Saude Mental
Saude Mental
Saude Mental
Secretaria da Saúde
EDITORA:
LABORCIENCIA EDITORA LTDA
CNPJ: 71.648.737/0001 - 63
www.laborciencia.com
[email protected]
ORGANIZADORA:
Maria Taís de Melo
Autores
Jorge Luiz Barbosa
Liliana Stadnik
Maria Taís de Melo
Tadeu Lemos
Organizadora
Maria Taís de Melo
Professores:
Ary Sell
Jorge Luiz Barbosa
Tadeu lemos
Renata Campos
A preocupação em oferecer à população de São José serviços de saúde com qualidade e de forma sis-
temática consolida-se no momento em que a Secretaria de Saúde, mais uma vez, promove ações como
a capacitação de seus profissionais para que somem a sua práxis, novas abordagens e metodologias.
Necessariamente, todas as ações relacionadas à saúde pautam-se por esse princípio - ações integradas e,
particularmente, aquelas relacionadas à Saúde Mental. Dessa forma, salientam-se como de fundamental
importância as relações entre a Saúde Mental e as Políticas Públicas de Estado (via intersetorialidade).
Há também, como propósito, a consolidação da rede de atenção psicossocial e o fortalecimento dos
movimentos sociais, calcados nos Direitos Humanos e na cidadania ampla dentro dos princípios éticos
e técnicos entre os vários setores. As questões que dizem respeito à melhoria do cuidado no território
e o fortalecimento e o desenvolvimento de ações intersetoriais (direitos humanos, assistência social,
educação, cultura, justiça, trabalho, esporte, entre outros) são, na verdade, estratégias para a inserção
social dos portadores de sofrimento mental.
Foi por meio dos debates sobre Saúde Mental e Políticas de Estado que se pôde trazer a relevância
da organização de rede de apoio, ou seja, ações intersetoriais que garantam, de um lado, que os Hospi-
tais Gerais cumpram a Portaria n. 224/92, que trata da implantação/ampliação dos leitos psiquiátricos
nesse espaço hospitalar, disponibilizando também leitos de atenção integral para desintoxicação de de-
pendência-química para crianças, jovens e adultos, através do cumprimento da legislação vigente e, de
outro lado, que a rede de atenção básica e a rede de saúde mental permitam o acolhimento e o estabele-
cimento de práticas que incluam as múltiplas abordagens de atenção e cuidados a dependentes químicos
dentro dos princípios da Reforma Psiquiátrica e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), onde
as unidades/leitos oferecidos na rede de apoio, principalmente nos Centros de Atenção Psicossociais,
sejam a retaguarda das ações de urgência e emergência em saúde mental.
A rede de Saúde Mental deve contar com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs) que, em linhas
gerais, são instituições destinadas a acolher pessoas com transtornos mentais, estimular sua integração
social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de busca da autonomia, oferecendo-lhes atendimento
multidisciplinar para esses objetivos. Sua característica principal é buscar integrá-los a um ambiente
social e cultural concreto, designado como seu “território”, o espaço da cidade onde se desenvolve a
vida cotidiana dessas pessoas – usuárias ou não de substâncias psicoativas e de familiares. Os CAPS
constituem-se como uma estratégia da saúde mental no curso da reforma psiquiátrica.
Os CAPSs foram concebidos para assumir papel estratégico na articulação, na construção e forta-
lecimento das redes de assistência e dos serviços de saúde e, assim, cumprir sua função na assistência
direta e na regulação da rede de serviços de saúde. Por isso, devem trabalhar em conjunto com as equi-
pes de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde para a promoção da vida comunitária e da
autonomia dos usuários e, de forma muito especial, assumindo o papel de integrador ao articularem os
recursos existentes em outras redes: sócio-sanitárias, jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas, em-
presas e outras em cada território.
Oportunizar discussões acerca do papel dos CAPS na rede de saúde mental no Município de São
José, bem como o matriciamento, a atuação e a integração das diversas Equipes de Saúde Mental, Saú-
de da Família e dos Agentes Comunitários de Saúde são os grandes objetivos desta capacitação, para a
qual convidamos todos vocês.
Jorge Barbosa
Presidente do COMEN - Florianópolis
Apresentação
Prezado(a) colaborador(a):
A rede de Saúde do município de São José é composta atualmente por dezessete Centros de Saúde,
uma Unidade de Saúde da Família e uma Policlínica que oferecem semanalmente serviços médicos,
odontológicos e de enfermagem. Dispõe também de outros serviços, como a Farmácia Popular, SAMU
e Programas como o de Combate à Dengue, São José Criança, Saúde da Mulher, Saúde do Idoso, além
de um Centro de Vigilância em Saúde onde funcionam os Programas de Doenças Sexualmente Trans-
missíveis HIV/AIDS, Prevenção à Tuberculose e Hanseníase, entre outras ações e serviços.
Nossa gestão possui o grande desafio de ampliar a oferta dos serviços básicos de saúde, bem como
os de média e alta complexidade, atendendo assim aos anseios dos nossos colaboradores e munícipes.
Estamos firmes no propósito de melhorar a situação da saúde em nosso município, para tanto, no
último ano aderimos ao Pacto de Gestão visando mais autonomia financeira e agilidade na implantação
da política municipal de saúde.
Em 2011, consolidaremos três grandes projetos no que tange à prestação de serviços especializados
em São José: a construção da Policlínica de Barreiros, a construção da Policlínica e UPA 24 horas de
Forquilhinhas, e de forma muito especial destacamos a construção dos dois Centros de Atenção Psi-
cossocial, CAPS II e CAPS AD.
Os investimentos não param por aí. Aproveitamos a oportunidade para destacar a realização de con-
curso público voltado à implantação das equipes de Saúde Mental na Atenção Básica e contratação de
médicos especialistas para atuação nas Policlínicas do município.
Além das obras e contratações, nos preocupamos em preparar a rede municipal de saúde para cuidar
da pessoa portadora de transtorno mental e sua família, que devem ser tratadas com humanidade e res-
peito, no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde. Essa atitude só pode ser concretizada se orientada
por conhecimentos científicos a respeito da situação das pessoas em sofrimento psíquico e o manejo
quanto à rede de apoio.
Diante desse marco na história da saúde mental de nosso município, oferecemos aos nossos colabo-
radores a oportunidade de participar do Curso de Capacitação em Dependência Química, o primeiro dos
muitos que serão oferecidos na área da Saúde Mental.
Introdução
Nos dias atuais, a palavra droga é rapidamente associada às substâncias que alteram estados da mente, propor-
cionando experiências de prazer/desprazer capazes de levar parte seus usuários ao uso contínuo e à dependência.
A palavra droga tornou-se também sinônimo de coisas ruins (aquilo que faz mal) e/ou de situações indesejadas
(que droga!). O que chamamos hoje de droga está muito longe daquilo que, antes, essa palavra designava.
A origem etimológica da palavra droga é incerta, porém, ela pode ter sido derivada de drowa (árabe), cujo
significado é bala de trigo, ou ainda de drooge vate (holandês), cujo significado é tonéis de folhas secas. Isto se
deve ao fato de que, até muito recentemente, quase todos os medicamentos eram feitos à base de vegetais, embora
tenhamos ainda hoje muitos vegetais como medicamentos.
A primeira língua a utilizar a palavra droga, tal como nós a conhecemos, foi o francês: drogue (ingrediente,
tintura ou substância química ou farmacêutica, remédio, produto farmacêutico). Atualmente, a medicina define
droga como: “qualquer substância capaz de modificar o funcionamento dos organismos vivos, resultando em mu-
danças fisiológicas ou de comportamento” (OMS, 1978). Portanto, nota-se que a palavra droga se refere a qual-
quer substância capaz de modificar um funcionamento orgânico, seja essa modificação considerada medicinal ou
nociva. Os antigos, inclusive, não acreditavam que as drogas fossem exclusivamente boas ou más. Os gregos, por
exemplo, entendiam que qualquer droga se constitui em um veneno potencial e um remédio potencial, dependen-
do da dose, do objetivo do uso, da pureza, das condições de acesso a esse produto e dos modelos culturais de uso.
As drogas capazes de alterar o funcionamento mental ou psíquico são denominadas drogas psicotrópicas ou
simplesmente psicotrópicos. Psicotrópico advém da junção de psico (mente) e trópico (afinidade por). Desse
modo, drogas psicotrópicas são aquelas que atuam sobre o nosso cérebro, alterando nossa maneira de sentir, de
pensar e, muitas vezes, de agir. Mas estas alterações do nosso psiquismo não são iguais para toda e qualquer dro-
ga. Cada substância é capaz de causar diferentes reações. Uma parte das drogas psicotrópicas é capaz de causar
dependência. Essas substâncias receberam a denominação de drogas de abuso, devido ao uso descontrolado ob-
servado com frequência entre os seus usuários.
O uso de substâncias psicoativas é um fenômeno ólicas, que já era de domínio destas culturas, não se
que acompanha a humanidade em diversos períodos de apresentava tão somente identificado com os rituais re-
sua história, variando segundo critérios relativos a cada ligiosos que, via de regra, permitiam um estado altera-
cultura, a cada época. Ao longo da história, os homens do de consciência, mas difundia-se como prática social
utilizaram os produtos naturais para obter um estado relacionada às múltiplas facetas sociais, tais como fes-
alterado de consciência, em vários contextos − como tas, bodas, triunfos, vitórias, datas expressivas, jogos e
no religioso, místico, social, econômico, medicinal, todo tipo de manifestação de confraternização. Com o
cultural, psicológico, militar e, principalmente, na bus- advento das conquistas se difundiram também para ou-
ca do prazer. A alteração deste estado de consciência tros povos, bem como a implementação de outros usos.
tinha por objetivo proporcionar melhor ligação com o No período medieval, durante a ascendência e poder da
sobrenatural/divino, como no caso do álcool, que era Igreja, muitas pessoas, por conhecerem os efeitos psi-
usado para favorecer o contato com os deuses. coativos de plantas, foram mortas pela inquisição para
Na cultura grega e romana, o uso de bebidas alco- não colocar em risco o poder dominante da época. O
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uso de substâncias psicoativas, com exceção do álcool, Nos anos 80, ocorre uma intensificação do uso de
era restrito e combatido. drogas psicoativas com acentuação para as sintéticas
O álcool, no final da Idade Média, que era somente (produzidas em laboratório, como anfetaminas, ecstasy
usado na forma destilada, propiciou sua disseminação/ e outras) e estabelece-se a maior organização de “car-
consumo. Na Idade Moderna, fatores como as gran- téis internacionais de drogas”, tendo na Colômbia sua
des navegações e a Revolução Industrial - capitalismo concentração (cartel de Cali - Pablo Escobar). Com or-
(dominação e exploração) propiciaram a concentração ganização e ramificação pelo mundo, o tráfico de dro-
urbana, e a produção de bebidas passou a ser indus- gas passa a ser a segunda maior economia do mundo
trializada, aumentando o consumo de álcool. A inten- (só perde para a informática - produção de softwares e
sificação do contato com outros continentes e países computadores) até os dias de hoje, mesmo com a ação
facilitou o intercâmbio de outras drogas. Portanto, é o repressora dos EUA e outros países que formam uma
período no qual o consumo de substâncias psicoativas verdadeira ação de guerra ao tráfico de drogas.
tomou proporções preocupantes, pois, no início deste A década de 90 foi marcada por um grande consumo
período, muitos retornaram de colônias localizadas na de cocaína, numa visão mais individualista e de prazer
Ásia, Índia, África e no continente americano para seus fugaz pela vida, onde o importante é desfrutar o mo-
países de origem, trazendo o costume de utilizar certas mento. Atualmente, o neoliberalismo e a globalização
substâncias psicoativas para prazer ou como remédio. vêm sendo disseminados e seguidos por diversas na-
Ao final do século XIX, há um grande consumo de ções, entre elas, o Brasil. Essa nova concepção eco-
ópio, álcool, cigarro e xarope de coco, e nota-se o início nômica é caracterizada por uma redução da qualidade
do uso de medicação injetável. No século XX, ocorrem dos serviços públicos, como a saúde e a educação, bem
duas guerras mundiais que incrementam o uso de an- como pela diminuição de proteção aos indivíduos mais
fetaminas para aumentar o rendimento dos soldados e carentes social e economicamente. Nesta ótica, o de-
da morfina para aliviar a dor dos feridos, sendo que semprego, a doença, o analfabetismo, a violência e a
os sobreviventes retornavam trazendo esta prática com dependência ao uso de substâncias psicoativas passam
outra intencionalidade, ou seja, a busca do prazer. Na a ser vistas como problemas não gerados pela socieda-
década de 50 e 60, com o fortalecimento do capitalis- de, mas apontados como deficiências do próprio sujeito
mo no mundo ocidental pós-guerra, houve uma grande e, neste sentido, em um país com desníveis sociais e
necessidade de mão de obra. Este modelo econômico econômicos acentuados como o Brasil, para uma gran-
exigia, porém, que os trabalhadores fossem rápidos, de parte da população excluída, o uso de substâncias
ativos e, principalmente, sóbrios. psicoativas pode ocorrer para amenizar o sofrimento,
Os jovens europeus e norte-americanos, que re- diferentemente da busca pelo prazer como maior carac-
presentavam uma parcela significativa da popula- terística dos usuários dos países desenvolvidos. Diante
ção, rebelam-se contra esse modelo econômico. Os disto, a sociedade brasileira procura formas de conter o
jovens americanos, principalmente, não aceitaram avanço do consumo das substâncias psicoativas legais
o chamado “sonho americano”, que preconizava e ilegais, estando neste quadro o uso indiscriminado de
igualdade de oportunidades, liberdade e prosperida- medicamentos (OLIVEIRA, 1992).
de para todos, na medida em que observavam esse De fato, desde os povos mais antigos − que faziam
sonho desvanecer-se diante de uma realidade que era uso ritual tradicional de drogas que, de uma forma
dura, injusta e brutal, para vários segmentos da so- mais direta, não acarretava danos sociais ocasionados
ciedade. Essa rebeldia, porém era ameaçadora para por estes rituais que se prestavam para gerar proximi-
a ordem social. Na França, não foi diferente. Os jo- dade com o criador e com as coisas não possíveis −
vens organizaram-se em movimentos estudantis em até as sociedades contemporâneas − onde o consumo
Paris, que se espalharam pela Europa. O movimento de drogas psicoativas toma a forma de grave proble-
hippie nos EUA questionava os valores da economia ma internacional, jurídico, policial e de saúde pública,
capitalista, buscando alternativas para viver, em que que se inicia com a expansão do estilo de vida con-
o prazer, a sexualidade (pílula anticoncepcional), o tracultural, primeiramente nas classes médias, a partir
afeto e a religiosidade passam a ser fundamentais, da década de 60 −, o uso de substâncias psicoativas
formando-se comunidades de vida alternativas, na mudou radicalmente e na sua essência finalidades e
qual a cooperação é fundamental entre seus mem- rito de uso (VELHO, 1980).
bros. Sexo, drogas e Rock’n roll são expressões da O abuso de drogas atual perpassa várias classes
“juventude transviada”, que ameaçavam o sistema e instâncias sociais, relacionando-se com doenças e
vigente, com o uso acentuado principalmente de delinquência, entre outros problemas. Reconhecen-
duas substâncias alucinógenas: maconha e LSD. Em do a gravidade das repercussões desse abuso na saú-
1961, os EUA propõem uma resolução na ONU que de das populações e seu custo social, a comunidade
é seguida até os dias atuais, em que o consumo de internacional empreende importantes esforços para
drogas ilícitas é criminalizado. controlá-lo (VELHO, 1994).
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Ações governamentais, visando o controle das dro- por meio da educação para a saúde. Paralelamente,
gas, desenvolvem-se em diversas nações e envolvem as drogas lícitas, em particular o álcool e o tabaco,
a cooperação entre países. Incluem financiamento e não mereceram nenhuma atenção e até foram alça-
cooperação técnica que, em alguns casos, demanda das, pela publicidade, à condição de promotoras de
deslocamentos de equipamentos e de militares entre sucesso, poder, bom gosto e finesse.
países. Na esfera jurídica, verificam-se reformulações Há sinais de que essas atitudes estejam mudando,
legais, revisando o alcance de punições de condutas e uma maior sensibilidade e adequação dos profis-
relacionadas ao consumo, produção e tráfico de dro- sionais preocupados com o uso indevido de drogas
gas. Instituições sanitárias e educacionais investem, possam nos conduzir a embates além dos de caráter
por todo o mundo, recursos financeiros e humanos na moral, ideológico e metodológico. É possível que
pesquisa e no controle do fenômeno (SENAD, 1998). sejam apontadas as necessidade de uma reflexão
Apesar de tudo isso, registra-se um aumento no uso/ mais aprofundada e corajosa sobre o uso de drogas
abuso e na dependência das diversas drogas, particular- em nossas sociedades e que respostas mais liber-
mente naquelas mais baratas, de maior difusão social e tárias e mais contextualizadas possam apresentar
lamentavelmente na de maior impacto social – o crack. como alternativas plausíveis para a construção de
Também tem se registrado o aparecimento de novos ti- uma sociedade mais pacífica, justa e tolerante.
pos de drogas e, de forma singular, o recrudescimento
de velhas dependências que estão além e no entorno 3. Custos sociais decorrentes do uso abusivo
da própria droga, como a compulsão pelo jogo, pelo de drogas
sexo, pela internet, pelo consumo de mercadorias –
que, guardando as devidas proporções, se assemelham
à drogadição (COSTA; REBOLLETO; LOPES, 2007). Para estimar os custos relativos ao uso e abuso de drogas
(lícitas e ilícitas) em termos de saúde pública, as pesquisas
têm se pautado, principalmente, nos gastos com tratamento
2. Aspectos técnicos sobre o uso de drogas médico, na perda de produtividade de trabalhadores con-
sumidores abusivos de drogas e nas perdas sociais decor-
Vários indicadores mostram que o consumo de dro- rentes de mortes prematuras. Nos anos 90, o custo anual
gas tem atingido formas e proporções preocupantes estimado nos Estados Unidos era superior a 100 bilhões de
no decorrer deste século, especialmente nas últimas dólares e quase 20 bilhões no Brasil. Atualmente estima-se
décadas. As consequências, diretas e indiretas, do uso que estes custos tenham se tornado cinco vezes maior, tanto
abusivo de substâncias psicoativas são percebidas nas nos Estados Unidos quanto aqui no Brasil.
várias interfaces da vida social: na família, no traba- O Relatório do I Fórum Nacional Antidrogas (SE-
lho, no trânsito, na disseminação do vírus HIV entre NAD, 1998) reportava que, no Brasil, os custos decorren-
usuários de drogas injetáveis, seus(suas) parceiros(as) tes do uso indevido de substâncias psicoativas estavam
e crianças, no aumento da criminalidade, etc. São jus- estimados em 7,9% do PIB por ano, ou seja, cerca de 28
tamente os “custos sociais” decorrentes do uso inde- bilhões de dólares (SECRETARIA DE ESTADO DA
vido de drogas, cada vez mais elevados, que tornam SAÚDE - SP, 1996). Custo decorrente do tratamento de
urgente uma ação enérgica e adequada do ponto de doenças ligadas ao uso de tabaco, que correspondiam a
vista da saúde pública. 2,2% do PIB nacional e que os custos totais para o SUS
Embora muitos estudos e ensaios sobre inter- das patologias relacionadas com uso de tabaco elevam-se
venções nos contextos motivados pelo fenômeno a R$ 925.276.195,75 (CHUTTI apud BUCHER, 1992).
do uso indevido de drogas estejam sendo realiza- Contudo, o tabaco não é usualmente incluído nas estatísti-
dos, ainda nos deparamos com barreiras, tais como cas sobre dependência química. A assistência especializa-
os interesses econômicos envolvidos na produção e da no tratamento das drogas ilícitas consumia, em contra-
venda de drogas (lícitas e ilícitas), a incompreensão partida, o equivalente a 0,3% do PIB (BUCHER, 1992).
social do problema e a falta de recursos (humanos e Segundo aquele Relatório, as internações decorren-
materiais) adequados para o seu tratamento. Ainda tes do uso abusivo e da dependência do álcool e outras
são insuficientes as investigações que abordam a drogas também comportam importantes custos sociais.
questão em suas múltiplas dimensões, pois os estu- No triênio de 1995 a 1997, mais de 310 milhões de
dos se reduzem, na sua quase totalidade, aos diag- reais foram gastos em internações decorrentes do uso
nósticos de situações e investigações sobre a con- abusivo e da dependência de álcool e outras drogas.
sequência mais dolorosa do uso de drogas: a morte. Ainda neste mesmo período, o alcoolismo ocupava o
Quanto às políticas públicas em matéria de dro- quarto lugar no grupo das doenças que mais incapaci-
gas, durante décadas, a maioria dos países (incluin- tam, considerando a prevalência global.
do o Brasil) privilegiou a repressão das substâncias Se multiplicarmos isso tudo por cinco, teremos hoje uma
ilícitas, mas pouco se fez no campo da prevenção razoável ideia dos custos sociais do uso abusivo de drogas.
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Conclusão
Referências
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MÓDULO II – ESTUDO DAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Introdução
Neste módulo, você verá o conceito de drogas, a classificação das drogas importantes no ponto de
vista médico – sanitário, além de obter informações complementares sobre as drogas.
Droga, segundo a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), é qualquer substância não
produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de um de seus sistemas,
produzindo alterações em seu funcionamento.
Uma droga não é, por si só, boa ou má. Existem substâncias que são usadas com a finalidade de produzir
efeitos benéficos, como o tratamento de doenças e são consideradas drogas medicamentosas ou simplesmente
medicamentos. Mas também existem substâncias que provocam malefícios à saúde e, por isso, os denominamos
venenos ou tóxicos. Uma coisa importante a saber é que uma mesma substância pode funcionar como medica-
mento em algumas situações, e como tóxico, em outras.
Existem drogas capazes de alterar o funcionamento cerebral, causando modificações no estado mental, no
psiquismo e, em função disso, são denominadas de drogas psicotrópicas ou substâncias psicoativas.
Há uma lista extensa de substâncias presentes em uma espécie de Dicionário, onde as doenças são classificadas
(Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão = CID-10). No capítulo V − Transtornos mentais e de com-
portamento, listam-se as doenças e as drogas a elas relacionadas. Nesta lista estão inclusas substâncias como o
álcool; substâncias denominadas opioides (relacionadas ao ópio, como a morfina, heroína, codeína, diversas subs-
tâncias sintéticas); substâncias denominadas canabinoides (relacionadas à maconha); substâncias denominadas
como sedativos ou hipnóticos (como é o caso dos barbitúricos e os benzodiazepínicos); substâncias estimulantes
como a cocaína e o crack; as anfetaminas ou ainda substâncias relacionadas, como a cafeína ou a nicotina (taba-
co) ou ainda substâncias que provocam alterações como alucinações − os alucinógenos (chá de cogumelo, LSD).
Enfim, vale lembrar que nem todas as substâncias psicoativas têm a capacidade de provocar dependência
apesar de todas elas afetarem o Sistema Nervoso Central, entretanto, há substâncias aparentemente inofensivas e
presentes em muitos produtos de uso doméstico que têm esse poder.
Existe uma classificação – de interesse didático – que se baseia nas ações aparentes das drogas sobre
o Sistema Nervoso Central (SNC), conforme as modificações observáveis na atividade mental ou no
comportamento da pessoa que utiliza a substância. São elas: drogas depressoras, estimulantes e per-
turbadoras da atividade mental. Vejamos o significado desses termos.
Drogas depressoras da atividade mental incluem uma grande variedade de substâncias, que dife-
rem muito em suas propriedades físicas e químicas, mas que apresentam a característica comum de cau-
sar uma diminuição da atividade global ou de certos sistemas específicos do SNC. Como consequência
dessa ação, há uma tendência de ocorrer uma diminuição da atividade motora, da reatividade à dor e da
ansiedade, e é comum um efeito de melhoria do bem-estar em geral.
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• Álcool: o álcool etílico é um produto da fermentação de carboidratos (açúcares) presentes em vegetais, como
a cana-de-açúcar, a uva e a cevada. Suas propriedades euforizantes e intoxicantes são conhecidas desde tempos
pré-históricos e praticamente todas as culturas têm ou tiveram alguma experiência com sua utilização. É de longe
a droga psicotrópica de maior uso e abuso e está amplamente disseminada nas culturas de um grande número
de países na atualidade. O álcool induz a tolerância (necessidade de quantidades progressivamente maiores da
substância para se produzir o mesmo efeito desejado ou intoxicação) e a síndrome de abstinência (sintomas
desagradáveis que ocorrem com a redução ou com a interrupção do consumo da substância).
• Barbitúricos: pertencem ao grupo de substâncias sintetizadas artificialmente desde o começo do século XX,
que possuem diversas propriedades em comum com o álcool e com outros tranquilizantes (benzodiazepínicos). Seu
uso inicial foi dirigido ao tratamento da insônia, porém a dose para causar os efeitos terapêuticos desejáveis não está
muito distante da dose tóxica ou letal. O sono produzido por essas drogas, assim como aquele provocado por todas
as drogas indutoras de sono, é muito diferente do sono “natural” (fisiológico). Seus principais efeitos: a diminuição
da capacidade de raciocínio e concentração; a sensação de calma, relaxamento e sonolência; reflexos mais lentos.
Com doses um pouco maiores, a pessoa tem sintomas semelhantes à embriaguez, com lentidão nos movimentos,
fala pastosa e dificuldade na marcha. Doses tóxicas podem provocar: sinais de incoordenação motora; acentuação
da sonolência chegando até ao coma e morte por parada respiratória. São drogas que causam tolerância (sobretudo
quando o indivíduo utiliza doses altas desde o início) e síndrome de abstinência quando ocorre sua retirada, o que
provoca insônia, irritação, agressividade, ansiedade e até convulsões. Em geral, os barbitúricos são utilizados na
prática clínica como indutores anestésicos (Ex.: Tiopental) e/ou como anticonvulsivante (Ex.: Fenobarbital).
• Benzodiazepínicos: esse grupo de substâncias começou a ser usado na Medicina durante os anos 60 e possui
similaridades importantes com os barbitúricos, em termos de ações farmacológicas, com a vantagem de oferecer
uma maior margem de segurança, ou seja, a dose tóxica aquela que produz efeitos prejudiciais à saúde é, muitas ve-
zes, maior que a dose terapêutica, a dose prescrita no tratamento médico. Atuam potencializando as ações do GABA
(ácido gama-amino-butírico), o principal neurotransmissor inibitório do SNC, o que leva à diminuição da ansiedade;
indução do sono; relaxamento muscular; redução do estado de alerta. Essas drogas dificultam, ainda, os processos
de aprendizagem e memória, e alteram, também, funções motoras, prejudicando atividades como dirigir automóveis
e outras que exijam reflexos rápidos. As doses tóxicas dessas drogas são bastante altas, mas pode ocorrer intoxica-
ção se houver uso simultâneo de outros depressores da atividade mental, principalmente, álcool ou barbitúricos. O
quadro de intoxicação é muito semelhante ao causado por barbitúricos. Exemplos de benzodiazepínicos: diazepam
(valium), lorazepam (lorax), bromazepam, midazolam (dormomid), flunitrazepam, clonazepam (rivotril), lexotan.
• Opioides: grupo que inclui drogas “naturais”, derivadas da papoula do oriente (Papaver somniferum), sinté-
ticas e semissintéticas, obtidas a partir de modificações químicas em substâncias naturais. As drogas mais conhe-
cidas desse grupo são a morfina, a heroína e a codeína, além de diversas substâncias totalmente sintetizadas em
laboratório, como a metadona e meperidina. Sua ação decorre da capacidade de imitar o funcionamento de diver-
sas substâncias naturalmente produzidas pelo organismo, como as endorfinas e as encefalinas. Normalmente, são
drogas depressoras da atividade mental, mas possuem ações mais específicas, como de analgesia e de inibição do
reflexo da tosse. Causam os seguintes efeitos: contração pupilar importante; diminuição da motilidade do trato
gastrointestinal; efeito sedativo, que prejudica a capacidade de concentração; torpor e sonolência. Os opioides
deprimem o centro respiratório, provocando desde respiração mais lenta e superficial até parada respiratória, per-
da da consciência e morte. São efeitos da abstinência: náuseas; cólicas intestinais; lacrimejamento; arrepios, com
duração de até 12 dias; corrimento nasal; câimbra; vômitos; diarreia.
• Solventes e inalantes: esse grupo de substâncias, entre os depressores, não possui nenhuma utilização clínica, com exce-
ção do éter etílico e do clorofórmio, que já foram largamente empregados como anestésicos gerais. Solventes podem tanto ser
inalados involuntariamente por trabalhadores quanto ser utilizados como drogas de abuso, por exemplo, a cola de sapateiro.
Outros exemplos são o tolueno, o xilol, o n-hexano, o acetato de etila, o tricloroetileno, além dos já citados éter e clorofórmio,
cuja mistura é chamada, frequentemente, de “lança-perfume”, “cheirinho” ou “loló”. Os efeitos têm início bastante rápido
após a inalação, de segundos a minutos, e também têm curta duração, o que predispõe o usuário a inalações repetidas, com
consequências, às vezes, desastrosas. O uso crônico dessas substâncias pode levar à destruição de neurônios, causando danos
irreversíveis ao cérebro, assim como lesões no fígado, rins, nervos periféricos e medula óssea. Outro efeito ainda pouco escla-
recido dessas substâncias (em especial dos compostos derivados, como o clorofórmio) é sua interação com a adrenalina, pois
aumenta sua capacidade de causar arritmias cardíacas, o que pode provocar morte súbita. Embora haja tolerância, até hoje não
se tem uma descrição característica da síndrome de abstinência relacionada a esse grupo de substâncias.
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Drogas estimulantes da atividade mental: são incluídas nesse grupo as drogas capazes de aumentar
a atividade de determinados sistemas neuronais, o que traz como consequências um estado de alerta exa-
gerado, insônia e aceleração dos processos psíquicos.
• Anfetaminas: são substâncias sintéticas, ou seja, produzidas em laboratório. Existem várias substâncias
sintéticas que pertencem ao grupo das anfetaminas. São exemplos de drogas “anfetamínicas”: o fenproporex, o
metilfenidato, o manzidol, a metanfetamina e a dietilpropiona. Seu mecanismo de ação consiste em aumentar a
liberação e prolongar o tempo de atuação de neurotransmissores utilizados pelo cérebro, a dopamina e a nora-
drenalina. Os efeitos do uso de anfetaminas são: diminuição do sono e do apetite; sensação de maior energia e
menor fadiga, mesmo quando realiza esforços excessivos, o que pode ser prejudicial; rapidez na fala; dilatação
da pupila; taquicardia; elevação da pressão arterial. Com doses tóxicas, acentuam-se esses efeitos. O indivíduo
tende a ficar mais irritável e agressivo e pode considerar-se vítima de perseguição inexistente (delírios perse-
cutórios) e ter alucinações e convulsões. O consumo dessas drogas induz tolerância. Não se sabe com certeza
se ocorre uma verdadeira síndrome de abstinência. São frequentes os relatos de sintomas depressivos: falta
de energia, desânimo, perda de motivação, que, por vezes, são bastante intensos quando há interrupção do uso
dessas substâncias. Entre outros usos clínicos dessa substância, destaca-se a utilização como moderadores do
apetite (remédios para regime de emagrecimento).
• Cocaína: é uma substância extraída de uma planta originária da América do Sul, popularmente co-
nhecida como coca (Erythroxylon coca). A cocaína pode ser consumida na forma de pó (cloridrato de
cocaína), aspirada ou dissolvida em água e injetada na corrente sanguínea, ou sob a forma de uma pedra,
que é fumada, o crack. Existe ainda a pasta de coca, um produto menos purificado, que também pode ser
fumado, conhecido como merla. Seu mecanismo de ação no SNC é muito semelhante ao das anfetaminas,
mas a cocaína atua, ainda, sobre um terceiro neurotransmissor, a serotonina, além da noradrenalina e da
dopamina. A cocaína apresenta, também, propriedades de anestésico local que independem de sua atu-
ação no cérebro. Essa era, no passado, uma das indicações de uso médico da substância, hoje obsoleto.
Seus efeitos têm início rápido e duração breve. No entanto, são mais intensos e fugazes quando a via de
utilização é a intravenosa ou quando o indivíduo utiliza o crack ou merla. Efeitos do uso da cocaína: sen-
sação intensa de euforia e poder; estado de excitação; hiperatividade; insônia; falta de apetite; perda da
sensação de cansaço. Apesar de não serem descritas tolerância nem síndrome de abstinência inequívoca,
observa-se, frequentemente, o aumento progressivo das doses consumidas. Particularmente, no caso do
crack, os indivíduos desenvolvem dependência severa rapidamente, muitas vezes, em poucos meses ou
mesmo algumas semanas de uso. Com doses maiores, observam-se outros efeitos, como irritabilidade,
agressividade e até delírios e alucinações, que caracterizam um verdadeiro estado psicótico, a psicose co-
caínica. Também podem ser observados aumento da temperatura e convulsões, frequentemente de difícil
tratamento, que podem levar à morte se esses sintomas forem prolongados. Ocorrem, ainda, dilatação
pupilar, elevação da pressão arterial e taquicardia (os efeitos podem levar até a parada cardíaca, uma das
possíveis causas de morte por superdosagem = overdose).
Drogas estimulantes da atividade mental: nesse grupo de drogas, classificam-se diversas substâncias cujo
efeito principal é provocar alterações no funcionamento cerebral, que resultam em vários fenômenos psíquicos
anormais, entre os quais destacamos os delírios e as alucinações. Por esse motivo, essas drogas receberam a deno-
minação alucinógenos. Em linhas gerais, podemos definir alucinação como uma percepção sem objeto, ou seja,
a pessoa vê, ouve ou sente algo que realmente não existe. Delírio, por sua vez, pode ser definido como um falso
juízo da realidade, ou seja, o indivíduo passa a atribuir significados anormais aos eventos que ocorrem à sua volta.
Há uma realidade, um fator qualquer, mas a pessoa delirante não é capaz de fazer avaliações corretas a seu res-
peito. Por exemplo, no caso do delírio persecutório, nota em toda parte indícios claros – embora irreais – de uma
perseguição contra a sua pessoa. Esse tipo de fenômeno ocorre de modo espontâneo em certas doenças mentais,
denominadas psicoses, razão pela qual essas drogas também são chamadas psicotomiméticos.
• Alucinógenos: designação dada a diversas drogas que possuem a propriedade de provocar uma série de dis-
torções do funcionamento normal do cérebro, que trazem como consequência uma variada gama de alterações
psíquicas, entre as quais alucinações e delírios, sem que haja uma estimulação ou depressão da atividade cerebral.
Fazem parte deste grupo a dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e o Ecstasy.
ATENÇÃO: no Brasil, o Ministério da Saúde não reconhece nenhum uso clínico dos alucinógenos, e sua pro-
dução, porte e comércio são proibidos em território nacional. O grupo de drogas alucinógenas pode ser subdivi-
dido entre as seguintes características:
• alucinógenos propriamente ditos ou alucinógenos primários: são capazes de produzir efeitos psíquicos
em doses que praticamente não alteram outra função no organismo;
• alucinógenos secundários: são capazes de induzir efeitos alucinógenos em doses que afetam, de maneira
importante, diversas outras funções;
• plantas com propriedades alucinógenas: diversas plantas possuem propriedades alucinógenas, como, por
exemplo, alguns cogumelos (Psylocibe mexicana, que produz a psilocibina), a jurema (Mimosa hostilis) e outras
plantas eventualmente utilizadas na forma de chás e beberagens alucinógenas.
• Dietilamada do ácido lisérgico: LSD - substância alucinógena sintetizada artificialmente e uma das mais
potentes com ação psicotrópica que se conhece. As doses de 20 a 50 milionésimos de grama produzem efeitos
com duração de 4 a 12 horas. Seus efeitos dependem muito da sensibilidade da pessoa às ações da droga, de seu
estado de espírito no momento da utilização e também, do ambiente em que se dá a experiência. Efeitos do uso de
LSD: distorções perceptivas (cores, formas e contornos alterados); fusão de sentidos (por exemplo, a impressão
de que os sons adquirem forma ou cor); perda da discriminação de tempo e espaço (minutos parecem horas ou
metros assemelham-se a quilômetros); alucinações (visuais ou auditivas) podem ser vivenciadas como sensações
agradáveis, mas também podem deixar o usuário extremamente amedrontado; estados de exaltação (coexistem
com muita ansiedade, angústia e pânico, e são relatados como boas ou más “viagens”). Outra repercussão psíqui-
ca da ação do LSD sobre o cérebro são os delírios.
• Anticolinérgicos: são substâncias provenientes de plantas ou sintetizadas em laboratório que têm a capa-
cidade de bloquear as ações da acetilcolina, um neurotransmissor encontrado no SNC e no Sistema Nervoso
Periférico (SNP). Produzem efeitos sobre o psiquismo quando utilizadas em doses relativamente grandes e
também provocam alterações de funcionamento em diversos sistemas biológicos, portanto, são drogas pouco
específicas. Como efeitos psíquicos, os anticolinérgicos causam alucinações e delírios. São comuns as descri-
ções de pessoas intoxicadas que se sentem perseguidas ou têm visões de pessoas ou animais. Esses sintomas
dependem bastante da personalidade do indivíduo, assim como das circunstâncias ambientais em que ocorreu
o consumo dessas substâncias. Os efeitos são, em geral, bastante intensos e podem durar até dois ou três dias.
19
Efeitos somáticos: dilatação da pupila; boca seca; aumento da frequência cardíaca; diminuição da motilidade
intestinal (até paralisia); dificuldades para urinar. Em doses elevadas, podem produzir grande elevação da tem-
peratura (até 40-41°C), com possibilidade de ocorrerem convulsões. Nessa situação, a pessoa apresenta-se com a
pele muito quente e seca, com uma hiperemia, principalmente, localizada no rosto e no pescoço.
Outras drogas: você já tem uma ideia de que as drogas podem ter vários tipos de classificação, entretanto, há
drogas cujos efeitos psicoativos não possibilitam sua classificação numa única categoria (depressoras, estimulan-
tes ou perturbadoras da atividade mental).
Todas as drogas descritas a seguir são lícitas, ou seja, são comercializadas de forma legal.
• Tabaco: um dos maiores problemas de saúde pública em diversos países do mundo, o cigarro é uma das mais
importantes causas potencialmente evitáveis de doenças e morte. Efeitos: doenças cardiovasculares (infarto, AVC
e morte súbita); doenças respiratórias (enfisema, asma, bronquite crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica);
diversas formas de câncer (pulmão, boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, pâncreas, rim, bexiga e útero).
Seus efeitos sobre as funções reprodutivas incluem redução da fertilidade, prejuízo do desenvolvimento fetal,
aumento de riscos para gravidez ectópica e abortamento espontâneo.
A nicotina é a substância presente no tabaco que provoca a dependência. Embora esteja implicada nas doenças car-
diocirculatórias, não parece ser esta a substância cancerígena. As ações psíquicas da nicotina são complexas, com uma
mistura de efeitos estimulantes e depressores. Mencionam-se o aumento da concentração e da atenção e a redução do
apetite e da ansiedade. A nicotina induz tolerância e se associa a uma síndrome de abstinência com alterações do sono,
irritabilidade, diminuição da concentração e ansiedade.
Gravidez extra-uterina, fora do útero. Fumantes passivos – existem evidências de que os não fumantes
expostos à fumaça de cigarro do ambiente (fumantes passivos) têm um risco maior de desenvolver as
mesmas patologias que afetam os fumantes.
• Cafeína: é estimulante do SNC menos potente que a cocaína e as anfetaminas. O seu potencial de induzir dependên-
cia vem sendo bastante discutido nos últimos anos. Surgiu até o termo “cafeinísmo” para designar uma síndrome clínica
associada ao consumo importante (agudo ou crônico) de cafeína, caracterizada por ansiedade, alterações psicomotoras,
distúrbios do sono e alterações do humor.
• Esteróides anabolizantes: embora sejam descritos efeitos euforizantes por alguns usuários dessas substâncias, essa
não é, geralmente, a principal razão de sua utilização. Muitos indivíduos que consomem essas drogas são fisioculturistas,
atletas de diversas modalidades ou indivíduos que procuram aumentar sua massa muscular. Podem desenvolver um padrão
de consumo que se assemelha ao de dependência. Efeitos adversos: diversas doenças cardiovasculares; alterações no fígado,
inclusive câncer; alterações musculoesqueléticas indesejáveis (ruptura de tendões, interrupção precoce do crescimento).
Informações complementares
1. Drogas circulantes na sociedade: o impor- os usuários e, por extensão, para a sociedade. En-
tante é que saibamos que há muitos produtos consi- fim, todas as drogas são perigosas. Embora existam
derados drogas em circulação na sociedade. Essas drogas mais perigosas que outras, todas contribuem
substâncias estão presentes nos produtos de limpe- para o desinteresse e desmotivação das pessoas em
za de nossas casas (domissanitários) e que podem relação à vida e ao futuro. O consumo habitual de
gerar intoxicações. Há outras substâncias utilizadas drogas conduz à dependência, que se caracteriza
na Medicina e que não constituem problemas para pela necessidade de consumir doses cada vez maio-
a saúde, visto que estão controladas tanto pelos res para obter os mesmos efeitos.
órgãos de Fiscalização (Vigilância Sanitária, AN-
VISA e Órgãos de Defesa do Consumidor) quanto 2. Produção de drogas: outra coisa importante a
pelos Conselhos Técnicos (de Medicina, Farmá- se considerar são as formas de produção dessas drogas.
cia, de Enfermagem...), o que impede prescrições e Em linhas gerais, as drogas podem ser:
usos indevidos dessas substâncias. Há ainda outras - naturais: obtidas a partir de determinadas plantas,
drogas de venda livre - como o tabaco e as bebi- de animais e de alguns minerais. Exemplo: a cafeína (do
das alcoólicas permitidas para maiores de 18 anos café), a nicotina (presente no tabaco), o ópio (na papoula)
- que também acarretam inúmeros malefícios para e o THC tetraidrocanabinol (da cannabis = maconha);
20
- sintéticas: são fabricadas em laboratório, exi- ainda não resultou em doença orgânica ou psicológica;
gindo para isso técnicas especiais. Podemos aqui de- • uso prejudicial: padrão de uso que já está
nominar “droga” qualquer substância ou ingrediente causando dano à saúde física ou mental.
utilizado em laboratórios, farmácias, tinturarias, etc.,
desde um pequeno comprimido para aliviar uma dor 7. Quanto à frequência do uso de drogas, se-
de cabeça ou até mesmo uma inflamação. Contudo, o gundo a OMS, os usuários podem ser classificados
termo é comumente empregado a produtos alucinó- em:
genos ou qualquer outra substância tóxica que leva à • não usuário: nunca utilizou drogas;
dependência, como o cigarro e o álcool, que por sua • usuário leve: utilizou drogas no último mês,
vez tem sido sinônimo de entorpecente. mas o consumo foi menor que uma vez por semana;
As drogas psicoativas são substâncias naturais ou • usuário moderado: utilizou drogas semanal-
sintéticas que, ao serem penetradas no organismo hu- mente, mas não todos os dias, durante o último mês;
mano, independente da forma (ingerida, injetada, inala- • usuário pesado: utilizou drogas diariamen-
da ou absorvida pela pele), entram na corrente sanguí- te durante o último mês.
nea e atingem o cérebro, alterando todo seu equilíbrio,
podendo levar o usuário a reações agressivas. 8. A OMS considera ainda que o abuso de
drogas não pode ser definido apenas em função
3. Intoxicação aguda: é uma condição transitória da quantidade e frequência de uso. Assim, uma
seguindo-se à administração de álcool ou outra subs- pessoa somente será considerada dependente se o
tância psicoativa, resultando em perturbações no nível seu padrão de uso resultar em, pelo menos, três
de consciência, cognição, percepção, afeto ou compor- dos seguintes sintomas ou sinais ao longo dos úl-
tamento, outras funções ou respostas psicofisiológicas. timos doze meses:
• forte desejo ou compulsão de consumir drogas;
4. Uso nocivo: é um padrão de uso de subs- • dificuldades em controlar o uso sejam em
tância psicoativa que está causando dano à saúde. termos de início, término ou nível de consumo;
O dano pode ser físico (como no caso de hepatite • uso de substâncias psicoativas para atenuar sinto-
decorrente da administração de drogas injetáveis) mas de abstinência, com plena consciência dessa prática;
ou mental (ex.: episódio depressivo secundário a • estado fisiológico de abstinência;
um grande consumo de álcool). • evidência de tolerância, quando o indi-
víduo necessita de doses maiores da substância
5. Toxicomania = adicção: a toxicomania para alcançar os efeitos obtidos anteriormente
é um estado de intoxicação periódica ou crônica, com doses menores;
nociva ao indivíduo e à sociedade, determinada • estreitamento do repertório pessoal de con-
pelo consumo repetido de uma droga (natural ou sumo, quando o indivíduo passa, por exemplo, a
sintética). Suas características são: consumir drogas em ambientes inadequados, a
qualquer hora, sem nenhum motivo especial;
1 - irresistível desejo causado pela falta que • falta de interesse progressivo de outros pra-
obriga a continuar a usar droga; zeres e interesses em favor do uso de drogas;
• insistência no uso da substância, apesar de
2 - tendência a aumentar a dose; manifestações danosas comprovadamente decor-
rentes desse uso;
3 - dependência de ordem psíquica (psicológi- • evidência de que o retorno ao uso da subs-
ca), às vezes, física acerca dos efeitos das drogas. tância, após um período de abstinência, leva a uma
rápida reinstalação do padrão de consumo anterior.
6. Classificação do uso de drogas segundo
a Organização Mundial de Saúde: 9. O que leva uma pessoa a usar drogas: pes-
• uso na vida: o uso de droga pelo menos uma quisas recentes apontam que os principais motivos que
vez na vida; levam um indivíduo a utilizar drogas são: curiosidade,
• uso no ano: o uso de droga pelo menos uma influência de amigos (mais comum), vontade, desejo
vez nos últimos doze meses; de fuga (principalmente de problemas familiares), co-
• uso recente ou no mês: o uso de droga pelo ragem (para tomar uma atitude que sem o uso de tais
menos uma vez nos últimos 30 dias; substâncias não tomaria), dificuldade em enfrentar e/ou
• uso frequente: uso de droga seis ou mais aguentar situações difíceis, hábito, dependência (co-
vezes nos últimos 30 dias; mum), rituais, busca por sensações de prazer, tornar(-
• uso de risco: padrão de uso que implica alto risco se) calmo, servir de estimulantes, facilidades de acesso
de dano à saúde física ou mental do usuário, mas que e obtenção, etc. (BRASIL ESCOLA, 2010).
21
10. Como as escolas podem colaborar na pre- uma discussão. São Paulo: Brasiliense, 1989.
venção do uso indevido de drogas? MILLER, W. R.; ROLLNICK, S. Motivational inter-
Diversas escolas têm adotado programas educati- viewing: preparing people to change addictive beha-
vos com esse objetivo. Eles podem ser de grande ajuda vior. New York: Guilford Press, 1991.
aos jovens, sobretudo a partir do início da adolescên- NEAD DO HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. Álcool
cia, desde que conduzidos de forma adequada. Como e drogas sem distorção. Disponível em: <www.aed.
já foi explicado anteriormente, informações mal colo- one2one.com.br> . Acesso em: 20 dez. 2010.
cadas podem aguçar a curiosidade dos jovens, levan- ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classifi-
do-os a experimentar drogas. Discursos antidrogas e cação de transtornos mentais e de comportamento da
mensagens amedrontadoras ou repressivas, além de CID-10. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993.
não serem eficazes, podem até mesmo estimular o SCHMITZ, J. M.; SCHNEIDER, N. G.; JARVIK, M.
uso. Nos programas de prevenção mais adequados, o E. Nicotine. In: et al. (Orgs.). Substance abuse: a com-
uso de drogas deve ser discutido dentro de um con- prehensive textbook. 3. ed. Baltimore: Williams & Wi-
texto mais amplo de saúde. As drogas, a alimentação, lkins, 1997.
os sentimentos, as emoções, os desejos, os ideais, ou
seja, a qualidade de vida entendida como bem-estar
físico, psíquico e social, são aspectos a serem aborda-
dos no sentido de levar o jovem a refletir sobre como
viver de maneira saudável. Os jovens devem aprender
a conhecer suas emoções e a lidar com suas dificul-
dades e problemas. Um modelo de prevenção deve
contribuir para que os indivíduos se responsabilizem
por si mesmos a fim de que comportamentos de risco
da sociedade possam ser modificados.
Referências
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MÓDULO III – ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA
Tadeu Lemos
Quando falamos em Dependência Química (DQ) Podemos, então, observar claramente que, com o
estamos nos referindo a uma doença psiquiátrica de desenvolvimento das civilizações, especialmente nas
ordem biológica, psicológica e social. Portanto, um eras moderna e contemporânea, o uso de drogas psico-
transtorno biopsicossocial. Trata-se de uma doença trópicas perde definitivamente seu caráter terapêutico
causada por drogas psicotrópicas, drogas lícitas e e místico e consolida-se o uso recreativo, com padrão
ilícitas, que afetam nosso cérebro e, consequente- abusivo e crescente de dependência.
mente, nosso comportamento. O que mudou? Mudou a relação do homem com a
A DQ pode ser compreendida como a autoadminis- droga. Mudou a finalidade do consumo, do uso. Por
tração de drogas independentemente do conhecimento quê? Porque, com o processo de desenvolvimento, o
sobre seus prejuízos (efeitos adversos, repercussões homem passou a ter outras necessidades, outros an-
sociais) e, posteriormente, do desejo de se manter abs- seios, não preenchidos pela saúde e pela espiritualida-
tinente. Duas características são comuns aos depen- de; porque o ambiente em que vive foi de tal forma mo-
dentes químicos: (1) a compulsão pelo uso da droga, dificado na busca de facilitações para a vida que trouxe,
levando ao consumo excessivo e descontrolado. O in- no bojo dos benefícios, também muitos riscos; porque
divíduo centra suas atividades diárias na busca e con- o homem vem perdendo a capacidade de manejar sua
sumo da droga, com importantes prejuízos individuais, própria vida, de enfrentar os riscos próprios da sobre-
sociais, familiares, escolares e laborativos; (2) o apare- vivência, de lidar adequadamente com suas emoções.
cimento de um conjunto de sinais e sintomas físicos e Neste sentido de mudança, evoluíram também as
psicológicos quando da interrupção do uso continuado teorias que buscam explicar a gênese da DQ. No sé-
(síndrome de abstinência). culo XVIII, predominava a Teoria Moral, que pre-
Relacionar os avanços científicos neurobiológicos conizava ser o abuso de álcool uma escolha pessoal
ao conjunto de saberes psicológicos e sociais que acom- que transgredia as regras da boa convivência social
panham o entendimento do comportamento humano é e que, por isso, deveria ser punida com castigos. Na
um desafio de todos nós que lidamos com este proble- virada daquele século, surgiu o Modelo da Tempe-
ma. Esta integração de saberes é imprescindível para o rança, que compreendia a embriaguez como a perda
entendimento, prevenção, diagnóstico e tratamento da do autocontrole, que começava por escolha pesso-
DQ. Em outras palavras, embora a descrição clínica al, tornava-se um hábito e, depois, uma necessida-
da DQ seja o primeiro passo para seu diagnóstico (um de. Por isso se deveria ser mais complacente com os
ato médico), a determinação da natureza dos processos abusadores. No século XIX, surge o Modelo Clínico
biopsicossociais subjacentes à origem, manutenção e do alcoolismo, como uma doença crônica, que pre-
reinstalação desta condição, associado ao conhecimen- conizava tratamentos clínicos prolongados.
to das ações e efeitos das diferentes drogas psicotrópi- Na década de 20 do século passado, a Lei Seca ame-
cas (estudadas no capítulo anterior) é que vão garantir ricana acirrou as discussões entre moralistas e cientis-
a eficácia do tratamento e das abordagens preventivas. tas. Daí vem o Modelo Natural, pregando que o ser
Você já leu, no primeiro capítulo desta série, que há humano tinha uma tendência inata ao uso de drogas
indícios do uso de drogas psicotrópicas pelo homem e, em seguida, os Modelos Biológicos (amparados
há mais de dez mil anos antes de Cristo (período ne- em teorias neurobiológicas e genéticas), os Modelos
olítico), provavelmente como uma forma de vivenciar Psicológicos (teorias psicanalíticas, da personalidade
experiências místicas ou curar seus males. Por muitos dependente, comportamental, cognitiva e sistêmica),
séculos, as drogas mais usadas pelo homem foram: o os Modelos Sociais (teorias de processo social e de
ópio, a maconha e o álcool, sempre associadas as suas controle social) e os Modelos Espirituais (Alcoólicos
possíveis propriedades terapêuticas ou em rituais mís- Anônimos e Narcóticos Anônimos).
ticos, como uma forma de aproximação com os deuses. Mais recentemente surgiu o Modelo da Saúde
Porém, com o passar dos anos, o uso adquire também Pública, considerando a DQ como resultado de
um caráter recreativo e abusivo e o homem passou a interações entre o indivíduo (biológico, psicológi-
produzir drogas psicotrópicas sintéticas, buscando co e espiritual), o ambiente (social) e a droga, e
efeitos específicos, não terapêuticos. o Modelo do Ecletismo, mais aceito atualmente,
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que considera todos os modelos citados a partir do ser abordado em todos os campos onde encontrarmos
Biológico, assimilando uma combinação de abor- estes fatores. Esta deve ser uma abordagem multipro-
dagens embasadas em conhecimento científico. fissional, na qual é importantíssima a participação dos
Na abordagem eclética da DQ, nos deparamos com educadores, que podem estar atentos aos fatores psi-
fatores de risco e proteção ao uso, abuso e dependên- cossociais aqui listados.
cia de drogas. São considerados fatores de risco todas Como já foi abordado no módulo I, sabemos que,
as circunstâncias sociais ou características da pessoa geralmente, o uso de drogas ilícitas se inicia na adoles-
que a tornam mais vulnerável a assumir comporta- cência, e o de drogas lícitas (álcool e tabaco) se inicia
mentos de risco, como usar drogas. Por outro lado, ainda mais cedo. Por isso, a prevenção deve ocorrer o
fatores de proteção são aquelas circunstâncias que mais precocemente possível. Nas escolas, a abordagem
contrabalançam ou compensam as vulnerabilidades, preventiva não requer necessariamente uma discussão
tornando a pessoa com menos chances de assumir sobre os diferentes tipos de drogas, mas certamente
esses comportamentos arriscados. Assim, os fatores requer uma atenção especial aos valores éticos e aos
de risco e de proteção englobam aspectos biológicos, aspectos de uma vida saudável, sem prescindir, obvia-
genéticos, de relacionamento e interação social, as- mente, de um ensino de qualidade.
pectos familiares, culturais, o acesso às drogas e os Finalizo com uma reflexão da psicolinguista argen-
efeitos dessas sobre o indivíduo. tina Emília Ferreira, em Psicogênese da língua (1985):
Como localizar esses fatores? Estes fatores são en- “As crianças pobres não aprendem, não porque sejam
contrados no indivíduo, na família, na escola, na comu- pobres, carentes e desnutridas (e outras denominações
nidade e na própria droga. Observe o quadro a seguir. correlatas), mas porque não são devidamente estimula-
O conceito atual de DQ considera que qualquer pa- das; o que temos hoje é uma escola pobre de estímulos,
drão de consumo é constantemente influenciado por de condições materiais, sucateada, maltratada e que
estes fatores de risco e de proteção. Assim, caracteri- maltrata e expulsa seus alunos”. Eu completo: as crian-
zamos a DQ como um problema multifatorial que deve ças não se drogam porque são pobres, mas...
* “Escola Clube” é a escola mais voltada para o lazer do que para o ensino.
Quadro 1 - Fatores de risco e proteção ao uso, abuso e dependência de drogas
24
MÓDULO IV – PROCESSO DE PREVENÇAO EM DEPENDÊNCIA QUÍMICA
O ser humano é produto de sua atividade histórica em seu meio social que, em interação com “os outros”,
realiza, transforma e muda o curso de sua história.
É de extrema relevância ter em mente que o homem se constitui por inteiro, ele é um ser biopsicossocial,
não mero fragmento a ser visto e analisado, conforme sua posição no mundo.
Nessa concepção de homem e de mundo, podemos vislumbrar as possibilidades em todas as ações huma-
nas, e é assim que pretendemos intervir, possibilitando a reflexão que desencadeie ações efetivas na qualida-
de de vida de nossas crianças e jovens, prevenindo-os e encaminhando-os para uma vida saudável longe das
drogas e de todos seus malefícios, instigando-os à consciência quanto ao uso e suas consequências, muitas
vezes fatais e irreversíveis. Quanto à prevenção ao uso de drogas, a responsabilidade vai além da família,
deve ser pensada com compromisso na educação formal, aquela que se desenvolve dentro das nossas insti-
tuições, a qual chamamos de escola.
1. A família e a escola
Sabemos que a primeira instituição social a edu- muito além dos conteúdos programáticos que, de-
car é a família e seu papel importante é fundamental vemos sim, levar aos nossos alunos. Devemos lem-
e intransferível, um espaço/tempo que caracteriza o brar, também, que em nossas filosofias consta ensi-
meio histórico e social de cada sujeito. Entretanto, sa- nar, educar e preparar para a vida e, neste sentido,
bemos também que somente esta instituição, por si só, o que estamos fazendo?
não pode dar conta do processo educacional, uma vez Neste curso do qual você faz parte, é nosso papel
que as crianças têm ido muito cedo para a outra ins- chamar todos os educadores a pensar nesta possibilida-
tituição, a escola, e aí o papel indissociável das duas: de de educar e verdadeiramente exercer nossa profissão
de importante responsabilidade, não havendo espaço em plenitude com a qualidade de vida.
para jogos de transferência. Como nosso sujeito histórico é total, ele não en-
Neste mesmo espaço social, as drogas também estão tra na escola apenas com um cognitivo a ser traba-
e esperam a oportunidade de chegar às nossas crianças lhado, desse modo, o aspecto emocional deve tam-
e adolescentes. O engano aqui é pensar que elas es- bém ser considerado. Pois a emoção também ocupa
tão longe, e, assim pensando, que devem ser discutidas um lugar de destaque nos processos de constituição
mais tarde. Este discurso do “mais tarde” tem inviabili- singular destes sujeitos (alunos), sendo que a apro-
zado a possibilidade de prevenção, fazendo-nos chegar priação da realidade, do cotidiano é posteriormente
muito tarde... Temos observado que é nesta espera de ressignificada e produzida socialmente, por isso a
tempo que elas têm encontrado espaço junto às nossas importância do que se dá e do que se recebe nas
crianças e adolescentes. mediações e no contexto escolar.
Se pensarmos um pouco, nós, educadores, estamos É preciso também entender esta questão da emo-
diretamente nas escolas, identificamos muito bem esta ção, da afetividade, pois se observa que, nas escolas,
situação, não apenas percebemos, como somos comu- esta questão encontra-se ainda em um discurso com
nicados que o “Joãozinho/a Joaninha” já estão o sufi- olhar pejorativo, como se fosse uma permissividade
cientemente envolvidos, e que somente o tratamento total, ou com olhar de “coitadinho”, e não é nada dis-
específico pode ajudar essas vítimas. E é assim que per- so. A afetividade está em abrir e estender o olhar para
guntamos: por que não percebemos? Surgem perguntas dialogar, ensinar, aprender e viver com um ensino de
como estas e, com elas, algumas respostas. Nosso qualidade e a autoridade necessária, que não inclui o
olhar pode estar fixo apenas em cumprir os conteúdos autoritarismo – já que este exclui e abre caminho para
programáticos. Nesse momento, torna-se imprescindí- o mundo enganoso das drogas.
vel a reflexão sobre o que realmente é “educar”? Qual A emoção e a afetividade são condições essenciais e
nosso real papel de educador? Sem dúvida, ele vai estão na constituição do humano, assim nos move e nos
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leva ao melhor caminho, escolhido em cada situação da sala de aula ou da presença do professor. Outros ins-
que nos é colocada. E esta situação nos aponta a im- trumentos de aprendizagem perpassam neste cenário:
portância do professor mediador no processo educacio- pesquisas, internet, leituras, entrevistas, filmes, diálo-
nal, que suscita a atenção para as leituras não verbais gos síncronos e assíncronos, etc.
presentes em sala de aula, como as expressões, gestos, Na prática pedagógica, o diálogo pode se cons-
comportamentos, que podem significar muito mais que tituir em ferramenta imprescindível para detectar e
as palavras, como nos diz Freire (1999, p. 47): vislumbrar alternativas que, precedida de uma es-
Às vezes mal se imagina o que pode passar a re- cuta qualificada, pode constituir um referencial que
presentar na vida de um aluno um simples gesto do norteie nosso olhar para a dimensão complexa da
professor. O que pode um gesto aparentemente insig- constituição social do sujeito e, consequentemente,
nificante valer a força formadora ou como contribui- nos ofereça um arsenal metodológico de interven-
ção do educando por si mesmo [...]. Este saber, o da ção, o que é fundamental para que possamos agir cri-
importância desses gestos que se multiplicam diaria- ticamente na arena complexa da educação.
mente nas tramas do espaço escolar, é algo sobre que Portanto, pensar em prevenção ao uso de drogas nos
teríamos de refletir seriamente. remete à família e à escola e, neste espaço, nos dirigi-
E falando de emoções e afetos, lembramos do pa- mos especialmente à escola, aos seus profissionais e,
pel importante da cultura e da linguagem, pois em especialmente, ao professor educador, onde o mundo
cada meio social, as palavras e os gestos são dotados das possibilidades é fértil.
de significados simbólicos que estabelecem uma rela- Para o trabalho que propomos quanto à preven-
ção dinâmica entre o sujeito e a cultura. Nesse sentido, ção ao uso de drogas e apostando mais uma vez que a
precisamos pensar que ideologia e cultura são proces- educação pode assumir esta causa, pensamos na esco-
sos dialéticos que, ao serem internalizados, interferem la como um espaço humanizado, onde o processo de
na dinâmica do desenvolvimento das funções mentais aprendizagem e ensino seja um espaço de construção
superiores (pensamento, memória, imaginação, etc.). que vise atender as propostas delineadas nos Projetos
Sendo assim, quando nos propomos a discutir aspec- Políticos Pedagógicos, suas filosofias de formar um ci-
tos relacionados à prevenção do uso de drogas entre dadão consciente, capaz, digno para viver e conviver
crianças e adolescentes, não podemos perder de vista em sociedade. Para isso, é importante que as relações
a perspectiva dialética destas dimensões. Assim, de- estabelecidas neste contexto sejam de compromisso
vemos começar pela reflexão da forma como pode ser acadêmico e com a vida, o que exige uma relação afe-
internalizado o próprio conceito de prevenção. tuosa, conforme Freire (1999, p. 159).
Neste caminho que busca desvendar signifi- Ensinar exige querer bem aos educandos; o
cados, o diálogo tem um papel fundamental e a querer bem não significa, na verdade, que por
leitura dos gestos também dispensa as palavras e ser professor me obrigo a querer bem a todos os
faz uma comunicação não verbal de relevante im- alunos de maneira igual. Significa, de fato, que a
portância, portanto deveríamos nos dedicar e nos afetividade não me assusta, que não tenho medo
aprofundar mais nestas leituras. de expressá-la. Significa esta abertura ao querer
Cada ato da fala não é só o produto dado, sempre bem, a maneira que tenho de autenticamente selar
cria algo que nunca existiu antes, algo absolutamen- o meu compromisso com os educandos numa prá-
te novo e não repetitivo que se revela na entonação. tica específica do ser humano.
Ao destacarmos as próprias conversas cotidianas que Neste contexto, localizamos a terra fértil para
ocorrem entre as crianças, é possível compreender efetivarmos ações entre a realidade descortinada
como a entonação é especialmente sensível a todas as e conhecida de cada um de nós, educadores, por
vibrações sociais e afetivas que envolvem o falante, vezes cruel, bem sabemos, e o ideal que sonhamos.
principalmente observar como ela atua constituindo Mas é “entre” a realidade e o ideal que podemos
e se integrando ao enunciado como parte essencial da vislumbrar nosso fazer, no mundo das possibilida-
estrutura de sua significação. des, de incluir a prevenção ao uso de drogas no
Cada época e cada grupo social têm seu próprio re- cotidiano de nossas escolas, de nossas aulas, pois
pertório de formas de discurso, que funciona como es- nossa possibilidade está em chegarmos às nossas
pelho que reflete e retrata o cotidiano. A palavra é a re- crianças e jovens antes das drogas.
velação de um espaço no qual os valores fundamentais Podemos chegar antes se entendermos que este
de uma dada sociedade se exprimem e se confrontam. assunto não está longe, como muitos pensam. Ele é
Nós concebemos que todos os fenômenos educa- real e perigoso. Devemos estar atentos e abertos para
tivos têm certo grau de distanciamento, seja espacial, identificar, modificar algumas posturas muitas vezes
temporal ou ambos, pois mesmo as aulas, os cursos, assumidas pela escola. E nesse sentido, relatamos um
currículos ditos presenciais, estão sujeitos a estes as- fato ocorrido há poucos meses e que, graças a uma
pectos. O currículo não se esgota nas dimensões físicas atitude diferenciada, se pôde obter um bom resultado.
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Em uma determinada escola, uma menina do 1º regam. Afinal, quantas crianças, jovens e até mes-
ano do Ensino Médio é encaminhada ao profissio- mo adultos não tiveram a chance de mostrar quem
nal (coordenação) com a queixa de que esta não realmente são, não tiveram oportunidade e nem
gostava de ir para a aula de Educação Física e, receptividade? Será mais fácil rotular e seguir ad-
tampouco, de estar dentro da sala de aula, sendo mitindo os famosos comentários: “Ah! O fulano
frequente suas saídas para o pátio, se escondendo é assim mesmo! Esse garoto não tem mais jeito!”
até mesmo no banheiro, e que já teria sido chama- Ou podemos nos permitir escutar o pedido de so-
da sua atenção por várias vezes. Neste caso, a me- corro desse aluno, que muitas vezes está apenas
dida comum da escola seria dar uma advertência, esperando uma chance? Alguns encaminhamentos
fazer um discurso daqueles que não resolvem nada são possíveis nesse sentido:
e mandar um bilhete para casa para que os pais - Primeiramente, precisamos nos apropriar des-
estivessem cientes a respeito da indisciplina da fi- te assunto com o compromisso e responsabilidade
lha. Mas neste dia, quem atendeu a menina foi ou- que o mesmo requer;
tro profissional, que, diga-se de passagem, nunca - Ação de mobilização dos alunos (familiares)
comungou desta rotina e destes encaminhamentos. e professores (escola) pode-se iniciar pelo Projeto
E o que fez? Escutou... escutou... e descobriu que Político Pedagógico da escola;
esta menina já estava viciada em álcool há muito - Refletir a concepção de educação e rever pos-
tempo. A escuta possibilitou espaços para que esta turas na escola;
menina pudesse se abrir e pedir socorro, e isso - Não planejar PREVENÇÃO AO USO DE
só ocorreu porque a escuta foi qualificada, isto DROGAS como evento. O objetivo é possibilitar
é, houve acolhimento na abertura, estabeleceu-se um espaço para que aflore o processo de conscien-
vínculo de confiança. Dessa forma, unindo âmbito tização, construção para que possa ser apropriado
escolar, familiar e seus envolvidos, foi possível (apreendido) e significado;
dar os encaminhamentos adequados. Agora per- - Discutir e delinear ações efetivas para o dia a
guntamos: e se o atendimento rotineiro fosse fei- dia sobre a prevenção ao uso de drogas. Para tanto:
to, onde estaria esta menina? E quantos passam • escuta qualificada;
diariamente em nossas mãos e são tratados apenas • atenção ao outro;
como mais um caso de indisciplina e/ou afronta- • acolhimento;
mento na escola? • conhecimento;
• adotar estratégias midiáticas, destacando-
se a importância da utilização da produção de ví-
2. Possibilidades de intervenção à prevenção deo como informação alternativa pois, ele permi-
ao uso de drogas te chegar à realidade mais próxima do aluno. Por
meio do vídeo, o aluno pode ter acesso, por exem-
plo, aos movimentos históricos de seu próprio po-
Verifica-se que uma estratégia para proporcionar con- voado, cidade ou algumas cidades vizinhas;
dições para a objetivação e subjetivação dos sujeitos em • uso da internet, mediado e acompanhado;
programas de prevenção ao uso de drogas é escutar a • produção textual;
voz do cursista e seguir o seu olhar. A educação hoje se • material escrito (informativo) sobre o as-
apresenta como uma proposta mais complexa e diferente sunto construído pelos professores e escola;
do que no passado e uma das formas de se iniciar esse • palestras para professores, escola e, poste-
processo de mudança nas políticas de gestão é ouvir o riormente, utilizar com alunos;
ponto de vista dos alunos sobre elas. Trazer a voz do alu- • proporcionar para que os alunos produzam o ma-
no deverá ser a principal meta dos modelos de educação terial referente ao assunto, observando sua percepção;
que estão se alicerçando hoje. • analisar antes de julgar cada caso e cada um
Portanto, neste artigo, sugerimos a metodologia cuja dos nossos alunos, crianças e adolescentes, pois a
hipótese central é o diálogo e a análise do conteúdo das forma de abordagem quanto às cobranças dos in-
falas, a percepção do outro, nas mais diversas lingua- sucessos e a baixa autoestima terá grande chance
gens e espaços sociais, bem como a atenção a outros de, na exclusão, encontrar o “outro”caminho: o
indicadores presentes no cotidiano escolar. das drogas...
Desta forma, sugerimos que haja momentos, Finalizando, lembramos que escola e professor devem es-
nas instituições escolares, voltados à reflexão para tar abertos, de forma receptiva, a acolher com ética os sujei-
uma educação emocional. Relato de experiências, tos. Somos peças indispensáveis nesse processo e devemos
já que falamos de seres humanos, e com eles, uma dedicar nosso potencial e chegar aos nossos alunos antes das
história, um universo. É importante os professores drogas e, assim, seremos capazes de alimentar sonhos, ao
saberem sobre seus alunos, que bagagem eles car- invés de sufocá-los com a ilusão danosa da droga.
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Referências
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Parte 2 – Processos de intervenção
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são instituições destinadas a acolher pessoas com transtornos
mentais, estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de busca da autonomia, ofere-
cendo- lhes atendimento multidisciplinar para esses objetivos. Sua característica principal é buscar integrá-los
a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu “território”, o espaço da cidade onde se desen-
volve a vida cotidiana dessas pessoas – usuárias ou não de substâncias psicoativas e de familiares. Os CAPS
constituem-se como uma estratégia da saúde mental no curso da reforma psiquiátrica.
É importante que se possa situar os Centros de Aten- Saúde e Equipes de Saúde da Família no cuidado do-
ção Psicossocial (CAPS) como dispositivos que pre- miciliar. Esses são os direcionamentos atuais da Po-
cisam estar articulados na rede de serviços de saúde lítica de Saúde Mental para os Centros de Atenção
e que, por conta disso, necessitam manter-se perma- Psicossocial (CAPS) e espera-se que, por conta dis-
nentemente vinculados a outras redes sociais de setores so, se tornem promotores de saúde e de cidadania das
afins, de tal modo que atendam as demandas de todos pessoas com sofrimento psíquico.
que precisam do suporte e da atenção à saúde, em es- Por sua vez, cada território – que é constituído fun-
pecial os que ainda não se enquadram nas categorias damentalmente pelas pessoas que nele habitam, com
de assistidos e/ou estejam excluídos da sociedade por seus conflitos, seus interesses, seus amigos, seus vizi-
transtornos mentais, dependência de drogas, morado- nhos, sua família, suas instituições, seus cenários (igre-
res de rua e outras categorias. ja, cultos, escola, trabalho, bares, etc.) − busca orga-
Os CAPSs foram concebidos para assumirem pa- nizar uma rede de atenção às pessoas que sofrem com
pel estratégico na articulação, na construção e forta- transtornos mentais e suas famílias, amigos e interessa-
lecimento das redes de assistência e dos serviços de dos (MANUAL CAPS, 2004).
saúde e, assim, cumprirem sua função na assistên- Para constituir essa rede, todos os recursos afetivos
cia direta e/ou na regulação da rede de serviços de (relações pessoais, familiares, amigos, etc.), sanitários
saúde. Por isso devem trabalhar em conjunto com as (serviços de saúde), sociais (moradia, trabalho, escola,
equipes de Saúde da Família e Agentes Comunitários esporte, etc.), econômicos (dinheiro, previdência, etc.),
de Saúde para a promoção da vida comunitária e da culturais, religiosos e de lazer estão convocados para
autonomia dos usuários e, de forma muito especial, potencializar as equipes de saúde nos esforços de cui-
assumindo o papel de integrador ao se articularem os dado e reabilitação psicossocial.
recursos existentes em outras redes: sócio-sanitárias,
jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas, empre-
sas e outras em cada território. 2. Surgimento do CAPS
Assim, ao fazer parte, dinamizar e fortalecer essas
redes comunitárias de cuidados estará promovendo O primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)
o direcionamento local das políticas e programas de do Brasil foi inaugurado em março de 1986, na cidade
Saúde Mental; desenvolvendo projetos terapêuticos de São Paulo: Centro de Atenção Psicossocial Profes-
e comunitários, dispensando medicamentos, enca- sor Luiz da Rocha Cerqueira, conhecido como CAPS
minhando e acompanhando usuários que moram em da Rua Itapeva. A criação desse CAPS e de tantos ou-
residências terapêuticas, assessorando e sendo reta- tros, com outros nomes e lugares, fez parte de um in-
guarda para o trabalho dos Agentes Comunitários de tenso movimento social, inicialmente de trabalhadores
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de saúde mental, que buscavam a melhoria da assistên- 6. Portaria n. 2.197/GM, de 14 de outubro de
cia no Brasil e denunciavam a situação precária dos hos- 2004: institui os Serviços Hospitalares de Referência
pitais psiquiátricos, que ainda eram o único recurso des- para a Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras
tinado aos usuários portadores de transtornos mentais. Drogas em Hospitais Gerais;
7. Portaria n. 1.612/GM, de 9 de setembro de
2005: aprova as Normas de Funcionamento e Creden-
2.1 Evolução do número de CAPS ciamento/Habilitação dos Serviços Hospitalares de
Referência para a Atenção Integral aos Usuários de
Nesse contexto, os serviços de saúde mental surgem Álcool e outras Drogas.
em vários municípios do país e vão se consolidando
como dispositivos eficazes na diminuição de interna-
3. Ações dos CAPS
ções e na mudança do modelo assistencial. Os NAPS/
CAPS foram criados oficialmente a partir da Portaria
GM 224/92 e eram definidos como “unidades de saúde Por ser um Centro de Atenção Psicossocial
locais/regionalizadas que contam com uma população (CAPS) ou, em alguns casos, um Núcleo de Atenção
adscrita definida pelo nível local e que oferecem aten- Psicossocial, o compromisso desses “‘dispositivos”
dimento de cuidados intermediários entre o regime e é ser um serviço de saúde aberto e comunitário do
internação hospitalar, em um ou dois turnos de quatro Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, passa
horas, por equipe multiprofissional”. a ser um lugar de referência e tratamento para pes-
Os CAPS, assim como os NAPS (Núcleos de Aten- soas que sofrem com transtornos mentais, psicoses,
ção Psicossocial), os CERSAMs (Centros de Refe- neuroses graves e demais quadros, cuja severidade
rência em Saúde Mental) e outros tipos de serviços e/ou persistência justifiquem sua permanência em
substitutivos que têm surgido no país, são atualmente um ambiente de cuidado intensivo, comunitário, per-
regulamentados pela Portaria n. 336/GM, de 19 de fe- sonalizado e promotor de vida.
vereiro de 2002, e integram a rede do Sistema Único
de Saúde (SUS). Essa portaria reconheceu e ampliou o 4. Objetivos dos CAPS
funcionamento e a complexidade dos CAPS, que têm a
missão de fornecer um atendimento diuturno às pesso- O objetivo dos CAPS é oferecer atendimento à po-
as que sofrem com transtornos mentais severos e per- pulação de sua área de abrangência, realizando o acom-
sistentes, em um dado território, oferecendo cuidados panhamento clínico e a reinserção social dos usuários
clínicos e de reabilitação psicossocial, com o objetivo pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos
de substituir o modelo hospitalocêntrico, evitando as civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitá-
internações e favorecendo o exercício da cidadania e rios. De fato, trata-se de um serviço de atendimento de
da inclusão social dos usuários e de suas famílias (MA- saúde mental criado para ser substitutivo às internações
NUAL CAPS, 2004). em hospitais psiquiátricos.
Dados de referências: Os CAPS visam:
1. Portaria/SNAS n. 224, de 29 de janeiro de 1992: • prestar atendimento em regime de atenção diária;
estabelece as Diretrizes da Política de Mental no País. • gerenciar os projetos terapêuticos, oferecendo cui-
Suas diretrizes ainda são válidas para os hospitais; dado clínico eficiente e personalizado;
2. Portaria/GM n. 336, de 19 de fevereiro de 2002: • promover a inserção social dos usuários através de
define e estabelece Diretrizes para o funcionamento ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho,
dos Centros de Atenção Psicossocial; esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas
3. Portaria GM /MS, de 30 de abril de 2002: cria o de enfrentamento dos problemas;
Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada • organizar a rede de serviços de saúde mental
a usuários de Álcool e Outras Drogas; de seu território;
4. Portaria GM /MS n. 189, de 20 de março de • dar suporte e supervisionar a atenção à saúde men-
2002: inclui na Tabela de Procedimentos do SIH – tal na rede básica, PSF (Programa de Saúde da Família),
SUS, os procedimentos que podem ser cobrados pelos PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde);
Centros de Atenção Psicossocial cadastrados no SUS • regular a porta de entrada da rede de assistência
– Financiamento via APAC – o artigo 13° estabelece em saúde mental de sua área;
os procedimentos necessários para o Cadastramento de • coordenar, junto com o gestor local, as atividades
CAPS junto ao Ministério da Saúde; de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas
5. Portaria n. 2.197, de 14 de outubro de 2004: que atuem no seu território;
redefine e amplia a atenção integral para usuários de • manter atualizada a listagem dos pacientes de sua
álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de região que utilizam medicamentos para a saúde mental.
Saúde - SUS, e dá outras providências; Os CAPS devem contar com espaço próprio e ade-
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quadamente preparado para atender à sua demanda es- e iniciar um vínculo terapêutico e de confiança com
pecífica, sendo capazes de oferecer um ambiente con- os profissionais que lá trabalham.
tinente e estruturado. Deverão contar, no mínimo, com Estabelecer um diagnóstico é importante, mas
os seguintes recursos físicos: não deverá ser o único nem o principal objetivo des-
• consultórios para atividades individuais (consul- se momento de encontro do usuário com o serviço.
tas, entrevistas, terapias); A partir daí, irá se construir, conjuntamente, uma
• salas para atividades grupais; estratégia ou um projeto terapêutico para cada usu-
• espaço de convivência; ário. Caso essa pessoa não queira ou não possa ser
• oficinas; beneficiada com o trabalho oferecido pelo CAPS, ela
• refeitório (o CAPS deve ter capacidade para ofe- deverá ser encaminhada para outro serviço de saúde
recer refeições de acordo com o tempo de permanência mais adequado a sua necessidade.
de cada paciente na unidade); Se uma pessoa está isolada, sem condições de aces-
• sanitários; so ao serviço, ela poderá ser atendida por um profissio-
• área externa para oficinas, recreação e esportes. nal da equipe do CAPS em casa, de forma articulada
As práticas realizadas nos CAPS se caracterizam com as equipes de saúde da família do local, quando
por ocorrerem em ambiente aberto, acolhedor e inse- um familiar ou vizinho solicitar ao CAPS. Por isso, é
rido na cidade, no bairro. Os projetos desses serviços, importante que o CAPS procurado seja o mais próximo
muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em possível da região de moradia da pessoa.
busca da rede de suporte social, potencializadora de
suas ações, preocupando-se com o sujeito e sua singu-
7. Usuários e seus familiares
laridade, sua história, sua cultura e sua vida quotidiana.
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14. CAPS para infância e adolescência (CAPSi) nas condições de vida para eles e suas famílias.
• Atividades de inclusão social em geral, e es-
colar, em particular, devem ser parte integrante
O CAPSi é um serviço de atenção diária desti- dos projetos terapêuticos.
nado ao atendimento de crianças e adolescentes Em geral, as atividades desenvolvidas nos CAPSi
gravemente comprometidos psiquicamente. Estão são as mesmas oferecidas nos CAPS, como atendimen-
incluídos nessa categoria os portadores de autismo, to individual, atendimento grupal, atendimento fami-
psicoses, neuroses graves e todos aqueles que, por liar, visitas domiciliares, atividades de inserção social,
sua condição psíquica, estão impossibilitados de oficinas terapêuticas, atividades socioculturais e es-
manter ou estabelecer laços sociais. portivas, atividades externas. Elas devem ser dirigidas
A experiência acumulada em serviços que já funcio- para a faixa etária a quem se destina atender. Assim,
navam segundo a lógica da atenção diária indica que se por exemplo, as atividades de inserção social devem
ampliam as possibilidades do tratamento para crianças privilegiar aquelas relacionadas à escola.
e adolescentes quando o atendimento tem início o mais
cedo possível, devendo, portanto, os CAPSi estabele-
cerem as parcerias necessárias com a rede de saúde,
15. CAPS para usuários de álcool e dro-
educação e assistência social ligadas ao cuidado da po- gas (CAPSad)
pulação infanto-juvenil.
As psicoses da infância e o autismo infantil são con- Os CAPS I, II e III destinam-se a pacientes com
dições clínicas para as quais não se conhece uma causa transtornos mentais severos e persistentes, decor-
isolada que possa ser responsabilizada por sua ocorrên- rentes do uso de álcool e outras drogas e/ou que essa
cia. Apesar disso, a experiência permite indicar algumas seja uma condição clínica secundária ao transtorno
situações que favorecem as possibilidades de melhora, mental. Para pacientes cujo principal problema é o uso
principalmente quando o atendimento tem início o mais prejudicial de álcool e outras drogas, passou a existir,
cedo possível, observando-se as seguintes condições: a partir de 2002, os CAPSad. Portanto, os CAPSad de-
• O tratamento tem mais probabilidade de sucesso vem oferecer atendimento diário a pacientes que fazem
quando a criança ou adolescente é mantido em seu am- um uso prejudicial de álcool e outras drogas, permitin-
biente doméstico e familiar. do o planejamento terapêutico dentro de uma perspec-
• As famílias devem fazer parte integrante do trata- tiva individualizada de evolução contínua.
mento, quando possível, pois observa-se maior dificul- Fundamenta-se no pressuposto de que o cuidado aos
dade de melhora quando se trata a criança ou adoles- usuários de drogas exige condições que respeitem o in-
cente isoladamente. divíduo enquanto pessoa, possibilitando sua (re)inclu-
• O tratamento deve ter sempre estratégias e objeti- são social, profissional e familiar, ampliando as ações
vos múltiplos, preocupando-se com a atenção integral a em saúde mental na sua intensidade e diversidade.
essas crianças e adolescentes, o que envolve ações não Possibilita ainda intervenções precoces, limitando o
somente no âmbito da clínica, mas também ações in- estigma associado ao tratamento. Assim, a rede proposta
tersetoriais. É preciso envolver-se com as questões das se baseia nesses serviços comunitários, apoiados por
relações familiares, afetivas, comunitárias, com a jus- leitos psiquiátricos em hospital geral e outras práti-
tiça, a educação, a saúde, a assistência, a moradia, etc. cas de atenção comunitária (ex.: internação domici-
A melhoria das condições gerais dos ambientes onde liar, inserção comunitária de serviços), de acordo com
vivem as crianças e os adolescentes tem sido associada as necessidades da população-alvo dos trabalhos.
a uma melhor evolução clínica para alguns casos. Os CAPSad desenvolvem uma gama de atividades
• As equipes técnicas devem atuar sempre de for- que vão desde o atendimento individual (medicamento-
ma interdisciplinar, permitindo um enfoque ampliado so, psicoterápico, de orientação, entre outros) até aten-
dos problemas, recomendando-se a participação de dimentos em grupo ou oficinas terapêuticas e visitas
médicos com experiência no atendimento infantil, psi- domiciliares. Também devem oferecer condições para
cólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fonoau- o repouso, bem como para a desintoxicação ambulato-
diólogos, assistentes sociais, para formar uma equipe rial de pacientes que necessitem desse tipo de cuidados
mínima de trabalho. A experiência de trabalho com fa- e que não demandem por atenção clínica hospitalar.
mílias também deve fazer parte da formação da equipe. Objetivos do CAPS ad:
• Deve-se ter em mente que, no tratamento des- • oferecer atendimento/cuidados intermediários
sas crianças e adolescentes, mesmo quando não é (entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar)
possível trabalhar com a hipótese de remissão to- com ênfase numa abordagem compreensiva e com su-
tal do problema, a obtenção de progressos no nível porte educacional, social, recreacional, reabilitação pi-
de desenvolvimento, em qualquer aspecto de sua cossocial e reinserção profissional;
vida mental, pode significar melhora importante • estimular a melhoria da qualidade de vida dos
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usuários e seus familiares através do autocuidado; A prevenção teria como objetivo impedir o uso de subs-
• intervir junto à comunidade com ações educati- tâncias psicoativas pela primeira vez, impedir uma “escala-
vas em saúde como forma de reduzir os danos sociais, da” do uso e minimizar as consequências de tal uso.
psíquicos e físicos consequentes do uso de drogas; A lógica que sustenta tal planejamento deve ser a da
• servir como campo para formação acadêmi- Redução de Danos, em uma ampla perspectiva de prá-
ca e de pós-graduação para estudantes e profissio- ticas voltadas para minimizar as consequências globais
nais da área da saúde; de uso de álcool e drogas. O planejamento de progra-
• promover, em parceria com instituições forma- mas assistenciais de menor exigência contempla uma
doras de recursos humanos em saúde (e áreas afins), a parcela maior da população, dentro de uma perspectiva
capacitação e supervisão das equipes de atenção bási- de saúde pública, o que encontra o devido respaldo em
ca, serviços e programas de saúde loco - regionais; propostas mais flexíveis, que não tenham a abstinência
• diminuir o custo com internações hospitalares total como a única meta viável e possível aos usuários
(social e financeiro) e uso de medicamentos. dos serviços CAPSad.
As estratégias de prevenção devem contemplar a
Clientela: utilização combinada dos seguintes elementos: forne-
• pessoas com transtornos mentais e comporta- cimento de informações sobre os danos do álcool e ou-
mentais devido ao uso de substâncias psicoativas; tras drogas, alternativas para lazer e atividades livres
• homens e mulheres a partir de 12 anos de idade; de drogas; devem também facilitar a identificação de
• pertencer a área de abrangência; problemas pessoais e o acesso ao suporte para tais pro-
• familiares, cuidadores, etc. blemas. Devem buscar principalmente o fortalecimen-
Programa de cuidados intensivos (4 ou 8 horas/ to de vínculos afetivos, o estreitamento de laços sociais
dia) 3 a 5 vezes/semana: e a melhora da autoestima das pessoas. Os CAPSad
• comprometimento intenso dos vínculos so- devem construir articulações consistentes com os Hos-
ciais e familiares; pitais Gerais de seu território, para servirem de suporte
• acentuada diminuição da capacidade labora- ao tratamento, quando necessário.
tiva (estudo e trabalho), interrompendo frequente-
mente estas atividades devido ao uso/dependência 17. Relação dos CAPS com a Rede básica
de substâncias psicoativas;
• pessoas em Síndrome de Abstinência leve e
de saúde
moderada que não requerem hospitalização;
• pessoas com dificuldade de iniciar ou manter Rede e território são dois conceitos fundamentais
voluntariamente abstinência ou diminuição do uso de para o entendimento do papel estratégico dos CAPS e
substâncias psicoativas. isso se aplica também à sua relação com a rede básica
Programa de cuidados semi-intensivos (4 ou 8 ho- de saúde. A Reforma Psiquiátrica consiste no progres-
ras/dia) até 3 vezes/semana; sivo deslocamento do centro do cuidado para fora do
Programa de cuidados não-intensivos (4 ou 8 ho- hospital, em direção à comunidade, e os CAPS são os
ras/dia) até 3 vezes/mês. dispositivos estratégicos desse movimento. Entretanto,
Atividades no CAPSad: é a rede básica de saúde o lugar privilegiado de cons-
• acolhimento de usuários de SDQ e seus familiares; trução de uma nova lógica de atendimento e de relação
• atendimento individual; com os transtornos mentais.
• atendimento em grupos: orientação, operativo, etc.; A rede básica de saúde se constitui pelos centros ou
• visitas domiciliares; unidades de saúde locais e/ou regionais, pelo Progra-
• atividades socioterápicas; ma de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de
• oficinas terapêuticas. Saúde, que atuam na comunidade de sua área de abran-
gência. Esses profissionais e equipes são pessoas que
estão próximas e que possuem a responsabilidade pela
16. CAPSad & atuação preventiva atenção à saúde da população daquele território. Os
CAPS devem buscar uma integração permanente com
A prevenção voltada para o uso abusivo e/ou de- as equipes da rede básica de saúde em seu território,
pendência de álcool e outras drogas pode ser defini- pois têm um papel fundamental no acompanhamento,
da como um processo de planejamento, implantação e na capacitação e no apoio para o trabalho dessas equi-
implementação de múltiplas estratégias voltadas para a pes com as pessoas com transtornos mentais.
redução dos fatores de risco específicos e fortalecimen- Que significa esta integração? O CAPS precisa:
to dos fatores de proteção. Implica necessariamente a a) conhecer e interagir com as equipes de atenção
inserção comunitária das práticas propostas, com a co- básica de seu território;
laboração de todos os segmentos sociais disponíveis. b) estabelecer iniciativas conjuntas de levantamen-
36
to de dados relevantes sobre os principais problemas e
necessidades de saúde mental no território; • 1 enfermeiro
c) realizar apoio matricial às equipes da atenção • 3 profissionais de nível superior de outras categorias profis-
básica, isto é, fornecer-lhes orientação e supervisão, sionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional,
atender conjuntamente situações mais complexas, rea- pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto tera-
lizar visitas domiciliares acompanhadas das equipes da pêutico
atenção básica, atender casos complexos por solicita- • 4 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxi-
ção da atenção básica; liar de enfermagem, técnico administrativo, técnico
d) realizar atividades de educação permanente (ca- educacional e artesão
pacitação, supervisão) sobre saúde mental, em coope-
ração com as equipes da atenção básica. CAPS II
Este “apoio matricial” é completamente diferen- • 1 médico psiquiatra
te da lógica do encaminhamento ou da referência e • 1 enfermeiro com formação em saúde mental
contra-referência no sentido estrito, porque significa a • 4 profissionais de nível superior de outras categorias profis-
responsabilidade compartilhada dos casos. Quando o sionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional,
território for constituído por uma grande população de pedagogo, professor de educação física ou outro profissional
abrangência, é importante que o CAPS discuta com o necessário ao projeto terapêutico
gestor local a possibilidade de acrescentar a seu corpo • 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxi-
funcional uma ou mais equipes de saúde mental, desti- liar de enfermagem, técnico administrativo, técnico
nadas a realizar essas atividades de apoio à rede básica. educacional e artesão
Essas atividades não devem assumir características de
uma “especialização”, devem estar integradas comple- CAPS III
tamente ao funcionamento geral do CAPS. • 2 médicos psiquiatras
As atuais diretrizes orientam que, onde houver co- • 1 enfermeiro com formação em saúde mental
bertura do Programa de Saúde da Família, deverá haver • 5 profissionais de nível superior de outras categorias profis-
uma equipe de apoio matricial em saúde mental para no sionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional,
mínimo seis e no máximo nove equipes de PSF. pedagogo ou outro profissional necessário de nível superior
• 8 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxi-
liar de enfermagem, técnico administrativo, técnico
18. Equipe CAPS educacional e artesão
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As equipes técnicas devem organizar-se para aco- possam, através da organização, discutir seus proble-
lher os usuários, desenvolver os projetos terapêuticos, mas comuns e buscar soluções coletivas para questões
trabalhar nas atividades de reabilitação psicossocial, sociais e de direitos essenciais, que ultrapassam as pos-
compartilhar do espaço de convivência do serviço e sibilidades de atuação dos CAPS.
poder equacionar problemas inesperados e outras ques- As organizações de usuários e/ou familiares
tões que porventura demandem providências imediatas, têm cumprido um importante papel na mudança
durante todo o período de funcionamento da unidade. do modelo assistencial no Brasil, participando ati-
O papel da equipe técnica é fundamental para a orga- vamente da discussão sobre os serviços de saúde
nização, desenvolvimento e manutenção do ambiente mental e promovendo atividades que visam maior
terapêutico. A duração da permanência dos usuários no inserção social, a geração de renda e trabalho e a
atendimento dos CAPS depende de muitas variáveis, garantia de seus direitos sociais.
desde o comprometimento psíquico do usuário até o
projeto terapêutico traçado, e a rede de apoio familiar 20. Relação: familiares & CAPS
e social que se pode estabelecer. O importante é saber
que o CAPS não deve ser um lugar que desenvolve a
dependência do usuário ao seu tratamento por toda a Um dos objetivos do CAPS é incentivar que as fa-
vida. O processo de reconstrução dos laços sociais, mílias participem da melhor forma possível do cotidia-
familiares e comunitários, que vão possibilitar a auto- no dos serviços. Os familiares são, muitas vezes, o elo
nomia, deve ser cuidadosamente preparado e ocorrer mais próximo que os usuários têm com o mundo e por
de forma gradativa. isso são pessoas muito importantes para o trabalho dos
Para isso, é importante lembrar que o CAPS preci- CAPS. Os familiares podem participar dos CAPS, não
sa estar inserido em uma rede articulada de serviços somente incentivando o usuário a se envolver no pro-
e organizações que se propõem a oferecer um conti- jeto terapêutico, mas também participando diretamen-
nuum de cuidados. É importante ressaltar que os vín- te das atividades do serviço, tanto internas como nos
culos terapêuticos estabelecidos pelos usuários com os projetos de trabalho e ações comunitárias de integra-
profissionais e com o serviço, durante a permanência ção social. Os familiares são considerados pelos CAPS
no CAPS, podem ser parcialmente mantidos em esque- como parceiros no tratamento.
ma flexível, o que pode facilitar a trajetória com mais A presença no atendimento oferecido aos familia-
segurança em direção à comunidade, ao seu território res e nas reuniões e assembleias, trazendo dúvidas e
reconstruído e ressignificado. sugestões, também é uma forma de os familiares par-
ticiparem, conhecerem o trabalho dos CAPS e passa-
rem a se envolver de forma ativa no processo terapêu-
19. Relação: usuários & CAPS tico. Os familiares também têm criado associações,
com outros familiares e/ou usuários, que podem ser
O protagonismo dos usuários é fundamental para um importante instrumento de promoção da saúde e
que se alcancem os objetivos dos CAPS, como disposi- da cidadania de todos os envolvidos.
tivos de promoção da saúde e da reabilitação psicosso-
cial. Os usuários devem ser chamados a participar das
discussões sobre as atividades terapêuticas do serviço. 21. Relação: comunidade & CAPS
A equipe técnica pode favorecer a apropriação, pelos
usuários, do seu próprio projeto terapêutico através do A comunidade é um conjunto de pessoas, associa-
Terapeuta de Referência, que é uma pessoa fundamen- ções e equipamentos que fazem existir a vida numa
tal para esse processo e precisa pensar sobre o vínculo certa localidade. A articulação entre CAPS e comuni-
que o usuário está estabelecendo com o serviço e com dade é, portanto, fundamental. A comunidade – servi-
os profissionais e estimulá-lo a participar de forma ati- ços públicos das áreas da educação, do esporte e lazer,
va de seu tratamento e da construção de laços sociais. do trabalho, associações de moradores, clube de mães,
Os usuários devem procurar os técnicos para tirar associações comunitárias, voluntários – poderá ser par-
dúvidas e pedir orientação sempre que precisarem, en- ceira dos CAPS através de doações, cessão de instala-
trando direta ou indiretamente em contato com o CAPS ções, prestação de serviços, instrução ou treinamento
mesmo quando não estiverem em condições de ir ao em algum assunto ou ofício, realização conjunta de um
serviço. A participação dos usuários nas Assembleias, evento especial (uma festa, por exemplo), realização
muitas vezes, é um bom indicador da forma como eles conjunta de projeto mais longo, participação nas ativi-
estão se relacionando com o CAPS. As associações de dades rotineiras do serviço.
usuários e/ou familiares muitas vezes surgem dessas Com essas parcerias e ações, a comunidade produz
assembleias que vão questionando as necessidades do um grande e variado conjunto de relações de troca,
serviço e dos usuários. Os usuários devem ser incen- o que é bom para a própria comunidade e para todos
tivados a criar suas associações ou cooperativas onde do CAPS. As parcerias ajudam a toda a comunidade
38
a reforçar seus laços sociais e afetivos e produzem MANUAL CAPS. Saúde mental no SUS: os centros de
maior inclusão social de seus membros. Por isso, a atenção psicossocial. Ministério da Saúde, Secretaria de
participação da comunidade é muito importante para Atenção à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
a criação de uma rede de saúde mental. O CAPS deve RIETRA, Rita de Cássia Paiva. Inovações na gestão
ser parte integrante da comunidade, de sua vida diária em saúde mental: um estudo de caso sobre o CAPS
e de suas atividades culturais. na cidade do Rio de Janeiro. Dissertação de Mes-
trado. Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de
Saúde Pública, 1999.
Referências
39
ANEXOS
1. ORGANIZAÇÃO DE NOVOS CAPS
• Primeiro, verifique se sua cidade de fato precisa de um CAPS, isto é, se ela tem mais de 20.000 habitantes e
não dispõe de outros recursos assistenciais em saúde mental, como ambulatório, oficinas terapêuticas, centro de
saúde com equipe de saúde mental, equipes de saúde mental na rede básica.
• Procure conhecer as normas técnicas que se aplicam aos CAPS, especialmente as portarias 336, 189 e 816
(esta última sobre os CAPSad), de 2002. Busque ler textos e artigos sobre a experiência dos CAPS, e mesmo
entrar em contato com algum serviço já existente, próximo de seu município.
• Todo o processo deve começar pela coordenação municipal de saúde mental. A iniciativa de criar
um CAPS é do gestor municipal. Ele deve consultar a coordenação estadual de saúde mental e avaliar
a disponibilidade orçamentária, existência de recursos humanos etc. Existe todo um processo de plane-
jamento, que começa no âmbito municipal, a seguir regional, depois estadual. O coordenador estadual
de saúde mental dispõe das informações sobre os serviços a serem futuramente implantados no Estado,
atendendo aos critérios essenciais: população atendida (a prioridade são os municípios com população
maior), existência de recursos humanos e materiais no município e outros.
Processo de cadastramento dos CAPS:
1 – implantação efetiva do CAPS;
2 – encaminhamento da proposta à Secretaria de Estado da Saúde;
3 – aprovação na Comissão Intergestores Bipartite;
4 – encaminhamento ao Ministério da Saúde para homologação e cadastramento.
Note que o cadastramento só pode ocorrer se o serviço já estiver em funcionamento e depende de
limites orçamentários.
• Os municípios menores, com população abaixo de 20.000 habitantes, não necessitam de um CAPS,
mas devem ter um serviço de saúde mental, articulado com a rede básica de saúde (por exemplo, Pro-
grama de Saúde da Família).
O Ministro da Saúde, no uso de suas atribuições legais, considerando a Lei 10.216, de 06/04/01,
que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o
modelo assistencial em saúde mental;
Considerando o disposto na Norma Operacional de Assistência à Saúde – NOAS – SUS 01/2001, aprovada
pela Portaria GM/MS nº 95, de 26 de janeiro de 2001;
Considerando a necessidade de atualização das normas constantes da Portaria MS/SAS nº 224, de 29
de janeiro de 1992, resolve:
Art. 1º – Estabelecer que os Centros de Atenção Psicossocial poderão constituir-se nas seguintes modalidades
de serviços: CAPS I, CAPS II e CAPS III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência
populacional, conforme disposto nesta Portaria.
§ 1º – As três modalidades de serviços cumprem a mesma função no atendimento público em saúde mental,
distinguindo-se pelas características descritas no Artigo 3º desta Portaria, e deverão estar capacitadas para realizar
prioritariamente o atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes em sua área territo-
rial, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo e não-intensivo, conforme definido adiante.
§ 2º – Os CAPS deverão constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária que funcione segun-
do a lógica do território.
Art. 2º – Definir que somente os serviços de natureza jurídica pública poderão executar as atribuições de su-
pervisão e de regulação da rede de serviços de saúde mental.
Art. 3º – Estabelecer que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) só poderão funcionar em área física
específica e independente de qualquer estrutura hospitalar.
Parágrafo único. Os CAPS poderão localizar-se dentro dos limites da área física de uma unidade hospitalar
geral, ou dentro do conjunto arquitetônico de instituições universitárias de saúde, desde que independentes de sua
40
estrutura física, com acesso privativo e equipe profissional própria.
Art. 4º – Definir que as modalidades de serviços estabelecidas pelo Artigo 1º desta Portaria correspondem às
características abaixo discriminadas:
4.1 – CAPS I – Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios
com população entre 20.000 e 70.000 habitantes, com as seguintes características:
a – responsabilizar-se, sob coordenação do gestor local, pela organização da demanda e da rede de cuidados
em saúde mental no âmbito do seu território;
b – possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial
no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, definido na Norma Operacional de Assistência à Saúde
(NOAS), de acordo com a determinação do gestor local;
c – coordenar, por delegação do gestor local, as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas
no âmbito do seu território;
d – supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e programas de saúde mental no âmbito do
seu território e/ou do módulo assistencial;
e – realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes que utilizam medicamentos essen-
ciais para a área de saúde mental regulamentados pela Portaria/GM/MS nº 1.077, de 24 de agosto de
1999, e medicamentos excepcionais, regulamentados pela Portaria/SAS/MS nº 341, de 22 de agosto de
2001, dentro de sua área assistencial;
f – funcionar no período das 8 às 18 horas, em dois turnos, durante os cinco dias úteis da semana;
4.1.1 – A assistência prestada ao paciente no CAPS I inclui as seguintes atividades:
a – atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros);
b – atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outras);
c – atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio;
d – visitas domiciliares;
e – atendimento à família;
f – atividades comunitárias enfocando a integração do paciente na comunidade e sua inserção familiar e social;
g – os pacientes assistidos em um turno (quatro horas) receberão uma refeição diária, os assistidos em dois
turnos (oito horas) receberão duas refeições diárias.
4.1.2 – Recursos Humanos:
A equipe técnica mínima para atuação no CAPS I, para o atendimento de 20 pacientes por turno, tendo como
limite máximo 30 pacientes/dia, em regime de atendimento intensivo, será composta por:
a – 1 médico com formação em saúde mental;
b – 1 enfermeiro;
c – 3 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social,
terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico.
d – 4 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo,
técnico educacional e artesão.
4.2 – CAPS II – Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios
com população entre 70.000 e 200.000 habitantes, com as seguintes características:
a – responsabilizar-se, sob coordenação do gestor local, pela organização da demanda e da rede de cuidados
em saúde mental no âmbito do seu território;
b – possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial
no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, definido na Norma Operacional de Assistência à Saúde
(NOAS), por determinação do gestor local;
c – coordenar, por delegação do gestor local, as atividades de supervisão de unidades hospitalares
psiquiátricas no âmbito do seu território;
d – supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e programas de saúde mental no âmbito do
seu território e/ou do módulo assistencial;
e – realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes que utilizam medicamentos essen-
ciais para a área de saúde mental regulamentados pela Portaria/GM/MS nº 1.077, de 24 de agosto de
1999, e medicamentos excepcionais, regulamentados pela Portaria/SAS/MS nº 341, de 22 de agosto de
2001, dentro de sua área assistencial;
f – funcionar das 8 às 18 horas, em dois turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um
terceiro turno funcionando até 21 horas.
4.2.1 – A assistência prestada ao paciente no CAPS II inclui as seguintes atividades:
a – atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros);
41
b – atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outros);
c – atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio;
d – visitas domiciliares;
e – atendimento à família;
f – atividades comunitárias enfocando a integração do doente mental na comunidade e sua inserção
familiar e social;
g – os pacientes assistidos em um turno (quatro horas) receberão uma refeição diária: os assistidos em dois
turnos (oito horas) receberão duas refeições diárias.
4.2.2 – Recursos Humanos:
A equipe técnica mínima para atuação no CAPS II, para o atendimento de 30 pacientes por turno, tendo como
limite máximo 45 pacientes/dia, em regime intensivo, será composta por:
a – 1 médico psiquiatra;
b – 1 enfermeiro com formação em saúde mental;
c – 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social,
enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico;
d – 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo,
técnico educacional e artesão.
4.3 – CAPS III – Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municí-
pios com população acima de 200.000 habitantes, com as seguintes características:
a – constituir-se em serviço ambulatorial de atenção contínua, durante 24 horas diariamente, incluin-
do feriados e fins de semana;
b – responsabilizar-se, sob coordenação do gestor local, pela organização da demanda e da rede de cuidados
em saúde mental no âmbito do seu território;
c – possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial
no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, definido na Norma Operacional de Assistência à Saúde
(NOAS), por determinação do gestor local;
d – coordenar, por delegação do gestor local, as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas
no âmbito do seu território;
e – supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e programas de saúde mental no âmbito do
seu território e/ou do módulo assistencial;
f – realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes que utilizam medicamentos essen-
ciais para a área de saúde mental regulamentados pela Portaria/GM/MS nº 1.077, de 24 de agosto de
1999, e medicamentos excepcionais, regulamentados pela Portaria/SAS/MS nº 341, de 22 de agosto de
2001, dentro de sua área assistencial;
g – estar referenciado a um serviço de atendimento de urgência/emergência geral de sua região, que fará o
suporte de atenção médica.
4.3.1 – A assistência prestada ao paciente no CAPS III inclui as seguintes atividades:
a – atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, orientação, entre outros);
b – atendimento grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outras);
c – atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio;
d – visitas e atendimentos domiciliares;
e – atendimento à família;
f – atividades comunitárias enfocando a integração do doente mental na comunidade e sua inserção
familiar e social;
g – acolhimento noturno, nos feriados e fins de semana, com no máximo cinco leitos, para eventual
repouso e/ou observação;
h – os pacientes assistidos em um turno (quatro horas) receberão uma refeição diária; os assistidos em dois
turnos (oito horas) receberão duas refeições diárias, e os que permanecerem no serviço durante 24 horas contínuas
receberão quatro refeições diárias;
i – a permanência de um mesmo paciente no acolhimento noturno fica limitada a sete dias corridos ou dez dias
intercalados em um período de 30 dias.
4.3.2 – Recursos Humanos:
A equipe técnica mínima para atuação no CAPS III, para o atendimento de 40 pacientes por turno, tendo como
limite máximo 60 pacientes/dia, em regime intensivo, será composta por:
a – 2 médicos psiquiatras;
b – 1 enfermeiro com formação em saúde mental;
42
c – 5 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias: psicólogo, assistente social, enfermeiro,
terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico;
d – 8 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo,
técnico educacional e artesão.
4.3.2.1 – Para o período de acolhimento noturno, em plantões corridos de 12 horas, a equipe deve ser composta por:
a – 3 técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço;
b – 1 profissional de nível médio da área de apoio.
4.3.2.2 – Para as 12 horas diurnas, nos sábados, domingos e feriados, a equipe deve ser composta por:
a – 1 profissional de nível superior entre as seguintes categorias: médico, enfermeiro, psicólogo, assistente
social, terapeuta ocupacional, ou outro profissional de nível superior justificado pelo projeto terapêutico;
b – 3 técnicos/auxiliares técnicos de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço;
c – 1 profissional de nível médio da área de apoio.
4.4 – CAPSi – Serviço de atenção psicossocial para atendimentos a crianças e adolescentes, constituindo-se
na referência para uma população de cerca de 200.000 habitantes, ou outro parâmetro populacional a ser definido
pelo gestor local, atendendo a critérios epidemiológicos, com as seguintes características:
a – constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária destinado a crianças e adolescentes com transtornos mentais;
b – possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial
no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, definido na Norma Operacional de Assistência à Saúde
(NOAS), de acordo com a determinação do gestor local;
c – responsabilizar-se, sob coordenação do gestor local, pela organização da demanda e da rede de cuidados
em saúde mental de crianças e adolescentes no âmbito do seu território;
d – coordenar, por delegação do gestor local, as atividades de supervisão de unidades de atendimento psiquiá-
trico a crianças e adolescentes no âmbito do seu território;
e – supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e programas de saúde mental no âmbito do
seu território e/ou do módulo assistencial, na atenção à infância e adolescência;
f – realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes que utilizam medicamentos essenciais para a área
de saúde mental regulamentados pela Portaria/GM/MS, nº 1.077, de 24 de agosto de 1999, e medicamentos excep-
cionais, regulamentados pela Portaria/SAS/MS, nº 341, de 22 de agosto de 2001, dentro de sua área assistencial;
g – funcionar das 8 às 18 horas, em dois turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um
terceiro turno que funcione até 21 horas.
4.4.1 – A assistência prestada ao paciente no CAPSi inclui as seguintes atividades:
a – atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros);
b – atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outros);
c – atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio;
d – visitas e atendimentos domiciliares;
e – atendimento à família;
f – atividades comunitárias enfocando a integração da criança e do adolescente na família, na escola, na comu-
nidade ou quaisquer outras formas de inserção social;
g – desenvolvimento de ações inter-setoriais, principalmente com as áreas de assistência social, educação e justiça;
h – os pacientes assistidos em um turno (quatro horas) receberão uma refeição diária, os assistidos em dois
turnos (oito horas) receberão duas refeições diárias.
4.4.2 – Recursos Humanos:
A equipe técnica mínima para atuação no CAPSi, para o atendimento de 15 crianças e/ou adolescentes por
turno, tendo como limite máximo 25 pacientes/dia, será composta por:
a – 1 médico psiquiatra, ou neurologista, ou pediatra com formação em saúde mental;
b – 1 enfermeiro;
c – 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social, en-
fermeiro, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico;
d – 5 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo,
técnico educacional e artesão.
4.5 – CAPSad – Serviço de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes
do uso e dependência de substâncias psicoativas, com capacidade operacional para atendimento em municípios
com população superior a 70.000, com as seguintes características:
a – constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária, de referência para área de abrangência populacio-
nal definida pelo gestor local;
b – sob coordenação do gestor local, responsabilizar-se pela organização da demanda e da rede de instituições
43
de atenção a usuários de álcool e drogas, no âmbito de seu território;
c – possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial
local no âmbito de seu território e/ou do módulo assistencial, definido na Norma Operacional de Assistência à
Saúde (NOAS), de acordo com a determinação do gestor local;
d – coordenar, no âmbito de sua área de abrangência e por delegação do gestor local, as atividades de super-
visão de serviços de atenção a usuários de drogas, em articulação com o Conselho Municipal de Entorpecentes;
e – supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e programas de saúde mental local no âm-
bito do seu território e/ou do módulo assistencial;
f – realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes que utilizam medicamentos essenciais para a área
de saúde mental regulamentados pela Portaria/GM/MS, nº 1.077, de 24 de agosto de 1999, e medicamentos excep-
cionais, regulamentados pela Portaria/SAS/MS, nº 341, de 22 de agosto de 2001, dentro de sua área assistencial;
g – funcionar das 8 às 18 horas, em dois turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um
terceiro turno funcionando até 21 horas.
h – manter de dois a quatro leitos para desintoxicação e repouso.
4.5.1. – A assistência prestada ao paciente no CAPSad para pacientes com transtornos decorrentes do uso e
dependência de substâncias psicoativas inclui as seguintes atividades:
a – atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros);
b – atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outras);
c – atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio;
d – visitas e atendimentos domiciliares;
e – atendimento à família;
f – atividades comunitárias enfocando a integração do dependente químico na comunidade e sua
inserção familiar e social;
g – os pacientes assistidos em um turno (quatro horas) receberão uma refeição diária; os assistidos em dois
turnos(oito horas) receberão duas refeições diárias.
h – atendimento de desintoxicação.
4.5.2 – Recursos Humanos:
A equipe técnica mínima para atuação no CAPSad para atendimento de 25 pacientes por turno, tendo como
limite máximo 45 pacientes/dia, será composta por:
a – 1 médico psiquiatra;
b – 1 enfermeiro com formação em saúde mental;
c – 1 médico clínico, responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das intercorrências clínicas;
d – 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social,
enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico;
e – 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo,
técnico educacional e artesão.
Art. 5º – Estabelecer que os CAPS I, II, III, CAPSi e CAPSad deverão estar capacitados para o acompanha-
mento dos pacientes de forma intensiva, semi-intensiva e não-intensiva, dentro de limites quantitativos mensais
que serão fixados em ato normativo da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde.
Parágrafo único. Define-se como atendimento intensivo aquele destinado aos pacientes que, em função de seu
quadro clínico atual, necessitem de acompanhamento diário; semi-intensivo é o tratamento destinado aos pacientes
que necessitam de acompanhamento frequente, fixado em seu projeto terapêutico, mas não precisam estar diaria-
mente no CAPS; não-intensivo é o atendimento que, em função do quadro clínico, pode ter uma frequência menor.
A descrição minuciosa dessas três modalidades deverá ser objeto de portaria da Secretaria de Assistência à Saúde do
Ministério da Saúde, que fixará os limites mensais (número máximo de atendimentos); para o atendimento intensivo
(atenção diária), será levada em conta a capacidade máxima de cada CAPS, conforme definida no Artigo 2º.
Art. 6º – Estabelecer que os atuais CAPS e NAPS deverão ser recadastrados nas modalidades CAPS I, II, III, CAPSi
e CAPSad pelo gestor estadual, após parecer técnico da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde.
Parágrafo único. O mesmo procedimento se aplicará aos novos CAPS que vierem a ser implantados.
Art. 7º – Definir que os procedimentos realizados pelos CAPS e NAPS atualmente existentes, após o seu reca-
dastramento, assim como os novos que vierem a ser criados e cadastrados, serão remunerados através do Sistema
APAC/SIA, sendo incluídos na relação de procedimentos estratégicos do SUS e financiados com recursos do
Fundo de Ações Estratégicas e Compensação – FAEC.
Art. 8º – Estabelecer que serão alocados no FAEC, para a finalidade descrita no Art. 5º, durante os exercícios de
2002 e 2003, recursos financeiros no valor total de R$ 52.000.000,00, previstos no orçamento do Ministério da Saúde.
Art. 9º – Definir que os procedimentos a serem realizados pelos CAPS, nas modalidades I, II (incluídos CAPSi
44
e CAPSad) e III, objetos da presente Portaria, serão regulamentados em ato próprio do Secretário de Assistência
à Saúde do Ministério da Saúde.
Art. 10º – Esta Portaria entrará em vigor a partir da competência fevereiro de 2002, revogando-se
as disposições em contrário.
JOSÉ SERRA
ManualCapsFinal 5/31/04
A realidade das equipes de Atenção Básica demonstra que, cotidianamente, elas se deparam com
problemas de “saúde mental”: 56% das equipes de saúde da família referiram realizar “alguma ação de
saúde mental”. Por sua proximidade com famílias e comunidades, as equipes da Atenção Básica são
um recurso estratégico para o enfrentamento de agravos vinculados ao uso abusivo de álcool, drogas
e diversas formas de sofrimento psíquico. Existe um componente de sofrimento subjetivo associado a
toda e qualquer doença, às vezes atuando como entrave à adesão a práticas preventivas ou de vida mais
saudáveis. Poderíamos dizer que todo problema de saúde é também – e sempre – mental, e que toda
saúde mental é também – e sempre – produção de saúde.
Nesse sentido, será sempre importante e necessária a articulação da saúde mental com a Atenção Básica.
Contudo, nem sempre a Atenção Básica apresenta condições para dar conta dessa importante tarefa.
Às vezes, a falta de recursos de pessoal e a falta de capacitação acabam por prejudicar o desenvolvi-
mento de uma ação integral pelas equipes. Além disso, atender às pessoas com problemas de saúde
mental é de fato uma tarefa muito complexa. Nessa compreensão, baseamos a ideia de que urge esti-
mular ativamente, nas políticas de expansão, formulação e avaliação da Atenção Básica, diretrizes que
incluam a dimensão subjetiva dos usuários e os problemas mais graves de saúde mental. Assumir esse
compromisso é uma forma de responsabilização em relação à produção de saúde, à busca da eficácia das
práticas e à promoção da equidade, da integralidade e da cidadania num sentido mais amplo.
As ações de saúde mental na Atenção Básica devem obedecer ao modelo de redes de cuidado, de base
territorial e atuação transversal com outras políticas específicas e que busquem o estabelecimento de
vínculos e acolhimento. Essas ações devem estar fundamentadas nos princípios do SUS e nos princípios
da Reforma Psiquiátrica.
Podemos sintetizar como princípios fundamentais dessa articulação entre saúde mental e Atenção Básica:
• noção de território;
• organização da atenção à saúde mental em rede;
• intersetorialidade;
• reabilitação psicossocial;
• multiprofissionalidade/interdisciplinaridade;
• desinstitucionalização;
• promoção da cidadania dos usuários;
• construção da autonomia possível de usuários e familiares.
As ações de saúde mental na Atenção Básica devem obedecer ao modelo de redes de cuidado, de
base territorial e atuação transversal com outras políticas específicas e que busquem o estabeleci-
mento de vínculos e acolhimento.
47
2. BREVE HISTÓRICO
Com o objetivo de discutir a inclusão da saúde mental na Atenção Básica, a Coordenação de Saúde Mental do
Ministério da Saúde promoveu os seguintes eventos:
• Março de 2001
Oficina de Trabalho para “Discussão do Plano Nacional de Inclusão das Ações de Saúde Mental na Atenção
Básica”, com a presença do Departamento de Atenção Básica (DAB/SPS) e a Coordenação Geral de Saúde Men-
tal (CGSM)/MS e alguns municípios com experiências em curso de Saúde Mental na Atenção Básica.
ManualCapsFinal 5/31/04, 6:34 PM 79 80
• Abril de 2002
Seminário Internacional sobre Saúde Mental na Atenção Básica, realizado através de parceria MS/OPAS/
UFRJ/Universidade de Harvard.
• Julho de 2003
Oficina de Saúde Mental no VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – ABRASCO, intitulada “Desafios
da integração com a rede básica”, com a participação do DAB, Coordenação Geral de Saúde Mental/DAPE, co-
ordenadores estaduais e municipais de saúde mental e trabalhadores da saúde mental de diversas regiões do país.
A partir dos subsídios produzidos por essas oficinas, a Coordenação Geral de Saúde Mental, em articulação
com a Coordenação de Gestão da Atenção Básica, propõe as seguintes diretrizes:
A responsabilização compartilhada dos casos exclui a lógica do encaminhamento, pois visa aumentar a
capacidade resolutiva de problemas de saúde pela equipe local.
3.1.2 – Responsabilidades Compartilhadas entre as Equipes Matriciais de Saúde Mental e da Atenção Básica
48
As equipes de saúde mental de apoio à Atenção Básica incorporam ações de supervisão, atendimento em conjunto e atendi-
mento específico, além de participar das iniciativas de capacitação. Além disso, as seguintes ações devem ser compartilhadas:
a. Desenvolver ações conjuntas, priorizando: casos de transtornos mentais severos e persistentes, uso abusivo
de álcool e outras drogas, pacientes egressos de internações psiquiátricas, pacientes atendidos nos CAPS, tentati-
vas de suicídio, vítimas de violência doméstica intradomiciliar.
b. Discutir casos identificados pelas equipes da Atenção Básica que necessitem de uma ampliação da clínica
em relação às questões subjetivas.
c. Criar estratégias comuns para abordagem de problemas vinculados à violência, abuso de álcool e outras
drogas, estratégias de redução de danos etc. nos grupos de risco e nas populações em geral.
d. Evitar práticas que levem à psiquiatrização e medicalização de situações individuais e sociais,
comuns à vida cotidiana.
e. Fomentar ações que visem a difusão de uma cultura de assistência não manicomial, diminuindo o precon-
ceito e a segregação com a loucura.
f. Desenvolver ações de mobilização de recursos comunitários, buscando construir espaços de reabilitação
psicossocial na comunidade, como oficinas comunitárias, destacando a relevância da articulação intersetorial
(conselhos tutelares, associações de bairro, grupos de auto-ajuda etc.).
g. Priorizar abordagens coletivas e de grupos como estratégias para atenção em saúde mental, que podem ser
desenvolvidas nas Unidades de Saúde, bem como na comunidade.
h. Adotar a estratégia de redução de danos nos grupos de maior vulnerabilidade, no manejo das situações en-
volvendo consumo de álcool e outras drogas. Avaliar a possibilidade de integração dos agentes redutores de dano
a essa equipe de apoio matricial.
i. Trabalhar o vínculo com as famílias, tomando-a como parceira no tratamento e buscar constituir
redes de apoio e integração.
ManualCapsFinal 5/31/04, 6:34 PM 81 82
REFERÊNCIAS
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Processo para implantação do CAPS
Verifique se o seu município de fato precisa de um CAPS, isto é, se tem a população preconizada
pela Portaria GM 336/2002, se não dispõe de outros recursos assistenciais em saúde mental, como am-
bulatório, equipe de saúde mental na atenção básica e o Núcleo de Apoio em Saúde da Família – NASF
com profissional de saúde mental.
• Procure conhecer as normas técnicas que se aplicam aos CAPS, especialmente às Portarias GM 336,
189, 245 e 816 (está última sobre CAPS ad) de 2002. Busque ler textos e artigos sobre experiência dos
CAPS, e mesmo entrar em contato com algum serviço já existente, próximo do seu município.
• Municípios com população inferior a 20.000 habitantes, de acordo com a deliberação 022/CIB/09,
poderão implantar CAPS Microrregional (que atendam dois ou mais municípios).
• Como o CAPS é um espaço do Serviço de Saúde aberto e comunitário do SUS, ele deve ser
um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, incluindo os
transtornos relacionados às substâncias psicoativas (álcool e outras drogas) e também crianças e adoles-
centes com transtornos psíquicos, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência num
dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida.
• Objetivos do CAPS: oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o
acompanhamento clínico e promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais que
envolvam educação, trabalho, lazer, esporte, cultura, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos
laços familiares e comunitários. É um serviço de atendimento de saúde mental criado para ser substitu-
tivo às internações em hospitais psiquiátricos.
Os CAPS visam:
• Prestar atendimento em regime de atenção diária;
• Gerenciar os projetos terapêutico, oferecendo o cuidado clínico eficiente e personalizado;
• Promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais que envolvam educação,
trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas. Os
52
CAPS também têm a responsabilidade de organizar a rede de serviços de saúde mental de seu território;
• Dar suporte e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica, equipes de Estratégia em Saú-
de da Família -ESF, PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde);
• Regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental de sua área;
• Coordenar junto com o gestor local as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiá-
tricas que atuem no seu território;
• Manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos para a saúde mental.
• Funcionamento dos CAPS: de segunda a sexta feira - nos 02 turnos e sem interrupção de horário.
Os usuários que permanecem um turno de 04 horas no CAPS devem receber uma refeição diária;
os assistidos em dois períodos (08 horas), duas refeições diárias. A frequência dos usuários nos CAPS
dependerá de seu projeto terapêutico.
• Onde utilizar o recurso: para a manutenção do CAPS, podendo ser gasto em material de consu-
mo, equipamentos, mobiliário, alimentação e transporte dos usuários, pequenas reformas, aquisição
de veículo, qualificação e participação da equipe em eventos (cursos, seminários...), participação dos
usuários em eventos (encontros, fóruns etc.), aquisição de materiais informativos (folder e outros ma-
teriais); eventualmente em salários de profissionais do CAPS. Lembre que o recurso está condicionado
à produção, portanto, o valor mensal poderá variar.
Importante: estar em tratamento no CAPS não significa que o usuário tenha que permanecer a maior
parte do tempo dentro do CAPS. As atividades podem ser desenvolvidas fora do serviço, como parte
de uma estratégia terapêutica de reabilitação psicossocial, que poderá ser realizada na comunidade, no
trabalho e na vida social.
Como se observa, há um campo extenso de ações que visam a autonomia dos usuários, cujo custeio
deve ser garantido com os recursos financeiros do CAPS!
Informações para Implantação de CAPS I - Microrregional
De acordo com a deliberação 68/CIB/10, será liberado incentivo financeiro estadual com recursos do
co-financiamento da Atenção Básica para implantação de CAPS, na modalidade I - Microrregional, com
a finalidade de apoiar o início do funcionamento até a liberação da Portaria Ministerial.
A mesma deliberação dispõe sobre o incentivo financeiro estadual mensal para apoiar o início do
funcionamento de novos CAPS nas diversas modalidades (I – não microrregional, II, III, i (infanto
juvenil e ad (para tratamento de pessoas com transtornos por uso de álcool e outras drogas), sendo par-
celas no valor de R$ 15.000,00 não devendo ultrapassar o período de três meses.
Orientações Gerais
1. O incentivo financeiro do Ministério da Saúde (em parcela única) para a implantação do serviço
será repassado conforme os critérios da Portaria GM Nº 245/2005.
2. A partir do início de funcionamento do CAPS (momento da vistoria do serviço realizada pela
Coordenação Estadual de Saúde Mental e emissão do Parecer Técnico para deliberação da Comissão
Intergestores Bipartite – CIB, será repassado o valor de R$ 20.000,00 - para apoiar o funcionamento de
CAPS I microrregional, até a liberação da Portaria Ministerial de cadastramento.
3. Após a liberação da Portaria Ministerial de cadastramento, os novos CAPS I microrregionais, as-
sim como os CAPS I microrregionais já cadastrados, além do repasse financeiro mensal do Ministério
da Saúde, receberão o valor mensal de R$ 5.000,00 proveniente do recurso do Co- financiamento da
Atenção Básica, que devem ser pactuado entre os gestores.
4. Os municípios do CAPS I microrregional devem ter aderido ao Pacto de Gestão.
5. Para implantação de CAPS I microrregional, os municípios deverão formalizar um Termo de Coo-
peração Técnica, devendo constar a responsabilidade de cada município pactuado, tal como o transporte
dos pacientes e demais necessidades na documentação para a implantação do CAPS. Será necessário o
registro dos acordos em ata dos respectivos Conselhos Municipais de Saúde.
6. Os municípios pactuados para o CAPS microrregional devem estar geograficamente próximos para fa-
cilitar a permanência dos usuários no serviço, principalmente nas modalidades intensivo e semi – intensivo.
7. O município, sede do CAPS, deve ter a maior população (recomendamos população de aproxima-
damente 12.000 habitantes) para facilitar a aprovação pelo Ministério da Saúde.
8. O Projeto Terapêutico e os documentos para solicitação do incentivo financeiro e cadastramento
do serviço serão avaliados pela Divisão de Saúde Mental/Gerência de Coordenação da Atenção Básica,
devendo estar de acordo com as Portarias GM nº 245/05 e 336/GM/2002.
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8. São critérios para a avaliação: a equipe técnica exigida, o projeto terapêutico e suas especifici-
dades, a estrutura física adequada, existência de ações de saúde mental na atenção básica em todos os
municípios pactuados e a existência de hospital geral com unidade psiquiátrica na região de saúde.
As informações detalhados para o processo de solicitação do Incentivo Financeiro ao Ministério da
Saúde e solicitação de cadastramento para CAPS, modalidade I, microrregional, estão no endereço ele-
trônico <www.saude.sc.gov.br> - Atenção Básica – Saúde Mental -CAPS - Orientações para Solicitação
e Implantação de CAPS/SC, modalidade I, Microrregional.
9. Os CAPS microrregionais deverão manter e encaminhar para a Divisão de Saúde Mental, através da
Gerência de Saúde, a estatística de procedência dos pacientes para fins de monitoramento e avaliação, assim
como a emissão de APACs para a Gerência de Processamento de Serviços Assistenciais – GEPRO/SES.
10. O incentivo para apoiar o início de funcionamento dos CAPS nas modalidades I (não microrregio-
nal), II, III, CAPS ad (álcool e drogas) e CAPSi (infanto juvenil) será no valor de R$ 15.000,00 mensais,
até a publicação da portaria do Ministério da Saúde, não ultrapassando ao período máximo de 03 meses.
11. Os recursos mensais serão repassados fundo a fundo e a prestação de contas deverá ser apresen-
tada no Relatório Anual de Gestão Municipal.
Observação: Os CAPS devem continuar com o preenchimento das APACs, para fins de monitora-
mento e avaliação dos serviços e repasse dos recursos conforme a PPI da Assistência Ambulatorial.
Solicitamos aos gestores que priorizem os serviços dos CAPS para o atendimento dos portadores de
transtornos mentais e transtornos por uso, abuso e dependência de álcool e outras drogas severos e per-
sistentes, os casos de transtornos leves devem ser atendidos na atenção básica, pois não geram APACs
e extrapolam a capacidade de atendimento dos serviços, com isso os casos mais graves acabam sendo
encaminhados para internação hospitalar.
Para os CAPS - cadastrados após a Portaria nº 2.867de 27 de novembro de 2008, será repassado para
o teto do município as quantias a seguir:
CAPS I: R$ 21.804,00
CAPS II: R$ 32.000,00
CAPS i: R$ 32.000,00
CAPS ad: R$ 32.000,00
CAPS III: R$ 45.000,00
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INTERVENÇÃO EM DEPENDÊNCIA QUÍMICA
Tadeu Lemos
Toda intervenção em dependência química deve ser multidisciplinar e integrada. Além do tratamento clínico
farmacológico, são imprescindíveis as abordagens psicossociais voltadas para o paciente e para a sua família,
incluindo os grupos de autoajuda, como os Alcoólicos Anônimos e os Narcóticos Anônimos. Este capítulo abor-
da a intervenção clínica-farmacológica.
1. Compreendendo a Neurobiologia da
dependência química
A compreensão dos sistemas neurobiológicos envol- nutenção da abstinência, assim como na recaída.
vidos na adicção e demais comportamentos compulsi- Sabemos que todas as drogas, de forma direta ou
vos ainda não está totalmente esclarecida. Sabemos indireta, afetam o sistema mesocorticolimbico. Entre
que embora as drogas de abuso apresentem diferentes as drogas depressoras da atividade do sistema nervo-
perfis neurofarmacológicos, todas, de alguma forma, so central (SNC), o álcool estimula os sistemas dopa-
ativam o sistema dopaminérgico mesocorticolimbico, minérgico, gabaérgico e opioidérgico, inibe o sistema
que modula nossas emoções e comportamento. A ativa- glutamatérgico e os canais de cálcio; os benzodiazepí-
ção deste sistema, em especial do núcleo accumbens e nicos são agonistas alostéricos do receptor GABA-A
de suas inter-relações com o prosencéfalo, responsável e os opioides são agonistas do seu próprio sistema, o
pelos efeitos prazerosos ou gratificantes, é reforçadora opioidérgico. Quanto às drogas estimulantes da ativi-
para a continuidade do uso − reforço positivo. dade do SNC, a nicotina estimula o sistema colinérgi-
Sabemos que o efeito reforçador das drogas no co, enquanto a cocaína e os anfetamínicos estimulam
cérebro pode ser também consequência da busca por o sistema dopaminérgico. Já as drogas alucinógenas
alívio de sinais e sintomas desagradáveis da abstinên- interferem na atividade serotoninérgica, sendo que o
cia, o reforço negativo. Mais recentemente, foi desco- tetrahidrocanabinol tem ação direta em receptores pró-
berto um terceiro mecanismo denominado antireward prios no sistema canabinoide.
(anti-recompensa), em resposta à excessiva ativação A dependência química está frequentemente asso-
do sistema de recompensa. Este mecanismo neuroa- ciada à tolerância, fenômeno que ocorre com o uso
daptador envolve o recrutamento de sistemas cerebrais crônico de substâncias, que se caracteriza pela necessi-
relacionados ao estresse, como o eixo hipotálamo-hi- dade do aumento progressivo da dose para produzir os
pófise-adrenal, modulados pelo fator liberador de cor- efeitos originais da substância. A tolerância é principal-
ticotrofina. Este fenômeno constitui-se em um proces- mente causada por alterações neuroadaptativas no cé-
so motivacional oponente, com base neuroadaptativa rebro (tolerância farmacodinâmica), mas também pode
desregulatória (neurotoxicidade funcional), desenca- estar relacionada ao aumento do metabolismo da subs-
deador de sintomas de ansiedade e depressão e de um tância (tolerância farmacocinética). As alterações neu-
estado alostático de vulneravilidade a recaída e manu- roadaptativas incluem upregulation de canais de cál-
tenção do ciclo da dependência. cio, depleção de neurotransmissores, downregulation
Apesar de o sistema dopaminérgico ser o ator prin- de receptores e alterações em segundos mensageiros.
cipal deste intrincado fenômeno, importantes vias de
neurotransmissão glutamatérgica, serotoninérgica, no-
2. O tratamento farmacológico
radrenérgica, gabaérgica, opioidérgica e canabinoide
também o modulam.
A ação reforçadora também é dependente de vari- Considerando a complexidade dos sistemas de neu-
áveis genéticas, fatores ambientais, condicionamento rotransmissão envolvidos na neurobiologia da depen-
e nível de estresse. Por meio destas inter-relações, o dência química e no mecanismo de ação das drogas
reforço biológico pelo uso agudo da substância pode psicotrópicas, poucas são as alternativas farmacológi-
progredir para o uso compulsivo ou abusivo e para a cas para o tratamento deste transtorno.
instalação da dependência. Certamente, estes mesmos As abordagens farmacológicas da dependência quími-
fatores influenciam na retirada da substância e na ma- ca são pouco específicas para os diferentes tipos de subs-
55
tâncias e baseiam-se, principalmente, no controle das ma- todo serviço de dependência química deve ter ao menos
nifestações impulsivas e compulsivas, como o craving, um psiquiatra é o reconhecimento de comorbidades psi-
tratamento dos sintomas da síndrome de abstinência e das quiátricas associadas e que surgirão no período em que
comorbidades psiquiátricas, frequentemente associadas o paciente está abstinente. Se não tratadas, levarão à re-
aos transtornos por uso de substâncias. caída. Para citar algumas das mais importantes, temos a
Para ajudar farmacologicamente um dependente depressão e ansiedade no caso do alcoolismo, transtornos
químico, devemos considerar as diferentes etapas de alimentares no caso da dependência de nicotina, depres-
um tratamento: ao interromper o uso da droga, podem são no caso da cannabis, TDAH no caso da cocaína, e
surgir sintomas de abstinência que, mesmo quando não assim por diante. Tratar a comorbidade é fundamental
ameaçam a vida, são temidos pelo paciente e podem para o sucesso. Vale lembrar que as dependências são
perpetuar o uso da droga para evitá-los. Talvez seja consideradas transtornos crônicos, devendo o paciente ser
nesta etapa que se observa mais nitidamente o valor da acompanhado por período indeterminado, assim como os
terapia farmacológica. A reposição da substância de hipertensos e diabéticos. Havendo comorbidade psiquiá-
abuso por outra que atua por mecanismos semelhantes trica, acompanhá-los torna-se ainda mais imperativo. Em
ou que, sendo a mesma substância utilizada pelo pa- termos de psicofarmacologia, entram no tratamento das
ciente, agora lhe será oferecida por outra via e por outra comorbidades todos os medicamentos de que dispõe o
pessoa (princípio importante contra o estabelecimento psiquiatra e que fogem ao escopo deste capítulo.
da dependência é o uso da droga segundo instruções Podemos classificar os medicamentos utilizados no
de um terceiro, a não autoadministração), aliviará ou tratamento da dependência química em quatro grupos: (1)
mesmo suprimirá os sintomas da retirada. Idealmente, terapias de reposição, (2) antagonistas farmacológicos,
esta substância, usada como substituição, deverá ser re- (3) agentes aversivos e (4) medicamentos anticraving.
tirada gradativamente, de forma a levar o paciente para No primeiro grupo, das terapias de reposição, temos
a situação de não uso de drogas. Ainda quando este ob- a nicotina, utilizada no tratamento do tabagismo, e a me-
jetivo não é alcançado, a redução de danos pode ser tadona, para o tratamento da dependência de opioides.
preferida ao uso indiscriminado da substância. Diga- A nicotina é um agonista farmacológico dos receptores
mos, por exemplo, que ao administrar metadona como nicotínicos, e a metadona é um agonista opioide menos
substituição da heroína, ainda que o paciente demore a potente, porém de efeito mais prolongado que os demais
conseguir a retirada também da metadona, a sociedade agentes opioidérgicos.
não estará sujeita à criminalidade associada à depen- No segundo grupo, dos antagonistas farmacológicos,
dência e o dependente estará protegido dos riscos das temos novamente medicamentos utilizados no tratamen-
injeções. A substituição da droga retirada por outra que to da dependência de opioides e nicotina, entre outros. A
suprima seus efeitos de abstinência é amplamente co- naltrexona, um antagonista opioide, e a vareniclina, um
nhecida em nosso meio quando dependentes de álcool agonista parcial colinérgico nicotínico.
recebem benzodiazepínicos para evitar a progressão O principal exemplo de agente aversivo é o dissulfi-
para quadros mais graves. ram, inibidor da enzima acetaldeído-desidrogenase, que
Passado o tratamento da intoxicação, passados ao me- metaboliza o etanol.
nos os sintomas imediatos da abstinência (sabemos que Dentre os medicamentos anticraving, estão a naltre-
sintomas sutis podem permanecer por mais de um ano), xona, também utilizada no tratamento do alcoolismo, a
surge o grande desafio que a farmacologia no estado atual bupropiona, para o tratamento do tabagismo, os antide-
de conhecimento enfrenta e de que certamente não dará pressivos inibidores seletivos da recaptação de serotoni-
conta isoladamente: manter a abstinência. Para manter na, pelo seu efeito ansiolítico, os neurolépticos sedativos
a abstinência, existem algumas opções de medicamentos e alguns anticonvulsivantes, como o topiramato, o ácido
que diminuiriam o craving, e que citamos a seguir, alguns valpróico, a gabapentina e a lamotrigina.
com maior nível de evidência científica, como o dissulfi- Concluindo, como foi inicialmente enfatizado, os me-
ram para a abstinência de álcool etílico, o naltrexone para dicamentos são apenas coadjuvantes do tratamento deste
a diminuição da quantidade de bebidas alcoólicas inge- transtorno - a dependência química - que se constitui numa
ridas, o acamprosato para a diminuição do craving pelo doença biopsicossocial. Portanto, a abordagem terapêutica
álcool, a terapia de reposição de nicotina, a bupropiona, requer necessariamente o uso concomitante de técnicas psi-
nortriptilina e vareniclina para a dependência de nicotina. cossociais de motivação para a busca do tratamento, para a
Observe que há mais opções fundamentadas para as dro- aderência ao tratamento, para sua manutenção e prevenção
gas lícitas, talvez por serem mais estudadas. No caso da de recaída. Jamais podemos esquecer que além do paciente,
cocaína, as evidências sobre a utilidade do dissulfiram fo- devemos abordar também sua família. E para completar esta
ram suficientes para sua recomendação na Inglaterra. Para rede de atenção ao dependente químico, podemos nos valer
a cannabis, o uso de um antagonista como o rimonabant também dos grupos de autoajuda, como os Alcoólicos Anô-
talvez seja uma opção. nimos e os Narcóticos Anônimos, que desempenham impor-
Entretanto, talvez o mais importante e que justifica que tante papel na intervenção deste complexo transtorno.
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Referências
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INTERVENÇÃO EM SAÚDE MENTAL
Tadeu Lemos
Pensar em intervenção na saúde deve, antes de tudo, siedade, depressão e esquizofrenia, apenas em alguns
considerar a promoção da saúde. A promoção da saúde casos de transtorno de ansiedade é possível o tratamen-
mental compreende uma série de estratégias de encora- to exclusivamente psicoterápico. Para o tratamento dos
jamento das habilidades e potencialidades de um indiví- demais transtornos, torna-se imprescindível o uso de
duo, em ambiente propício, incluindo aspectos socioeco- psicofármacos, sendo que as abordagens psicoterápi-
nômicos, de interação intra, inter e transpessoal. Assim, cas somente devem ser consideradas quando o paciente
requer ações multiprofissionais e multisetoriais – saúde, já se restabeleceu da crise (fase de agudização dos si-
emprego, educação, espiritualidade, ambiente familiar e nais e sintomas).
comunitário. Depende, portanto, de políticas públicas e Os psicofármacos são medicamentos que atuam no
de ações sociais, sejam elas governamentais ou priva- sistema nervoso central (SNC), interferindo em seu
das. Desse modo, para garantir a saúde mental coletiva, funcionamento, com a cognição e o comportamento.
devemos pensar também na integração social de grupos São utilizados por diversas especialidades médicas,
marginalizados, começando com os próprios portadores em especial pela psiquiatria e pela neurologia. Existem
de transtornos mentais, incluindo os dependentes quími- vários tipos de psicofármacos. Os principais são: os
cos, passando pelos portadores de outras doenças crô- ansiolíticos ou tranquilizantes, usados, principalmen-
nicas (hipertensão, diabete, AIDS, etc.), pelas minorias te, para o controle da ansiedade; os antidepressivos e
sociais e pelos economicamente menos favorecidos. estabilizadores do humor, para tratar transtornos de
Pensando em crianças e adolescentes, devemos humor como a depressão ou o transtorno bipolar; os
considerar o desenvolvimento psicossocial e cognitivo neurolépticos ou antipsicóticos, usados para controlar
destes e a interação familiar. Por isso, precisamos tra- as alterações da percepção, tendências agressivas, as
balhar com programas que estimulem seu desenvolvi- ilusões e as alucinações; os antiepiléticos, que contro-
mento emocional, social, cognitivo e físico. Estes pro- lam as crises epilépticas; e há ainda os anfetamínicos,
gramas devem, então, envolver não somente a criança de uso terapêutico mais restrito, como na obesidade
e o adolescente, mas também seus pais e os familiares morbidade e na hiperatividade.
que convivem de maneira muito próxima. Mães e pais Entre os psicofármacos, há substâncias que apresen-
que vivem em situação de estresse ou adversidade so- tam importante ação reforçadora e que, por isso, podem
cial precisam ser cuidados para que seus filhos não ve- causar dependência. Estas substâncias são denomina-
nham a ser vítimas deste quadro. das psicotrópicos. Englobam, além de alguns medica-
Tudo isto vale também para as escolas. As escolas mentos psicofármacos, como os benzodiazepínicos, as
devem ter currículos que facilitem a aquisição de com- drogas de abuso, legais ou não, como álcool, tabaco,
petências psicossociais, habilidades em geral, empatia, maconha, cocaína, solventes inalantes, entre outras.
comunicação, lidar com as emoções. Precisamos tam- Os psicofármacos ditos modernos surgiram após a
bém pensar na saúde mental daqueles que participam Segunda Guerra Mundial. O primeiro relato do uso do
da educação das nossas crianças e jovens. lítio para tratar mania é de 1949, prescrito por Cade. O
Pensando no adulto, consideramos, além das relações uso da clorpromazina, para reduzir sintomas psicóticos,
sociofamiliares, a questão do emprego e da satisfação foi descrito primeiramente pelos franceses Jean Delay e
profissional. Pensamos em ações preventivas para um Pierre Deniker, em 1952. Os primeiros ansiolíticos fo-
envelhecimento saudável. Afinal, a população mundial ram o meprobamato, que surgiu em 1954, e o clordia-
está envelhecendo. Estima-se que, daqui a 20 anos, te- zepóxido, de 1957, seguidos por uma ampla gama de
remos aproximadamente um bilhão e meio de idosos no benzodiazepínicos. O primeiro antidepressivo IMAO foi
planeta, sendo que estes constituirão 2/3 dos habitantes a iproniazida. Usada para tratar tuberculose, percebeu-
nos países em desenvolvimento, como o nosso Brasil. se que causava melhora no “ânimo” e surtos de euforia.
Uma vez instalado um transtorno mental, a inter- Após estudos de Crane e Kline em 1956 e 1958, respec-
venção passa necessariamente por uma avaliação psi- tivamente, passou-se a usá-la para o tratamento de de-
cofarmacológica e psicoterápica. As abordagens psico- pressão em ambiente hospitalar. O primeiro antidepres-
terápicas são de grande importância, pois aumentam a sivo tricíclico foi a imipramina, que surgiu das pesquisas
eficácia do tratamento clínico-psiquiátrico, que inclui por novos anti-histamínicos, em 1958.
o uso de medicamentos psicofármacos. Considerando Assim, ao final da década de 50, já havia repre-
os transtornos psiquiátricos de maior prevalência, an- sentantes das principais classes de psicofármacos:
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antidepressivos (imipramina e iproniazida), ansiolíti- Também utilizados em episódios agudos de mania com
cos (meprobamato e clordiazepóxido), antipsicóticos sintomas psicóticos ou agitação, no transtorno bipo-
(clorpromazina, reserpina e haloperidol) e estabiliza- lar do humor; na depressão psicótica em associação
dores de humor (lítio). com antidepressivos; em episódios psicóticos breves;
Desde então, o arsenal destes medicamentos se em psicoses induzidas por drogas; psicoses cerebrais
ampliou. Surgiram os ansiolíticos benzodiazepínicos orgânicas; no controle da agitação e da agressividade
(diazepam, lorazepam, etc.) e os antidepressivos tricí- em pacientes com retardo mental ou demência; e no
clicos, como a amitriptilina. Além destas, passou-se a tratamento do transtorno de Tourette. Podem apresen-
utilizar drogas com perfil de ação diferente das anterio- tar vários efeitos colaterais, como os efeitos extrapi-
res como, por exemplo, os antidepressivos inibidores ramidais (acatisia, distonias e discinesias), endócrinos
seletivos da recaptação de serotonina: fluoxetina, paro- (galactorreia, amenorreia, desencadeamento do diabe-
xetina, entre outros; novos ansiolíticos, como a buspi- te), hipotensão ortostática, taquicardia, sedação, sono-
rona; e novos antipsicóticos, a exemplo dos “atípicos”, lência, tonturas e ganho de peso, além de constipação
como a clozapina e a olanzapina. As novas drogas es- intestinal e disfunções sexuais. Em geral, os antipsicó-
tão cada vez mais seletivas, isto é, agem com maior ticos ditos atípicos causam menos efeitos colaterais e
especificidade nos diferentes sistemas neuronais. Há, são melhor tolerados.
portanto, uma tendência a se diminuírem os efeitos in- Nas últimas três décadas, o uso destas medicações
desejados, garantindo maior aderência ao tratamento. se disseminou amplamente, causando grande impacto
Em seguida, são descritas as três principais classes na sociedade, com grande relevância sociológica, eco-
de psicofármacos hoje utilizados na medicina: nômica e sanitária, tendo se tornado uma importante
Ansiolíticos - são as drogas especialmente utiliza- questão de saúde pública. A utilização de psicofárma-
das para controlar os sintomas ansiosos. Os principais cos tem crescido nas últimas décadas em vários países
ansiolíticos são os benzodiazepínicos. Nas últimas ocidentais e, até mesmo, em alguns países orientais.
décadas, têm cedido lugar aos antidepressivos no tra- Esse crescimento tem sido atribuído ao aumento da
tamento de muitos transtornos de ansiedade, como no frequência de diagnósticos de transtornos psiquiátricos
caso do transtorno do pânico, supracitado, e no caso na população, à introdução de novos psicofármacos no
do transtorno de ansiedade generalizada. Os ansiolíti- mercado farmacêutico e às novas indicações terapêuti-
cos são ainda utilizados na fobia social e no transtor- cas de psicofármacos já existentes.
no de ajustamento, quando existe ansiedade ou insônia
intensa, por breve período; no tratamento da insônia,
por tempo limitado; como coadjuvante no tratamento
de diferentes formas de epilepsia; no delirium tremens;
Referências
no tratamento de mania aguda; na anestesia pré-ope-
ratória, na sedação para endoscopia; entre outros. Os CORDIOLI, V. C. Psicofármacos nos transtornos men-
benzodiazepínicos podem apresentar como efeitos co- tais. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/psiq/Ca-
laterais sedação, fadiga, perda de memória, sonolência, ballo%206_8.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2010.
incoordenação motora, diminuição da atenção, da con- DUNCAN, B. B.; SCHMIDT, M. I.; GIUGLIANI,
centração e dos reflexos, com aumento do risco para E. R. J. Medicina ambulatorial: condutas de atenção
acidentes de carro ou no trabalho. Quando utilizados primária baseadas em evidências. 3. ed. Porto Alegre:
em altas doses e por período prolongado, podem causar Artmed, 2004.
dependência, especialmente os de meia-vida curta. KAPLAN, H. I.; GREBB, J. A.; SADOCK, B. J. Com-
Antidepressivos - são principalmente utilizados pêndio de psiquiatria. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
para o tratamento dos transtornos de humor, embora RIGONATTI, S. P. História dos tratamentos biológicos.
alguns tenham efeito também em transtornos ansiosos, Revista Psiquiatria Clínica, n. 31, p. 210-212, 2004.
como os inibidores da recaptação de serotonina, que
têm sido usados para tratar o Transtorno do Pânico, ou
a amitriptilina, antidepressivo tricíclico, que, em bai-
xas doses, é usada para o tratamento da fibromialgia e
de outras causas de dor crônica, por diminuir o limiar
da dor. Há três classes de antidepressivos: os IRSS, os
IMAO e os tricíclicos. Em geral, os representantes das
três classes têm boa eficácia. Os efeitos colaterais são
inúmeros e variam entre os vários medicamentos.
Antipsicóticos ou neurolépticos - são os psicofár-
macos utilizados para tratar os transtornos psicóticos,
como a esquizofrenia ou os transtornos delirantes.
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TRANSTORNOS DE SAÚDE MENTAL
Tadeu Lemos
Rafael Goulart
Saúde mental é um componente essencial da saúde ser considerada um transtorno quando tais sintomas
pública. A dimensão positiva da saúde mental é reforça- não desaparecem espontaneamente, são desproporcio-
da no próprio conceito de saúde da Organização Mun- nais à situação ou ao evento que os desencadeou ou
dial de Saúde (OMS): saúde é um estado de completo este inexiste, quando o sofrimento é acentuado, com-
bem-estar físico, mental e social, e não somente a au- prometendo as rotinas diárias ou as relações interpes-
sência de doença. Um estado de bem-estar mental, ou soais. A depressão foi estimada como a quarta causa
saúde mental, consiste na capacidade de desenvolver- de incapacidade nos anos 90 e estima-se que em 2020
mos e executarmos nossas habilidades, na nossa capa- será a principal causa nos países em desenvolvimento.
cidade de lidarmos com fatores estressantes, de sermos Em diversos países, estimou-se que a prevalência de
produtivos e contribuirmos também para o bem-estar transtornos depressivos em pacientes de cuidados pri-
daqueles que nos cercam e da nossa comunidade. mários é maior que 10%. Na população geral, varia de
Os transtornos de saúde mental ou transtornos men- 3 a 11%. Um estudo multicêntrico demonstrou que no
tais mais frequentes na população em geral são os de Brasil há grande variação da prevalência de depressão,
ansiedade, os depressivos e os psicóticos. entre 3% (São Paulo e Brasília) a 10% (Porto Alegre).
Os transtornos de ansiedade são os mais comumen- São considerados psicóticos os transtornos nos quais
te encontrados na atenção primária. É importante sa- a pessoa não consegue diferenciar o que é real e o que
ber diferenciá-los da ansiedade fisiológica que, como é imaginário. Diz-se que há, portanto, uma “perda de
sintoma isoladamente, de leve a moderada intensida- contato com a realidade”. É comum pessoas com psi-
de, apresenta alta prevalência, em torno de 50 a 60%. cose apresentarem alucinações, como ouvirem vozes,
Constitui-se numa experiência humana universal, que sentirem cheiros, perceberem gostos e outras sensações
ocorre em resposta a situações de perigo ou ameaças que não existem. Pode-se também perceber nestes pa-
reais, bem como ao estresse e desafios da vida. Passa- cientes a presença de delírios, isto é, formação de ideias
se a considerá-la patológica quando se apresenta como e crenças estranhas e particulares, como crer que é um
uma emoção desagradável ou incômoda, com aumento novo messias e que irá salvar a humanidade; ou delí-
da intensidade, duração e frequência, sem estímulo ex- rios paranoides, como desconfiar exageradamente das
terno apropriado ou proporcional para explicá-la, com pessoas ou pensar que existe um grande complô à sua
prejuízo de desempenho social e profissional da pes- volta para prejudicá-lo. Outras alterações perceptíveis
soa. Nos EUA, estima-se que no período de um ano, nas psicoses são as dificuldades em organizar o pensa-
17% da população apresenta sintomas de ansiedade mento. A pessoa pode contar histórias desconexas ou
que poderiam ser caracterizados como um transtorno. mudar de assunto no meio de uma ideia. Além destas
Os principais transtornos de ansiedade são os transtor- características típicas, pode haver alterações de humor,
nos do pânico, obsessivo-compulsivo e as fobias. Além como perda de interesse pela vida, falta de objetivos;
destes, há o transtorno de estresse pós-traumático, a re- alterações de conduta como agitação e agressividade;
ação aguda ao estresse, a ansiedade generalizada e os afetividade inapropriada como, por exemplo, rir ao fa-
transtornos de ajustamento com humor ansioso. lar de coisas muito tristes; alterações do sono e do ape-
Outra condição médica muito comum na atenção tite. Há várias causas para as psicoses, desde o uso de
primária é a depressão. Este termo tem sido utilizado substâncias como álcool e outras drogas, intoxicações,
para denominar duas coisas bem distintas. Uma delas alguns medicamentos, a doenças físicas ou psíquicas.
é o sentimento de tristeza ou infelicidade, analisado A esquizofrenia é o transtorno psicótico mais co-
por Freud em sua obra Luto e melancolia, que é uma mum. É caracterizada por apresentar sintomas como
emoção fisiológica decorrente de situações não dese- alucinações, delírios, processos de pensamentos ilógi-
jadas, perdas, insucessos, conflitos pessoais. Quando, cos ou incomuns e déficit na expressividade emocional
por exemplo, morre um ente querido, é natural a ocor- e no funcionamento psicossocial, que alteram a capaci-
rência de sentimentos de tristeza, desesperança, visões dade de trabalho e comprometem as relações interpes-
negativas de si mesmo, da realidade e do futuro. No soais por, pelo menos, um mês, segundo a OMS, ou por
entanto, são sintomas passageiros, que tendem a desa- seis meses, de acordo com a American Psychiatric As-
parecer sem auxílio médico. Porém, a depressão pode sociation (APA). Acomete cerca de 1% da população.
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Surge, normalmente, entre os 15 e os 35 anos. 90% das
pessoas em tratamento para esquizofrenia têm de 15
a 55 anos. Não há uma forma única de esquizofrenia.
Os sintomas e a evolução do quadro mantêm relação
com a classificação na qual se enquadra, podendo ser,
de acordo com o DSM-IV, paranoide, desorganizado,
catatônico, indiferenciado ou residual. Outros transtor-
nos psicóticos, menos comuns, são: o transtorno esqui-
zofreniforme, cujos sintomas são semelhantes aos da
esquizofrenia, mas não duram tempo suficiente para
serem classificados como tal; o transtorno esquizoafe-
tivo, onde se associam aos sintomas da esquizofrenia
sintomas dos transtornos de humor; o transtorno deli-
rante, semelhante à esquizofrenia, mas como sintoma
predominante, os delírios; e o transtorno psicótico bre-
ve, em que os sintomas, semelhantes aos da esquizofre-
nia, duram apenas de 1 a 30 dias.
Os transtornos ansiosos, do humor e psicóticos, aqui
apresentados, podem estar associados a outros trans-
tornos mentais e comportamentos de risco, como, por
exemplo, os transtornos por uso de substâncias e trans-
tornos de personalidade. O desenvolvimento científico
do final do século passado e nesta primeira década do
século XXI tem permitido uma melhor compreensão
desses transtornos e, consequentemente, uma aborda-
gem terapêutica mais adequada dos mesmos, como ve-
remos no capítulo seguinte.
Referências
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