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Professor Dr.

Silvio Ruiz Paradiso

II
O TEATRO INGLÊS: WILLIAM

UNIDADE
SHAKESPEARE – VIDA E
OBRA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Entender o contexto histórico da Inglaterra renascentista e seus
principais dramaturgos.
■■ Estudar a biografia de William Shakespeare.
■■ Analisar a poesia shakespeariana e os elementos principais do seu
teatro.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A Inglaterra Renascentista e sua dramaturgia
■■ Os principais dramaturgos ingleses do século XV
■■ William Shakespeare: vida e obra
■■ O soneto shakespeariano
■■ O teatro shakespeariano
61

INTRODUÇÃO

O Renascimento ou Renascença é o termo que usamos para o período da História


que compreende o fim do século XIV e meados do século XVI.
Um dos momentos que marcaram a transição do mundo medieval para a
Renascença foi a tomada de Constantinopla pelos turcos (mouros), em 1453,
levando vários estudiosos e intelectuais gregos a se refugiarem na Itália, levando
com eles os ideais Clássicos do Mundo Antigo (PRIESTLEY, 1983, p.104). Essa
revitalização do pensamento clássico, aliada com o antropocentrismo (em cho-
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que com o teocentrismo do medievo), com o desenvolvimento dos sistemas


bancários, a Reforma Protestante, o nascimento da imprensa, a emergência da
classe mercantil e as viagens do descobrimento, deram o pano de fundo para
um dos períodos mais importantes da literatura em Língua Inglesa: o período
Elisabetano, em homenagem à Rainha Elizabeth e à época de ouro da Inglaterra.
Para chegarmos ao reinado de Elizabeth e, consequentemente, ao auge do
teatro da época, teremos que fazer um breve regresso a três momentos importan-
tes: A Guerra das Rosas (1455-1485), a Reforma Protestante (1517) e A Guerra
Anglo-Espanhola (1585-1604). Tais momentos contribuíram para criar uma men-
talidade altamente patriótica e imperialista. Tanto que tal mentalidade será tema
recorrente nas peças de William Shakespeare (tema desta unidade) desde sua pri-
meira obra, Titus Andronicus (1588?1593), até sua última, The Tempest (1611).

Introdução
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A INGLATERRA RENASCENTISTA E SUA DRAMATURGIA

O contexto do teatro elisabetano se deu em meio a três momentos importantes


do século XV e XVI: A Guerra das Rosas (1455-1485), a Reforma Protestante
(1517) e A Guerra Anglo-Espanhola (1585-1604).
A Guerra das Rosas (1455-1485) foi uma luta dinástica pelo trono inglês,
durante os reinados de Henrique VI da Inglaterra, Eduardo IV e Ricardo III,
cuja batalha era travada pelas famílias de York e Lencastre, culminando pela
vitória dos Tudors.

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Com a derrota de Ricardo III, e consequentemente, de toda sua tradição,
Henrique Tudor com mãos de ferro reinou sob o título de Henrique VII. Seu
filho, Henrique VIII (1509-1547), foi um personagem marcante na história mun-
dial. Foi o segundo rei da dinastia Tudor, e um homem símbolo da mentalidade
Renascentista.
Henrique VIII fez de sua corte um centro artístico e intelectual, afinal, era
músico, compositor e poeta, tendo como uma das obras a balada The Kynges
Ballade. Esportista nato, era conhecido pelo fervor religioso, dedicando-se dia-
riamente à fé católica, com a qual mais tarde iria romper laços.
Henrique foi conhecido pelos seus inúmeros casamentos – seis no total –
sendo o mais famoso e polêmico deles com a amante Ana Boleña.
Casado com Catarina de Aragão, Henrique desejava um herdeiro homem
ao trono inglês. Todavia, Catarina engravidara setes vezes, tendo apenas uma
filha viva, Mary. Descontente, Henrique tenta se divorciar da esposa e casar com
a amante, Ana Boleña, que lhe prometera um herdeiro homem.
Querendo cancelar o antigo matrimônio, Henrique VIII fez mudanças sig-
nificativas dentro da Igreja Católica na Inglaterra, mas nada adiantou. O Papa
Clemente VII se recusa a autorizar o novo casamento e a destituição do antigo,
mas mesmo assim, o monarca inglês casa-se em segredo com a amante. Em
retaliação, Clemente VII excomunga Henrique e Ana em 11 de julho de 1533,
fazendo com que o rei rompesse definitivamente os laços com a Igreja de Roma.
Aproveitando o Movimento Protestante, cria a Igreja da Inglaterra (England
Church), ou o Anglicanismo.
Henrique fecha todos os mosteiros católicos, destitui bispos e promulga o

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


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Ato de Supremacia (Act of Supremacy), declarando que “o Rei era o único Chefe
Supremo na Terra da Igreja da Inglaterra”.
O Rei Henrique VIII se aproveita de um movimento em expansão pela
Europa a fim de criar sua nova religião. Esse movimento ficaria conhecido como
a Reforma Protestante.
A Reforma foi um movimento iniciado no início do século XVI por Martinho
Lutero, através da publicação de suas 95 teses (1517) na porta da Catedral de
Wittenberg. Tais teses criticavam diversos pontos da doutrina da Igreja Católica
Romana, propondo uma ‘reforma’.
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Lutero foi apoiado e seguido por vários outros pensadores protestantes que
também fundariam novas doutrinas, tais como João Calvino na Suíça, John Knox
na Escócia, e o próprio Henrique VIII na Inglaterra.
Anos depois, já no reinado de Elizabeth I, filha de Henrique VIII, a Inglaterra
começa a ter relações divergentes com a Espanha, de Felipe II. O primeiro pro-
blema é de cunho religioso, afinal, a Inglaterra anglicana se opunha ao catolicismo
espanhol.
O segundo entrave se deu nas navegações, já que a Espanha considerava a
participação inglesa no tráfico de escravos (1562) como contrabando e ‘saque’ em
suas colônias da América Central (Índias Ocidentais). A Armada espanhola ataca
e afunda vários navios ingleses na região, iniciando o conflito diplomático. Em
contrapartida, vários navios ingleses tornam-se corsários e iniciam as estratégias
de pirataria, desmontando o montante do tesouro espanhol. A guerra deflagra
oficialmente em 1585 entre a armada inglesa e a espanhola, conhecida como
‘invencível’, com seus 130 navios. Porém, o capitão e navegador inglês Francis
Drake comandou sua armada, que saqueou São Domingo, Cartagena das Índias,
e San Agustín, destruindo a até então ‘invencível’ armada espanhola. Os ingleses
saíram vitoriosos, expondo a Inglaterra como soberana dos mares ocidentais.
Portanto, os três momentos importantes citados: a Guerra das Rosas (1455-
1485), a Reforma Protestante (1517) e a Guerra Anglo-Espanhola (1585-1604),
contribuíram para criar uma mentalidade altamente patriótica e imperialista.
Tanto que tal mentalidade será tema recorrente nas peças de Shakespeare, desde
a sua primeira obra Titus Andronicus (1588?1593) até sua última, The Tempest
(1611).

A Inglaterra Renascentista e Sua Dramaturgia


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O renascimento e sua influência com o classicismo trouxe novamente as


comédias e tragédias, violentas e cruéis, nem sempre em harmonia com as três
unidades aristotélicas (tempo, espaço e ação).
Burgess (1996, pp. 64-70) cita que os primeiros dramaturgos ingleses se espe-
cializaram em peças religiosas, tais como Miracle Plays (peças sobre milagres),
frequentes na Idade Média, as Mystery Plays (peças sobre ofícios; do francês
métier, e do italiano mestiere – ofício) e Morality Plays (peças sobre moralidade),
que ensinam lições morais através de alegorias.
A secularização das peças inicia-se com foco nos conflitos pessoais den-

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tro do enredo (BURGESS, 1996, p.71), cuja presença será constante nas peças
de Shakespeare, por exemplo. Essas peças são chamadas de interlúdio (do latim
interludere), que apesar da semelhança com as peças de morality medievais, não
se focam no tom religioso. Nesse gênero, destacam-se os dramatugos John Rastell
(The Nature of the Four Elements) e John Heywood (The Four P’s) (CRAIK, 1966).
Os interlúdios eram peças independentes, encenadas também por atores inde-
pendentes, assim, da organização desses atores nascerão os grupos teatrais e o
campo para o nascimento do teatro elisabetano do século XVI:
As casas nobres têm seus grupos de atores de interlúdios [...] em bre-
ve eles irão se transformar nas companhias elisabetanas, com nomes
como Lord’s Admiral Men (“Os homens do Lord Almirante”), The King’s
men (“Os homens do rei”) e assim por diante [...] representando nos
pátios das estalagens, logo irão transformar esses pátios em teatros per-
manentes (BURGESS, 1996, p.73).

A Inglaterra do século XVI era um dos lugares mais movimentados do mundo,


sendo considerada como a ‘capital’ da Europa. As ruas de paralelepípedos divi-
diam espaços entre vendedores de rua, figuras do submundo, charlatões, ratos e
atores. Alguns bairros eram conhecidos por sua heterogeneidade cultural, como
Southwark, por exemplo, que abrigou grandes teatros da época, como The Swan
e o The Globe.
A regularização do teatro dificultou as encenações em pousadas, necessitando
assim da construção de locais próprios. O primeiro teatro inglês fora constru-
ído em 1576, chamado The Theatre. Anos depois, surgem The Curtain, The Rose,
The Swan e The Globe, construído em 1599 por Richard Burbage, amigo e do
qual William Shakespeare seria sócio. Apesar da construção dos teatros, estes

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


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seguiam uma arquitetura bem parecida com as estalagens e pousadas: tinham


formato poligonal ou circular sem teto, construídos em madeira, tinham palco
que avançava até a metade do saguão, de modo que o público que o cercava em
seus três lados pudesse ter boa visibilidade.
Havia divisões de lugares, as arquiban-
cadas costumavam ser da plebe e a frente,
o camarote da aristocracia. As divisões
entre ricos e pobres era latente, da mesma
forma que entre os homens e as mulheres,
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que raramente podiam assistir as peças,


mas nunca representá-las. Os atores sem-
pre eram homens de vida simples. Eram,
por vezes, desprezados pela sociedade por
serem considerados ‘dissimulados’. Essa
fase de ouro da dramaturgia inglesa se encerra em 1642, com o fechamento dos
teatros por ordem do Parlamento.

Fonte: [https://encrypted-tbn1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQ8M2vg39UucpAL71eGa5VvkyO7bU
o4tRAjIMLRY-9u0EyOyYuEhQ]

A Inglaterra Renascentista e Sua Dramaturgia


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Alguns nomes do teatro inglês do período Elizabetano e Jacobino:


• Benjamin “Ben” Jonson: Dramaturgo, poeta, crítico literário e ator. Um
dos maiores dramaturgos após Shakespeare.
• Christopher Marlowe: Dramaturgo contemporâneo a Shakespeare.
Um dos mais importantes do período.
• Edward Alleyn: Foi o ator preferido de Marlowe.
• Nathan Field: Ator e poeta, foi pupilo de Ben.
• Richard Burbage: Um dos atores mais famosos da época. Burbage en-

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cenou os grandes protagonistas de Shakespeare, como Romeu, Obe-
ron, Hamlet, Macbeth e Lear.
• Richard Tarlton: Foi o ator que encenou o bobo de King Lear. Era mú-
sico.
• John Fletcher: Dramaturgo, ator e pupilo de Shakespeare. Considerado
por muitos seu sucessor.
• Francis Beaumont: Dramaturgo e colaborador de John Fletcher.

OS PRINCIPAIS DRAMATURGOS INGLESES DO


SÉCULO XV

Vários foram os dramaturgos desse período, como já citado, além de nomes


como Nicholas Udall, George Peele, John Lyly e Robert Greene, por exemplo.
Todavia, iremos abordar os que considero mais importantes para este
momento: Thomas Kyd, Christopher Marlowe e William Shakespeare. Esses
dramaturgos escreviam peças, divididas em obras históricas, comédias e tra-
gédias, levando ao palco as mazelas e condições humanas, as relações entre o
indivíduo e a sociedade, e até mesmo o conflito do ‘eu’.

THOMAS KYD

Nascido em Londres, em 1558, Thomas Kyd foi educado na Merchant Tailors’


School, provavelmente para seguir a mesma carreira do pai: escrivão. Kyd tinha

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


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conhecimentos de línguas latinas como o francês, italiano, espanhol e latim.


Foi reconhecido no mundo do teatro pela peça de sua autoria The Spanish
Tragedy (1590).
The Spanish Tragedy1 (A Tragédia Espanhola) é uma tragédia elisabetana
escrita por Thomas Kyd entre os anos de 1582 e 1592. A peça foi popular em sua
época, influenciando vários dramaturgos por estabelecer um novo conceito de
peça teatral na Inglaterra: a peça sobre vingança (the revenge tragedy). Hieronimo,
um corregedor do império espanhol, vê seu filho Horacio ser assassinado pelo
filho do rei, Lorenzo, o favorito de Andrea, a mulher que ama o herdeiro do trono.
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Traído pelo governo que serve, Hieronimo decide emprenhar uma grande vin-
gança contra toda a cúpula do poder. Muitos elementos dentro de The Spanish
Tragedy, como um fantasma clamar vingança e a estratégia de “peça dentro de
uma peça” (play-within-a-play) aparecem em Hamlet, de Shakespeare.

Fonte: o autor

Além dela, escreveu King Leir, e provavelmente, Arden of Feversham e Edward


III, ainda que estas estejam na lista de apócrifos de Shakespeare.

1 Peça completa em: <http://www.elizabethanauthors.org/span1.htm>.

Os Principais Dramaturgos Ingleses do Século Xv


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Um fato interessante sobre Kyd é que é atribuída a ele uma peça chamada
“Ur-Hamlet”, precursora da peça shakespeariana Hamlet (JENKINS, 1982).

Se Shakespeare foi acusado de ‘tomar’ a ideia de Kyd em relação a Hamlet,


estudiosos garantem que A Tragédia Espanhola, de Kyd, pode ter sido escri-
ta por Shakespeare ou, no mínimo, editada por ele. Abaixo, dois interessan-
tes artigos em periódicos sobre o assunto:

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<http://m.noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2013/08/16/a-tragedia-
-espanhola-de-shakespeare.htm>.
<http://veja.abril.com.br/blog/meus-livros/classicos-2/shakespeare-escre-
veu-parte-de-peca-de-thomas-kyd-diz-estudo/>.

O sucesso das peças de Kyd, principalmente The Spanish Tragedy, se espalhou pela
Europa em países como a Alemanha, por exemplo. Tão grande fora a influência
de seu trabalho dramático lá, que Kyd foi um dos dramaturgos mais pesquisa-
dos na Alemanha, durante o século XIX.
Entre os anos de 1587 a 1593, Kyd serviu nobres, sendo secretário de alguns.
No final do ano de 1593, uma lei inglesa previa a prisão de autores considerados
hereges. Kyd foi preso e torturado. Após ser liberto, Kyd nunca mais conseguiu tra-
balhar entre a nobreza, visto que seu nome estava sendo associado ao “ateísmo”. Seu
último trabalho foi Cornelia (1594), falecendo no mesmo ano, com 35 anos de idade.

CHRISTOPHER MARLOWE

Provavelmente, Christopher Marlowe nasceu em 1564 (batizado em 26 de feve-


reiro), na cidade de Canterbury. Filho de um sapateiro, John Marlowe, e de sua
esposa Catherine, iniciou os estudos na King’s School e, mais tarde, ganhou uma
bolsa para estudar em Corpus Christi College, em Cambridge, onde recebeu o
bacharel em Master of Arts (Letras e Belas Artes).

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


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Christopher Marlowe

Fonte: [http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/36/Portrait_of_Christopher_Marlowe.png]

Todavia, na universidade, foi impedido de receber o título, pois fora acusado de


ser católico. Porém, o Privy Council (Conselho Privado inglês), ao perceber sua
genialidade, enviou uma carta ao colégio, permitindo sua aprovação.
Já em Londres, em 1587, escreveu peças teatrais enquanto trabalhava para o
governo. Sua primeira peça teatral seria Dido, Queen of Carthage, escrita ainda
enquanto estava em Cambridge. A peça foi encenada por um grupo teatral cha-
mado Children of the Chapel, entre os anos de 1587 e 1593. A sua segunda peça,
Tamburlaine the Great (1587; 1590), foi a primeira, no entanto, encenada nos tea-
tros londrinos. Alguns críticos (BEVINGTON, 1965; GECKLE, 1988) afirmam
que Tamburlaine the Great, juntamente com The Spanish Tragedy, de Kyd, ini-
ciou a fase dourada do teatro elisabetano.

Os Principais Dramaturgos Ingleses do Século Xv


70 UNIDADE II

Não se sabe ao certo qual tipo de serviço era realizado por Marlowe ao go-
verno da Inglaterra. Entretanto, uma carta do Privy Council enviada a Cam-
bridge possibilita uma teoria de que Marlowe tornara-se agente secreto a
serviço de Sir Francis Walsingham, chefe da Inteligência Secreta da Rainha.
Não há nenhuma evidência concreta que apoie tal teoria, mas a carta sugere
claramente que Marlowe estava servindo o governo de forma secreta.

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Seguindo registros de Cambridge, podemos perceber que Marlowe teve
várias ausências prolongadas da universidade, tempo esse muito maior ao
permitido pelos regulamentos da universidade. As folhas de pagamento
indicam que Marlowe gastou excessivamente, muito mais do que poderia,
através apenas de sua bolsa educacional. Será que Christopher Marlowe te-
ria uma renda extra como agente secreto do governo?

WILLIAM SHAKESPEARE: VIDA E OBRA

Harold Bloom, crítico literário estadunidense, em sua obra O Cânone Ocidental


(The Western Canon), coloca William
Shakespeare como o maior nome da lite-
ratura do Ocidente, o centro do cânone, “o
maior escritor que já conhecemos” (2010,
p.13). Não é exagero, afinal, Shakespeare era
além de seu tempo, um autor de vasto e cria-
tivo vocabulário, sensível aos sentimentos
humanos, fossem eles bons ou maus, além de
ser um dos escritores que melhor conseguiu
criar um personagem, a partir de descrições
físicas e psicológicas, a qual Bloom chama de
originalidade criadora (2010, p.17).

William Shakespeare

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


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A casa de W. Shakespeare em Stratford-Upon-Avon

William Shakespeare nasceu em Stratford-Upon-Avon, uma cidade aos arredores


de Londres, em 23 de abril de 1564, e faleceu em seu aniversário de cinquenta e
dois anos, 23 de abril de 1616. Em um período de 23 anos escreveu 154 sonetos,
duas narrativas poéticas e 38 peças, sendo assim conhecido internacionalmente
como The Bard (O Bardo2).
Seus pais, John Shakespeare, um luveiro e comerciante de lã, e Mary Arden,
uma rica fazendeira da região, deram a William a educação vigente, além de um
apredizado acerca ao ofício familiar. Segundo Mackay (1992, p.4), Shakespeare
abandou a escola aos quinze anos, idade que os garotos começavam a trabalhar.
Durante os anos na escola (Free Grammar School), aprendeu o latim e prova-
velmente não teve contato com muitos livros, um artefato caríssimo na época.
Em 28 de novembro de 1582, aos dezoito anos de idade, Shakespeare casa-
se com Anne Hathaway, que seis meses depois lhe dá a primeira filha, Susanna.
Entre os anos de 1582 (casamento) e 1589 (sua entrada em um grupo de atores)
muitos críticos literários e pesquisadores desconhecem o paradeiro e a biogra-
fia do dramaturgo, o que se sabe é que nestes sete anos, conhecidos como the
lost years (os anos perdidos), Shakespeare teria tido mais dois filhos, os gêmeos
Judith e Hamnet, e escrito Titus Andronicus, sua primeira peça.

2 Grande trovador.

William Shakespeare: Vida e Obra


72 UNIDADE II

Após a primeira peça teatral, Shakespeare inicia uma bem-sucedida car-


reira na dramaturgia inglesa, tornando-se sócio da companhia teatral da qual fez
parte, The Lord Chamberlain’s Men. Após a morte da Rainha Elizabeth, em 1603,
a companhia foi patronada pelo Rei James I, mudando o nome para Companhia
teatral The King’s Men.
Em 1599, Shakespeare comprou um teatro, ao sul do rio Thames. O teatro
foi chamado de Globe (devido à sua forma). Alguns documentos sugerem que
este investimento de Shakespeare, junto com sua propriedade intelectual, o fez
um homem muito rico, exceção para os padrões da época.

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Há pouco registro sobre a vida pessoal do Bardo, o que gerou várias espe-
culações sobre sua vida, como acusações de plágio, homossexualidade e dupla
militância religiosa. Shakespeare retorna a Stratford em 1613, morrendo três
anos depois.








O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


73

SUA OBRA

Long Poems (Narrativa poética ou longos poemas)


■■ Entre os anos de 1593 e 1594, época da Peste, os teatros foram fechados, e
assim, Shakespeare dedicou-se a dois poemas, Venus and Adonis (Vênus
e Adônis), A Lover’s Complaint (Uma Queixa de um Amante) e The Rape
of Lucrece (O Estupro de Lucrécia).
Sonnets (Sonetos)
■■ A obra Sonnets (1609) é uma coletânea de todos os seus sonetos, 154 ao
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todo, escritos durante toda a sua carreira literária.


■■ Esta obra foi dedicada a uma enigmática figura, conhecida como “Mr. WH”.

TO. THE. ONLY. BEGETTER. OF.


THESE. ENSUING. SONNETS.
Mr. W.H. ALL HAPPINESS.
AND. THAT. ETERNITY.
PROMISED.
BY.
OUR. EVER-LASTING. POET.
WISHETH.
THE. WELL-WISHING.
ADVENTURER. IN.
SETTING.
FORTH.
T.T.
Dedicatória3
Fonte: BURROW, Colin. William Shakespeare: Complete Sonnets and Poems. Oxford University Press,
2002.

3 A dedicatória foi escrita em caixa alta, por retomar as inscrições em pedras da Roma Antiga. Essa relação
é simbólica, pois possibilita relacionar os sonetos às inscrições em pedras, dando-lhes uma áurea de
imortalidade.

Sua Obra
74 UNIDADE II

Ao publicar a compilação desses sonetos, o editor, Thomas Thorpe, deseja ao


homem que inspirou Shakespeare a eterna felicidade e fama prometida pelo
Bardo. A identidade do Mr. W.H. é desconhecida, mas seria provavelmente
o mesmo “fair youth” e “lovely boy” dos poemas. Estudiosos (BOYD, 2005;
SCHOENBAUM, 1977) acreditam que possa ser seu patrono, Wriothesly Henry,
conde de Southampton.

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O SONETO SHAKESPEARIANO

O soneto inglês também é conhecido como soneto shakespeariano, apesar de


sua forma ter sido criada por Spenser, Howard ou Waytt (JORGE, 1966, p.127;
LIMA, 1987, p.176). Sendo diferenciado pela forma do soneto italiano ou petrar-
quiano (composto de dois quartetos e dois tercetos), o de Shakespeare é composto
por três quartetos e um dístico.
Não se sabe ao certo o número exato da obra poética de Shakespeare, é
comum contabilizar 154 sonetos (PRIESTLEY, 1963a, p.11), a partir da própria
publicação do autor, a coletânea Sonnets, em 1609.
Grande parte baseia-se em um eu lírico que endereça seus sentimentos a
uma misteriosa mulher (dark lady), a um rapaz (fair youth), e até mesmo a um
poeta rival (rival poet), tendo temas diversos como o amor, a beleza, efemeri-
dade e as mazelas da vida e até mesmo a política.
Os dezessete primeiros sonetos são dirigidos a um jovem rapaz, tendo como
foco o incentivo ao casamento e à platônica procriação. Justamente, é com o nome
de procreation sonnets (sonetos da procriação) que esta sequência é denominada.
Já os sonetos 18 ao 126 são destinados ao mesmo jovem, porém ressaltando
agora apenas o amor. Do 127 ao 152, os sonetos abordam temas como luxúria
e infidelidade. Os dois últimos sonetos são alegóricos. Na sequência, conhecida
como “fair youth” ainda há a presença de sonetos cujo foco é o “rival poet”, pro-
vavelmente, Marlowe.
Suas estruturas baseiam-se em 14 versos decassílabos (dez sílabas poéticas),

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


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utilizando o pentâmetro iâmbico. Sendo 12 versos divididos por dois espa-


ços, dando-lhe a forma de três quartetos e dois versos, isto é, o dístico final,
também chamado de ‘couplet’. Os seis primeiros pares de rimas são cruzados
(ABABCDCDEFEF) e um par de rimas emparelhadas (GG), representando o
dístico (couplet). Não há títulos para os sonetos, apenas a numeração em alga-
rismos romanos. Ex.:

SONNET I
From fairest creatures we desire increase A
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That thereby beauty’s rose might never die B


But as the riper should by time decease, A
His tender heir might bear his memory: B

But thou contracted to thine own bright eyes C


Feed’st thy light’s flame with self-substantial fuel D
Making a famine where abundance lies, C
Thy self thy foe, to thy sweet self too cruel: D

Thou that art now the world’s fresh ornament, E


And only herald to the gaudy spring, F
Within thine own bud buriest thy content, E
And, tender churl, mak’st waste in niggarding: F

Pity the world, or else this glutton be, G


To eat the world’s due, by the grave and thee. G

O Soneto Shakespeariano
76 UNIDADE II

TRADUÇÃO SONETO 11

Dentre os mais belos seres que desejamos enaltecer,


Jamais venha a rosa da beleza a fenecer,
Porém mais madura com o tempo desfaleça,
Seu suave herdeiro ostentará a sua lembrança;

Mas tu, contrito aos teus olhos claros,


Alimenta a chama de tua luz com teu próprio alento,
Atraindo a fome onde grassa a abundância;
Tu, teu próprio inimigo, és cruel demais para contigo.

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Tu, que hoje és o esplendor do mundo,
Que em galhardia anuncia a primavera,
Em teu botão enterraste a tua alegria,
E, caro bugre, assim te desperdiças rindo.

Tem dó do mundo, ou sê seu glutão –


Devora o que cabe a ele, junto a ti e à tua tumba.

Pentâmetro iâmbico (ou jâmbico), em inglês, iambic pentameter, é um tipo


de métrica utilizado na poesia e no drama, principalmente inglês. O rítmo
desta métrica é medido em pequenos grupos de sílabas chamados feet (pé).
O termo iâmbico descreve o tipo de pé, e pentâmetro que o verso tem cinco
pés. Um pé iâmbico é formado por duas sílabas, sendo a primeira átona ( X )
e a segunda tônica ( / ). Ex:

X / X /
OU
Win - -ter More Love

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


77

Pentâmetro iâmbico é, portanto, um verso composto por cinco pares iâmbi-


cos, ou seja, uma sílaba poética átona, seguida de uma tônica, a cada cinco
vezes seguidas até formar o verso decassílabo. Ex.:
“Thou art more lovely and more temperate”

X / X / X / X / X /

Thou Art More love- - ly And more tem- -pe- -rate

O pentâmetro iâmbico é muito comum na língua inglesa, visto que o idioma


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inglês possui muitos monosssílabos e dissílabos.


Há algumas variações do pentâmetro iâmbico. Em alguns casos, o início do
verso não é um iambo (iamb), o que chamamos de inversão. Por exemplo,
observe um pentâmetro iâmbico invertido na peça Richard III (Ricardo III):
“Now is the winter of our discontent” (RICHARD III, act I, scene i)

/ X X / X / X / X /
Now Is The win- -ter Of our dis- -con- -tent

Outra variação, chamada feminine ending (final feminino), é quando há


uma adição de uma sílaba átona (weak; fraca) no final do verso. O poema de
Edgar Allan Poe, The Raven (O Corvo), explora várias rimas finais femininas.
Porém, é no verso mais famoso de Shakespeare que observamos um femi-
nine ending:
“To be or not to be, that is the question” (HAMLET, Act III, scene i)

X / X / X / / X X / X
To Be Or Not To Be that is the Ques tion

Todavia, a métrica do soneto de Shakespeare tem suas exceções, que podemos


observar nos sonetos 99, 126 e 145.
O mais famoso soneto shakespeariano é o XVIII. Nele observamos a capaci-
dade criativa de Shakespeare em retratar seu “fair youth”, além da sua magistral
descrição da ideia de imortalidade. Devo lembrá-lo(a) que toda a sequência de

O Soneto Shakespeariano
78 UNIDADE II

sonetos, do I ao CXXVI, são destinados ao “fair youth”, o jovem rapaz a quem

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alguns acreditam ser um amante de Shakespeare.
Neste soneto (18) observamos temas interessantes, como a imortalidade da
poesia e da juventude, vista na possibilidade das palavras (do poema) poderem
guardar sentimentos para sempre. Nele, revela que seu amor viverá para sempre
através do poema. Inclusive, a ideia da imortalidade através da palavra escrita é
tema dos sonetos 15, 16 e 17.
Soneto 18

SONNET XVIII
Shall I compare thee to a summer’s day?
Thou art more lovely and more temperate;
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer’s lease hath all too short a date;

Sometime too hot the eye of heaven shines,


And often is his gold complexion dimm’d;
And every fair from fair sometime declines,
By chance or nature’s changing course untrimm’d;

But thy eternal summer shall not fade,


Nor lose possession of that fair thou ow’st;
Nor shall Death brag thou wander’st in his shade,
When in eternal lines to time thou grow’st:

So long as men can breathe or eyes can see,


So long lives this, and this gives life to thee.

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


79

SONETO 18
Como hei de comparar-te a um dia de verão?
És muito mais belo e mais ameno:
Os ventos sopram os doces botões de maio,
E o verão finda antes que possamos começá-lo:

Por vezes, o sol lança seus cálidos raios,


Ou esconde o rosto dourado sob a névoa;
E tudo que é belo um dia acaba,
Seja pelo acaso ou por sua natureza;
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Mas teu eterno verão jamais se extingue,


Nem perde o frescor que só tu possuis;
Nem a Morte virá arrastar-te sob a sombra,
Quando os versos te elevarem à eternidade:

Enquanto a humanidade puder respirar e ver,


Viverá meu canto, e ele te fará viver.

No soneto 184, o ‘belo rapaz’ é comparado com um dia de verão, bem como com
o que essa estação tem de melhor: brotos de maio (buds of May), seu calor (too
hot), sua beleza (fair) etc.
O soneto inicia com um questionamento: “Shall I compare thee to a sum-
mer’s day?”, em seguida o responde: “more lovely and more temperate”, ou seja, o
eu lírico deixa claro que seu amado não pode ser comparado, pois é ‘mais’ que o
dia de verão, superior a ele. Tal assertiva é confirmada pelo uso do termo ‘more’.
Em seguida, há algumas referências aos atributos ‘negativos’ do verão, como
seu calor intenso como o próprio sol (eye of heaven) e seu curto período. Porém,
determina que a beleza de seu amado vá durar eternamente, pois está preservado no
poema: “So long as men can breathe, or eyes can see, So long lives this, and this gives
life to thee”. Ou seja, enquanto houver leitores das palavras que descrevem esse amor
e beleza, esse próprio amor e beleza serão lembrados e relembrados para sempre.
Apesar disso, em nenhum momento do poema há uma descrição direta ao
amado. Mas por que esse soneto é considerado um dos mais importantes de
Shakespeare? Pois é o primeiro soneto após os chamados “sonetos de procriação”
(sonetos I – XVII), nele o eu lírico abandona o seu ideal platônico e intangível
de com seu amado ter um filho.

4 Traduções de Thereza Christina Motta (2009). O Soneto Shakespeariano


80 UNIDADE II

No soneto 205, o narrador se lamenta explicitamente de que o jovem não


seja uma mulher:

SONNET XX
A woman’s face, with nature’s own hand painted,
Hast thou, the master-mistress of my passion;
A woman’s gentle heart, but not acquainted
With shifting change, as is false women’s fashion;
An eye more bright than theirs, less false in rolling,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Gilding the object whereupon it gazeth;
A man in hue, all hues in his controlling,
Which steals men’s eyes and women’s souls amazeth.
And for a woman wert thou first created,
Till nature as she wrought thee fell a-doting,
And by addition me of thee defeated,
By adding one thing to my purpose nothing.
But since she pricked thee out for women’s pleasure,
Mine be thy love, and thy love’s use their treasure.

5 Traduções de Thereza Christina Motta (2009).

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


81

SONETO 20
Tens a face de mulher pintada pelas mãos da Natureza,
Senhor e dona de minha paixão;
O coração gentil de mulher, mas avesso
Às rápidas mudanças, como a falsa moda que passa;

Um olhar mais brilhante, e mais autêntico,


A imantar tudo que contempla;
Uma cor masculina, a guardar todos os seus tons,
Rouba a atenção dos homens, e causa espanto às mulheres.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Se como mulher tivesses sido primeiro criado;


Até a Natureza, ao te conceber, caiu-lhe o queixo,
E eu, também, caído a teus pés,
Nada mais acrescento ao meu propósito.

Mas, ao te escolher para o prazer mais puro,


Teu é o meu amor e, teu uso dele, o seu tesouro.

SONNET CXXVI
O thou, my lovely boy, who in thy power
Dost hold Time’s fickle glass, his sickle, hour;
Who hast by waning grown, and therein show’st
Thy lovers withering as thy sweet self grow’st;

If Nature, sovereign mistress over wrack,


As thou goest onwards, still will pluck thee back,
She keeps thee to this purpose, that her skill
May time disgrace and wretched minutes kill.

Yet fear her, O thou minion of her pleasure!


She may detain, but not still keep, her treasure:
Her audit, though delay’d, answer’d must be,
And her quietus is to render thee.
[...]
[...]

O Soneto Shakespeariano
82 UNIDADE II

SONETO 126
Tu, adorado menino, que deténs em teu poder
A ampulheta do Tempo, a foice das horas,
Que cresceste ao vê-lo minguar, e assim mostraste
O fim dos amantes, à medida que, doce, avançavas;

Se a Natureza (senhora absoluta dos desastres)


Mesmo que te adiantes, ainda te reterás,
Ela te mantém por um motivo: com seu dom
Desgraçará o Tempo, e matará os malditos minutos.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Mas teme-a, tu, seu filho favorito,
Ela te deterá, mas não guardará o seu tesouro!
Mais cedo ou mais tarde, terás de responder-lhe,
E sua satisfação será apenas a de dominar-te.
[...]
[...]

Caro(a) acadêmico(a), perceba que é a partir do soneto 127 que se inicia a


sequência chamada “dark lady”. Nela, vemos o eu lírico apaixonado, agora, por
uma mulher morena, de olhos e cabelos negros.

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


83

SONNET CXXVII
In the old age black was not counted fair,
Or if it were, it bore not beauty’s name;
But now is black beauty’s successive heir,
And beauty slandered with a bastard shame:

For since each hand hath put on Nature’s power,


Fairing the foul with art’s false borrowed face,
Sweet beauty hath no name, no holy bower,
But is profaned, if not lives in disgrace.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Therefore my mistress’ eyes are raven black,


Her eyes so suited, and they mourners seem
At such who, not born fair, no beauty lack,
Sland’ring creation with a false esteem:

Yet so they mourn, becoming of their woe,


That every tongue says beauty should look so.

O Soneto Shakespeariano
84 UNIDADE II

SONETO 127
Em tempos remotos, o negro não era belo,
Ou se fosse, assim não seria chamado;
Mas agora surge o herdeiro da negra beleza,
E o belo está imprecado de bastardia;

Desde que as mãos detêm o poder sobre a natureza,


Embelezando a feiura com o falso rosto da arte,
A doce beleza não tem nome, nem jardim sagrado,
Vive profanada, ou caiu em desgraça.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Os olhos de minha senhora são escuros como o corvo,
Tão belos são seus olhos, e sua tristeza tão comovente,
Que, mesmo sem ser bonita, ainda é bela,
Difamando a criação com falsa estima.

Eles se entristecem com a própria aflição,


Ao ouvirem não haver beleza como a dela.

O soneto 80, além de alguns outros, faz parte do grupo chamado “rival poet son-
nets”, em que o eu lírico direciona seu discurso a falar de outro poeta, que muitos
acreditam ser Christopher Marlowe.

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


85

SONNET LXXX

O how I faint when I of you do write,


Knowing a better spirit doth use your name,
And in the praise thereof spends all his might,
To make me tongue-tied speaking of your fame.
But since your worth, wide as the ocean is,
The humble as the proudest sail doth bear,
My saucy bark, inferior far to his,
On your broad main doth willfully appear.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Your shallowest help will hold me up afloat,


Whilst he upon your soundless deep doth ride;
Or, being wracked, I am a worthless boat,
He of tall building and of goodly pride.
Then, if he thrive and I be cast away,
The worst was this: my love was my decay.

SONETO 80
Sabendo que um espírito melhor usa teu nome,
E do elogio emprega toda a força
Para fazer-me calar, ao falar de tua fama.
Mas como teu valor, vasto como o oceano,

Humilde como a vela mais valente,


Meu latido, muito inferior ao dele,
Emerge sobre as tuas correntezas.
Teu menor auxílio me manterá emerso,

Enquanto ele cavalga tuas silentes profundezas;


Ou, náufrago, sou um barco inútil,
Ele, forte, alto e orgulhoso.
Então, se ele sobreviver e eu for dispensado,

Eis o pior: meu amor selou minha ruína


Ó, como enfraqueço ao escrever sobre ti.

O Teatro Shakesperiano
86 UNIDADE II

O TEATRO SHAKESPERIANO

Plays (Peças)
Seu trabalho no teatro sofreu influências de outros dramaturgos de sua
época, em especial, Kyd e Marlowe, além do teatro medieval e grego. Dois de
seus amigos de teatro (King’s men), John Heminges e Henry Condell, publica-
ram em 1623 uma compilação póstuma da obra teatral de William Shakespeare.
Tal compilação ficou conhecida como First Folio, contendo 36 peças, divididas
em comédias, tragédias e dramas históricos.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

[http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b1/FirstFolioTOC.jpg]

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


87

COMEDIES (COMÉDIAS)

All’s Well That Ends Well Tudo Bem quando Termina Bem
As You Like It Como Gostais
The Comedy of Errors A Comédia dos Erros
Love’s Labour’s Lost Trabalhos de Amores Perdidos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Measure for Measure Medida por Medida


The Merry Wives of Windsor As Alegres Comadres de Windsor
A Midsummer Night’s Dream Sonho de uma Noite de Verão
Much Ado About Nothing Muito Barulho por Nada
The Taming of the Shrew A Megera Domada
Twelfth Night Noite de Reis
The Two Gentlemen of Verona Os Dois Cavalheiros de Verona

TRAGICOMEDIES (TRAGICOMÉDIAS)

The Tempest A Tempestade


The Merchant of Venice O Mercador de Veneza
Pericles, Prince of Tyre Péricles, Príncipe de Tiro
The Two Noble Kinsmen
The Winter’s Tale Conto do Inverno
Cymbeline Cimbelino

O Teatro Shakesperiano
88 UNIDADE II

HISTORIES (HISTÓRICAS)

King John Rei João


Richard II Ricardo II
Henry IV, Part 1 Henrique IV, Parte 1
Henry IV, Part 2 Henrique IV, Parte 2
Henry V Henrique V

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Henry VI, Part 1 Henrique VI, Parte 1
Henry VI, Part 2 Henrique VI, Parte 2
Henry VI, Part 3 Henrique VI, Parte 3
Richard III Ricardo III
Henry VIII Henrique VIII

TRAGEDIES (TRAGÉDIAS)

Romeo and Juliet Romeu e Julieta


Coriolanus Coriolano
Titus Andronicus Tito Andrônico
Timon of Athens Timão de Atenas
Julius Caesar Júlio César
Macbeth Macbeth
Hamlet Hamlet
Troilus and Cressida Tróilo e Créssida
King Lear Rei Lear
Othello Otelo, o Mouro
Antony and Cleopatra Antônio e Cleópatra

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


89

LOST PLAYS (PEÇAS CONSIDERADAS PERDIDAS)

As peças Love’s Labour’s Won e The History of Cardenio são consideradas de sua
autoria, porém perdidas.

APOCRYPHA (APÓCRIFOS)

Há peças cuja autoria é desconhecida. Alguns estudiosos consideram os textos


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

apócrifos de Shakespeare como Arden of Faversham, Edward III, A Yorkshire


Tragedy, Sir Thomas More, entre outras.

Você gostaria de saber como era um teatro elisabetano em três dimensões?


Neste link, você terá acesso à maquete do Teatro de Shakespeare – The Glo-
be, feito em papertoy – um ótimo recurso visual e didático para abordar o
teatro inglês renascentista.
<http://papertoys.com/images/globe-color.pdf>.

Fonte: papertoy.com

O Teatro Shakesperiano
90 UNIDADE II

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta Unidade, adentramos na Renascença inglesa, período da História que


compreende o fim do século XIV e meados do século XVI.
Vimos que a mentalidade pautada na revitalização do pensamento clássico,
o antropocentrismo (em choque com o teocentrismo do medievo), o desenvolvi-
mento dos sistemas bancários, a Reforma Protestante, o nascimento da imprensa,
a emergência da classe mercantil e as viagens do descobrimento foram funda-
mentais para forjar a cabeça do homem elisabetano.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Aprendemos que o reinado de Elizabeth I foi o auge do teatro da época, e
que três momentos importantes da história inglesa moldaram esse período: A
Guerra das Rosas (1455-1485), a Reforma Protestante (1517) e A Guerra Anglo-
Espanhola (1585-1604).
Estudamos a origem do teatro inglês, chegando ao seu momento ápice, o
teatro do Renascimento. Neste momento histórico, vimos grandes dramaturgos
como Thomas Kyd, Christopher Marlowe, e o maior dramaturgo de todos os
tempos, William Shakespeare. Estudamos a vida e a obra do Bardo de Stratford,
e focamo-nos em sua poética, enfatizando seus sonetos.
Estudamos que a obra Sonnets, de Shakespeare é de 1605, composta de sua
produção poética com 154 sonetos. Vimos que tais sonetos, chamados tanto de
soneto inglês como soneto shakespeariano, são diferentes do soneto italiano ou
petrarquiano (composto de dois quartetos e dois tercetos), sendo compostos por
três quartetos e um dístico. Suas estruturas baseiam-se em 14 versos decassílabos
(dez sílabas poéticas), utilizando o pentâmetro iâmbico, sendo 12 versos dividi-
dos por dois espaços, dando-lhe a forma de três quartetos e dois versos, isto é,
o dístico final, também chamado de ‘couplet’. Os seis primeiros pares de rimas
são cruzados (ABABCDCDEFEF), seguidos de um par de rimas emparelhadas
(GG), representando o dístico (couplet).
Por fim, no final da Unidade, nós adentramos ao mundo das peças teatrais
shakespearianas, que será foco de nossa próxima Unidade.

O TEATRO INGLÊS: WILLIAM SHAKESPEARE – VIDA E OBRA


91

1. Assinale a alternativa que contemple os principais fatores históricos ingleses


que contribuíram para a mentalidade do período elisabetano, e consequente-
mente, para a literatura da época.
a. A Guerra das Rosas, a Contra-Reforma Católica e a Peste Negra.
b. A Anglo-Espanhola, a Contra-Reforma Católica e A Guerra das Rosas.
c. A Guerra das Rosas, a Reforma Protestante e A Guerra Anglo-Espanhola.
d. A Descoberta da América, a Reforma Protestante e A Guerra Anglo-Espa-
nhola.
e. A Guerra das Rosas, a Reforma Protestante e Revolução Industrial.
2. Antes do período dourado do teatro inglês (século XVI), quais tipos de peças
teatrais eram apresentados? Quais conteúdos? Em sua opinião, essas peças in-
fluenciaram os dramaturgos da Renascença?
3. Você seria capaz de citar uma breve biografia da vida de William Shakespeare?
4. Elenque as principais características do soneto shakespeariano.
MATERIAL COMPLEMENTAR

As Seis Mulheres de Henrique VIII – Ed. de Bolso


Antonia Fraser
Editora: Record
Sinopse: “Divorciada, decapitada, morta, divorciada,
decapitada, sobrevivente.” Assim, as seis mulheres de Henrique
VIII – Catarina de Aragão, Ana Bolena, Jane Seymour, Ana
de Cleves, Catarina Howard e Catarina Parr – passaram a ser
popularmente conhecidas. Não tanto pelas vidas que tiveram,
mas pela maneira pela qual essas vidas acabaram. Da mesma
forma, ficaram estereotipadas como a Esposa Traída, a Tentadora, a Boa Mulher, a Irmã Feia, a Moça
Má e a Figura de Mãe. A historiadora Antonia Fraser prova de forma brilhante e conclusiva que as
mulheres de Henrique tinham personalidades fortes e sensíveis. Vítimas da obsessão do rei por um
herdeiro homem, mas não vítimas passivas, demonstraram força e inteligência. A autora abre novas
perspectivas de compreensão da vida social de um interessante período da história britânica, de 1509
a 1547.

Elizabeth I – O Anoitecer de Um Reinado


Margaret George
Editora: Margaret George
Sinopse: Em 1588, às vésperas do ataque da invencível
armada espanhola ao reino inglês, Elizabeth I, rainha da
Inglaterra, começa a contar a sua história até a sua morte
em 1603, período do seu longo reinado que constituiu a
primeira Idade de Ouro da história de seu país.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Escritores e Espiões - A Vida Secreta dos Grandes


Nomes da Literatura Mundial
Fernando Martínez Laínez
Editora: Relume Dumara
Sinopse: O livro de Fernando Martínez Laínez, Escritores e
Espiões - A Vida Secreta dos Grandes Nomes da Literatura
Mundial apresenta a nova e interessante abordagem da vida
e obra de renomados escritores mundiais. A autora defende
a tese de que 11 nomes da literatura mundial - entre eles
Francisco de Quevedo, John Carré, Cervantes, Voltaire e Defoe - foram espiões contra ou a favor de
seus países. Vale a pena dar uma ‘espiadinha’!

Shakespeare - O Mundo é um Palco


Bill Bryson
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: Com humor e descontração, mas sem descuidar
do rigor da pesquisa histórica, Bill Bryson passa a limpo
as inúmeras teorias e especulações em torno de William
Shakespeare e traça uma verdadeira história do cotidiano da
Inglaterra nos séculos XVI e XVII, ajudando a aproximar do
leitor um dos maiores gênios que a humanidade já produziu.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Neste audiobook, você poderá ouvir e ler todos os sonetos de William Shakespeare: <http://www.
youtube.com/watch?v=h2KeALDmztQ>.
Neste site, você encontra todos os sonetos de Shakespeare em versão original e em inglês
moderno: <http://nfs.sparknotes.com/sonnets/>.

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