiro Aires que assiste aos fatos, sem
emitir opinião, pelo menos no primeiro contato com o romance, isto é, na aparência,
mas que pode apresentar outras nuanças a partir de uma leitura mais detalhada da obra,
como se fosse possível haver alguma coisa sobre o verniz da diplomacia.
Desta forma, o escritor, por intermédio do conselheiro José Marcondes Aires que
também é personagem da própria narrativa, pode ter apontado que o diplomata
aposentado tinha sim uma opinião sobre os fatos fictícios respaldados em
acontecimentos reais, como a Proclamação da República e outras ocorrências. É o que
tentaremos demonstrar mais adiante, quando destacaremos alguns capítulos do romance
apontando que o seu autor está dizendo que Monarquia e República continuaram sendo
a mesma coisa e que, por saber disso ou desconfiar de tudo, não passou de uma simples
alteração de nomenclatura, o povo não participou dos eventos, seguindo a vida, como se
dia 15 de novembro de 1889 fosse apenas o dia seguinte ao anterior, 14, ou seja,
monárquico, porém, republicano.
Retornando ao primeiro governo da nova República, ou seja, do Marechal
Deodoro, que não dura muito devido a diversas pressões que o velho militar, ligado à
Monarquia, sofria internamente por parte do Exército, de setores da sociedade civil e de
monarquistas empedernidos que sonhavam com a volta do Império.
Muito a contragosto, o militar-político determina no final daquele ano, eleições
para uma Assembleia Constituinte, que aconteceram em 15 de novembro de 1890, cujo

82
colegiado escolhido ratificou o nome do Marechal como presidente da República
Federativa do Brasil. Aquela constituição 57 confirmou a República brasileira como
regime representativo, consolidado por uma divisão de poderes entre: a) legislativo
bicameral (Câmara e Senado Federal); b) Executivo; c) Judiciário. O presidente seria
eleito e os juízes do Supremo Tribunal Federal nomeados de forma vitalícia, perdendo o
cargo apenas por sentença judicial (CARDOSO, 1977, p. 37).
Mas antes da Constituição existir de fato, no dia 04 de novembro de 1891,
Deodoro da Fonseca dissolve o Congresso, motivado por discussões envolvendo projeto
que estabelecia a responsabilidade do presidente da República. Também ordena que as
tropas do Exército ocupe o prédio, e, redige

[...] manifesto à nação em que alegava o legislativo estar “[...] criando


embaraços à ação administrativa do governo pela apresentação de
certos projetos reacionários”. Os parlamentares dirigiram também um
manifesto à nação brasileira, em resposta ao de Deodoro, condenando
a dissolução do Congresso, ato considerado [...] “[...] um atentado de
tal ordem, que não encontra paralelo na história das crises violentas
por que passaram outros povos [...]” (LEÃO REGO, 1981, p. 141-
142).

Mas a violência nas ruas, associada a outros diversos fatores, faz com que o
primeiro presidente da República renuncie no dia 23 de novembro daquele mesmo ano,
sendo substituído pelo vice, o também Marechal Floriano Peixoto que não fez um
governo isento de problemas e de choques internos assombrados pelos monarquistas
que sonhavam em reestabelecer o antigo regime durante a gestão do militar, que muitos
o imaginavam como liberal, a espada foi utilizada numa espécie de purificação da
República.
Neste sentido, podemos afirmar que a marca fundamental de Floriano foi o
autoritarismo, sustentado pelas Forças Armadas e pelos alunos da Escola Militar, que
mesmo sofrendo divisões interna entre deodoristas e florianistas, ratificavam os atos do
Presidente da República. Talvez essa postura se deve ao fato de que o mesmo era tido
como patrono e líder de uma corrente conhecida como jacobina, formada pelos mais
intransigentes defensores da República.

57
- A Constituição republicana de 1891, traz em seu artigo 72, parágrafo 2º, “que ‘em qualquer assunto é
livre a manifestação do pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura,
respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é
permitido o anonimato’” (LEYSER, 2001, p. 90).

83
Jacobinos e jacobinismo são expressões correntes na crônica da
Primeira República desde a sua implantação. Já no início do governo
provisório os jornais chamavam de “jacobino feroz” o redator de
boletins afixados nos muros do Rio de Janeiro conclamando os
revolucionários de 1889 a derrubarem “a ditadura”, na qual “os
ministros esbanjavam escandalosamente os cofres públicos e o
filhotismo impera desassombrado”. Todavia, é a partir do governo de
Floriano Peixoto que farão parte constante do cotidiano político, e até
praticamente o final da presidência de Prudente de Moraes repontarão
com maior ou menos intensidade na vida nacional conforme as
contingências do processo histórico que lhes dão origem (QUEIROZ,
1986, p. 17).

O ideário dos jacobinos seguidores de Floriano Peixoto pautava-se pela


demarcação de fronteiras, no conhecimento do Brasil profundo, na integração nacional
e, sobretudo, na fusão da ciência e da ordem estruturada na ideia de progresso, que na
verdade, constituía o eixo positivista do espírito republicano e a formação militar.
Porém, muitos pesquisadores acham que o jacobinismo faliu em dois planos: o primeiro
quando perdeu o Executivo em 1894 para os civis; o segundo ocorreria dois anos
depois, isto é, 1896, ao deixar transparecer que seu projeto para o Brasil não passava de
uma demência estéril, não ultrapassando a prática da degola sistêmica. Isso fica claro
quando analisamos a tragédia de Canudos58, pois a mesma mostra que a aliança entre
ciência e ordem unida não ia além do genocídio.
É preciso ter claro que não havia apenas o jacobinismo que lutava pela conquista
de uma posição diferenciada no governo militar da jovem República. De acordo com a
historiadora Maria Janotti (1990, p. 55) “[...] os grupos dominantes que disputaram o
poder, a partir de 1889, tinham diferentes concepções sobre a República a ser
implantada, e consequentemente, diferentes expectativas sobre seu destino político”.
Essas expectativas adquirem nítidos contornos conforme a própria história vai se
desenrolando, deixando de ser um projeto apriorístico (1990, p. 55).
O jacobinismo também aparece na trama machadiana em pauta nesta
dissertação, mais especificamente no capítulo sobre o exercício profissional dos filhos
de Agostinho Santos (ASSIS, 2006, 1.126-1.217). Os relatos se passam após o
sepultamento de Flora que ocorre no dia em que Floriano Peixoto decreta Estado de
sítio.

58
- Sobre a guerra de Canudos e o embate entre os sertanejos que cercavam Antonio Conselheiro e o
Exército Brasileiro ver o livro de Euclides da Cunha [1866-1909] Os sertões (1996), principalmente no
que diz respeito aos relatos, segundo os quais, os militares antes de matarem os seguidores do beato os
obrigavam a dar viva à República.

84
O sentido da República

Enquanto na esfera política e, em certa medida econômica, o Brasil mantinha os


vícios e práticas de compadrio, característicos do antigo regime, contrariando os anseios
dos republicanos chamados românticos, como Quintino Bocaíuva e Saldanha Marinho,
já que aquilo que observaram no exercício efetivo, não era a República que eles
sonhavam, o país buscava se modernizar, mais especificamente a cidade do Rio de
Janeiro, de onde Machado olhava o passado político e social daquela nação que emergia
das teias monárquicas.

Em pouco tempo e com a ajuda dos jornalistas e dos correspondentes


em Paris, a burguesia carioca se adapta ao seu novo equipamento
urbano, abandonando as varandas e os salões coloniais para expandir a
sua sociabilidade pelas novas avenidas, praças, palácios e jardins.
Com muita brevidade se instala uma rotina de hábitos elegantes ao
longo de toda a cidade, que ocupava todos os dias e cada minuto
desses personagens, provocando uma frenética agitação de carros,
charretes e pedestres, como se todos quisessem estar em todos os
lugares e desfrutar de todas as atrações urbanas ao mesmo tempo. Já o
dia não bastava para tanta excitação; era necessário invadir a noite, a
cuja fruição os novos lampiões a gás e as luminárias elétricas do
comércio convidavam (SEVCENKO, 2009, p. 52-53).

Ao representar alguns aspectos da realidade do Brasil Oitocentista, Machado de


Assis fornece aos seus leitores ferramentas que possibilitem especular o que foi a
transposição do regime monárquico ao republicano. Análises que devem levar em conta
dois outros discursos: o político e o que atesta o entendimento da sociedade da época.
Desta forma, “[...] se constitui no fenômeno da vida do espírito, condensando filosofia e
ciências humanas” (ORTIZ, 2001, p. 26).
Conforme já apontamos, o penúltimo romance machadiano reporta o leitor ao
Antigo Testamento, mais especificamente ao Gênesis, pois a obra é intitulada com o
nome de duas personagens daquele livro bíblico: Esaú e Jacó. Porém, em nenhum
momento, iniciada a leitura do livro, o leitor irá se deparar com os dois que é citado
apenas uma vez no transcorrer da narrativa, propriamente no capítulo XIV: A lição do
discípulo (ASSIS, 2008, p. 1.094-1.095).
Entretanto, encontrará os irmãos Pedro e Paulo que disputam tudo em suas
existências, desde a preferência pelo afeto da mãe Natividade, ao amor de Flora,
passando pelos dois grupos que estão em disputa política no período: os monarquistas e
os republicanos.

85
Pedro, cujo nome reporta a outra personagem bíblica, mas do Novo Testamento,
sobre quem recai a tarefa de organizar a nova seita que surge com Cristo, é defensor da
Monarquia e seu irmão que remete o leitor ao republicano Paulo que se chamava Saul e
era cidadão romano e fervoroso perseguidor dos adeptos da nova religião, no entanto,
após uma visão mística converte-se em fiel difusor da nova filosofia, defendendo-a. Na
narrativa do Novo Testamento, Pedro e Paulo têm divergências por conta da forma
como o novo credo deve ser expandido pela região do Oriente Médio e Europa.
Por ser um romance recheado de referenciais históricos de um momento singular
brasileiro, o que nos pautou a desenvolver esta dissertação buscando entender o sentido
da representação da passagem da Monarquia à República feita pelo autor do romance,
optamos por detalhar como a figuração do dia que antecedeu a queda da Monarquia e o
posterior à eliminação do trono pode nos apontar que o texto machadiano está indicando
que a República não substituiu o Império e que o povo, conforme disse Aristides Lobo,
viu tudo como se estivesse assistindo a uma parada militar e que no primeiro dia
republicano foi como se nada tivesse acontecido. As abordagens se deterão aos
capítulos LXI e LX: Noite de 14... Manhã de 15 (ASSIS, 2008, p. 1.152-1.155).
A narrativa se inicia com Aires localizando o encontro e as personagens: as
famílias dos Santos e Batista, ambas na residência do banqueiro-barão com o pai de
Flora, o advogado conservador convertido ao liberalismo, dando os informes sobre o
que estava por vir, ou seja, que provavelmente seria contemplado com a presidência de
uma província.
Odiálogo deixa claro que nenhum dos presentes, seja Pedro, Paulo ou os demais
parceiros de conversa sabiam que nos bastidores, os jovens estudantes da Escola Militar
sob a instrução de Benjamin Constant se preparavam para depor o monarca e toda a sua
corte. A única preocupação dos gêmeos naquele momento era com a possibilidade de
seu amor, deixá-los para ir com os pais para uma província distante.
O que podemos observar neste capítulo, cujo título transporta o leitor ao dia
anterior da queda da Monarquia, é que ninguém estaria pensando que o Império iria ruir,
ainda mais as personagens principais dessa trama, inclusive o próprio Paulo,
republicano, não tinha a menor ideia do que estava acontecendo, pois se soubesse
estaria junto com o grupo de republicanos trabalhando nos bastidores do golpe naquela
noite de 14 de novembro.
No final daquela reunião familiar todos os presentes se retiraram para os seus
mundos e o Conselheiro Aires dirigiu-se à sua casa, onde pretendia fazer algumas

86
observações em seu diário. “A noite era clara e tranquila. Aires recompôs uma parte do
serão para escrevê-la no Memorial [grifo do original]. Poucas linhas, mas interessantes,
nas quais Flora era a principal figura” (ASSIS, 2008, p. 1.154).

Isto feito, Aires meteu-se na cama, rezou uma ode do seu Horácio e
fechou os olhos. Nem por isso dormiu. Tentou então uma página do
seu Cervantes, outra do seu Erasmo, fechou novamente os olhos, até
que dormiu. Pouco foi; às cinco horas e quarenta minutos estava de
pé. Em novembro, sabes que é dia (ASSIS, 2008, p. 1.154).

Ora, se o ficcionista não transpõe para a sua representação vivacidade à suas


personagens em acontecimentos tão importantes para a realidade brasileira naquele
período em que o Império estava prestes a ruir, pode significar que tanto fazia um
regime como outro, a coisa continuaria a mesma, já que Aires adormece na Monarquia e
acorda na República e nada havia mudado.
A situação se confirma com o capítulo seguinte, denominado Manhã de 15.
Assim como terminou o anterior, a narrativa começa essa seção tratando
especificamente de Aires e suas manias, como por exemplo, levantar cedo e ir passear
pela orla marítima e a enunciação dá conta de que ele estava sem saber do ocorrido na
noite anterior até que “ouviu umas palavras soltas, Deodoro, batalhões, campo,
ministério, etc. Algumas, ditas em tom alto, vinham acaso para ele a ver se lhe
espertavam a curiosidade, e se obtinham mais uma orelha de notícias” (ASSIS, 2008, p.
1.154).
Mesmo com essas informações desencontradas, Aires anota alguma coisa em sua
carteira, não sem antes notar que as pessoas saudavam o governo, outros o Exército e se
vai com algumas suspeitas e se desloca para outro local do Rio de Janeiro: o Largo da
Carioca.
Lá chegando se depara com rostos espantados e outros tantos vultos, mas sem
nenhuma informação clara que pudesse respaldar as suas suspeitas. Partiu novamente
em busca de informações e chegando a Rua do Ouvidor, enfim soube que os militares
haviam tomado o poder por meio de uma revolução.
“Voltou ao largo, onde três tílburis o disputaram; ele entrou no que lhe ficou
mais à mão, e mandou tocar para o Catete” (2008, p. 1.155). Já no veículo, ficou em
silêncio, mas o cocheiro contou-lhe tudo. “Falou de uma revolução, de dois ministros
mortos, um fugido, os demais presos. O imperador, capturado em Petrópolis, vinha
descendo a serra” (ASSIS, 2008, p. 1.1555).

87
Talvez os confrontos tenham se mantido apenas em determinados segmentos,
para aqueles que desejavam a República e outros que queriam a manutenção da realeza
por uma série de razões, mas de qualquer forma, a narrativa machadiana pode apontar,
dentro dos seus limites ficcionais, como foi o dia seguinte ao golpe desferido pelos
militares sobre o comando do Marechal Deodoro. É o que o capítulo LXV: Entre filhos
(ASSIS, 2008, p. 1.161-1.163) e o LXVII: Anoite inteira (2008, p. 1.163-1.165) narram.
O primeiro começa com a mãe do republicano Paulo e do monarquista Pedro,
Natividade preocupada, pois não tinha notícias dos filhos, ainda mais que havia
informações de que um golpe tinha banido a família real do Brasil.

Os filhos chegaram tarde, cada um por sua vez, e Pedro mais cedo do
que Paulo. A melancolia de um ia com a alma da casa [monarquista],
a alegria de outro destoava desta, mas tais eram uma e outra que,
apesar da expansão da segunda, não houve repressão nem briga. Ao
jantar, falaram pouco. Paulo referia os sucessos amorosamente.
Conversara com alguns correligionários e soube do que se passara à
noite e de manhã, a marcha e a reunião dos batalhões no campo, as
palavras de Ouro Preto ao marechal Floriano 59 , a resposta deste, a
aclamação da República. A família ouvia e perguntava, não discutia, e
essa moderação contrastava com a glória de Paulo. O silêncio de
Pedro principalmente como um desafio. Não sabia Paulo que a própria
mãe é que pedira ao irmão com muitos beijos, motivo que, em tal
momento, ia com o aperto no coração do rapaz.
O coração de Paulo, ao contrário, era livre, deixava circular o sangue,
como a felicidade. Os sentimentos republicanos, em que os princípios
se incrustavam, viviam ali tão fortes e quentes, que mal deixavam ver
o abatimento de Pedro e o acanhamento da outra gente sua. Ao fim do
jantar, bebeu à República, mas calado, sem ostentação, apenas
olhando para o teto, e levantando o copo um tantinho mais que de
costume. Ninguém replicou outro gesto ou palavra (ASSIS, 2008, p.
1.162-1.163).

Se por um lado, o republicano Paulo era só regozijo com o novo regime, por
outro, Pedro acreditava que tudo ia ficar do mesmo jeito e até segreda com a sua mãe,
confidente e parceira nos anseios monárquicos.

Demais, ele não cria nada mudado; a despeito de decretos e


proclamação, Pedro imaginava que tudo podia ficar como dantes,
alterado apenas o pessoal do governo. Custa pouco, dizia ele baixinho
à mãe, ao deixarem a mesa; é só o imperador falar com o Deodoro
(ASSIS, 2008, p. 1.163).

59
- Devemos nos atentar para o fato de que na ficção, tudo pode ser diferente do que aconteceu na
realidade. Portanto, a conversa entre o visconde de Ouro Preto pode ter ocorrido com Deodoro da
Fonseca e não com Floriano Peixoto.

88
Essa observação pode referendar o escopo dessa dissertação, ou seja, de que um
novo sistema governamental não mudou a prática política que o regime anterior tinha
como corriqueiro em sua existência e, isso pode ter ocorrido pela ausência do povo nas
ações que motivaram a queda do monarca e não renúncia. Essa nossa observação pode
ser sustentava pela enunciação do outro capítulo que destacamos, intitulado A noite
inteira (ASSIS, 2008, p. 1.163-1.165).
O conteúdo da seção trata do encontro de Paulo com alguns amigos
republicanos. Todos queriam saber mais sobre o movimento que derrubou o Império,
sendo que o filho do barão Agostinho Santos era o mais entusiasta da turma, tanto é que
propôs ao grupo que todos entoassem a Marselhesa. Desejo que não contou com a
anuência do colegiado. Sugeriu que fossem para o auto do morro ou para a praia para
ver o raiar do novo regime.

- Eu não posso, disse um.


Os outros repetiram a recusa, e assentaram de ir para suas casas. Era
perto de duas horas. Paulo acompanhou-os a todos, e só depois de ver
o último recolhido foi sozinho para Botafogo (ASSIS, 2008, p.1.1.64).

Além desses dois capítulos, existem outros em que acreditamos Machado de


Assis fez suas interpretações sobre a passagem de um regime a outro e o
comportamento do povo, que assistiu a tudo, bestializado, acreditando tratar-se de uma
parada militar, tamanho o caráter elitista das ações que culminaram com o fim do
Império brasileiro.
Selecionamos também o LXI Lendo Xenofonte, pequena seção que tem apenas
dois parágrafos, porém de significativa importância para a nossa proposta nesta
pesquisa, já que indicam o sentido da representação que o advento da República tem no
romance em tela.
Para entender melhor as intenções de Machado ao nomear o próprio capítulo,
precisamos ter claro que Xenofonte é um historiador e filósofo grego que viveu entre os
anos 430 e 350 a.C. Ele escreveu a obra “Ciropédia, em cujo prólogo trata da
dificuldade dos homens de governar uns aos outros, para em seguida lembrar o exemplo
de Ciro II” (ASSIS, 2012, p. 164). Ainda: Ciro II é “[...] conhecido como Ciro, o
Grande (590-80 c. 529 a.C), da Pérsia, que governou um vasto império e foi muito
amado por seu povo” (2012, p. 164).
Como não pode confirmar a notícia da troca de regime político, Aires resolve
ficar em casa, refletindo sobre o que ouviu na rua e de seu empregado. Diante dos

89
burburinhos conclui que os mesmos só podem ser explicados de duas maneiras: “[...] ou
por um nobre sentimento de piedade, ou pela opinião de que toda a notícia pública
cresce de dois terços, ao menos” (ASSIS, 2008, p. 1.155-1.156). Como as informações
obtidas na rua não se confirmavam conforme o propalado, Aires concluiu não ter
ocorrido uma alteração no regime político, no mais, “um movimento que ia acabar com
a simples mudança de pessoal” (2008, p. 1.156).

“Temos gabinete novo”, pensou consigo.


Almoçou tranquilo, lendo Xenofonte: “Considerava eu um dia quantas
repúblicas têm sido derrubadas por cidadãos que desejam outra
espécie de governo, e quantas monarquias e oligarquias são destruídas
pela sublevação dos povos; e, de quantos sobem ao poder, uns são
depressa derrubados, outros, se duram, são admirados por hábeis e
felizes ...” Sabes a conclusão do autor, em prol da tese de que o
homem é difícil de governar; mas logo depois a pessoa de Ciro destrói
aquela conclusão, mostrando um só homem que regeu milhões de
outros, os quais não só temiam, mas ainda lutavam por lhe fazer as
vontades. Tudo isso em grego, e com tal pausa que ele chegou ao fim
do almoço sem chegar ao fim do primeiro capítulo (ASSIS, 2008, p.
1.156).

Podemos aferir deste capítulo que, ao se transformar no narrador da própria


dúvida ou incerteza quanto a queda da Monarquia, Aires/Machado está evidenciando
que ele não era o único que estava com essa sensação, mas o povo de um modo geral e
isso ocorria em virtude da forma como o golpe foi desferido contra a realeza brasileira:
sem muito aviso, mesmo que os republicanos estivessem se articulando para forçar o
fim do regime somente em 20 de novembro e com a precipitação dos estudantes da
Escola Militar, os próprios agitadores do republicanismo foram surpreendidos.
Esta observação do enunciador sobre o seu personagem corrobora com o que
buscamos apontar neste trabalho: a República não mudou radicalmente a sociedade
brasileira, principalmente no que diz respeito ao universo da política, já que manteve a
estrutura herdada, mas que deveria ter sido eliminada com o desterro do monarca D.
Pedro II e toda Corte.
“Em todas as partes do país se podia verificar da família e da casa, a tensão
latente entre pobres e ricos, um agudo senso de hierarquia social e a prática constante de
prestar favores em troca de obediência” (GRAHAM, 1997, p. 27). São padrões sociais
que irão influenciar “[...] a política e davam às estruturas de governo um significado
particular, brasileiro” (1997, p. 27).

90
Mantendo-nos na enunciação machadiana, antes mesmo de encerrar sua refeição,
o narrador recebe a visita de Custódio que foi lhe falar sobre a tabuleta de sua
confeitaria. Neste capítulo, o confeiteiro objetiva contar a Aires o que lhe aconteceu em
menos de 24 horas, isto é, entre os dias 14 e 15 de novembro.
No dia anterior ao da Proclamação da República, o padeiro havia solicitado ao
pintor que completasse a pintura da tabuleta do seu estabelecimento que teria o nome
Confeitaria do Império. A pressa existia porque o proprietário pretendia inaugurar a
placa no domingo seguinte, Porém, com o golpe deflagrado pelos alunos do Colégio
Militar na madrugada de sábado, 15 de novembro de 1889, o confeiteiro passou a parte
da manhã do dia 15 desesperado, ansioso para que o mesmo pintor parasse o trabalho
mandando-lhe um bilhete Pare no D, inclusive esse pequeno texto nomeia um capítulo
de Esaú e Jacó.
Mas com a alteração do sistema governamental, Custódio viu-se atormentado,
pois temia que o grupo que estava no poder poderia implicar com ele por conta do nome
do seu estabelecimento. Esse episódio ocorre no capítulo LXIII: Tabuleta nova
(ASSIS,2008, p. 1.158-1.160).
Diante do medo apresentado ao seu interlocutor, Aires, o confeiteiro é induzido
a nomear sua padaria de República. Todavia, o comerciante, angustiado, achava que a
Monarquia poderia voltar e ai tudo se repetiria. Diante do desconforto que o padeiro
insistentemente apresentava, o diplomata aposentado sugeriu-lhe Confeitaria do
Custódio e desta forma todos os temores se dissolveriam, mesmo que o Império voltasse
ou mantivesse a República, não haveria problema algum para ele.
Ainda no que diz respeito à hipótese de um retorno da Monarquia, ou mesmo, a
manutenção do regime que sepultou o Império, Machado explora a questão no capítulo
XCI: Nem só a verdade se deve às mães (ASSIS, 2008, p. 1.191-1.193). Em linhas
gerais, o tópico trata de uma missa que Natividade mandou celebrar e acreditava que os
filhos fossem, conforme tinham lhe prometido na noite anterior. Entretanto, os dois
ficaram dormindo e lá se foi a matriarca dos Santos para o seu ritual religioso.
No retorno encontrou os filhos a esperando com quem se colocou a conversar
amenidades e no meio do diálogo tratou das estações climáticas, das prováveis festas
que dariam e também de Petrópolis, acrescentando que o governo poderia ser
modificado, inclusive as províncias. Nesse momento foi corrigida por Paulo que ainda
usou o título nobiliárquico do regime sepultado. Ele explicou que não havia mais
províncias, pois viviam agora sob o regime republicano.

91
Mesmo diante do corretivo feito pelo filho, Natividade afirma que se a capital da
agora República, no período monárquico fosse a cidade fluminense, “não haveria
deposição de governo. Petrópolis – vejam vocês que o nome, apesar da origem, ficou e
ficará – é de todos. A estação dizem que vai ser encantadora....” (ASSIS, 2008, p.
1.192).
Esaú e Jacó foi escolhido como objeto de pesquisa porque, como afirmou John
Gledson, é uma obra impar, pois, enquanto outros romances machadianos dependem,

[...] em grande proporção, da intriga amorosa, frequentemente com


insinuações, ou mais que simples insinuações, de adultério e traição, o
enredo central de Esaú e Jacó parece calculado para desapontar, logo
de início, todas as expectativas relacionadas com coisas desse tipo –
ao mesmo tempo em que se desenrola perversamente o romance,
como se esses estímulos ao interesse do leitor ainda estivessem nele
presentes (GLEDSON, 2003, p. 187).

Já Henriqueta Valladares vai dizer que o que diferencia Esaú e Jacó das demais
produções machadianas, não é apenas em relação a outras obras e nem às que lhe são
contemporâneas, mas pelo seu caráter impar, principalmente no que tange a abordagem
teórica sobre literatura, autoria, leitura, leitor, que o texto não só apresenta, mas também
discute. Isso pode ser observado em vários capítulos que fogem das formas narrativas
convencionais do século XIX. Esse devir-outro da língua encontra-se na obra, em
diversos níveis: no que diz respeito à História do Brasil, à Literatura, a configuração
psicológica das personagens, no tratamento em relação à ficção e à realidade
(VALLADARES, 2005, p. 75).
Ainda, para que o leitor possa entender quais eram os objetivos de Machado de
Assis em seu penúltimo romance, é necessário atentarmos também ao jogo existente
dentro da própria estrutura do romance e, por conseguinte, o processo alegórico da obra,
um dos objetivos deste estudo.
Enfim, parece-nos que neste romance publicado no início do século XX há jogos
para além da história, histórias por fora das linhas do texto, que fazem desta obra um
romance considerado histórico por estar escrito em uma espécie de língua estrangeira
que se vai compreendendo a cada leitura realizada e ainda a ser realizada
(VALLADARES, 2005, p. 85). E o jogo estabelecido pelo texto tem regras, etapas,
desafios a serem enfrentados pelos leitores, e ganham especialidades e interesses cada
vez maiores, quando requerem deles esforço ou mesmo participações intensas.

92
Considerações Finais

Pretender definir um ponto fixo na contribuição machadiana ao universo literário


e social do Brasil Oitocentista seria o mesmo que tentar se apropriar de toda a sua
produção, e, apontar nela um sentido, por mais singelo que fosse, possibilitando aos
seus leitores afirmarem que o ficcionista brasileiro usou a sua escrita para dizer que o
Brasil do Terceiro Milênio estaria carregado das relações pretéritas do século XIX.
Este não foi o objetivo aqui nesta dissertação, por vários fatores, principalmente
se levarmos em conta que a obra artística não tem como objetivo apontar caminhos ou
analisar um determinado momento histórico da sociedade retratada em suas
manifestações.
A nossa intenção aqui foi o de tentar compreender uma pequena contribuição do
escritor carioca a um processo singular na vida nacional: a passagem da Monarquia para
a República e o que o leitor pode aferir da leitura de seu penúltimo romance: Esaú e
Jacó. Como é uma obra repleta de referenciais históricos, é possível captar da
representação literária machadiana de tais acontecimentos alguns elementos que nos
permitam pensar sobre qual Brasil surgiu da queda da Monarquia.
Comparando a representação machadiana com algumas análises do período, é
possível apontarmos que o ficcionista, usando das prerrogativas de uma pessoa voltada
para o universo artístico, observou alguns pontos que podem conduzir os leitores do
século XXI a observarem que a passagem de um regime a outro no Brasil Oitocentista
não significou a tão sonhada ruptura que muitos republicanos desejavam e que as
consequências puderam ser sentidas durante boa parte do século XX.

93
Ao percorremos os 121 capítulos de Esaú e Jacó, destacamos determinadas
passagens aqui nessa dissertação que consideramos vitais para aqueles que pretendem
entender um pouco a representação que o ficcionista fez daquele da passagem da
Monarquia à República.Os leitores encontrarão alguns pontos que evidenciam
determinadas peculiaridades daqueles dias. Começando pelo item em que os gêmeos
Pedro e Paulo, para provocar a mãe e colocá-la em saia-justa com as visitas, brincam
com o dia que nasceram 7 de abril de 1870. Para um, a data lembrava uma queda,
ruptura, para o outro, deveria ser referenciada como a ascensão de um monarca.
O que dizer então da felicidade dos escravos ao saberem que seriam
propriedades de barões do Império? Num momento em que os escravos sofriam todo
tipo de tortura e sevícias de senhores escravagistas, a hipótese de cativos se
locupletarem com uma outorga nobiliárquica só pode parecer aos leitores como uma
forma de apontar que o escravismo corrompeu, não apenas o escravagista, mas também
o escravo que acreditava ser superior ao seu semelhante de infortúnio somente porque
pertencia a um nobre.
Desta forma, para nós, ler o penúltimo romance machadiano significa ingressar
em um mundo impenetrável ao leitor comum caso a literatura não permitisse. É
interessante notar que Natividade, a mãe dos gêmeos opostos, assiste missa, manda
celebrá-las, mas quando quer aquietar-se com relação ao futuro dos filhos, procura uma
cartomante com raízes no Norte e chamada pelo enunciador do enredo de “Pítia do
Norte”.
Enquanto ela e a irmã participam de celebrações católicas, se deixando levar
pelas previsões feitas pela sibila do Castelo, o marido banqueiro Agostinho Santos, que
fez fortuna com o boom das ações em 1855, consulta o seu amigo espírita Plácido,
numa espécie de confrontação com as observações feitas pela cabocla. Se levarmos os
dois lados da questão, a exemplo das constantes oposições entre os irmãos Pedro e
Paulo, é possível especularmos que o pai tinha certa queda para um aspecto da vida das
adivinhações que pertenciam aos integrantes de determinados segmentos sociais que
cresciam naquela época e adeptos de filosofias religiosas importadas da Europa em
contrapartida às praticadas pelos descendentes de africanos e indígenas.
Além dessas histórias que ocupam despretensiosamente as páginas do romance,
enquanto a indecisa Flora tenta optar pelo coração de um dos gêmeos, seus pais,
Cláudia e o marido, o advogado ex-conservador Batista, buscam de todas as formas,
conseguir uma colocação na estrutura governamental do Império. O marido já havia

94
ocupado um cargo de presidente provincial, mas o perdera por conta de denúncias de
favorecimentos a alguns parentes. Ele nega veementemente que tenha usado o posto
para beneficiar algumas pessoas do seu circulo de relacionamentos, mas por mais que
diga que não, acabou sendo deposto.
Mas continua seu périplo por um cargo, seja na Monarquia ou na República.
Essas andanças podem ser um ponto importante da narrativa, pois suas andanças deixam
claro uma forma concreta de se fazer política naquela época, estimulada pelo Imperador,
usando dos atributos que a Constituição de 1824 lhe facultava, trocava sempre o partido
que organizava o poder ministerial e, por conseguinte, a Câmara Federal. Para o
objetivo desta dissertação, nos parece que o fulcro importante foi tentar demonstrar que
a representação que Machado de Assis fez da passagem de um regime para o outro, não
significou grandes mudanças, mesmo sendo alteradas algumas questões como deixar de
existir as províncias, passando a se chamar Estados, ou melhor, unidades federativas;
avanço nas relações entre capital e trabalho, crescimento da massa de trabalhadores,
porém, a prática política permaneceu a mesma.
Não podemos deixar de apontar a visão que a desejada dos gêmeos tinha da vida
na Corte. Ela sonha, pelo menos é o que conta o narrador e amigo de todos no enredo,
Aires. Flora acha que a existência da regente é só de pompas e glamour e quando ela
quiser, pode mandar todos embora e aquietar-se em seus aposentos sem nenhum
infortúnio.
Em seu penúltimo romance, o cronista presenteia seus leitores com algumas
narrativas que ajudam a levantar uma série de questões. Começando pela missa do
Cupê, enunciação que se encontra no capítulo IV (ASSIS, 2008, p. 1.080-1082). A
celebração foi em intenção à alma do irmão do banqueiro Agostinho Santos. Tanto ele
quanto a mulher chegam à igreja ostentando riqueza, o que chamou a atenção de todos
que viviam ou circulavam em torno do templo religioso. O episódio não escapou ao
olhar do narrador-editor que destaca a singeleza da celebração perto da riqueza que o
casal apresentou ao deixar o veículo em direção ao interior da igreja. Não foi somente
neste capítulo que o dinheiro e a riqueza tiveram destaque na enunciação.
Outro aspecto significativo a ser ressaltado nessa narrativa é a maneira como o
autor se apropria de dois fatos históricos, ocorridos no século anterior na França para
evidenciar as desavenças dos filhos de Natividade no Brasil Oitocentista. A enunciação
está presente no capítulo XXIV: Robespierre e Luís XVI (ASSIS, 2008, p. 1.106-1.108).
O conteúdo pode até passar despercebido para boa parte dos leitores, todavia, ao

95
associar as duas personagens com os irmãos da trama, poderá fazer uma associação,
mesmo que ambos os fatos estejam separados por um século.
Ao nomear a seção o autor faz referência a Maximilien de Robespierre (1758-
1794) e ao rei Luís XVI (1754-1793). O que liga as duas personagens é o fato de que
ambas foram guilhotinadas. A dissociação existe porque a primeira “foi líder dos
Jacobinos e uma das principais figuras da Revolução Francesa, tendo participado
ativamente do regime do Terror” (ASSIS, 2012, p. 80). Antes de ser decapitado, foi
deposta do cargo que ocupava. Já a segunda, pertencia à “[...] dinastia dos Bourbon, foi
rei da França, tendo governado de 1774 a 1792, quando a monarquia foi abolida” (2012,
p. 80). Também teve o mesmo fim do republicano, levando consigo a sua esposa, Maria
Antonieta um ano depois de Robespierre.
É interessante tentar compreender o sentido que o romancista quis apregoar ao
usar essas duas personagens da história francesa, colocando-as na existência dos
gêmeos. Um comprou o retrato do monarca e o outro, do revolucionário republicano.
Contudo, ambos, por razões diversas, tiveram o mesmo destino: a guilhotina. No caso
do Brasil, os fatos que compõem a narrativa machadiana dão conta de procedimentos e
consequências diferentes para a família real. Ninguém foi executado, tendo inclusive o
Marechal Deodoro da Fonseca, que conduziu a ruptura do sistema, preocupado com o
que seria feito de D. Pedro II. A inculcação tinha sentido, tem em vista que o velho
militar era amigo do monarca e essas relações íntimas proporcionaram a ele ascensão na
carreira militar.
Outra apropriação intertextual que Machado utiliza neste seu romance diz
respeito aos livros Odisseia e Ilíada, escritos por Homero. A referencia está presente no
capítulo XLV: Musa, canta... (ASSIS, 2008, p. 1. 131). Esta pequena seção começa
com o fim do almoço entre Aires e os gêmeos, que viviam em conflito mais pelas
questões políticas daquele momento do que simplesmente pela disputa da preferência de
Flora.

No fim do almoço, Aires deu-lhes uma citação de Homero 60 , aliás


duas, uma para cada um, dizendo-lhes que o velho poeta os cantara
separadamente, Paulo no começo da Ilíada
- “Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu, cólera funesta aos
gregos, que precipitou à estância de Plutão tantas almas válidas de
heróis, entregues os corpos às aves e aos cães ...” (2008, p. 1.131).

60
- “Os poemas homéricos, cuja cultura sensorial, linguística e, sobretudo, sintática, parece ser tanto mais
elaborada, são contudo, na sua imagem do homem, relativamente simples; e também o são, em geral, na
sua relação com a realidade da vida que descrevem” (AUERBACH, 2007, p. 10).

96
Enquanto Paulo se entretinha com a Ilíada, seu irmão litigante Pedro estava
absorto em Odisséia. “-‘Musa, canta aquele herói astuto, que errou por tantos tempos,
depois de destruída a santa Ílion...’” (2008, p. 1.131).

Era um modo de definir o caráter de ambos, e nenhum deles levou a


mal a aplicação. Ao contrário, a citação poética valia por um diploma
particular. O fato é que ambos sorriam de fé, de aceitação, de
agradecimento, sem que achassem uma palavra ou silaba com que
desmentissem o adequado dos versos. Que ele, o conselheiro, depois
de citar a frase em prosa, repetiu-os no próprio texto grego, e os
gêmeos se sentiram ainda mais épicos, tão certo é que traduções não
valem originais. O que eles fizera m foi dar um sentido deprimente ao
que era aplicável ao irmão:
- Tem razão, senhor conselheiro – disse Paulo -, Pedro é um velhaco...
- E você é um furioso...
- Em grego, meninos, em grego e em verso, que é melhor que a nossa
língua e a prosa do nosso tempo (ASSIS, 2008, p. 1.131).

O capítulo todo é interessante, ainda mais porque no item anterior, o autor


Machado de Assis recorre a um texto do Antigo Testamento para fazer alusão às
questões da decadência monárquica enquanto o movimento republicano, a partir de São
Paulo – com a criação do Partido Republicano em 1870 na cidade de Itu – se fortalecia,
culminando com o fim do Império em 1889.
Conforme apontamos no corpus dessa dissertação, Machado também cuidou da
representação da questão militar, mas o fez de forma sutil, sem mais pretensões, atendo-
se mais ao fato de que o posicionamento do republicano Paulo afrontaria o irmão
monarquista Pedro e contrariaria a mãe, baronesa do Império. É importante nos
determos mais um pouco nessa temática, até mesmo para entender a gravidade do
conteúdo da carta enviada por Paulo mandou ao irmão.
A historiadora Maria Tereza Chaves de Mello (2007, p. 44) diz que é
interessante observar que o aspecto relevante da Questão militar foi o seu caráter
público, isto é, ganhar as ruas das cidades brasileiras, mais especificamente o Rio de
Janeiro através das páginas dos jornais, principalmente porque a problemática surgiu
justamente da manifestação pública por partes dos militares no que diz respeito às
questões alusivas ao universo da política.
Uma “classe” prestigiada e culta, mas armada, participando de atos públicos na rua, era
outro fator de sua valorização. Afinal, tratava-se, no caso das Forças Armadas, da própria
encarnação da ordem. E, por fim, foi essa ordem encarnada que veio a se tornar perigosa para o

97
regime [imperial]. Por outro lado, em relação a esse importante segmento social 61 , estamos
assistindo à perda, pelo regime monárquico, das guerras simbólica e ideológica ( MELLO,
2007, p. 44).
É preciso destacar que, assim como os gêmeos Pedro e Paulo, opostos em tudo,
desde o ventre da mãe, foram gerados no mesmo útero, mesmo que a gestante, depois
que eles vieram ao mundo tenha optado por um dos filhos, Monarquia e República em
seus aspectos políticos fazem parte do mesmo Gênesis, ou seja, do mesmo sopro divino
da gestação política do Brasil, isto é, a prática do favor e do conchavo, como ficou
externado na conversão de Batista e a conquista de um cargo na província do Norte que
não chegou a assumir, pois assim que anunciou a conquista na noite do dia 14 de
novembro aos amigos da família, no dia seguinte a Monarquia já era somente restos,
como o frango doado pela realeza na crônica que Machado fez publicar sob o
pseudônimo de Lélio. Após a queda de seu reino, o monarca mal conseguiu voltar de
Petrópolis.
Se o romance pode apontar, de forma despretensiosa que a República não
substituiu a Monarquia e que tudo não passou de uma mudança de nomes e de
instituições, pois as províncias passaram a ser designadas por Estados e uma nova forma
de se fazer política foi criada pelos presidentes civis em que não havia molestamento no
que diz respeito à conduta dos governantes em seus redutos, as crônicas machadianas
podem apontar como foi à lenta derrocada da Monarquia chegando ao seu fim na
madrugada do dia 15 de novembro quando boa parte da população mantinha-se
dormindo.
Desta forma, as leituras destes textos jornalísticos, como a do romance, podem
fornecer aos leitores deste início de Terceiro Milênio uma pequena amostra de como
eram as relações sociais, econômicas e políticas na passagem de um sistema para o
outro. Mudanças que possibilitaram a manutenção de boa parte da estrutura
governamental no regime que sucedeu o trono, mesmo porque muitos indivíduos,
principalmente àqueles ligados aos setores da cafeicultura do norte fluminense, a
exemplo da família de Bento Santiago (Dom Casmurro, 2008), ao verem-se desprovido
do braço escravo passam a apoiar a causa republicana, engrossando as fileiras do partido
que iria subir ao poder após cinco anos de administração militar.

61
- Sobre os militares enquanto integrantes de uma categoria social específica, ver o livro de Heloísa
Fernandes: Os militares como categoria social (1979).

98
Enfim, nos parece que uma leitura detalhada deste penúltimo romance
machadiano pode possibilitar uma compreensão maior sobre aqueles fatos, mesmo que
no caso da obra ficcional existam apenas representações estéticas e literárias que
Machado apresenta com seu estilo significativo, dizendo não querendo dizer nada, mas
ao mesmo tempo, apontando possibilidades.

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109
ANEXOS

110
O grito do Ipiranga62
Machado de Assis

Liberdade!... Farol divinizado! –


Sob o teu brilho a humanidade e os séculos
Caminham ao porvir. Roma as algemas
Quebrou dos filhos que a opressão lançara
Dentre a sombra de púrpura dos Césares,
Que envolvia Tarquínio em fogo e sangue,
Cheia de tua luz e estimulada
Por teu nome divino – essa palavra
Imensa como as vozes do Oceano.
Sublime como a ideia do infinito!
Tal como Roma a terra americana,
Um dia alevantando ao sol dos trópicos
A fronte que domina os estandartes,
Saudou teu nome majestoso e belo –
E o brado imenso – Independência ou morte! –
Soltado lá das margens do Ipiranga.
Foi nos campos soar da eternidade.

62
- Disponível no site http://www2.ufscar.br/documentos/Poema%20def.pdf – acessado 22/03/2015

111
Desenrola nas turbas populares
Dos livres a bandeira o herói tão nobre,
Digno dos louros festivais que outrora
Roma dava aos heróis entre os aplausos
Do povo que os levava ao Capitólio!
Ele foi como o César de Marengo;
Sua voz como a lava do Vesúvio
Levada pela voz da imensidade
Foi do Tejo soar nas margens, onde
Estremeceu de susto o lusitano!
Ipiranga!... Ipiranga!... A voz das brisas
Este nome repete nas florestas!
Caminhante! Eis ali onde primeiro
Soou o brado – Independência ou morte! –
O homem secular levando as águias
Por entre os turbilhões de pó, de fumo,
Ostentando nos livres estandartes
O lúcido farol de um século ovante,
Mais sublime não foi nem mais valente
Que Pedro o herói, da América travando
Do farol da sagrada liberdade,
E acordando o Brasil, escravizado,
Sob férreos grilhões adormecido.
Somos livres! – Nas paginas da história
Nosso nome fulgura – ali traçado
Foi por Deus, que do herói guiando o braço,
Nas folhas o escreveu do eterno livro.
Somos livres! – No peito brasileiro
A ideia da opressão não se acalenta!
Somos já livres como a voz do oceano,
Somos grandes também como o infinito,
Como o nome de Pedro e dos Andradas!
Seja bendito o dia em que Colombo
César dos mares, afrontando as ondas,
À Europa revelou um Novo Mundo;
Ele nos trouxe o cetro das conquistas
Nas mãos de Pedro – o fundador do Império!
O herói calcando os pedestais da história,
Ergue soberbo aos séculos vindouros
A fronte majestosa! Imenso vulto!
É ele o sol da terra brasileira!
Neste dia de esplêndidas lembranças
No peito brasileiro se reflete
O nome dele – como um sol ardente
Brilha dourado no cristal dos prismas!
Tomando o sabre, dominou dois mundos
O herói libertador, valente e ousado!
Ele, o tronco da nossa liberdade,
Foi como o cedro secular do Líbano,
Que resiste ao tufão e às tempestades!

112
Ipiranga! Inda o vento das florestas
Que as noites tropicais respiram frescas
Parecem murmurar nos seus soluços
O brado imenso – Independência ou morte!
Qual o trovão nos ecos do infinito!
Disse ao guerreiro o Deus da Liberdade:
Liberta o teu Brasil num brado augusto,
E o herói valente libertou num grito!
Joaquim Maria Machado de Assis
7 de setembro de 1856.

Publicado em 9 de setembro de 1856 no Jornal Correio Mercantil, página 2.


(Transcrição atualizada ortograficamente por Wilton Marques, professor da UFSCar)

Balas de estalo

Publicada no dia 9 de setembro de 1884 no jornal Gazeta de Notícias*

Pour um comble, voilà um comble

Ontem houve na Imperial Quinta da Boa Vista uma festa de S. Benedito, obra da
respectiva irmandade, ali estabelecida. Sendo a Imperial Quinta uma residência
particular, não é preciso dizer que a Irmandade está ali com autorização do imperador;
parece mesmo que se compõe de uma parte do pessoal da casa, e não me admirará se o
imperador ou a imperatriz a ajudar com alguma esmola.
Até aqui, tudo vai bem. A própria festa cuido que não andou mal. Compôs-se de
uma missa cantada, um Te-Deum, fogo de artifício, e um leilão de prendas. Quem pensa
o leitor que fez o leilão de prendas?
Dou-lhe uma, dou-lhe duas, uma maior, outra menor, à maneira das praças
judiciais. Não atina? Dou-lhe uma... Dou-lhe todas, se me disser quem foi o leiloeiro,
dou a minha cabeça, dou as fraldinhas de Lulu Sênior (menino de mama), dou o meu
lugar no céu, dou o lugar do Sr. Passos de Miranda na câmara; dou tudo, se o leitor for
capaz de adivinhar quem fez ontem o leilão de prendas na Imperial Quinta da Boa Vista.
Quem fez o leilão foi o Sr. Augusto República. Pour um comble, violàuncomble.
Ninguém dirá que a república não apregoou ontem as suas prendas na própria residência
imperial, quase em cima do trono, ou, pelo menos, aos pés dele. Um frango! meus
senhores! um frango! Quando dão por este frango? Seiscentos réis, tenho seiscentos,
seiscentos... setecentos! Setecentos e oitenta! Oitocentos! mil réis, mil, mil, mil...
E Sua Alteza dança! Permita-me que lhe diga: Sua Alteza dança sobre um
vulcão.
Note-se uma circunstância que dá a este fato maior gravidade. O Sr. República
podia, só por uma noite, e em respeito ao lugar, trocar de nome, chamar-se, por
exemplo, Esteves ou Perdigão. Mas não o fez; entrou República e República apregoou.
E se isto honra a sua fidelidade política e onomástica, prova também que ele prefere a
afronta à dissimulação.
Não se diga que exagero. República não é nome de gente. Ninguém se chama
República, nem Monarquia. Só se pode tomar um nome desses por ser um símbolo. E se
o Sr. República não o escolheu por si mesmo, se o herdou, então o caso é ainda mais

113
grave, porque as opiniões que vêm de trás tornam-se mais enérgicas: são legados de
família, catecismo das gerações.
A única objeção ques e me pode opor é que o Sr. República não se chama só
República; chama-se também Augusto, e este nome tira ao outro o que possa haver nele
subversivo. Em verdade, a objeção tem algum valor; mas então prefiro crer que o
leiloeiro como outros leiloeiros deste mundo, usa de dois símbolos, um para a esquerda,
outro para a direita, e toca a andar: - Um frango! meus senhores! um frango! é amarelo,
posto que, em rigor, se possa dizer cinzento. Quanto dão por este frango amarelo-
cinzento?
Os leiloeiros dessa classe são, decerto, perigosos, mas são também inofensivos,
como os seus frangos de duas cores; e, uma vez que se lhes comprem os frangos, tudo
irá regularmente. Agora outra suposição.
Pode ser que o Sr. República seja simplesmente um homem sagaz e
maquiavélico. Concluindo da atual situação das coisas, que a revolução está perto, e o
naufrágio das instituições é inevitável, o Sr. República engendrou um plano. Tão
depressa vir a revolução triunfante, o imperador embarcado, e as aclamações na rua –
Viva a república! o Sr. República aceita os vivas, dirige-se ao paço da Boa Vista e toma
conta do poder. De maneira que, quando ali chegar a revolução, acha-lo-á sentado e
ouvir-lhe-á estas e outras palavras análogas:
- Cidadãos! agradeço-vos a indicação que fizestes de minha pessoa para este
elevado cargo. Compreendestes que as instituições, por mais livres que sejam, devem
concretizar-se num homem, e preferistes ao acaso das eleições – a aclamação imediata
do povo...
- Viva a República!
- Obrigado, concidadãos!
- Viva a República!
- Ainda uma vez obrigado! Ide agora, tornais aos trabalhos do dia, restabelecei a
paz e a concórdia no seio da família brasileira. Vou nomear os meus ministros... Ide,
ide.
- Viva a República!
E por este modo, no plano do maquiavélico leiloeiro, tomará ele conta do poder,
assinando-se desde já com o nome da própria instituição – o que é um meio certo de lhe
tirar o aspecto coletivo e comum – coisa sempre vaga – para lhe dar uma definição
pessoal e distinta. E não se dirá que ele usurpou coisa nenhuma. Ele poderá responder,
perante a história, que, estando muito descansado em casa, foi chamado ao poder pelas
aclamações do povo. Viva a república, ou viva o República (concluirá) é uma questão
gramatical, não política.
LELIO

*Extraído do livro Balas de Estado de Machado de Assis, organizado por Heloisa


Paiva De Luca. p. 133-135

Bons Dias!

(6)

Publicada no dia 11 de maio de 1888*

114
Vejam os leitores a diferença que há entre um homem de olho alerta, profundo,
sagaz, próprio para remexer o mais íntimo das consciências (eu em suma), e o resto da
população.
Toda a gente contempla a procissão na rua, as bandas e bandeiras, o alvoroço, o
tumulto, e aplaude ou censura, segundo é abolicionista ou outra coisa; mas ninguém
arrancou aos fatos uma significação, e, depois, uma opinião. Creio que fiz um verso.
Eu, pela minha parte, não tinha parecer. Não era por indiferença; é que me
custava a achar uma opinião. Alguém me disse que isto vinha de que certas pessoas
tinham duas e três, e que naturalmente esta injusta acumulação trazia a miséria de
muitos; pelo que, era preciso fazer uma grande revolução econômica, etc. Compreendi
que era um socialista que me falava, e mandei-o à fava. Foi outro verso, mas vi-me livre
de um amolador. Quantas vezes me não acontece o contrário!
Não foi o ato das alforrias em massa dos últimos dias, essas alforrias
incondicionais, que vêm cair como estrelas no meio da discussão da lei da abolição63.
Não foi; porque esses atos são de pura vontade, sem a menor explicação. Lá que eu
gosto da liberdade, é certo; mas o princípio da propriedade não é menos legítimo. Qual
deles escolheria? Vivia assim, como uma peteca (salvo seja), entre as duas opiniões, até
que a sagacidade e profundeza de espírito com que Deus quis compensar a minha
humildade, me indicou a opinião racional e os seus fundamentos.
Não é novidade para ninguém, que os escravos fugidos, em Campos, eram
alugados. Em Ouro Preto fez-se a mesma coisa, mas por um modo mais particular64.
Estavam ali muitos escravos fugidos. Escravos, isto é, indivíduos que, pela legislação
em vigor, eram obrigados a servir a uma pessoa; e fugidos, isto é, que se haviam
subtraído ao poder do senhor, contra as disposições legais. Esses escravos fugidos não
tinham ocupação; lá veio, porém, um dia em que acharam salário, e parece que bom
salário.
Quem contratou? Quem é que foi a Ouro Preto contratar com esses escravos
fugidos aos fazendeiros A, B, C? Foram os fazendeiros D, E, F. Estes é que saíram a
contratar com aqueles escravos de outros colegas, e os levaram consigo para as suas
roças.
Não quis saber mais nada; desde que os interessados rompiam assim a
solidariedade do direito comum, é que a questão passava a ser de simples luta pela vida,
e eu, em todas as lutas, estou sempre do lado do vendedor. Não digo que este
procedimento seja original, mas é lucrativo. Alguns não me compreenderam (porque há
muito burro neste mundo); alguém chegou a dizer-me que aqueles fazendeiros fizeram

63
- No noticiário e nos “A pedidos” dos jornais vinham todos os dias muitos anúncios de tais alforrias. Só
para dar uma ideia do tom, e para exemplificar um caso que pode ter inspirado Machado aqui e na criação
de Pancrácio (cr. 7), cito, dos “A pedidos” da GN de 17 de abril.
“Liberdade
José Moreira da Silva Rocha, negociante e proprietário no município de Itaguaí [o mesmo do conto O
Alienista, de Machado de Assis (1996)], no lugar da ilha da Madeira, em atenção a fazer anos, libertou
sua escrava Francisca parda, 45 anos de idade, sem condição alguma, já tendo feito o mesmo a cinco
filhas da mesma que hoje são boas mães de família”
64
- No JC de 19 de abril vem uma notícia que parece ter estado na origem desta parte da cr.: “Nos
municípios vizinhos de Ouro Preto tem sido grande a agitação abolicionista. Na capital cresceu
diariamente o número dos fugitivos, embora sejam muitos mandados para diversos pontos da província,
às vezes com destino a estabelecimentos agrícolas.
“Os abolicionistas já lutavam com dificuldades para coloca-los e vão procurando libertar-se deles,
mandando-os apresentar às autoridades. Não tardará que o desabrigo e a fome os dispersam ou
afugentem”.

115
aquilo, não porque não vissem que trabalhavam contra a sua própria causa, mas para
pregar uma peça ao Clapp65.
- Sim Senhor. Saiba que o Clapp tinha o plano feito de ir a Ouro Preto pegar os
tais escravos e restituí-los aos senhores, dando-lhes ainda uma pequena indenização do
seu bolsinho, e pagando ele mesmo a sua passagem da estrada de ferro. Foi por isso...
- Mas então quem é que está aqui doido?
- É o senhor, o senhor é que perdeu o pouco juízo que tinha. Aposto que não vê
que anda alguma coisa no ar.
- Vejo; creio que é um papagaio.
- Não, senhor; é uma república. Querem ver que também não acredita que esta
mudança é indispensável?
- Homem, eu, a respeito de governos, estou com Aristóteles, no capítulo dos
chapéus. O melhor chapéu66 é o que vai bem à cabeça. Este, por ora, não vai mal.
- Vai pessimamente. Está saindo dos eixos; é preciso que isto seja, senão com
amonarquia, ao menos com a república, aquilo que dizia o Rio-Post67de 21 de junho do
ano passado. Você sabe alemão?
- Não.
- Não sabe alemão?
E, dizendo-lhe eu outra vez que não sabia, ele imitando o médio de Molière68,
dispara-me na cara esta algaravia do diabo:
- Esdürfeleichtzuerveisensein,
dassBrasilienwenigereinekonstitucionelleMonarchiealseineabsoluteOligarchieist.
- Mas que quer isto dizer?
- Que é deste último tronco que deve brotar a flor.
- Que flor?
- As
BOAS NOITES!

*Extraído do livro de crônicas Bons Dias! de Machado de Assis, organizado por John
Gledson p. 56-59 – As notas de rodapé constam dessa edição.

(7)

65
- João Fernandes Clapp (? – 1902), presidente da Confederação Abolicionista.
66
- Esta citação é apócrifa. No conto, “Capítulo dos chapéus” (de 1883), Machado dá como epigrafe duas
frases de Molière, que provém de Le médecinmalgrédeschapeux: Dansquelchapitre, s’il vou plaît?
SGANARELLE: Danslechapitredeschapeaux.” Sganarelle está fingindo de médido, e assevera que
Hipócrates (não Aristóteles) diz que é preciso andar de chapéu, por razões de saúde, opinião que Géronte
aceita logo, por ser de tal autoridade. Parece que Machado lançou mão da frase, inventando o seu próprio
chavão com sua (falsa) autoridade. Não deixa de ser curioso que cite a mesma peça de Molière nesta
mesma crônica (v. n. 7).
67
- O Rio-Post era o jornal da colônia alemã da cidade. As palavras citadas significavam: “Seria fácil
provar que o Brasil é mais uma oligarquia absoluta do que uma monarquia constitucional”. O artigo que
Machado de cita ocupa a primeira página, e é longo e interessante. É, sobretudo, um ataque à oligarquia, e
aos partidos Liberal e Conservador, “panelinhas” que exploram o país. Lamenta a falta de uma classe
média, urbana ou rural. Com suficiente independência para opor-se à sua influência, concluindo que se
deve dar mais poder, não só ás províncias, como também às municipalidades, para criar a democracia que
só em teoria (i. é, na constituição imperial) existe no Brasil.
68
- Como nota MJ, Machado imita aqui um diálogo de Le médecinmalgrélui (Ato II, cena 4):
SGANARELLE: Vous n’entendezpontlelatin?
GERONTE: Non.
SGANARELLE: (em faisantdiversesplaisantespostures) Cabriciasarci Thuram, catalamus, singulariter,
etc. etc.

116
Publicada no dia 13 de maio de 1888*

Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post facto, depois do gato
morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário for,
que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na
segunda-feira69, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha,
pessoa dos seus dezoito anos, mais ou menos 70 . Alforriá-lo era nada; entendi que,
perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Neste jantar, a que os meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro
melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de
Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.
No golpe do meio (coup dumilieu, mas eu prefiro falar a minha língua 71 ),
levantei-me eu com a taça de champanhe e declarei que, acompanhando as ideias
pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio;
que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu
exemplo; finalmente, que a liberdade era um do de Deus, que os homens não podiam
roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, cm um furacão, e veio a abraçar-
me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho), pegou de outra taça,
e pediu à ilustre assembleia que correspondesse ao ato que eu acabava de publicar,
brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo, e
entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de
admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que
estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
- Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e
tens mais um ordenado, um ordenado que...
- Oh! meusenhô! Fico.
- ... Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu
cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho deste tamanho; hoje estás
mais alto que eu. Deixe ver; olha, és mais alto quatro dedos...
- Artura não quédizê nada, não, senhô...
- Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis72, mas é de grão em grão que a
galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
- Eu vaio um galo, sim, senhô.
- Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com
oito ou sete.

69
- i. e., no dia 7 de maio.
70
- Este “mais ou menos” talvez encerre uma história. Se tivesse realmente dezoito anos, Pancrácio teria
nascido antes da lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871), e portanto, não sendo ingênuo, valeria
mais. Será que seu generoso senhor “esqueceu-se”, ou simplesmente falsificou a sua data de nascimento?
71
- O coup dumilieu que normalmente vem escrito “coupe de milieu”, era uma bebida, ás vezes
acompanhada de brindes, que se tornava no meio de um banquete. Nosso herói não só mostra um
patriotismo ridículo ao traduzir esta frase, como é bem possível que traduza mal, pois a tradução lógica
seria “taça do meio”. Às vezes, como neste caso, ou na frase “boire um coup”, a palavra pode significar
“taça” e não “golpe”.
72
- Para dar uma ideia do mínimo valor deste ordenado, que seria mensal, dou os preços de alguns
artigos: uma camisa normal custava uns 3 mil-réis, o aluguel mensal de uma casa de duas salas, dois
quartos, cozinha e quinta, por mês, 35 mil-réis, um almoço ou jantar no Hotel Javanês, quatrocentos réis.
A GN custava quarenta réis.

117
Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por
me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco,
sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que
lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram os dois estados naturais, quase
divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí para cá, tenho-lhe despedido
alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não
chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!)
creio que até alegre.
O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos
meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na
modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a toda a gente que dele teve
notícia; que esse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar (simples suposição) é
então professor de Filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e
verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas o que se antecipam a ela,
dizendo ao escravo: és livre, antes que digam os poderes públicos, sempre retardatários,
trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu.
BOAS NOITES!

*Extraído do livro de crônicas Bons Dias! de Machado de Assis, organizado por John
Gledson p. 62-64 – As notas de rodapé constam dessa edição.

A Semana

(2)

Publicada no dia 1 de maio de 1892*

Vês este tapume 73 . Digo-vos que não ficará tábua sobre tábua. E assim se
cumpriu esta palavra do Dr. Barata Ribeiro74, que imitou a Jesus Cristo, em relação ao
templo de Jerusalém. Olhai, porém, a diferença e a vulgaridade do nosso século. A
palavra de Jesus era profética: os tempos tinham de cumpri-la. A do presidente da
intendência, que era um simples despacho, não precisou mais que de alguns
trabalhadores de boa vontade, um advogado e vinte e quatro horas de espera. Ao cabo
do prazo, reapareceu o nosso chafariz da Carioca, o velho monumento que tem o mesmo
nome que nós outros, filhos da cidade, o nosso xará, com as suas bicas sujas e
quebradas, é certo, mas eu confio que o Dr. Barata Ribeiro, assim como destruiu o
tapume, assim reformará o bicume. E poderá ser preso, açoitado, crucificado; ressurgirá
no terceiro minuto, e ficará à direita de Gomes Freire de Andrade75.

73
- Ao redor do chafariz do Largo da Carioca, uma empresa particular, a Companhia Metropolitana, tinha
levantado este “tapume”. Barata Ribeiro insistiu na sua remoção, dando prazo à companhia, e ordenou
depois a sua destruição. O tapume lembra o “tempo alegre e agitado” do Encilhamento porque a
Companhia Metropolitana foi um dos seus frutos
74
- Cândido Barata Ribeiro (1843-1910), prefeito do Rio de Janeiro.
75
- Gomes Freire de Andrade. Conde de Bobadela (1688-1763), governador do Rio de Janeiro. Na sua
administração fez muitas obras públicas, entre as quais um tanque de lavagem de roupa no Largo da
Carioca.

118
Já que se foi o tapume, não calarei uma anedota, que ao mesmo tempo não posso
contar. Valham-me Gulliver e o seu invento para apagar o incêndio do palácio do rei de
Lilipute 76 . Recordam-se, não? Pois saibam que uma noite lavrava um princípio de
incêndio no tapume, - algum fósforo lançado por descuido ou perversidade. Um
Gulliver casual, que ia passando, correu apagá-lo. Pobre grande homem! Esbarrou com
um soldado de sentinela, ao lado da Imprensa Nacional, que não consentiu na obra de
caridade daquele corpo de bombeiro. Perseguido pela visão do incêndio (há desses
fenômenos), o nosso Gulliver viu fogo onde o não havia, isto é, no próprio edifício da
Imprensa Nacional, lado oposto, e correu a apagá-lo. Não achou sombra de sentinela!
Disseram-lhe mais tarde que a sentinela do tapume era a mesma que o Governador
Gomes Freire mandara pôr ao chafariz, em 1735, e que a Metropolitana, por descuido,
não fez recolher. Vitalidade das instituições!
Mas esse finado tapume faz lembrar um tempo alegre e agitado, tão alegre e
agitado quão triste e quieto é o tempo presente. Então é que era bailar e cantar.
Dançavam-se as modas de todas as nações; não só o fadinho brasileiro, nem a quadrilha
francesa; tínhamos o fandango espanhol, a tarantela napolitana, a valsa alemã, a
habanera, a polca, a mazurca, não contando a dança macabra, que é síntese de todas
elas. Cessou tudo por um efeito mágico. Os músicos foram-se embora, e os pares
voltaram para casa.
Só o acionista ficou. – o acionista moderno, entenda-se, o que não paga as ações.
Tinham-lhe dito: - aqui tem um papel que vale duzentos, o senhor dá apenas vinte, e não
falemos mais nisso.
- Como não falemos?
- Quero dizer, falemos semestralmente; de seis em seis meses, o senhor reebe
dez ou doze por cento, talvez quinze.
- Do que dei?
- Do que deu e do que não deu.
- Que não dei, mas que hei de dar?
- Que nunca há de dar.
- Mas, senhor, isso é quase um debênture.
- Por ora, não; mas lá chegaremos.
Desta moção recente tivemos, há dias, um exemplo claro e brilhante. Uma
assembleia, tomando contas do ano, deu com três mil contos de despesas e
incorporação. Nada mais justo. Entretanto, um acionista propôs que se reduzissem
aquelas despesas; outro, percebendo que a medida não era simpática, lembrou que
ficasse a diretoria autorizada a entender-se com os incorporadores para dar um corte na
soma. A assembleia levantou-se como um só homem. Que reduzir que entender-se? E,
por cerca de cinco mil votos contra dez ou onze, aprovou os três mil contos de réis. A
razão advinha-se. A assembleia compreendeu que a incorporação, como a ação, devia
ter sido paga pelo décimo, e conseguintemente que os incorporadores teriam recebido,
no máximo, trezentos contos. Pedir-lhes redução da redução seria econômico, mas não
era razoável, e instituiria uma justiça de dois pesos e duas medidas. Votou os três mil
contos, votaria trinta mil, votaria trinta milhões.
Hão de ter notado a facilidade com que meneio algarismos, posto não seja este o
meu ofício; mas desde que Camões & C. puseram uma agência de loterias no Beco das
Cancelas, creio que, ainda sem ser Camões, posso muito bem brincar com cifras e
números. Na explicação do Sr. Dr. Ferro Cardoso, por exemplo, acerca da não eleição, o
que mais me interessou, foram os oito mil eleitores que deixaram de votar no candidato,

76
- As viagens de Gulliver, cap. I, 5.

119
já porque eram milhares, já porque o argumento era irresponsável. Com efeito, ninguém
obriga um homem a aceitar a cédula do outro; se a aceita e não vota, é porque cede a
uma força superior.
Tudo é algarismo debaixo do sol. A própria circular do bispo aos vigários77,
acerca dos padres e sacristães associados para vender caro as missas, reduz-se, como
veem, a somas de dinheiro. Grande rumor nas sacristias. Grande rumor na imprensa
anônima. Pelo que me toca, não sendo padre nem sacristão, cito este acontecimento da
semana, não só por causa dos algarismos, mas ainda por notar que o bispo adotou neste
caso o lema positivista: Viver às claras. Em vez de circular reservada, fê-la pública.
Mas como, por outro lado, já alguém disse que o positivismo era “um catolicismo sem
cristianismo”, a questão pode explicar-se por uma simpatia de origem, e os padres que
se queixem ao bispo dos bispos.
Onde não creio que haja muitos milhares de contos é na República
Transatlântica de Mato Grosso78. O dinheiro é o nervo da guerra, diz um velho amigo;
mas um fino e grande político desmente o axioma, afirmando que o nervo da guerra está
nas boas tropas79 . Haverá este nervo em Mato Grosso? Quanto a mim, creio que a
jovem república não é república. Aquele nome de Transatlântica dá ideia de um gracejo
ou de um enigma. É talvez o que fique de toda a campanha. Também pode ser que a
palavra, como outras, tenha sentido particular naquele estado, e traga uma significação
nova e profunda. Às veze, de onde não se espera, daí é que vem. Há dias, dei com um
verbo novo na tabuleta de uma casa da Cidade Nova: “Opacam-se vidros”. Digam-me
em que dicionário viram a palavra tão apropriada ao caso.

*Extraído do livro A Semana, organizado por John Gledson – crônica 2 (1996, p. 50-
53).

(64)

Publicada no dia 9 de julho de 1893 no jornal A Gazeta de Notícias*

Uma batalha não tem o mesmo interesse para o estrategista que para o pintor.
Esse cuida principalmente da composição dos grupos, da expressão dos combatentes, do
modo de obter a unidade da ação na variedade dos pormenores, e de dar ao vencedor o
lugar que lhe cabe. O estrategista pensa, antes de tudo, na concepção do ataque, no
movimento e na distribuição das forças, na concordância dos meios para alcançar a
vitória. Já o fornecedor não é assim. Sem preocupação estética nem militar, cuida tão-
somente na execução dos seus contratos, mediante aquela porção de fidelidade
compatível com lucros extraordinários. É claro que há fornecedores que acabam pobres,
como há generais que perdem batalhas, e pintores que as pintam execravelmente.

77
- Aos 22 de abril, o bispo do Rio publicou uma circular em que acusa algumas pessoas de exigir
pagamentos extras para missas “em razão da grande falta de sacerdotes [e] superabundância de pedidos de
missas diariamente”. A circular causou furor nos “A pedidos” (“a imprensa anônima”).
78
- Desde abril, chegavam notícias do estabelecimento desta república, muitas delas em jornais
estrangeiros. Suspeitava-se de que se tratava em parte de interferência de fora (da Argentina
especialmente) em assuntos brasileiros.
79
- Sir Francis Bacon (1561-1626) em “Da verdadeira grandeza de reinos e Estados”: “O dinheiro não é o
nervo da guerra, como se diz trivialmente, onde os nervos dos braços dos homens faltam, entre gente vil e
efeminada”.

120
Com os espetáculos da natureza dá-se a mesma diversidade de interesse. O
geólogo cuidará da composição interior da montanha, que para o engenheiro dará ideia
de uma via férrea elevada ou de um simples túnel. Vede o mar, vede o céu. Vede a flor.
Entregue pela noiva ao noivo, à despedida, traz consigo todos os aromas dela, as suas
graças, os seus olhos, a poesia que ela respira e comunica à alma do outro, e ainda as
recordações de uma noite, de um beijo, a fugir entre a porta e a escada. Nas mãos de um
botanista é um simples exemplar da espécie, a que ele dá certo nome latino. Grave,
seco, sem ternura, ele diz o nome da espécie e da classe, e deita fora a flor, como um
simples diário velho.
Quando os olhos, tantas vistas. Essa variedade é que torna suportável este
mundo, pela satisfação das aptidões, das situações e dos temperamentos. O contrário
seria o pior dos fastios.
Digo tudo isso, que talvez seja banal... Mas o que não é banal debaixo do sol,
desde o amor até o empréstimo? Digo tudo isso a propósito do acontecimento central da
semana, o caso dos estudantes e da Câmara dos Deputados80. Esse acontecimento teve
para os homens políticos um aspecto. Condenando ou atenuando o ato, combinando ou
divergindo na solução da crise, os políticos estão de acordo com os seus próprios olhos,
aos quais o sucesso apareceu como um incidente na vida pública.
Eu, porém, achei nele outra coisa, não pela origem, senão pelo efeito. Todos
viram a emoção produzida pelo caso. Viram ainda que ele deu lugar a uma florescência
de moções. Na formação das línguas neolatinas observou-se um fenômeno, consistente
na troca, transposição ou queda de certas letras. A ciência da linguagem remontou ainda
no estudo desses e outros fenômenos: fiquemos naquele caso particular. Sou leigo em
glossologia: mas os leigos também rezam, e pela cartilha do padre. Ora, dizem os padres
da glossologia que a palavra botica, por exemplo, veio de apotheca, perdendo a
primeira vogal. Aplicando esta observação da fonética à psicologia política, não se pode
dizer que entre emoção e moção há, com a mesma perda da letra inicial, uma filiação
evidente? Explico-me.
No regímen imperial, uma emoção destas levava à moção imediata. A
Constituição republicana não mudou os hábitos morais dos homens, e, no meio da
agitação produzida pela manifestação escolar, a primeira fórmula que ocorreu para
consubstanciar os sentimentos da Câmara foi a moção, e não uma, nem duas, mas seis e
sete. A consequência é que o parlamentarismo parece estar ainda na massa do sangue -,
outra ideia banal -, mas eu hoje estou banal como um triste molambo velho.
Concluir daí que sou parlamentarista é imitar aquele homem que me dizia, uma
vez notando-lhe eu que certa casa estava pintada de amarelo:
- Ah! o senhor gosta de amarelo?
- Perdão: digo-lhe esta casa esta pintada de amarelo...
- Estou vendo; mas que graça acha em semelhante cor?
Mandei o homem ao diabo. Vá o leitor com ele, se concluir a mesma coisa. O
que eu digo é que esta bota parlamentarista há de levar tempo a descalçar. Que não seja
próprio do clima, não serei eu que o negue; mas a minha questão no capítulo das botas
(Sganarello achou um capítulo dos chapéus)81 é que a bota parlamentarista, por menos
ajustada que haja sido ao pé, há de levar tempo a arrancá-la. São costumes. Fazia doer

80
- “No dia 5 de julho, os estudantes da Escola Militar protestaram contra Benedito Valadares, deputado
de Minas, ‘em consequência de apreciações que S. Exa. Fizera num discurso sobre a organização das
escolas militares, e que os manifestantes consideraram ofensivas’. O protesto foi tão barulhento que os
deputados tiveram que suspender a sessão, e, nos dias seguintes, houve várias moções de protesto na
Câmara”.
81
- “Citação habitual do Médicinmalgrélui de Moliére”

121
os calos e cambava para o lado de fora, mas era de fábrica inglesa, Westminster &
Companhia, e nós sempre gostamos de fábricas estrangeiras. Nos primeiros tempos
éramos todos franceses; no segundo reinado passamos aos bretões. Vida, patrícios, vida
para a indústria nacional.

*Extraído do livro A Semana, organizado por John Gledson – crônica 64 (1996, p. 263-
265).

05 de agosto de 1894

O PUNHAL DE MARTINHA

Quereis ver o que são destinos? Escutai. Ultrajada por Sexto Tarqüínio, uma
noite, Lucrécia resolve não sobreviver a desonra, mas primeiro denuncia ao marido e ao
pai a aleivosia daquele hóspede, e pede-lhes que a vinguem. Eles juram vingá-la, e
procuram tirá-la da aflição dizendo-lhe que só a alma é culpada, não o corpo, e que não
há crime onde não houve aquiescência. A honesta moça fecha os ouvidos à consolação e
ao raciocínio, e, sacando o punhal que trazia escondido, embebe-o no peito e morre.
Esse punhal podia ter ficado no peito da heroína, sem que ninguém mais soubesse dele;
mas, arrancado por Bruto, serviu de lábaro à revolução que fez baquear a realeza e
passou o governo à aristocracia romana. Tanto bastou para que Tito Lívio lhe desse um
lugar de honra na história, entre enérgicos discursos de vingança. O punhal ficou sendo
clássico. Pelo duplo caráter de arma doméstica e pública, serve tanto a exaltar a virtude
conjugal, como a dar força e luz à eloqüência política.
Bem sei que Roma não é a Cachoeira, nem as gazetas dessa cidade balaria
podem competir com historiadores de gênio. Mas é isso mesmo que deploro. Essa
parcialidade dos tempos, que só recolhem, conservam e transmitem as ações
encomendadas nos bons livros, é que me entristece, para não dizer que me indigna.
Cachoeira não é Roma, mas o punhal de Lucrécia, por mais digno que seja dos
encômios do mundo, não ocupa tanto lugar na história, que não fique um canto para o
punhal de Martinha. Entretanto, vereis que esta pobre arma vai ser consumida pela
ferrugem da obscuridade.
Martinha não é certamente Lucrécia. Parece-me até, se bem entendo uma
expressão do jornal A Ordem, que é exatamente o contrário. "Martinha (diz ele) é uma
rapariga franzina, moderna ainda, e muito conhecida nesta cidade, de onde é natural".
Se é moça, se é natural da Cachoeira, onde é muito conhecida, que quer dizer moderna?
Naturalmente quer dizer que faz parte da última leva de Citera. Esta condição, em vez
de prejudicar o paralelo dos punhais, dá-lhe maior realce, como ides ver. Por outro,
lado, convém notar que, se há contrastes das pessoas, há uma coincidência de lugar:
Martinha mora na Rua do Pagão, nome que faz lembrar a religião da esposa de
Colatino. As circunstâncias dos dous atos são diversas. Martinha não deu hospedagem a
nenhum moço de sangue régio ou de outra qualidade. Andava a passeio, à noite, um
domingo do mês passado. O Sexto Tarqüínio da localidade, cristãmente chamado João,
corri o sobrenome de Limeira, agrediu e insultou a moça, irritado naturalmente com os
seus desdéns. Martinha recolheu-se a casa. Nova agressão, à porta. Martinha, indignada,
mas ainda prudente, disse ao importuno: "Não se aproxime, que eu lhe furo". João
Limeira aproximou-se, ela deu-lhe uma punhalada, que o matou instantaneamente.
Talvez esperásseis que ela se matasse a si própria. Esperaríeis o impossível, e
mostraríeis que me não entendesses. A diferença das duas ações é justamente a que vai

122
do suicídio ao homicídio. A romana confia a vingança ao marido e ao pai. A
cachoeirense vinga-se por si própria, e, notai bem, vinga-se de uma simples intenção.
As pessoas são desiguais, mas força é dizer que a ação da primeira não é mais corajosa
que a da segunda, sendo que esta cede a tal ou qual subtileza de motivos, natural deste
século complicado.
Isto posto, em que é que o punhal de Martinha é inferior ao de Lucrécia? Nem é
inferior, mas até certo ponto é superior. Martinha não profere uma frase de Tito Lívio,
não vai a João de Barros, alcunhado o Tito Lívio português, nem ao nosso João
Francisco Lisboa, grande escritor de igual valia. Não quer sanefas literárias, não ensaia
atitudes de tragédia, não faz daqueles gestos oratórias que a história antiga põe nos seus
personagens. Não; ela diz simplesmente e incorretamente: "Não se aproxime que eu lhe
firo". A palmatória dos gramáticos pode punir essa expressão; não importa, o eu lhe
furo traz um valor natal e popular, que vale por todas as belas frases de Lucrécia. E
depois, que tocante eufemismo! Furar por matar; não sei se Martinha inventou esta
aplicação; mas, fosse ela ou outra a autora, é um achado do povo, que não manuseia
tratados de retórica, e sabe às vezes mais que os retóricos de ofício.
Com tudo isso, arrojo de ação, defesa própria, simplicidade de palavra, Martinha
não verá o seu punhal no mesmo feixe de armas que os tempos resguardam da ferrugem.
O punhal de Carlota Corday, o de Ravaillac, o de Booth, todos esses e ainda outros
farão cortejo ao punhal de Lucrécia, luzidos e prontos para a tribuna, para a dissertação,
para a palestra. O de Martinha irá rio abaixo do esquecimento, Tais são as cousas deste
mundo! Tal é a desigualdade dos destinos!
Se, ao menos, o punhal de Lucrécia tivesse existido, vá; mas tal alma, nem tal
ação, nem tal injúria, existiram jamais, é tudo uma pura lenda, que a história meteu nos
seus livros. A mentira usurpa assim a coroa da verdade, e o punhal de Martinha, que
existiu e existe, não logrará ocupar um lugarzinho ao pé do de Lucrécia, pura ficção.
Não quero mal às ficções, amo-as, acredito nelas, acho-as preferíveis às realidades; nem
por isso deixo de filosofar sobre o destino das cousas tangíveis em comparação com as
imaginárias. Grande sabedoria é inventar um pássaro sem asas, descrevê-lo, fazê-lo ver
a todos, e acabar acreditando que não há pássaros com asas... Mas não falemos mais em
Martinha.

Disponível no site
http://www.cronicas.uerj.br/home/cronicas/machado/rio_de_janeiro/ano1894/05ago189
4.html (Acessado no dia 04/02/2014)

Tristeza do Império*
Carlos Drummond de Andrade

Os conselheiros angustiados
ante o colo ebúrneo
das donzelas opulentas
que ao piano abemolavam
“bus-co a cam-pi-nase-re-na
pa-ra- li-vresus-pi-rar”,
esqueciam a guerra do Paraguai,
o enfado bolorento de São Cristóvão,
a dor cada vez mais forte dos negros

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e sorvendo mecânicos
uma pitada de rapé,
sonhavam a futura libertação dos instintos
e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus de
[Copacabana, com rádio e telefone automático
*Extraído do livro Nova reunião: 21 livros de poesia – volume 1 (2013)

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