O Consumo Cultural Das Famílias Brasileiras

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CAPÍTULO 3

O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS*

Frederico Barbosa da Silva


Herton Ellery Araújo
André Luis Souza

1 INTRODUÇÃO
Diversos argumentos têm justificado ou exigido o dimensionamento dos processos
de produção e consumo cultural. O principal deles diz respeito ao peso da produção
cultural nos processos de desenvolvimento e integração social. Por um lado, a
cultura perpassa todas as dimensões da vida em sociedade e se relaciona com a
sociabilidade e sua reprodução. Por outro, em sentido mais restrito, liga-se aos
direitos e à cidadania.
O mercado não é simples espaço de trocas de mercadorias, mas também um
lugar onde se processam interações sociais e simbólicas. Da mesma maneira, o
consumo não é um simples movimento de satisfação de necessidades básicas ou
de apropriação de bens. O consumo implica uma ordem de significados e posições
sociais. Consumir certos bens diz algo sobre quem consome, sobre sua posição
social, seu status, o lugar a que pertence ou os vínculos que é capaz de estabelecer.
É possível dizer que o consumo implica reunir pessoas e distingui-las. Por essa
razão, pode-se afirmar que o consumo cria ordem, classifica as pessoas e as associa
aos bens; enfim, o consumo ordena informações e organiza significados sobre as
estruturas sociais.
O consumo também tem relações com a cidadania, com o direito ao acesso
a certos bens e serviços. O direito à cultura implica elementos presentes em todas
as gerações de direitos – ou seja, direitos civis, políticos e sociais. Consumir, nesse
caso, significa o acesso não somente a bens como aqueles relacionados às artes, mas

* Esta pesquisa fez parte de um conjunto de análises empreendidas pela Diretoria de Estudos Sociais (Disoc), do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com a Unesco e o Ministério da Cultura (MinC). Agradecimentos especiais a Fernando Gaiger.

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também à informação presente e disseminada nas diversas mídias, nos impressos


de todos os tipos, como jornais, revistas, livros etc., e àquela que circula por mídias
eletrônicas como a televisão e o rádio, e, mais recentemente, por mídias digitais,
em microcomputadores e na internet, com suas infinitas possibilidades.
Portanto, além de o consumo possuir uma dimensão cultural geral (sentido
I), o consumo de bens culturais (sentido II) também diz algo sobre a organização
social e sobre como esta cria condições para o exercício da cidadania, a formação
da opinião e a participação nos processos políticos e sociais. O direito à cultura
implica também o desenvolvimento de capacidades que advêm dos processos de
escolarização. Ser escolarizado é um dos traços que caracterizam o consumidor
contumaz de bens culturais. O consumo amplo e disseminado desses bens é um
termômetro preciso que diz algo importante sobre o acesso à escolarização e aos
bens, serviços e habilidades oferecidos e estimulados pelas sociedades contempo-
râneas. Esse terceiro aspecto – o acesso à escolarização formal – liga a cultura no
sentido I àquela do sentido II. A política educacional liga a experiência cotidiana
com tecnologias específicas e formais, que facultam às pessoas o acesso ao
patrimônio simbólico das sociedades. Portanto, trata-se de uma política capaz de
dotar as pessoas dos recursos que permitem a apropriação sistemática e universal
dos recursos culturais.
O consumo é um conjunto de processos socioculturais nos quais as pessoas
se apropriam e usam produtos e serviços de forma a dizer algo sobre si mesmas, a
sociedade, os grupos e as localidades em que vivem. Portanto, o consumo diz
respeito à totalidade das interações sociais, desde a distinção entre grupos, até o
estado do sistema educacional e das inovações tecnológicas. Consumir é participar
dos cenários da vida social, de suas disputas e significados. A escassez de bens
impõe certa lógica: a de que alguns se apropriem dos bens e outros não, em um
processo que permite a distinção e união, o reconhecimento do valor dos bens ou
sua desvalorização, assim como daqueles que os consomem.
Ao mesmo tempo, em um registro analítico um tanto diferente, pode-se
dizer que ao se separar o mundo dos bens culturais (e estamos certamente narrando
algo sobre as práticas), dimensionando-o, afirma-se a importância desse universo
nas estratégias de produção e reprodução sociais. Também nesse caso, o consumo
é coerente com as posições e o capital social e econômico acumulado pelos indivíduos
e famílias.
O consumo cultural das famílias faz parte do Produto Interno Bruto (PIB)
junto com investimentos dos diferentes agentes econômicos – públicos e privados
– e do setor externo. Afirmar que ultrapassa 2,4% significa dizer que o PIB da

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cultura tem nesse número um piso, sendo possivelmente maior do que ele. As áreas
culturais são heterogêneas e envolvem diferentes modalidades de organização em-
presarial e tecnológica, assim como as operações de circulação também se apresentam
em formas absolutamente diferenciadas. Assim, cada área ou segmento cultural
tem diferentes inserções e graus de participação na dinâmica da produção cultural.
O exemplo do audiovisual é claro a respeito dessa complexidade. As trans-
formações pelas quais o cinema passa indicam as profundas reformulações que ele
enfrenta com as constantes mudanças tecnológicas, em razão da evolução da tele-
visão, do vídeo, dos DVDs, da disseminação das videolocadoras, e assim por diante.
A queda da freqüência às salas de cinema tem inúmeras razões adicionais que não
se limitam às transformações internas do setor; mas o que se quer ressaltar aqui
são as mudanças que a área do audiovisual teve de enfrentar nas últimas décadas,
estabelecendo relações íntimas com as diversas áreas de mídia nas suas estratégias
de revitalização. Em resumo, mudanças tecnológicas, segmentação de mercados,
preços, reorganização das cadeias de produção refletem-se nos usos, nas práticas e
nos padrões das despesas culturais.
Nesse contexto, o poder público tem se mostrado bastante despreocupado
no que se refere à ação ordenada nas cadeias de produção de bens culturais, embora
sua intervenção na forma de financiamento e fomento tenha se ampliado. Ou
seja, o dimensionamento do consumo das famílias é extremamente importante,
mas deve ser acrescido de informações para permitir ações mais pontuais ou
abrangentes na cadeia de produção do entretenimento e da cultura. Mas é rele-
vante saber que o consumo das famílias atinge a casa dos R$ 30 bilhões, enquanto
o montante de recursos aportados pelos três níveis de governo em pouco ultrapassa
os R$ 2 bilhões.
Neste texto, depois desta introdução e da próxima seção, que contém consi-
derações metodológicas gerais, são apresentados na seção 3 os montantes de gas-
tos culturais das famílias em seus diferentes componentes de consumo e descritas
algumas variáveis socioeconômicas que condicionam o consumo cultural, entre
elas, escolaridade da pessoa de referência, cor, gênero e renda da família. Depois
apresenta algumas interpretações relativas à disponibilidade de equipamentos no
domicílio, nas cidades (equipamentos públicos) e aventa a possibilidade de que a
distribuição e presença de equipamentos seja uma variável explicativa importante
para a compreensão dos padrões de consumo cultural. Também são mostradas as
desigualdades espaciais do consumo cultural. A seção 4 mostra que os bens e os
serviços culturais fazem parte da vida das famílias brasileiras e se constituem em
bens necessários ao seu padrão de reprodução.

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2 METODOLOGIA
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) faz o levantamento da composição
dos dispêndios das famílias por classe de rendimentos e segundo as principais
características demográficas e educacionais. Adicionalmente dá valiosas informações
sobre o padrão distributivo dos recebimentos, a evolução do endividamento e o
perfil de dispêndio.
O consumo faz parte de estratégias culturais. Considerá-lo como tal implica
dizer que ao selecionar bens e deles se apropriarem, as pessoas definem o que
consideram valioso socialmente, com quem desejam estabelecer trocas ou laços de
solidariedade, quem convidam à mesa e quem dela excluem.
A POF impõe uma limitação metodológica, pois os dispêndios não podem
ser considerados, pelo menos não diretamente, um indicador de preferência e das
estratégias de ordenação de significados.
Os preços e os salários, e sua variação ao longo do tempo, são fatores que
fazem com que os dispêndios das famílias não guardem relações diretas com as
unidades de produtos e serviços consumidos como bens valorizados culturalmente
e, portanto, não podem ser usados como indicadores das prioridades de consumo
nas estratégias de reprodução social das famílias. O consumo responde a um cálculo
global que envolve aspectos econômicos, mas também aspectos simbólicos e sociais.
Outro fator que impede que a estrutura de gastos das famílias se refira dire-
tamente às preferências culturais é que parte do consumo cultural não é feita no
mercado, mas implica estratégias coletivas (festas cotizadas, por exemplo) ou do
próprio poder público (shows, eventos, subsídios, serviços de bibliotecas, museus
etc.). Esses não se constituem propriamente em gastos monetários das famílias,
mas mobilizam valores e relacionam-se com práticas valorizadas.
Mesmo com esses dois elementos limitadores do escopo das análises e que
dificultam conclusões mais definitivas – até com a hipótese de forte correlação
entre gastos e preferência não descartada –, pode-se explorar uma hipótese fraca,
mas que descreva algo sobre o consumo de cultura das famílias a partir da POF.
Dessa forma, a investigação foi reduzida à observação de uma cesta de bens que
provisoriamente foram considerados como bens culturais.1
O consumo é aqui definido nos termos de Douglas e Isherwood, ou seja,
como área das relações sociais em que as transações são realizadas livremente,

1. Para considerações metodológicas complementares, consultar Reis, Silveira e Andreazzi (2002) e Silveira, Bertasso e Magalhães
(2003).

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apenas limitadas pela percepção das próprias intenções, além da lei e do comércio,
portanto, das regras culturais e da moral, que definem padrões de consumo.
Os bens culturais são aqueles que se relacionam com necessidades materiais
e culturais, úteis para proporcionar informações, entretenimento e posicionar social
e estruturalmente as pessoas umas em relação às outras.
Nesse último sentido, os bens culturais remetem a processos de integração e
exclusão social; referem-se a processos institucionais de reconhecimento e valori-
zação das possibilidades das expressões culturais diferenciais. Também se relacionam
com a cidadania ao expressarem o direito de acesso e qualificação de informações
úteis. Os itens culturais podem referir-se a:
a) leitura (livros didáticos e não-didáticos, revistas, jornais etc., ou seja, mídia
escrita);
b) fonografia (CDs, discos de vinil, aparelhos ou equipamentos);
c) espetáculo vivo e artes (circo, artes, teatro, balé, shows, música etc.);
d) audiovisual (cinema, práticas amadoras, TV a cabo, equipamentos e
conteúdos);
e) microinformática (equipamentos e internet); e
f ) outras saídas (boate, danceteria, zoológico etc.).
Esses itens também foram reagrupados em consumo no interior ou fora do
domicílio, para explorar algumas idéias sobre o tamanho e o número de vínculos
de sociabilidade que podem expressar. Embora não tenha sido possível desdobrar
interpretações nessa direção, esse foi o espírito original. As informações foram
mantidas, na expectativa de que possam ilustrar de alguma forma a importância
das práticas domiciliares no consumo cultural.

2.1 Curva de concentração


Apresentam-se curvas de concentração dos gastos em cultura e com seus principais
itens. O objetivo é melhor visualizar o quanto se encontram concentradas tais
despesas segundo os níveis de renda. Ou seja, objetiva-se avaliar, com essas repre-
sentações gráficas, como os gastos com cultura se comportam à medida que a
renda aumenta.
Foram construídos dois tipos de curvas de concentração: na primeira,
relaciona-se a proporção acumulada da população, ordenada segundo a renda
familiar mensal per capita, à proporção acumulada da renda, dos gastos em consumo

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e das despesas culturais. Na segunda, associa-se a proporção acumulada dos gastos


em cultura com as proporções acumuladas dos itens de cultura, tendo sido a po-
pulação ordenada segundo a renda familiar mensal per capita.

2.2 Classes de renda


A construção de classes econômicas (A/B, C e D/E) seguiu o Critério de Classificação
Econômica Brasil (CCEB), adotado pela Associação Brasileira de Empresas de
Pesquisa (Abep). Esse critério é uma das formas de estimar o poder de compra das
pessoas e famílias em classes econômicas. Para isso, pontua-se a existência de alguns
eletroeletrônicos e eletrodomésticos e, também, de automóvel e banheiro, além de
empregada mensalista. De acordo com essa pontuação, as classes são distribuídas
pelas cinco primeiras letras do alfabeto, sendo que as primeiras letras representam as
famílias mais abastadas e, as últimas letras, as famílias com menor poder econômico.
O nível de escolaridade da pessoa de referência também é pontuado.

3 DISPÊNDIOS CULTURAIS EM 2002


Em 2002, os dispêndios culturais atingiram R$ 31,9 bilhões, aproximadamente
3% do total de gastos das famílias e 2,4% do PIB. As despesas com bens culturais
relacionados a práticas domiciliares foram predominantes. Praticamente 82% dos
gastos com cultura se referem às práticas realizadas dentro do domicílio, ou seja,
com televisão, vídeo, música e leitura. As práticas que pressupõem saídas do
domicílio correspondem a 17,8%. As despesas culturais demandam equipamentos
e uso de bens duráveis que correspondem a 45,8% do total. A tabela 1 sintetiza
essa composição. Nas seções seguintes detalham-se essas características.

TABELA 1
Distribuição do dispêndio cultural por itens e características da prática
Itens de despesa cultural Total (R$) %

Audiovisual 13.177.006 41,2

Cinema 1.227.048 3,8

Fotografia, aparelhos óticos e audiovisuais 1.910.945 6,0

Tv a cabo 2.199.819 6,9

Tv (equipamento) 4.383.598 13,7

Vídeo (conteúdo) 2.420.504 7,6

Vídeo (equipamento) 1.035.092 3,2


(continua)

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(continuação)

Itens de despesa cultural Total (R$) %

Espetáculo ao vivo e artes 2.142.969 6,7

Artes (teatro, circo, danças, museus etc.) 1.378.458 4,3

Indústria fonográfica 4.649.771 14,6

Música (instrumentos, shows etc.) 764.511 2,4

Cd, vinil, fita etc. 1.235.588 3,9

Equipamento de som 3.414.183 10,7

Leitura 4.993.774 15,6

Didáticos 998.752 3,1

Livros 559.937 1,8

Periódicos (jornal, revista etc.) 3.435.085 10,8

Microinformática 4.670.364 14,6

Acessório de micro 164.577 0,5

Internet 776.185 2,4

Microequipamento 1.048.888 3,3

Microcomputador 2.680.714 8,4

Outras saídas (boate, danceteria, zôo etc.) 2.319.372 7,3

Consumo cultural total 31.953.255 100,0

Práticas fora de casa 5.689.389 17,8

Práticas de audiovisual (cinema, tv a cabo, vídeo) 5.847.371 18,3

Práticas (sem bens duráveis) 17.315.258 54,2


Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

3.1 Dispêndios culturais domiciliares

3.1.1 Despesas com audiovisual


As despesas com audiovisual ultrapassam aquelas relacionadas à escrita e à leitura.
As despesas anuais relacionadas ao audiovisual são de R$ 13 bilhões e atingem o
primeiro lugar entre os gastos culturais, ou 41,2%. Os dispêndios com equipamentos
correspondem a 41% dos gastos com audiovisual, sendo que 33,3% referem-se à
compra de equipamentos de televisão e perto de 8% a equipamentos de vídeo
caseiro. A compra de conteúdos de vídeo (DVDs, fitas etc.) consome R$ 2,4
bilhões (18,4%). Os dispêndios com TV a cabo são de R$ 2,1 bilhões, próximos

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a 7% do total, em contraste com o consumo de cinema, que, embora significativo


(3,8% ou R$ 1,2 bilhão), é menor do que o consumo realizado no domicílio.
O vídeo se converteu nas últimas décadas na principal forma de consumir os
produtos do setor audiovisual. Quem vai a cinemas também aluga filmes e DVDs
para vê-los no domicílio; mas entre esses que vão à locadora e levam filmes para
ver em casa, nem sempre se encontram pessoas com o hábito e o ânimo de sair
para uma sala de cinema que fica do outro lado da cidade. É muitas vezes mais
cômodo e mais barato alugar filmes, além da vantagem e da possibilidade de o
filme ser visto por um número maior de pessoas. Ir ao cinema ainda é uma opção
de entretenimento, como se vê, mas a assistência a filmes em casa, no entanto, é
uma alternativa cômoda. A televisão tradicional, a TV a cabo e o videocassete se
converteram na mais freqüente forma de ver filmes e também na mais universal.
As despesas relacionadas à leitura (livros e imprensa) representam 15,6% do
total, portanto, bem abaixo do consumo audiovisual, mas ocupa o segundo lugar
em montante e peso no consumo cultural. No grupo da leitura, os dispêndios
com periódicos (jornais, revistas etc.) representam 68,8%. Somados aos dispêndios
com leitura de livros e material didático, chegam a 88,8%, enquanto os livros
(literatura, religiosos etc.) representam 11,2%. O consumo de livros concentra-se
em boa medida nas classes de renda alta: 90% das classes A/B, 66% da C e apenas
42% das D/E têm mais de dez livros em casa. Em termos gerais, ter uma grande
quantidade de livros em casa, mesmo que não implique a existência de um grande
leitor, tem uma correlação com maior escolarização e com o fato de a pessoa se
situar nos estratos de mais alta renda (ver RIBEIRO, 2003).

3.1.2 Despesas com a fonografia


As despesas com produtos da indústria fonográfica chegam a 14,6% dos dispêndios
culturais totais. No entanto, 73,4% se referem a gastos com equipamentos e 26,6%
a gastos com o suporte dos conteúdos (CD, disco vinil, fitas etc.). As práticas
amadoras (foto e audiovisual) representam R$ 1,9 bilhão ou 6% do total. É interes-
sante notar que os maiores gastos com equipamentos estão nas classes de menor renda.
Esse fato decorre da ausência desse tipo de aparelho nos domicílios da classe D/E, ou
seja, os dispêndios aqui implicam a aquisição de equipamentos, enquanto as outras
classes já os adquiriram em outro momento do ciclo da vida econômica do domicílio.

3.1.3 Despesas com a microinformática


A microinformática é uma categoria de prática e consumo em processo de conso-
lidação, mas ainda com baixo grau de cobertura. As despesas com microinformática

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chegam a R$ 4,6 bilhões ou 14,6% do total cultural. Desses gastos o maior peso é
com equipamentos, mas é importante registrar os gastos com internet, que repre-
sentam 16,6% (R$ 776 milhões).
O acesso à internet tem sido saudado como uma nova modalidade de acesso
que, em muitos casos, simboliza a democratização da cultura, mas uma aproximação
rápida mostra que essa prática é restrita aos 2/10 de maior renda, que realizam
87% dos gastos com internet e 71% dos gastos com microinformática. Mesmo
assim, o uso dessas tecnologias tem permitido uma reestruturação global do con-
sumo, modificando-lhe o tempo e a estrutura dos serviços a que dão suporte.
As tecnologias multimídias transformaram os mercados livreiros e musicais,
criaram museus, bibliotecas e hemerotecas virtuais etc. e vieram para alterar pro-
fundamente o acesso aos bens culturais. Infindáveis discussões a respeito de direitos
de autor e da qualidade do fazer cultural desdobram-se com a configuração desses
novos paradigmas tecnológicos. Seja qual for o resultado desses debates, é necessário
reconhecer que essas tecnologias já transformaram definitivamente as formas de
acesso e as relações com a produção e o consumo de bens simbólicos.
No entanto, há que se enfatizar as desigualdades e a pouca abrangência do
acesso. Em 2002, 14% da população possuíam computador em casa e apenas
10% tinham internet, o que é revelador tanto do potencial quando das dificuldades
na ampliação da cobertura.

3.2 Dispêndios culturais fora do domicílio


As despesas fora de casa representam 17,8% e nelas predominam as atividades de
lazer relacionadas a atividades artísticas. As despesas fora de casa compreendem
tanto as práticas culturais (teatro, shows, circo, cinema, museus etc.) quanto aquelas
mais ligadas a divertimento (lazer, zôo, discoteca etc.). As primeiras representam
10,5%, e as segundas, 7,3% dos dispêndios culturais. Ambas representam R$ 5,6
bilhões, 17,8% dos dispêndios totais com cultura.
Em termos de montantes, o cinema representa 22% dos gastos com saídas,
seguindo-se a freqüência a espetáculos artísticos, com 38%. Ambas as práticas,
que podemos associar às artes tradicionais, ultrapassam os 40% destinados a outras
saídas.
Esses três itens representam 3,8% (cinema), 6,7% (espetáculos e artes) e
7,3% (outras saídas) dos dispêndios totais das famílias. Os dispêndios com teatro
representam proporção maior que a do cinema, ou seja, 4% dos dispêndios culturais
das famílias (R$ 1,2 bilhão).

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GRÁFICO 1
Montantes dos dispêndios culturais fora do domicílio
(Em R$ milhões)

2.319
2.143

1.227

Cinema Espetáculo ao vivo e artes Outras saídas


(boate, danceteria, zôo etc.)
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

3.3 Formato das famílias e gasto cultural


O formato das famílias tem um impacto importante na composição dos gastos
com cultura. As famílias com filhos acima de 18 anos gastam mais com práticas
extradomiciliares (R$ 2,5 bilhões ou 23%). As famílias que têm filhos com até 18
anos gastam mais com atividades feitas no interior da casa (aproximadamente
87%). Já nas famílias sem filhos, os gastos com práticas fora de casa representam
18%. Esse comportamento é esperado, tendo em vista as necessidades de cuidados
com as crianças dependentes e outras atividades das crianças e jovens (a exemplo
do estudo) que tomam tempo ou fazem com que o lazer doméstico seja uma
estratégia mais comum.
Em termos de consumo médio, em cada 100 domicílios, os maiores gastos
são das famílias com filhos acima de 18 anos (R$ 82), enquanto os menores são
das famílias sem filhos (R$ 56,7). As práticas fora de casa constituem-se no maior
per capita/domiciliar para as famílias com filhos acima de 18 anos (R$ 18,8),
enquanto as famílias sem filhos gastam R$ 10,3. Dessa forma, é possível dizer que
o consumo cultural é feito em boa medida por jovens, ou por famílias que têm
filhos de mais de 18 anos ainda no domicílio.
A tabela 2 ainda mostra que, enquanto os maiores gastos por domicílio são
realizados pelas famílias com filhos, os maiores dispêndios per capita (para cada
100 pessoas) são das famílias sem filhos (R$ 30). Os gastos das famílias por 100
pessoas com filhos menores são de R$ 15 e das com filhos maiores são de R$ 17,7.
Também os maiores per capita com atividades externas são das famílias sem filhos
e depois das famílias com filhos maiores de 18 anos.
Quanto à composição do consumo é interessante apontar para os itens de
consumo que se destacam: o consumo relacionado ao audiovisual é o maior em

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TABELA 2
Porcentagem do dispêndio cultural no domicílio ou fora no total por tipo de família

Itens de despesa cultural Sem filhos Com filhos Com filhos Total
até 18 anos acima de 18 anos

Práticas em casa 6.283.351 11.462.175 8.518.340 26.263.866

Montante (R$) Práticas fora de casa 1.387.867 1.763.053 2.538.469 5.689.389

Consumo cultural 7.671.216 13.225.228 11.056.809 31.353.255

Práticas em casa 82 87 77 82
Participação
Práticas fora de casa 18 13 23 18
percentual
Consumo cultural 100 100 100 100

Práticas em casa 46,5 53,3 63,1 54,1


Para cada 100
Práticas fora de casa 10,3 8,2 18,8 11,7
domicílios (R$)
Consumo cultural 56,7 61,4 82,0 65,8

Práticas em casa 24,7 13,0 13,6 14,3


Para cada 100
Práticas fora de casa 5,5 2,0 4,1 3,2
pessoas (R$)
Consumo cultural 30,2 15,0 17,7 18,2
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

todos os tipos de famílias, mas é interessante notar que é ligeiramente superior nas
famílias sem filhos. Em parte, os itens que respondem por essas diferenças são
cinema (4,6%) e TV a cabo (8,6%) (tabela 3).
Os gastos com audiovisual são menores para as famílias com filhos maiores.
Possivelmente, parte desses gastos foi realizada em outros períodos do ciclo de
vida da família, com a aquisição de equipamentos etc. Também é importante
observar que o percentual de gastos com conteúdos de audiovisual nessa categoria
de família chega a 8% dos dispêndios totais.
O dispêndio com espetáculo e artes também é ligeiramente superior nas
famílias com filhos maiores, em especial nos espetáculos vivos como teatro, dança e
visitação a museus.
A mesma categoria de famílias (com filhos maiores no domicílio) consome
em proporção ligeiramente superior CDs, discos de vinil, fitas etc., embora o
menor gasto com equipamentos faça com que os gastos com produtos da indústria
fonográfica sejam ligeiramente inferiores aos das famílias com filhos até 18 anos.

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TABELA 3
Consumo cultural por tipo de família
(Em %)

Domicílios Domicílios com Domicílios com filhos Total


Itens de despesa cultural
sem filhos filhos até 18 anos acima de 18 anos

Cinema 4,6 2,8 4,5 3,8

Fotografia, aparelhos óticos e audiovisuais 5,6 6,8 5,2 6,0

Tv a cabo 8,6 5,8 7,0 6,9

Tv (equipamento) 14,5 15,2 11,5 13,7

Vídeo (conteúdo) 7,1 8,0 7,4 7,6

Vídeo (equipamento) 3,4 3,5 2,9 3,2

Audiovisual 43,8 42,1 38,5 41,2

Circo 0,0 0,1 0,0 0,1

Artes (teatro, dança, museus etc.) 4,0 3,7 5,1 4,3

Música (intrumentos, shows etc.) 2,3 2,7 2,1 2,4

Espetáculo ao vivo e artes 6,3 6,5 7,2 6,7

Cd, vinil, fita etc. 3,7 3,7 4,2 3,9

Equipamento de som 9,8 12,3 9,4 10,7

Indústria fonográfica 13,5 15,9 13,6 14,6

Didáticos 0,8 5,2 2,2 3,1

Livro 2,2 1,7 1,5 1,8

Periódicos (jornal, revista etc.) 11,9 9,3 11,6 10,8

Leitura 15,0 16,3 15,3 15,6

Acessório de micro 0,3 0,6 0,5 0,5

Internet 2,5 2,4 2,4 2,4

Microequipamentos 2,4 3,0 4,2 3,3

Microcomputador 9,1 9,1 7,0 8,4

Microinformática 14,3 15,2 14,1 14,6

Outras saídas (boate, danceteria, zôo etc.) 7,2 4,0 11,2 7,3

Consumo cultural 100,0 100,0 100,0 100,0


Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

09_Cap03.pmd 116 1/6/2007, 16:29


O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 117

No que se refere à leitura, alguns itens se destacam: o alto consumo de livros


didáticos pelas famílias com filhos até 18 anos, o que era de se esperar; e também a
proporção do consumo das famílias sem filhos no que se refere aos livros não-
didáticos (2,2%) e periódicos (11,9%). Nesse último item, aponte-se para os gastos
das famílias com filhos maiores, que têm dispêndio de 12,8%.
O gasto com internet é similar entre os tipos de família, mas com
microcomputador é maior para as famílias com filhos até 18 anos. É provável que,
para as famílias com maior renda e com filhos, o acesso à internet seja uma das
atividades de lazer mais importantes para crianças e adolescentes.
Também são importantes para os dispêndios totais as “outras saídas”, que
representam mais de 11% dos dispêndios das famílias que têm filhos maiores e
7,2% das famílias sem filhos.

3.4 Características socioeconômicas das famílias e práticas e despesas


culturais
As características socioeconômicas das famílias condicionam as práticas e as despesas
culturais. Estas variam significativamente segundo certas características
socioeconômicas das famílias. Há certa coerência entre as características econômicas
e o comportamento de consumo, isto é, em como as famílias se alimentam, habitam,
se deslocam de um lugar a outro etc., mas também – o que nos interessa mais de
perto – como se informam, lêem, se divertem e desfrutam dos possíveis momentos
de tempo livre.
A escolaridade também determina o montante e a composição do consumo,
assim como a renda desempenha papel relevante. As características da pessoa de
referência, como etnia e gênero, completam o quadro.

3.4.1 Escolaridade e despesa cultural


A despesa cultural está intimamente relacionada com a escolarização, isto é, quanto
maior a escolarização da pessoa de referência maior o consumo cultural das famílias.
A intensidade do consumo cultural (em montantes e percentuais das despesas)
está fortemente relacionada com o nível de escolaridade. As famílias chefiadas por
pessoas com mais de 12 anos de estudo respondem por 40% dos gastos culturais
das famílias. Somadas àquelas com mais de 8 anos, representam 63% das despesas
culturais.
A tabela 4 mostra que o dispêndio cultural das famílias chefiadas por pessoas
com escolaridade superior a 12 anos corresponde a 42% daquele das que têm a

09_Cap03.pmd 117 01/06/07, 15:44


118 FREDERICO BARBOSA DA SILVA – HERTON ELLERY ARAÚJO – ANDRÉ LUIS SOUZA

TABELA 4
Dispêndios culturais das famílias por escolaridade da pessoa de referência

Itens de despesa cultural Até 11 anos de estudo (a) 12 anos ou + de estudo (b) (b)/(a)

Consumo cultural 19.527.302.503 11.282.046.695 (42)

Número de domicílios 43.169.276 4.922.342 (89)

Número de pessoas 159.250.386 13.949.200 (91)

Consumo cultural por 100 domicílios 45.234 229.201 407

Consumo cultural por 100 pessoas 12.262 80.880 560

Participação dos dispêndios culturais no


total dos gastos das famílias 2,7 3,7 36,8
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

pessoa de referência com menos de 11 anos de estudo. No entanto, o número de


domicílios com pessoa de referência com mais de 11 anos de estudo é 89% menor
e o número de pessoas nessas famílias é 91% menor que o daquelas com menos de
8 anos de estudo. O consumo médio para cada 100 domicílios é 400 vezes entre
os de maior escolaridade da pessoa de referência e o consumo per capita (cada 100
pessoas) é 560 vezes maior. A participação dos dispêndios culturais no dispêndio
total das famílias é 36,8 vezes maior para as famílias cuja pessoa de referência tem
mais de 11 anos.
A escola é um dos instrumentos de políticas culturais mais poderosos pela
sua universalidade e cobertura. Forma o gosto e faz com que as classes sociais
internalizem disposições de apreciação e uso dos bens simbólicos de forma dura-
doura e estável. Os dados, no entanto, demonstram as desigualdades no acesso e
que outras forças – em especial as do mercado de bens (e a renda daí auferida) e de
trabalho – são móveis poderosos a determinar os traços dos hábitos de consumo.
Entretanto, a cultura é um bem necessário. As famílias em geral consomem
bens culturais em montantes diferentes, mas em proporções muito semelhantes
relativamente aos seus gastos e à sua renda global. A educação explica em parte as
diferentes composições e preferências de consumo das famílias. A tabela 5 apresenta
a participação dos diversos dispêndios no total cultural no que se refere à escolari-
dade da pessoa de referência.2
Essa tabela permite uma leitura sintética dos consumos culturais: todas as
atividades que demandam um grau maior de domínio de habilidades escolares

2. As famílias com pessoa de referência mais escolarizada despendem mais do orçamento com a educação.

09_Cap03.pmd 118 01/06/07, 15:44


O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 119

TABELA 5
Porcentagem do dispêndio cultural das famílias por escolaridade da pessoa de referência
no total
Itens de despesa cultural Até 11 anos de estudo 12 anos ou + de estudo

Cinema 2,7 5,7


Fotografia, aparelhos óticos e audiovisuais 5,6 6,5
Tv a cabo 4,3 11,1
Tv (equipamento) 18,0 7,0

Vídeo (conteúdo) 6,8 8,7


Vídeo (equipamento) 3,3 3,1
Audiovisual 40,8 42,2

Circo 0,1 0,0


Artes (teatro, dança, museus etc.) 4,0 4,7
Música (instrumentos, show etc.) 2,5 2,4

Espetáculo ao vivo e artes 6,5 7,1


Cd, vinil, fita etc. 3,7 4,1
Equipamento de som 14,3 4,7

Indústria fonográfica 18,0 8,8


Didática 3,6 2,3
Livro 1,2 2,7

Periódicos (jornal, revista etc.) 8,9 13,6


Leitura 13,7 18,6
Acessório de micro 0,3 0,9

Internet 1,3 4,4


Microequipamento 3,7 2,6
Microcomputador 7,4 9,7

Microinformática 12,8 17,5


Outras saídas (boate, danceteria, zôo etc.) 8,2 5,7
Consumo cultural 100,0 100,0
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

(como a leitura) têm um consumo maior por parte dos grupos de maior escolarização.
Há uma forte correlação entre os anos de estudo e o desenvolvimento dessas habi-
lidades e elas estão presentes em grande parte das demandas por freqüência aos
cinemas e no consumo de conteúdos de TV a cabo e de vídeo caseiros. Em muitos
casos, o consumo de imagens é exigente em termos de habilidades de leitura em

09_Cap03.pmd 119 1/6/2007, 16:29


120 FREDERICO BARBOSA DA SILVA – HERTON ELLERY ARAÚJO – ANDRÉ LUIS SOUZA

sentido amplo, mas também para o acompanhamento dos diálogos escritos do


cinema e do vídeo. Nesses itens, os dispêndios das famílias são maiores quando a
pessoa de referência é também mais escolarizada.
O mesmo raciocínio vale para as atividades do espetáculo vivo, que, além
dos hábitos próprios advindos da prática, também são acompanhadas por domínio
de códigos culturais e textuais mais exigentes, advindos ou da maior freqüência
aos eventos culturais ou do treinamento escolar.
Os mais escolarizados também consomem mais conteúdos musicais, embo-
ra o consumo de produtos fonográficos – em especial os equipamentos – seja
grande entre aquelas famílias cujas pessoas de referência têm menos de oito anos
de estudo, como apontado anteriormente.

3.4.2 Renda e despesa cultural


Os efeitos da renda têm peso considerável na estrutura da despesa cultural. A
renda domiciliar exerce efeito importante no consumo. Os domicílios de renda
mais alta concentram os dispêndios em cultura, mas cada segmento cultural tem
comportamento diferenciado quanto aos dispêndios das famílias. As curvas de
concentração permitem a visualização (gráfico 2).
Primeiramente compara-se a concentração dos gastos culturais com a da
renda e das despesas de consumo, pois vale verificar o quão diferente é o perfil
distributivo do consumo cultural do da renda e das despesas de consumo. No
gráfico fica claro que o orçamento cultural é tão concentrado como a renda, sendo
ambos, por outro lado, bem mais concentrados que as despesas de consumo. Efeti-
vamente, os 40% mais pobres respondem por tão-somente 10% da renda e do

GRÁFICO 2
Curva de Lorenz da renda familiar per
per capita
capita e curvas de concentração das despesas
em consumo e dos gastos em cultura
(Participação acumulada de renda, consumo e cultura, em %)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Participação acumulada da população – ordenada pela renda domiciliar per
per capita
capita (%)

Fontes: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores. Despesas de consumo Gastos em cultura Renda

09_Cap03.pmd 120 01/06/07, 15:44


O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 121

dispêndio cultural, sendo, todavia, responsáveis por cerca de 15% das despesas de
consumo. Por outro lado, os 10% mais ricos despendem 40% dos gastos em
cultura e se apropriam de parcela semelhante da renda, ainda que, no que concerne
aos dispêndios de consumo, respondam por 30%. As despesas de consumo são
menos concentradas que a renda, dado que o orçamento das famílias pobres se
concentra quase exclusivamente nas despesas de consumo, sendo marginais os
gastos em ativos e os destinados ao pagamento de impostos. Já os gastos em con-
sumo têm um grau de concentração semelhante ao da renda.
Os dados da tabela 6, onde constam os valores do índice de Gini da renda
familiar per capita e dos coeficientes de concentração dos gastos familiares per
capita do consumo e dos gastos culturais, mostram o quadro acima descrito, com
o Gini da renda de 0,59 pouco superior ao coeficiente de concentração das despesas
em consumo (0,58) e bem superior ao das despesas de consumo (0,47). No que
diz respeito à concentração dos gastos com os agregados de bens e serviços culturais
“‘construídos’ verificam-se, grosso modo, três comportamentos. Há aqueles gastos
cuja concentração é muito semelhante aos do conjunto dos bens culturais, quais
sejam: audiovisual e outras saídas, com esse último agregado mostrando-se menos
concentrado que as despesas culturais. Os dispêndios com a indústria fonográfica
são bem menos concentrados que os gastos culturais em geral, sendo eles, inclusive,
mais bem distribuídos que os gastos de consumo em geral”. E, por fim, há os

TABELA 6
Brasil: valor mensal familiar per capita e coeficiente de concentração da renda, das
despesas em consumo e dos gastos culturais – 2002-2003
Valor mensal familiar per capita Coeficiente de Participação (%)b
Variável
(R$ de janeiro de 2003) concentraçãoa
Renda 501,48 0,593 100
Despesas de consumo 405,38 0,468 81
Gastos em cultura 15,19 0,575 4
Audiovisuais 6,26 0,573 41
Espetáculos 1,02 0,631 7
Indústria fonográfica 2,21 0,398 15
Leitura 2,37 0,627 16
Informática 2,22 0,691 15
Outras saídas 1,10 0,550 7
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.
a
São coeficientes de concentração em relação à renda, ou seja, a população está ordenada pela renda familiar mensal per capita. Assim, no
caso da renda, é o índice de Gini. Consideraram-se os rendimentos e os gastos monetários e não-monetários.
b
As participações dos gastos em cultura são relacionadas às despesas de consumo e para os itens de cultura a base são as despesas totais em
cultura.

09_Cap03.pmd 121 01/06/07, 15:44


122 FREDERICO BARBOSA DA SILVA – HERTON ELLERY ARAÚJO – ANDRÉ LUIS SOUZA

gastos mais concentrados que são em ordem crescente: os com leitura, com espe-
táculos e com microinformática.
Os gráficos 3 e 4 ilustram essa diferenciação entre os níveis de concentração,
associando, no caso, a participação acumulada com o total dos gastos culturais
com a participação acumulada dos gastos em cada um dos itens de cultura. Quanto
mais abaixo da linha de 45°, mais concentrados são os gastos frente aos gastos
culturais, ou seja, mais contribuem com a concentração das despesas de consumo. Por
outro lado, quanto mais acima da referida linha, melhor a distribuição desse gasto.
Por exemplo, o que as famílias gastam em média com informática é similar
ao que elas gastam com bens da indústria fonográfica. No entanto, o gasto com
fonografia distribui-se por um número maior de famílias, enquanto o da

GRÁFICO 3
Curvas de concentração dos gastos em leitura, espetáculos e informática
(Participação acumulada de gastos em itens de cultura, em %)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Participação acumulada de gastos em cultura (%)

Fontes: IBGE/POF de 2002-2003, microdados. Elaboração Ipea/Disoc. Leitura Espetáculos ao vivo Informática

GRÁFICO 4
Curvas de concentração dos gastos em audiovisual, indústria fonográfica e outras saídas
(Participação acumulada de gastos em itens de cultura, em %)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Participação acumulada de gastos em cultura (%)

Fontes: IBGE/POF de 2002-2003. Indústria fonográfica Saídas – danceteria... Audiovisual

09_Cap03.pmd 122 01/06/07, 15:44


O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 123

informática é mais restrito. O gráfico 3 mostra que leitura, espetáculos ao vivo e


informática são bens de consumo cultural mais concentrados. Já os bens do gráfi-
co 4 são menos concentrados (fonografia, audiovisual etc.). Ambos referem-se a
diferentes e desiguais níveis de acesso aos bens culturais. Observa-se, portanto,
que o consumo cultural é extremamente concentrado, cabendo às populações
pobres algum papel no mercado de bens e serviços fonográficos e, em menor
grau, no lazer cultural ligado a festas, danceterias e boates.
A tabela 7 confirma essa visualização e a descrição das desigualdades. As
classes A/B despendem 47% dos montantes gastos com cultura, enquanto as classes
D/E realizam 23%. No entanto, a primeira categoria representa apenas 13% dos
domicílios e 12% da população, enquanto as classes D/E representam 62% dos
domicílios e da população. O consumo médio para cada 100 domicílios do grupo
A/B é de 372% sobre a média brasileira, enquanto o da classe D/E é de 37%.
Relação similar ocorre entre o consumo por 100 pessoas. A participação dos gastos
culturais nos gastos totais das famílias é de 3,5% para as classes A/B, 3,1% para a
C e de 2,3% para as D/E. Essas medidas mostram que o comportamento do
dispêndio cultural tem um forte condicionante na renda total das famílias e certa
correlação com as desigualdades globais.
A tabela 8 apresenta o peso de cada item de consumo nos dispêndios culturais
totais.
Destaque-se que a participação dos dispêndios das classes D/E é maior em
audiovisual e nos itens que dizem respeito a equipamentos, mais do que naqueles
que envolvem conteúdos. Ou seja, o consumo cultural aqui envolve a escolha de
meios que ofertam conteúdos padronizados. São opções pelo meio e não por
alternativas de conteúdos, ou intensidade de informações. Isso possivelmente diz
algo sobre as dificuldades de acesso a produtos diferenciados e distintivos da própria
indústria cultural. Na verdade, não há muita possibilidade de escolha entre alter-
nativas de conteúdo. Os produtos da indústria cultural ainda são padronizados e
as estratégias de segmentação de conteúdos, segundo públicos diferenciados, apenas
valem para sistemas mais complexos ou para rendas mais elevadas, a exemplo da
televisão a cabo.
No que diz respeito ao consumo de equipamentos pela classe A/B, verifica-se
a importância dos gastos com microinformática. Nesse item, surgem os micro-
computadores e, com dispêndio diferencial, a internet. Nessa categoria de renda,
destacam-se os gastos proporcionais com cinema, TV a cabo, espetáculo e artes e
os gastos com leitura.

09_Cap03.pmd 123 01/06/07, 15:44


09_Cap03.pmd
TABELA 7
124
Dispêndio cultural por classe de renda

Itens de despesa cultural A/B Total = 100% C Total = 100% D/E Total = 100% Total

Consumo cultural (R$) 14.951.833.514 47 9.793.961.720 31 7.207.567.833 23 31.953.363.068

Número de domicílios 6.109.555 13 12.525.117 26 29.899.966 62 48.534.638

Número de pessoas 21.886.942 12 44.555.039 25 109.403.982 62 175.845.964

124
Consumo cultural por 100 domicílios (R$) 244.729 372 78.195 119 24.106 37 65.836

Consumo cultural por 100 pessoas (R$) 68.314 376 21.982 121 6.588 36 18.171

Participação dos dispêndios culturais das


famílias no total 3,5 115 3,1 102 2,3 77 3,0
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.
FREDERICO BARBOSA DA SILVA – HERTON ELLERY ARAÚJO – ANDRÉ LUIS SOUZA

01/06/07, 15:44
O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 125

TABELA 8
Proporção de cada bem no total dos dispêndios culturais por classe de renda
(Em %)

Itens de despesa cultural A/B C D/E Total


Cinema 5,2 3,4 1,7 3,8
Fotografia, aparelhos óticos e audiovisuais 6,1 6,1 5,5 6,0
Tv a cabo 11,4 4,3 1,0 6,9
Tv (equipamento) 7,5 13,8 26,5 13,7
Vídeo (conteúdo) 9,2 7,8 3,8 7,6
Vídeo (equipamento) 3,6 3,9 1,6 3,2
Audiovisual 43,0 39,4 40,1 41,2
Circo 0,0 0,1 0,1 0,1
Artes (teatro, dança, museus etc.) 4,5 4,1 3,9 4,3
Música (instrumentos, shows etc.) 2,8 2,2 1,8 2,4
Espetáculo ao vivo e artes 7,3 6,4 5,8 6,7
Cd, vinil, fita etc. 3,8 3,9 3,9 3,9
Equipamento de som 5,3 11,5 20,7 10,7
Indústria fonográfica 9,2 15,4 24,6 14,6
Didáticos 2,5 2,7 5,1 3,1
Livros 2,1 1,7 1,1 1,8
Periódicos (jornal, revistas etc.) 12,5 11,0 6,8 10,8
Leitura 17,1 15,4 13,0 15,6
Acessórios de micro 0,8 0,4 0,1 0,5
Internet 4,2 1,4 0,3 2,4
Microequipamento 2,8 4,3 3,0 3,3
Microcomputador 9,8 10,0 3,3 8,4
Microinformática 17,4 16,1 6,7 14,6
Outras saídas (boate, danceteria, zôo etc.) 5,9 7,3 10,0 7,3
Consumo cultural 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

O consumo de bens culturais mantém relações estreitas com as desigualdades


sociais e culturais. Não ser dotado de capital econômico implica alta probabilidade
de desapossamento do gosto e dos habitus de consumo de certos bens de cultura,
ou seja, implica uma grande possibilidade de desapossamento cultural.
O gráfico 5 demonstra-o visualmente: as classes D/E desfrutam em menor
escala dos bens e serviços de mercado. Mais interessante, no entanto, é verificar a

09_Cap03.pmd 125 1/6/2007, 16:30


126 FREDERICO BARBOSA DA SILVA – HERTON ELLERY ARAÚJO – ANDRÉ LUIS SOUZA

GRÁFICO 5
Composição do consumo cultural por estrato de renda
(Em %)

20,1

12,1

9,0
8,2 8,0

4,9 5,5
4,3 4,7 4,7
3,4 2,8 2,9
2,4 2,0 2,2 2,2
1,0 1,5 4,7 1,3
0,4

A/B C D/E
Audiovisual Leitura Espetáculo ao vivo e artes Cinema
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003.
Elaboração dos autores. Microinformática Indústria fonográfica Outras saídas (boate, danceteria, zôo etc.)

composição da cesta de bens consumidos pelos estratos de renda. Todas as classes


valorizam muito os bens audiovisuais, a televisão em particular. As classes A/B e C
consomem, em seguida, a microinformática, a leitura e os bens da indústria
fonográfica. Nesse último caso, o consumo da classe C já é tão importante quanto
o da leitura. Finalmente, as classes A/B se distinguem da C por priorizarem o
consumo de espetáculo vivo e as artes.
As classes D/E desfrutam de outro padrão de consumo. Seu segundo maior
gasto depois de audiovisual é com bens da fonografia, depois leitura, “outras saídas”,
microinformática e, finalmente, espetáculo vivo, artes e cinema. Portanto, o con-
sumo aqui é pouquíssimo direcionado aos bens das belas-artes e letras, com ligeira
exceção aos conteúdos da mídia impressa a que têm acesso.

3.5 Outros determinantes do dispêndio cultural das famílias

3.5.1 A distribuição dos equipamentos domiciliares


As estruturas do consumo cultural revelam as heterogeneidades sociais e territoriais.
O consumo se relaciona com as identidades que se constroem nas interações com
os espaços domésticos, com a ordenação dos equipamentos públicos e sua distri-
buição no espaço urbano. Essas clivagens são geradas na expansão das cidades –
em geral desordenada, em especial nos países latino-americanos – e refletem o
papel cada vez menor dos espaços de uso compartilhado. Mas essas diferenciações
sociais também se relacionam com a estrutura dos mercados de trabalho e a estru-
tura de renda em processos produtivos cada vez mais internacionalizados.

09_Cap03.pmd 126 01/06/07, 15:44


O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 127

O resultado disso tudo é o aumento das desigualdades e do isolamento das


frações das classes sociais em espaços delimitados de consumo e lazer, inacessíveis
ao contato e às interações densas. De qualquer maneira o consumo cultural no
domicílio permite amplificar esse isolamento ao evitar os riscos da insegurança,
violência, gastos adicionais de transporte, alimentação etc., advindos da necessi-
dade de atravessar a cidade para desfrutar do consumo cultural. Como já se viu,
grande parte das despesas culturais se dá com bens consumidos no interior do
domicílio. Ademais, metade da classe C, 1/10 da classe D e apenas 1% da classe E
possuem o recurso do automóvel para se deslocar pela cidade, o que significa
muito desconforto, já que terão de usar os precários transportes coletivos para
desfrute de poucas horas de entretenimento. Dessa forma, ganha espaço o consumo
cultural no domicílio. A tabela 9 permite ilustrar alguns desses elementos.
De toda sorte, as diferenças socioeconômicas representam possibilidades
desigualmente distribuídas de aquisição ou não dos bens de consumo cultural,
sejam equipamentos propriamente ou bens com conteúdos culturais. Há que se
considerar que esses equipamentos têm múltiplas funções: ter um conjunto de
som acoplado significa em geral que o domicílio terá gravador; ter um
microcomputador significa acesso a música, rádio, imagens etc. Mesmo assim, o
acesso aos equipamentos e, por derivação, aos conteúdos é desigual.

TABELA 9
Equipamentos culturais de uso doméstico por classe de renda
(Em %)

Bens duráveis A/B C D/E Total

Televisão em cores 99,6 99,0 74,0 85,5

Televisão em preto-e-branco 5,6 4,9 11,0 8,4

Conjunto de som acoplado 86,0 72,7 40,5 58,1

Gravador e toca-fitas 14,9 9,7 14,6 13,6

Rádio de mesa 29,3 20,8 13,2 18,5

Rádio portátil 33,0 21,6 14,7 20,4

Microcomputador 60,8 17,2 1,4 18,3

Videocassete 87,4 60,6 6,7 37,1

Toca-discos a laser 14,0 6,2 2,8 6,1

DVD 19,4 3,2 0,1 5,1


Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

09_Cap03.pmd 127 01/06/07, 15:44


128 FREDERICO BARBOSA DA SILVA – HERTON ELLERY ARAÚJO – ANDRÉ LUIS SOUZA

Dos domicílios brasileiros 85,5% têm televisão em cores; mas nas classes de
renda mais altas (A/B) essa presença é de 99,6%, enquanto nas classes D/E é de
74%. Surpreende saber que a televisão em preto-e-branco ainda está em 8,4% dos
domicílios e em 11% dos domicílios da classe D/E. Os artefatos de recepção de
som, de informações, mas sobretudo de música, também estão presentes de forma
significativa nos domicílios (conjunto de som, 58,1%; gravador e toca-fitas, 13,6%;
rádio de mesa e portátil, 18,5% e 20,4%, respectivamente), sendo que nos domi-
cílios de menor renda esses equipamentos são mais raros.3
As diferenças são maiores para o microcomputador (presente em apenas
18,3% dos domicílios, em 60,8% dos mais ricos e em apenas 1,4% nas classes D/
E); o videocassete, que está em 37% dos domicílios – em 87,4% dos mais ricos e
apenas em 6,7% dos mais pobres; e, mais interessante, os toca-discos a laser e
DVDs, que se encontram em apenas 6,1% e 5,1% dos domicílios e estão em
pouquíssimos domicílios D/E. Assim, a distribuição desses três bens que, se
universalizada – imagina-se – tornaria o acesso a conteúdos audiovisuais mais
equânime, é um indicador de uma brutal desigualdade no acesso a informações e
às tecnologias contemporâneas de circulação de mensagens e imagens.
As cifras mostram a grande universalidade da televisão como forma de acesso
a informações e fonte de entretenimento. Os meios de comunicação fechados são
pouco acessíveis, o que é ressaltado pelo baixíssimo acesso a internet, TV a cabo e
microcomputador no Brasil. Os consumidores de música distribuem-se entre os
que a acessam pelo rádio, os pouquíssimos possuidores de equipamentos domici-
liares que permitem escolher as músicas preferidas, e aqueles que o fazem na
“telinha”.
De qualquer maneira, essas informações, junto com referências sobre práticas
e usos do tempo livre, revelam a configuração contemporânea dos hábitos culturais
e mostram a importância da televisão na crônica dos costumes e dos gostos cole-
tivos (ver RIBEIRO, 2003). O rádio teve grande papel na configuração dos modos
de falar, no consumo, nas informações, na formação de imagens, e até nos modos
de vestir. Assim, deu contribuição relevante do ponto de vista político e à união de
ouvintes de regiões culturais diferentes. A televisão por seu turno deve ter hoje um
papel inigualável na produção e reprodução do imaginário, dado que grande parte
dos conteúdos audiovisuais passa em algum momento por ela.
Por outro lado, os sistemas restritos de informação (internet e
microinformática) remodelam estilos de consumo e não se limitam aos impactos
3. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2002, 88% da população possuía, em 2002, rádio nos
domicílios.

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O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 129

que realizam na órbita do trabalho. Essas tecnologias reformulam as práticas coti-


dianas e têm um raio de alcance maior do que aquele que atinge o usuário direto.
Na verdade, esses sistemas, mesmo que ainda tenham usos limitados às classes de
maior poder aquisitivo, reinformam hábitos, práticas e procedimentos variados de
consumo. Basta dizer que essas tecnologias afetam a logística e o tempo do consumo
(tornando-o mais ágil na maior parte dos casos) permitindo uma reestruturação
global das práticas e não apenas dos grupos que o acessam diretamente.

3.5.2 Oferta institucional


O consumo cultural resulta da oferta institucional, organizada e acessível. O território
urbano das regiões metropolitanas (RMs) se alastrou rápida e desorganizadamente,
de forma a limitar as possibilidades de expansão dos equipamentos culturais de
uso coletivo ou público. No entanto, os equipamentos privados avançaram em
ritmos mais rápidos. Paradoxalmente, os equipamentos privados repercutem no
consumo feito no espaço doméstico, pois oferecem bens que ali são consumidos,
tais como fitas de vídeo, DVDs, CDs etc.
Como se depreende da tabela 10, as videolocadoras, lojas de discos e livrarias
estão em 95%, 74,6% e 65,8% dos municípios das RMs, respectivamente. Cinco
RMs têm municípios sem locadoras. Muitos são os municípios de RMs que não

TABELA 10
Equipamentos culturais presentes nos municípios de região metropolitana
(Em %)

Região Número de Vídeo- Loja de Livraria Teatro Museus Internet Cinema


metropolitana municípios locadora disco

Belém 5 100,0 40,0 60,0 20,0 20,0 20,0 20,0


Belo Horizonte 15 100,0 86,7 80,0 60,0 40,0 66,7 40,0
São Paulo 39 100,0 87,2 71,8 66,7 38,5 66,7 30,8

Curitiba 26 92,3 57,7 50,0 30,8 30,8 30,8 3,8


Fortaleza 13 92,3 69,2 46,2 38,5 30,8 15,4 7,7
Goiânia 20 90,0 35,0 35,0 15,0 20,0 20,0 15,0
Porto Alegre 31 100,0 90,3 83,9 48,4 58,1 64,5 29,0
Recife 14 100,0 92,9 85,7 42,9 35,7 35,7 35,7
Rio de Janeiro 17 94,1 76,5 58,8 58,8 29,4 41,2 52,9
Salvador 13 84,6 76,9 76,9 53,8 15,4 15,4 15,4
Brasil metropolitano 193 95,9 74,6 65,8 46,6 35,2 44,0 25,4
Fonte: IBGE (2002).

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130 FREDERICO BARBOSA DA SILVA – HERTON ELLERY ARAÚJO – ANDRÉ LUIS SOUZA

têm lojas de discos e livrarias. Portanto, pode-se ver que a distribuição de equipa-
mentos entre municípios é bastante desigual. O mesmo acontece com a distribuição
dos equipamentos dentro dos municípios, como o demonstram muitos estudos.
Isso explica, em parte, o diferencial de acesso a bens culturais entre classes sociais.
Entre os equipamentos culturais tradicionais, a distribuição é mais desigual.
Os teatros estão presentes em maior quantidade nos municípios das RMs de São
Paulo (66,7% dos municípios metropolitanos), Belo Horizonte (60%) e Rio de
Janeiro (58,8%). Os museus estão muito mais presentes nos municípios da região
de Porto Alegre (58,1%). Os cinemas têm presença pequena nos municípios me-
tropolitanos (25% deles têm cinema).
Embora seja pequeno o universo de pessoas com acesso – 44% dos municípios
metropolitanos e perto de 10% da população tinham acesso doméstico à internet
em 2002 –, algumas regiões já têm cobertura maior. As regiões de Belo Horizonte,
São Paulo e Porto Alegre têm um número maior de municípios com esse serviço.
De fato, a região Sudeste tem a maior cobertura de população com internet no
domicílio, aproximadamente 14% ou 10 milhões de pessoas (Pnad de 2002).
Como se vê (tabela 10), nas regiões de maior densidade populacional, maior
presença de serviços urbanos e maior renda, é grande a heterogeneidade de situações,
em especial no que se refere à cobertura e à presença de equipamentos culturais.
Mesmo assim, aí são maiores as possibilidades de acesso a bens culturais. Para
reverter essa situação é indispensável que o poder público, em seus diversos níveis
de ação, assuma a responsabilidade na provisão de acesso a esses diversos bens de
forma a distribuir e a ampliar o número de equipamentos e facilitar o acesso a
toda a população.
A presença de equipamentos nos municípios aumentou entre 1999 e 2001.
Disso se depreende o dinamismo do setor audiovisual, do comércio musical e de
livros, e os avanços da internet que, menores em termos de cobertura, ainda assim
apresentam grande potencial de expansão. A tabela 11 apresenta os dispêndios de
alguns bens culturais selecionados e consumidos nas RMs.
Os dispêndios com cinema concentram-se no Brasil metropolitano (65%
dos dispêndios são aí realizados). Para espetáculos e artes, os gastos são de 52,7%
do total, vídeo, 44,5%, e CDs e outros suportes de música, 55,4%. Portanto os
mercados culturais estão em grande parte concentrados nessas regiões, devido às
condições demográficas, de renda e de mercado de trabalho, mas também à pre-
sença de equipamentos.

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O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 131

TABELA 11
Dispêndios culturais selecionados realizados nas regiões metropolitanas e no Brasil
Cinema % Espetáculo % Livro % CD, vinil, % TV a cabo %
RM/Brasil ao vivo e fita etc.
artes

Belém 7.859 0,6 12.840 0,6 5.711 1,0 14.486 1,2 8.673 0,4

Fortaleza 19.255 1,6 18.271 0,9 18.580 3,3 34.373 2,8 39.561 1,8

Recife 30.335 2,5 32.843 1,5 8.823 1,6 42.627 3,4 14.668 0,7

Salvador 38.509 3,1 51.413 2,4 10.969 2,0 67.882 5,5 71.836 3,3

Belo Horizonte 45.170 3,7 102.275 4,8 18.474 3,3 68.579 5,6 117.811 5,4

Rio de Janeiro 203.427 16,6 253.631 11,8 55.966 10,0 108.241 8,8 472.849 21,5

São Paulo 325.695 26,5 496.590 23,2 124.026 22,1 242.848 19,7 463.336 21,1

Curitiba 36.440 3,0 66.390 3,1 14.897 2,7 28.156 2,3 58.394 2,7

Porto Alegre 50.915 4,1 69.477 3,2 17.082 3,1 53.469 4,3 82.308 3,7

Goiânia 22.910 1,9 10.353 0,5 5.157 0,9 7.074 0,6 10.025 0,5

Brasília 16.843 1,4 15.614 0,7 6.916 1,2 16.322 1,3 15.448 0,7

Brasil metropolitano 797.358 65,0 1.129.697 52,7 286.600 51,2 684.056 55,4 1.354.909 61,6

Brasil total 1.227.048 100,0 2.143.077 100,0 559.937 100,0 1.235.588 100,0 2.199.819 100,0
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

Há também diferenças internas às regiões: São Paulo e Rio representam mais


de 40% do mercado (gastos das famílias) de cinema, mas apenas em torno de
30% do mercado de espetáculos e artes, e dos dispêndios com livros não-didáticos.
Pouco mais de 20% dos dispêndios familiares com conteúdos de vídeo estão aí
concentrados, o mesmo valendo para conteúdos da indústria musical.
Assim, o consumo cultural não é intenso nem igualmente distribuído entre
classes sociais, e também é concentrado para alguns bens, mas dinâmico em pra-
ticamente todas as regiões. Importa dizer – embora pesquisas adicionais devam
confirmá-lo – que a produção de conteúdos da indústria fonográfica e audiovisual
tem certa disseminação no espaço territorial e isso se relaciona com o padrão de
consumo doméstico, o preço dos produtos, a disseminação de equipamentos de
distribuição e o nível de escolaridade exigido para o consumo desses produtos.
Outro ponto a se enfatizar é que o universo dos municípios das RMs representa
menos de 10% dos municípios brasileiros e que, para alguns bens, representa mais
de 2/3 dos dispêndios das famílias. Essa situação demanda políticas de formação

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132 FREDERICO BARBOSA DA SILVA – HERTON ELLERY ARAÚJO – ANDRÉ LUIS SOUZA

de público, mas também de incentivo à disseminação de equipamentos e outras


formas de acesso aos produtos culturais nas demais regiões. Não se quer dizer que
as RMs chegaram a um ponto ótimo, ao contrário. Essas regiões têm problemas e
desigualdades imensas. Mas é possível o estabelecimento de políticas globais de
socialização, estímulo a práticas, organização de espaços públicos de lazer e pro-
dução cultural.
Mesmo nessa situação é preciso considerar que embora museus, cinemas,
livrarias e teatros concentrem-se em geral nas capitais ou próximos delas, a disse-
minação de canais de televisão e videolocadoras pelo país, e com grade de conteúdos
padronizada, muda radicalmente as possibilidades de consumo cultural. Essa “de-
mocratização” permite a todos os receptores dos 5.560.400 municípios brasileiros,
grandes ou pequenos, acessar repertórios homogêneos de informações e imagens.
Dessa forma há que se reconhecer a universalização do consumo da mídia eletrônica.
Mais interessante é que essa universalização se dá, ironicamente, em relação
a conteúdos de gosto e informação em geral duvidosos, e a narrativas limitadas e
sem profundidade analítica. A mídia mais “democrática” apresenta então a menor
diversificação de estilos e conteúdos e essas são acessíveis àqueles de menor renda,
enquanto as classes A/B e parte da C podem diversificar suas fontes de informações.

3.5.3 Consumo cultural e concentração espacial


A cultura e o mercado de bens culturais se desenvolvem em relação com os terri-
tórios e com a expansão das cidades. Esses espaços múltiplos e fragmentados con-
formam as ofertas de bens através de inúmeros equipamentos de comercialização
e distribuição. Nesses espaços formam-se e distribuem-se objetos, significados e
desenrolam-se rituais de sociabilidade. Basta um passeio pelas extensas RMs bra-
sileiras para constatar diferenças ou traços que as aproximam. Em geral imagina-se
que nesses espaços estão contidos os maiores contingentes de consumidores de
bens culturais. Também se imagina que as heterogeneidades aparentes podem ser
reduzidas a denominadores comuns. Esses fatos são relativos.
Em realidade, o Brasil metropolitano é responsável por fatia considerável do
consumo cultural das famílias (41,2%), mas a contribuição de cada uma das RMs
é diversa em cada grande região. O consumo cultural em outras regiões também é
importante.
O Sudeste como grande região é responsável por 58,9% do consumo cultural
das famílias, vindo em seguida o Sul (16,2%) e o Nordeste (14,6%). No entanto,
o sudeste metropolitano é responsável por 71% dos gastos culturais das famílias
metropolitanas.

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O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 133

O sudeste metropolitano representa quase a metade do consumo cultural


(49,6%) da mesma região, enquanto essa participação é de 31,4% no sul, 33,7%
no nordeste e assim por diante. Da mesma forma, o sudeste metropolitano repre-
senta 29,2% do gasto cultural das famílias brasileiras. Essas informações estão
sintetizadas na tabela 12.
Essas diferenças apresentam, de forma indireta, as heterogeneidades do consu-
mo e dos padrões de organização sociocultural entre as regiões. Isso decorre do fato de
o consumo vir acompanhado de institucionalidades específicas no que se refere à dis-
ponibilidade de equipamentos e formas de uso do espaço urbano e do tempo de lazer.
A tabela 13 apresenta a grande concentração dos montantes do consumo
cultural das famílias metropolitanas no Rio de Janeiro (24,7%) e em São Paulo
(38,1%). Juntas, essas regiões representam mais de 50% do consumo.
No entanto, se se observa a participação da cultura nos dispêndios gerais das
famílias, nota-se uma variação muito pequena entre as RMs: a menor é Goiânia –
2,3% dos gastos culturais em relação ao total geral –, e as maiores, com 3,2%, são
Rio de Janeiro e Brasília.
Já os gastos por domicílio e per capita apresentam informações interessantes:
os gastos por domicílio são maiores do que a média-Brasil no Rio de Janeiro, em
São Paulo e em Florianópolis, mas em Brasília são três vezes o gasto cultural do
domicílio (GCD) do Brasil metropolitano. O gasto cultural por pessoa (GCPP),
por sua vez, acrescenta Porto Alegre à lista de maiores consumidores de bens culturais,
mas revela Brasília com quatro vezes o gasto per capita do Brasil metropolitano. É
uma situação de muita desigualdade.
TABELA 12
Grande região e região metropolitana: dispêndios culturais
(Em %)

Consumo Região metropolitana Consumo Participação Participação


Grande região cultural cultural metropolitana na metropolitana no Brasil
região

Norte 4,1 Norte metropolitano 1,8 18,3 0,8


Nordeste 14,6 Nordeste metropolitano 12,0 33,7 4,9

Sudeste 58,9 Sudeste metropolitano 71,0 49,6 29,2


Sul 16,2 Sul metropolitano 12,3 31,4 5,1
Centro-Oeste 6,2 Centro-Oeste metropolitano 2,8 18,8 1,2

Brasil 100,0 Brasil metropolitano 100,0 41,2 41,2


Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

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134 FREDERICO BARBOSA DA SILVA – HERTON ELLERY ARAÚJO – ANDRÉ LUIS SOUZA

TABELA 13
Regiões metropolitanas: dispêndio cultural, participação por domicílio, por pessoas e na
renda
(Em %)

GCRM % do total GC % GCPP % GCR %


RM
(%) domiciliar

Belém 1,8 2,7 544,8 62,7 130,0 51,6 2,8 97,6

Fortaleza 3,3 2,5 564,9 65,0 142,2 56,5 2,7 94,0

Recife 3,8 2,6 536,2 61,7 149,4 59,4 2,9 99,9

Salvador 4,9 3,0 773,6 89,0 207,0 82,3 3,1 108,6

Belo Horizonte 8,2 3,0 854,3 98,3 241,4 95,9 2,8 96,3

Rio de Janeiro 24,7 3,2 943,4 108,5 293,4 116,6 3,1 107,3

São Paulo 38,1 2,9 978,5 112,5 282,6 112,3 2,9 100,1

Curitiba 5,1 2,6 877,0 100,9 253,7 100,8 2,7 92,1

Porto Alegre 7,2 2,7 822,8 94,6 257,9 102,5 2,7 92,7

Goiânia 1,5 2,3 574,5 66,1 173,1 68,8 2,2 77,2

Brasília 1,4 3,2 2.646,3 304,4 994,6 395,2 2,7 94,9

Brasil metropolitano 100,0 2,9 869,4 100,0 251,7 100,0 2,9 100,0
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

4 IMPORTÂNCIA DA CULTURA NOS DISPÊNDIOS FAMILIARES


É comum na tradição das análises econômicas a divisão dos bens em uma hierarquia
de necessidades. Em geral, essa classificação obedece a alguma teoria sobre a
imprescindibilidade de certos bens para a manutenção da vida humana. Dessa
forma, alimentos e vestuários estão colocados no alto da hierarquia, independen-
temente do que signifiquem socialmente e nos complicados rituais de consumo.
Obviamente uma contra-argumentação a isso pode ser acusada de relativismo e
pouca praticidade. Aceitam-se neste trabalho essas críticas com a maior naturali-
dade. O item que segue apenas acentuará algo que já foi observado em diversas
sociedades: o consumo está imerso em dimensões sociais e simbólicas.
Informar-se e aos outros é condição central na vida das sociedades. Usar
produtos para estabelecer vínculos é outra necessidade de importância tão central
como o alimento e o abrigo do corpo. Dessa forma os dispêndios culturais podem
ser entendidos no quadro das configurações sociais específicas: extrema desigual-
dade de renda, desigualdades de escolarização e de acesso a equipamentos públicos

09_Cap03.pmd 134 1/6/2007, 16:46


O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 135

que ofertem bens culturais. Também se convive com uma produção simbólica
que circula em aura de raridade, não pela sua raridade e genialidade intrínseca,
mas em razão da falta de apoios institucionais consistentes. Nesse cenário, o bem
cultural distante e produzido por especialista ganha um encanto que permite tanto
sua sacralização quanto seu desprezo, dada a dificuldade para entendê-lo.
No entanto, é interessante notar a expressão da participação dos dispêndios
culturais no orçamento das famílias. Nas grandes regiões divididas por décimos
de renda, a proporção é de 3,0% para o Brasil (tabelas 14 e 15). A maior proporção
está no nono décimo, com 3,4%, e a menor, 2,2%, no terceiro decil. Entre os
decis das grandes regiões, a proporção apenas é menor no primeiro decil da região
Nordeste com 2%. Nas regiões, a menor proporção dos dispêndios culturais é a
do Centro-Oeste, com 2,6%.
Se se tomam as RMs, a proporção é um pouco maior. Para o Brasil metro-
politano, a proporção da cultura nos gastos das famílias é de 3,4%. A menor propor-
ção está no segundo decil, 2,2%. A menor proporção está na RM de Belém, no quinto
decil, com 1,3%. No total das RMs, a menor participação é de Goiânia, com 2,7%.
Portanto, a participação de cada decil no consumo cultural total não varia
muito, o que indica que todas as famílias consomem cultura e dispensam recursos

TABELA 14
Proporção dos dispêndios culturais no total das grandes regiões e no Brasil
(Em %)

Decis de renda Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Brasil

1 2,5 2,0 2,7 2,6 2,1 2,5

2 2,1 2,1 2,5 2,2 2,6 2,4

3 2,3 2,2 2,2 2,3 2,6 2,2

4 2,4 2,4 2,3 2,6 2,5 2,4

5 2,4 2,3 2,7 2,1 2,7 2,5

6 2,7 2,4 3,1 2,5 2,4 2,8

7 2,9 2,5 2,9 2,8 2,6 2,8

8 2,7 2,5 3,7 2,9 2,7 3,3

9 2,5 2,9 3,8 3,0 2,8 3,4

10 2,9 3,1 3,3 3,0 2,5 3,1

Brasil 2,7 2,8 3,2 2,8 2,6 3,0


Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

09_Cap03.pmd 135 1/6/2007, 16:46


09_Cap03.pmd
TABELA 15
136
Proporção dos dispêndios culturais no total das regiões metropolitanas
(Em %)

Decis de renda Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba Porto Alegre Goiânia Brasília Brasil metropolitano

1 1,9 3,1 1,9 3,4 1,9 1,6 3,2 3,2 3,6 2,5 6,2 2,7

2 3,4 2,4 2,4 2,5 2,5 2,1 1,8 3,4 2,0 2,6 2,3 2,2

136
3 2,9 2,1 2,4 2,8 2,5 2,5 3,0 3,5 3,7 2,4 6,3 2,9

4 1,9 2,6 3,5 2,7 3,5 2,7 3,1 2,5 2,0 2,5 3,3 2,9

5 1,3 2,7 3,1 2,8 2,9 2,2 3,2 3,5 2,9 3,3 3,3 2,9

6 3,0 2,9 2,6 2,9 3,0 3,6 2,2 2,6 3,5 2,0 4,6 2,8

7 2,4 3,0 3,2 2,8 4,4 3,1 4,1 2,8 3,8 2,5 5,5 3,6

8 2,7 2,7 3,1 3,1 3,4 4,7 4,1 2,8 3,5 2,5 2,9 3,8

9 3,3 3,1 3,4 4,1 4,0 4,2 3,7 3,7 3,7 3,0 4,0 3,8

10 3,6 3,1 2,8 3,8 3,5 3,7 3,7 2,7 3,0 2,9 2,6 3,5
FREDERICO BARBOSA DA SILVA – HERTON ELLERY ARAÚJO – ANDRÉ LUIS SOUZA

Brasil metropolitano 3,0 3,0 2,9 3,4 3,5 3,6 3,5 3,0 3,2 2,7 3,6 3,4
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

01/06/07, 15:44
O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 137

significativos do seu orçamento doméstico para tal. A idéia de que a cultura é


supérflua não é real diante das prioridades e da alocação efetiva de recursos das
famílias. Ao contrário, esse consumo é valorizado por todas as faixas de renda em
todas as regiões. Fatores externos – como renda, acessibilidade, escolaridade etc. –
compõem e limitam o exercício das preferências alocativas, mas nada dizem sobre
o uso do tempo livre, a imprescindibilidade das informações e a necessidade de
organizá-las também na ordem dos consumos culturais e das interações sociais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho demonstrou a grande heterogeneidade do comportamento de con-
sumo cultural no Brasil. Essa heterogeneidade deve ser considerada na elaboração
das políticas culturais. Os consumidores valorizam a cultura como peça de meca-
nismos que organizam informações e interações sociais. A POF mostra padrões de
acesso à leitura e às artes tradicionais, de uso do tempo livre e de estratégias de
lazer. Também mostra que a televisão é a rainha dos consumos de lazer, com pre-
sença quase universal na casa. O consumo de jornal e periódicos também é grande,
mas está longe de ser universal. Os dispêndios das famílias com cinema, teatro ou
espetáculos são infinitamente maiores do que o fomento público a essas atividades.
No entanto, as formas de organização dos espaços de consumo acentuam as
distâncias sociais e o isolamento das famílias no domicílio. Os espaços públicos
são escassos e pouco acessíveis. Ademais a dinâmica da vida urbana, com espaços
e deslocamentos confusos, desorganizados e caros impedem ou não incentivam o
uso intensivo dos espaços urbanos para o entretenimento, lazer e práticas culturais.
Nesse sentido, as políticas culturais implicam ações organizadas no espaço urbano,
portanto, exigem ações intersetoriais.
Também fica claro que a renda afeta o consumo e o acesso a bens culturais.
Nas grandes regiões e RMs, quase 50% do montante dos gastos culturais é feito
pelos dois decis mais ricos em termos de renda. No entanto, a proporção dos
gastos das famílias gira em torno de 3%, com ligeiras oscilações para mais ou para
menos. É um lugar comum – que não custa entoar como mantra: é importante
aos formuladores culturais a defesa de políticas de inclusão e aumento de renda.
As formas em que estão organizados os cotidianos das cidades e a estrutura do tempo
disponível para o lazer tornam imprescindível que se faça o fomento à produção
artística, mas parece necessário que essas ações sejam acompanhadas de intervenções
sistemáticas nas condições do consumo (transporte, logística para consumos asso-
ciados ao lazer e à cultura, segurança, localização de equipamentos etc.) e nas
condições dos públicos (educação, renda, acesso a outros serviços públicos etc.).

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Em uma caracterização socioeconômica, vimos que as famílias cuja pessoa


de referência é negra ou mulher consomem muito menos bens culturais, num
claro reflexo das interações e desigualdades fundadas no gênero e na etnia (cor/
raça). Nesse campo, estudos qualitativos deveriam aprofundar os padrões de
interação e de comportamento social desse tipo de família, impedidas de usufruir
de um direito contemporaneamente essencial: o direito à cultura e ao pleno de-
senvolvimento de capacidades e expressões que ele faculta aos diferentes grupos.
Mais duas tabelas (16 e 17) merecem dois ou três dedos de prosa para fina-
lizar essas observações.
TABELA 16
Freqüência de práticas culturais
(Em %)

Práticas culturais
Freqüência
Classe A/B Classe C Classe D/E

Sempre assiste à tv 85 88 75
Sempre ouve rádio 81 83 74
Sempre vai a shows 14 14 8
Sempre aluga filmes 36 27 5
Nunca vai ao cinema 31 61 83
Nunca vai ao teatro 56 81 92
Nunca lê ou consulta livros 41 60 73
Nunca lê ou consulta revistas e jornais 49 62 75
Fonte: Ribeiro (2003). Elaboração dos autores.

TABELA 17
Dispêndios culturais por domicílio: itens selecionados
(Em %)

A/B C D/E Total

TV a cabo 279 34 2 45
Shows 5 2 1 2
Música 94 31 9 25
Aluguel de filmes 226 61 9 50
Cinema 127 26 4 25
Teatro 99 31 9 26
Livro 51 14 3 12
Leitura de jornais e revistas 307 86 16 71
Internet 102 11 1 16
Fonte: IBGE/POF de 2002-2003. Elaboração dos autores.

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O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 139

Da tabela 16 se depreende que as práticas domiciliares estão entre aquelas de


maior freqüência. Também aqui a intensidade de prática relaciona-se com a classe
de renda. As classes A/B têm uma altíssima freqüência de consumo de TV e rádio
(85% e 81% sempre assistem à TV ou ouvem rádio). Um percentual menor de
freqüência é encontrado nas classes D/E, mas ainda assim é uma prática de alta
freqüência. Já alugar filmes em locadoras é algo raro para as classes D/E e apenas
36% das classes A/B o fazem. As práticas fora do domicílio são raras nas classes D/E
(83% nunca vão ao cinema, 92% nunca vão ao teatro e apenas 8% sempre vão a
shows). Os percentuais nas classes A/B e C dos que nunca vão ao cinema, teatro ou
shows são significativos. O percentual dos que nunca lêem livros, jornais ou revistas
também é significativo, mas um pouco maior nas classes D/E.
Os dispêndios culturais estão relacionados com a freqüência do consumo e,
com exceção de produtos “piratas”, as variações de preços ou serviços são mínimas
(tabela 17). Os gastos com aluguel de filmes seguem a freqüência de idas à locadora,
o mesmo valendo para os demais bens, ida a shows, cinema, teatro e compra de
livros. Como se vê, em uma economia onde a cultura é constituída basicamente
segundo a lógica dos mercados, os dispêndios culturais se constituem em uma
aproximação razoável da freqüência das práticas. Nesse caso, seria importante des-
cobrir se a oferta de recursos de fomento do setor público ao desenvolvimento das
artes tem algum impacto nas preferências de consumo das classes D/E ou se cons-
titui uma espécie de subsídio ao consumo das camadas altas e médias de renda.
O desenvolvimento cultural tem seguido a direção da crescente privatização
dos espaços de produção, fruição e consumo, da ampliação dos espaços de mercado
e da relevância crescente da cultura transmitida por meios eletrônicos. É impor-
tante assinalar a participação dos equipamentos domésticos como televisão, rádio,
vídeos etc., na cesta de consumo e nas práticas culturais e de lazer das famílias, e a
ausência de políticas públicas direcionadas à melhoria da qualidade e à democra-
tização dos meios de comunicação.
Outro ponto que se pode assinalar são as distâncias sociais que os consumos
culturais expressam, sobretudo quando vistos pelos estratos de renda. Essas dis-
tâncias marcam forte fragmentação, com pouca interação entre os indivíduos das
diversas classes sociais. Essa fragmentação também é indiciada pelos consumos
cada vez mais privados, realizados em pequenos grupos ou domicílios de famílias
pequenas, e é agravada pelos desenvolvimentos urbanos. Sem expansão planejada
dos serviços e equipamentos – em geral mal distribuídos geograficamente –, dis-
tâncias sociais, econômicas e educacionais são agravadas. Soma-se a essas causas a
exclusão pelas distâncias inerentes à organização do espaço e dos transportes, e

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também pela insegurança da vida urbana. Outro elemento a transformar padrões


de relacionamento e isolamento (nesse caso, relativo) é a atração dos meios de
comunicação que chegam ao domicílio e que passam a ocupar boa parte do tempo
livre, transformando hábitos e sociabilidades.
Esse conjunto de elementos contribui para agravar desigualdades e acentuar
distâncias, em especial entre aqueles que se valem da oferta tecnológica gratuita
(rádio e canais abertos) e os outros, que se utilizam das TVs a cabo, antenas para-
bólicas e outros sistemas seletivos de informação (computador, internet e correio
eletrônico). É muito clara a diferença do nível e qualidade da informação desfru-
tada pelas classes sociais.
A dinâmica cultural exacerba desigualdades e distâncias sociais. É evidente a
necessidade de políticas culturais que distribuam bens e contribuam com a dimi-
nuição de distâncias e desigualdades nos mapas sociais de reconhecimento mútuo
entre segmentos, grupos e classes. Em razão da inefetividade diante de problema
de tamanha dimensão – a carência de equipamentos é sempre maior quando eles
dizem respeito à atuação pública –, é indispensável repensar a cultura e o consumo
cultural à luz da noção de cidadania, cristalizando uma agenda que faça da inter-
venção cultural pública fator decisivo da reconstrução de espaços de fruição e
produção acessíveis de forma universal.

REFERÊNCIAS
BOTELHO, I. Os equipamentos culturais na cidade de São Paulo: um desafio para a gestão
pública. Espaço e Debates – Revista de estudos regionais e urbanos, v. 23, n. 43-44, jan./dez. 2003.
CANCLINI, N. México: a globalização cultural numa cidade que se desintegra. Consumidores e
cidadãos – conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995.
CASTRO, P. F.; MAGALHÃES, L. C. G. de. Recebimento e dispêndio das famílias brasileiras:
evidências recentes da pesquisa de orçamentos familiares (POF) – 1995/1996. Brasília: Ipea, dez.
1998 (Texto para discussão, n. 614, reproduzido no volume 1 deste livro).
DOUGLAS. M.; ISHERWOOD, B. O mundo dos bens – para uma antropologia do consumo. Rio
de Janeiro: Ed. UFRJ, 2004.
IBGE. Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
________. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003 – primeiros resultados. 2a ed. Rio de
Janeiro: IBGE, 2004.
REIS, C. O. O.; SILVEIRA, F. G.; ANDREAZZI, M. F. S. Avaliação dos gastos das famílias com
assistência médica no Brasil: o caso dos planos de saúde. Brasília: Ipea, dez. 2002 (Texto para
discussão, n. 921, reproduzido no volume 1 deste livro).
RIBEIRO, V. M. (Org.). Letramento no Brasil. São Paulo: Ação Educativa; Global; Instituto Paulo
Montenegro, 2003.

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O CONSUMO CULTURAL DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS 141

ROCHE, D. História das coisas banais – nascimento do consumo séc. XVII-XIX. Rio de Janeiro:
Rocco, 2000.
SILVEIRA, F. G.; BERTASSO, B.; MAGALHÃES, L. C. G. de. Tipologia socioeconômica das famí-
lias das grandes regiões urbanas brasileiras e seu perfil de gastos. Brasília: Ipea, out. 2003 (Texto para
discussão, n. 983, reproduzido no volume 1 deste livro).

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