06 Laroyê Pombagira Cigana NOVO
06 Laroyê Pombagira Cigana NOVO
06 Laroyê Pombagira Cigana NOVO
Revista Calundu – vol.2, n.2, jul-dez 2018
#Oriô #Optchá
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Doutoranda e Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia-UFBA; no âmbito da
pesquisa desenvolvo investigações relacionadas aos Povos e Comunidades Tradicionais, Direitos Humanos
e Políticas Públicas; [email protected].
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religiosas que ocorrem nas cerimônias a cultos demoníacos. Despacho e macumba são,
hoje, palavras que integram o vocabulário do brasileiro e que carregam uma conotação
pejorativa.
Em janeiro de 2013, devido ao trabalho do meu esposo, viemos morar na cidade
de Eunápolis/BA, localizada na Região Costa do Descobrimento, extremo sul da Bahia.
Reconheço que até este momento estava enraizada de preconceitos, e não tinha sequer
curiosidade de conhecer e pesquisar sobre o Candomblé. Contudo, ao conhecer e
conviver com os baianos, aos poucos, fui conhecendo alguns termos/palavras/gírias que
foram despertando a minha curiosidade como exemplo: “é muito axé”, orixás, oferendas,
ebó de limpeza, encruzilhada macho, encruzilhada fêmea, entre outros, despertando-me
uma vontade de conhecer melhor sobre o assunto. A partir do mês de fevereiro de 2013,
começamos a passar por alguns problemas pessoais, com muita discórdia e
desentendimentos onde estava impossível dialogar. A sensação que eu tinha, era que
existia alguma coisa “oculta” que estava entre nós. Neste período, tanto eu, quanto o meu
esposo, estávamos completamente afastados da vida religiosa. A diferença era que, apesar
de não estar frequentando nenhuma religião, eu acreditava em Deus; o meu esposo ao
contrário, não acreditava mais em Deus, e dizia que a ciência estava acima de tudo. Os
problemas foram só aumentando, invadindo a vida familiar, amorosa, o trabalho e
amizades.
Diante do exposto, o meu desespero era enorme diante dos problemas. Um belo
dia, uma colega de trabalho chamada Luciana convidou-me para realizar uma consulta
com o seu “Pai de Santo”, que recebia uma pombagira de uma cigana todas as terças
feiras, e/ou o “Pai de Santo” poderia jogar os búzios. Por conseguinte, mesmo com a
minha resistência, preconceito e medo, aceitei o convite. O atendimento não foi realizado
em um “terreiro”, porque o “Pai de Santo” havia acabado de se mudar para Porto
Seguro/BA, devido ao seu trabalho profissional, e ainda não tinha um terreiro para realizar
os seus atendimentos. Assim, os atendimentos estavam sendo na residência da sua “Filha
de Santo” Luciana. No dia marcado, eu compareci e fiquei aguardando na sala de espera.
Neste momento, diversas dúvidas me passavam à cabeça, o coração acelerava, as mãos e
pés ficavam gelados, uma tremedeira incontrolável dominava o meu corpo. De repente, a
filha de santo me convida para entrar. Levantei-me lentamente, e em passos pequenos
caminhei em direção ao atendimento. Neste contexto, a minha primeira visão foi de um
homem sentado, vestido com uma saia vermelha, uma blusa colorida, diversos colares e
pulseiras, um turbante na cabeça, fumando um cigarro e tomando uma taça de cortezano.
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Em maio de 2013, sofri um acidente de carro na BR 367 entre as cidades de Porto Seguro/BA e
Eunápolis/BA. Quebrei o fêmur da perna direita em vários lugares. Tive muito conforto espiritual no
candomblé.
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daquele convite, falamos que aceitávamos. A cigana deu uma gargalhada e disse que já
sabia a resposta. Assim, solicitou que anotássemos o que era para providenciar. Em relato:
“Neste dia tem mais um casal; serão dois casamentos; as mulheres usarão roupa de cigana
e os homens roupa branca; vou precisar de uma garrafa de vinho, um pombo branco, um
lenço vermelho, um pano branco, um punhal, uma maçã, arroz, água benta de igreja,
girassol, rosas brancas e duas taças; o casamento será na beira da praia no dia 17 de maio
de 2014. Após o casamento, danço um pouco e os noivos comemoram com os convidados
comendo e bebendo, pois será minha festa”.
Ficamos muito comovidos com o convite. No decorrer das duas semanas seguintes
começamos a nos preocupar com os preparativos, pois o Pai de Santo ainda não tinha
confirmado se iria acontecer a festa da cigana. Ficamos meio perdidos devido a sua
desorganização tendo como consequência certo desânimo em dar prosseguimento ao
prometido. Quando chegou o dia 16 de maio de 2014, ele nos informou que iria adiar para
o dia 24 de maio, porque ainda precisava organizar algumas coisas. Nestas idas e vindas,
o lugar onde iria ser realizada a festa foi mudado várias vezes. Quando finalmente ele se
decidiu, chamou-nos para uma reunião, juntamente com o outro casal para acertar os
ajustes. A reunião foi realizada no dia 21 de maio de 2014 na residência do Pai de Santo
que tinha acabado de se mudar para cidade de Eunápolis/BA. Assim sendo, no dia e
horário marcado, comparecemos. O mesmo nos perguntou o que estávamos pensando.
Falamos que estávamos aguardando a sua orientação, pois não sabíamos como seria a
festa nem a cerimônia. O mesmo nos disse que nós juntamente com o outro casal teríamos
de arcar com as despesas de toda a festa para aproximadamente 20 a 30 pessoas. E
começou a dizer que a festa da cigana seria realizada em Arraial D´Ajuda, em Porto
Seguro/BA, em frente ao hotel Ancoradouro, em uma barraca de frente para praia. Em
relato: “Vocês vão comprar as frutas, bebidas, um bolo e os ingredientes para fazer um
caldo”. Eu disse que não estava entendendo o porquê teríamos de arcar com toda a festa
dela; que, pelo que eu tinha entendido, a festa dela iria acontecer independente da
cerimônia, e que ela iria aproveitar o momento para realizar o casamento. Disse ainda que
a Cigana Hila tinha falado que iríamos arcar apenas com as despesas da cerimônia, e não
com a festa toda. Além do mais, teríamos de arrumar lugar para dormir, já que o evento
seria à noite e em outra cidade.
Diante dos meus questionamentos, ele resolveu dividir as coisas e arcar com
algumas despesas. Observamos que ele queria transferir a responsabilidade dele de
realizar a festa para nós. Após a divisão de tarefas, nos organizamos para comprar os
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Nome dado de acordo com a nação do candomblé para um cargo feminino de grande valor que não entra
em transe.
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