Asfixia Mecânica Do Pescoço

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ASFIXIA MECÂNICA PÓS-TRAUMAS

CONSTRICTIVOS DO PESCOÇO
MECHANIC ASPHIXIA AFTER TRAUMATICS CONSTRICTIONS OF THE NECK
MÁRIO P. GIMENES1
ANTÔNIO S. FAVA2
ABRÃO RAPOPORT2

Trabalho realizado no Instituto Médico Legal de São Paulo e no Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço
e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis – HOSPHEL, São Paulo, SP.

Palavras-chave: Asfixia, trauma, pescoço.


Key words: Asphixia, trauma, neck.

Submetido: 10/01/2004
Aprovado: 02/03/2004

RESUMO INTRODUÇÃO

As asfixias mecânicas no enforcamento, estrangulamen- O interesse no estudo da asfixia mecânica é decorrente


to, e na esganadura, promovem lesões externas e internas do aumento dos óbitos de constricções cervicais traumáti-
com características macroscópicas próprias. cas (enforcamento, estrangulamento e asfixia). O conceito
de asfixia (grego a = ausência; sfizos = pulso) não expres-
sa exatamente a realidade dos fatos, pois o primeiro impe-
ABSTRACT dimento à passagem de ar à via respiratória (anoxia e hipo-
xia) é mecânica, determinando alteração bioquímica do san-
The traumatic asphyxias after the neck constrictions gue, inibindo a hematose1.
cause internal and external injuries with self-macroscopic Dentre os diferentes métodos de asfixia mecânica, três
characteristics. deles são salientados. No enforcamento há o impedimento
da passagem aérea por constrição cervical por um laço fixo
associado ao peso do corpo da vítima como força ativa2.
No estrangulamento, a constricção mecânica é causada
por um laço acionado por força estranha, determinando obs-
Endereço para correspondência: trução na passagem aérea e interrupção no fluxo sangüíneo
para o encéfalo por compressão da carótida interna e do
Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço
do Hospital Heliópolis nervo vago2. Finalmente, na esganadura a asfixia mecânica
Rua Conego Xavier, 276 - 10º andar é determinado por constricção com o uso das mãos, que obs-
04231-030 - São Paulo - SP troem a passagem aérea para a árvore respiratória, sendo sua
etiologia sempre homicida2. Enquanto as várias formas de
constricções determinam lesões internas com características
1. Mestre em Ciências da Saúde, Hospital Heliópolis –
HOSPHEL, São Paulo. macroscópicas semelhantes, as externas apresentam carac-
2. Docente do Curso de Pós-Graduação em Ciências da terísticas próprias, que determinaram o interesse na elabo-
Saúde, Hospital Heliópolis – HOSPHEL, São Paulo. ração deste estudo.

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MÉTODOS corpo vertebral de C1 e C2, luxação de C2.
2.11 região da faringolaríngea: ruptura das cordas
No Instituto Médico Legal Médico Legal de São Paulo, vocais.
de janeiro a dezembro de 1998, foram revistos 11.856 laudos
de morte violenta, sendo encontrados 367 mortes por asfixia Para fins estatísticos, as fraturas de osso hióide, da car-
de qualquer origem, dos quais 235 eram de mortes violentas tilagem tireóide e da cricóide foram agrupadas como fratu-
por constricção do pescoço, sendo 215 (91,49%) casos de ras. As lesões das veias jugulares e da carótida como lesões
enforcamento, 14 (5,96%) de estrangulamento e seis (2,55%) vasculares e as lesões da laringe e faringe como lesões farin-
de esganadura. Quanto ao gênero, 198 (84,25%) eram homens golaríngeas. Para análise estatística, foram empregados:
e 37 (15,75%) mulheres, dos quais 174 (74,04%) eram bran- 1. Descritiva: estudo das freqüências, médias, mediana,
cos, 56 (22,13%) pretos e nove (3,83%) amarelos. No que diz desvio padrão.
respeito à idade, esta variou de 3 a 90 anos, com predomínio 2. Teste do Qui-quadrado de freqüências ou Exato de
dos 21 aos 30 anos em 66 casos (28,09%). Fisher (nível de significância de 95%) para o estudo da
etnia, faixa etária e gênero.
Quanto aos aspectos relativos à afixia mecânica por cons- 3. Teste de Kruskal-Wallis (p<0,05) para estudo de variá-
tricção, foram assim classificados: veis contínuas comparadas aos grupos ou tipos de lesão.
1. Enforcamento: caracteriza-se pela interrupção da
entrada do ar atmosférico nas vias respiratórias, em
decorrência da constrição cervical por um laço fixo, RESULTADOS
agindo o próprio corpo da vítima como força ativa.
2. Estrangulamento: a interrupção se dá por um laço Quanto à distribuição por gênero, tivemos predomínio do
acionado por uma força estranha, com constricção da cir- masculino sobre o feminino na relação 6:1 (Tabela 1).
culação encefálica e compressão do feixe nervoso.
3. Esganadura: constricção do pescoço pelas mãos e Tabela 1 - Correlação das asfixias mecânicas e o sexo
consequente obstrução da passagem de ar atmosférico Asfixias
pelas vias respiratórias.
Sexo Enforcamento Estrangulamento Esganadura Total

Quanto à observação de lesões decorrentes da constric- Masculino 186 10 2 198


(86,51%) (71,43%) (33,33%) (84,25%)
ção cervical, foram divididos em:
1) externas, classificadas de acordo com sinais caracte- Feminino 29 4 4 37
(13,49%) (28,57%) (66,67%) (15,75%)
rísticos como tipo de sulco (oblíquo ou horizontal e único
Total 215 14 6 235
ou duplo), espessura mensurada em centímetros e a pro- (100%) (100%) (100%) (100%)
fundidade dividida a cada meio centímetro. Quanto à
localização do sulco, foi dividido em ântero-posterior
(típico) e póstero-anterior (atípico) e finalmente a loca- Quanto à etnia, observamos relação de brancos em rela-
lização do nó inversamente disposto ao sulco na situação ção aos demais de 3:1 (Tabela 2).
posterior-anterior e ântero-posterior, respectivamente.
2) internas, observadas após incisão mento-pubiana e Tabela 2 - Correlação das asfixias mecânicas e a etnia
classificadas como:
2.1 hematoma subcutâneo: coleção de sangue subcutâ- Asfixias
nea. Raça Enforcamento Estrangulamento Esganadura Total
2.2 hematoma muscular: coleção de sangue junto à mus- Branco 156 12 6 174
culatura. (72,56%) (85,71%) (100%) (74,04%)
2.3 hematoma profundo: coleção junto às estruturas vas- Negro 50 2 0 52
culares profundas. (23,26%) (14,29%) – (22,13%)
2.4 fratura das apófises superiores e do corpo da carti- Amarelo 9 0 0 9
lagem tireóide. (4,18%) – – (3,83%)

2.5 fratura do corpo da cartilagem cricóide. Total 215 14 6 235


(100%) (100%) (100%) (100%)
2.6 fratura do corpo do osso hióide.
2.7 sinal de Amussat: ruptura da túnica íntima da arté-
ria carótida comum no sentido transversal logo abai-
xo da bifurcação. As faixas etárias foram divididas para pacientes de 3 a
2.8 sinal de Friedberg: equimose na adventícia da arté- 90 anos, havendo predomínio na 3ª década no enforcamen-
ria carótida comum. to e, na 2ª e 4ª décadas no estrangulamento. Houve 61 casos
2.9 veias jugulares internas e externas: ruptura da túni- (28,37%) de enforcamento na 3ª década e 28,57% na 2ª e
ca interna. na 4ª décadas no estrangulamento. A média de idade foi 38
2.10 fraturas vertebrais: da apófise adantóide do áxis, do anos e uma mediana de 35 anos (Tabela 3).

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Tabela 3 - Correlação das asfixias mecânicas e a faixa etária casos de estrangulamento, houve prevalência de hematoma
Asfixias profundo (57,14%), o que correspondeu a p=0,01. A fratu-
ra do osso hióide ocorreu em 120 casos (51,06%), sendo pre-
Idade Enforcamento Estrangulamento Esganadura Total
valente em 52,56% dos casos de enforcamento (Tabela 6).
0–10 2 1 0 3
(0,93%) (7,15%) – (1,28%)
Tabela 6 - Resultados referentes à presença de lesões internas
11–20 21 4 1 26
(9,77%) (28,57%) (16,67%) (11,06%) Lesões Asfixias
internas Enforcamento Estrangulamento Esganadura Total
21–30 61 3 2 66
(28,37%) (21,43%) (33,32%) (28,09%)
Hematoma 215 14 6 235
31–40 50 4 1 55 Subcutâneo (100%) (100%) (100%) (100%)
(23,25%) (28,57%) (16,67%) (23,40%)
Hematoma 99 5 5 109
41–50 31 0 1 32 Muscular (46,05%) (35,71%) (83,33%) (46,38%)
(14,42%) – (16,67%) (13,62%)
Hematoma 36 8 3 47
51–60 26 2 1 29 Profundo (16,74%) (57,14%) (50%) (20%)
(12,10%) (14,28%) (16,67%) (12,34%)
F.C. 11 1 0 12
Tireóide (5,12%) (7,14%) – (5,10%)

F.C. 9 0 1 10
As lesões externas foram divididas conforme o tipo do Cricóide (4,19%) – (16,66%) (4,25%)
sulco, em que o oblíquo ocorreu em todos os casos de enfor-
F. Osso 113 4 3 120
camento e o horizontal em todos os casos de estrangulamen- Hióide (52,56%) (28,57%) (50%) (51,06%)
to (p=0,0015). Na grande maioria dos casos (94,47%), houve
Lesão da 7 0 0 7
a presença de sulco único (Tabela 4). Veia Jugular (3,25%) – – (2,98%)

Lesão da 7 3 0 10
Tabela 4 - Resultados das lesões externas, A. Carótida (3,25%) (21,43%) – (4,25%)
conforme o tipo de sulco Lesão de 1 2 0 3
V. Cervicais (0,47%) (14,28%) – (1,28%)
Tipo de Asfixias
sulco Enforcamento Estrangulamento Esganadura Total Lesão 11 0 0 11
Faríngea (5,12%) – – (4,68%)
Oblíquo 215 0 0 215 Obs.: A = Artéria; F = Fratura; C = Cartilagem; V = Vértebras
(100%) – – (100%)

Horizontal 0 14 6 20 Quanto ao estudo estatístico das lesões internas do pes-


– (100%) (100%) (8,51%)
coço, as lesões de vértebras cervicais apresentaram p=0,01
Único 208 8 6 222 em que a maioria dos casos ocorreu no estrangulamento
(96,74%) (57,14%) (100%) (94,47%)
(Tabela 7).
Duplo 7 6 0 13
(3,26%) (42,86%) – (5,53%)
Tabela 7 - Resultados referentes à presença
de lesão vertebral (p=0,01)
A espessura do sulco foi menor ou igual a um centíme- Asfixias
Lesão
tro em 75,74% dos casos, ocorrendo em 73,95% dos enfor- vertebral Enforcamento Estrangulamento Esganadura Total
camentos, 92,86% dos estrangulamentos, com resultado
estatístico de p=0,001 (Tabela 5). Ausente 214 12 6 232
(92,24%) (5,17%) (2,59%) (100%)

Tabela 5 - Resultados das lesões externas, Presente 1 2 0 3


(33,33%) (66,67%) – (100%)
conforme as espessura dos sulco (p=0,001)
Total 215 14 6 235
Espessura Asfixias (91,49%) (5,96%) (2,55%) (100%)
do sulco Enforcamento Estrangulamento Esganadura Total

≤ 1,0 cm 159 13 6 178 A correlação de lesões internas e externas com idade,


(73,95%) (92,86%) (100%) (75,74%)
sexo, etnia não se mostraram com diferenças estatísticas.
> 1,0 cm 56 1 0 57
(26,04%) (7,14%) – (24,25%)

Total 215 14 6 235 DISCUSSÃO


(100%) (100%) (100%) (100%)

O nosso estudo procurou observar as principais lesões


Observamos as lesões internas que ocorreram nas asfi- externas e internas que ocorreram nas asfixias pela constrição
xias mecânicas pela constrição do pescoço, onde a totalida- do pescoço apontadas pelos médicos legistas plantonistas.
de dos casos apresentou hematoma subcutâneo (100%). Nos Em relação às lesões externas, geralmente é único e a sua

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direção é normalmente no sentido horizontal, ascendente ou nos casos de enforcamento, macroscopia e os sinais corres-
descendente. Quanto à profundidade, esta foi uniforme e não pondentes definidos na literatura médico-legal são muscu-
houve descontinuidade, e a língua se projetava além das lares, cartilagenosos e ósseos, vasculares, vertebrais e farin-
arcadas dentárias, sendo sua coloração escura. golaríngeos3. No caso de enforcamento judicial foram des-
Computando os 215 casos de enforcamento e os 14 casos critos danos comprovados pelo estudo necroscópico,
de estrangulamento (Tabelas 4 e 5), tivemos o sulco único ressonância magnética, tomografia e arteriografia da arté-
presente em 216 casos (94,32%), e o sulco múltiplo em 13 ria vertebral4. Realizada a necropsia com os achados no pes-
casos (5,68%). Dos casos de sulco único, 208 casos (96,3%) coço de hematoma subcutâneo, hemorragia muscular para-
foram de enforcamentos, fato este significativo na demons- cervical extensa, fratura mínima de cartilagem tireóide e
tração da constricção do pescoço por laço único (p=0,0015). pequena fratura de asa esquerda de osso hióide, ruptura de
Pudemos observar ainda que nesta casuística, em 215 ligamentos de vértebra cervical C2-C3. Relacionando os
casos (93,89%) foram observados de sulcos oblíquos de dados encontrados com os descritos em literatura, pôde-se
enforcamentos e em 14 casos (6,11%) sulcos horizontais de concluir também que a distância do laço até o ponto fixo da
estrangulamento, o que permitiu diferenciar as lesões exter- corda não oferece conclusões efetivas para o aparecimento
nas (p=0,0015). de fraturas. Todavia, caso raro de enforcamento com lesão
Quanto à localização do sulco, tivemos 229 casos (100%) laringo-traqueal, que acomete menos de 1% dos casos de
na região ântero-posterior, levando em consideração que no enforcamento, e que nestas condições acabam tendo a lesão
enforcamento tratavam-se de casos típicos, reforçando a no quarto anel traqueal (88%) e não no primeiro e segundo
hipótese de haver a preferência da vítima, em não ficar anel como ocorreu em caso relatado5.
olhando para o nó e ter sido provocado por suicídio. No Em nosso estudo pudemos observar que as lesões inter-
estrangulamento, reforçou-se a hipótese de terem sido pro- nas promovidas pela constrição do pescoço, tais como os
vocados por homicídio, pois o promotor do fato está na com sinais próprios descritos anteriormente2, 3, não consta-
maioria das vezes atrás da vítima. Tal fato demonstrou que vam nos laudos pesquisados no Instituto Médico Legal,
o mecanismo de ação do enforcamento com o peso da pró- salvo em raras exceções, sendo observados e anotados ape-
pria vitima acionando o laço, pelas condições de suspensão nas aspectos gerais das lesões internas, sem o nome do autor
que ocorre, independente de estar completamente ou não que definiu este sinal.
suspenso, determinaria o sulco oblíquo no pescoço. O hematoma subcutâneo esteve presente em 100% dos
No estrangulamento o mesmo ocorre com os sulcos hori- casos de enforcamento e estrangulamento, demonstrando
zontais, onde o laço é acionado pela força de outra pessoa, que em todos os casos as lesões foram provocadas com o
que normalmente está no mesmo nível de altura, ora mais indivíduo em vida.
ascendente ou descendente, e ainda por algum mecanismo O hematoma muscular esteve presente em 99 casos
provocado, como o garrote no pescoço. (46,05%) de enforcamento e cinco casos (35,71%) de estran-
Quanto à espessura do sulco, pudemos notar em nossos gulamento, tendo do ponto de vista estatístico comportamen-
estudos estatísticos que houve uma variação nos casos com to semelhante, não sendo desta forma fator diferencial, já
medidas de 0,2 cm até 7,0 cm, nos casos de enforcamento e que em ambos, quase a metade dos casos apresentou hema-
de estrangulamento (Tabela 5), permitindo um desvio padrão toma. Quanto ao hematoma profundo, tivemos 179 casos
significativo (p=0,001) que acima de 1,0 cm, praticamente (83,26%) de enforcamento sem qualquer lesão dessa natu-
não temos o aparecimento de lesões cervicais pela constri- reza, e oito casos (57,14%) do total dos estrangulamentos
ção do pescoço no enforcamento e no estrangulamento. com hematoma profundo, o que nos levou a admitir que os
Fávero, 1962, referiu que após a dissecação cuidadosa hematomas profundos aparecem em grande parte dos estran-
da região cervical, para apreciar o estado das partes moles gulamentos (p=0,01), talvez pela maneira como é desferida
produzidas pelo laço, as lesões internas principalmente os a força de outra pessoa no pescoço, a qual difere dos casos
músculos, nervos e vasos demonstraram vestígios da com- de enforcamento (Tabela 6). O laço se posiciona em relação
pressão, apresentando soluções de continuidade, sufusões às estruturas internas, entre a laringe e o osso hióide, ime-
sanguíneas etc. diatamente abaixo da mandíbula6.
Quanto aos vasos, ocorrem os sinais de Friedberg e Neste estudo, as fraturas de osso hióide da cartilagem
Amussat. O primeiro consiste em uma sufusão sangüínea da tireóide e da cricóide foram agrupadas para o estudo esta-
túnica externa ou adventícia da carótida primitiva e o outro, tístico, o que provocou semelhança no comportamento quan-
em uma solução de continuidade transversalmente dispos- to à presença da lesão, aproximadamente na metade dos
ta, na túnica interna ou íntima, junto à bifurcação carotídea. casos (Tabela 6). Apesar de serem mais constantes no enfor-
Pode ocorrer fratura dos cornos superiores da cartilagem camento, não podemos dizer que diferem no estrangula-
tireóide e dos cornos do osso hióide, sendo que fraturas mento (p=-,5).
mais extensas no aparelho laríngeo são raras. Nos casos de Maier et al.7, 1999, descreveram o caso de uma tentati-
enforcamento pela execução criminal, as lesões serão mais va de enforcamento. Sendo adequadamente atendida no
importantes, como as luxações ou até fraturas de vértebras local do fato, com exame clínico para avaliar as condições
cervicais, provocadas pelo carrasco ao subir sobre o ombro gerais, com a colocação de colar cervical, para prevenir ou
da vítima para abreviar a sua morte. Para as lesões internas não agravar as lesões no pescoço, foi ventilada até a chega-

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da ao serviço de emergência. sulco, diminua a possibilidade do aparecimento da lesão da
Os plantonistas constataram a possibilidade de obstru- coluna vertebral e faríngea.
ção completa das artérias carótidas, o que foi comprovado Algumas informações importantes não constaram da
pela angiografia e tomografia, exames de apoio que facili- grande maioria dos laudos, tais como a causa que levou o
taram o diagnóstico precoce. Foi proposto o tratamento indivíduo a cometer o suicídio por enforcamento, talvez
cirúrgico da oclusão arterial, o que ocorreu com sucesso, pelo fato deste estudo ser realizado na perinecroscopia. Não
demonstrando que quanto mais cedo a decisão na interven- descrever o peso e altura do corpo, que contribuiriam para
ção do procedimento vascular for praticada, melhor será a o melhor estudo e o entendimento do mecanismo das lesões
evolução e o prognóstico do paciente. encontradas. Não anotar a altura que o corpo ficou suspen-
As lesões de veia jugular e artéria carótida foram agru- so, bem como do ponto de fixação do laço, que contribui-
padas para fins estatísticos em lesões vasculares, e apenas riam para o melhor estudo e o tipo de material utilizado para
os casos de enforcamento e estrangulamento fizeram parte confeccionar o laço, fato que interfere diretamente na espes-
do estudo. Tivemos do total, 201 casos (94,8%) de enforca- sura do sulco e um maior cuidado na descrição das lesões
mentos sem apresentar qualquer lesão vascular e três casos encontradas, visto que na literatura encontramos inúmeros
(17,65%) de estrangulamento que apresentaram lesão vas- sinais característicos de lesões.
cular. Determinou p=0,07 que, do ponto de vista estatísti- Após todas as exposições feitas nos itens anteriores,
co, é marginal (Tabela 6). Os dados demonstraram que a pudemos concluir que este estudo foi muito importante, pri-
maior possibilidade de ocorrer lesão vascular é no estran- meiro, porque há poucos trabalhos evidenciando o tema e,
gulamento, talvez pelo fato de que a força empregada no pes- segundo, pela oportunidade de constatar a precariedade de
coço por outra pessoa seja no sentido horizontal. informações presentes nos laudos periciais de enforcamen-
Em relação à lesão da coluna cervical, pudemos obser- to, estrangulamento e esganadura e a necessidade de cons-
var que apenas um caso de enforcamento (0,47%) e dois tituir-se um protocolo necroscópico.
casos de estrangulamento (14,29%), apresentaram fratura de Este estudo pode constatar a presença de lesão cervical pelo
coluna cervical dos 235 casos estudados. Isso determinou mecanismo da constrição cervical, e as diferenças que pude-
no estudo estatístico um p=0,01 para fraturas de coluna cer- ram ocorrer nos diversos tipos de constrição do pescoço.
vical, significativo para demonstrar que a maioria de casos
de enforcamento e estrangulamento não apresentam a fra-
tura de coluna (Tabela 7). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Tal fato reforça o que existe de descrição na literatura,
que refere nos casos de suicídio por enforcamento um núme- 1. França, V.G. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Guanabara
ro mínimo de casos com fratura de coluna cervical, talvez Koogan, 1977.
pelo fato de termos o emprego da força de forma homogê- 2. Fávero, F. Medicina Legal. 7ª edição. Belo Horizonte:
nea, o que geralmente não acontece nos acidentes ou exe- Vila Rica, 1962.
cução judicial. 3. Bonnet, E.F.P. Medicina Legal. Buenos Aires: Lopes
Em relação às lesões faringolaríngeas, estiveram pre- Libreros, 1967.
sentes apenas em 11 casos (5,12%) dos enforcamentos. O 4. Reay, D.T.; Cohen, W.; Ames, S. Injuries Produced by
que determinou p=0,4 para as lesões faríngeas, em termos Judicial Hanging A Case Report. Am J Forensic Med Pathol
comparativos, sem consistência estatística, sendo que no 1994; 15: 183-6.
início dos nossos estudos, nos parecia que o resultado pudes- 5. Deshpande, S. Laryngotracheal separation after attemp-
se o inverso (Tabela 6). Contudo, os dados colhidos refor- ted hanging. Br J Anaesth 1998; 81: 612-4.
çam a idéia que no caso de enforcamento por suicídio, rara- 6. Ponsold, A. Manual de Medicina Legal. Madrid: Cientí-
mente produz lesão profunda, tanto lesão faríngea como a fica Médica, 1955.
fratura de coluna vertebral, talvez pelo fato de que no enfor- 7. Maier, W.; Fradis M.; Malatskey, S.; Krebs, A. Diagnos-
camento a força do próprio corpo do indivíduo produza um tic and therapeutic management of bilateral carotid artery
laço em posição oblíqua junto à mandíbula, e a presença do occlusion caused by near-suicidal hanging. Ann Otol Rhinol
nó em região posterior do pescoço, sem a continuidade do Laryngol. 1999; 108: 189-192.

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