Cap 01 Farmacologia Clínica

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Princípios da farmacologia
Coautoria de ANNE BOURNAY, R.Ph.

Terapêutica racional Preveja as ações, os usos clínicos, os efeitos ad-


versos e as interações medicamentosas de cada fár-
Existem milhares de fármacos* e centenas de fa­ maco fundamentado somente no seu mecanismo de
tos sobre cada um deles. É desnecessário memorizar ação. Se conseguir prever essas características você só
vários desses fatos apenas aprendendo a prever o com- precisa memorizar os fatos que não são intuitivos.
portamento de cada fármaco com base em poucos fa- E, por fim, preveja os eventos que ocorrem
tos e compreendendo os princípios da farmacologia. quando o fármaco entra no organismo do pacien-
Este capítulo apresenta os princípios básicos da te. Continue esta prática cada vez que prescrever,
farmacologia nos quais se fundamenta a terapêutica. fornecer ou administrar um fármaco aos pacientes.
Enquanto você lê o capítulo, tente aplicar os princí- Eles serão beneficiados se as decisões clínicas forem
pios a um fármaco que lhe seja familiar, como o ácido determinadas racionalmente e fundamentadas nos
acetilsalicílico. Reveja com frequência este capítulo en- conhecimentos de farmacologia básica.
quanto estudar os fármacos apresentados no restante
do livro. Tente aprender a “história” de cada um em vez Administração de fármacos
de fatos isolados. A melhor forma de desenvolver a his-
tória deles é associando, perguntando e prevendo.­ Formulação
Associe cada classe de fármacos com as infor-
mações que você conhece a respeito deles. Pense em Os fármacos clinicamente úteis são formulados
parentes ou conhecidos que usaram medicamentos pela indústria farmacêutica em preparações que po-
da classe de fármacos que está estudando. Relembre dem ser administradas por via oral, intravenosa ou
o que escutou ou leu a respeito dos fármacos. por outra via. A formulação de um fármaco de-
Pergunte-se porque alguns fármacos são injeta- pende dos seguintes fatores:
dos enquanto outros são usados em forma de compri- n As barreiras que o fármaco é capaz de atraves-
midos, porque alguns são administrados quatro vezes sar. Fármacos intravenosos são injetados direta-
ao dia e outros uma única vez e porque é importante o mente na corrente sanguínea. Já as preparações
médico conhecer a concentração sérica de alguns fár- orais devem atravessar a parede do trato gastrin-
macos, mas não a de outros. Durante a leitura dos ca- testinal (TGI) e a parede dos vasos sanguíneos
pítulos seguintes, pergunte-se “Por que essa informa- antes de alcançar a corrente circulatória.
ção é tão importante para ser incluída neste livro?”. n A situação na qual o fármaco será usado. Uma
preparação de uso intravenoso pode ser adequa-
*N.
da para fármacos administrados durante uma ci-
de T. O autor cita nomes comerciais de medicamentos que
contêm os fármacos apresentados. A revisão técnica usou a se-
rurgia, mas é inadequada para administração do-
guinte convenção para adaptar a obra à situação brasileira: méstica, por exemplo, de ácido acetilsalicílico.
• quando o fármaco é comercializado no Brasil com a mesma n A urgência da situação médica. O retardo no
denominação do medicamento nos EUA, manteve-se a mesma início da ação varia entre as preparações de um
fonte original; mesmo fármaco. Situações de emergência, em
• quando o fármaco não existe ou não é comercializado no Brasil, a
denominação usada nos EUA foi mantida e identificada em itálico;
geral, requerem administração intravenosa de
• quando o fármaco é comercializado no Brasil com denominação um fármaco que, em situações normais, poderia
diferente da utilizada nos EUA, essa denominação é sublinhada. ser administrado por outra via.
16 James M. Olson

n Estabilidade do fármaco. Fármacos que se des- tagens dessas técnicas de administração incluem
naturam por ácidos não são bons candidatos para absorção mais rápida e previsível do fármaco e do-
preparações orais porque podem ser destruídos sificação mais precisa. As desvantagens incluem a
no estômago (pH gástrico = 2). necessidade de assepsia, o risco de infecções, dor e
n Efeito de primeira passagem. O sangue do tra- irritação local.
to gastrintestinal passa através do fígado antes
de alcançar os outros órgãos. Durante esta pas- n Intravenosa (IV): início rápido da ação, pois
sagem pelo fígado, uma fração do fármaco (em o fármaco é injetado diretamente na corrente
alguns casos quase a totalidade) pode ser bio- sanguínea. Essa via de administração é útil nas
transformada em um derivado menos ativo ou emergências e para pacientes inconscientes. Os
inativo. A inativação de alguns fármacos é tão fármacos insolúveis não podem ser administra-
significativa que se tornam inúteis quando admi- dos por essa via.
nistrados por via oral. n Intramuscular (IM): o fármaco passa através
da parede capilar para entrar na corrente san-
guínea. A velocidade de absorção depende da
formulação (preparações oleosas são absorvidas
Vias de administração de fármacos lentamente, enquanto as aquosas são absorvidas
de modo rápido). Essa via pode ser usada para
As vias de administração compreendem: autoadministração em pacientes treinados.
n Subcutânea (SC): o fármaco é injetado sob a
n Oral (PO): mais adequada para os fármacos que
pele e deve permear a parede capilar para entrar
são autoadministrados. Os fármacos orais de-
na corrente sanguínea. Somente preparações não
vem ser resistentes ao meio ácido do estômago
irritantes podem ser usadas.
e precisam permear o epitélio intestinal antes de
alcançarem a corrente sanguínea. A absorção é
influenciada pelo esvaziamento gástrico e a mo-
tilidade intestinal. Regimes de dosificações
n Sublingual: boa absorção por meio do leito capi-
lar sob a língua. Os fármacos são facilmente au- Três regimes comuns de dosificações são com-
toadministrados. Como o estômago é evitado, a parados na Tabela 1.1. A meia-vida é o tempo neces-
ácidolabilidade e a permeabilidade intestinal não sário para que a concentração do fármaco no plasma
precisam ser consideradas. diminua 50% após a interrupção da dosificação. A
n Retal (PR): útil para pacientes inconscientes ou meia-vida de distribuição (t½α) reflete a redução
que apresentam vômitos ou, ainda, para crianças rápida da concentração do fármaco no plasma con-
pequenas. A absorção é inconfiável. forme ele é distribuído pelo organismo. A meia-vida
n Inalação (IN): absorção em geral rápida. Alguns de eliminação (t½b), com frequência, é muito pe-
fármacos são comercializados em dispositivos quena, refletindo a biotransformação e a excreção do
que liberam doses fixas e são apropriadas para fármaco. Observe que várias meias-vidas se passam
autoadministração. antes que a concentração sérica do fármaco alcance o
n Tópica: útil para os fármacos de ação local, par- equilíbrio. Assim, para se obter valores que reflitam o
ticularmente aqueles que apresentam efeitos ad- estado de equilíbrio, é necessário aguardar de quatro
versos quando administrados por via sistêmica. a cinco meias-vidas antes de mensurar o pico, o vale
Essa via de administração é usada principalmen- ou o nível plasmático.
te para preparações dermatológicas, oftálmicas, Os níveis terapêuticos do fármaco podem ser al-
nasais, vaginais e óticas. cançados mais rapidamente pela administração de uma
n Transdermal: alguns fármacos podem ser for- dosagem de carga, seguida das dosagens de manuten-
mulados e incorporados em emplastros que são ção. A dosagem de carga é uma dose inicial maior do
aplicados sobre a pele. O fármaco difunde do em- que as subsequentes com o propósito de rapidamente
plastro e, através da pele, alcança o leito capilar. alcançar a concentração terapêutica no sangue. Essa
A via transdermal é muito conveniente para a au- dosagem de carga é seguida pelas dosagens de ma-
toadministração de fármacos. nutenção que são utilizadas para manter constante a
concentração sanguínea no nível terapêutico.
Há três técnicas de administração de fármacos O regime de dosificações (via, quantidade e fre-
que tradicionalmente são classificadas de parente- quência) da administração do fármaco influencia o
rais (“por fora do trato gastrintestinal”). As van- início e a duração de sua ação. Início (aparecimen-
Farmacologia clínica ridiculamente fácil 17
Tabela 1.1
Influência do regime de dosificações nos níveis do fármaco no plasma

Regimes de dosificações Gráfico da concentração do fármaco no plasma

Dosificação simples
A concentração do fármaco no plasma aumenta à medida que ele IV
se distribui pelo sangue e, então, cai conforme ele é distribuído aos

fármaco no plasma
Oral

Concentração do
tecidos, biotransformado e excretado.

Fármacos administrados por via oral alcançam concentração


pico no plasma mais tarde do que os administrados por via IV.
O fármacos orais precisam ser absorvidos por meio da mucosa
gastrintestinal (GI) e das paredes capilares antes de entrar no
sangue.

0 5 10 15
Tempo

Infusão contínua (IV)


O estado de equilíbrio da concentração do fármaco no plasma 2X mg/hora
é alcançado após a infusão contínua por 4 a 5 meias-vidas.

fármaco no plasma
Concentração do
O aumento da velocidade de infusão não diminui o tempo
necessário para alcançar o equilíbrio.
1X mg/hora
O aumento da velocidade de infusão aumenta, contudo, a
concentração do fármaco no plasma ao alcançar o equilíbrio.

0 5 10 15
Tempo

Dosificação intermitente
O fármaco deve ser administrado por 4 a 5 meias-vidas antes
de alcançar o estado de equilíbrio.
fármaco no plasma
Concentração do

Picos são os pontos elevados da flutuação. Os efeitos tóxicos são


observados mais provavelmente durante os picos de concentração

Vales são os pontos mais baixos. A ausência de efeitos do


fármaco ocorrem mais provavelmente durante os vales.
A dor pós-cirúrgica, por exemplo, ocorre mais provavelmente
antes da administração da segunda dosificação de morfina
do que entre a primeira e a segunda dose.
0 5 10 15
Tempo

to) é o tempo necessário para começar a atividade Farmacocinética


do fármaco. Fármacos administrados por via IV, em
geral, têm início mais precoce dos que fármacos usa- Absorção de fármacos
dos por via oral, pois estes precisam passar através do
intestino para serem absorvidos. Duração é o tempo À medida que o fármaco é distribuído pelo
em que o fármaco é terapêutico. A duração, em geral, organismo, ele entra em contato com numerosas
corresponde à meia-vida do fármaco (exceto quando membranas. O fármaco atravessa algumas membra-
ele se liga irreversivelmente ao seu receptor) e depen- nas e outras não. A Tabela 1.2 compara quatro me-
de da sua biotransformação e excreção. canismos de transporte de fármacos.
18 James M. Olson

Tabela 1.2
O transporte de fármacos através das membranas

Mecanismo Energia Transportador Observações

Difusão passiva Não Não É rápida para moléculas pequenas, não iônicas e lipofílicas.
É lenta para moléculas grandes, iônicas e hidrofílicas.

Difusão facilitada Não Sim O fármaco liga-se ao transportador por mecanismos


não covalentes. Fármacos quimicamente similares
competem pelo transportador.

Canais aquosos Não Não Fármacos pequenos (< 200 D de massa molecular) e
hidrofílicos difundem-se ao longo do gradiente de
concentração, passando através dos canais aquosos (poros).

Transporte ativo Sim Sim Idêntico à difusão facilitada exceto que o transporte do
fármaco contra o gradiente de concentração consome ATP.

• Fatores relacionados aos fármacos que influen- a albumina, reduz a quantidade de fármaco “livre”
ciam a absorção incluem grau de ionização; (o que não está ligado a proteínas) no sangue. São
massa molecular, solubilidade (lipofilicidade) e as moléculas “livres” do fármaco, e não as moléculas
formula­ção (solução em comprimido). Fármacos ligadas às proteínas, que estabelecem o equilíbrio
pequenos, não ionizados e liposolúveis atraves- entre o sangue e os tecidos. Assim, a diminuição na
sam a membrana plasmática mais facilmente. quantidade de fármaco livre no soro está relaciona-
• Fatores relacionados ao paciente que influenciam da com a redução do fármaco que pode entrar em
a absorção de fármacos dependem da via de ad- um determinado órgão.
ministração. Por exemplo, a presença de alimento Armazenamento de depósito: fármacos lipofí-
no TGI, a acidez gástrica e o fluxo de sangue ao licos. Esses fármacos, como o sedativo tiopental, acu-
TGI interferem na absorção da medicação oral. mulam-se na gordura e são liberados lentamente des-
ses depósitos. Dessa forma, uma pessoa obesa pode ser
sedada por um maior período de tempo do que uma
Distribuição de fármacos pessoa magra que recebeu a mesma dose de tiopental.
Os fármacos que se ligam ao cálcio, como o antibióti-
Os seguintes fatores influenciam a distribuição co tetraciclina, acumulam-se nos ossos e dentes.
de fármacos: O volume de distribuição aparente (Vd) é um
A permeabilidade da membrana: para entrar valor calculado que descreve a natureza da distri-
em um órgão, o fármaco precisa atravessar a mem- buição do fármaco. O Vd é o volume necessário para
brana que separa o órgão do local de administração. conter a dose administrada caso ela tenha sido distri-
Por exemplo, as benzodiazepinas por serem muito li- buída de modo uniforme na concentração mensurada
pofílicas facilmente atravessam a parede intestinal, a no plasma. Pode-se prever que um fármaco com Vd =
parede capilar e a barreira hematoencefálica. Por 3 litros está distribuído somente no plasma (volume
isso, elas chegam rapidamente ao cérebro e são úteis plasmático = 3 L), enquanto um fármaco com Vd =
no tratamento da ansiedade e de convulsões. Já al- 16 L provavelmente está distribuído na água extrace-
guns antibióticos são capazes de passar do intestino lular (água extracelular = 3 L de plasma + 10 a 13
para o sangue, mas não conseguem entrar no cérebro. L de líquido intersticial). Um fármaco com Vd > 46 L
Esses fármacos não podem ser usados para combater provavelmente está isolado em um depósito porque o
infecções no cérebro. A escassa passagem de alguns organismo contém somente de 40 a 46 L de líquido.
fármacos anticâncer através da barreira hemato-en-
cefálica e da barreira hematotesticular ocasionam
um número relativamente elevado de recorrências de Biotransformação de fármacos
alguns tumores no cérebro ou nos testículos. A bar-
reira placentária evita a exposição fetal a alguns fár- Fármacos, substâncias químicas e toxinas são
macos, mas permite a passagem de outros. substâncias estranhas ao nosso organismo. Ele tenta
Ligação a proteínas plasmáticas (Figura 1.1): se livrar dessas substâncias, independentemente de
a ligação de fármacos às proteínas plasmáticas, como elas serem terapêuticas ou prejudiciais. A maioria
Farmacologia clínica ridiculamente fácil 19

Legenda
Fármaco A
Fármaco B

O fármaco B desloca
da albumina 10% do
fármaco A

Fármaco A
ligado à proteína
Fármaco A Fármaco A (inativo)
ligado à proteína não ligado Fármaco A
(inativo) (ativo) não ligado
(ativo)
Figura 1.1
Consequências do deslocamento do fármaco da albumina e de outras proteínas plasmáticas. Alguns fármacos (p.ex., o fármaco A) ligam-se
em mais de 90% às proteínas plasmáticas. As moléculas “livres” do fármaco (não ligadas) podem atuar nos receptores, mas as moléculas ligadas,
não. Na figura, o fármaco B desloca somente cinco moléculas do fármaco A. Isso mais que triplica a concentração sérica do fármaco livre (ativo) A,
podendo ser fatal se esse fármaco tiver uma margem de segurança muito pequena. O deslocamento de fármacos que pouco se ligam às proteí-
nas é menos significativo, como, por exemplo, se o fármaco A fosse 50% ligado e 50% livre, o deslocamento de 10% da fração ligada aumentaria
a fração livre de 50% para 55%. Esse pequeno aumento provavelmente não teria relevância clínica.

dos fármacos precisa ser biotransformado (ou meta- biotransformação de vários fármacos. O cito-
bolisado) antes de ser excretado. Em farmacologia, cromo 450 (assim denominado porque absorve
o termo biotransformação, com frequência, refere- o máximo de luz no comprimento de 450 nm) é
se ao processo de tornar o fármaco mais polar e hi- uma família de isoenzimas localizadas no retículo
drossolúvel. Embora, isso, em geral, resulte na inati- endoplasmático dos hepatócitos. Por meio de uma
vação e excreção do fármaco, é INCORRETO admitir cadeia de transporte de elétrons que usa NADPH
que o metabólito sempre será menos ativo ou mais como carregador de prótons, o fármaco ligado ao
facilmente excretado do que o fármaco precursor. citocromo P450 pode ser oxidado ou reduzido (re-
ação de fase I).
Reações metabólicas podem transformar...
O citocromo P450 pode ser induzido (aumento
de atividade) por inúmeros fármacos e substâncias
n um fármaco ativo em formas menos ativas ou
químicas. A indução ocorre em resposta à presença
inativas.
da substância química que é biotransformada pelo
n um PRÓ-FÁRMACO (fármaco inativo ou menos
P450 (mais enzima é produzida para processar a
ativo) em um fármaco mais ativo.
substância química). Uma vez que a enzima é indu-
A biotransformação de fármacos e toxinas está zida, ela biotransforma o “agente indutor” mais ra-
dividida em reações de “fase I” e “fase II” (Figuras pidamente. Contudo, como o citocromo P450 não é
1.2A, 1.2B). Nas reações de fase I (não sintéticas), específico para o indutor, outros fármacos biotrans­
os fármacos são oxidados ou reduzidos a formas mais formados pela enzima induzida também são biotrans-
polares. Nas reações de fase II (sintéticas), um gru- formados mais rapidamente.
po polar, como a glutationa, é conjugado ao fármaco. A tolerância ao álcool é um exemplo da in-
Isso aumenta substancialmente a polaridade dele. Os dução das enzimas microssomais P450. O álcool
fármacos que sofrem as reações de conjugação, em é biotransformado pelo P450. Se uma pessoa não
geral, já sofreram transformações de fase I. ingere bebida alcoólica regularmente, dois drinques
O sistema microssomal hepático de oxi- talvez possam deixá-la bêbada. Se a mesma pes-
dação/redução de fármacos é responsável pela soa consome os dois drinques diariamente duran-
20 James M. Olson

Reações de Fase I (não sintéticas)

Reações microssomais (P450) de oxidação

1. Hidroxilação 2. Desalquilação

3. Oxidação 4. Trocas atômicas ionizantes

Reações microssomais (P450) de redução

1. Azorredução

2. Nitrorredução

Reações de oxidação e redução não microssomais

1. Oxidação do álcool 2. Redução do álcool

Figura 1.2A
Exemplos de reações metabólicas de fase I.

te várias semanas, provavelmente será necessário Excreção de fármacos


ingerir mais de dois drinques para obter o mesmo
grau de intoxicação. Isso ocorre porque as enzi- Alguns fármacos são excretados do organismo
mas hepáticas foram induzidas, biotransformando após terem sido biotransformados em congêneres
o álcool mais rapidamente a formas inativas. Essa mais polares, enquanto outros são excretados “inal-
mesma pessoa também vai biotransformar mais ra- terados”. A maioria dos fármacos, das toxinas e dos
pidamente vários outros fármacos pelas enzimas metabólitos são excretados na urina. Outros são ex-
induzidas, um mecanismo comum de interação de cretados nas fezes ou no ar expirado. Os fármacos
fármacos. Por isso, a dose de um desses fármacos, excretados nas fezes podem ser concentrados na bile
que era adequada há poucos meses, pode ter ne- antes de entrar no intestino. Em alguns casos, esses
nhum ou menor efeito após várias semanas de con- fármacos são reabsorvidos no fluxo sanguíneo por-
sumo elevado de álcool. tal durante sua passagem pelo intestino. Esse ciclo,
Farmacologia clínica ridiculamente fácil 21

Reações de fase II (sintéticas)


Catalisadas por outras enzimas específicas, e não pelo sistema P450

1. Conjugação com glicuronídeo

2. Conjugação com sulfato etéreo

3. Acetilação

4. Transulfuração (ocorre na mitocôndria)

5. Conjugação com glutationa

Abreviaturas dos doadores:


UDPGA = ácido uridina difosfoglucurônico
PAPS = 3-fosfoadenosina-5’-fosfosulfato
GSH = glutationa (γ-glutamil-cisteinil-glicina)

Figura 1.2B
Exemplos de reações metabólicas de fase II.

denominado circulação êntero-hepática, pode pro- sintomas indesejados podem ser devidos ao acú-
longar a presença do fármaco no organismo. mulo do fármaco e não, ao processo patológico em
Inúmeros processos ocorrem nos rins e podem curso.
afetar a velocidade de excreção. Os processos mais
importantes são a filtração glomerular, a secreção
tubular e a reabsorção tubular. Esses processos são
comparados na Tabela 1.3. Os mecanismos de ex- Depuração de fármacos
creção de fármacos são vulneráveis às lesões renais
causadas por toxinas, outros fármacos ou doenças. O termo depuração refere-se ao volume de
Como os fármacos, metabólitos e toxinas se con- líquido que deve ser completamente purificado de
centram nos rins, com frequência, esses órgãos fármaco (por unidade de tempo), caso todo o fárma-
são locais de toxicidade induzida por substâncias co excretado/biotransformado foi removido desse
químicas. Em pacientes com insuficiência renal, os volume (e o líquido que resta no organismo mantém
22 James M. Olson

Tabela 1.3
Processos renais que influenciam a excreção de fármacos

PROCESSO VIA DE TRANSPORTE FÁRMACOS tRANSPORTADOS NOTAS

Filtração glomerular Os fármacos passam do Processo de difusão. A velocidade de filtração


sangue para os néfrons Fármacos pequenos depende, em parte, da
difundindo-se através dos não ionizados passam mais pressão arterial.
capilares fenestrados das facilmente, enquanto os fármacos
cápsulas de Bowman. ligados às proteínas plasmáticas
não conseguem passar.

Secreção tubular Os fármacos são secretados Transporte ativo (transportador e Os fármacos podem competir entre
da arteríola eferente para o energia). Os fármacos que se ligam si pelo transportador. Um fármaco
túbulo renal. especificamente aos transportado- com baixa margem de segurança
res são transferidos. O tamanho e a podem alcançar concentrações
carga são menos importantes. tóxicas. Fármacos que competem
pelos transportadores podem ser
coadministrados para aumentar
a meia-vida (T ½) plasmática com
objetivo terapêutico.

Reabsorção tubular Os fármacos são reabsorvidos Processo de difusão. Fármacos Como as substâncias
do túbulo renal para a pequenos não ionizados passam ionizadas são mal reabsorvidas, os
circulação sanguínea. mais facilmente. metabólitos de fármacos que são
mais ionizados do que o fármaco
precursor passam mais facilmente
para a urina. O pH
da urina pode ser alterado proposi-
talmente para acelerar a velocidade
de excreção do fármaco (p.ex.,
administrando bicarbonato).

a concentração original do fármaco). A depuração é Ações dos fármacos


um valor calculado que não pode ser mensurado di-
retamente no organismo. A sua unidade de medida A maioria dos fármacos liga-se a receptores
é litros por hora, mas, com frequência, é confundido celulares onde iniciam uma série de reações bio-
com “velocidade de eliminação” que é mensurada químicas que alteram a fisiologia celular. Em uma
em mg/h. Os valores de depuração podem ser calcu- certa dose, algumas moléculas do fármaco encon-
lados para sistemas específicos como, por exemplo, tram suas células alvo, enquanto outras moléculas
a depuração total = a depuração renal + a depu- são distribuídas, biotransformadas e excretadas. No
ração metabólica + todas as demais depurações. A local celular de ação, os fármacos exercem sua ação
depuração pode ser calculada de várias formas: primária. (Essas ações serão descritas adiante.)
As ações dos fármacos são estudadas em inú-
meras perspectivas. Cada perspectiva fornece infor-
Velocidade de mações diferentes e usa uma terminologia própria.
eliminação (mg/h) litros Para evitar confusão sobre terminologia, as ações
Depuração = -------------------------------------------------------------------------------- = ------------------- dos fármacos são apresentadas em separado: farma-
Concentração hora cologia celular, farmacologia do organismo e farma-
do fármaco (mg/L) cologia de populações.

OU
Farmacologia celular
Depuração = k • Vd
Em que, K = constante de velocidade de eliminação Os receptores são, em geral, proteínas ou glicopro-
e Vd = volume aparente de distribuição teínas que estão presentes na superfície celular, em
Farmacologia clínica ridiculamente fácil 23

uma organela no interior da célula ou no citoplasma. n Uma função celular é “ligada” (p.ex., promoção
Há um número finito de receptores em uma dada esteroidal da transcrição do DNA).
célula. Assim, as respostas mediadas por receptores
atingem o platô ao alcançar (ou antes de alcançar) É necessária uma terminologia muito precisa
a saturação dos receptores. Quando um fármaco se na discussão das interações fármaco-receptor. Tam-
liga a um receptor, ocorre uma das seguintes ações bém é importante evitar a substituição de termos
(Figura 1.3): que descrevem as ações do fármaco no organismo
ou na população (p.ex., potência, eficácia, índice te-
n Um canal iônico é aberto ou fechado. rapêutico) por termos que descrevem as ações do
n São ativados mensageiros bioquímicos, com fre- fármaco no receptor (p. ex., afinidade).
quência, denominados segundos mensageiros Teoria dos receptores da ação dos fármacos:
(AMPc, GMPc, Ca++, fosfato de inositol). O men- Langley e Ehrlich foram os primeiros a propor que a
sageiro bioquímico inicia uma série de reações ação dos fármacos era mediada por receptores. Em
químicas no interior da célula o que transduz o 1933, Clark desenvolveu a teoria dose-resposta que
sinal estimulado pelo fármaco. estabelece que o aumento da resposta a um fárma-
n Uma função celular normal é inibida fisicamente co depende do aumento da ligação do fármaco aos
(p.ex., síntese de DNA, produção de parede celu- receptores. A teoria de Clark estava incorreta em vá-
lar bacteriana, síntese proteica). rios pontos. Em 1956, Stephenson apresentou uma

A B C

β M
N

Proteína G Proteína G

Adenilciclase Fosfolipase C

ATP PIP2
AMPC IP3

Diacilglicerol

Ca++

Proteína-
-cinase C

Figura 1.3
Exemplos de receptores e sistemas (segundo) mensageiros bioquímicos ou canais iônicos associados. A) Receptores como o receptor
β-adrenérgico são acoplados com adenililciclase por meio de uma “proteína G” (assim denominada porque se liga ao GTP). Quando um agonista
se liga ao receptor, a proteína G sinaliza a adenilato ciclase para sintetizar monofosfato cíclico de adenosina (AMPC) que atua como mensageiro
intracelular. B) Receptores como o muscarínico da acetilcolina (M) estão acoplados com uma proteína G que estimula a fosfolipase C. Essa cataliza
a hidrólise do fosfatidilinositol 5,5-bifosfato (PIP2) a produzir trifosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol (DAG). O IP3 por sua vez pode estimular ou-
tros mensageiros intracelulares, tais como o cálcio ou a calmodulina e o DAG estimula a proteína-cinase C. Essa atua fosforilando a proteína alvo.
C) Alguns receptores regulam canais iônicos na membrana plasmática. Quando o receptor nicotínico (N) é estimulado pela ACh, o canal se abre
e íons de sódio entram na célula. No exemplo do receptor nicotínico, o receptor do fármaco é um componente da proteína que forma o canal
iônico. Em outros casos, um receptor distinto pode estar ligado ao canal iônico pela proteína G ou a outros mensageiros bioquímicos.
24 James M. Olson

teoria dose-resposta modificada, a qual é mais acei- n Antagonista: inibe ou bloqueia as respostas cau-
ta atualmente. sadas pelos agonistas.
n Antagonista competitivo: compete pelo recep-
n Teoria de Clark tor com o agonista. Durante o tempo que o re-
ceptor está ocupado pelo antagonista, o agonis-
1. A reposta ao fármaco é proporcional ao núme- ta não pode se ligar ao receptor. O número de
ro de receptores ocupados. receptores permanece inalterado porque doses
2. Todas as interações fármaco-recep­tor são re- elevadas de agonistas competem essencialmente
versíveis. com todos os receptores. A afinidade do agonista,
3. O fármaco que se liga aos receptores repre- contudo, parece menor porque maiores concen-
senta só uma fração do fármaco disponível. trações de agonista são necessárias, na presença
4. Cada receptor liga apenas um fármaco. do antagonista, para obter a mesma ocupação
n Teoria modificada por Stephenson dos receptores. Como o antagonismo pode ser
neutralizado por concentrações elevadas de ago-
1. A resposta ao fármaco depende da sua afini- nista, o antagonismo competitivo é denominado
dade pelos seus receptores e da sua eficácia. reversível.
(Esses conceitos serão definidos adiante.) n Antagonista não competitivo: liga-se a um lo-
2. Descreve os receptores de reserva. Propõe cal diferente daquele do agonista. Induz altera-
que a resposta máxima pode ser alcançada ção conformacional no receptor de forma que
mesmo que uma fração dos receptores (os re- o agonista não “reconhece” o local de ligação.
ceptores de reserva) não estejam ocupados. Mesmo concentrações elevadas de agonista não
A seguinte terminologia refere-se somente aos conseguem reverter esse antagonismo, por isso
eventos que ocorrem nas células: denominado irreversível. O número de locais de
ligação do agonista parece diminuído, mas a afi-
n Afinidade: refere-se à FORÇA de ligação entre o nidade do agonista pelos “locais não-antagonisa-
fármaco e o seu receptor. O número de recepto- dos” permanece inalterado.
res celulares ocupados por um fármaco é função n Antagonista irreversível (competitivo não equi­
de um equilíbrio entre o fármaco que é ligado líbrio): antagonistas irreversíveis também não
aos receptores e o fármaco livre. O agonista ou são superados. Esses fármacos competem com
antagonista com alta afinidade, uma vez ligado os agonistas pelo local de ligação do agonista.
ao receptor, dissocia-se com mais dificuldade do Em contraste com os antagonistas competitivos,
que aqueles com baixa afinidade. contudo, o antagonismo irreversível combina
n Constante de dissociação (KD): mede a afinida- definitivamente com o receptor. A velocidade do
de do fármaco por um determinado receptor. Ela antagonismo pode ser diminuída por altas con-
determina a concentração de fármaco na solução centrações de agonista. Contudo, uma vez que
para ocupar 50% dos seus receptores. A unidade o antagonista irreversível se liga a um receptor
de concentração é expressa em mol/L. particular, o receptor não pode mais ser ativado
n Agonista: é o fármaco que altera a fisiologia celu- pelo agonista.
lar ao ligar-se a receptores na membrana celular
ou no interior da célula. Em geral, certo número Outras formas de antagonismo: além do an-
de receptores precisa ser ocupado pelo agonista tagonismo farmacológico, há dois outros mecanis-
antes de ocorrer uma alteração mensurável na mos pelos quais um fármaco pode inibir ou bloquear
função celular. Por exemplo, a célula muscular o efeito de um agonista:
não se despolariza somente porque uma molécu-
la de acetilcolina se ligou a um receptor nicotíni- n Antagonismo fisiológico: dois agonistas causam
co e ativou um canal iônico. efeitos opostos por meio de reações não relacio-
n Agonista forte: é um agonista que causa o efeito nadas. Os efeitos anulam-se.
máximo, mesmo que ele ocupe somente uma pe- n Antagonismo por neutralização: os dois fárma-
quena fração dos receptores disponíveis na célula. cos ligam-se entre si. Quando combinados, am-
n Agonista fraco: é um agonista que precisa se li- bos são inativos.
gar a mais receptores do que um agonista forte
para produzir o mesmo efeito. As substâncias produzidas pelo organismo e
n Agonista parcial: um fármaco que não produz que exercem sua ação por meio de receptores (p.ex.,
o efeito máximo mesmo que todos os receptores acetilcolina (ACh) e insulina) são denominados de
estejam ocupados pelo agonista parcial. ligantes endógenos.
Farmacologia clínica ridiculamente fácil 25

Farmacologia do organismo Farmacologia de populações


Vários dos termos usados em farmacologia fo- Antes que um novo fármaco seja aprovado para
ram desenvolvidos para refletir as observações feitas comercialização, sua eficácia e segurança devem ser
após a administração do fármaco a animais de labo- testadas em animais e humanos. Os resultados des-
ratórios ou a pessoas. Os seguintes termos descrevem ses estudos são apresentados usando-se a seguinte
as ações dos fármacos no organismo inteiro. Eles são terminologia:
mais utilizados nos ambientes clínicos do que os ter-
mos relativos às interações fármaco-receptor. n CE50 (Concentração eficaz 50%): a concentração
Eficácia: a intensidade com que um fármaco de fármaco que induz uma resposta clínica espe-
é capaz de induzir efeitos máximos. Se o fármaco A cífica em 50% dos indivíduos aos quais foi admi-
diminui a pressão arterial com 20 mm e o fármaco B nistrado.
a reduz com 10 mm, então o fármaco A tem maior n DL50 (Dose letal 50%): a concentração de fárma-
eficácia do que o fármaco B. Nesse caso, o fármaco co que induz a morte em 50% dos indivíduos aos
A pode ser adequado para tratar hipertensão que é quais foi administrado.
refratária ao fármaco B. n Índice terapêutico: uma medida da segurança
Potência: a quantidade de fármaco que é ne- de um fármaco. Calculado pelo quociente entre a
cessária para produzir 50% da resposta máxima que DL50 e a CE50.
é capaz de provocar. Por exemplo, morfina e codeína n Margem de segurança: a margem entre as doses
são, ambas, capazes de aliviar a dor pós-cirúrgica. letal e terapêutica do fármaco.
Doses menores de morfina são suficientes para obter
esse efeito. Portanto, a morfina é mais potente do
que a codeína.
Interações de fármacos
“Potência” e “eficácia” têm distintos significados
e são usados para descrever diferentes fenômenos. Os fármacos podem interagir entre si de acor-
O termo “potência” é usado, frequentemente, para do com os seguintes mecanismos:
comparar fármacos de uma mesma classe química,
como narcótico-analgésicos ou corticosteroides. Es- n Alteração da absorção: os fármacos podem ini-
ses fármacos têm, em geral, eficácias máximas simi- bir a absorção de outros fármacos através das
lares, se for empregada a dosagem suficiente. membranas biológicas (p.ex., os fármacos antiúl-
“Eficácia” é mais utilizado para comparar fár- cera que revestem o estômago podem diminuir a
macos com diferentes mecanismos. Por exemplo, absorção gastrintestinal de outros fármacos).
cetorolac (fármaco anti-inflamatório não esteroidal) n Alteração da biotransformação: interações de
tem a mesma eficácia que a morfina no controle da fármacos clinicamente importantes podem ocor-
dor pós-cirúrgica. O paracetamol (DCB do aceta- rer quando as isoenzimas P450 (primas quími-
minofeno) ou o ácido acetilsalicílico têm menores cas) são inibidas ou induzidas. A nomenclatura
eficácias dos que os fármacos citados acima, no con- usada para descrever as isoenzimas P450 huma-
trole da dor pós-cirúrgica. nas é CYP seguido da família (um algarismo ará-
Nada pode ser dito em relação à afinidade dos bico), da subfamília (uma letra maiúscula) e do
fármacos com base na sua eficácia ou potência. A afi- gene individual (um algarismo arábico). Exem-
nidade é uma medida da “força” de ligação entre o plos CYP3A4; CYP1A2 e CYP2C9. Fármacos e ou-
fármaco e o seu receptor e não pode ser mensurada tros substratos (como o fumo) podem ser indu-
clinicamente. Um agonista com baixa afinidade pode tores ou inibidores das isoenzimas P450. Outros
produzir uma resposta igual ou maior do que a produ- fármacos podem ser substratos para isoenzimas
zida por um agonista de alta afinidade. Os antagonis- particulares e assim podem ser candidatos para
tas não têm eficácia, pois não produzem respostas. interações de fármacos. Por exemplo, o fenobar-
Curvas dose-resposta graduais: representam bital, um indutor potente da isoenzima CYP3A4,
a magnitude da ação do fármaco em relação a con- pode produzir interações clinicamente significa-
centração (ou dose) necessária para induzir esta tivas com tacrolimo, um substrato desta isoen-
resposta. A curva representa os efeitos e doses de zima. Dosagens maiores e monitorização mais
um fármaco em um único animal ou tecido e não, frequente do tacrolimo podem ser necessárias
na população. A afinidade do receptor, a absorção, para manter sua concentração sérica em nível
a ligação às proteínas plasmáticas, a distribuição, a adequado. Um exemplo de inibição pode ser des-
biotransformação e a excreção do fármaco afetam a crito com os fármacos amiodarona e digoxina. A
curva dose-resposta. amiodarona é um inibidor potente da isoenzima
26 James M. Olson

CYP2C9 e CYP2D6. Como a digoxina é substrato sintomas de retirada quando cessa o efeito do fárma-
de uma dessas enzimas, a amiodarona mais que co. A dependência pode ser física (uso crônico de la-
duplica a concentração sérica da digoxina. xantes leva a dependência de laxantes para ter um
n Competição pelas proteínas plasmáticas (Ver trânsito intestinal normal) ou ter componente psico-
Figura 1.1): fármacos que se ligam às proteínas lógico (Você PRECISA tomar uma xícara de café para
plasmáticas podem competir com outros fár- iniciar o dia?).
macos pelos locais de ligação nas proteínas. O A abstinência ocorre quando o fármaco deixa
deslocamento do fármaco “A” das proteínas plas- de ser administrado ao paciente. Em geral, os sinto-
máticas pelo fármaco “B” pode aumentar a con- mas da retirada são opostos aos efeitos obtidos com
centração do fármaco “A” livre a níveis tóxicos. o fármaco (a interrupção de um anti-hipertensivo,
n Alteração da excreção: os fármacos podem atu- com frequência, causa grave hipertensão e taquicar-
ar nos rins diminuindo a excreção de fármacos dia reflexa). Em alguns casos, como na abstinência
específicos (p.ex., a probenecida compete com as da morfina ou álcool, os sintomas são complexos e
sulfonamidas pelo mesmo transportador, aumen- não relacionados com os efeitos do fármaco.
tando o risco de toxicidade pelas sulfas). Tolerância cruzada e dependência cruzada
ocorrem quando tolerância ou dependência se de-
Adição, sinergismo, potenciação ou antago- senvolvem com fármacos diferentes, mas relacio-
nismo são alguns dos termos usados para descrever nados química ou mecanicamente. Por exemplo, a
interações de fármacos. A Tabela 1.4 demonstra as metadona alivia os sintomas da abstinência de hero-
diferenças entre os quatro tipos de interações. ína porque os pacientes desenvolvem dependência
cruzada a esses dois fármacos.

Tolerância, dependência
e abstinência O perfil dos pacientes

A tolerância é a diminuição da resposta ao fár- A importância do perfil dos pacientes: pres-


maco. Clinicamente é observada quando a dosagem crever fármacos sem considerar o perfil dos pacien-
de um fármaco precisa ser aumentada para obter o tes é assistência de baixo padrão. O perfil do pacien-
mesmo efeito. A tolerância pode ser metabólica (de- te inclui as seguintes considerações:
vido ao uso contínuo o fármaco é biotransformado
mais rapidamente), celular (diminuição do número Idade: em geral, as enzimas biotransformado-
de receptores, conhecido como dessensibilização ou ras de fármacos são subdesenvolvidas nas crianças.
downregulation) ou comportamental (um alcoólico Como os fármacos não são biotransformados tão fa-
aprende a esconder os sinais da bebida para evitar cilmente, eles podem acumular-se em concentrações
ser pego pelos seus colegas). tóxicas. Regimes de dosagens pediátricas e geriátri-
A dependência ocorre quando o paciente ne- cas são informados pela maioria dos fabricantes. É
cessita de um fármaco para “funcionar normalmen- inapropriado administrar dosagens de adultos para
te”. Clinicamente isso é percebido quando aparecem crianças. Em vez disso, regimes de dosagens pediá-

Tabela 1.4
Tipos de interações de fármacos

TIPO DE INTERAÇÃO MODELO MATEMÁTICO

Adição – a resposta produzida pela associação de fármacos é IGUAL à soma das respostas 1+1=2
dos fármacos individuais.

Sinergismo – a resposta produzida pela associação de fármacos é MAIOR do que a soma 1+1=3
das respostas dos fármacos individuais.

Potenciação – um fármaco que não tem efeito aumenta o efeito de um segundo fármaco. 0+1=2

Antagonismo – um fármaco inibe o efeito de outro fármaco. Usualmente o antagonista 1+1=0


não tem atividade inerente.
Farmacologia clínica ridiculamente fácil 27

tricas estão disponíveis para a maioria dos fármacos entre pacientes, o que afeta a farmacocinética e as
e estão, em geral, ajustadas conforme a massa ou a ações de vários fármacos. Por exemplo, a meia-vida
superfície corporal do paciente. da fenitoína varia entre 10 h em um “hidroxilador
Gestação: antes de prescrever fármacos para rápido” a 42 h em um “hidroxilador lento” simples-
a mulher em idade reprodutiva, é essencial saber se mente porque a velocidade de hidroxilação micros-
existe a possibilidade de ela estar grávida ou de estar somal é menor nesse último paciente. Inúmeras
amamentando. Vários fármacos não devem ser pres- peculiaridades farmacogenéticas foram descritas.
critos para gestantes ou lactantes. Outros podem ser Peculiaridades específicas, seus mecanismos e a me-
administrados, mas com cautela. todologia farmacogenética não são discutidas neste
Hábito de fumar e consumir bebidas alcoó- capítulo.
licas: ambos são indutores das enzimas P450 hepá- Interação de fármacos.
ticas, o que acelera a biotransformação de inúmeros Fatores psicossociais: a baixa aderência dos
fármacos. Em alguns casos o resultado é uma con- pacientes às instruções é a causa de inúmeras falhas
centração do fármaco menor do que o esperado com dos tratamentos medicamentosos. Antes de pres-
consequente menor eficácia terapêutica. Os pró-far- crever um medicamento, deve-se considerar o seu
macos, contudo, podem ser transformados nas suas custo, a facilidade de administração e o esquema de
formas ativas mais rapidamente e, em alguns casos, dosificação. Avalie também o nível de responsabili-
alcançar concentrações tóxicas. dade do paciente.
Doença renal ou hepática: pode ser neces-
sário reduzir a dose em pacientes com disfunções Para avaliar totalmente a toxicidade de um
renais ou hepáticas. Rins insuficientes excretam fármaco é necessário registrar o estado do pacien-
menos metábolitos de fármacos. Fígado insuficiente te antes do tratamento, para fins de comparação.
biotransforma menos fármacos em comparação ao Deve ser dada atenção particular aos órgãos que
fígado que funciona adequadamente. Insuficiência provavelmente são lesados pelo fármaco. Algumas
renal e hepática são particularmente comuns na po- vezes é necessário ajustar a dosagem em função da
pulação idosa. concentração do fármaco no sangue, particularmen-
Farmacogenética: essa é a avaliação mais di- te no uso de fármacos com margem de segurança
fícil no perfil do paciente. Há diferenças genéticas estreita.

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