Uma Prosa Bichada
Uma Prosa Bichada
Uma Prosa Bichada
com – 69 98436-4236
Num dia desses, encontrei o amigo Zé Carneiro todo emburrado. Então resorvi
puxá um fiapo de prosa com ele. O Zé me falô cobras e lagartos da sua vida, que mais
parecia um ninho de guaxo ou uma teia de aranha. Tudo porque um seu cumpadre, o tar
Tunico Gaivota, vinha arrebanhando a confiança do Zé, dando uma de amigo urso. Deu o
bote na hora certa, como uma cobra traiçoera, e o pobre do homem caiu na do coiote.
Eu não me conformo. Logo o Zé que sempre foi esperto, feito um serelepe, ir na
lábia de uma lesma, um bicho-preguiça, como aquele seu cumpadre! Mas o esperto deu
uma de zangão e derrobô o Zé do cavalo.
O homem tava uma arara, virô uma onça. Jamais disconfiô que tava lidando
com uma ratazana, um verdadeiro chopim. Aquele que agia como um cordeirinho, um
cãozinho de estimação, no fundo era uma fera em forma de gente.
O Zé, sempre como um carnero, arranjô serviço pra tropa toda. Inté pra muié
daquele piranha, a gata borraiera, ele foi fiadô de uma de porção de papagaio. Era um
burro carga; serviu de jegue tanto tempo. E o amigo da onça parecia um carrapato. E,
além de tudo, ainda vivia rosnando, carapina danada.
Então eu não aguentei mais; perdi as estribera e falei grosso. Comigo é diferente,
não tem musquito. Meu pai já dizia. "Macaco véio não pula em gaio seco; bugio véio não
mete a mão em cumbuca". Eu, prantá mio pra engordá porco dos otros? Não mesmo!
Você, Zé, foi bode expiatório daquele jararaca; bancô o jirico e recebeu um coice como
paga. Agora a vaca foi pro brejo; não adianta chorá o leite derramado, nem lágrimas de
crocodilo. Enquanto você segurava a cabra, o danado tirava o leite. Você comeu gato
por lebre por muito tempo. Ele te fez de jumento, te usou como um camelo, e veja a
cama de gatos que te armô!
Quem qué atravessá gelera e não tem renas, que puxe o próprio trenó. Ele sabia
que cedo ou tarde vinha o estouro da boiada. Você dando uma de bão, e ele te
chupando o sangue como um morcego. Ora, Zé, barata viva não travessa galinhero.
Não tamo mais no tempo de bancá jacaré chocando seus ovos. Levante a cabeça, dê
uma escaramuça e pau na mula. O lugá dessa gente é na gaiola. A Justiça que trancafie
ele na jaula e mande ele pentiá ouriço.
Ai, o amigo Zé já tava mais animado; deu um baita sorriso e falô: "Eu vô é lá pro
meu sítio das antas, na região de Arapongas; criá minhas galinha e meus leitão, escuitá a
passarada, o coaxá dos sapos. É bem mió do que aqui na cidade, onde um qué degolá o otro,
parece inté escorpião! A gente tem que vivê pulando como guariba ou canguru. Tá doido, sô!
Pois é, assim foi o fiapo de prosa, um tanto bichada, entre eu e o Zé.
Prosa Caipira: Agenor Peixoto da Silva – Publicada em Revista Família Cristã, pág. 66. Abril de 1998.