Cap 01 Farmacologia Clínica
Cap 01 Farmacologia Clínica
Cap 01 Farmacologia Clínica
Princípios da farmacologia
Coautoria de ANNE BOURNAY, R.Ph.
n Estabilidade do fármaco. Fármacos que se des- tagens dessas técnicas de administração incluem
naturam por ácidos não são bons candidatos para absorção mais rápida e previsível do fármaco e do-
preparações orais porque podem ser destruídos sificação mais precisa. As desvantagens incluem a
no estômago (pH gástrico = 2). necessidade de assepsia, o risco de infecções, dor e
n Efeito de primeira passagem. O sangue do tra- irritação local.
to gastrintestinal passa através do fígado antes
de alcançar os outros órgãos. Durante esta pas- n Intravenosa (IV): início rápido da ação, pois
sagem pelo fígado, uma fração do fármaco (em o fármaco é injetado diretamente na corrente
alguns casos quase a totalidade) pode ser bio- sanguínea. Essa via de administração é útil nas
transformada em um derivado menos ativo ou emergências e para pacientes inconscientes. Os
inativo. A inativação de alguns fármacos é tão fármacos insolúveis não podem ser administra-
significativa que se tornam inúteis quando admi- dos por essa via.
nistrados por via oral. n Intramuscular (IM): o fármaco passa através
da parede capilar para entrar na corrente san-
guínea. A velocidade de absorção depende da
formulação (preparações oleosas são absorvidas
Vias de administração de fármacos lentamente, enquanto as aquosas são absorvidas
de modo rápido). Essa via pode ser usada para
As vias de administração compreendem: autoadministração em pacientes treinados.
n Subcutânea (SC): o fármaco é injetado sob a
n Oral (PO): mais adequada para os fármacos que
pele e deve permear a parede capilar para entrar
são autoadministrados. Os fármacos orais de-
na corrente sanguínea. Somente preparações não
vem ser resistentes ao meio ácido do estômago
irritantes podem ser usadas.
e precisam permear o epitélio intestinal antes de
alcançarem a corrente sanguínea. A absorção é
influenciada pelo esvaziamento gástrico e a mo-
tilidade intestinal. Regimes de dosificações
n Sublingual: boa absorção por meio do leito capi-
lar sob a língua. Os fármacos são facilmente au- Três regimes comuns de dosificações são com-
toadministrados. Como o estômago é evitado, a parados na Tabela 1.1. A meia-vida é o tempo neces-
ácidolabilidade e a permeabilidade intestinal não sário para que a concentração do fármaco no plasma
precisam ser consideradas. diminua 50% após a interrupção da dosificação. A
n Retal (PR): útil para pacientes inconscientes ou meia-vida de distribuição (t½α) reflete a redução
que apresentam vômitos ou, ainda, para crianças rápida da concentração do fármaco no plasma con-
pequenas. A absorção é inconfiável. forme ele é distribuído pelo organismo. A meia-vida
n Inalação (IN): absorção em geral rápida. Alguns de eliminação (t½b), com frequência, é muito pe-
fármacos são comercializados em dispositivos quena, refletindo a biotransformação e a excreção do
que liberam doses fixas e são apropriadas para fármaco. Observe que várias meias-vidas se passam
autoadministração. antes que a concentração sérica do fármaco alcance o
n Tópica: útil para os fármacos de ação local, par- equilíbrio. Assim, para se obter valores que reflitam o
ticularmente aqueles que apresentam efeitos ad- estado de equilíbrio, é necessário aguardar de quatro
versos quando administrados por via sistêmica. a cinco meias-vidas antes de mensurar o pico, o vale
Essa via de administração é usada principalmen- ou o nível plasmático.
te para preparações dermatológicas, oftálmicas, Os níveis terapêuticos do fármaco podem ser al-
nasais, vaginais e óticas. cançados mais rapidamente pela administração de uma
n Transdermal: alguns fármacos podem ser for- dosagem de carga, seguida das dosagens de manuten-
mulados e incorporados em emplastros que são ção. A dosagem de carga é uma dose inicial maior do
aplicados sobre a pele. O fármaco difunde do em- que as subsequentes com o propósito de rapidamente
plastro e, através da pele, alcança o leito capilar. alcançar a concentração terapêutica no sangue. Essa
A via transdermal é muito conveniente para a au- dosagem de carga é seguida pelas dosagens de ma-
toadministração de fármacos. nutenção que são utilizadas para manter constante a
concentração sanguínea no nível terapêutico.
Há três técnicas de administração de fármacos O regime de dosificações (via, quantidade e fre-
que tradicionalmente são classificadas de parente- quência) da administração do fármaco influencia o
rais (“por fora do trato gastrintestinal”). As van- início e a duração de sua ação. Início (aparecimen-
Farmacologia clínica ridiculamente fácil 17
Tabela 1.1
Influência do regime de dosificações nos níveis do fármaco no plasma
Dosificação simples
A concentração do fármaco no plasma aumenta à medida que ele IV
se distribui pelo sangue e, então, cai conforme ele é distribuído aos
fármaco no plasma
Oral
Concentração do
tecidos, biotransformado e excretado.
0 5 10 15
Tempo
fármaco no plasma
Concentração do
O aumento da velocidade de infusão não diminui o tempo
necessário para alcançar o equilíbrio.
1X mg/hora
O aumento da velocidade de infusão aumenta, contudo, a
concentração do fármaco no plasma ao alcançar o equilíbrio.
0 5 10 15
Tempo
Dosificação intermitente
O fármaco deve ser administrado por 4 a 5 meias-vidas antes
de alcançar o estado de equilíbrio.
fármaco no plasma
Concentração do
Tabela 1.2
O transporte de fármacos através das membranas
Difusão passiva Não Não É rápida para moléculas pequenas, não iônicas e lipofílicas.
É lenta para moléculas grandes, iônicas e hidrofílicas.
Canais aquosos Não Não Fármacos pequenos (< 200 D de massa molecular) e
hidrofílicos difundem-se ao longo do gradiente de
concentração, passando através dos canais aquosos (poros).
Transporte ativo Sim Sim Idêntico à difusão facilitada exceto que o transporte do
fármaco contra o gradiente de concentração consome ATP.
• Fatores relacionados aos fármacos que influen- a albumina, reduz a quantidade de fármaco “livre”
ciam a absorção incluem grau de ionização; (o que não está ligado a proteínas) no sangue. São
massa molecular, solubilidade (lipofilicidade) e as moléculas “livres” do fármaco, e não as moléculas
formulação (solução em comprimido). Fármacos ligadas às proteínas, que estabelecem o equilíbrio
pequenos, não ionizados e liposolúveis atraves- entre o sangue e os tecidos. Assim, a diminuição na
sam a membrana plasmática mais facilmente. quantidade de fármaco livre no soro está relaciona-
• Fatores relacionados ao paciente que influenciam da com a redução do fármaco que pode entrar em
a absorção de fármacos dependem da via de ad- um determinado órgão.
ministração. Por exemplo, a presença de alimento Armazenamento de depósito: fármacos lipofí-
no TGI, a acidez gástrica e o fluxo de sangue ao licos. Esses fármacos, como o sedativo tiopental, acu-
TGI interferem na absorção da medicação oral. mulam-se na gordura e são liberados lentamente des-
ses depósitos. Dessa forma, uma pessoa obesa pode ser
sedada por um maior período de tempo do que uma
Distribuição de fármacos pessoa magra que recebeu a mesma dose de tiopental.
Os fármacos que se ligam ao cálcio, como o antibióti-
Os seguintes fatores influenciam a distribuição co tetraciclina, acumulam-se nos ossos e dentes.
de fármacos: O volume de distribuição aparente (Vd) é um
A permeabilidade da membrana: para entrar valor calculado que descreve a natureza da distri-
em um órgão, o fármaco precisa atravessar a mem- buição do fármaco. O Vd é o volume necessário para
brana que separa o órgão do local de administração. conter a dose administrada caso ela tenha sido distri-
Por exemplo, as benzodiazepinas por serem muito li- buída de modo uniforme na concentração mensurada
pofílicas facilmente atravessam a parede intestinal, a no plasma. Pode-se prever que um fármaco com Vd =
parede capilar e a barreira hematoencefálica. Por 3 litros está distribuído somente no plasma (volume
isso, elas chegam rapidamente ao cérebro e são úteis plasmático = 3 L), enquanto um fármaco com Vd =
no tratamento da ansiedade e de convulsões. Já al- 16 L provavelmente está distribuído na água extrace-
guns antibióticos são capazes de passar do intestino lular (água extracelular = 3 L de plasma + 10 a 13
para o sangue, mas não conseguem entrar no cérebro. L de líquido intersticial). Um fármaco com Vd > 46 L
Esses fármacos não podem ser usados para combater provavelmente está isolado em um depósito porque o
infecções no cérebro. A escassa passagem de alguns organismo contém somente de 40 a 46 L de líquido.
fármacos anticâncer através da barreira hemato-en-
cefálica e da barreira hematotesticular ocasionam
um número relativamente elevado de recorrências de Biotransformação de fármacos
alguns tumores no cérebro ou nos testículos. A bar-
reira placentária evita a exposição fetal a alguns fár- Fármacos, substâncias químicas e toxinas são
macos, mas permite a passagem de outros. substâncias estranhas ao nosso organismo. Ele tenta
Ligação a proteínas plasmáticas (Figura 1.1): se livrar dessas substâncias, independentemente de
a ligação de fármacos às proteínas plasmáticas, como elas serem terapêuticas ou prejudiciais. A maioria
Farmacologia clínica ridiculamente fácil 19
Legenda
Fármaco A
Fármaco B
O fármaco B desloca
da albumina 10% do
fármaco A
Fármaco A
ligado à proteína
Fármaco A Fármaco A (inativo)
ligado à proteína não ligado Fármaco A
(inativo) (ativo) não ligado
(ativo)
Figura 1.1
Consequências do deslocamento do fármaco da albumina e de outras proteínas plasmáticas. Alguns fármacos (p.ex., o fármaco A) ligam-se
em mais de 90% às proteínas plasmáticas. As moléculas “livres” do fármaco (não ligadas) podem atuar nos receptores, mas as moléculas ligadas,
não. Na figura, o fármaco B desloca somente cinco moléculas do fármaco A. Isso mais que triplica a concentração sérica do fármaco livre (ativo) A,
podendo ser fatal se esse fármaco tiver uma margem de segurança muito pequena. O deslocamento de fármacos que pouco se ligam às proteí-
nas é menos significativo, como, por exemplo, se o fármaco A fosse 50% ligado e 50% livre, o deslocamento de 10% da fração ligada aumentaria
a fração livre de 50% para 55%. Esse pequeno aumento provavelmente não teria relevância clínica.
dos fármacos precisa ser biotransformado (ou meta- biotransformação de vários fármacos. O cito-
bolisado) antes de ser excretado. Em farmacologia, cromo 450 (assim denominado porque absorve
o termo biotransformação, com frequência, refere- o máximo de luz no comprimento de 450 nm) é
se ao processo de tornar o fármaco mais polar e hi- uma família de isoenzimas localizadas no retículo
drossolúvel. Embora, isso, em geral, resulte na inati- endoplasmático dos hepatócitos. Por meio de uma
vação e excreção do fármaco, é INCORRETO admitir cadeia de transporte de elétrons que usa NADPH
que o metabólito sempre será menos ativo ou mais como carregador de prótons, o fármaco ligado ao
facilmente excretado do que o fármaco precursor. citocromo P450 pode ser oxidado ou reduzido (re-
ação de fase I).
Reações metabólicas podem transformar...
O citocromo P450 pode ser induzido (aumento
de atividade) por inúmeros fármacos e substâncias
n um fármaco ativo em formas menos ativas ou
químicas. A indução ocorre em resposta à presença
inativas.
da substância química que é biotransformada pelo
n um PRÓ-FÁRMACO (fármaco inativo ou menos
P450 (mais enzima é produzida para processar a
ativo) em um fármaco mais ativo.
substância química). Uma vez que a enzima é indu-
A biotransformação de fármacos e toxinas está zida, ela biotransforma o “agente indutor” mais ra-
dividida em reações de “fase I” e “fase II” (Figuras pidamente. Contudo, como o citocromo P450 não é
1.2A, 1.2B). Nas reações de fase I (não sintéticas), específico para o indutor, outros fármacos biotrans
os fármacos são oxidados ou reduzidos a formas mais formados pela enzima induzida também são biotrans-
polares. Nas reações de fase II (sintéticas), um gru- formados mais rapidamente.
po polar, como a glutationa, é conjugado ao fármaco. A tolerância ao álcool é um exemplo da in-
Isso aumenta substancialmente a polaridade dele. Os dução das enzimas microssomais P450. O álcool
fármacos que sofrem as reações de conjugação, em é biotransformado pelo P450. Se uma pessoa não
geral, já sofreram transformações de fase I. ingere bebida alcoólica regularmente, dois drinques
O sistema microssomal hepático de oxi- talvez possam deixá-la bêbada. Se a mesma pes-
dação/redução de fármacos é responsável pela soa consome os dois drinques diariamente duran-
20 James M. Olson
1. Hidroxilação 2. Desalquilação
1. Azorredução
2. Nitrorredução
Figura 1.2A
Exemplos de reações metabólicas de fase I.
3. Acetilação
Figura 1.2B
Exemplos de reações metabólicas de fase II.
denominado circulação êntero-hepática, pode pro- sintomas indesejados podem ser devidos ao acú-
longar a presença do fármaco no organismo. mulo do fármaco e não, ao processo patológico em
Inúmeros processos ocorrem nos rins e podem curso.
afetar a velocidade de excreção. Os processos mais
importantes são a filtração glomerular, a secreção
tubular e a reabsorção tubular. Esses processos são
comparados na Tabela 1.3. Os mecanismos de ex- Depuração de fármacos
creção de fármacos são vulneráveis às lesões renais
causadas por toxinas, outros fármacos ou doenças. O termo depuração refere-se ao volume de
Como os fármacos, metabólitos e toxinas se con- líquido que deve ser completamente purificado de
centram nos rins, com frequência, esses órgãos fármaco (por unidade de tempo), caso todo o fárma-
são locais de toxicidade induzida por substâncias co excretado/biotransformado foi removido desse
químicas. Em pacientes com insuficiência renal, os volume (e o líquido que resta no organismo mantém
22 James M. Olson
Tabela 1.3
Processos renais que influenciam a excreção de fármacos
Secreção tubular Os fármacos são secretados Transporte ativo (transportador e Os fármacos podem competir entre
da arteríola eferente para o energia). Os fármacos que se ligam si pelo transportador. Um fármaco
túbulo renal. especificamente aos transportado- com baixa margem de segurança
res são transferidos. O tamanho e a podem alcançar concentrações
carga são menos importantes. tóxicas. Fármacos que competem
pelos transportadores podem ser
coadministrados para aumentar
a meia-vida (T ½) plasmática com
objetivo terapêutico.
Reabsorção tubular Os fármacos são reabsorvidos Processo de difusão. Fármacos Como as substâncias
do túbulo renal para a pequenos não ionizados passam ionizadas são mal reabsorvidas, os
circulação sanguínea. mais facilmente. metabólitos de fármacos que são
mais ionizados do que o fármaco
precursor passam mais facilmente
para a urina. O pH
da urina pode ser alterado proposi-
talmente para acelerar a velocidade
de excreção do fármaco (p.ex.,
administrando bicarbonato).
OU
Farmacologia celular
Depuração = k • Vd
Em que, K = constante de velocidade de eliminação Os receptores são, em geral, proteínas ou glicopro-
e Vd = volume aparente de distribuição teínas que estão presentes na superfície celular, em
Farmacologia clínica ridiculamente fácil 23
uma organela no interior da célula ou no citoplasma. n Uma função celular é “ligada” (p.ex., promoção
Há um número finito de receptores em uma dada esteroidal da transcrição do DNA).
célula. Assim, as respostas mediadas por receptores
atingem o platô ao alcançar (ou antes de alcançar) É necessária uma terminologia muito precisa
a saturação dos receptores. Quando um fármaco se na discussão das interações fármaco-receptor. Tam-
liga a um receptor, ocorre uma das seguintes ações bém é importante evitar a substituição de termos
(Figura 1.3): que descrevem as ações do fármaco no organismo
ou na população (p.ex., potência, eficácia, índice te-
n Um canal iônico é aberto ou fechado. rapêutico) por termos que descrevem as ações do
n São ativados mensageiros bioquímicos, com fre- fármaco no receptor (p. ex., afinidade).
quência, denominados segundos mensageiros Teoria dos receptores da ação dos fármacos:
(AMPc, GMPc, Ca++, fosfato de inositol). O men- Langley e Ehrlich foram os primeiros a propor que a
sageiro bioquímico inicia uma série de reações ação dos fármacos era mediada por receptores. Em
químicas no interior da célula o que transduz o 1933, Clark desenvolveu a teoria dose-resposta que
sinal estimulado pelo fármaco. estabelece que o aumento da resposta a um fárma-
n Uma função celular normal é inibida fisicamente co depende do aumento da ligação do fármaco aos
(p.ex., síntese de DNA, produção de parede celu- receptores. A teoria de Clark estava incorreta em vá-
lar bacteriana, síntese proteica). rios pontos. Em 1956, Stephenson apresentou uma
A B C
β M
N
Proteína G Proteína G
Adenilciclase Fosfolipase C
ATP PIP2
AMPC IP3
Diacilglicerol
Ca++
Proteína-
-cinase C
Figura 1.3
Exemplos de receptores e sistemas (segundo) mensageiros bioquímicos ou canais iônicos associados. A) Receptores como o receptor
β-adrenérgico são acoplados com adenililciclase por meio de uma “proteína G” (assim denominada porque se liga ao GTP). Quando um agonista
se liga ao receptor, a proteína G sinaliza a adenilato ciclase para sintetizar monofosfato cíclico de adenosina (AMPC) que atua como mensageiro
intracelular. B) Receptores como o muscarínico da acetilcolina (M) estão acoplados com uma proteína G que estimula a fosfolipase C. Essa cataliza
a hidrólise do fosfatidilinositol 5,5-bifosfato (PIP2) a produzir trifosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol (DAG). O IP3 por sua vez pode estimular ou-
tros mensageiros intracelulares, tais como o cálcio ou a calmodulina e o DAG estimula a proteína-cinase C. Essa atua fosforilando a proteína alvo.
C) Alguns receptores regulam canais iônicos na membrana plasmática. Quando o receptor nicotínico (N) é estimulado pela ACh, o canal se abre
e íons de sódio entram na célula. No exemplo do receptor nicotínico, o receptor do fármaco é um componente da proteína que forma o canal
iônico. Em outros casos, um receptor distinto pode estar ligado ao canal iônico pela proteína G ou a outros mensageiros bioquímicos.
24 James M. Olson
teoria dose-resposta modificada, a qual é mais acei- n Antagonista: inibe ou bloqueia as respostas cau-
ta atualmente. sadas pelos agonistas.
n Antagonista competitivo: compete pelo recep-
n Teoria de Clark tor com o agonista. Durante o tempo que o re-
ceptor está ocupado pelo antagonista, o agonis-
1. A reposta ao fármaco é proporcional ao núme- ta não pode se ligar ao receptor. O número de
ro de receptores ocupados. receptores permanece inalterado porque doses
2. Todas as interações fármaco-receptor são re- elevadas de agonistas competem essencialmente
versíveis. com todos os receptores. A afinidade do agonista,
3. O fármaco que se liga aos receptores repre- contudo, parece menor porque maiores concen-
senta só uma fração do fármaco disponível. trações de agonista são necessárias, na presença
4. Cada receptor liga apenas um fármaco. do antagonista, para obter a mesma ocupação
n Teoria modificada por Stephenson dos receptores. Como o antagonismo pode ser
neutralizado por concentrações elevadas de ago-
1. A resposta ao fármaco depende da sua afini- nista, o antagonismo competitivo é denominado
dade pelos seus receptores e da sua eficácia. reversível.
(Esses conceitos serão definidos adiante.) n Antagonista não competitivo: liga-se a um lo-
2. Descreve os receptores de reserva. Propõe cal diferente daquele do agonista. Induz altera-
que a resposta máxima pode ser alcançada ção conformacional no receptor de forma que
mesmo que uma fração dos receptores (os re- o agonista não “reconhece” o local de ligação.
ceptores de reserva) não estejam ocupados. Mesmo concentrações elevadas de agonista não
A seguinte terminologia refere-se somente aos conseguem reverter esse antagonismo, por isso
eventos que ocorrem nas células: denominado irreversível. O número de locais de
ligação do agonista parece diminuído, mas a afi-
n Afinidade: refere-se à FORÇA de ligação entre o nidade do agonista pelos “locais não-antagonisa-
fármaco e o seu receptor. O número de recepto- dos” permanece inalterado.
res celulares ocupados por um fármaco é função n Antagonista irreversível (competitivo não equi
de um equilíbrio entre o fármaco que é ligado líbrio): antagonistas irreversíveis também não
aos receptores e o fármaco livre. O agonista ou são superados. Esses fármacos competem com
antagonista com alta afinidade, uma vez ligado os agonistas pelo local de ligação do agonista.
ao receptor, dissocia-se com mais dificuldade do Em contraste com os antagonistas competitivos,
que aqueles com baixa afinidade. contudo, o antagonismo irreversível combina
n Constante de dissociação (KD): mede a afinida- definitivamente com o receptor. A velocidade do
de do fármaco por um determinado receptor. Ela antagonismo pode ser diminuída por altas con-
determina a concentração de fármaco na solução centrações de agonista. Contudo, uma vez que
para ocupar 50% dos seus receptores. A unidade o antagonista irreversível se liga a um receptor
de concentração é expressa em mol/L. particular, o receptor não pode mais ser ativado
n Agonista: é o fármaco que altera a fisiologia celu- pelo agonista.
lar ao ligar-se a receptores na membrana celular
ou no interior da célula. Em geral, certo número Outras formas de antagonismo: além do an-
de receptores precisa ser ocupado pelo agonista tagonismo farmacológico, há dois outros mecanis-
antes de ocorrer uma alteração mensurável na mos pelos quais um fármaco pode inibir ou bloquear
função celular. Por exemplo, a célula muscular o efeito de um agonista:
não se despolariza somente porque uma molécu-
la de acetilcolina se ligou a um receptor nicotíni- n Antagonismo fisiológico: dois agonistas causam
co e ativou um canal iônico. efeitos opostos por meio de reações não relacio-
n Agonista forte: é um agonista que causa o efeito nadas. Os efeitos anulam-se.
máximo, mesmo que ele ocupe somente uma pe- n Antagonismo por neutralização: os dois fárma-
quena fração dos receptores disponíveis na célula. cos ligam-se entre si. Quando combinados, am-
n Agonista fraco: é um agonista que precisa se li- bos são inativos.
gar a mais receptores do que um agonista forte
para produzir o mesmo efeito. As substâncias produzidas pelo organismo e
n Agonista parcial: um fármaco que não produz que exercem sua ação por meio de receptores (p.ex.,
o efeito máximo mesmo que todos os receptores acetilcolina (ACh) e insulina) são denominados de
estejam ocupados pelo agonista parcial. ligantes endógenos.
Farmacologia clínica ridiculamente fácil 25
CYP2C9 e CYP2D6. Como a digoxina é substrato sintomas de retirada quando cessa o efeito do fárma-
de uma dessas enzimas, a amiodarona mais que co. A dependência pode ser física (uso crônico de la-
duplica a concentração sérica da digoxina. xantes leva a dependência de laxantes para ter um
n Competição pelas proteínas plasmáticas (Ver trânsito intestinal normal) ou ter componente psico-
Figura 1.1): fármacos que se ligam às proteínas lógico (Você PRECISA tomar uma xícara de café para
plasmáticas podem competir com outros fár- iniciar o dia?).
macos pelos locais de ligação nas proteínas. O A abstinência ocorre quando o fármaco deixa
deslocamento do fármaco “A” das proteínas plas- de ser administrado ao paciente. Em geral, os sinto-
máticas pelo fármaco “B” pode aumentar a con- mas da retirada são opostos aos efeitos obtidos com
centração do fármaco “A” livre a níveis tóxicos. o fármaco (a interrupção de um anti-hipertensivo,
n Alteração da excreção: os fármacos podem atu- com frequência, causa grave hipertensão e taquicar-
ar nos rins diminuindo a excreção de fármacos dia reflexa). Em alguns casos, como na abstinência
específicos (p.ex., a probenecida compete com as da morfina ou álcool, os sintomas são complexos e
sulfonamidas pelo mesmo transportador, aumen- não relacionados com os efeitos do fármaco.
tando o risco de toxicidade pelas sulfas). Tolerância cruzada e dependência cruzada
ocorrem quando tolerância ou dependência se de-
Adição, sinergismo, potenciação ou antago- senvolvem com fármacos diferentes, mas relacio-
nismo são alguns dos termos usados para descrever nados química ou mecanicamente. Por exemplo, a
interações de fármacos. A Tabela 1.4 demonstra as metadona alivia os sintomas da abstinência de hero-
diferenças entre os quatro tipos de interações. ína porque os pacientes desenvolvem dependência
cruzada a esses dois fármacos.
Tolerância, dependência
e abstinência O perfil dos pacientes
Tabela 1.4
Tipos de interações de fármacos
Adição – a resposta produzida pela associação de fármacos é IGUAL à soma das respostas 1+1=2
dos fármacos individuais.
Sinergismo – a resposta produzida pela associação de fármacos é MAIOR do que a soma 1+1=3
das respostas dos fármacos individuais.
Potenciação – um fármaco que não tem efeito aumenta o efeito de um segundo fármaco. 0+1=2
tricas estão disponíveis para a maioria dos fármacos entre pacientes, o que afeta a farmacocinética e as
e estão, em geral, ajustadas conforme a massa ou a ações de vários fármacos. Por exemplo, a meia-vida
superfície corporal do paciente. da fenitoína varia entre 10 h em um “hidroxilador
Gestação: antes de prescrever fármacos para rápido” a 42 h em um “hidroxilador lento” simples-
a mulher em idade reprodutiva, é essencial saber se mente porque a velocidade de hidroxilação micros-
existe a possibilidade de ela estar grávida ou de estar somal é menor nesse último paciente. Inúmeras
amamentando. Vários fármacos não devem ser pres- peculiaridades farmacogenéticas foram descritas.
critos para gestantes ou lactantes. Outros podem ser Peculiaridades específicas, seus mecanismos e a me-
administrados, mas com cautela. todologia farmacogenética não são discutidas neste
Hábito de fumar e consumir bebidas alcoó- capítulo.
licas: ambos são indutores das enzimas P450 hepá- Interação de fármacos.
ticas, o que acelera a biotransformação de inúmeros Fatores psicossociais: a baixa aderência dos
fármacos. Em alguns casos o resultado é uma con- pacientes às instruções é a causa de inúmeras falhas
centração do fármaco menor do que o esperado com dos tratamentos medicamentosos. Antes de pres-
consequente menor eficácia terapêutica. Os pró-far- crever um medicamento, deve-se considerar o seu
macos, contudo, podem ser transformados nas suas custo, a facilidade de administração e o esquema de
formas ativas mais rapidamente e, em alguns casos, dosificação. Avalie também o nível de responsabili-
alcançar concentrações tóxicas. dade do paciente.
Doença renal ou hepática: pode ser neces-
sário reduzir a dose em pacientes com disfunções Para avaliar totalmente a toxicidade de um
renais ou hepáticas. Rins insuficientes excretam fármaco é necessário registrar o estado do pacien-
menos metábolitos de fármacos. Fígado insuficiente te antes do tratamento, para fins de comparação.
biotransforma menos fármacos em comparação ao Deve ser dada atenção particular aos órgãos que
fígado que funciona adequadamente. Insuficiência provavelmente são lesados pelo fármaco. Algumas
renal e hepática são particularmente comuns na po- vezes é necessário ajustar a dosagem em função da
pulação idosa. concentração do fármaco no sangue, particularmen-
Farmacogenética: essa é a avaliação mais di- te no uso de fármacos com margem de segurança
fícil no perfil do paciente. Há diferenças genéticas estreita.