PDF - Flávio Renato Caetano Ferreira

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

CURSO DE DIREITO

FLÁVIO RENATO CAETANO FERREIRA

ATUAIS LIMITES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA

CAMPINA GRANDE – PB
2013
FLÁVIO RENATO CAETANO FERREIRA

ATUAIS LIMITES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Bacharelado em Direito – Campus
I da Universidade Estadual da Paraíba, em
cumprimento à exigência para obtenção do
grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Me. Amílton de França

CAMPINA GRANDE – PB
2013
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL – UEPB

F383a Ferreira, Flávio Renato Caetano.


Atuais limites à negociação coletiva [manuscrito] /
Flávio Renato Caetano Ferreira. 2013.
39 f.

Digitado.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Direito) – Universidade Estadual da Paraíba, Centro de
Ciências Jurídicas, 2013.
“Orientação: Prof. Me, Amílton de França.
Departamento de Direito Público”.

1. Direito trabalhista. 2. Negociação coletiva. I. Título.

21. ed. CDD 344.01


EPÍGRAFE

“Não sou nem otimista, nem pessimista.


Os otimistas são ingênuos, e os
pessimistas amargos. Sou um homem da
esperança. Sei que é para um futuro muito
longínquo. Sonho com o dia em que o sol
de Deus vai espalhar justiça pelo mundo
todo.”

Ariano Suassuna
RESUMO

Cabe ao Direito ser a ciência responsável pela busca da realização do bem-estar social e da
justiça através de normas baseadas nos valores de determinada sociedade, com a evolução da
sociedade ocidental e com a Revolução Industrial (século XVIII) surge o ramo jurídico
responsável pela busca da justiça social através da regulamentação dos conflitos entre patrões
e empregados, com normas oriundas do Estado e normas oriundas de negociações entre os
entes coletivos envolvidos. Este ramo jurídico, Direito do Trabalho, tem sua
institucionalização durante a primeira metade do século XX com a consagração dos Princípios
da Proteção e da Liberdade Sindical, e entra em sua fase de “crise e transição” após a década
de 1970 e globalização dos mercados e da produção. Conjuntamente a esta “crise”, a
ideologia neoliberal, nascida neste período e presente até os dias atuais prega uma “transição”
ou “reforma” do Direito do Trabalho, através de uma reformulação no Princípio da Proteção,
transferindo do Estado para o sindicato a responsabilidade por proteger o trabalhador,
ganhando grande importância o instituto da Negociação Coletiva. Contudo, as normas
coletivas não são absolutas, possuindo limites na ordem internacional, nos princípios jurídicos
e na Constituição Federal, tornando a flexibilização trabalhista uma exceção dentro do
ordenamento pátrio.

PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho; Flexibilização, Negociação Coletiva.


ABSTRACT

The Law must be the science responsible to realize a welfare and justice through standards
based on the values of determined society, with evolution of occident society and Industry
Revolution (eighteenth century) born a legal branch responsibility for conquest the social
justice through the conflicts between employers and employees, with state rules and
negotiated rules. This legal branch, the labor law, has institutionalization in first part of
twenty century with a consecration of Protection Principle and Syndical Freedom, and begins
a phase of “crisis and transition” after 1970 and globalization of production and market.
Together this “crisis”, the neoliberal ideology, born in this period and present today, defended
a “transition” and “reform” in the labor law, through a redesign of Protection Principle, in
especial, transferring for de syndicate the responsibility of protection the worker, gaining
great importance to collective bargaining. However, the collective rights born to bargaining
isn’t absolutely, because have limits in international order, in principles of federal
constitution, making a labor flexibility one exception on national order legal.

KEYWORDS: Labor Law; Flexibility, Collective Bargaining.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................7

1 DIREITO DO TRABALHO.................................................................................................9
1.1 Histórico................................................................................................................................9
1.2 Fases do Direito do Trabalho .............................................................................................10
1.3 Definição.............................................................................................................................12
1.4 Ramos do Direito do Trabalho............................................................................................13

2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO................................................................15


2.1 Princípios Jurídicos.............................................................................................................15
2.2 Normatividade dos Princípios Jurídicos.............................................................................16
2.3 Princípios Jurídicos do Direito do Trabalho.......................................................................18
2.3.1 Princípios Aplicáveis ao Direito Individual do Trabalho................................................18
2.3.2 Princípios Aplicáveis ao Direito Coletivo do Trabalho...................................................20

3 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO


TRABALHISTA......................................................................................................................23
3.1 Princípio da Proteção..........................................................................................................23
3.2 Globalização e Críticas ao Princípio da Proteção...............................................................25
3.3 Flexibilização, Terceirização e Autonomia Privada Coletiva............................................26

4 LIMITES À FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA .......................................................29


4.1 Flexibilização e Princípios Fundamentais...........................................................................29
4.2 Flexibilização e Princípio da Proteção ...............................................................................31
4.3 Flexibilização e Negociação Coletiva ................................................................................34
4.4 Princípio da Adequação Setorial Negociada ......................................................................36

CONCLUSÃO.........................................................................................................................38

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................39
7

INTRODUÇÃO

O Direito do Trabalho surgiu com o objetivo de proporcionar proteção à parte mais


fraca da relação laboral, o trabalhador, sendo inerente a sua existência o Princípio da
Proteção, pelo qual o Estado deve agir garantindo a igualdade material (superior a igualdade
formal) entre os dois polos do contrato de trabalho.

Conjuntamente ao surgimento desta obrigação estatal e por decorrência da ação dos


trabalhadores organizados, o Direito do Trabalho também tem uma vertente coletiva, onde o
polo hipossuficiente conquista sua igualdade pela presença de uma coletividade de
trabalhadores representada por um sindicato, sendo fruto desta relação normas coletivas não
estatais que regulamentam o contrato de trabalho e desta forma incidem na esfera individual
do trabalhador.

Possuindo o Direito do Trabalho normas estatais e normas negociadas entre os entes


coletivos envolvidos, o sindicato dos trabalhadores e a empresa ou o sindicato do ramo
econômico, havendo uma hierarquia clássica oriunda do Princípio da Proteção, onde a norma
mais favorável é a norma aplicável a relação jurídica, acarretando a nulidade de norma
negociada possuidora de patamar de proteção inferior a norma estatal.

Contudo, com o processo de ‘crise’ do Direito do Trabalho, iniciado na década de


1970, decorrente de transformações do mundo do trabalho, da ordem política internacional e
do pensamento neoliberal, o Princípio da Proteção começa a ser relativizado através na
modificação das normas estatais e pela defesa da supremacia da norma negociada à norma
estatal, como forma de flexibilizar o Direito do Trabalho adequando aos novos tempos
vividos.

Desta forma, e com ênfase a este processo de Flexibilização Trabalhista oriundo das
normas negociadas entre os entes coletivos, buscamos neste trabalho estudar os limites desta
negociação nos tempos atuais, observando os Princípios do Direito do Trabalho, em especial
do Princípio da Proteção; os Princípios e Regras da Constituição Federal; e o Princípio da
Adequação Setorial Negociada, forma utilizada pelo Tribunal Superior do Trabalho para
resolver questões de conflito entre normas estatais e negociadas.

O primeiro capítulo do texto apresenta a origem do Direito do Trabalho, analisando


suas fases históricas, sua definição e seus ramos ou vertentes, individual e coletiva, com o
objetivo de situar o leitor na disciplina em estudo.

O segundo capítulo trata de temática sempre atual para o Direito, os Princípios


Jurídicos, analisando o conceito de princípios jurídicos, a possível e controversa
normatividade destes, e os princípios do Direito do Trabalho, na esfera individual e coletiva.

O terceiro capítulo intitulado: Princípio da Proteção, Globalização e Flexibilização


Trabalhista, apresenta estas três temáticas, conceituando-as e apresentando suas relações e
críticas diante do mundo do trabalho contemporâneo, com o objetivo de dar suporte a
8

discussão que encerra o presente estudo, inclusive com uma breve discussão acerca do
instituto da terceirização trabalhista, uma das forma de flexibilização da legislação estatal.

O ultimo capítulo trata da temática maior deste estudo, os limites da Flexibilização


Trabalhista, em especial, da flexibilização oriunda das Negociações Coletivas, para isto o
texto nos trás relações da Flexibilização e os Princípios Fundamentais; da Flexibilização e o
Princípio da Proteção; da Flexibilização e Negociação Coletiva; e por fim, uma apresentação
do Princípio da Adequação Setorial Negociada, instituto nascido de decisões jurisprudenciais
e de entendimentos doutrinários, conceituado e instituído desta forma por Maurício Godinho
Delgado, hoje presente nos mais recentes julgamentos do Tribunal Superior do Trabalho.
9

1 DIREITO DO TRABALHO

1.1 HISTÓRICO

O desenvolvimento da história do homem demonstrou que a vida humana é


essencialmente de convivência de outros de mesma espécie através, inicialmente, de
comunidades e com o seu desenvolvimento através de Estados, possuindo estas comunidades
e povos a necessidade de constituir regras de convivência para dirimir as controvérsias
humanas, sendo estas regras geralmente retiradas dos valores próprios da sociedade ao qual os
indivíduos conflitantes estão inseridos.

Desta forma, cabe ao Direito (ou às Ciências Jurídicas) ser a ciência responsável pela
busca da realização do bem-estar social e da justiça através de um arcabouço constituído de
princípios, normas jurídicas e institutos. Cabendo destacar, desde já, o entendimento atual de
muitos autores de que os princípios jurídicos também devem ser considerados como normas
jurídicas, tema que trataremos mais a frente.

Dessa constante necessidade de impor os limites de atuação de cada segmento do


tecido social ou dos próprios indivíduos, com vistas à redução de tensões e conflitos
imanentes à condição humana, surge a constatação esboçada no antigo brocardo ubi
societas, ibi (BARRETO, 2013, p.47).

Direito é o conjunto de princípios, regras e institutos voltados a organizar relações,


situações ou instituições, criando vantagens, obrigações e deveres no contexto social
(DELGADO, 2010b, p.13).

E, como não poderia ser diferente, com o processo evolutivo humano também se
modificou as relações humanas tornando-se a cada geração mais complexas exigindo do
Direito um caráter mais amplo e diversificado.

Em decorrência do processo histórico, na 2ª metade do século XIX inúmeras


mudanças já haviam ocorrido na sociedade, em especial a européia e a americana do norte, e
por resultado de uma soma de fatores sociais, políticos, econômicos, políticos, econômicos e
tecnológicos, tornou-se imperiosa a existência de um ramo da ciência jurídica que
regulamentasse as relações de trabalho.

Os fatos econômico-trabalhistas que se seguiram à Revolução Industrial, consistentes


na formação de um aglomerado de trabalho em torno da máquina a vapor, então
descoberta, constituem, sem dúvida, a base sobre a qual nossa disciplina foi
construída. (NASCIMENTO, 2005, p.5)

Diante desta base apresentada, conjuntamente a extrema opressão sofrida pelos


operários das fábricas e da eclosão do capitalismo em sua fase industrial, pois antes desta este
sistema econômico já havia passado por sua fase mercantil, muitos conflitos sociais surgiram
entre os proprietários das indústrias e os trabalhadores destas, que por estarem agora inseridos
em um meio urbano onde a riqueza girava em torno das fábricas, começam a criar consciência
de classe e revoltar-se buscando melhores condições de trabalho, dignidade humana e
emancipação enquanto classe, esta ultima fruto das ideologias socialistas largamente
divulgadas à época.
10

Por isto, poderíamos afirmar que a mãe do Direito do Trabalho foi a Revolução
Industrial e o pai ‘a indignidade das condições de trabalho subordinado’, utilizando a
expressão de Amauri Mascaro do Nascimento (2005). Sendo fruto desta união, a ação coletiva
dos trabalhadores que mobilizados forçaram aos Estados adotarem normas que os
protegessem frente aos arbítrios patronais, inclusive mediando conflitos entre as classes
antagônicas e fazendo surgir normas trabalhistas não estatais, que em segundo momento
acabariam incorporadas as legislações pátrias, ou não.

1.2 FASES DO DIREITO DO TRABALHO

De todos os sistemas econômicos que a humanidade já vivenciou nenhum deles


equipara-se ao capitalismo em dinamismo e adaptações, e mesmo mantendo por base
características próprias que nos permitem continuar chamando-o de capitalismo, em especial
para o Direito do Trabalho, a manutenção do trabalho assalariado e subordinado ao patrão,
muitas mudanças aconteceram desde o pré-capitalismo ou capitalismo mercantil até a fase
atual, conforme nos mostra Paul Singer:
A característica básica do capitalismo é o dinamismo tecnológico, que ocasiona
periodicamente transformações revolucionárias dos processos de trabalho, da
organização da produção e das normas de consumo [...] O capitalismo superou crises
que pareciam ser “finais” exatamente porque encontrou um novo tipo de regulação
de sua dinâmica, que permitiu seu reerguimento (SINGER, 1987, p.85).

Esta dinâmica capitalista e o processo de resistência apresentado pelos trabalhadores,


principalmente nos últimos dois séculos, não fora somente responsável pela criação do Direito
do Trabalho, como também por sua modificação e apresentação em 4 fases distintas, como
nos apresenta Mauricio Godinho Delgado.

A primeira fase, intitulado pelo autor como “manifestações incipientes ou esparsas”, é


a na qual as primeiras máquinas são introduzidas no processo produtivo das fábricas sob
condições desumanas de trabalho e a exploração da mão-de-obra realizada com total omissão
do Estado. Verificaram-se, então, movimentos de protesto de trabalhadores com destruições
de máquinas, exigindo melhores condições de trabalho. Também é o período que as primeiras
uniões de trabalhadores surgem, mesmo que de forma clandestina, e alguns acordos, mesmo
que informais, apareciam para tentar conter as rebeliões dos trabalhadores.

Entre 1848 e 1919, o mesmo autor entende ter havido um segundo período, fase da
sistematização e consolidação do Direito do Trabalho, com o desenvolvimento de uma
legislação trabalhista, e até mais do que isto, o surgimento da união e organização dos
trabalhadores. Neste período destaca-se a encíclica Rerum Novarum, em 1891, editada pelo
Papa Leão XIII, documento que constitui verdadeiro elogio ao Direito do Trabalho, e traz em
seu seio discussões acerca do salário justo, do trabalho da mulher entre outros temas
referentes ao trabalho subordinado. Além deste, é divulgado em 1848 o Manifesto do Partido
Comunista de Marx e Engels - manifesto de crítica ao sistema capitalista e de defesa e
incentivo à união e organização dos operários.
11

Porém, é no seu terceiro momento que o Direito do Trabalho ganha seu contorno mais
atual, com a sua institucionalização através da criação da OIT, em 1919; com as Constituições
Alemã de Weimar (1919) e a Mexicana (1917), ambas consagradoras de direitos trabalhistas.
Neste momento histórico, as duas vertentes do Direito do Trabalho consolidam-se na
sociedade, com o direito de associação dos trabalhadores e institucionalização de normas
negociadas entre as classes, e a intervenção estatal que garante direitos trabalhistas a serem
respeitados pelos patrões.

Uma quarta fase também é apresentada como “crise e transição do Direito do


Trabalho”, iniciada na década de 1970, desenrolando-se até os dias atuais. Nos primeiros anos
deste período muito foi divulgado acerca do fim do trabalho e da necessidade da
desregulamentação do direito laboral e estes argumentos permanecem no seio das discussões
dos rumos que o Direito do Trabalho deverá tomar, sendo tão presentes quanto a atual crise do
capitalismo.

No Brasil, segundo Godinho Delgado (2010a, p.99) “[...] apenas a contar da extinção
da escravatura (1888) é que se pode iniciar uma pesquisa consistente sobre a formação e
consolidação histórica do Direito do Trabalho no Brasil”, diante disso, nossa dinâmica de
implementação do direito laboral difere dos países centrais, como bem analisa a pesquisadora
Maria Cecília Máximo Teodoro “Acredita-se que o Direito do Trabalho no Brasil ainda esteja
em formação e, atualmente, por mais contraditório que possa parecer, sofrendo uma crise.”
(TEODORO, 2007, p.29)

Desta forma, nossa primeira fase compreende-se entre 1888, com a Lei Áurea e 1930,
com o início do governo Vargas, neste período também intitulado por Delgado como
“manifestações incipientes ou esparsas”, sendo um momento com dispersas legislações
relacionadas ao trabalho, sem formular qualquer estatutário legal sistematizado. E, tal como
os países centrais, período de bastante exploração do trabalhador, com atividades desumanas e
desrespeito a dignidade dos homens, mulheres e crianças operárias das primeiras fábricas
brasileiras.

A institucionalização do Direito do Trabalho ocorre no Brasil no curto período de 15


anos, durante do Governo Vargas, tendo como característica grandes conquistas e evoluções
na legislação pátria, fruto de pressão dos trabalhadores em menor proporção e de uma
necessidade estatal de intervenção na sociedade em maior escala.

Quando o movimento operário e a união de massas eram ainda embrionários, o


Estado produziu uma multiplicidade de normas trabalhistas, criando os sindicatos de
patrões e empregados, ambos controlados pelo Estado e proibindo as organizações
autônomas, criando a CLT, o salário mínimo, o Ministério do Trabalho, a Justiça do
Trabalho e reformulado e ampliando o sistema oficial de previdência – retirando, em
parte, a possibilidade de que estas normas surgissem das lutas sociais (TEODORO,
2007, p.29)

A terceira e atual fase do Direito do Trabalho brasileiro inaugura-se com a


Constituição Federal de 1988, onde tenta-se romper com a tradição autoritário-corporativista
de Vargas, garante-se direitos trabalhistas relevantes, porém nasce imersa em um período de
12

ofensiva liberal na economia, altíssimas taxas de desemprego no país, e, em decorrência


destes e outros fatores, uma forte crise no movimento operário nacional.

Todavia, são durante os momentos de maior turbulência e crise em uma determinada


história que os conceitos fundamentais desta deve-se afirmar mais forte, assim, mesmo sob
grande crise econômica mundial e ideologia liberal reinante, faz-se necessário a defesa do
Direito do Trabalho como agente civilizatório e garantidor da Dignidade da Pessoa Humana
no capitalismo sob pena de caminharmos para uma etapa civilizatória onde a violência e a
injustiça venham a ser regras e não exceções.

1.3 DEFINIÇÃO

Vários autores buscaram definir o Direito do Trabalho, sendo encontradas na doutrina


três correntes de pensamento acerca desta definição.

Na definição subjetivista encontram-se destaque os sujeitos da relação de trabalho,


sendo “o direito do trabalho o direito especial de um determinado grupo de pessoas, que se
caracteriza pela classe de sua atividade lucrativa[...] é o direito especial dos trabalhadores.[...]
O Direito do Trabalho se determina pelo círculo de pessoas que fazem parte do mesmo.”
(HEUCK & NIPPERDEY, 1963 apud DELGADO, 2010a, p.48).

Sob o enfoque objetivista, o Direito do Trabalho é um conjunto de normas jurídicas


que regulamentam o trabalho subordinado ou equivalente.

Contudo, definições mais completas encontram-se nos autores que fazem a junção dos
enfoques anteriores construindo uma definição mista, sendo o Direito do Trabalho

Conjunto de princípios, normas e instituições, aplicáveis à relação de trabalho e


situações equiparáveis à relação de trabalho e situações equiparáveis, tendo em vista a
melhoria da condição social do trabalhador, através de medidas protetoras e da
modificação das estruturas sociais. (MAGANO, 1991, p.59)

Desta forma, como observado, podemos definir o Direito do Trabalho como uma
disciplina que possui um objeto, ‘princípios, normas e instituições, aplicáveis à relação de
trabalho e situações equiparáveis’; um sujeito principal, o trabalhador; e uma finalidade ‘a
melhoria da condição social do trabalhador, através de medidas protetoras e da modificação
das estruturas sociais’.

Maurício Godinho Delgado após tratar das definições mistas como as que ‘têm melhor
aptidão para o atendimento da meta científica estabelecida para uma definição’ (2010a, p.49)
e definir separadamente Direito Individual do Trabalho e Direito Coletivo do Trabalho, une as
duas definições estabelecendo uma conceituação de Direito Material do Trabalho, ou Direito
do Trabalho, no sentido lato. Vejamos:

Complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação


empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas,
englobando, também, os institutos, regras e princípios jurídicos concernentes às
relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através
de suas associações coletivas. (DELGADO, 2010, p.49)
13

Sergio Pinto Martins segue no mesmo sentido e conceitua Direito do Trabalho ‘como
um conjunto de princípios, regras e institutos atinentes à relação de trabalho subordinado e
situações análogas visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador,
de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas’. (MARTINS, 2009, p.16)

No entanto, é outra definição que demonstra ser mais concatenada com os atuais
tempos vividos pelo Direito:

Direito do Trabalho é um sistema jurídico permeado por institutos, valores, regras e


princípios dirigidos aos trabalhadores subordinados e assemelhados, aos
empregadores, empresas coligadas, tomadores de serviço, para tutela do contrato
mínimo de trabalho, das obrigações decorrentes das relações de trabalho, das
medidas que visam à proteção da sociedade trabalhadora, sempre norteadas pelos
princípios constitucionais, principalmente o da dignidade da pessoa humana.
Também é recheado de normas destinadas aos sindicatos e associações
representativas; à atenuação e forma de solução dos conflitos individuais, coletivos e
difusos, existentes entre capital e trabalho; à estabilização da economia social e à
melhoria da condição social de todos os relacionados (CASSAR, 2009, p. 29).

Nesta definição um importante adendo é feito as outras definições que o destaque a


importância dos princípios constitucionais, em especial, o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, que se não se tornou o principal princípio jurídico de todo nosso sistema, ganhou
grande projeção após a II Guerra Mundial, no mundo, e após o período de exceção (1964-
1985) com a Constituição Federal de 1988, no Brasil.

Por estes motivos, a definição de Vólia Bonfim Cassar apresenta-se mais atualizada
com a fase atual do Direito e a doutrina surgida no pós II Guerra chamada de
Neoconstitucionalismo que tem como eixo “a supremacia formal e material da Constituição e
a precedência da dignidade humana como valor metajurídico fundamental” (MENDES;
COELHO; BRANCO. 2008, p.127).

Por isso, muitos autores começam a chamar suas disciplinas jurídicas de Direitos
Constitucionais de determinada área, como Direito Constitucional Civil ou Direito
Constitucional do Trabalho, não sendo o nosso enfoque neste trabalho nos debruçarmos sobre
esta questão, mas não poderíamos nos privar de citar a atual fase do Direito com o enfoque
central na Constituição e seus princípios.

1.4 RAMOS DO DIREITO DO TRABALHO

O processo histórico formador da estudada disciplina criou desde as primeiras


manifestações ‘pré-históricas’ do direito do trabalho uma divisão entre a demanda originária
em um único trabalhador e a originária em toda uma coletividade de trabalhadores, assim
criando dois enfoques no direito do trabalho, um individual e outro coletivo, “Engloba o
Direito do Trabalho dois segmentos, um individual e um coletivo, cada um contando com
regras, instituições, teorias, institutos e princípios próprios” (DELGADO, 2011).

O Direito Individual do Trabalho é o segmento que tem por centro a regulamentação


do contrato de trabalho nas relações individuais entre empregado e empregador, garantindo
proteção ao trabalhador e direitos mínimos na relação contratual, é a ação estatal com a
14

finalidade de equiparar os dois pólos contratantes, protegendo o hipossuficiente e buscando a


isonomia material entre as partes.

Ainda chamado por muitos de Direito Sindical, por também estar inserido neste as
normas do sistema sindical brasileiro, o Direito Coletivo do Trabalho é o segmento
responsável por disciplinar as ações e organizações coletivas dos trabalhadores através da
autonomia privada coletiva destes entes jurídicos. Os sujeitos envolvidos nas relações
jurídicas reguladas por este prisma do direito do trabalho são entes coletivos, em regra as
entidades sindicais profissionais (dos trabalhadores) e econômicas (dos patrões), sendo estas:
Sindicatos, Federações e Confederações.

Diante da realidade da empresa ser um ente coletivo, mesmo estando solitária, por seu
impacto socioeconômico e de algumas categorias não possuírem sindicatos organizados e
ativos, há uma relatividade à obrigatoriedade da existência dos sindicatos para a
caracterização de um ente coletivo.

Embora o sindicato seja a mais importante entidade partícipe de tais condutas,


vínculos e dinâmicas, pode não ser a única existentes – a exemplo do que se passa
em outras ordens jurídicas que admitem atuações coletivas laborais sema presença
sindical direta (ilustrivamente, Itália) (DELGADO, 2011, p.18).

A representação dos trabalhadores na empresa, não organizada em sindicato, é,


também, parte dos estudos do direito coletivo do trabalho, e as negociações coletivas
vêm cada vez mais ocupando um espaço maior (NASCIMENTO, 2005, p.377).

Neste segmento juslaboral, a desigualdade presente nas relações individuais é desfeita,


pois estando os trabalhadores reunidos e organizados através dos sindicatos, federações ou
confederações não há a hipossuficiência e subordinação oriunda da relação de venda da mão
de obra como forma de conquistar um salário, e possuindo os entes sindicais meios próprios
de manutenção, não haveria, em tese, vinculação entre sindicato profissional (dos
trabalhadores) e empresa ou sindicato de categoria econômica.

Apesar deste amplo conteúdo de estudo, o Direito Coletivo não é ramo autônomo do
Direito, possuindo vinculação e estando inserido no Direito do Trabalho, “O Direito Coletivo
é uma parte do Direito do Trabalho substancialmente ligada à anterior.” (PLÁ RODRIGUEZ,
2000, p.66).
15

2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

2.1 PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Não há construção que almeje ser sólida se não possuir um alicerce bem estruturado
para servir de base, e não há ciência que não possua seus elementos estruturais para servir de
guia na construção do seu saber, logicamente que não estamos tratando de construções civis
ou de ciências naturais, mas à ordem jurídica possui um alicerce, mutável inclusive, no qual
se utiliza de base para a sua construção e unificação, os princípios jurídicos.
Formam os princípios o âmago do Direito, sua essência e espírito, definindo sua
própria alma. Estão na sua base, e também no seu ápice, bem como ao seu redor, a
todo instante, e em todas as direções imagináveis. Os princípios surgem dos fatos
sociais, verdadeiro objeto do fenômeno jurídico, e não das regras, na sua expressão
pura e imune aos condicionamentos quotidianos da própria vida (ZANGRANDO,
2011, p.56)

[...]são verdades fundantes de um sistema de conhecimentos, como tais admitidos,


por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de
ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas
necessidades da pesquisa e da práxis (REALE, 1999, p.299).

A importância dos princípios na Ciência do Direito, entretanto, não tem obviamente


o condão de os transformar em axiomas absolutos e imutáveis. Ao contrário, sua
validade se preserva apenas caso considerados em seus limites conceituais e
históricos específicos, enquanto sínteses de orientações essenciais assimiladas por
ordens jurídicas em determinados períodos históricos. Os princípios jurídicos
despontem, assim, como sínteses conceituais de nítida inserção histórica,
submetendo-se a uma inevitável dinâmica de superação e eclipsamento, como
qualquer outro fenômeno cultural produzido (DELGADO, 2010b, 29).

Os Princípios são próprios e caracterizadores de qualquer ciência ou ramo autônomo


do Direito, como expõe Plá Rodriguez (2000, p.26), podendo-se afirmar que se constituem
fontes fundamentais para o Direito em qualquer de suas ramificações. A questão
diferenciadora do Direito para outras ciências é que os princípios jurídicos são “proposições
ideais construídas a partir de certa realidade e que direcionam a compreensão da realidade
examinada.” (DELGADO, 2010, p.15), e estando ligada a realidade de determinado período
histórico esta é mutável, estando também os princípios jurídicos ligados a esta realidade
vivida naquele período, sendo também passíveis de mudanças.

Esta mutabilidade, porém, possui um caráter dinâmico em menor velocidade que as


normas jurídicas positivas, pois são “valores originados da consciência social humana”
(ZANGRANDO, 2011, p.59) e estes valores comumente estarão ligados ao sistema político,
social e econômico de certo Estado Nacional. Maior exemplo desta questão, é a ascensão e
constitucionalização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no ocidente, após
verificada as barbaridades cometidas na segunda guerra mundial, podendo os Estados
modificarem suas regras jurídicas positivas, porém deverão respeitar os valores de respeito a
dignidade da pessoa humana.

Desta forma, por estarem mais ligados aos valores sociais do Estado, muitos autores,
principalmente no pós segunda guerra mundial, consideram os princípios como valores de
16

importância maior do que as normas positivas tradicionais (Constituições, Leis,


Regulamentos, etc.), sendo pontos de referência para a criação e interpretação de normas e
regras jurídicas, sendo inclusive estes, critério de averiguação de legitimidade de certa norma,
ou seja, se determinado diploma legal for contrário a determinado princípio consagrado pelo
Estado, deverá o diploma legal considerado nulo, por falta de legitimidade.

2.2 NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Questão atual, e bastante controvertida no Direito do Trabalho, é se os princípios


jurídicos seriam normas jurídicas por si só, possuindo função normativa própria e específica,
capaz de um princípio, ou pelo menos os principais deles, regular diretamente uma situação
fática, independente de haver legislação responsável por tal.

Tradicionalmente, os princípios possuem três funções no Direito, a função


informadora, normativa supletiva e interpretativa, conforme afirma Plá Rodriguez utilizando-
se de De Castro (1949, p.419-420), vejamos:
Segundo De Castro, os princípios de direito cumpre tríplice missão:
a) informadora: inspiram o legislador, servindo de fundamento para o ordenamento
jurídico; b) normativa: atuam como fonte supletiva, no caso de ausência de lei. São
meios de integração do direito; e c) interpretativa: operam como critério orientador
do juiz ou intérprete. (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.44)

Segundo esta caracterização das funções dos princípios, estes só teriam capacidade
normativa em uma eventual lacuna nas regras legais do Direito “É o que se passa quando a lei
autoriza o recurso, pelo juiz, à integração jurídica (art.8º, CLT; art.4º, Lei de Introdução ao
Código Civil; art.126, CPC).” (DELGADO, 2010, p.17).

Contudo, com o movimento pós-positivista da segunda metade do século XX, que no


Brasil ganha força após a Constituição Federal de 1988, muitos autores começam a entender
os princípios jurídicos, principalmente os fundamentais ou constitucionais, como sendo
“normas jurídicas como todas as outras” (Bobbio, 1994 apud Godinho, 2010, p.18), além
disso, explanando sobre o tema DELGADO afirma:
Em face da função normativa própria (e não mais meramente supletiva), os
princípios desempenhariam diversos papéis conexos, todos de grande importância:
em síntese, a possibilidade de extensão ou restrição de certa norma jurídica até o
ápice de sua própria invalidação. (2010, p.19).

Também inspirado na Teoria do Ordenamento Jurídico do italiano Noberto Bobbio,


Gustavo Filipi Barbosa Garcia faz a distinção entre normas, regras e princípios, observemos:

Na realidade, o sistema jurídico contém normas, as quais representam um gênero, do


qual são espécies as regras e os princípios. A diferença é que os princípios
apresentam grau de abstração e generalidade superior quando comparados às regras,
pois servem de inspiração para estas e de sustentação de todo o sistema. As regras
regulam apenas os fatos e atos nelas previstos, enquanto os princípios comportam
uma série indefinida de aplicações. (GARCIA, 2010, p.94)
17

Luisa Gomes Martins, em recente dissertação onde realiza análise do Princípio da


Proteção, após detalhada análise do pensamento de Ronald Dworkin (MARTINS, 2010, p.12-
44), defende a normatividade dos princípios:

O reconhecimento da força normativa do princípio e de sua função normativa


própria significa uma ruptura com o paradigma positivista clássico. O sistema
normativo não é composto apenas de regras; estas não explicam o fenômeno jurídico
por completo. Mesmo a aplicação no direito de regras simples, nos casos pacíficos,
esconde uma profunda construção interpretativa, cuja análise se mostra crucial nos
casos considerados difíceis, que são os casos controvertidos. Os princípios não
cumprem seu papel apenas na ausência da lei, mas propiciam em cada atuação do
direito o alcance da integridade. A integridade é o objetivo último de toda atividade
jurídica. Cada intérprete busca demonstrar a racionalidade do sistema e sua
coerência no momento em que aplica o direito (MARTINS, 2010, p.53)

Porém, não é esta a interpretação mais aceita entre os juslaboralistas, Plá Rodriguez
acerca da possibilidade dos princípios serem normas afirma: “Nossa opinião é negativa. A
única função de caráter normativo que exercem é operar como fonte supletiva em caso de
lacuna da lei.” (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.47). O jurista uruguaio defende esta tese não por
serem princípios, mas pela possibilidade jurídica que a legislação uruguaia permite em utilizar
da doutrina como forma de suplementação e integração das normas, em caso de lacunas
legais.

Carlos Zangrando também afirma em sentido contrário, porém por fundamentação


diversa da apresentada por Plá Rodriguez e baseado no fato dos princípios serem entes
valorativos do direito, vejamos:
Assim, a nosso ver, os princípios são anteriores e externos às normas jurídicas, pois
que lhe formam a base sobre a qual são erguidas. Aliás, se não fosse assim, os
princípios não poderiam ser tão próximos do próprio conceito de valor, como vimos
anteriormente (ZANGRADO, 2011, p.71).

Maurício Godinho Delgado, após explanação acerca do pensamento constitucionalista


que defende a normatividade originária dos princípios, relativiza este pensamento utilizando
inclusive da ponderação, instituto tão típico e necessário para o estudo e aplicação dos
princípios jurídicos, observemos:
É claro que a prevalência dos princípios sobre as regras legais (“dimensão
fundamentadora, com eficácia derrogatória e diretiva”) é relativa, sob pena de criar-
se total insegurança na ordem jurídica e meio social regulado [...] Agregando
ponderações ao debate acerca da nova concepção de princípios e de seu papel no
Direito, parece-nos adequado sustentar que os princípios, enquanto comandos
jurídicos instigadores, além das tradicionais funções interpretativas e supletória, têm,
na verdade, uma função normativa concorrente. Trata-se de papel normativo
concorrente, mas não autônomo, apartado do conjunto jurídico geral e a ele
contraposto (DELGADO, 2010b, p.21).

Ou seja, defende o autor que os princípios possuem normatividade que pode ser
utilizada em algum caso concreto, porém não estão os princípios acima das regras jurídicas
habituais, sendo necessário que esses princípios ao serem utilizados venham em consonância
e em conjunto à ordem jurídica como um todo, e em decorrência, com a legislação e demais
18

princípios, sendo necessário em caso de conflitos a utilização da ponderação, o que nos parece
ser a posição mais acertada.

Desta forma, a normatividade dos princípios deve ser entendida com um instrumento a
dar unidade ao conjunto jurídico, uma forma, inclusive, de constitucionalização do Direito do
Trabalho, pois a grande maioria dos princípios jurídicos gerais e específicos deste ramo do
Direito estão constitucionalizados, ou possuem fundamentos no texto da Carta Magna, então
dar atenção aos princípios jurídicos, atualmente, é entender o Direito do Trabalho como um
ente derivado formal e materialmente da Constituição.

2.3 PRINCÍPIOS JURÍDICOS DO DIREITO DO TRABALHO

Inicialmente informamos que somente iremos analisar os princípios jurídicos especiais


do Direito do Trabalho sem trabalharmos com os princípios constitucionais do trabalho ou
princípios gerais do direito aplicáveis ao direito do trabalho, só quando estes estiverem
inseridos no seio dos Princípios Jurídicos específicos da disciplina, como por exemplo ocorre
com a maioria deles que são constitucionais, contudo não são princípios gerais do direito
aplicáveis a todas as outras áreas jurídicas, para um maior esclarecimento deixamos o
magistério de Américo Plá Rodriguez:

Os princípios de Direito do Trabalho, por definição, aplicam-se a um ramo – o


direito trabalhista – e não se aplicam a outros ramos. Não são necessariamente
exclusivos de uma especialidade, mas não podem servir para todos os ramos, em
outras palavras, serem gerais, pois deixariam de ser específicos e caracterizadores.
Por isso, quando falamos de princípios próprios de Direito do Trabalho não tratamos
de princípios gerais do direito e vice-versa. (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.30)

Outra informação oportuna é o fato de que neste trabalho não iremos detalharmos
maiores esclarecimentos acerca de cada princípio, pois isto iria requerer bastante tempo e
correríamos o risco de perder o foco de nossa análise, que é o Princípio da Proteção,
entretanto citaremos os princípios jurídicos e dividiremos entre os oriundos do segmento
individual e os oriundos do segmento coletivo desta disciplina.

2.3.1 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO

Já abordamos a divisão do direito do trabalho em suas esferas individual e coletiva,


tendo como diferenciação maior os sujeitos envolvidos na relação jurídica, para a esfera
individual, o trabalhador relacionando-se com a empresa, e para a esfera coletiva, o sindicato
ou coletivo de trabalhadores relacionando-se com a empresa ou sindicato patronal, porém os
princípios do direito individual do trabalho possuem uma aplicação tanto em uma esfera
quanto em outra, porque eles, em especial o Princípio da Proteção, estão intimamente ligados
ao caráter teleológico do Direito do Trabalho.

Acerca desta relação entre princípios do direito do trabalho e segmentação da


disciplina, Godinho Delgado escreve:
Independentemente do status e abrangência que se configura à segmentação Direito
Individual e Direito Coletivo do Trabalho, é preciso que fique claro que são os
princípios especiais do ramo justrabalhista individual que fixam a marca mais
19

distintiva e proeminente do Direito do Trabalho no universo jurídico geral. Por essa


razão é que seus princípios especiais confundem-se com o que se consideram
princípios especiais do próprio Direito do Trabalho. (DELGADO, 2010, p.69)

Américo Plá Rodriguez em sua obra célebre Princípios do Direito do Trabalho,


também trata do tema defendendo a aplicação dos princípios abordados as duas esferas do
Direito laboral, vejamos o início desta argumentação:

Surge, de imediato, uma questão: esses princípios regem todo o Direito do Trabalho
ou somente servem para o direito individual do trabalho? Dito de outro modo: esses
princípios são também válidos ao direito coletivo do trabalho? Nossa resposta é
praticamente afirmativa. O direito coletivo do trabalho é uma parte do Direito do
Trabalho substancialmente ligada à anterior. (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.65-66)

O autor uruguaio também expõe que o Direito do Trabalho surge da necessidade de


proteção do economicamente mais fraco, sendo essa a questão social e a origem deste ramo
jurídico, sendo a melhoria das condições de trabalho a finalidade da matéria e o direito
individual ou coletivo caminhos diferentes para se chegar a este fim, porém pondera acerca do
alcance do Princípio Protetor, observemos:
Ele rege ambos os ramos do direito laboral, porém apresenta formas diversas de
aplicação. No direito individual criam-se normas. Por isso, o princípio se refere à
seleção, aplicação e interpretação dessas normas. No direito coletivo, ao contrário,
criam-se instrumentos cuja eficácia resulta do número, da disciplina, da organização
técnica e administrativa, do poder material de cada uma das partes. Deve-se garantir
a possibilidade da criação desse instrumento, assim como respeitar sua autenticidade
e sua liberdade de ação e funcionamento. Uma vez restabelecida a igualdade por
meio da força sindical que deriva da união, desaparece a razão de ser do tratamento
desigual por parte do Estado. Deve-se buscar a desigualdade compensatória por um
caminho ou por outro, pois estabelecê-la simultaneamente por ambas as vias pode
significar uma superposição de proteções que engendre outro desequilíbrio de
sentido oposto, que teria um efeito perturbador (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.67).

Com esta ponderação e pelo caráter clássico que a obra de Plá Rodriguez possui
utilizaremos a sua classificação dos Princípios Jurídicos do Direito do Trabalho para o
segmento individual, sendo estes os princípios:

a) Princípio da Proteção do Trabalhador, possuindo este três regras de aplicação:


regra do “in dúbio, pro operário”, regra da norma mais favorável e regra da
condição mais benéfica;
b) Princípio da Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas;
c) Princípio da Continuidade do Vínculo Trabalhista;
d) Princípio da Primazia da Realidade;
e) Princípio da Razoabilidade;
f) Princípio da Boa-fé;
g) Princípio da Não discriminação;

Este último incluído quando o autor uruguaio faz analise de outros princípios no
último capítulo da obra (2000, p.435), sendo o Princípio da Não-Discriminação derivado do
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e basilar para a ordem jurídica ocidental.
20

2.3.2 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

As relações coletivas, como já exposto, dão-se por seres coletivos, tanto no pólo
patronal quanto no pólo obreiro, considerando-se equivalentes, pois os trabalhadores
devidamente organizados e protegidos por seu sindicato, ou em coletividade, estariam em
condições de igualdade com o empregador.

Por isso, ganha este segmento do Direito laboral um caráter diferenciado, chegando a
ser considerado por alguns autores como ramo autônomo do Direito do Trabalho, ou pelo
menos, um ramo que tente a ser tornar autônomo, como afirma Vólia Bonfim Cassar:

O Direito Coletivo ainda é um segmento do Direito do Trabalho, mas está em vias


de se tornar uma ciência independente, autônoma, pois lhe falta apenas um requisito
para tanto: vasta legislação. Os demais requisitos exigidos para se considerar
autônoma a disciplina já estão presentes, como: domínio de vasta matéria; princípios
próprios; institutos peculiares. Ademais, os sujeitos e objetos também são diversos
dos relacionados aos do direito individual (CASSAR, 2009, p.1213).

Contudo, há uma questão que abordamos no item anterior que faz a argumentação a
favor da autonomia deste segmento não prosperar, o caráter teleológico do Direito do
Trabalho, ou seja, a finalidade deste ramo jurídico que tanto em uma esfera quanto em outra é
proteger o trabalhador proporcionando-lhe uma melhoria nas condições de trabalho, sendo
esta a questão social justificadora da existência do Direito do Trabalho.

Em consonância, o fato dos dois segmentos comunicarem-se em praticamente toda a


sua atuação, faz com que o Direito do Trabalho seja uma única disciplina, conforme trata
Maria Cecília Máximo Teodoro:

[...] caminham juntos numa direção única, que são os contratos de trabalho. Os
princípios do universo individual alimentam os princípios do universo coletivo,
ambos haurem-se da seiva comum – o trabalho humano –, ambos comunicam-se e
interligam-se internar e externamente na meta maior de se encontrar uma harmonia
entre o capital e o trabalho, preocupados com a dignidade da pessoa humana
(TEODORO, 2007, p.71).

Desta forma, não se realizando por si próprio, o Direito Coletivo do Trabalho serve
como instrumento de elaboração de normas jurídicas a serem aplicadas nas relações
individuais entre o empregado e o empregador, tendo assim os seus princípios jurídicos
intimamente ligados a esta elaboração, no momento anterior a elaboração da norma coletiva,
com princípios que assegurem que o ser coletivo obreiro se afirme; durante a negociação, com
os princípios ligados a esta; e após firmado o acordo entre as partes, com os princípios que
regem os efeitos das normas coletivas produzidas.

Estes três momentos (antes, durante e após a negociação coletiva) são os parâmetros
utilizados para a classificação dos princípios especiais do direito coletivo por Godinho
Delgado (2011), que engloba nestes três grupos os princípios de direito coletivo do trabalho
apresentados por CASSAR (2009), TEODORO (2007), ZANGRANDO (2011) e outros
autores pesquisados, sendo esta classificação a mais completa e satisfatória das analisadas,
vejamos:
21

1º Grupo – Princípios Assecuratórios da Existência do Ser Coletivo Obreiro: a)


Princípio da liberdade associativa e sindical; b) Princípio da autonomia sindical.

2º Grupo – Princípios Regentes das Relações entre os Seres Coletivos Trabalhistas: a)


Princípio da interveniência sindical na negociação coletiva; b) Princípio da equivalência dos
contratantes coletivos; c) Princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva;

3º Grupo – Princípios Regentes entre as Normas Coletivas Negociadas e Normas


Estatais: a) Princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva; b) Princípio da
adequação setorial negociada.

Infelizmente, não nos cabe a análise pormenorizada de cada um destes princípios,


porém podemos somente com a citação e classificação em grupos observar que os princípios
dos dois primeiros grupos são requisitos para a eficácia da norma coletiva produzida, pois sem
liberdade e autonomia sindical, presença do sindicato obreiro com igualdade de forças ao pólo
patronal, e lealdade e transparência na negociação, não poderemos entender as normas
produzidas como válidas e capazes de produzir efeitos nos contratos de trabalho, ou seja, no
Direito Individual do Trabalho.

Cabendo, desta forma, a aplicação do Princípio da Proteção às negociações coletivas,


como já alertávamos no tópico anterior através da lição de Américo Plá Rodriguez. Este autor
inclusive ao tratar da autonomia privada coletiva e do processo de criação das normas
coletivas, entende que os princípios que regem as relações coletivas são princípios políticos,
não sendo jurídicos e reafirma a observância dos princípios para ambas vertentes do direito
laboral, vejamos:
Seu caráter de princípios políticos, segundo a classificação de Pérez Botija, que
aceitamos, resulta justamente de que em muitos países ainda aparecem como
conquistas a alcançar, ou cujo reconhecimento não se conseguiu. Não podem, pois,
apresenta-se como princípios já aplicáveis. [...] De outro lado, porque ainda que os
princípios que nos propomos a expor e as considerações que formulamos seja
válidos e aplicáveis, tanto para o direito individual como para o direito coletivo,
servirão elas para colocar em evidência, por sua aplicação em todo o âmbito da
disciplina, que as peculiaridades do Direito do Trabalho – que justificam sua
autonomia – não derivam apenas do direito coletivo, mas resultam também dos
princípios que inspiram, presidem e regem a aplicação do direito individual do
trabalho. (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.69).

Ficando nítida a existência de Princípios de Direito Coletivo do Trabalho, sejam


jurídicos ou políticos com reflexo jurídico, porém não ficando a autonomia privada coletiva
sem a regulamentação do Estado, que impõe limites de forma e conteúdo às normas
negociadas, como veremos.
22

3 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO


TRABALHISTA

3.1 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

Intimamente ligado a própria finalidade do Direito do Trabalho, o princípio da


proteção (ou princípio tuitivo, como também é chamado) é “...uma teia de proteção à parte
hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro – visando retificar (ou atenuar), no plano
jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.” (DELGADO, 2010,
p.73-74), inserindo-se na própria estrutura deste ramo jurídico e visando melhoria de vida dos
trabalhadores, possibilitando-os a inserção na sociedade.

Importante e clássica definição possui Plá Rodriguez:


O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do
Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao
objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.
Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a
igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação
central para ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa
proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes. (2000,
p.83)

Assim, pode-se dizer que o Direito do Trabalho é um Direito especial, oriundo e


divergente do Direito Civil clássico, especialmente porque, enquanto o segundo supõe a
igualdade das partes, o primeiro pressupõe uma situação de desigualdade que ele tende a
corrigir com outras desigualdades. “O Direito do Trabalho busca a igualdade material,
substancial e não a meramente formal” (TEODORO, 2007, p.63), e o fundamento para esta
busca é o princípio da proteção.

Sob seu aspecto prático, Plá Rodriguez (2000, p.107) divide o Princípio da Proteção
em três formas distintas: a) a regra in dúbio, pro operário; b) a regra da norma mais
favorável; e c) a regra da condição mais benéfica. Possuindo estas vertentes tão importância
que alguns autores tratam-as como sub-princípios ou até elevam parte delas ou as três regras
como princípios independentes do Princípio da Proteção, o que só reforça a idéia de que este é
o princípio maior do ordenamento juslaboralista.

De acordo com a regra do in dúbio, pro operário, havendo alguma dúvida acerca do
alcance de alguma norma, deve-se interpretá-la em favor do empregado. Esta regra não dá a
possibilidade de criar-se norma nova baseada em outra, alterar o significado claro da norma
ou atribuir sentido que, de modo algum, possa ser deduzido. Contudo, havendo divergência na
interpretação de alguma norma, a finalidade protetiva do Direito do Trabalho deve prosperar
favorecendo ao trabalhador.

A regra da norma mais favorável estabelece que havendo diversas normas válidas
aplicáveis na relação de emprego, deve-se aplicar a mais benéfica ao trabalhador, ainda que
esteja em posição hierárquica formalmente inferior no sistema jurídico. É a quebra da
23

tradicional pirâmide hierárquica com o intuito de garantir a melhoria da condição social dos
trabalhadores.

Todavia, quando há um intenso choque entre dois regramentos conflitantes, critérios


de averiguação da norma mais favorável surgem no intuito de dar segurança jurídica a
questão, três teorias podem ser observadas: teoria da acumulação, pela qual deve-se retirar de
cada instrumento normativo as disposições mais favoráveis ao obreiro; teoria do
conglobamento, que prega a comparação entre os instrumentos como todo, optando por
aquele que, no conjunto, é mais benéfico ao empregado; e uma teoria intermediária ou do
conglobamento mitigado, onde deve-se comparar cada instrumento por tópicos, institutos ou
matérias, sendo o posicionamento de Plá Rodriguez, que após advertir para a necessidade de
se analisar caso a caso o que pode-se ser considerado como unidade mínima de comparação,
afirma:
Parece ser esta a posição mais razoável: o conjunto que se leva em conta para
estabelecer a comparação é o integrado pelas normas referentes à mesma matéria,
que não se pode dissociar sem perda de sua harmonia interior. Mas não se pode levar
a preocupação de harmonia além desse âmbito (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.131).

A regra da condição mais benéfica assegura ao trabalhador que as vantagens


adquiridas não podem ser retiradas nem modificadas para pior, possui ligação com o Direito
Adquirido presente na Constituição Federal (art.5º, XXXVI) e está presente na CLT (art.468).

Divergindo um pouco na análise, pois amplia a interpretação, Godinho Delgado


entende ser o Princípio da Proteção (ou Tuitivo, pois utiliza desta expressão) cardeal do
Direito do Trabalho, sendo sua atuação superior as três dimensões apresentadas por
Rodriguez, vejamos:
Na verdade, a noção de tutela obreira e de retificação jurídica da reconhecida
desigualdade socioeconômica e de poder entre os sujeitos da relação de emprego
(idéia inerente ao princípio protetor) não se desdobra apenas nas três citadas
dimensões; abrange, essencialmente, quase todos (senão todos) os princípios
especiais do Direito Individual do Trabalho.[...] Desse modo, o princípio tutelar não
se desdobraria em apenas três outros, mas seria inspirador amplo do complexo de
regras, princípios e institutos que compõem esse ramo jurídico especializado.
(DELGADO, 2010a, p.75)

No mesmo sentido, GARCIA (2010, p.98-102) faz a análise do Princípio Protetor


através da divisão tríplice clássica de Plá Rodriguez, divisão esta também citada por
NASCIMENTO (2005, p.350), porém ponderada com o pensamento por outros autores.

Sob uma análise diferenciada, Carlos Zangrando defende um duplo objetivo do Direito
Individual do Trabalho Moderno a ser perseguido:

[...] compensar a hipossuficiência do trabalhador, especialmente na fixação das


condições de trabalho (negociação das cláusulas contratuais), na interpretação das
normas jurídicas aplicáveis em outros campos específicos; em relação ao
empregador, assegurar o cumprimento dos deveres que lhe incumbem no contrato de
trabalho, viabilizando-o, por intermédio de medidas de diferentes naturezas, como a
facilidade da constituição da empresa, e da salvaguarda dos interesses de gestão, além
de conceder tratamento favorecido à micro, pequenas e médias empresas. [...]
24

Harmonizar essas duas questões é o grande desafio do Direito Individual do Trabalho


no século XXI. (ZANGRANDO, 2011, p.243)

Seguindo este raciocínio, Zangrando (2011, p.245) não consagra o Princípio da


Proteção como o principal influenciador do Direito do Trabalho, colocando ao seu lado o
Princípio de Salvaguarda da Empresa, subdividido em três regras: da especificidade do
empregador; do reconhecimento dos interesses de gestão; e do favorecimento à micro,
pequena e média empresa. Esta contraposição de princípios busca um ideal de compensação
que “tenta equilibrar situações fáticas díspares, existentes entre as partes, dentro de um
mesmo negócio jurídico” (2011, p.247).

3.2 GLOBALIZAÇÃO E CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

Iniciado desde o surgimento do capitalismo, porém ganhando contornos atuais após a


década de 1970, com a crise do petróleo, eleições de governos de ideologia neoliberal e fim
da experiência socialista soviética, a Globalização modificou à estrutura e atribuições do
Estado e de sua organização política, sua relações internacionais e à ordem socioeconômica
nacional e mundial. Segundo Vólia Bonfim Cassar, a globalização “É um produto inevitável
da tecnologia nas áreas de informática e comunicações” (2009, p.22), modificadora
profundamente da forma de grande parte das relações de trabalho, que agora está inserida em
uma “aldeia global”, através do que Octávio Ianni analisa como “fábrica global”, vejamos:

“Fábrica global” sugere uma transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo


além de todas as fronteiras, subsumindo formal ou realmente todas as outras formas
de organização social e técnica do trabalho, da produção e reprodução ampliada do
capital. Toda economia nacional, seja qual for, torna-se província da economia
global. O modo capitalista de produção entra em uma época propriamente global, e
não apenas internacional ou multinacional. Assim, o mercado, as forças produtivas,
a nova divisão internacional do trabalho, a reprodução ampliada do capital
desenvolvem-se em escala mundial. Uma globalização que, progressiva e
contraditoriamente, subsume real ou formalmente outras e diversas formas de
organização das forças produtivas, envolvendo a produção material e espiritual.
(IANNI, 2001, p.18)

Diante destas transformações eclodidas na década de 1970, “ganha prestígio a


reestruturação das estratégias e modelos clássicos de gestão empresarial, em torno dos quais
se construíram as normas trabalhistas.” (DELGADO, 2010a, p.93), e como isso a crítica
empresarial ao modelo de proteção ao trabalhador, oriundo do Estado, através de normas
heterônomas,
Acusa-se a legislação social de criar inúmeros encargos para as empresas,
impedindo o aumento de sua capacidade competividade no mercado mundial.
Sustenta-se que o atual contexto de recessão econômica não mais suporta os
inúmeros encargos trabalhistas. Ademais, a legislação do trabalho precisa se adaptar
às novas necessidades da organização da produção, não mais inspirada no modelo
fordista. (MARTINS, 2010, p.62).

Junto a isto, a globalização e o seu “assombroso progresso tecnológico que introduz


múltiplas inovações nos processos de produção que, em muitos casos, tornam menos
necessária a mão de obra humana” (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.71), cria um desemprego
estrutural e mundial ainda maior do que em outras épocas, fortalecendo o argumento de que a
25

proteção estatal ao trabalhador seria uma proteção para poucos, pois os encargos de manter
um trabalhador forçariam a sua dispensa.

Diante desta nova realidade social, inicia-se um grande movimento político, fruto da
ideologia neoliberal, pela flexibilização das normas trabalhistas, resultando em reformas
legislativas e maior destaque à autonomia privada coletiva, com a argumentação de que a
proteção do trabalhador deve ser alcançada pela ação sindical.

3.3 FLEXIBILIZAÇÃO, TERCEIRIZAÇÃO E AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA

Não podendo ser confundido com o conceito de desregulamentação da relação


trabalhista, que seria o retorno desta relação jurídica ao Direito Civil deixando que
“espontaneamente” fossem resolvidas as controvérsias entre empresa e empregado, porém
muitas vezes se confundido com esta, a flexibilização ataca a rigidez das normas de proteção
ao trabalhador, influenciando o Estado em sua totalidade, através da elaboração de leis menos
favoráveis ao trabalhador, de entendimentos jurisprudenciais limitadores de direitos laborais,
além de pregar a adaptação ou troca das normas trabalhistas estatais pelas normas trabalhistas
negociadas.

Um grande exemplo do processo de flexibilização das Leis Trabalhistas é a


Terceirização, fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação
justrabalhista que lhe seria correspondente. É o mecanismo jurídico que permite a um sujeito
de direito tomar serviços no mercado de trabalho sem responder, diretamente, pela relação
empregatícia estabelecida com o respectivo trabalhador, trazendo graves desajustes em
contraponto aos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o
Direito do Trabalho ao longo de sua história (DELGADO, 2010a). Sendo este fenômeno
apenas uma das formas que os empresários têm buscado para amenizar seus gastos,
reinvestindo no negócio ou aumentando seus lucros. Daí porque dos anos 90 para cá a locação
de serviços ou terceirização tem sido moda (CASSAR, 2009).

Acerca deste fenômeno e analisando seu impacto sobre o emprego e salário, vejamos:

As mudanças legislativas e a redução da fiscalização também geraram vertiginosa


expansão da terceirização nas empresas. Apesar da lei somente permitir que as
terceiras executem atividade-meio, como segurança e limpeza, virou regra
desrespeitá-la. Hoje a terceirização é uma praga corrosiva. Dos 394mil bancários do
país, 108mil são vinculadas às firmas prestadoras de serviços – no geral, falsas
cooperativas. Na indústria, o mesmo caos. Nos últimos anos, a Fiat Automóveis
transferiu para terceiras cerca de 6mil operários de áreas de manutenção e logística,
que recebem salário 50% inferior ao pago na montadora (POCHMANN &
BORGES, p.77)

O que nos faz observar a presença da flexibilização trabalhista através da ação


legislativa que gradualmente permitiu a implementação da terceirização em nosso país, e
também da omissão do executivo em não fiscalizar (ou pouco fazer) a correta aplicação das
normas terceirizantes.

Contudo, nosso enfoque para este trabalho esta relacionado a Flexibilização através
da Negociação Coletiva que dá ênfase à teoria da Autonomia Privada Coletiva, doutrina
26

desenvolvida na Itália em contraposição às diretrizes corporativistas, prega a auto-


regulamentação dos interesses coletivos, através do instituto da negociação coletiva, entre os
sindicatos obreiros e patronais, com objetivo de elaboração de acordos, contratos ou
convenções coletivas, que segundo SOARES FILHO foi uma experiência bem sucedida no
campo das relações trabalhistas (2011, p.48) possuindo a seguinte caracterização segundo o
autor:

Os contratos coletivos, cuja observância é obrigatória, regulam as relações laborais e


previnem os conflitos coletivos de trabalho. Suas cláusulas, em regime jurídico de
natureza corporativista, aplicam-se a todos os membros das categorias representadas
pelos sindicatos pactuantes, mesmo os não filiados a essas entidades. Daí seu caráter
normativo. (SOARES FILHO, 2011, p.48)

Segundo o mesmo autor, a negociação coletiva de trabalho é um valioso meio para


regular as relações laborais de forma a evitar ou restringir os efeitos negativos do sistema
econômico para os trabalhadores, e fazendo ligação com o movimento de flexibilização
trabalhista, escreve:
Constitui a negociação coletiva de trabalho meio para flexibilização da legislação
trabalhista pela ação sindical, adaptando-se às situações peculiares às necessidades
específicas de cada categoria e, assim, quebrando a rigidez da norma estatal.
(SOARES FILHO, 2011, p.80)

No Brasil, também por reflexo ao processo de Globalização, o instituto da negociação


coletiva entre patrões e empregados ganhou maior importância e atuação após a Constituição
Federal de 1988, e a nossa flexibilização trabalhista, que já existia através de modificações na
legislação de proteção ao trabalhador, ganhou também a forma negociada, resultante da
autonomia coletiva para adaptação e regulamentação do direito do trabalho, conforme
podemos observar:

O Brasil, com a Constituição Federal de 1988, art. 7º, permitiu a redução de salários
jornadas de trabalho, por meio de acordos e convenções coletivas; com a Lei n.
8.630. de 1993, estabeleceu que as normas e condições de trabalho dos portuários,
que antes eram fixadas por lei, devem ser ajustadas por contratos coletivos de
trabalho; e desvinculou do salário a participação nos lucros e resultados. Com leis
infraconstitucionais retirou o caráter salarial de diversas utilidades, como gastos com
educação, despesas médicas, odontológicas, de alguns tipos de seguros do
empregado, transporte para o serviço e no retorno deste. Autorizou a anualização das
horas normais para efeitos de compensação, evitando o pagamento de horas
extraordinárias, além de outras iniciativas de fins semelhantes. (NASCIMENTO,
2005, p.153)

Com isso, principalmente com a possibilidade constitucional de redução salarial


mediante acordo ou convenção coletiva (CF, Art.7º, VI), abriu-se para alguns a possibilidade
da norma negociada coletivamente superar em grau de importância a norma estatal,
flexibilizando qualquer direito.
Argumentam que se o constituinte autorizou o mais, isto é, se a Constituição
autorizou a redução do maior de todos os direitos (salário), mediante convenção ou
acordo coletivo, logo, o menos também é permitido. Neste sentido tudo que não seja
o próprio salário base do empregado é menos (CASSAR, 2009, p.40).

Neste mesmo entendimento, Carlos Zangrando segue, vejamos:


27

As eventuais medidas para a manutenção dos empregos e dos negócios devem,


portanto, partir de um consenso inteligente, nascido não da indesejada interferência
estatal, mas sim da legítima e boa negociação coletiva. [...] A ampla liberdade de
negociação coletiva é a ferramenta, e os negócios jurídicos dela advindos (CF, art.7º,
XXVI) são instrumentos reais e efetivos para suportar esse período de insegurança,
de retração, de reestruturação de todo o sistema econômico mundial. Lembremos,
inclusive, que a Constituição Federal permite até mesmo a redução dos salários,
mediante a negociação coletiva (CF, art.7º, VI). (ZANGRANDO, 2011, p.526-527).

E, de forma ainda mais liberal, Marcelo Batuíra em sua tese de doutorado em Direito
(USP-2003) “Irrenunciabilidade no Direito do Trabalho e Liberdade: Uma abordagem
econômica para uma revisão crítica”, citado por Luísa Gomes Martins:

O mercado livre cria oportunidade para todos os indivíduos, desde que estes estejam
dispostos justamente a renunciar determinados direitos, se conformarem com
remunerações aquém das desejadas e, inclusive, estarem dispostos a mudar de lugar
e ocupação. (BATUÍRA, 2003 apud MARTINS, 2010, p.67-68)

Possuindo, desta forma, força ideológica, normativa e prática, até mesmo pelo fato da
flexibilização ser prevista na Constituição Federal, resta-nos o questionamento de quais
seriam os limites para ela, em que deve esbarrar a força do capital, principalmente em tempos
de enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão de obra excedente
(desempregados e subempregados) para que os patrões não venha a impor regimes e contratos
cada vez mais flexíveis (IANNI, 1996 apud CASSAR, 2009, p.24).
28

4 LIMITES À FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA

Apesar de existirem discussões acerca da possibilidade da Flexibilização Trabalhista


ser ou vir a ser um princípio do direito do trabalho (GARCIA, 2010), como querem alguns,
não prospera o entendimento de que esta possibilidade jurídica de caráter excepcional seja
realizada de forma livre e sem limitações, como também não é o entendimento mais acertado
a preponderância da norma negociada (Acordos e Convenções Coletivas) sobre a norma
estatal (Constituição Federal, Leis, etc).

4.1 FLEXIBILIZAÇÃO E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Primeiramente, pois para entendermos que a flexibilização pode vir ou é um princípio,


esta deveria estar ligado ao consciente coletivo de uma época, e vivemos a Era dos Direitos
(utilizando título da obra do pensador italiano Noberto Bobbio), momento histórico qual os
Estados ocidentais constitucionalizaram várias dimensões dos Direitos Humanos, entre eles os
Direitos Sociais (presente em constituições ocidentais desde 1917 no México e 1919 na
Alemanha), que no magistério de Uadi Lammêgo Bulos são:
[...] liberdades públicas que tutelam os menos favorecidos, proporcionando-lhes
condições de vida mais decentes e condignas com o primado da igualdade real.
Funcionam como lídimas prestações positivas, de segunda geração, vertidas em
normas de cunho constitucional, cuja observância é obrigatória pelos Poderes
Públicos. [...] Por isso, servem de substrato para o exercício de incontáveis direitos
humanos fundamentais (arts.5º e 7º) (BULOS, 2011, p.789).

Ou seja, possuindo os Direitos Sociais um caráter prestacional positivo, o Estado não


poderia negar-se a buscar em sua máxima possibilidade sua efetivação, devendo agir em favor
de quem esteja em condição de inferioridade ou fragilidade, sob pena de estarmos indo de
encontro a toda ordem constitucional, violando o próprio Estado Democrático de Direito (CF,
art.1º, caput) e a Dignidade da Pessoa Humana (CF, art.1º, III), conforme nos ensina o
magistrado e professor Ingo Wolfgang Sarlet, vejamos:
Considerando o quadro normativo constitucional contemporâneo dominante, pelo
menos no que diz com a evolução em termos formais (textuais) e quantitativos, é
possível endossar a afirmação de Peter Häberle no sentido de que os direitos sociais
(aqui compreendidos em sentido amplo, abrangendo a dimensão cultural e
ambiental), especialmente em virtude de sua umbilical relação com a dignidade da
pessoa humana e a própria democracia, constituem parte integrante de um autêntico
Estado (Constitucional) Democrático de Direito [...] ao mesmo tempo em que a
dignidade da pessoa humana, na sua condição de “premissa antropológica” do
Estado Constitucional e do Direito estatal, implica o dever do Estado de impedir que
as pessoas sejam reduzidas à condição de mero objeto no âmbito social, econômico
e cultural, o princípio democrático-pluralista, como consequência organizatória da
própria dignidade da pessoa humana, assim como os direitos político-participativos
que lhe são inerentes, exige um mínimo de direitos sociais, que viabilizem a efetiva
participação do cidadão no processo democrático-deliberativo de uma autêntica
sociedade aberta... (SARLET, 2009).

O que nos remete a uma idéia de Proibição do Retrocesso dos Direitos Sociais,
princípio este já consagrado e positivado no âmbito dos Direitos e Garantias Individuais, pois
estes constituem cláusulas pétreas (CF, art.60, §4º, IV), e de também aplicação nos direitos
sociais, seja pela clara ligação destes com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, seja
29

pela vanguardista hermenêutica constitucional do magistrado Almiro Eduardo de Almeida


que em recente artigo publicado no jornal gaúcho O Dia, escreveu:

Em vez disso, deve-se compreender que, em um Estado Social, como o preconizado


pela Constituição de 1988, qualquer supressão ou redução de direitos trabalhistas é
sempre uma afronta à proibição do retrocesso social e, por isso, deve ser considerada
inconstitucional. Por força do quanto dispõe o § 2º do art. 5º da Constituição, bem
como pela previsão estabelecida no caput do seu art. 7º, todas as normas que sejam
mais favoráveis ao trabalhador adquirem status de fundamentalidade, sobrepondo-se
às demais que com elas entrem em conflito (ALMEIDA, 2011).

Também acerca da Proibição do Retrocesso dos Direitos Sociais:


[...] pode-se trabalhar com a concepção de um Estado Democrático de Direito que
pressupõe, além da garantia da participação popular, a garantia dos direitos
fundamentais, em um sentido de progressividade na afirmação destes direitos, que
representam, em suma, uma conquista da própria sociedade, pelo que de forma
lógica pode-se concluir que movimentos de retrocesso em matéria social estariam
vedados no âmbito do dirigismo constitucional (MENDES, 2009, p.121).

Contudo não precisamos percorrer caminho tão longo para percebemos que a
Flexibilização esbarra nos próprios fundamentos do Estado, que possui na Valorização do
Trabalho um dos seus princípios cardeais, estando o Trabalho presente na Constituição como
princípio, fundamento, valor e direito social (DELGADO, 2010b), basta observarmos sua
presença no “Preâmbulo”; nos “Princípios Fundamentais” (Título I); nos Direitos Sociais
(art.6º e 7º); na “Ordem Econômica e Financeira” (Título VII), em seus “Princípios Gerais da
Atividade Econômica” (art.170); além da “Ordem Social” (Título VIII) e sua “Disposição
Geral (art.193).

O Poder Constituinte deixa claro com tantas inclusões referentes à valorização do


trabalho que deve ser este um dos maiores instrumentos de afirmação da Democracia, pois é o
meio garantidor de um mínimo de poder social à massa da população, que é destituída de
riqueza e de outros meios lícitos de seu alcance (DELGADO, 2010b), pois se torna falsa a
Democracia que não garante condições mínimas materiais aos seus cidadãos, não garantindo
desta forma sequer a Liberdade.

Tratando da importância dos Direitos Trabalhistas para a conquista da cidadania, o


desembargador Luiz Felipe Ledur citado pelo ministro do TST, Horácio de Senna Pires,
escreveu:

[...] o reconhecimento do estatuto jurídico-laboral nos anos 40 do século passado foi


mais decisivo para o alcance da cidadania dos trabalhadores do que o próprio
reconhecimento dos direitos políticos. [...] A Constituição de 1988 mantém sintonia
com esse pensamento na medida em que eleva série de direitos dos trabalhadores ao
mesmo status dos direitos fundamentais clássicos, dos quais resulta certo que quem
trabalha, ainda que de modo subordinado ou por conta alheia, continua cidadão e
portador de dignidade, circunstancia que permite compreender o porquê da
precedência a ser conferida à proteção dos direitos de personalidade dos
trabalhadores, quando confrontados com o poder diretivo do empregador (LEDUR
apud PIRES, 2011, p.131).

Desta forma, confirma o ministro que os Direitos Trabalhistas são Direitos


Fundamentais clássicos e de suma importância para a nossa Democracia. Possuindo tão
30

grande importância, que a participação política dos cidadãos está intimamente ligada à
existência de um feixe jurídico de proteções e garantias expressivas (DELGADO, 2010b),
oriundas do trabalho regulado, por isso, a Constituição consagra a importância não só do
trabalho, mas do emprego, pois este possui uma proteção jurídica capaz de gerar o mínino
existencial ao cidadão.

Por isso, não será qualquer trabalho capaz de garantir a participação do cidadão no
Estado Democrático de Direito, somente aquele que preserve a Dignidade da Pessoa Humana
através de um mínimo existencial, que em nosso país é garantido pelo Direito do Trabalho,
conforme nos apresenta Lívia Mendes Moreira Miraglia:

Nesse contexto, o Direito do Trabalho consolida-se como o principal instrumento de


concretização da dignidade da pessoa humana, ao possibilitar a inclusão efetiva do
indivíduo-trabalhador na sociedade capitalista. Cabe lembrar que a atividade estatal
deve ser pautada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que o ser
humano é o “centro convergente de direitos” de todo o ordenamento jurídico e a
dignidade constitui o substrato mínimo a ser assegurado a todos igualmente
(MIRAGLIA, 2009, p.151).

Desta forma, analisando a norma máxima do Estado, seus princípios e fundamentos


poderemos verificar que os Direitos Fundamentais Sociais, entre eles os trabalhistas, são
basilares ao nosso ordenamento jurídico, sendo discrepante ao conteúdo constitucional
brasileiro como um todo, normas que retirem ou limitem as prestações que visem alcançar à
Justiça Social e os objetivos de nossa República (CF, Art. 3º). Por isso, como nos afirma
GARCIA (2010, p.112), a Flexibilização é verdadeira exceção no nosso sistema jurídico.

4.2 FLEXIBILIZAÇÃO E PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

Conforme já apresentado neste trabalho, o processo de Flexibilização Trabalhista


surge como uma crítica aos padrões de proteção historicamente consagrados aos trabalhadores
pelo Estado, diante da realidade da tecnologia, da automação e do desemprego estrutural
(PIRES, 2011). Possuindo este processo, em nosso país, grande ligação com as normas
negociadas autônomas, fruto de Acordos e Convenções Coletivas assinadas pelos Sindicatos
dos Trabalhadores e Empresas ou Sindicatos Patronais.

A corrente flexibizadora não nega a necessidade de proteção aos trabalhadores, porém


entende que esta deva sair da tutela estatal e passe a ser oriunda da Autonomia Privada
Coletiva, ou seja, das normas negociadas entre os pólos contratantes na relação do trabalho,
estando a hipossuficiência do trabalhador suprida pelo fato deste agir de forma coletiva nas
negociações através do seu sindicato (MARTINS, 2010).

Argumenta que a forma de proteção dos trabalhadores oriunda de normas estatais


segue um modelo antidemocrático, pois limita a possibilidade das partes convencionarem suas
parcelas no contrato de trabalho ferindo o Princípio da Liberdade. Contudo, esta
argumentação é diametralmente oposta ao Direito do Trabalho como um todo, e a concessão
desta total liberdade para contratação seria reenviar o Contrato de Trabalho para a o âmbito do
Direito Civil, período histórico já superado, conforme lição de José Soares Filho, observemos:
31

O contrato passou a ser instrumento de exploração do mais fraco pelo mais forte, o
que obrigou o Estado a adotar uma política intervencionista – abandonando sua
postura abstencionista, adequada ao liberalismo político –, pelo exercício do
chamado dirigismo econômico, a fim de restaurar o equilíbrio entre as partes da
relação contratual [...] Essa é a razão pela qual se fixam limites e se estabelece
restrição à autonomia privada, quer individual, quer coletiva (SOARES FILHO,
2011, p.48-49).

Também tratando das origens históricas do Direito do Trabalho, Horácio de Senna


Pires argumenta acerca da necessidade de tutela dos menos favorecidos no processo de paz
após a I Guerra Mundial, vejamos:

O Tratado de Versalhes, encerrando, em 1919, aquele conflito, propõe, no capítulo


XIII, o engajamento dos estados em um movimento com vista a assegurar idêntico
amparo jurídico às respectivas populações e a afastar a miséria e as injustiças que
vitimavam as grandes massas. Formava-se uma consciência universal de que era
indispensável identificar e afastar as causas sociais, econômicas e políticas que,
afligindo as populações, pudessem provocar conflitos. Partia-se do pressuposto de
que o progresso constante e uniforme do Direito do Trabalho favoreceria a paz
(PIRES, 2011, p.126).

Então cumpre o Direito do Trabalho uma missão histórica de agente pacificador de


conflitos através do Princípio da Proteção oriundo da intervenção estatal na relação de
trabalho, intervenção esta que já se opera no próprio seio do Direito Civil através da proteção
ao consumidor nas relações de consumo.

Outro fato que supostamente gera legitimidade à Flexibilização é o grande número de


desempregados e subempregados no mundo após a Globalização, pois a rigidez e os encargos
sociais seriam entraves a contratação e manutenção de empregados, implicando a proteção de
um ou de alguns o abandono ou “desproteção” de muitos (ZANGRANDO, 2011).

Américo Plá Rodriguez (2000, p.72-74) rebate esta argumentação com fato de que não
se saber qual o custo do trabalhador para toda a produção, sendo variável este custo para cada
ramo econômico, e não se tendo esta informação ser impossível somente colocar sobre os
ombros dos empregados encargo dos patrões, que devem inclusive possuir mais criatividade
para superarem as dificuldades.

Sergio Pinto Martins (2008), também rebate tal argumento defendendo a manutenção
dos direitos trabalhistas atuais e acerca da criação dos empregos escreve:

A criação de empregos não depende da política legislativa, mas da política


econômica, da diminuição de juros e de investimentos, sejam eles públicos ou
privados, do desenvolvimento econômico. Deveria haver um fomento maior de
investimentos em atividades que exigem mão-de-obra intensa, como na construção
civil, na hotelaria etc. Havendo mais empregos, o número de consumidores seria
maior. Estes poderiam comprar mais produtos. As vendas das empresas poderiam
aumentar e gerar progresso para o País. Os empregadores poderiam contratar
número maior de trabalhadores. (MARTINS, 2008)

Luisa Gomes Martins (2010) também alerta para a experiência vivida em outros
países, como a Espanha, onde apesar da profunda reforma trabalhista conduzindo à
32

flexibilização do sistema de relações de trabalho, não houve criação proporcional de postos de


trabalho, ademais, há uma alta precariedade dos empregos citados. Neste mesmo sentindo,
Horácio de Senna Pires (2011) afirma que os países que avançaram no caminho da
flexibilização desaceleraram o passo ou mesmo retrocederam. Argentina, Espanha e França,
malgrado a desregulamentação adotada, continuam com preocupantes taxas de desemprego,
no roldão de cíclicas crises da economia mundial.

Com isso, pegam um fato presente da sociedade atual, o desemprego e o subemprego,


e com argumentos fortes que ecoam na sociedade fazem propagar a informação de que o
Direito do Trabalho é o culpado pela dura situação em que se encontram milhões de
trabalhadores no mundo, que influenciados pelo discurso neoliberal e pela fragilidade sindical
atual se submetem a condições de trabalho degradantes e desumanas, contra isto Luisa
Martins escreve:
O trabalhador em melhores condições de trabalho e com melhor remuneração
produzirá mais, trazendo vantagens para toda a cadeia da economia. Por outro lado,
a busca por competitividade no mercado mundial não pode sacrificar o valor do
trabalho. Desde o início do direito do trabalho, e mais ainda, com o
constitucionalismo social, estabeleceu-se que o trabalho não é mercadoria. Trata-se
de elemento indissociável da pessoa do trabalhador, e este deve ter sua dignidade
respeitada. O trabalho humano não pode estar sujeito às leis do mercado [...] a
condição humana do trabalhador impõe determinados limites que não podem ser
ultrapassados (MARTINS, 2010, p.75)

Ou seja, se a cada crise econômica ou aumento do padrão tecnológico, os Estados


diminuírem a proteção recebida pelos trabalhadores chegaremos em pouco tempo ao mesmo
patamar de condições de trabalho do século XVIII ou XIX e em nada estaria contribuindo o
Direito do Trabalho, se é que este ainda existiria.

Contudo, há em nosso ordenamento jurídico previsões constitucionais de


Flexibilização de Normas Trabalhistas in pejus (CF, Art.7º, incisos VI, XIII e XIV), que
apesar de terem caráter excepcional como já vimos, podem vir até a reduzir salários através de
normas negociadas coletivas, sendo verdadeira exceção do Princípio da Proteção, basilar do
Direito do Trabalho.

Conjuntamente, é de pacífico entendimento que o Princípio da Proteção, já


conceituado e debatido anteriormente, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988,
estando presente como inspiração dos direitos sociais, e através de sua regra da Norma mais
favorável no art.7º, caput, faz a limitação material do conteúdo das normas oriundas de
negociação coletivas.

Desta forma, cria-se uma contradição aparente, pois se o texto constitucional abre a
possibilidade para a criação de normas negociadas coletivas virem a modificar condições
normas estatais, inclusive em prejuízo ao trabalhador, poderemos entender a norma negociada
como norma superior a norma estatal. E, o mesmo texto constitucional, valoriza a Regra da
Norma mais Favorável, que em sua aplicação afastaria a norma negociada, caso esta
estabelecesse condição de trabalho inferior a prevista na norma estatal.
33

4.3 FLEXIBILIZAÇÃO E NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Conforme já apresentado, atualmente a negociação coletiva ganhou possibilidade de


flexibilizar as normas de Direito do Trabalho, inclusive in pejus ao trabalhador. Entretanto,
somente é possível tal fato se ocorrer “a devida motivação e comprovação de que a adoção da
medida justifica-se em proteção do próprio trabalho como valor social” (GARCIA, 2011,
p.113).

Possuindo esta negociação coletiva para ser válida a necessidade de ser realizada com
a presença do Sindicato dos Trabalhadores da categoria correspondente (CF, Art.8º, VI), que
deverá ser autônomo e livre para negociar, além de possuir equivalência de forças com o pólo
obreiro, conforme os princípios do direito coletivo do trabalho.

Esta equivalência de forças, inclusive considerada como princípio do Direito Coletivo


do Trabalho, apresenta-se como condição a cada dia mais difícil de ser observada diante da
crise que enfrenta o sindicalismo na atualidade que foi desestruturado pela força da recessão
ou da lei (AZEVEDO, 2000). A terceirização e as modificações nas relações internas das
empresas também dificultam o sindicalismo, pois falta muitas vezes identidade de classe entre
empregados de uma mesma empresa, pois são regidos por formas contratuais distintas.

Pochmann & Borges (2002) tratam da crise do sindicalismo através de uma análise do
processo econômico vivido pelo Brasil nas ultimas décadas do século passado e das
transformações no mundo do trabalho como um todo, “A chamada especialização flexível,
com o uso das novas tecnologias, tende a tornar o nível do emprego nas grandes empresas
cada vez mais sintonizado com o ritmo da produção” (2002, p.56). E especificamente acerca
do enfraquecimento do sindicalismo escrevem:

Já na década de 90, o quadro se alterou profundamente. A crise do sindicalismo, já


sentida em outras nações, atingiu em cheio o Brasil. As taxas de sindicalização
caíram a patamares próximos ao do regime militar; a presença nas atividades
sindicais refluiu; a credibilidade dos sindicatos declinou (passou de segunda
instituição mais respeitada na sociedade, nos anos 80, para a nona em todas as
pesquisas); a perda da receita, resultante do desemprego, levou a falência muitas
entidades; o número de greves e grevistas despencou. Diante dos obstáculos, alguns
autores até prognosticaram a crise terminal do sindicalismo (POCHMANN &
BORGES, 2002, p.100).

Desta forma, “O setor produtivo, é claro, percebe o enfraquecimento dos sindicatos e,


mais do que nunca, deseja, incentiva e prefere a negociação coletiva à legislação estatal
heterônoma, como forma de flexibilização” (TEODORO, 2007, p.94). Por isso, faz-se mister
a presença do Ministério Público do Trabalho como órgão a mediar e fiscalizar a Negociação
Coletiva, conforme escreve Otavio Brito Lopes, Sub-Procurador Geral do Trabalho:

Resultando a negociação coletiva em convenção ou acordo coletivo de trabalho, é


possível ao Ministério Público do Trabalho, sempre levando em conta o interesse
público, promover as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusulas que
violem as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis
34

dos trabalhadores, que são, como já salientamos anteriormente, limites


constitucionais à negociação coletiva. São exemplos de cláusulas negociadas que
desafiam ações anulatórias, as cláusulas que discriminam salarialmente os
trabalhadores menores, cláusulas que garantem a admissão apenas de associados dos
sindicatos ou preferência, em igualdade de condições, para a contratação de
associados do sindicato etc (LOPES, 2000).

Além disso, deverá a flexibilização estar restrita a previsão constitucional e justificada


pela dificuldade econômica enfrentada pela empresa ou ramo empresarial. Sobre os Limites
da Negociação Coletiva, CASSAR nos traz:
Este limite não pode ser arrolado taxativamente, pois será avaliado em cada caso
pelo grupo o quanto aquela coletividade deve ceder para não perder seus empregos
de forma coletiva [...] não há limitações para o empregador conceder benesses, mas
o poder de reduzir e suprimir benesses legais está condicionado à prévia
comprovação da precária situação financeira ou econômica da empresa, a ponto de
colocar em risco sua existência. A pedra de toque é a necessidade econômica da
empresa (CASSAR, 2009, p.1217).

Ficando claro mais três fatores inerentes a negociação coletiva em prejuízo do


trabalhador, a comprovada dificuldade econômica que passa a empresa, a transitoriedade
destas medidas com uma possível compensação aos trabalhadores durante e após cessar a
crise e, principalmente, a manutenção dos postos de trabalho, neste sentido, nos diz Otavio
Brito Lopes:

A flexibilização existe para proteger o emprego do trabalhador, e não para pura e


simplesmente subtrair-lhe o piso de direitos estabelecido na Constituição. Seu escopo
não é a redução de salários ou a majoração da jornada de trabalho, e sim a tutela do
emprego, sem o qual não há falar em salário ou limitação da jornada de trabalho. Se a
inflexibilidade, da proteção do "caput" do art. 7o, diante das crises, gerasse o
desemprego, é óbvio que não se trataria de proteção, mas da negação da própria
Constituição (LOPES, p.2000).

Portanto, a Flexibilização Trabalhista via negociação coletiva deverá possuir um


caráter transacional e transitório sob justa e grave motivação, não podendo ser um
instrumento para única e exclusivamente aumentar o lucro das empresas envolvidas com a
precarização das condições laborais, principalmente o salário e a jornada de trabalho.
Com o objetivo de analisar as possibilidades e limitações da Negociação Coletiva, a
doutrina pátria, em especial através de Maurício Godinho Delgado, vem consagrando o
Princípio da Adequação Setorial Negociada, inclusive este possuindo bastante influencia nos
julgamentos realizados no Tribunal Superior do Trabalho, onde o doutrinador citado também
é ministro e recente ex-presidente.
4.4 PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA
Apesar de não ser consagrado por toda a doutrina, o presente princípio tem ganho
destaque considerável nos tribunais brasileiros, quando estes buscam um critério de
harmonização entre as normas criadas pela Negociação Coletiva e as normas provenientes da
Legislação Estatal, e a Adequação Setorial Negociada examina a validade jurídica e extensão
de eficácia das normas autônomas em face das heterônomas.
35

De acordo com o princípio, as normas autônomas prevalecem quando respeitados dois


critérios autorizativos: a) quando implementam um padrão setorial de direitos superior ao
padrão geral estabelecido pela legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas
autônomas juscoletivas transacionam setorialmente direitos de indisponibilidade apenas
relativa, jamais de indisponibilidade absoluta (CARVALHO, 2011). No primeiro caso, não há
afronte ao princípio da indisponibilidade de direitos que é inerente ao Direito Individual do
Trabalho. Diferentemente, no segundo caso há afronte ao princípio, porém somente atingindo
parcelas de indisponibilidade relativa, que segundo Maurício Godinho Delgado:

Estas qualificam-se quer pela natureza própria a parcela mesma (ilustrativamente,


modalidade de pagamento salarial, tipo de jornada pactuada, fornecimento ou não de
utilidades e suas repercussões no contrato, etc.), quer pela existência de expresso
permissivo jurídico heterônomo a seu respeito (por exemplo, montante salarial:
art.7º, VI, CF/88; ou montante de jornada: art.7º, XIII e XIV, CF/88) (DELGADO,
2010b, p.137).

Sendo também necessário destacar que este afronte ao Princípio da Indisponibilidade


deverá ser fruto de uma transação, devendo haver concessões mútuas entre as partes, para que
não seja caracterizada a renúncia a algum Direito Trabalhista sem a devida compensação, o
que descaracterizaria a Negociação Coletiva.
Não prevalecendo a adequação setorial negociada se referente a direitos revestidos de
indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser
transacionados, pois estes direitos constituem um patamar civilizatório mínimo, sob pena de
afrontar a Dignidade da Pessoa Humana.
Este patamar civilizatório, segundo o entendimento de Maurício Godinho
Delgado(2010b), é um conjunto de três grupos de normas trabalhistas heterônomas:
1º Grupo: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas
parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art.7º, VI, XIII e XIV, por exemplo);
2º Grupo: as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano
interno brasileiro (referidas pelo art.5º, §§ 2º e 3º, CF/88, já expressando um patamar
civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil);
3º Grupo: as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania
ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas
concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, disposições
antidiscriminatórios, etc.).
Podendo ser observado facilmente que estas normas presentes nestes três Grupos são
reflexos do Princípio da Proteção ao Trabalho e da Dignidade da Pessoa Humana
entrelaçados, sendo estas barreiras indisponíveis à Negociação Coletiva segundo o atual
posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, neste sentido nos traz a lição Ana Paula
Fernandes de Carvalho, em recente estudo acerca da temática, vejamos:
Nesse sentido, a jurisprudência do TST, no que tange à aplicação do princípio da
adequação setorial negociada, tem dado anuência à validade de normas heterônomas
e aos princípios constitucionais, o que resultou no alargamento das modalidade de
parcelas de indisponibilidade absoluta. [...] O TST, ciente de sua responsabilidade na
ordem justrabalhista, não pode permitir a livre negociação, devendo compensar a
desigualdade real acentuada pela nova ordem econômica, sem desconsiderá-la. Deve
36

se amoldar a cada caso, fazendo prevalecer alguns dos princípios mais relevantes
para a demanda, mas sem negar vigência a outros, tal como autonomia das vontades
coletivas. Do ponto de vista do trabalhador, a negociação setorialmente adequada é
capaz de conter incertezas e imprevisibilidade das contratações, além de garantir
sentido e concretude para o direito fundamental a trabalho digno (2011, p.111).

Ou seja, onde busquemos (Tratados Internacionais, Constituição Federal, Leis


Federais, Regulamentos de Segurança e Higiene) há limitações a Negociação Coletiva, que
deve ser o principal instrumento de adequação das normas aos tempos atuais, flexibilizando-
as inclusive para garantir a continuidade da relação empregatícia e a saúde da empresa em
tempos tão difíceis, porém preservando e ampliando o Trabalho Digno a todas e todos os
economicamente ativos.
37

CONCLUSÃO

As grandes fábricas à vapor do século XVIII, concentradoras de operários e opressão,


já não encontra-se nos mesmos locais, nem sequer utiliza-se de mesma tecnologia. A
automação, os meios de comunicação e a informática modificaram o mundo do trabalho de
forma que jamais voltaremos a ter a existência dos modelos de produção utilizados
anteriormente. O socialismo, como sistema econômico, não existe mais, restando alguns
estados de inspiração socialista, porém com economia de mercado, o que garantiu a vitória do
pensamento neoliberal desde a década de 1980. O capitalismo globalizou-se, relativizando o
conceito de Estado, território e povo, transferindo a produção para o território mundial, a
partir da “fábrica global”. Tudo isto demonstrando a necessidade de constante atualização do
Direito do Trabalho.

Contudo, algo é constante no capitalismo, as suas crises, e a superioridade econômica,


social e política dos proprietários dos meios de produção frente à classe operária, e mesmo
esta modificando o seu perfil e até sua forma de relacionar-se com os patrões, continua sendo
subordinada e passível de super-exploração, caso não exista um limite que regulamente esta
relação, sendo o Direito do Trabalho intimamente necessário a existência do Capitalismo que
busque a paz social.

Este limite ou patamar civilizatório, como apresentado no texto, é o Princípio da


Proteção e sua busca pelo equilíbrio entre os contratantes do instrumento maior da relação
laboral, o contrato de trabalho. Conjuntamente a este, e com maior destaque no pós-segunda
guerra e, para nós, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana vem também afirmar a necessidade do Trabalho ser
regulamentado, com forma de barrar a ofensiva do capital e garantir existência digna as
pessoas.

Desta forma, entendemos que a regulamentação pregada pelos defensores da


Flexibilização Trabalhista é uma busca por um aumento dos lucros empresariais, com a
diminuição das condições de trabalho dos empregados, e o discurso de que a flexibilização é a
forma de garantir empregos não passa de mais uma forma de legitimar a desregulamentação
com a inclusão de uma vantagem para tal, contudo a manutenção e a criação de novos postos
de trabalho efetiva-se através da intervenção estatal quando este busca aquecer a economia e
investe na qualificação da mão de obra.

Justificando-se a Flexibilização quando esta garante um mínimo de condições que não


venham a ferir o trabalhador em sua dignidade, proteção e saúde, e somente sendo esta
possível em caráter transitório e emergencial, com a devida fiscalização e intervenção estatal,
pois do contrário estaríamos a marchar para o caos social e para a legitimação da injustiça.
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