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Associação Brasileira de Educação Musical

ISSN 2175-3172

MÚSICA
na educação básica

Vol. 3 - Número 3
Setembro de 2011
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL - ABEM

DIRETORIA NACIONAL
Presidente: Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber - UEL/PR
Vice-Presidente: Profa. Dra. Jusamara Vieira Souza - UFRGS/RS
Presidente de Honra: Prof. Dr. Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo - UDESC/SC
Primeiro Secretário: Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz - UFPB/PB
Segunda Secretária: Profa. Ms. Flavia Motoyama Narita - UNB/DF
Primeira Tesoureira: Profa. Dra. Cristiane Maria Galdino de Almeida - UFPE/PE
Segunda Tesoureira: Profa. Ms. Vania Malagutti da Silva Fialho - UEM/PR

DIRETORIAS REGIONAIS
Norte: Prof. Dr. José Ruy Henderson Filho - UEPA/PA
Nordeste: Prof. Ms. Vanildo Mousinho Marinho - UFPB/PB
Centro-Oeste: Profa. Ms. Flavia Maria Cruvinel - UFG/GO
Sudeste: Profa. Dra. Ilza Zenker Joly - UFSCAR/SP
Sul: Profa. Dra. Cláudia Ribeiro Bellochio - UFSM/RS

CONSELHO EDITORIAL
Presidente: Profa. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa - UFSM/RS
Editora da Revista MEB: Profa. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa - UFSM/RS
Editora da Revista da ABEM: Profa. Dra. Maria Cecília de Araújo Rodrigues Torres - IPA/RS
Membros do Conselho Editorial: Prof. Dr. Carlos Kater - ATRAVEZ-OSCIP/SP
Profa. Dra. Cássia Virgínia Coelho de Souza - UEM/PR
Profa. Dra. Lilia Neves Gonçalves - UFU/MG

Música na educação básica. vol. 3, n. 3.


Porto Alegre: Associação Brasileira de Educação Musical, 2011

Início out. 2009.
Anual
ISSN 2175-3172

1. Educação musical 2. Educação 3. Música

CDU 37.015:78
Ficha catalográfica elaborada por Anna Claudia da Costa Flores – CRB 10/1464 – Biblioteca Setorial do Centro de Educação/UFSM

Projeto gráfico e diagramação: Ricardo da Costa Limas


Revisão: Trema Assessoria Editorial
Ilustração da capa: Diego de los Campos
Fotolitos, impressão e acabamento: Mediação Indústria Gráfica Ltda
Tiragem: 1000 exemplares - Periodicidade: Anual
Sumário

Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Música, jogo e poesia na educação musical escolar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8


Viviane Beineke

Ecos: educação musical e meio ambiente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28


Cecília Cavalieri França

Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Balões na aula de música. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42


Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho

Minha voz, tua voz: falando e cantando na sala de aula. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56


Claudia Ribeiro Bellochio

Era uma vez... Entre sons, músicas e histórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68


Maria Cristiane Deltrégia Reys

Sonorizando histórias e discutindo a educação musical


na formação e nas práticas de pedagogas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Kelly Werle

Poemas, parlendas, fábulas, histórias e músicas na literatura infantil. . . . . . . 96


Caroline Cao Ponso

Orientações aos colaboradores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108


Contents

Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Music, game and poetry in school musical education. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8


Viviane Beineke

Echoes: music education and the environment . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28


Cecília Cavalieri França

Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Baloons in music class . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42


Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho

My voice, your voice: speaking and singing in classroom. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56


Claudia Ribeiro Bellochio

Once upon a time… Between sounds, songs and stories. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68


Maria Cristiane Deltrégia Reys

Vocalizing histories and discussing the musical education


in the formation and practices from pedagogues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Kelly Werle

Poems, nursery rhymes, fables, stories and song in children’s literature. . . . . 96


Caroline Cao Ponso

Colaborator’s instructions. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Editorial

E
m 2011 comemoramos os 20 anos da Associação Brasileira de Edu-
cação Musical ao mesmo tempo em que vislumbramos a música
participando dos currículos das escolas de educação básica. A Abem
é ampla e profundamente envolvida com a divulgação de conhecimentos
produzidos pela área e com as políticas educacionais brasileiras, especial-
mente com a implantação de práticas qualificadas, plurais, nas escolas do
país, e, com isso, tem sido referência para as práticas educacionais. Visando
contribuir com a demanda de professores que atuam nas escolas, a revista
Música na Educação Básica chega a seu terceiro número, comprometida
com as diferentes realidades de nosso país, trazendo reflexões originadas
de experiências e práticas de professores em sala de aula. Assinala-se ain-
da que em agosto passado findou-se o período destinado à adequação
das escolas de educação básica à Lei 11.769/08, a qual torna obrigatório
o ensino de música nas escolas brasileiras. Assim, a revista MEB 3 participa
desse importante período de acomodação das comunidades escolares à
rotina do ensino de música trazendo sete experiências com reflexões que
possibilitam aos educadores musicais outras formas de atuação em sala de
aula ou em diferentes espaços educativos.

Abrindo este número, Viviane Beineke (Udesc), com o artigo Música,


jogo e poesia na educação musical escolar, apresenta ao leitor o trabalho
com canções brasileiras, parlendas e trava-línguas arranjados para jogos de
copos e mãos. Através de uma abordagem marcada pela ludicidade, a au-
tora apresenta um projeto que desenvolve e reflete sobre a canção infantil
e a brincadeira em sala de aula, as quais favorecem a expressão criativa e
prazerosa das crianças no fazer musical coletivo.

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MÚSICA na educação bбsica

Ecos: educação musical e meio ambiente, de Cecília Cavalieri França


(MUS), trata de um assunto muito caro a nós professores, o tema transversal
“meio ambiente”. De modo criativo, a autora discute temas como ecologia
sonora, acústica, tecnologia e saúde a partir de atividades de apreciação,
construção de instrumentos alternativos, sonorização e criação musical, no
intuito de promover a educação da sensibilidade e o desenvolvimento éti-
co e estético dos alunos.

O terceiro trabalho, Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Balões na aula de música,


das colegas Juciane Araldi (UFPB) e Vania Malagutti Fialho (UEM), propõe
o uso de balões na aula de música. A partir da exploração de diferentes
sonoridades obtidas a partir de balões, as autoras propõem práticas que
envolvem criação, execução musical, leitura e escrita de partituras elabora-
das a partir de registros audiovisuais.

Minha voz, tua voz: falando e cantando na sala de aula, da colega Cláudia
Ribeiro Bellochio (UFSM), trata do uso da voz como mediadora das relações
entre as crianças, o professor e a música nas escolas de educação básica. A
autora discorre sobre a voz e a desafinação vocal, trazendo aos leitores “um
chumaço” de experiências envolvendo fala e canto como possibilidade de
prática musical para a sala de aula.

Os três trabalhos que seguem tratam de uma mesma temática, as his-


tórias! Presentes nos planejamentos dos professores de classe e dos edu-
cadores musicais, as propostas elaboradas a partir das histórias por si só
captam a atenção das crianças, motivando para práticas musicais variadas.
Maria Cristiane Deltregia Reys (UFSC), com o artigo Era uma vez… Entre sons,
músicas e histórias, apresenta ideias para a sala de aula a partir da sonoriza-
ção de histórias, envolvendo composição, apreciação e execução musical.
A autora ressalta que atividades que utilizam as histórias como tema para
o planejamento potencializam a articulação das diferentes linguagens ar-
tísticas.

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V. 3 N. 3 setembro de 2011

O artigo Sonorizando histórias e discutindo a educação musical na forma-


ção e nas práticas de pedagogas, de Kelly Werle (UFSM), traz contribuições
para se pensar a formação e as práticas escolares em música realizadas por
professoras de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. A
autora discorre sobre a importância das histórias no desenvolvimento da
criança e a necessidade de serem desafiadas no sentido de explorarem as
sonoridades dos objetos disponibilizados.

Encerrando este número, Poemas, parlendas, fábulas, histórias e músicas


na literatura infantil, de Caroline Cao Ponso (Smed/Porto Alegre), traz a te-
mática das histórias a partir da perspectiva dos livros de literatura infantil. A
autora reflete sobre o uso dos livros na aula de música como possibilidade
para a realização de experiências de composição de temas musicais, so-
norização, récitas ou teatros musicados, aproximando as práticas escolares
cotidianas da educação musical.

O que trazemos neste número é uma polifonia de sugestões para as


práticas musicais nas salas de aula. Assim, convidamos nossos leitores, pro-
fessores e professoras, a aproveitar e transformar o que este conjunto de
textos oferece, esperando que as sugestões e experiências aqui contidas
possam ampliar as ações e multiplicar as possibilidades de inserção do
conteúdo da música nas escolas brasileiras!

Luciane Wilke Freitas Garbosa


Cássia Virgínia Coelho de Souza

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MÚSICA na educação bбsica

Música, jogo e
poesia na educação
musical escolar
Viviane Beineke

As ilustrações deste artigo foram cedidas por Diego de los Campos (2006).
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Viviane Beineke
[email protected]

Doutora e Mestre em Música – Educação Musi-


cal – pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Professora do Curso de Licencia-
tura em Música e do Programa de Pós-Graduação
em Música da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC). Autora da coleção Canções do
mundo para tocar (2001 e 2002) e do livro/CD/
CD-Rom para crianças Lenga la Lenga: jogos de
mãos e copos (2006). Atua em temáticas relacio-
nadas à formação de professores, produção de
material didático e o ensino de música na escola
básica, com ênfase na aprendizagem criativa.

Resumo: O texto discute alguns entrela- Music, game and poetry in school
çamentos e possibilidades de diálogo entre musical education
estudos sobre as culturas lúdicas da infância Abstract: The text talks about a few links
e a produção de música para crianças. Com and dialogue possibilities between studies
uma abordagem lúdica do ensino de música, o on childhood ludic culture and producing
texto focaliza o trabalho com canções brasilei- music for children. With the ludic approach of
ras arranjadas para jogos de copos, buscando music teaching, the text focuses the work with
possibilidades metodológicas que valorizem brazilian songs arranged for glasses games
a produção musical dos alunos. O repertório searching methodological possibilities which
abrange canções, parlendas e trava-línguas, value the students musical production. The
acompanhados com materiais simples, como repertory has traditional songs, tongue twister
copos plásticos e sons corporais. Inventando and jiber-jaber along with simple materials
novas formas de brincar e tocar as músicas, like plastic glasses and body sounds. Creating
procura-se favorecer a expressão criativa e new ways to play with music, looking for the
prazerosa da criança no fazer musical coletivo. creative and pleasant expression of children
Os arranjos foram concebidos para a prática while they create songs together in a group. The
musical no contexto escolar e permitem múl- arrangements were conceived to music playing
tiplas formas de utilização em sala de aula pelo at school and allow multiple ways of using it in
professor. classroom by the teacher.

Palavras-chave: culturas musicais infantis; Keywords: Children´s musical culture;


jogos de mãos e copos; composição musical. glasses games; musical composition.

BEINEKE, Viviane. Música, jogo e poesia na educação musical escolar. Música na Educação
Básica. Porto Alegre, v. 3, n. 3, setembro de 2011.

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MÚSICA na educação bбsica

Se brinca um eu com um tu, que brinca com


um outro eu, abre-se a janela do encontro,
deixando entrar uma fresta que nos leva a um
universo diverso daquele em que costumamos
estar, embora estejamos no mesmo lugar.

Eugênio Tadeu Pereira

Produção de música para crianças


No campo de estudo da música para crianças, diversos autores (Bosch, 2007; Brum
2003, 2005, Burba, 2005; Gullco, 2005; Pescetti, 2005; Queiroz; Tadeu, 2003; Rescala, 2007;
Sossa, 2005; Tadeu, 2005) vêm pesquisando as relações entre a produção, circulação, re-
cepção e o consumo da música infantil, um trabalho que precisa ser ampliado, de modo
a incluir a participação de compositores, intérpretes, pedagogos e educadores musicais
(Gullco, 2005). Sobre isso, Jorge Enrique Sossa (2005), referindo-se aos países caribeo-
latino-americanos, salienta a necessidade de serem conceitualizadas e problematizadas
as propostas musicais para crianças¹ .

Uma discussão central para quem produz música para crianças é o que a diferencia
da música dos adultos. Procurando mapear o que faz com que as canções se tornem “in-
fantis”, Pescetti (2005) destaca três elementos: (1) as letras referentes ao mundo infantil;
(2) o trabalho com elementos musicais reduzidos/essenciais e (3) a presença do jogo. O
autor enfatiza que não é necessário haver essas três características ao mesmo tempo,
com a mesma densidade ou importância, porque a presença mais significativa de uma
delas pode permitir que a outra receba um tratamento mais complexo. Para Pescetti
(2005), o elemento mais importante na caracterização da canção infantil é a presença
do jogo. O autor esclarece que a canção não precisa ser um jogo em si, mas que o com-
positor, o arranjador ou o intérprete tenham jogado e joguem ao compor, arranjar ou

*
1. Essas reflexões fazem parte do Movimento Latino-americano e Caribenho da Canção Infantil, gestado nos encontros que se realizam
desde 1995 em diferentes países, com a finalidade de apresentar propostas musicais para a infância no continente. Buscando desenvolver
as identidades culturais dos participantes através do intercâmbio de experiências, do conhecimento mútuo entre educadores e compo-
sitores, são elaboradas reflexões conjuntas sobre os trabalhos realizados, sempre com a preocupação em respeitar a enorme diversidade
de propostas. Esse movimento caracteriza-se por resultar de uma convocatória criada por artistas, educadores, produtores e diferentes
personalidades preocupadas com a qualidade musical dos trabalhos sob um enfoque educativo responsável e que não ignore o direito das
crianças de construir uma identidade cultural própria (Brum, 2005).

10 Viviane Beineke
V. 3 N. 3 setembro de 2011

interpretar a música; que “tenham jogado com as palavras, com a linguagem musical,
com as possibilidades timbrísticas e interpretativas” (2005, p. 24). Para ele, é o caráter
lúdico de uma música, ou de uma aula, ou de um programa de rádio, que permite que
se mantenha o “clima infantil”, mesmo quando se apresentam materiais complexos que
não são dirigidos exclusivamente às crianças.

“Há muitas canções infantis cuja música poderia ser de uma


canção para adultos, como aquelas que reconhecemos como tais
somente porque a letra se refere ao universo infantil. Também
há outros casos de canções em que a letra e a música são para
adultos, no entanto, ao permitirem jogos musicais nos arranjos
e na interpretação, podem ser assimiladas pelo mundo infantil.”
(Pescetti, 2005, p. 26)

As músicas das crianças só fazem sentido quando compreendidas amplamente, o


que inclui todo o contexto do brincar. Na escola, muitas vezes tal prerrogativa não é
considerada, como quando são cantadas canções “do folclore” sem estabelecer relações
entre o contexto cultural e social no qual ela está inserida, como ela é cantada, tocada
ou brincada e quem são as pessoas que dela participam. Cantar canções tradicionais,
no ensino de música, muitas vezes significa cantar temas melódicos, desconsiderando a
música e o brincar como produções culturais.

Para saber mais


Para acessar canções, textos, jogos e vídeos, visite o site: www.luispescetti.com

Escola e brincadeira
na sala de aula
No contexto do brincar, é importante diferenciar a brincadeira que acontece na sala
de aula da brincadeira do jogo espontâneo, praticado pelas crianças sem intervenção
nem orientação dos adultos. Esses jogos podem ser facilmente observados quando as
crianças brincam em espaços não escolarizados, o que não diminui a importância do
papel do educador em estabelecer e participar do brincar na escola. Por isso, é funda-
mental que os educadores reconheçam o seu papel como mediadores do brincar na
educação.
As crianças não precisam saber por que brincam e o que estão aprendendo em
suas brincadeiras, mas os professores precisam compreender como o brincar pode fazer

Música, jogo e poesia na educação musical escolar 11


MÚSICA na educação bбsica

parte do seu trabalho. Brincando com as crianças, o educador tem um papel e uma fun-
ção diferentes da criança que brinca. É necessário que o educador se aproprie do gesto
de brincar e perceba como ele é importante para a criança, para que possa dar signifi-
cado e direção ao próprio fazer de educador (Pereira, 2005a). Para a criança, a brincadeira
é uma forma de expressão, e esse significado precisa estar presente também nas brinca-
deiras estabelecidas na escola. Se o brincar se estabelece na sala de aula apenas como
ferramenta para o ensino, ele perde seu potencial criador, imaginativo, de possibilidade
de expressão, reinvenção e ressignificação das suas ações.
Leite (2002) salienta que os professores também precisam brincar, para que possam
assumir um caráter mediador com as crianças, ampliando o seu acervo de experiências,
apresentando novos jogos ou outras regras para as brincadeiras. O adulto não brinca
como uma criança, mas pode conectar-se ao universo infantil ao brincar. Por isso, brincar
de maneira infantilizada reflete uma concepção ingênua de infância, que contradiz a
“atitude da criança que brinca” (Pereira, 2005a, p. 25).

Para saber mais visite o Portal Cultural Infância: www.culturainfancia.com.br

Jogos de mãos e copos


no ensino de música
Tais estudos nos motivaram a explorar jo-
gos de mãos, brincadeiras cantadas, parlendas,
adivinhas e trava-línguas que animam o uni-
verso infantil no projeto “Produção de Material
Didático para o Ensino de Música”, do Curso de
Licenciatura em Música da Universidade do Estado
de Santa Catarina (UDESC)² , produzindo arranjos e
composições musicais para uso dos próprios estudantes
em suas práticas de ensino.

A pesquisa começou a ganhar forma quando passamos a ouvir, estudar e vivenciar


brinquedos tradicionais infantis, em especial aqueles apresentados nos trabalhos de Eu-
genio Tadeu e Miguel Queiroz (Duo Rodapião) e Lydia Hortélio, além de jogos de mãos

* 2. O projeto “Produção de material didático para o ensino de música na escola” integra o Programa NEM – Núcleo de Educação Musical
da Universidade do Estado de Santa Catarina (www.ceart.udesc.br/nem), um Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão que visa a forma-
ção de professores de música para a escola pública. O projeto objetiva a produção de material didático para o ensino de música na escola
fundamental e, ao mesmo tempo, é uma atividade que complementa a formação do acadêmico participante, tornando-o mais crítico em
relação ao material didático que utiliza e capaz de produzir seu próprio material. De caráter permanente, o projeto iniciou em 2001 sob
coordenação da professora Viviane Beineke.

12 Viviane Beineke
V. 3 N. 3 setembro de 2011

brincados em Florianópolis (Silva, 2004). Na busca de conhecer melhor esses trabalhos,


fomos, cada vez mais, nos tornando brincantes e, como tais, nos sentindo mais livres e
capacitados para criar e recriar jogos musicais infantis. Como adultos que brincam, pas-
samos a interagir com essas manifestações, reinventando-as de diversas formas. Criando
jogos de mãos e copos, explorando sonoridades percussivas com a flauta doce ou com
o corpo, elaboramos acompanhamentos rítmicos, musicamos parlendas, trava-línguas e
adivinhas e experimentamos outras maneiras de brincar e tocar as músicas³ .

Dica
Conheça também os CDs Abra a roda tin do lê
lê, de Lydia Hortélio (Teatro Escola Brincante)
e Pandalelê (Selo Palavra Cantada).

Para cada música elaboramos um jogo musical que permitisse às crianças, além de
cantar, participar do arranjo e brincar coletivamente, interagindo com a música de di-
versas formas: tocando em grupo, criando e recriando arranjos, improvisando, ouvindo
e analisando. Nessas propostas, utilizamos materiais simples e acessíveis, procurando fa-
vorecer a expressão criativa e prazerosa da criança no fazer musical coletivo. Em um pro-
cesso lúdico de criação, objetos do cotidiano tiveram seu uso modificado: copos plásti-
cos e cabos de vassoura se tornaram instrumentos musicais, a flauta doce tornou-se um
instrumento de percussão e sonoridades corporais foram exploradas. Experimentando
novas maneiras de brincar, fomos construindo um universo de possibilidades sonoras
e musicais. Assim, os movimentos da capoeira foram representados por improvisos uti-
lizando sons do corpo; jogos de mãos imitam o toque do berimbau e os tambores do
maracatu, enquanto a flauta doce, percutida, marca o tic-tac do relógio4 .
Refletindo sobre a forma como os jogos poderiam ser apresentados aos professores,
optamos por não definir detalhes de execução musical nem de arranjo. Com uma con-
cepção de escrita musical comumente utilizada na música popular, escrevemos melo-
dia, texto e acompanhamento das músicas, como elementos que podem desencadear o
jogo, a criação de arranjos ou sua reinvenção em sala de aula, mas sem predefinir como
esses elementos poderiam ser trabalhados. Nesse sentido, as brincadeiras que apresen-
tamos são apenas pontos de partida ou referências para o trabalho do professor em

* 3. Um dos resultados do projeto consiste no conjunto de livro, CD e CD-ROM Lenga la Lenga: jogos de mãos e copos, publicado no Brasil
pela Editora Ciranda Cultural (2006) e em Portugal pela Editora Foco Musical (2009). No Uruguai, CD e CD-ROM foram editados pelo selo
Papagayo Azul (2007).
4. As brincadeiras musicais que deram origem aos arranjos do CD foram criadas por: Áurea Demaria Silva, Deodósio Juvenal Alves Júnior,
Gabriela Flor Visnadi e Silva, Gisele Garcia Vianna, Lourdes Saraiva, Ronaldo Steiner, Thiago Paulo Mützenberg, Vanilda L. F. Macedo
Godoy e Viviane Beineke. Participaram do trabalho de gravação do CD os músicos: Áurea Demaria Silva, Deodósio Juvenal Alves Júnior,
Fernanda Rosa da Silva, Francisco Emilio Neis, Gabriela Flor Visnadi e Silva, Luiz Sebastião Juttel, Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas, Vanilda
L. F. Macedo Godoy e Viviane Beineke, além das crianças Bruno, Janis, João Vinícius e Yolanda.

Música, jogo e poesia na educação musical escolar 13


MÚSICA na educação bбsica

sala de aula. Não estão sendo propostas experiências metódicas nem sistemáticas, para
serem reproduzidas, através dos jogos que propusemos, porque estaríamos indo contra
os princípios que geraram o trabalho: o seu caráter lúdico e brincante.
Analisando as crianças em ação, pudemos observar como as menores se relacionam
com as brincadeiras musicais. Elas olham as crianças mais velhas realizando as músicas e,
com toda a naturalidade, inventam outras formas de realizar os jogos rítmicos, entrando
na brincadeira. Para o professor, poderia surgir uma preocupação sobre o nível de dificul-
dade dos jogos de copos, mas as crianças nos mostram que este não é um problema, à
medida que elas mesmas encontram uma forma de brincar adequada à sua habilidade
musical e instrumental. Essa é uma ideia que deveria sempre permear a realização das
músicas, pois observando como as crianças se apropriam das brincadeiras poderemos,
com cada grupo, de diferentes faixas etárias, criar novas formas de jogar e fazer música
em conjunto.
Nesse sentido, não nos preocupamos em estabelecer a faixa etária a que o material
se destina, entendendo que o jogo e a brincadeira não são práticas exclusivas das crian-
ças nem da infância. Em qualquer idade podemos brincar, atribuir significados próprios
e transformar os jogos, apropriando-nos de diferentes formas de brincar e fazer música
coletivamente. Nessa perspectiva, cada professor, cada criança ou grupo interagirá de
forma diferente com as canções, dependendo dos seus interesses, conhecimentos ou
habilidades musicais.
Compartilhamos então algumas atividades desenvolvidas a partir desse trabalho e
começamos pelo Rabo do Tatu, um jogo de copos criado a partir de tradicional parlenda
infantil.

Jogo de copos e melodia:


Rabo do Tatu Viviane Beineke

Legenda

Adaptado de Beineke e Freitas (2006, p. 34).

14 Viviane Beineke
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Como brincar
Em duas rodas, uma dentro da outra, as crianças sentam-se de
frente umas para as outras. Na roda de dentro as crianças tocam
flauta e na de fora cada criança tem à sua frente um copo plástico.
O grupo deve combinar a forma de executar a música, alternando
a parte falada com o acompanhamento de copos e a parte para
flauta doce. A cada repetição, o andamento vai sendo acelerado.
O jogo também pode ser realizado sem a parte para flauta doce.

O jogo é construído a partir de três elementos que podem ser combinados de inú-
meras maneiras, explorando sobreposições, variações de dinâmica e andamento: o texto
falado, o jogo de copos e uma melodia para flauta doce, com apenas três notas. No final
da brincadeira, tocando cada vez mais rápido, o jogo vai se “desmanchando”, trazendo
nova sonoridade ao trabalho. E, se tudo terminar com o grupo dando risada, melhor
ainda, porque então a brincadeira deu certo! A brincadeira “dá certo” quando o jogo
começa a “dar errado” e não é mais possível acompanhar a música, quebrando a métrica
estabelecida no jogo. Qual a graça de brincar se tudo sempre “dá certo”? A gargalhada
dos participantes no final da música, com copos espalhados por todo lado, totalmente
envolvidos, nos revela que a brincadeira realmente aconteceu, num fazer musical movi-
do pela alegria plena de quem brinca “por brincar” e sem medo de errar. Como diria Pe-
reira (2005a, p. 20), estão todos em “estado de brinquedo”. Convém salientar que na área
musical, ainda tão cheia de tradicionalismos e preconceitos sobre quem pode/sabe ou
não fazer música, isso é muito importante. Dessa maneira, o jogo musical favorece uma
relação com o fazer musical na qual errar é permitido, porque o que convencionalmente
seria um “erro” faz parte da brincadeira.

Dica
Assista a uma apresentação do Rabo do Tatu
acessando o canal “musicanupeart” no YouTube.
Repare que nessa execução a cada repetição da
música um dos participantes faz um improviso
com os copos e depois são agregados instru-
mentos musicais ao arranjo.

Experimente substituir os copos por outras sonoridades, como a percussão corporal,


sons vocais ou de instrumentos. Você pode propor que os alunos produzam arranjos em
pequenos grupos utilizando uma variedade de recursos sonoros. A atividade também
pode desencadear novas composições pelos alunos. Num primeiro momento pode ser
interessante o professor oferecer algumas opções de poemas ou parlendas, como ponto
de partida para as composições.

Música, jogo e poesia na educação musical escolar 15


MÚSICA na educação bбsica

Sugestões de versos tradicionais

Puxa o rabo do tatu, Ai, bai, tai


Quem saiu foi tu. Tonestai,
Puxa o rabo do pneu, Tia, bia,
Quem saiu fui eu, companhia.
Puxa o rabo do diabo, Tamiraco,
Quem saiu foi um coitado, Tico, taco
Puxa o rabo da panela, Ai, bai, puf!
Quem saiu foi ela.
Sape gato
Sape gato O macaco foi à feira
Lambareiro Não sabia o que comprar.
Tira a mão Comprou uma cadeira
Do açucareiro, Pra comadre se sentar.
Tira a mão, A comadre se sentou,
Tira o pé A cadeira esborrachou.
Do açúcar, Coitada da comadre
Do café. Foi parar no corredor.

Ene, bene, bá, tu, Uma, duna, tena, catena,


Blix, blex, fora! Saco de pena,
Maria Figena.

Fonte: NÓBREGA e PAMPLONA (2005).

16 Viviane Beineke
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Brinquedo cantado (tradicional)


Zabelinha Jogo de copos: Viviane Beineke

Na canção Zabelinha5 o jogo de copos cria uma textura rítmi-


ca interessante, pois embora o acompanhamento esteja escrito em
compasso binário, para ficar igual à canção, ele soa como ternário,
resultando em uma polirritmia de binário com ternário. Esse tipo de
relação rítmica foi observada com frequência nos jogos de mãos pes-
quisados por Silva (2004).

Adaptado de Beineke e Freitas (2006, p. 42).

Jogo de copos Legenda

Observe que o movimento dos copos é igual nos dois padrões do


jogo de copos. Eles se diferenciam somente pela posição do copo: o
primeiro padrão começa com o copo virando com a boca para baixo e
no segundo padrão o copo está com a boca virada para cima.

Como brincar
Em roda, todos cantam a canção, passando os copos no pulso. O
grupo vai acelerando o andamento, provocando o “erro”. Aqueles
que “erram” vão formando uma nova roda no centro e acompa-
nham a canção com o jogo de copos sugerido acima.

* 5. Canção procedente de Cuiabá, Mato Grosso, recolhida por Iris Costa Novaes e registrada pelo Duo Rodapião no CD Dois a dois. O termo
“zabelinha” deriva de “as abelhinhas”.

Música, jogo e poesia na educação musical escolar 17


MÚSICA na educação bбsica

Jogo de palavras
“[...] eu acho que todo poeta é apaixonado por palavras! Poeta
adora mexer e brincar com elas, examinar o som e o sentido, até
inventar e aprender palavras novas.” (Lima, 2006, p. 43)

Ricardo da Cunha Lima dá a dica de uma brincadeira divertida:


procurar palavras no dicionário e ficar atento, pois vão aparecer
“palavras deliciosas que, por algum motivo, se destacam das de-
mais: pela melodia do som, pela raridade, pelo exotismo... enfim,
como acabei de dizer, palavras com um sabor especial! Aí é só
aceitar o convite daquela palavra e pronto! Já entramos na terra
da poesia!” (Lima, 2006, p. 44)

Roda de verso (tradicional)


Marinheiro encosta o barco Jogo de copos: Ronaldo Steiner, Vanilda L. F.
Macedo Godoy e Viviane Beineke

Adaptado de Beineke e Freitas (2006, p. 38).

Legenda

Jogo de copos

18 Viviane Beineke
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Como brincar
Em roda, os brincantes cantam o refrão e executam o jogo de copos,
metade tocando o primeiro padrão e metade tocando o segundo. Os
versos são cantados por apenas um participante; cada brincante poderá
inventar um novo verso ou cantar um dos versos sugeridos abaixo.

Refrão:
Marinheiro encosta o barco Quem me dera a sua mão,
Que a morena quer embarcar Para eu dar um aperto nela,
Iáiá eu não sou daqui Para ver se ainda está
Eu não sou dali Como de primeiro era.
Eu sou do Pará.
Quem me dera, dera, dera,
Versos: Quem me dera só pra mim,
A maré que enche e vaza Receber do meu amor
Deixa a praia descoberta. Um galhinho de jasmim.
Vai-se um amor e vem outro,
Nunca vi coisa tão certa. E você, dona Lydia,
Passe a mão em seus cabelos,
Que do céu vem caindo
Dois pinguinhos de água-de-cheiro.

Marinheiro encosta o barco é uma roda de verso, recolhida por Lydia Hortélio6 . Lydia
explica que as rodas de verso configuram ritos de passagem da infância para a adoles-
cência, em que os versos são inventados pelos participantes que cantam na roda. Na ver-
são aqui apresentada, reproduzimos os versos sugeridos por Lydia, a quem dedicamos
nosso trabalho, e deixamos a sugestão de que novos versos sejam inventados ou adap-
tados à canção. Repare que o um dos acompanhamentos sugeridos utiliza os mesmos
movimentos que o acompanhamento de Zabelinha, variando apenas o ritmo.

Conheça também
KATER, Carlos et al. (*) Música na escola: jogos e instrumentos. Belo Horizonte: Editora
Projecta, 2009.
(*) Junto com José Adolfo Moura, Maria Amália Martins, Maria Betânia Parizzi Fonseca,
Matheus Braga e Rosa Lúcia Mares Guia.

* 6. Canção registrada por Lydia Hortélio no CD Abra a roda, tin do lê lê, com versos de Elisa Grota Funda - Serrinha/Bahia.

Música, jogo e poesia na educação musical escolar 19


MÚSICA na educação bбsica

Fórmula de escolha (tradicional)


Escatumbararibк Jogo de copos: Viviane Beineke

Adaptado de Beineke e Freitas (2006, p. 38).

Legenda

bater a mão em cima do copo,


segurando-o pelo fundo e arrastando
Jogo de copos
no chão ao virar para o lado

bater o fundo do copo na mão direita,


passando o para esta mão

O acompanhamento com copos pode ser realizado de duas maneiras: cada participante
jogando sozinho ou em roda, com os copos passando de um para outro.

No canal “escatumbararibe” do YouTube você pode observar um grupo de crianças


realizando esse jogo e também assistir a alguns vídeos em que este e outros jogos de
mãos e copos são ensinados.

Como brincar
Com os brincantes em roda, a canção é acompanhada pelo jogo de
copos. No início, o jogo pode ser feito individualmente e depois os
copos começam a ser passados na roda. Entre uma repetição e outra, o
grupo pode combinar de fazer improvisos com os copos.

Quando trabalhamos esta canção com um grupo de crianças na escola, aconteceu


um fato interessante. Inicialmente, o acompanhamento não previa o movimento de pas-
sar os copos na roda, mas logo que uma criança disse: “esse não tem graça”. Perguntei
por que e ela logo explicou que era porque “tem que passar o copo”. E percebemos que

20 Viviane Beineke
V. 3 N. 3 setembro de 2011

a passagem dos copos de um para outro na roda fazia toda a diferença: o deslocamento
de um trabalho que focaliza o desafio individual, virtuosístico, tão valorizado na área da
música, para um fazer coletivo, que para funcionar depende da colaboração no grupo. É
justamente nessa passagem do copo entre os brincantes que se estabelece o jogo cole-
tivo, que depende tanto do desempenho individual como grupal. Por isso, é tão impor-
tante estarmos atentos ao que as crianças nos dizem, pois podemos sempre aprender
com elas, que nos dão um retorno vivo e repleto de significações sobre o trabalho que
estamos desenvolvendo. Sobre isso, podemos refletir também que na relação brincadei-
ra e escola é preciso considerar que nem sempre o que propomos para a criança como
brincadeira significa brincadeira para ela. Elas precisam “se tornar donas” (Pereira, 2005b,
p. 149) do trabalho para que se estabeleça o brincar em sala de aula.

Poesia, poema e gêneros poéticos


O poeta Ricardo da Cunha Lima (2003) esclarece que os gêneros
poéticos designam as categorias ou espécies de poesia, que podem ser
classificadas de acordo com suas características ou assuntos. A fábula,
o madrigal, a parlenda e os trava-línguas são gêneros poéticos. O autor
chama de parlendas os “versos e canções muito populares, geralmente
recitados para as crianças e que se caracterizam por fórmulas repetitivas,
como ladainhas, transmitidas oralmente de geração em geração” (p. 53).
Também é interessante saber a diferença entre poesia e poema. Como
explica Lima (2000, p. 54), “poema é o produto, algo concreto, que
podemos ler, enquanto poesia se refere à arte em geral, de maneira
abstrata. Levando isso em conta, um livro de poesia (assim mesmo, no
singular) pode conter trinta poemas (e nunca trinta poesias)”.

Travadinhas e outros poemas


O repertório que apresentamos aqui traz algumas possibilidades
para o uso de jogos de mãos e copos em sala de aula. Os jogos são
simples e todos eles podem ser facilmente adaptados para diferen-
tes contextos. Podem ser complexificados pelos próprios alunos, à
medida que sua execução não mais os desafia. Novas regras, novos
acompanhamentos, arranjos ou adaptação para outros instrumentos
musicais são possibilidades de ampliação do trabalho proposto.
Entretanto, o que consideramos mais importante é o espa-
ço para a composição que pode ser desencadeado nesse
processo. Compor com base em suas vivências e saberes

Música, jogo e poesia na educação musical escolar 21


MÚSICA na educação bбsica

traz novos desafios. No trabalho em pequenos grupos é favorecida a interação entre os


próprios alunos, que podem elaborar seu trabalho de maneira que contemple suas ex-
pectativas e saberes, atribuindo sentidos próprios às suas músicas. As vivências musicais
são enriquecidas quando se pode exercer uma variedade de papéis com a música, numa
consciência musical que se desenvolve quando tocamos, cantamos, ouvimos, analisa-
mos, criticamos, improvisamos e inventamos música.
Destacamos a ludicidade poética presente nos trabalhos de Eva Furnari, que exem-
plificamos a seguir. Combinadas a atividades de composição de jogos de copos, têm ge-
rado novos desafios, desencadeando jogos e brincadeiras que exploram o brincar com a
música e com a palavra. A ideia é que as canções e os jogos de copos aqui apresentados
sirvam como pretexto para novas invenções em sala de aula, sendo ressignificadas pelos
alunos, que criam novas regras, novos jogos musicais - de copos e de palavras!

Dica
No blog www.lengalalenga.blogspot.com você
pode conhecer várias outros jogos, criados a
partir das atividades aqui sugeridas.

Compondo com Eva Furnari

Não confunda Assim assado


Não confunda Era uma vez uma menina aventureira
Careca banguela Navegava no sofá e voava na banheira.
Com cueca amarela.
Era uma vez uma velha coroca.
Não confunda Carregava o gato na bolsa,
Picolé salgado Conversava com minhoca.
Com jacaré mimado. Fonte: Furnari (2004).

Fonte: Furnari (2002a).

Você troca?
Travadinhas Você troca
O pobre do grilo do brejo. um canguru de pijama
Prendeu o brinco no prego. por um urubu na cama?

A rainha do repolho refogado Você troca


Ri do rei do rabanete emburrado. um espião com preguiça
Fonte: Furnari (2003). por um ladrão de salsicha?
Fonte: Furnari (2002b).

22 Viviane Beineke
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Considerações
Elaborar materiais didáticos é sempre um desafio para professores e professoras,
quando não se deseja oferecer “receitas” para serem “aplicadas”. Acreditamos que a pro-
dução de materiais para o trabalho com música está ligada a processos de criação e re-
criação, sempre descortinando possibilidades de um trabalho, de outro e de mais outro.
Interessante seria se, como diz Pescetti, a experiência musical com as crianças pudesse
“incluir o professor como um ser humano com gostos e vivências para compartilhar”
(2005, p. 39). Para isso, o professor também precisa apropriar-se criativamente das can-
ções, dos jogos e brincadeiras. É esse o sentido que move nosso
projeto: experimentar, analisar, adaptar, produzir e reinventar
materiais didáticos para o ensino de música na escola. Nes-
se sentido, consideramos essencial que os professores se
tornem menos consumidores e mais produtores de ma-
terial didático, na busca por construir
aprendizagens musicais significati-
vas para os seus alunos.

Acreditamos que o uso de


elementos que fazem parte do
próprio universo das crianças
nas brincadeiras para a sala de
aula é uma forma de valorizar o sa-
ber infantil, ampliar os valores estéticos, fantasias e o imagi-
nário, tornando o aprendizado mais significativo para a criança. Isso
tanto às músicas que as crianças aprendem umas com as outras quando
brincam, como também às músicas que elas compõem, inventam e reinventam quando
têm espaço para isso; um espaço que o professor deve garantir em sala de aula. Traba-
lhando com as músicas que as crianças fazem, podemos favorecer o reconhecimento e
a valorização das diferenças, à medida que aprendemos a ouvir, respeitar e compreender
as vozes dos nossos alunos, em um processo comprometido com o seu desenvolvi-
mento musical. Nessa perspectiva, o professor pode atuar como um crítico sensível e
articulado às relações que se estabelecem com a música em sala de aula, auxiliando os
alunos a refletirem sobre as suas práticas musicais. Ao compartilhar esse processo com
os alunos, o educador musical instiga-os a construir o seu próprio conhecimento, tanto
na autonomia de pensamento, quanto na fluência e na crítica musical.

Agradeço a Cláudia Ribeiro Bellochio e Áurea Demaria Silva pela leitura do texto e sugestões.

Música, jogo e poesia na educação musical escolar 23


MÚSICA na educação bбsica

Mosaico sobre o jogo e o brincar na infância

O uso de jogos e brincadeiras é uma prática legitima-


da na educação musical por diversas tendências educa-
cionais. É comum ouvirmos que as crianças “aprendem
brincando”, argumento utilizado para justificar as mais
diversificadas metodologias. Observando as crianças
brincarem livremente, fica evidente a importância des-
sas atividades para o seu desenvolvimento, mas quando
a brincadeira infantil é pensada do ponto de vista peda-
gógico, os seus usos são bastante distintos. Muitas vezes,
essa ideia é transposta para o ensino de forma reducionis-
ta, colocando a brincadeira a serviço do desenvolvimen-
to cognitivo, motor ou rítmico, entre outros. Assistimos
então a uma “pedagogização” da brincadeira, quando ela
perde seu caráter de experiência significativa, sendo re-
duzida a atividades dirigidas (Leite, 2002).

Discutindo a dimensão social do jogo,


Brougère (2002) explica que o jogo só existe
A cultura lúdica das crianças emerge
dentro de um sistema de interpretação das
e se desenvolve no próprio jogo, sendo
atividades humanas, porque não há, de fato,
necessário partilhar dessa cultura para
algum comportamento que permita definir
poder jogar (Brougère, 2002). Assim, as
claramente quando se está brincando ou
crianças aprendem a jogar enquanto
não. Assim, o que caracteriza o jogo é o esta-
jogam, produzindo suas próprias signi-
do de espírito com que se brinca.
ficações em interação com as significa-
ções atribuídas pelos outros jogadores.
Nessa perspectiva, a criança é co-cons-
trutora da cultura lúdica e as interações
supõem sempre uma interpretação das
significações que vão sendo atribuídas
pelos participantes, que se vão adaptan-
do e produzindo novas significações.

24 Viviane Beineke
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Sarmento (2003) esclarece que é necessário


compreender as culturas infantis com base na
forma como as crianças interagem com as formas
culturais produzidas para as crianças pelos adultos,
como também pelas formas culturais produzidas
pelas próprias crianças. A ludicidade, segundo Sar-
mento (2004), constitui um traço fundamental das
culturas infantis, embora o brincar não constitua
atividade exclusiva das crianças. Para as crianças, o
brincar é condição da aprendizagem e da sociabi-
lidade, razão pela qual o brinquedo as acompanha
nas diferentes fases da construção das suas rela-
ções sociais.

“A cultura infantil é uma esfera onde o en-


tretenimento, a defesa de ideias políticas e o
prazer se encontram para construir concepções
do que significa ser criança – uma combinação
de posições de gênero, raciais e de classe, atra-
vés das quais elas se definem em relação a uma
diversidade de encontros.” (Giroux, 1995, p. 49)

A brincadeira permite, a todo momento, criar


novos significados e interpretações, permitindo que
a criança cresça como sujeito de cultura, buscando
atribuir significados à sua vida e novas maneiras de
experiênciá-la (Pereira, 2005a).

Música, jogo e poesia na educação musical escolar 25


MÚSICA na educação bбsica

Sites
6° Encontro da Canção Infantil Latino-americana e Caribenha (para acessar os
textos completos das palestras acesse o link “programação”)
www.cp.ufmg.br/6encontro

Lenga la lenga: jogos de mãos e copos


www.lengalalenga.com.br
www.butia.com.uy (jogos on line)

NEM - Núcleo de Educação Musical – CEART/UDESC


www.ceart.udesc.br/nem

Nupeart - Núcleo Pedagógico de Educação e Arte - CEART/UDESC


www.ceart.udesc.br/nupeart
www.youtube.com/user/musicanupeart

Referências
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Paulo: Ciranda Cultural, 2006.

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apresentada no 6º Encontro da Canção Latino-americana e Caribenha, Belo Ho-
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____. Não confunda. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2002a.

____. Travadinhas. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2003.

____. Você troca? 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2002b.

GIROUX, H. A. Praticando Estudos Culturais nas faculdades de educação. In: SIL-


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Música, jogo e poesia na educação musical escolar 27


MÚSICA na educação bбsica

Ecos: educação musical


e meio ambiente

Cecília Cavalieri França


Copyright Tippi (www.tippi.org)
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Cecília Cavalieri França


[email protected]

Doutora e mestre em Educação Musical pela University of


London. Especialista em Educação Musical e bacharel em
Piano pela Escola de Música da UFMG. Autora de livros didá-
ticos para ensino de música na educação básica – Para fazer
música volumes 1 e 2 (Editora UFMG, 2008 e 2010) e Turma
da música (2009), e das obras Feito à mão: criação e perfor-
mance para o pianista iniciante (2008); Poemas musicais, que
inclui o CD e respectivo livro de partituras Poemas musicais:
ondas, meninas, estrelas e bichos, finalista do Prêmio Tim
2004, o CD Toda cor. Coautora do livro Jogos pedagógicos
para educação musical (2005).

Resumo: Meio ambiente é um dos temas Echoes: music education and the
transversais mais prementes da educação environment
e, portanto, conteúdo obrigatório também Abstract: Environmental education is
da educação musical. Esses dois campos a key subject in contemporary school
do conhecimento convergem em diversos curriculum. Thus, it is also a mandatory
pontos, que podem ser percebidos em três subject in music education. These two
eixos: o pragmático, o da paisagem sonora fields of knowledge merge into many points,
e o ético-estético. Por meio de atividades which can be perceived in three strains:
de apreciação musical, construção de the pragmatic, the soundscape and the
instrumentos, sonorização e criação, e ethic-aesthetic ones. Through activities
da discussão sobre temas como ecologia that include music listening, construction
sonora, acústica, tecnologia e saúde of instruments, creation, and discussion of
pode-se promover a valorização dos themes such as sound ecology, acoustics,
produtos naturais e culturais assim como technology and health, it may be possible
o senso de pertencimento e a educação da to promote the valuing of natural and
sensibilidade visando o desenvolvimento cultural products, the sense of belonging,
ético e estético. and the education of sensitivity aiming at
ethical and aesthetical development.
Palavras-chave: educação musical e
ambiental; música e meio ambiente; Keywords: musical and environmental
paisagem sonora education; music and environment;
soundscape

FRANÇA, C. C. Ecos: educação musical e meio ambiente. Música na Educação Básica,


v. 3, n. 3, p. 28-41, 2011.

29
MÚSICA na educação bбsica

“A Tippi é uma história real, mas essa


de o sapo ser príncipe, não sei…”
Conheci Tippi ao folhear uma revista inglesa, em 1996. A garotinha de cinco anos
de idade aparecia abraçada a um enorme sapo-boi como se ele fosse um bichinho de
pelúcia. Em outras páginas, deixava-se fotografar ao lado de uma onça, esquecia-se as-
sentada sobre a pata de Abu, um elefante africano, delirava com uma cobra enrolada ao
seu corpo, divertia-se com um calango nos ombros (Figura 1).

Figura 1. Tippi (www.tippi.org).

Francesa de origem, nascida na Namíbia, a menina cresceu no Kalahari. Seu pai pro-
duzia documentários sobre a natureza. Ensinou-lhe não a temer, mas a cuidar e a ter
cuidado com os animais. Quando ela era bebê, Abu lhe espantava os mosquitos com a
tromba. Com tartaruguinhas, montava formas na areia. Tippi desenvolveu uma relação
de respeito mútuo com seus co-habitantes. Não se impunha a eles: era um igual. Creio
que falavam a mesma língua. Olhavam-se com olhos cúmplices.

Mas nada me impressionou mais do que o sapo. Enquanto eu matava formiguinha,


Tippi beijava sapo! Será que ela o imaginava príncipe? Aquelas imagens foram tomando
forma de canção, ¹ cheia de ingredientes lúdicos: o balanço pueril dos ritmos sincopados
e pontuados, os instrumentos de percussão, as interjeições e onomatopeias e um coro

*
1. Disponível em www.ceciliacavalierifranca.blogspot.com.

30 Cecília Cavalieri França


V. 3 N. 3 setembro de 2011

que convida ao canto – “Será que o sapo é?” O mote da introdução anuncia, desconfiado:
“A Tippi é uma história real, mas essa de o sapo ser príncipe, não sei…”

Tippi, hoje adolescente, tornou-se um ícone de preservação ambiental, estrelando


documentários e programas de TV. Seu site contém fotos e outras curiosidades imper-
díveis (www.tippi.org), assim como centenas de outros sites sobre ela, em diversos idio-
mas. E eu, também crescida, tornei-me convicta de que a educação musical pode se
engajar na conservação da biodiversidade e no compromisso ético-social, e contribuir
para despertar e consolidar entre os alunos um senso de pertencimento, de responsabi-
lidade, de valor próprio e alheio.

Para entrarmos na Arca de Noé


“O que temos a ver com animais em extinção?” Tudo! Caso não saiba, somos parte da
lista. Não estamos nós aqui e o ecossistema, lá: somos ecossistema. Não é uma questão
de se conservar a biodiversidade: somos biodiversidade. Segundo Reinach (2010, p. 56),
biólogo molecular, 99,9% das espécies que já povoaram o planeta estão extintas! Ou
seja, o número de animais e plantas extintos é centenas de vezes maior do que a diver-
sidade que hoje habita a Terra (donde se deduz que a extinção é um destino natural das
espécies). Saber-nos transitórios, tanto individual quanto coletivamente, é, no mínimo,
um exercício maduro de realidade.

Originalmente, “educação ambiental” se restringia a questões como biodiversidade


e sistemas vivos (Dias, 2000). Na década de 1970 o conceito foi definido como um pro-
cesso que visa promover a construção de valores, a ética, a modificação de atitudes em
relação ao meio ambiente, a valorização das culturas e a qualidade de vida. O termo foi
então ampliado pelo filósofo norueguês Arne Næss para “ecosofia”, que significa sabe-
doria ligada ao meio ambiente. Sua “ecologia profunda” critica a chamada “ecologia rasa”,
assim chamada pois vê a natureza meramente como fonte provedora para o ser huma-
no (Azevedo; Valença, 2009, p. 17; Capra, 1996, p. 25).

O assunto é quase religioso, uma vez que trata de conexão com a natureza, com os
outros e conosco mesmos. A questão ambiental é também social, cultural, educacional,
científica, política e econômica – estratégica, portanto. Lideranças políticas, cientistas e
formadores de opinião em todo o mundo estão chamando atenção para desequilíbrios
ambientais em vários níveis: esgotamento do solo, uso indiscriminado de agrotóxicos,
lixo, contaminação da água, fome, violência, poluição sonora, desrespeito a direitos hu-
manos básicos e ataques à cidadania.

Ecos: educação musical e meio ambiente 31


MÚSICA na educação bбsica

No Brasil (2005, p. 65), a política nacional de educação ambiental foi definida pela Lei
9.795/1999, Art. 1º, no ProNEA, como

os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem


valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do
povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Sustentabilidade não implica simplesmente cuidar de bicho ou plantar árvore: diz


respeito à condição de seres se relacionando com outros seres – humanos ou não – e
com os componentes abióticos (não vivos) da natureza. Implica combater o comodismo
generalizado e a cultura da vantagem econômica a qualquer preço. Implica semear va-
lores entre as crianças, as quais serão futuros políticos, empresários, empreendedores, in-
ventores, cientistas, consumidores e cidadãos – se não nos extinguirmos antes, é claro.
“O que a educação musical tem a ver com isso?” Tudo. Meio ambiente é um tema
transversal: permeia as diversas áreas do conhecimento, tange as várias disciplinas. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997, p. 51) recomendam que o tema seja tra-
tado sob “um enfoque interdisciplinar, aproveitando o conteúdo específico de cada área,
de modo que se consiga uma perspectiva global da questão ambiental”.
Não se trata de subjugarmos a educação musical (uma vez mais) ao utilitarismo,
selecionando “musiquinhas” de temática ecológica para servirmos a outras disciplinas. É
preciso nos engajar verdadeiramente, como as demais áreas do conhecimento, em um
projeto educacional comprometido com a formação integral da criança.
Em suma: se educação ambiental faz parte das cartilhas oficiais e se a música é hoje
conteúdo escolar obrigatório, a educação ambiental deve estar presente na nossa pauta.
Não há mais desculpas para nos mantermos isolados em pedestais puristas, desconec-
tados do mundo, desvinculados da vida. Mas tocar “musiquinha” de letra rasa às sete da
manhã e gritar ao microfone para se fazer ouvir não condiz. Fazer instrumento de sucata
e desperdiçar o verso do papel também não convence. Não é uma questão de retórica,
mas de coerência.

Eixos articuladores da
interdisciplinaridade
Educação musical e educação ambiental possuem vários pontos de contato. Vejo tal
afinidade operando em três eixos: o pragmático, ou das atividades, o da paisagem sonora
e o ético-estético. Ressalvo que os eixos não são mutuamente excludentes; ao contrário,
podem fortuitamente operar de maneira integrada.

32 Cecília Cavalieri França


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Eixo pragmático

Esse eixo, mais direto e imediato, envolve temas como acústica, tecnologia, reper-
tório e construção de instrumentos, que acolhem projetos interdisciplinares entre meio
ambiente, ciências, geografia, história e música. Diversas propostas são bastante conhe-
cidas: sonorizações criativas e imitativas, reconstituições de diferentes ambientes sono-
ros, ecos musicais e não musicais, coletâneas de sons de antigamente e especulações
sobre sons do futuro (Schafer, 1991), como na Figura 2, etc.

Figura 2. História sonora


(França, 2010, p. 47).

Em se tratando de acústica, podem ser realizadas experiências de propagação, am-


plificação e redução da intensidade sonora (Quadro 1), sobre o efeito Doppler, tecnolo-
gias de gravação, edição e de reprodução do som, etc. No livro Som: jornadas invisíveis, de
Caroline Grimshaw (1998), esses assuntos são abordados de maneira acessível e lúdica.

Experiências
A intensidade de um som depende da quantidade de energia produzida. Quando
essas ondas são muito intensas, podem ser sentidas no nosso próprio corpo e fazer ob-
jetos, vidraças e paredes vibrarem. Superfícies duras refletem melhor o som do que su-
perfícies macias, que o absorvem. Para demonstrar esses fenômenos, as crianças podem
fazer experiências como estas:

Ecos: educação musical e meio ambiente 33


MÚSICA na educação bбsica

1) Espalhe um pouco de sal ou açúcar sobre uma mesa. Bata forte em um tambor ou
outro objeto, próximo à substância. Observe que os cristais de sal ou açúcar vão pular.
Por que isso acontece? Depois, coloque a substância sobre um pano. O que acontece
dessa vez? Por quê?

2) Encoste o ouvido em uma mesa de vidro ou de madeira. Peça a um amigo para


jogar um clipes sobre a mesa. Depois, peça-o para fazer o mesmo, mas sobre um pano
ou toalha. Qual a diferença entre o que você ouviu nas duas tentativas? Por quê?

Quadro 1. Experiências acústicas (adaptado de Grimshaw, 1998, p. 8, 13).

Repertório

Uma grande variedade de obras, de Vivaldi a Toquinho e Vinícius, passando por gru-
pos folclóricos e artistas independentes, tocam direta ou tangencialmente questões
pertinentes à natureza, à ecologia e ao bem comum. A breve coletânea que se segue
(Quadro 2) pode ser largamente ampliada pelo professor e pelos próprios alunos.

Temáticas da natureza
Sinfonia nº 6 (Beethoven)
Os planetas (Gustav Holst)
As quatro estações (Vivaldi)
Carnaval dos animais (Saint-Saens)
Floresta do Amazonas (Villa-Lobos)
Águas da Amazônia (Philip Glass, interpretado pelo Grupo Uakti)

Temáticas urbanas
Ionization (Edgar Varèse)
Le grand macabre (Gyorgy Ligeti)

Silêncio
4’33’’ (John Cage)
Silêncio (Márcio Coelho)

Canções e coleções para crianças


A Arca de Noé (Toquinho e Vinícius)
Os saltimbancos (Chico Buarque e Bardotti)
A Zeropeia (história de Herbert de Souza, em canções de Flávio Henrique, Vander Lee,
Chico Amaral e outros)

34 Cecília Cavalieri França


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Suíte da chuva (Bellinati, Stroeter, Poças; gravado pelo Trio Amaranto)

Tippi, Valsa da aranha, Peix’, Noir, o gato, Chuva, O coqueiro da praia, Duna, Bicho, Forro-
ck da bicharada, Cavalo-marinho, Mapa e Pele, de minha autoria, estão disponíveis em
www.ceciliacavalierifranca.blogspot.com.

Quadro 2. Breve coletânea de obras para apreciação musical.

A canção Pele (Figura 3) chama a atenção para matérias-primas das quais são feitos
instrumentos conhecidos pelas crianças.

Figura 3. Pele, (França, 2008, p. 41).


Disponível em: www.ceciliacavalieri-
franca.blogspot.com.

Ecos: educação musical e meio ambiente 35


MÚSICA na educação bбsica

Além da apreciação e da performance de obras musicais, é importante realizar proje-


tos de criação inspirados em elementos e fenômenos da natureza e outros.

Construção de instrumentos

Construir instrumentos, além de lúdico e educativo, tem implicações econômicas e


ambientais: significa reciclar, reaproveitar e reduzir. Diversas obras, sites e blogs tratam do
assunto (Quadro 3 e Figura 4). Grupos como o Uakti e Stomp, por exemplo, realizam per-
formances extremamente profissionais e inspiradoras usando instrumentos alternativos.

Livros
Música na educação infantil: propostas para a formação integral da criança (Brito,
2003)
O meu primeiro livro de música (Drew, 1993)
Para fazer música, v. 1 e v. 2 (França, 2008, 2010)

Sites
www.nyphilkids.org/lab/main. phtml – New York Philarmonic – Kidzone: instrumentos
alternativos
www.meloteca.com/pedagogia-musica-ambiente.htm – Site de música e artes, de
Portugal; link “educação” - “reciclagem”
www.instrumentosalternativos.hpg.com.br – Site sobre livro de instrumentos alter-
nativos, de Júlio Feliz

Performance com instrumentos alternativos


www.uakti.com.br – Grupo Uakti, de Belo Horizonte, Minas Gerais
www.stomponline.com – Grupo Stomp, da Inglaterra

Quadro 3. Construção e performance com instrumentos alternativos – referências.

36 Cecília Cavalieri França


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Figura 4. Construção de
instrumentos a partir de reciclá-
veis (França, 2010, p. 65).

Para que esse processo não se resuma a oficina de reciclagem, os instrumentos cons-
truídos devem, oportunamente, ser utilizados em criações e performances, tomando-se
o devido cuidado com a sonoridade e com o resultado expressivo. A grafia analógica
também pode ser trabalhada de maneira intuitiva ou sistematizada (Figura 5).

Figura 5. Arranjo com instrumentos


alternativos e notação analógica
(França, 2010, p. 67).

Ecos: educação musical e meio ambiente 37


MÚSICA na educação bбsica

Eixo paisagem sonora

Nesse território, Murray Schafer é referência inequívoca. Paisagem sonora é a tradu-


ção de soundscape, neologismo criado por ele na década de 1960, a partir do conceito
de landscape (paisagem, cenário) que é relativo ao campo visual. Paisagem sonora é
“qualquer campo de estudo acústico” (Schafer, 1997, p. 23), ou seja, o conjunto de sons
de um determinado ambiente, natural ou artificial, do passado, do presente ou do futu-
ro; da cidade ou do campo.

Há mais de 40 anos, com seu World Soundscape Project, realizado na Universidade de


Simon Frases, Canadá, Schafer já alertava para a importância do estudo do meio ambien-
te sonoro. O capítulo “A nova paisagem sonora”, do seu livro O ouvido pensante, é leitura
obrigatória, hoje mais do que ontem e amanhã mais do que hoje. Escrito originalmente
em 1968, o texto aponta os graves problemas decorrentes do excesso de barulho e de
ruído, já naquele época: “juntamente com outras formas de poluição, o esgoto sonoro
de nosso ambiente contemporâneo não tem precedentes na história humana” (Schafer,
1991, p. 123).

Passadas quatro décadas, quantas vezes o ruído a que somos implacavelmente


submetidos terá se multiplicado? Somos agredidos constantemente por uma “violên-
cia auditiva” que tem efeitos físicos e psicológicos alarmantes. Fonterrada (2004, p. 44)
comenta como a exposição ao ruído excessivo prejudica a saúde e provoca “conflitos e
desajustes sociais e pessoais”. A literatura também aponta problemas como “hiperten-
são, taquicardia, arritmia, desequilíbrios hormonais e dos níveis de colesterol; estresse,
distúrbios do sono, dificuldade de concentração, perda de memória, problemas psíqui-
cos e até tendências suicidas” (Vaz, 2009).

É importantíssimo conscientizarmos os alunos sobre os efeitos nocivos da exposição


a sons muito fortes. Não há aparelho auditivo que se conserve íntegro diante do incrível
excesso de barulho das metrópoles, dos amplificadores dos shows ou dos “fones-de-ou-
vido-24-horas-por-dia”. A perda auditiva se configura hoje como um problema de saúde
pública. E quanto menos se escuta, mais se aumenta o volume…

Para desenvolvermos um ambiente sonoro saudável, há que se investir em pesqui-


sa e, sobretudo, em educação. Como coloca Silva (2010, p. 2), do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Ecologia Sonora (GEPES/UFMA): habituamo-nos “ao ruído excessivo com
certa dose de resignação como se não fôssemos os atores principais desta história”. Não
há como fugirmos da nossa responsabilidade: “o novo educador incentivará os sons sau-
dáveis à vida humana e se enfurecerá contra aqueles hostis a ela”, escreve Schafer (1991,
p. 123).

38 Cecília Cavalieri França


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Obras indispensáveis
O ouvido pensante (Schafer, 1991) e A afinação do mundo (Schafer, 1997).
Música e meio ambiente: ecologia sonora (Fonterrada, 2004).

Eixo ético-estético

Aqui educação musical e educação ambiental se tocam de maneira mais delicada e,


ao mesmo tempo, mais profunda. Tendências psicodinâmicas universais, embora com
suas definições locais, manifestam-se tanto na vida quanto na arte. A grandiosidade, o
volume e a imponência do planeta Júpiter, por exemplo, são transmutados simbolica-
mente em padrões sonoros de grandiosidade, volume e imponência na música Júpiter,
da obra Os planetas, de Gustav Holst. Convergências estéticas entre o domínio natural e
o domínio artístico-musical podem ser apreciadas sem nenhuma moderação.
Obras musicais (mesmo as programáticas) não são exemplos nem transcrições lite-
rais de fenômenos naturais ou de quaisquer outros: são, antes, interpretações pessoais,
subjetivas e poéticas de impressões sobre fenômenos naturais traduzidas em padrões
sonoros. A natureza, assim como a música, organiza-se segundo padrões de ordem e
desordem, equilíbrio e desequilíbrio, tensão e repouso, estrutura, forma, proporção.
Nesse sentido, os eixos pragmático e ético-estético podem se aproximar e, fortui-
tamente, convergir, desde que as atividades de apreciação, performance e criação do
primeiro eixo venham desenvolver a sensibilidade aos materiais sonoros que se organizam
em gestos expressivos, os quais são organizados em estruturas musicais significativas, como
aponta Swanwick (1994, 1999).
Considere estas transcrições dos Parâmetros Curriculares Nacionais para Meio Am-
biente e Saúde:

“[…] os alunos descobrem sons nos objetos do ambiente, expressam sua


emoção por meio da pintura, poesia, ou fabricam brinquedos com sucata.”
(Brasil, 1998, p. 190)

“[…] os professores podem ensinar os alunos a valorizar “produções” de


seus colegas e respeitá-los em sua criação, suas peculiaridades de qualquer
natureza (física ou intelectual), suas raízes culturais, étnicas ou religiosas.”
(Brasil, 1998, p. 190)

“[…] identificar e discutir os aspectos éticos (valores e atitudes envolvidos)


e apreciar os estéticos (percepção e reconhecimento do que agrada à
visão, à audição, ao paladar, ao tato; de harmonias, simetrias e outros)
presentes nos objetos ou paisagens observadas, nas formas de expressão
cultural etc.” (Brasil, 1998, p. 189)

Ecos: educação musical e meio ambiente 39


MÚSICA na educação bбsica

Os textos oficiais ainda recomendam que a criança se relacione de maneira criativa


com os recursos disponíveis, incluindo atividades de “tirar música” de objetos e materiais,
e que expresse sua “emoção” por meio da arte (Brasil, 1997, p. 53). Chama a atenção o
destaque dado à necessidade de valorização da “diversidade natural e sociocultural”, ao
respeito ao “patrimônio natural, étnico e cultural”, à “apreciação dos aspectos estéticos da
natureza, incluindo os produtos da cultura humana” (Brasil, 1997, p. 46).
Podemos vislumbrar um perene denominador comum entre educação ambiental e
educação musical se investirmos

• na apreciação estética das harmonias e simetrias que agradam (à vista e) à audição,


presentes nos objetos (sonoros) ou paisagens (sonoras) que nos cercam;
• na valorização dos produtos naturais e da expressão criativa e cultural dos nossos (des)
iguais;
• na tolerância e na ética.

Não é disso que trata a educação es-


tética e musical? Não é disso que trata a
educação – disciplinas à parte?

Ecos

Refinar o olhar. Educar o ouvir. Desper-


tar o senso estético. Construir o sentido éti-
co. Oportunizar o êxtase.
Viver a experiência sensorial, emocional
e contemplativa da natureza. Cultivar um
mundo menos virtual e mais sensorial. Dei-
xar-se admirar, espantar, chocar, incomodar.
Abaixar o volume.
Trabalhar pela educação (e reeducação)
da sensibilidade e da criatividade voltados
para a valorização da ética e da sustentabili-
dade.

Figura 6. História sonora (França, 2010, p. 129).

40 Cecília Cavalieri França


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Referências
AZEVEDO, F. A.; VALENÇA, M. Z. Por uma ética e SCHAFER, M. A afinação do mundo. Tradução de
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3-42, 2009. SILVA, M. A. a paisagem sonora e sua relação com
o ensino de música: breve relato acerca da pesquisa.
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Brasília, 1997. <http://br.groups.yahoo.com/group/gepesufma>.
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CAPRA, F. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1996.

DIAS, G. F. Educação Ambiental princípios e práti-


cas. 6. ed. rev. e amp. São Paulo: Gaia, 2000.

DREW, H. O meu primeiro livro de música. Porto:


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FONTERRADA, M. T. O. Música e meio ambiente:


ecologia sonora. São Paulo: Irmãos Vitale, 2004.

FRANÇA. C. C. Para fazer música: v. 1. Belo Hori-


zonte: Editora UFMG, 2008.

______. Para fazer música: v. 2. Belo Horizonte: Edi-


tora UFMG, 2010.

GRIMSHAW, C. Som: uma jornada que transforma o


silêncio em som. São Paulo: Callis, 1998.

REINACH, F. A longa marcha dos grilos canibais e


outras crônicas sobre a vida no planeta Terra. São
Paulo: Schwarz; Companhia das Letras, 2010.

SCHAFER, M. O ouvido pensante. Tradução de Ma-


risa Fonterrada, Magda Gomes da Silva e Maria Lú-
cia Pascoal. São Paulo: Unesp, 1991.

Ecos: educação musical e meio ambiente 41


MÚSICA na educação bбsica

Sfuuuuu! Schiiii! Bum!


Ploft! Balões na aula
de música
Juciane Araldi
Vania Malagutti Fialho
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Juciane Araldi Vania Malagutti Fialho


[email protected] [email protected]

Mestre em Música pela Universidade Federal Doutoranda e mestre em Música/Educação Mu-


do Rio Grande do Sul (UFRGS). Licenciada em sical pela Universidade Federal do Rio Grande
Música pela Escola de Música e Belas Artes do do Sul (UFRGS). Professora do Departamento
Paraná (Embap) e Educação Artística pela Uni- de Música da Universidade Estadual de Mar-
versidade Federal do Paraná (UFPR). Professora ingá (UEM). Membro da diretoria da Associação
da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vin- Brasileira de Educação Musical (Abem) – gestão
culada ao Departamento de Educação Musical. 2009-2011. Coautora do livro Hip hop: da rua para
Atua na área de educação musical nas temáticas: escola (Sulina, 2005). Atua na área de educação
educação musical e tecnologia; aprendizagem musical nas temáticas: música e juventude, músi-
musical de DJs; formação docente em música. ca e comunidade, formação docente em música.

Resumo: Este texto propõe o uso de balões Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Baloons in
como instrumento musical. As propostas são music class
fundamentadas no uso de diferentes sons para Abstract: This paper proposes the use of
a execução e criação musical. As sugestões de balloons as musical instruments. The proposals
atividades foram desenvolvidas para o uso em are based on the use of different sounds to play
sala de aula, pensando na educação básica e and create music. The activities suggested were
envolvendo toda a turma. Propomos práticas developed for elementary school classwork
musicais que envolvem a exploração sonora, a involving the whole class. We propose musical
criação e execução musical, a leitura e escrita practices that involve the exploration of sound,
de partituras, além de ideias para registro creation and musical performance, reading
audiovisual. and writing of musical scores, and ideas for
audiovisual recordings.
Palavras-chave: instrumentos musicais;
criação musical; leitura e escrita de partitura Keywords: musical instruments; musical
creation; reading and writing of musical scores

ARALDI, J. e FIALHO, V. M. Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Balões na aula de música. Música
na Educação Básica, v. 3, n. 3, p. 42-55, 2011.

43
MÚSICA na educação bбsica

Festa de aniversário. Balões.


Músicas. Alegria.
O que isso tem a ver com aula de música? Tudo! Quem não quer fazer parte de uma
aula divertida, colorida, com instrumentos musicais de sonoridades diversificadas em
todos os sentidos: timbre, altura, intensidade, duração!? Estamos falando de uma aula
de música onde o principal instrumento é o balão! Isso mesmo, balões de festas. Esses
conhecidos também como bexigas, ou bolas de sopro.
Entendemos que com a demanda da música como conteúdo obrigatório na escola,
temos que pensar em alternativas de instrumentos que sejam acessíveis em termos de
custo, de manuseio e que possam contribuir qualitativamente para um trabalho efetivo
de educação musical. Nossa proposta neste texto é o uso do balão como um instrumen-
to musical que pode ser utilizado em sala de aula, envolvendo a turma toda e diferentes
faixas etárias.
Trazemos neste texto sugestões e indicações do uso de balões a partir de práticas
pedagógico-musicais já desenvolvidas com alunos da educação básica (em diferentes
níveis) e em cursos de formação continuada de professores, bem como com estudantes
da graduação em música. Neste texto apresentamos inicialmente uma breve contex-
tualização e fundamentação sobre instrumento musical e na sequência apresentamos
propostas e possibilidades de atividades musicais tendo o balão como principal instru-
mento musical.

No vídeo abaixo, MisteryGuitarMan faz um arranjo de uma música, utilizando balões


e teclado.

Figura 1. Vídeo de MisteryGuitarMan (http://www.youtube.com/watch?v=bx0riUDC17Q&feature=relmfu).

44 Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Instrumentos musicais: alargando


conceito, multiplicando sonoridades
Partimos do pressuposto de que música pode ser feita por diferentes fontes sonoras
e, consequentemente, por múltiplas sonoridades e alturas, não se limitando apenas às
“sete notas musicais” ou ao uso de instrumentos musicais convencionais (instrumentos
de cordas, sopro, percussão e outros). Consideramos que para fazer música podemos – e
até devemos – usar também os sons do corpo, os sons presentes no dia a dia e tantos
outros, produzidos ou “aproveitados”. Hoje, com os avanços tecnológicos temos também
o computador e outros equipamentos eletrônicos utilizados como instrumentos para
compor e executar música.
Esse alargamento de fontes sonoras para se fazer música se intensificou principal-
mente com a música concreta e eletroacústica, que trouxeram novos conceitos sobre
a utilização dos sons em composições musicais, ampliando o leque de possibilidades
para a criação e execução musical. Esses movimentos musicais tiveram inicio na primeira
metade do século XX e utilizam equipamentos eletrônicos para gravar sons (da natureza,
de instrumentos musicais acústicos ou eletrônicos) e compor músicas a partir dos sons
gravados e modificados eletronicamente.

“Tradicionalmente, instrumento musical sempre esteve no papel mediador


da performance, situando-se entre a composição e a escuta. Ou seja, era
por intermédio do instrumento que o interprete conectava o ato da criação
ao ato da fruição musical. Já no final do século XIX, com o surgimento
dos meios de gravação e reprodução do som, inventa-se um novo apara-
to instrumental, só que dessa vez voltado para a escuta […] O laptop
computer, o computador apoiado sobre as coxas, é ao mesmo tempo
estúdio, ferramenta de composição, gerador sonoro, arquivo de músicas e
aparelho de som, tudo isso ao mesmo tempo, tudo isso sobre as coxas, e
controlado por um teclado mais rudimentar do que o que qualquer músico
tenha tocado em tempos anteriores.” (Iazzetta, 2005, p. 5)

Outra manifestação musical que contribuiu para ampliar o conceito de instrumento


musical é o toca-discos, que nas mãos dos DJs se tornou um instrumento de performan-
ce. A manipulação dos toca-discos, extraindo sons ao levar o disco pra frente e pra trás,
originou o som característico dos DJs, o scratch. A manipulação do disco, aliada a um
aparelho de mixagem (mixer) e outro toca-discos (formando um par de toca-discos),
possibilitou inúmeras variações sonoras. As possibilidades sonoras decorrentes dessa ex-
ploração, ressignificaram o toca-discos, que ampliou suas funções, de reproduzir música,
para também fazer música (Souza; Fialho; Araldi, 2008, p. 44).

Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Balões na aula de música 45


MÚSICA na educação bбsica

Exemplo do toca-discos como instrumento musical pode ser conferido no Campeo-


nato de DJs – DJs Mixing Club – realizado anualmente pela empresa Technics, reunindo
DJs de todo o mundo. O vídeo abaixo mostra a performance de um DJ. Veja a surpresa
que aparece ao final da apresentação!!!

Figura 2. Performance de DJs (http://www.youtube.com/watch?v=djrbgjlwBxo).

As ampliações e probabilidades sonoras provenientes da expansão do que usamos


como instrumentos musicais abrem as portas para um sem fim de fontes sonoras e possi-
bilidades de produção musical. Isso favorece sobremaneira a prática da educação musi-
cal e coloca o balão como mais um instrumento musical, por trazer uma série de possibi-
lidades sonoras que nas mãos de educadores musicais podem tornar-se uma ferramenta
importante no ensino da música.

46 Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Possibilidades de uso do balão em


sala de aula
Compondo músicas com balões
Inicialmente solicite aos alunos para explorar os sons do balão. Balão vazio: espichan-
do, percutindo na mão. O som ao encher o balão. Percutir, “beliscar”, arranhar o balão em
diferentes tamanhos. Esvaziar de diferentes formas, segurando a boca do balão, soltando
aleatoriamente, estourando e etc. Após vasta exploração, solicite que cada aluno escolha
um dos sons produzidos para apresentar à turma. A partir dos sons que surgirem, orga-
nize pequenos grupos – de acordo com os sons produzidos – formando naipes pela
proximidade das características sonoras. Por exemplo, naipe da percussão grave, naipe
de sons arranhados, naipe do sopro, e outros.

Com os grupos organizados, proponha jogos musicais, onde o professor ou algum


aluno lidere as propostas. Pode sugerir perguntas e respostas entre os naipes. Propor
entradas diferentes para cada naipe, formando estruturas e formas musicais distintas.
Brincar com ritmos e andamentos diferentes, explorar práticas com pulso definido e
também sem nenhum compromisso com a métrica. Trabalhar com elementos-surpresa
e contrastes de intensidade. Enfim, motivar a busca por efeitos e possibilidades sonoras
inusitadas.

A partir da exploração, organize com o grupo todo uma peça musical que tenha
começo, meio e fim. Para isso, pode contar uma história, criando um clima que contri-
bua na inspiração para a composição. Ou, ainda, escolher uma música já conhecida para
fazer o acompanhamento. Ou mesmo ir compondo um mosaico sonoro com intenções
musicais, desenvolvendo contrastes, agrupando diferentes tipos de sons, criando frases
e organizando um discurso musical. Com a música pronta sugira o registro em audiovi-
sual e também escrito, montando uma partitura.

Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Balões na aula de música 47


MÚSICA na educação bбsica

No link abaixo temos um exemplo dos balões sendo utilizados como percussão na
música Bad romance, de Lady Gaga. A performance foi desenvolvida no primeiro semes-
tre de 2011 pelos dos alunos da disciplina de Prática de Conjunto II da Graduação em
Música da Universidade Estadual de Maringá.

Figura 3. Performance de Bad romance (http://www.youtube.com/watch?v=6xmiKr55dlI).

Lady Gaga: cantora e compositora pop americana que lançou seu primeiro disco
em 2008. Entre 2009 e 2011 suas músicas ficaram entre as mais ouvidas mundialmente.
Ganhou projeção, especialmente, por explorar as redes sociais na internet.

Para saber mais


Ver Lady Gaga: a revolução do pop (Kim, 2010) e Lady Gaga: critical mass fashion (Good-
man, 2010).

Criando partitura, registrando sua música


O registro visual, em partitura, da produção musical dos alunos é mais uma etapa
do trabalho de educação musical nas escolas. O objetivo é criar uma forma de registro
e visualização dos sons, de modo que os alunos possam escrever e ler o que produzem
sonoramente.
Para isso, desenvolva com os alunos símbolos para cada som produzido com os ba-
lões e faça um painel relacionando os símbolos com o som. Nesse processo vale uma
discussão e análise das características sonoras. Assim, pode ser feita uma lista dos sons
produzidos nos balões e a partir daí criar coletivamente categorias como grave, agudo,

48 Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho


V. 3 N. 3 setembro de 2011

longo, curto, forte, fraco, e outras. Um som pode estar em mais de uma categoria e de
acordo com suas qualidades sonoras e formas de tocar cria-se o símbolo que o repre-
senta.
Podem-se aproveitar as cores dos balões e relacioná-las a diferentes sonoridades,
como sons fortes com cores escuras e sons pianos com cores mais claras. Além disso,
as cores podem ser exploradas utilizando uma mesma cor para cada naipe, e utilizar
essa mesma cor na voz correspondente. Nesse contexto, pode-se ainda considerar o
movimento de extrair os sons, e representá-lo de forma escrita, de modo que o som, a
imagem e o movimento possam ser expressados no registro sonoro.
Na sequência monte uma partitura com os símbolos desenvolvidos. Nessa fase é
fundamental que o registro em partitura seja amplamente discutido, de modo que cada
som seja realmente visualizado no símbolo gráfico criado. Isso porque “as informações
musicais contidas na partitura devem fazer um sentido para o ouvinte-leitor” (Souza,
2003, p. 213).

Para a elaboração da partitura você pode utilizar canetas coloridas, massinha de mo-
delar, recortes de jornais, barbantes, EVA e outros materiais.

Figura 4. Exemplo de partitura.

Tendo como base essa atividade podem-se trabalhar diversos conteúdos musicais,
como forma, instrumentação, leitura e escrita, conceitos relacionados aos elementos do
som (timbre, duração, intensidade, altura, densidade) e da música (instrumentação, rit-
mo, melodia/harmonia, dinâmica, expressão e outros).
A partir da exploração dos sons e sua representação gráfica, é possível trabalhar tam-
bém com a ideia de uma videopartitura. Os alunos podem desenhar em uma folha e
posteriormente digitalizar as imagens, e gravar a composição. Em seguida utilizar um
editor de vídeo para sincronizar a partitura e o som. Se não for possível a edição de um
vídeo, é possível montar o vídeo ao vivo, filmando a partitura enquanto os alunos a exe-
cutam. Isso também proporciona a ideia de uma videopartitura, onde é possível visuali-
zar os sons executados. E as possibilidades de ler e escrever não param por aí…

Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Balões na aula de música 49


MÚSICA na educação bбsica

O vídeo abaixo traz um exemplo de uma peça criada e registrada em partitura pe-
los alunos do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal da Paraíba, na
disciplina Oficina de Música IV, no segundo semestre de 2010. O nome da música é
Embolando e a execução foi guiada pela apresentação da partitura em Power Point, que
contribuiu para uma visualização dos sons executados; além disso, o próprio “trocar” de
imagem era uma forma de regência utilizada com o grupo.

Figura 5. Performance de Embolando (http://www.youtube.com/user/musicaemperformance#p/u/183/Gk7BHfEJgGw).

Mesmo ressaltando a importância de trabalhar o som, a imagem e o movimento,


principalmente por meio dos recursos audiovisuais, uma alternativa que pode despertar
interesse dos alunos é a manipulação do áudio. Para tanto, pode-se utilizar um editor de
áudio, gravar a composição feita pelos alunos e utilizar os efeitos do editor para modi-
ficar o som. Esses editores contribuem para visualizar os aspectos físicos do som, uma
vez que o representam por meio de ondas (Figura 6). Existem vários tipos de editores de
áudio, sugerimos aqui o Audacity¹, por ser um software livre.

50
* 1. Você pode baixar o programa Audacity gratuitamente no site: http://audacity.sourceforge.net/.

Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Figura 6. Exemplo do software livre Audacity.

Para saber mais


Existem vários tutoriais, tanto escritos quanto audiovisuais, que ensinam o passo
a passo de como utilizar programas de música. Ver uma videoaula sobre o Auda-
city em:http://www.youtube.com/watch?v=jQ9nUQslB9Q.

Fazendo releituras de músicas


Tendo em vista a ampla gama de sons produzidos pelos balões, é possível explorar
sua utilização para fazer releituras de músicas. Para tanto é necessário primeiramente
escolher uma música com que a turma se identifique, e em seguida explorar e eleger
sons que farão parte do arranjo musical. A percussão pode ser imitada com um som mais
grave que pode ser extraído ao puxar a ponta do balão (que deve estar quase cheio – a
quantidade de ar influencia diretamente no som). Sons de percussão mais agudos po-
dem ser extraídos ao esticar e soltar uma das pontas do balão vazio. Com apenas estes
dois sons é possível imitar alguns ritmos. A parte da letra da música, ou solo instrumental
se for o caso, pode ser explorada com os “assovios” ao soltar o ar do balão, controlando a
saída de ar pela extremidade. Nesse caso é possível trabalhar com algumas alturas, não
tão definidas, mas que podem dar a ideia da música que está sendo tocada.

Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Balões na aula de música 51


MÚSICA na educação bбsica

No link abaixo você pode conferir uma releitura da música We will rock you da ban-
da de rock Queen. Esse trabalho foi desenvolvido com alunos da disciplina Oficina de
Música IV, do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal da Paraíba, no
segundo semestre de 2010, culminando com a apresentação da turma em um evento
de performance promovido pela mesma universidade.

Figura 7. Performance de We will rock you (http://www.youtube.com/user/musicaemperformance#p/u/181/piqIUDFLRbY).

Queen: banda de rock britânica, iniciada no final da década de 1960 por estudantes
do Imperial College em Londres. Destacaram-se pelas grandes produções de seus con-
certos e videoclipes, onde utilizavam jogos de luzes e efeitos especiais. Musicalmente,
suas composições tinham o propósito de envolver a plateia, com palmas, bem como o
uso de outros instrumentos além dos comumente utilizados no rock, como, por exem-
plo, instrumentos de orquestra e sons eletrônicos.

Para saber mais


Ver Queen magic works (Severo, 2010).

A (re)leitura de partitura pode ser feita a partir dos registros de música contempo-
rânea. Por exemplo, pode-se fazer um recorte de uma obra como a Artikulation (Figura
8), do compositor húngaro György Sándor Ligeti, e executá-la com os balões. Para isso,
pode-se inicialmente fazer uma leitura da forma como a turma entende que a partitura
sugere, discutindo cada símbolo e que som ele pode representar. Nessa análise podem-
se considerar inclusive as cores dos símbolos, relacionando-as às cores dos balões. Evi-
dentemente a sonoridade dos balões será distinta da original da peça, que é feita com

52 Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho


V. 3 N. 3 setembro de 2011

sons eletrônicos. Contudo, é exatamente essa a proposta, interpretar a partitura com os


balões.
Após exploração sonora e visual da partitura faça uma apreciação da obra em sua
execução original, via audiopartitura.

Figura 8. Vídeo de Artikulation (http://wn.com/Ligeti__Artikulation).

György Sándor Ligeti, compositor romeno nascido em 1923. Estudou no conserva-


tório de Cluj/Kolozsvár, na Transilvânia, até 1943, quando, por ser judeu, teve que inter-
romper seus estudos para trabalhar para os nazistas. Sua família foi morta no campo de
concentração de Auschwitz. Apos a Segunda Guerra Mundial voltou a estudar música
em Budapeste, onde também atuou como professor de harmonia, contraponto e ana-
lise musical. Compôs musicas eletrônicas e obras instrumentais. Faleceu em Viena, em
junho de 2006.

Efeitos sonoros: scratch com balão


Outra possibilidade de uso dos balões é a criação de bases rítmicas para serem usa-
das como acompanhamento para diferentes estilos musicais. Para o acompanhamento
do rap o balão é o recurso que propicia diferentes sons que comumente são utilizados
para as bases desse estilo musical. Um exemplo é o som extraído ao “arranhar” o balão
cheio com as pontas dos dedos, em movimentos de “sobe e desce”. Esse som lembra
o scratch, uma das técnicas mais utilizada pelos DJs. Nesse caso, o balão pode substi-
tuir um aparelho de toca-discos, imitando os timbres que normalmente são tirados de

Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Balões na aula de música 53


MÚSICA na educação bбsica

um disco manipulado para a criação do acompanhamento do rap. Além dos scratchs,


pode-se manipular o balão explorando sons que imitam caixas, surdos, timbal e outros
instrumentos de percussão.

“Para DJ Nezo, o scratch é o som característico do DJ. A essência


desse efeito, está no ‘arranho’, ou seja, só o fato de ‘colocar a mão
no disco e arrastá-lo para frente e para trás’. As nuances que esta
técnica vai recebendo variam de acordo com a forma que o disco é
manipulado, ‘mais rápido ou mais lento’.” (Souza; Fialho; Araldi, 2008,
p. 54)

Ainda sobre rap, ver Fialho e Araldi (2009).

Considerações finais
Neste texto apresentamos algumas das possibilidades do uso do balão como um
instrumento musical. Para isso entendemos ser fundamental que o educador musical
tenha uma compreensão ampla sobre o que é um instrumento musical. Dessa forma,
em um processo de ensino e aprendizagem musical pode-se fazer uso de diferentes
recursos com finalidades didáticas.

Mas por que o balão? Para além da acessibilidade que esse material proporciona,
é possível vislumbrar o quanto o trabalho com os balões pode ser um estímulo para
propostas criativas de práticas e criações musicais coletivas. O balão pode ser utilizado
tanto em releituras de músicas que já existem como na própria “imitação” de outros ins-
trumentos. Além disso, é possível também extrair sonoridades que são únicas desse ins-
trumento. Dessa forma, o balão pode ser utilizado como um instrumento em potencial
de criação e execução musical, fazendo da aula de música uma verdadeira festa!

54 Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Referências
FIALHO, V. M.; ARALDI, J. Fazendo rap na escola. Música na Educação Básica, v.
1, n. 1, p. 76-82, 2009. Disponível em: <http://www.abemeducacaomusical.org.
br/noticia_revista_musica_escola.html>. Acesso em: 10 abr. 2011.

GOODMAN, E. Lady Gaga: critical mass fashion. [S.l.]: St. Martin’s Press, 2010.

IAZZETTA, F. A importância dos dedos para a música feita nas coxas. In: CON-
GRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRA-
DUAÇÃO EM MUSICA, 15., 2005, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: Anp-
pom, 2005. p. 1238-1245. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/prof/iazzetta/
papers/anppom_2005.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2011.

KIM, D. Lady Gaga: a revolução do pop. São Paulo: Globo, 2010.

SEVERO, M. F. Queen magic works. São Paulo: Mandacaru, 2010.

SOUZA, J. Sobre as múltiplas formas de ler e escrever música. In: NEVES, I. C. B.


et al. Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. 4. ed. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2003. p. 207-216.

SOUZA, J.; FIALHO, V. M.; ARALDI, J. Hip hop: da rua para escola. Porto Alegre:
Sulina, 2008.

Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Balões na aula de música 55


MÚSICA na educação bбsica

Minha voz, tua voz:


falando e cantando
na sala de aula

Cláudia Ribeiro Bellochio


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Cláudia Ribeiro Bellochio


[email protected]

Professora doutora associada do Departamento


de Metodologia do Ensino da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). Professora e
orientadora no Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFSM – Mestrado e Doutorado.
Pesquisadora do CNPq – PQ1. Editora e presidente
do conselho editorial da Revista Educação
(UFSM). Líder do grupo de pesquisa Formação,
Ação e Pesquisa em Educação Musical (Fapem).

Resumo: A voz, um dos instrumentos de My voice, your voice: speaking and


comunicação com o mundo, tem sido utilizada singing in classroom
nos planejamentos de escolas de educação
básica como mediadora das relações entre as Abstract: Voice, one of the world
crianças/os estudantes e a música. Descobrir communication instruments, has been used a
a voz e entendê-la um pouco melhor, em sua lot in Elementary School planning as mediator
produção e suas possibilidades de utilização of the relation between children/students and
em sala de aula é o objetivo deste artigo, music. Discovering voice and undesrtand it
destinado, principalmente, a professores e little better, in its production and possibilities of
professoras que atuam na educação infantil using in classroom is the objective of this article
e nos anos iniciais do ensino fundamental, mainly addressed to teachers who work with
egressos de nível médio (normal) e superior nursery school and initial years of Elementary
(pedagogia). O desafio é compreender melhor School, High School egresses (normal) and
a voz, a desafinação vocal e pensar “um graduation (pedagogy). The challenge is
chumaço” de experiências pedagógicas que to comprehend better about voice, untune
enlacem a voz e a fala na educação musical em and think about “a stuffing” of pedagogical
práticas docentes de professores e professoras experiences that join voice and speech in
não especialistas em música. teaching practices in musical education of non
specialist music teachers.
Palavras-chave: educação musical; voz;
práticas musicais na escola Keywords:musical education; voice; school
music practices

BELLOCHIO, C. R. Minha voz, tua voz: falando e cantando na sala de aula. Música na
Educação Básica, v. 3, n. 3, p. 56-67, 2011.

57
MÚSICA na educação bбsica

De professora para professoras


e professores…
Uma pequena história para pensarmos na voz…
Minha voz! Sua Voz! Nossas vozes adultas e infantis.

Minha voz, minha vida


Meu segredo e minha revelação
Caetano Veloso

Este texto nasce de uma história de professora de professoras e professores e é, para


eles e elas, que se narram experiências vividas, ideias, fatos, acontecimentos, um pouco
do vivido na dimensão de sala de aula no ensino superior e na escola de educação bá-
sica.

Ao longo de 20 anos atuando na formação de professores em


cursos de pedagogia e já tendo atuado na formação de professores
em nível médio e na regência de corais infantis e infanto-juvenis,
tenho estado preocupada e atenta a como os professores unido-
centes, os que atuam na educação infantil e nos primeiros anos da
educação básica, relacionam-se com músicas e criam possibilidades,
no espaço e no tempo de sala de aula dos primeiros anos da escola-
rização em que atuam, para que seus alunos vivenciem e aprendam
músicas. Uma observação recorrente em minha experiência pro-
fissional é o quanto a voz é utilizada no espaço da sala de aula na
execução musical de canções e outras formas de fazer música com
a voz. Um pouquinho, bem pequeno de minhas reflexões, é o que
tento colocar neste texto, voltando-me às questões da utilização da
voz e da fala na educação musical. Meu maior desejo é que este ar-
tigo sirva como estímulo para que possamos ouvir mais e fazer mais
músicas com a nossa voz.

Parafraseando Pereira (2010), são ideias “colocadas em poucas palavras, um chuma-


ço de instruções simples, mas que podem produzir um efeito significativo – tanto a ti
quanto aos teus alunos”.

Neste início de conversa, professor e/ou professora, ouça as vozes das crianças, dos
estudantes. Ouça a sua voz!

58 Cláudia Ribeiro Bellochio


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Ouvir, perceber e buscar compreender como a criança brinca, canta e fala é uma
condição sensível ao mundo no qual um professor trabalha. Da relação direta que os (as)
docentes estabelecem, no dia a dia, com os alunos e as alunas é que derivam propostas
pedagógicas que aproximem o cotidiano das proposições pedagógicas de ensinar e de
aprender.

Melhor é já dizer: olharmos os movimentos, os corpos em giro –


um tal de estica, senta, levanta, corre – de guris e gurias. Ouvir-
mos as vozes das crianças, porque cada uma possui uma particu-
laridade de produção e emissão vocal.

Parece claro, quando os professores e professoras param e ouvem, observam que as


crianças cantam, brincam e exploram sons vocais e também corporais, com instrumen-
tos, com batidas em seu próprio corpo, etc. Crianças inventam músicas que, em muito,
se utilizam de diversidades sonoras, fazendo uso vocal de sonorizações sem palavras,
mas também de palavras faladas e cantadas.

Meninos e meninas, sem preocupação alguma de serem afinados ou desafinados –


de estarem musicalmente corretos! –, criam histórias narrativas, às vezes com um tema no
início e outro ao final. A sensação que temos, quando paramos para ouvir essas histórias,
é que se trata de uma exploração de sons da voz e de produção musical, empregando-
se ou não palavras e organização textual. Essas experiências infantis são realizadas em
casa, na rua, na escola – sem nenhuma solicitação dos adultos. A história, nesse caso,
vai sendo edificada pelas infinitas modulações e utilizações de nuanças que vão sendo
geradas, exploradas, modificadas e enriquecidas pela própria experiência e sua transfor-
mação.

De esses “aconteceres”, comuns na infância, é que surge o convite para que os pro-
fessores e as professoras ouçam atentamente a atividade de brincar de fazer música vivida
pelas crianças. Ao que me parece, sem a intencionalidade da escuta pelos adultos, a
experiência das crianças não passará de experimentação pessoal a elas mesmas. E veja,
as experiências musicais da infância podem ser muito ricas se ouvidas, refletidas, instiga-
das. Ouvir é condição para apreciar em música. O ouvir musical é parte da atividade de
apreciação presente no processo de aprender música.

Professores e professoras! Abram-se às audições das brincadeiras com música que


suas crianças estão fazendo. Ouçam as vozes da voz de seus alunos e alunas! Ouçam
suas criações, composições, experimentações! Abram os seus ouvidos para o mundo
dos sons da voz.

Minha voz, tua voz: falando e cantando na sala de aula 59


MÚSICA na educação bбsica

“São muitos os termos utilizados pelos autores para se referirem à


produção musical da criança. Swanwick (1988, p. 60) define como
‘composição’ desde os balbucios iniciais dos bebês até as criações
vocais ou instrumentais mais elaboradas compostas por crianças
maiores. Sloboda (1985, p. 202) e Hargreaves (1986, p. 67) utilizam o
termo ‘canto espontâneo’ para se referirem à música vocal produzida
pela criança a partir de um ano e meio de idade.” (Parizzi, 2006, p. 40)

Fiquemos à espreita da escuta como fazem os animais, lembrando do abecedário


de Deleuze. ¹ Ouçamos! Façamos apreciações! Fiquemos atentos para o fato de que, no
momento da construção musical, com o uso da voz e da fala, são muitos sons vocais que
se mostram, se desafiam, se contrapõem. Uma verdadeira busca pelas possibilidades de
diversificação musical nos usos da voz.

Alguns desafios aos professores


e professoras

Janela sobre as proibições

Na parede de um botequim em Madri, um cartaz avisa:


Proibido cantar.
Na parede de um aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa:
É proibido brincar com carrinhos porta-bagagens.

Ou, seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que
brinca. (Galeano, 2007, p. 76)

Colega – pense sobre a história expressa por Galeano e em todas as coisas boas e
não boas que fazemos cotidianamente quando estamos ensinando. Quantas vezes e por
quanto tempo já silenciamos nossas crianças? Quantas vezes e por quanto tempo já nos
silenciaram? Por que já silenciamos e nos deixamos silenciar?
Reforço o convite a você que trabalhará com esse tópico que, antes de mais nada,
se disponibilize a ouvir as manifestações vocais das crianças pequenas, desde bebês que
não possuem a fala articulada até as produções vocais de crianças maiores. O que os

*
1. O abecedário de Gilles Deleuze é uma realização de Pierre-André Boutang, produzido pelas Éditions Montparnasse, Paris.
No Brasil, foi divulgado pela TV Escola, Ministério da Educação. Tradução e legendas: Raccord. Pode ser acessado em: http://
intermidias.blogspot.com/2009/09/abecedario-de-deleuze-para-download.html.

60 Cláudia Ribeiro Bellochio


V. 3 N. 3 setembro de 2011

bebês fazem com sua voz? Em que situações utilizam-se da voz e para que fazem uso?
Ouça muitas falas e canções, de crianças e de adultos.
Faça isso com você também! Ouça-se constantemente! Se tiver tempo, anote tudo.
Faça registros de suas atenções aos sons vocais. Pense sobre o que você ouve. Se puder,
grave e ouça as gravações.
Ouça muito a sua voz e outras vozes que existem perto de você, de algumas pessoas
falando e outras cantando. Não esqueça que, para ouvir, é preciso, simplesmente, ouvir
e, aos poucos, ir entrando no universo do que está sendo ouvido, cada vez apreciando
mais e mais. Descubra e (re)descubra diferentes formas de sua voz existir sonoramente,
falando e cantando. Perceba, nos seus alunos e nas suas alunas, as diferentes formas pe-
las quais eles vão utilizando-se de sons da voz. Busque, no YouTube,– musicais somente
com a voz; percussão vocal; só voz; etc.

Algumas dicas podem ser


• Saber viver – Roberto Carlos e Erasmo Carlos em interpretação de vozes e pal-
mas: http://www.youtube.com/watch?v=byc4Cm0LJmM&feature=related
• Sítio do Pica-Pau Amarelo – Gilberto Gil em interpretação da Banda de Boca:
http://www.youtube.com/watch?v=qKCuIrSi1ws&feature=related
• Bachiana n. 5 – Heitor Villa-Lobos em interpretação da Banda de Boca:
http://www.youtube.com/watch?v=ZBTsWXjZnbE

Outras experiências vocais podem ser acessadas em:


• http://www.youtube.com/watch?v=nK24Bk-JXlw&feature=related (só voz)
• http://www.youtube.com/watch?v=ZxlJogm43cs&feature=related (música
para a boca)
• http://www.youtube.com/watch?v=_VvWaoQwStg&feature=related (sons com
a boca)

Também não esqueça que é preciso pensar sobre o que lhe toca e produz sentidos;
na experiência, pense acerca de suas formas de contato com o mundo vocal. Pense que
“a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se pas-
sa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao
mesmo tempo, quase nada nos acontece” (Bondiá, 2002, p. 20).
Pensar sobre a sua experiência poderá promover sua forma de pensar proposições
para o ensino. Na realidade, provoque-se à compreensão e à escuta sensível de si e do
mundo. Não esqueça também de cantar, viver a experiência da execução musical vocal.

Minha voz, tua voz: falando e cantando na sala de aula 61


MÚSICA na educação bбsica

Ah! Não me venha


com aquela história de que
sua voz é feia, desafinada, que
não dá para cantar e fazer
música com ela. Como muitos
dizem: não tenho dom para
cantar. Convido você a
entender um pouco melhor
sobre essa conversa!

“Se você disser que


eu desafino amor…”
Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados têm o ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que Deus me deu
Tom Jobim

Pense sobre os versos da canção de Tom Jobim. O que eles lhe dizem? O que repe-
tem de tudo aquilo que você já ouviu em sua vida? Imagine-se ensinando uma canção
ou um rap para seus alunos e suas alunas…! O que lhes dizer quando os sons que saem
de suas bocas (e também) as imagens de seus corpos não são aquelas que você deseja-
ria estar ouvindo?

Dica: lembre-se que, quando você precisa ouvir as crianças cantando,


você não pode emitir sons com a sua voz. O som precisa ser ouvido sem
a interferência vocal de quem está a escutar.

Já é quase um chavão entre os professores e as professoras considerarem que são


desafinados, ou melhor, que as suas vozes são desafinadas. A relação parece circular,
crianças e professores não afinam e a bola vai girando se enredando e crescendo.
D e s a f i n a n d o!?
Mas veja: o que é ser desafinado? Quem produz a afinação e a desafinação?
Inicialmente, é bom lembrar que falar de conceitos de desafinação é uma contrapo-
sição aos conceitos de afinação.

62 Cláudia Ribeiro Bellochio


V. 3 N. 3 setembro de 2011

A pretensão não é de aprofundar conceitos de afinação e desafinação em seus as-


pectos biológicos e neurológicos, mas trazer algumas reflexões que possam auxiliar na
superação de preconceitos com relação a esses temas, enraizados e trazidos aprioristica-
mente em muitas práticas escolares que partem do pressuposto da desafinação como
algo maior que a própria afinação.
A princípio, se o sujeito não tem lesão no ouvido é um ouvinte em potencial e, por-
tanto, pode reproduzir os sons que ouve. Mas a emissão desses sons não depende so-
mente de sua audição. A emissão, falar ou cantar, depende de um conjunto de órgãos
que tem sido conhecido como sistema fonador. Uma conclusão lógica e rápida a que se
pode chegar é que se o sistema fonador e o ouvido não possuem lesões, pode-se ouvir
e emitir o que é ouvido.

“A fonação é uma função neurofisiológica inata, porém, a voz é adquirida


e vai-se formando através de nosso crescimento físico e emocional.
Assim, chegamos na idade adulta com o resultado da moldagem de
habilidades inatas pela nossa história de vida” (Vieira, 1996, p. 59). O
aparelho fonador é composto de estruturas originariamente destinadas
à realização de outras funções, sendo, por isso, adaptado à função vocal.
“Dos órgãos que cooperam na produção vocal nenhum é exclusivo do
‘aparelho fonador’. Eles desempenham também um trabalho no aparelho
digestivo e/ou no aparelho respiratório” (Vieira, 1996, p. 55). As funções da
respiração, mastigação e deglutição são anteriores e de vital importância
para a sobrevivência humana; a fonação tem desenvolvimento posterior
a estas, mas não se pode dizer que não seja considerada, hoje em dia, de
fundamental importância para a resistência e para o avanço da espécie
como um todo (ver Tomazzetti, 2003).

Voltando à questão da desafinação: não se culpe se você achar que é desafinado.


Tem solução! E o melhor, relativamente rápida e eficiente. Talvez o que você precise é
experienciar mais a sua voz. Cante mais! Treine mais! Aqui, vale o treinamento. Pratique!
Mas pratique conscientemente, ouvindo e sempre buscando melhorar o que você ouve
como “desafinado”.
Veja: treinar não é sair fazendo tudo umas 500 vezes até levar você à exaustão, no
caso, à rouquidão! Isso geraria outros problemas piores que desafinar.
Para começar, você precisa ouvir bem o que será cantado antes de cantar. Não tente
começar a imitar o que você cantará, antes de ouvir muitas vezes e imaginar, dentro da
sua cabeça, como você fará a execução da canção, do rap,² da declamação. Para cantar
é preciso antecipar, mentalmente, como você quer que o som soe. Não adianta fazer
sem pensar.

*
2. Se você deseja aprofundar leituras sobre o rap, leia Hip hop: da rua para a escola (Souza; Fialho; Araldi, 2005). Procure também outras
referências na internet, digitando “hip hop”.

Minha voz, tua voz: falando e cantando na sala de aula 63


MÚSICA na educação bбsica

Aos poucos você irá percebendo que o “problema” não está na afinação/desafinação
produzida, mas na forma pela qual você anda ouvindo o que será emitido. Isso também
vale para seus alunos e suas alunas, para as crianças.
Mas, vejamos algumas causas frequentemente apontadas e que podem levar ao que
se considera como desafinação da criança. As causas adicionam questões de natureza
social e biológica. Contudo, fica evidenciada a alta repercussão de questões sociais que
acabam por afetar a afinação. ³

Algumas causas da desafinação em crianças:


• Inexperiência ou falta de prática. As crianças aprendem por imitação e se elas
não são estimuladas por suas famílias e professores a cantar e não têm contato com
o canto, não há como construir a sua habilidade de cantar.
• Timidez. O canto é uma expressão humana e se a criança é muito tímida, não confia
em si mesma e não é encorajada a cantar, ela demorará a desenvolver o canto.
• Modelos inadequados. Se a criança aprende, ouve música de má qualidade cantada
de forma inadequada, tentará cantar da mesma maneira. A criança é imitativa.

Veja, aqui é preciso pensar sobre o que seria música de má qualidade cantada. Mui-
tos cantores atuais, como os rappers ou MCs, executam suas músicas vocais de modo
diferente dos modelos melódicos e rítmicos de canções tradicionais do repertório in-
fantil, mas isso não os caracteriza como modelos inadequados. O modelo inadequado
é aquele que pretende ser melódico e falha na execução correta de alturas sonoras, de
estruturas rítmicas, etc.

• Memória auditiva mal desenvolvida. Se a criança não se concentrar no que


ouve, não poderá lembrar nem mesmo de frases simples.
• Falta de interesse e motivação. Se o professor ou a professora não se preocupar
em estimular as crianças a ter um ambiente positivo e com as atividades
interessantes, as crianças facilmente se distrairão.
• Diferenças culturais. Crianças que vêm de meios culturais diferentes podem
estranhar melodias apresentadas, já que estão fora daquelas que costumeiramente
têm sido ouvidas.
• Coordenação. A criança pode ter dificuldade em coordenar a sustentação da
respiração com o que ela ouve e com a sua emissão.
• Problemas neurológicos e de ouvido interno. Lesão da cóclea, situada no
ouvido interno, responsável pela seleção dos sons ouvidos, sua base registra os sons
agudos e seu ápice, os sons graves. Qualquer lesão que a mesma sofra, interrompe
a comunicação com o sistema nervoso central, responsável pela decodificação
dos sons ouvidos. Os estímulos sonoros são transmitidos ao cérebro pelo nervo
recorrente que, se lesado, provoca um corte nessa corrente.

*
3. Essas causas foram expostas, a partir de uma obra, por Marisa Fonterrada (professora da Universidade Estadual Paulista – Unesp), em
curso realizado pela Fecors (Federação de Coros do Rio Grande do Sul) em Porto Alegre no ano de 1984.

64 Cláudia Ribeiro Bellochio


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Percebe-se, pois, que existem muitas causas para que a voz não soe como gostarí-
amos que ela soasse. No entanto, o mais grave é a lesão na cóclea, que compromete a
audição e a consequente emissão do que se ouve. As demais causas parecem superáveis
com trabalho diário, cuidados, escutas, etc.
Por fim, duas atividades simples que podem ser trabalhadas na escola.

Brincando com a voz: esta é uma experiência bem legal! Fale. Fale de diferentes ma-
neiras. Fale mais forte e mais fraco. Sussurre. Murmure. Grite. Fale uma mesma palavra ou
frase de diferentes maneiras. Invente frases engraçadas para serem faladas: Por exemplo:
o pinto e a pinta passeiam de ponta a ponta no planeta pintado. Fale essa frase explorando
os pp; os nn. Fale rapidamente, lentamente. Invente. Crie outras formas de brincar com
os sons da voz com seus alunos e suas alunas.
Escolha um pequeno poema e o interprete com as muitas possibilidades de sua voz.
Faça o mesmo criando seu próprio poema. Incentive sua turma a criar. Não esqueça de
se ouvir!
Outra ideia para brincar com a voz é criar melodias para muitas coisas. Comece can-
tando de muitas maneiras o seu nome, o nome das crianças. Um jeito legal para explorar
a construção de melodias é pensar em levar a sua voz para dar um passeio.

“Melodia: Parafraseando Paul Klee, uma melodia é como levar um som


para dar um passeio. Para termos uma melodia, é preciso movimentar o
som em diferentes altitudes (frequências). Isto é chamado mudança de
altura. Uma melodia pode ser qualquer combinação de sons. Há melodias
mais e menos bonitas, dependendo do propósito para a qual foram
pensadas. Algumas são livres, outras rigidamente organizadas, mas não é
isso que as faz mais ou menos belas.” (Schafer, 1991, p. 81)

Imagine que está fazendo desenhos no ar. Na sua mão, há uma varinha que guiará a
construção dos seus desenhos melódicos. Pense em fazer linhas retas, sinuosas, longas
e curtas. Linhas mais pesadas e mais leves. A cada movimento que você der, emita um
som e continue a representar sonoramente os desenhos que vão sendo construídos.
Vale lembrar que, para movimentos ligados, os sons são ligados, e, para movimentos
não ligados, os sons são separados. Brinque! Brinque com você e também seja regente
de um grupo, indicando-lhes como você gostaria que os sons fossem sendo realizados.
Estimule as crianças a também serem regentes. Ouça atentamente as melodias que vão
sendo construídas. Grave-as, ouça e aprecie com a sua turma. 4

* 4. No n. 2 de Música na Educação Básica, o texto de Ciszevski (2010) traz algumas ideias de exploração vocal na seção “Criando por meio
da voz...”; vale a pena conferir. No mesmo número da revista, outra referência é o texto “Explorando possibilidades vocais: da fala ao
canto”, de Schmeling e Teixeira (2010).

Minha voz, tua voz: falando e cantando na sala de aula 65


MÚSICA na educação bбsica

No livro de Murray Schafer (1991), O ouvido pensante, nos capítulos “Limpeza de ouvi-
dos” e “Quando as palavras falam”, você terá várias ideias de trabalhos com a voz. Leia-os
atentamente, exercite as sugestões e as reinvente, antes de fazê-los com suas crianças e
seus estudantes. Se necessário, adapte-os. O desafio profissional do professor é o de po-
tencializar a construção de conhecimentos a partir do já existente, implicando a criação
de situações de ensino novas. Invente! Crie!

Musicando poesias: musicar poesias é uma atividade legal. Você pode pensar em
fazer um rap, em criar melodias ou misturar as duas formas. O legal é se os estudantes fo-
rem desafiados a construírem musicalmente a partir dessas obras, mas isso será possível
após terem domínio de leitura da língua portuguesa.
Duas obras bem bacanas são os livros de poesia Ou isto ou aquilo, de Cecilia Meireles
(1990), e Delícias e gostosuras, de Ana Maria Machado (2005).
Trago, da segunda obra, uma poesia:

Lá vem a avó da Isadora


Com seu samburá na mão.
Ela diz que está trazendo
Empadinha de camarão.

“Ai, ai, ai minha azeitona,


ai, ai, ai, minha empadinha.
Quem foi que pôs a mão
Sabendo que tu és minha?”

Essa poesia possui um universo musical explícito ao combinar duas canções de domí-
nio público. No primeiro verso, a canção Lá vem a sinhá marreca e, no segundo, Minha ma-
chadinha. Com essa poesia podem ser exploradas muitas formas de construções musicais.
Uma delas é falar os versos como se fossem um rap ou cantar os versos com as melodias
das canções que originaram a criação da poesia. Poderiam também ser combinadas exe-
cuções de rap com as melodias de domínio público. Vá tentando. Experiencie! Construa
junto com as crianças formas de musicar poesias que sejam interessantes ao processo de
educação musical da turma. Boa sorte nas suas investidas!

Breves considerações finais


Se você se abrir para o universo da voz, ouvir músicas que se utilizam da voz cantada e
músicas que se utilizam da voz falada, aprenderá muitas coisas que poderão se transformar
em possibilidades de trabalho pedagógico em sala de aula. Trabalhos simples e trabalhos

66 Cláudia Ribeiro Bellochio


V. 3 N. 3 setembro de 2011

sofisticados. O mais legal é viver a experiência e buscar sentidos no que está sendo vivido.
Novamente, a experiência precisa fazer-lhe sentido, tocar-lhe sensível e esteticamente com
o mundo. Não se esqueça de também cantar estilos diversificados de músicas vocais: can-
ções e raps são ótimas práticas. Lembre que processos de educação musical que se utilizam
da voz poderão também ser uma maneira muito bacana de conhecer e cantar canções
diferentes (ninar, trabalho, mídia, folclóricas, etc.), de diferentes lugares e formas. Tente ouvir
e perceber as diferenças entre as canções do Rio Grande do Sul e as canções do Nordeste,
ou do Norte. Nesse universo existe uma riqueza expressiva rica que poderá ser explorada
nas experiências vocais. Diante disso, brinque com a sua voz. Imite com a sua voz. Construa
uma relação vocal com o mundo sonoro, cantando e falando. Declame. Interprete poesias.
Crie diferentes expressões para a sua execução musical com a voz: triste, alegre, etc. Acre-
dite, é possível.

Referências
BONDIÁ, J. L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira
de Educação, n. 19, p. 20-28, 2002.

CISZEVSKI, W. S. Notação musical não-tradicional: possibilidade de criação e ex-


pressão musical na educação infantil. Música na Educação Básica, n. 2, p. 22-33,
2010.

GALEANO, E. As palavras andantes. 5. ed. Porto Alegre: L&PM, 2007.

MACHADO, A. M. Delícias e gostosuras. São Paulo, Salamandra, 2005.

MEIRELES, C. Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

PARIZZI; B. O canto espontâneo da criança de zero a seis anos: dos balbucios às


canções transcendentais. Revista da Abem, n. 15, p. 39-48, set. 2006.

PEREIRA, M. V. Carta convite para escrita. 2010. Manuscrito (arquivo pessoal).

SCHMELING, A.; TEIXEIRA, L. Explorando possibilidades vocais: da fala ao canto.


Música na Educação Básica, n. 2, p. 74-87, 2010.

SCHAFER, M. O ouvido pensante. Trad. Marisa Fonterrada. São Paulo: Editora


Unesp, 1991.

SOUZA, J.; FIALHO, V. M.; ARALDI, J. Hip hop: da rua para escola. Porto Alegre:
Sulina, 2005. Acompanha 1 CD. (Coleção Músicas).

TOMAZZETTI, C. T. A voz profissional do professor: instrumento de trabalho ou pro-


blema no trabalho? 2003. Dissertação (Mestrado em Educação)–Centro de Educa-
ção, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2004.

VIEIRA, M. M. Voz e relação educativa. Porto: Afrontamento, 1996.

Minha voz, tua voz: falando e cantando na sala de aula 67


MÚSICA na educação bбsica

Era uma vez…


Entre sons, músicas
e histórias

Maria Cristiane Deltregia Reys


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Maria Cristiane Deltregia Reys


[email protected]

Mestre em Educação pela Universidade Federal de


Santa Maria (UFSM), licenciada em Música pela mesma
universidade e bacharel em Música – violoncelo pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Desen-
volve trabalhos voltados ao ensino de música na escola
básica, ensino instrumental e formação de professores.
Faz parte do grupo de pesquisa (CNPq) Formação, Ação
e Pesquisa em Educação Musical (Fapem) e Projeto Arte
na Escola – polo UFSC. É professora do Colégio de Apli-
cação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Resumo: O texto apresenta ideias para o Once upon a time… Between sounds,
ensino de música na educação básica a partir songs and stories
da sonorização de histórias, sendo abordadas
diferentes perspectivas para o trabalho do Abstract. The text presents ideas for music
professor especialista e não especialista em teaching in basic education from music
música. Atividades com histórias são um meio stories, being addressed different perspectives
eficiente de desenvolver conteúdos musicais, to the work of specialist and not specialist
envolvendo e motivando as crianças para o music teacher. Activities with stories are an
fazer musical. A proposta possibilita integrar efficient mean to develop musical contents,
diferentes tipos de histórias a atividades involving and motivating children to the
de composição, apreciação e performance, musical experience. The proposal makes it
potencializando o desenvolvimento da possible to integrate different types of stories
expressão, percepção, interpretação e to the compositional activities, appraisal and
criatividade em música. As histórias performance, leveraging the development
sonorizadas representam ainda um meio of expression, perception, interpretation
de articular as linguagens artísticas em uma and creativity in music. The musical stories
proposta curricular integrada. still represent a mean to articulate artistic
languages in an integrated curriculum
Palavras-chave: educação musical; música proposal.
na escola básica; histórias sonorizadas
Keywords: musical education; music at the
basic school; music stories

REYS, M. C. D. Era uma vez... Entre sons, músicas e histórias. Música na Educação Básica,
v. 3, n. 3, p. 68-83, 2011.

69
MÚSICA na educação bбsica

Entre as várias maneiras de se abordar a música como área de conhecimento com


objetivos e conteúdos próprios, a sonorização de histórias apresenta-se como um tipo
de atividade prática que envolve facilmente as crianças. As histórias representam um
meio eficiente de se trabalhar conteúdos musicais como percepção, caráter expressivo
e forma, o uso da voz e o manuseio de instrumentos, a partir de atividades consideradas
prioritárias no processo de desenvolvimento musical dos alunos. Assim, atividades de
composição, apreciação e execução podem estar articuladas em um processo lúdico, no
qual a experiência musical favorece a compreensão de conceitos específicos.
Sonorizar histórias se constitui em tornar sonoro um enredo, ou partes dele, em fazer
soar uma trama, seja por meio da voz ou de objetos e instrumentos. Nesse tornar sonoro,
a utilização de sons ou de melodias passa a fazer parte da narrativa.

Muitas são as histórias ou os tipos de histórias sonorizadas que encontramos em


nossas salas de aula. Há aquelas que contêm sons produzidos no intuito de ambientar
a narrativa, na qual efeitos sonoros são produzidos de modo a carregar as cenas de ex-
pressão e estimular a imaginação dos ouvintes. É a técnica da sonoplastia! Quem não
ouviu falar das novelas de rádio, ouvidas e contadas por nossos avós? Em nossa prática
nas escolas também podemos encontrar esse tipo de histórias cuja produção de sons
é recheada de imaginação e criatividade. Cocos, tambores, chocalhos, folhas de raios X,
caixas de isopor, tampinhas, sacos plásticos, instrumentos musicais, percussão corporal
e uma infinita variedade de objetos são utilizados para esse fim. Na busca por timbres e
sonoridades, as histórias potencializam aprendizagem e diversão, e ampliam as ideias de
música dos alunos.
Outro grupo de histórias inclui aquelas que contêm canções que ilustram alguma
“cena”, enfatizam acontecimentos ou caracterizam personagens, distinguindo-os e am-
bientando-os na narrativa. As canções integram o conjunto sonoro da história, cujas
melodias abrem, encerram ou recheiam o texto, constituindo a trilha sonora. Assim, as
melodias podem ser compostas especialmente para a história ou configurarem canções
tomadas de empréstimo do cancioneiro popular. Muitas histórias com música são acres-
cidas ainda de efeitos intercalados às canções.
Há ainda algumas histórias que são cantadas integralmente, cujas melodias condu-
zem a narrativa. Essas histórias, ou canções que contam histórias, também fazem parte
do repertório desenvolvido pelo professor na aula de música, cujos enredos e melodias
podem ser criados de forma coletiva pelo grupo.

70 Maria Cristiane Deltregia Reys


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Entre as muitas histórias que já ouvimos, certamente há inúmeras combinações e


variedades que vão muito além do aqui apresentado. Além disso, é bom lembrar que as
histórias se constituem em passagens para mundos imaginários, para culturas distantes,
com personagens, sons e melodias que encantam crianças e adultos.

Assim, além do desenvolvimento em música, é possível considerar inúmeras ou-


tras possibilidades que o trabalho de educação musical relacionado à sonorização de
histórias representa no contexto da sala de aula. Entre elas, poderíamos mencionar o
desenvolvimento da criatividade, da responsabilidade com o grupo (e com o trabalho
de criação em grupo), a sociabilidade, o favorecimento da livre expressão de ideias e a
articulação com outras áreas do conhecimento. Há que se enfatizar, sem dúvida, que as
histórias sonorizadas, muitas vezes, podem significar a integração das diversas lingua-
gens que englobam a área de arte, ou seja, teatro, dança, artes visuais e música, a partir
da expressão corporal, criação de cenários e figurinos, sonorização e composição.

Há ainda o respeito às limitações e à personalidade de cada um na medida em que o


trabalho permite um leque de inúmeros tipos de participação. Se por um lado há espaço
para valorizar as habilidades técnicas que um determinado aluno possui em relação a
um instrumento musical, por exemplo, por outro lado há espaço para alguém que ain-
da não teve nenhum contato direto com a música. As atividades tendem a valorizar as
diferenças incluindo alunos com histórias de vida diversas, além de uma variedade de
gostos e interesses.

História: O pequeno dragão


Autor: Pedro Bandeira
Ilustração: Luisa Freitas Garbosa

Era uma vez… Entre sons, músicas e histórias 71


MÚSICA na educação bбsica

O que dizem os mestres?


Autores da área de educação musical ressaltam a importância da história no dia a dia
das crianças como meio de desenvolver a escuta e a fala, além de promover reflexões
sobre questões afetivas e valores. Para Brito (2003, p. 163), entretanto, a sonorização de
histórias enquanto “situações de exercício musical” deve priorizar o som, sendo “preferí-
vel trabalhar com histórias não muito longas, com textos simples, que permitam que se
dê atenção à sonorização”.
A autora lembra que é possível

“[…] pesquisar e experimentar os mais diversos sons vocais: imitar as


vozes de animais, o barulho da água, do trovão, o ruído de portas abrindo
ou fechando, o ronco de motores… Também podemos explorar os
sons produzidos com o corpo: batendo palmas de diferentes maneiras
(palmas abertas, em forma de concha, com a ponta dos dedos na palma,
com suavidade, com força), batendo nas pernas, no peito, batendo pés,
produzindo estalos…” (Brito, 2003, p. 163)

Para Bergmann e Torres (2009) a sonorização de histórias abre interessantes cami-


nhos para trabalhos interdisciplinares como a parceria entre música e literatura. As auto-
ras afirmam que englobar a dimensão sonora ao ler uma história

“[…] possibilita ao aluno explorar sua autonomia, desenvolvendo e


exercitando sua memória, seu raciocínio, sua capacidade de percepção e
sua criatividade. Esse indivíduo criativo é um elemento importante para
o funcionamento efetivo da sociedade, pois é ele quem faz descobertas,
inventa e promove mudanças.” (Bergmann; Torres, 2009, p. 197)

Nessa perspectiva de leitura, o leitor interage/dialoga com os escritos do autor. A


sonoridade introduzida pode determinar graus de tensão, de dramaticidade ou de ale-
gria, passando o leitor a assumir um papel de intérprete cuja leitura não se encerra no
texto escrito. Nesse processo, as ilustrações presentes nos livros de histórias para crianças
certamente sugerem sons.
Voltando à interdisciplinaridade, a escolha de uma atividade como a sonorização de
histórias na aula de música ou na disciplina de língua portuguesa, por exemplo, pode
transformar uma simples canção ou uma simples leitura em uma experiência significativa.
Quanto aos conteúdos específicos da área, esse tipo de atividade abre caminhos
para se trabalhar diversos deles. Frederico (2007) enfatiza o registro musical, aspecto que
será abordado também neste artigo. A autora lembra que registrar o que é criado pelo

72 Maria Cristiane Deltregia Reys


V. 3 N. 3 setembro de 2011

grupo pode significar uma necessidade, pois a grafia permite lembrar uma sequência de
acontecimentos sonoros, quais os materiais/instrumentos utilizados, além de outros de-
talhes como caráter expressivo, nuanças de dinâmica, informações sobre altura, duração
dos sons, mudanças de timbre, entre outros.

Você sabia…
… que a notação musical tradicional foi inventada por
um monge beneditino italiano chamado Guido d’Arezzo
pela necessidade de registrar com maior precisão os hinos
religiosos? Ele também deu o nome às sete notas musicais a
partir da letra do hino a São João Batista:

Ut queant laxis
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum
Solve polluti
Labii reatum
Sancte Johannes

Para França (2010), a alfabetização escrita e musical faz parte do desenvolvimento


do sujeito como ser social. Entretanto, a maneira como essa alfabetização ocorre, com
maiores ou menores “imposições da fase de letramento” (França, 2010, p. 10), interfe-
re diretamente na liberdade de criação e interpretação musicais. Nesse sentido, grafias
alternativas, denominadas também de notação musical analógica, representam para a
autora “um recurso facilitador da performance” (ibid., p. 11).

A notação analógica, acessível às crianças por não apresentar regras preestabeleci-


das, pode significar uma opção de escrita com maiores ou menores níveis de precisão.
Assim, esse tipo de notação permite o registro do evento sonoro sem deixar de conferir
liberdade ao intérprete, ou seja, a intenção de registrar permanece, porém não restringe
a leitura à habilidade de ler uma partitura tradicional. É bom lembrar que na música
contemporânea vários compositores têm optado por esse tipo de grafia, justamente
pensando em uma maior participação do intérprete.

Com base em estudos de Vygotski, Frederico (2007, p. 5) lembra ainda que a gra-
fia musical como parte do processo de sonorização de histórias tem valor ao exercitar
a criatividade e construir conhecimento musical, não importando como “escrevem as
crianças, mas sim que elas mesmas são suas autoras, as criadoras, que se exercitam na
imaginação criadora, na sua materialização”.

Era uma vez… Entre sons, músicas e histórias 73


MÚSICA na educação bбsica

Como fica o planejamento?


Em qualquer situação pedagógica, o tema “história sonorizada” pode fazer parte do
contexto da sala de aula. Se você quer utilizar esse recurso na aula de música, ou se há
em seu planejamento a “hora do conto”, ou ainda se você pretende desenvolver um
projeto com outras disciplinas, há sempre a oportunidade de trabalhar os conteúdos
musicais a partir das histórias. Não há, entretanto, uma receita que nos diga como e em
que momento iniciar esse tipo de atividade.
Há também uma situação em especial, quando um tema surge espontaneamen-
te entre os alunos. Um filme em cartaz no cinema, uma atividade realizada na aula de
educação física, uma festa na escola, o passeio no final de semana ou até mesmo um
modismo lançado pela mídia podem gerar um tema e resultar em momentos de intenso
aprendizado com marcantes experiências musicais.
Assim, a atividade pode ser planejada detalhadamente pelo professor ou surgir na-
turalmente, levando-o a modificar o planejamento. Também pode ser desenvolvida em
etapas, em várias aulas de música, de modo que em cada aula o trabalho seja retomado
e continuado até que ganhe forma. O resultado poderá ser significativo, podendo ser re-
gistrado em áudio e vídeo para apreciação e avaliação do grupo, ou até mesmo culminar
em uma apresentação na escola.

Antes de iniciar o trabalho, é preciso escolher o tema ou a história,


elencar materiais, traçar objetivos e conteúdos. É preciso questionar:

• A temática é adequada à faixa etária?


• Quais os recursos materiais disponíveis?
• Que conteúdos desejo trabalhar?
• Com que objetivos a atividade será desenvolvida?

Durante o trabalho, é preciso analisar, organizar, combinar e decidir


junto ao grupo:

• Quais são os personagens?


• Haverá um narrador?
• Em quais momentos haverá sons e canções?
• De que modo serão organizados os elementos sonoros a fim de
dar expressão às cenas?
• Quais serão os recursos materiais utilizados?

74 Maria Cristiane Deltregia Reys


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Recursos materiais
Certa vez, em uma escola que eu trabalhava, havia uma professora muito louca, de
cabelos vermelhos e riso fácil. Ela era responsável pela “hora do conto” e em sua sala ha-
via, entre outras coisas, um baú. Eu acho que esse baú era meio mágico, pois dele saiam
coisas inacreditáveis! Minha sala ficava ali perto e às vezes eu tinha era vontade de errar
de sala, só para ver o que é que havia escondido no baú.

Na verdade, o baú fazia parte do planejamento, e conforme a história o seu con-


teúdo mudava. Os olhinhos brilhavam, a imaginação ia longe e literalmente as
crianças entravam na história junto com a professora, aliás. Esse é um ponto im-
portante: entre na história, entre na música, vire criança, passe por debaixo da
mesa. Já experimentou? Eu já, e é bom demais!

Entre os recursos ou materiais didáticos, há vários que podem nos au-


xiliar na sonorização das histórias, entre eles os CDs, os bonecos, os fanto-
ches, os dedoches, gravuras em EVA, instrumentos musicais tradicionais
ou alternativos¹, copos de plástico, folhas de plástico ou papel, jornal,
conchinhas do mar, tampinhas de todo tipo, água, brinquedos e um nú-
mero incontável de bugigangas facilmente encontradas em bazares.

Esse é meu ajudante Fritz

Gostaria de ressaltar que os bonecos e os fantoches, a depender do trata-


mento dado a eles, acabam tomando o papel de ajudantes, coadjuvantes e
até mesmo de personagens das histórias criadas em salas de aula. Da mes-
ma forma, os dedoches auxiliam a soltar a imaginação e com ela a criação
dos efeitos sonoros. São baratos, fáceis de fazer em EVA, feltro ou tecido,
e em vários sites da internet há modelos para
sua confecção.

*
1. Pode-se conseguir um ótimo efeito sonoro construindo
instrumentos com material reciclável.
Dedoches de feltro.

Era uma vez… Entre sons, músicas e histórias 75


MÚSICA na educação bбsica

E agora? Mãos na massa!

Clássicos infantis
Eu não poderia começar de outro jeito, senão lembrando as histórias da minha infân-
cia. Quando comecei a trabalhar como educadora musical, fiz o que imagino que muitos
professores fazem, recorri às memórias. Lembrei das aulas de música na pré-escola, das
brincadeiras de roda, das bandinhas e das canções. Lembrei também dos disquinhos
coloridos que meu pai comprava para mim.

A coleção “Disquinho”, da gravadora Continental (selo da Gravações


Elétricas), foi lançada, inicialmente, nas décadas de 1940 e 1950 (Mariani,
2011, p. 48). Dirigida por João de Barro, o Braguinha, compositor de
marchinhas de carnaval, a Continental foi escolhida pela “Disney Company
para fazer as primeiras versões dos filmes de Walt Disney para o português:
Branca de Neve, Pinócchio e Alice no País das Maravilhas, dentre outros” (Matte,
1998, f. 52).

Estas são duas das minhas histórias preferidas, dê uma espiada e é claro, preste aten-
ção às possibilidades sonoras e às músicas, elas são sucesso garantido!

Sites
http://www.4shared.com/account/file/92336003/a47c8e6f/disquinho_-_O_Cabra_Ca-
brez.html
http://www.4shared.com/account/file/131694005/cf275ab0/disquinho_-_O_lobo_e_
os_tres_cabritinhos.html

Os Três porquinhos não poderiam faltar!


Os três porquinhos é um conto de fadas provavelmente datado do
século XVIII que se tornou bastante conhecido a partir da versão em
animação feita pela Disney em 1933. Foi essa versão que adicionou
nomes para os porquinhos: Cícero, Heitor e Prático (em português) ou
Fifer Pig, Fiddler Pig e Edmund Pig (em inglês).

Uma história antiga e cheia de sons, boa para começar a aventura. Você pode utilizar
um livro, contar a versão que mais gosta ou ainda usá-la para criar outra. Experimente
usar lixas para produzir o som do serrote, pauzinhos, plásticos ou jornais. Além de explo-
rar os timbres e outros materiais da música, é possível trabalhar conteúdos como caráter

76 Maria Cristiane Deltregia Reys


V. 3 N. 3 setembro de 2011

expressivo e forma. Não se esqueça das muitas possibilidades a partir de sons vocais e
corporais que os alunos podem criar.

Os três porquinhos – Coleção Disquinho


http://www.4shared.com/audio/5G41dzTp/disquinho_-_Os_Tres_Porquinhos.htm

Ressalto, entretanto, que é necessário estar atento aos conteúdos e mensagens


presentes em produtos disponíveis na mídia. Para Giroux (1995, apud Bozzetto, 2000,
p. 110), por trás de um trabalho estético cenográfico e musical ricamente estruturado,
filmes como os da Disney carregam, muitas vezes, “estereótipos de gênero, posições ra-
ciais, de classe, valores e modelos. Tudo isso numa atmosfera mística que nos faz sentar
numa agradável poltrona e sentir prazer, desejo e uma incômoda satisfação midiática.” É
preciso utilizar esses recursos com consciência crítica a fim de adequá-los às nossas ne-
cessidades sem ignorar ideologias e filosofias neles impregnadas. A partir das histórias,
entretanto, podemos criar sons, músicas, novas versões e aproveitar a atividade para
abordar conteúdos musicais.

A música como ponto de partida


Às vezes temos simplesmente uma canção e ela pode nos fazer viajar e imaginar.
Aliás, com criança e música é bem provável que isso aconteça.
Frère Jacques é um bom exemplo de canção que sugere uma história e variações
para vivenciar a música:

• Frei Martinho pode acordar com preguiça!


• Pode estar atrasado! Versão em português:
Frei Martinho
• Pode acordar alegre!
Sobe a torre
• Ou triste! Pra tocar o sino
• Pode acordar de mau humor! Ding, deng, dong!
Frère Jacques
Tradicional francesa

Frиre Jacques Tradicional francesa

 
Voice                 
Frè re Jac ques Frè re Jac ques Dor mez vous? Dor mez vous?


            
5

      
Son nez les ma ti nes Son nez les ma ti nes Ding Ding Dong Ding Ding Dong

Era uma vez… Entre sons, músicas e histórias 77


MÚSICA na educação bбsica

O trem de ferro do nosso folclore também é uma fonte de inspiração:

• Vamos fazer um passeio de trem?


• Para onde vamos?
• O que iremos levar?
• Como é o som do trem partindo da estação?
• E subindo a montanha, descendo, entrando no túnel?
• E passando pela cachoeira ou entrando na floresta escura?
• E o apito do trem?
• E a movimentação dos passageiros?
• E o maquinista?

O trem de ferro
Quando sai de Pernambuco
Vai fazendo fuco-fuco
Até chegar no Ceará

Você sabia que o tema “trem” tem inspirado muitos artistas e gerado
inúmeras obras de arte? Que tal criar ou viajar com outros trens?

Maria fumaça, de
Trenzinho, de Cecília Cavalieri França
João Gilberto

O trenzinho do caipira,
O trem de ferro, com
de Villa-Lobos com letra
poema de Manuel
O trenzinho do caipira, de Ferreira Gullar, na
Bandeira e música de
de Heitor Villa-Lobos voz de Zé Ramalho
Tom Jobim

78 Maria Cristiane Deltregia Reys


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Criando histórias
Trago aqui o relato de uma experiência junto a um grupo de alunos
de musicalização na faixa etária de 6 a 7 anos de idade. Havia preparado
a aula e daria continuidade ao assunto da semana anterior. Duas das mi-
nhas alunas, entretanto, haviam assistido na véspera ao filme Tubarão².
Estavam muito impressionadas com a história do filme e relatavam como
o tubarão atacava as pessoas na praia. Após ouvi-las tentei iniciar a aula
como de costume, mas logo percebi que o tema trazido por elas interes-
sava a todos e poderia ser explorado a fim de podermos dar continuidade
ao trabalho de musicalização. Foi então que propus que fizéssemos a “nossa”
história do tubarão. Como esperado, a proposta foi imediatamente aceita e des-
pertou grande interesse da turma.

Iniciamos imaginando como gostaríamos que fosse a nossa versão. Imagi-


namos o cenário, os personagens e os acontecimentos, tudo inserido em uma
paisagem sonora.³ As crianças decidiram que a nossa história não teria um final
trágico: nem pessoas, nem tubarões sairiam machucados da trama. Decidido
isso, escrevemos tópicos a serem desenvolvidos e dividimos as cenas em
quadros.

As crianças se encarregaram de fazer desenhos que represen-


tassem essas cenas. Depois de pronta a história, passamos à fase de
composição da trilha sonora. Nessa etapa, um misto de atividades de
apreciação e manipulação de elementos sonoros teve como objetivo
descrever por meio de sons o ambiente no qual acontecia a ação e
a sequência de acontecimentos que viriam após o quadro inicial.
Para tanto foram utilizados instrumentos como piano, xilofone,
pau de chuva, flauta de êmbolo, objetos como tampinhas de
metal, conchinhas do mar e as vozes das crianças. Trago aqui
alguns desenhos das crianças e etapas do processo de sonoriza-
ção que registrei em meu diário:

* 2. Filme de Steven Spielberg, baseado no romance de Peter Benchley, com trilha sonora de John Williams.
3. O termo “paisagem sonora”, divulgado pelo compositor e educador Murray Schafer na década de 1960, refere-se às características sono-
ras de um determinado ambiente, ou seja, cada ambiente tem sua própria paisagem sonora. Para Schafer (2001), o termo pode referir-se
a ambientes reais ou a composições musicais que retratam um ambiente.

Era uma vez… Entre sons, músicas e histórias 79


MÚSICA na educação bбsica

Figura 4. Ataque
do tubarão.

[…] ouvimos, experimentamos e escolhemos sons de instrumentos


alternativos para representar os sons dos pássaros, o apito do sorveteiro
e as ondas do mar, enfim, sonorizar as diferentes cenas. Os paus de chuva
foram mantidos em “ostinato”, pois as ondas não podiam parar nunca.
Para dar dramaticidade ao momento em que o tubarão se aproximava,
utilizamos o piano, com muitos sons graves e agudos ao mesmo tempo,
em um crescendo, até que, no momento do ataque do tubarão, as crianças
bateram forte com os braços nas teclas, provocando muito barulho.

Figura 5.
Barco salva-vidas.

[…] o som do barco salva-vidas foi representado também pelo piano,


onde uma criança tocava “sem parar” um intervalo de terça menor. […]
De volta à tranquilidade da praia, podia-se ouvir novamente as crianças
brincando, os pássaros cantando e o apito do sorveteiro.

80 Maria Cristiane Deltregia Reys


V. 3 N. 3 setembro de 2011

A partir da escuta e organização dos sons, os elementos “forma” e “caráter


expressivo” foram naturalmente vivenciados pelas crianças. Aspectos extramusicais
como cooperação, envolvimento com o trabalho e responsabilidade estiveram pre-
sentes todo o tempo. Chegamos até a apresentar a atividade aos pais.

[…] tudo foi registrado de modo que pudéssemos lembrar a sequência da


nossa composição. Ensaiamos bastante, pois, para estar frente à plateia, era
preciso que cada criança soubesse exatamente o que fazer. […] no momento
da apresentação, montei uma estrutura de madeira com um pedaço grande
de papel pardo onde colamos as ilustrações. Assim, as crianças ficaram escon-
didas e o público ouviu a história, como no rádio.

A partir de elementos de notação musical


trabalhados em aula, fomos registrando cada
etapa do trabalho, a fim de darmos continui-
dade, ou seja, fomos criando gráficos de sons
que, da maneira mais clara possível, nos per-
mitissem lembrar a composição.
Figura 6. Notação.

Preciosidades

Mil pássaros

Sete histórias de Ruth Rocha contadas pela Bia Bedran


própria autora, incluindo canções do selo
Palavra Cantada. Sugerem temáticas como Apresenta shows em que a contação de
diversidade e respeito às diferenças que histórias é acompanhada pela interpretação
são abordadas com muita expressão. de músicas e trilhas sonoras ao vivo. Além
disso, ministra cursos onde compartilha
http://www.4shared.com/file/wJX28eto/ técnicas e estratégias didáticas com
Palavra_Cantada-Mil_Pssaros-Ru.htm professores.

Macaquinho sai daí: http://www.youtube.


com/watch?v=9NrOMDp1FSU

Era uma vez… Entre sons, músicas e histórias 81


MÚSICA na educação bбsica

Palavra Cantada

O selo Palavra Cantada produz CDs e


DVDs com músicas e histórias para o
Os saltimbancos
público infantil.
Musical infantil de Sergio Bardotti e Luis
Irmãozinho: http://www.youtube.com/
watch?v=XcL-jm12MhI&feature=related Enríquez Bacalov, com versão em português
de Chico Buarque. Inspirado no conto Os
músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm, narra
de forma bem-humorada a condição e os
direitos dos trabalhadores. Quatro animais
desiludidos com o tratamento recebido
pelos seus patrões abandonam seus postos,
tornando-se saltimbancos.
Clarice Lispector

As histórias do CD Doze lendas brasileiras


contam “causos” populares narrados por
diferentes atrizes e resultam da paixão da
escritora pelo folclore do país.

http://www.4shared.com/get/8TEiy5rv/
Contos, cantos
Audiolivro-Doze_lendas_brasile.html e acalantos

CD de José Mauro Brant, produzido a


partir de pesquisa de canções e histórias
do folclore brasileiro, que permanecem
através da tradição oral.

Lá vem história

Com Bia Bedran. DVD originado da série Lá


vem história, da TV Ratimbum – TV Cultura SP.
O trabalho contém lendas do Brasil, cujas his-
tórias são sonorizadas a partir de uma grande
variedade de instrumentos musicais.

82 Maria Cristiane Deltregia Reys


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Para saber mais


http://ebooksgratis.com.br/livros-ebooks-gratis/literatura-nacional/infanto-juvenil-
e-entretenimento/audiobook-palavra-cantada-mil-passaros-sete-historias-de-ruth-
rocha-sandra-pires-e-paulo-tatit/

http://repertoriosinfonico.blogspot.com/2007/07/prokofiev-alexandre-pedro-e-o-
lobo.html

Referências
BOZZETTO, A. A música do Bambi: da tela para a aula de piano. In: SOUZA, J. (Org.).
Música, cotidiano e educação. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 107-118.

BERGMANN, L.; TORRES, M. C. Vamos cantar histórias? Revista Conjectura, v. 14, n. 2,


p. 187-201, maio/ago. 2009. Disponível em: <http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/
conjectura/article/view/23/22>. Acesso em: 28 nov. 2010.

BRITO, T. Música na Educação Infantil: propostas para a formação integral da criança. 2.


ed. São Paulo: Peirópolis, 2003.

FRANÇA, C. Sopa de letrinhas: notações analógicas (des) construindo a forma musical.


Música na Educação Básica, n. 2, p. 8-21, 2010.

FREDERICO, R. O conto sonoro, uma forma de explorar a escrita musical. In: CON-
GRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 16., 2007, Campinas. Anais… Campinas: Unicamp,
2007. Disponível em: <http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/
sem13pdf/sm13ss18_02.pdf.>. Acesso em: 30 nov. 2010.

MARIANI, S. Émile Jacques-Dalcroze. In: MATEIRO, T.; ILARI, B. (Org.). Pedagogias em


educação musical. Cuiritiba: Ibpex, 2011. p. 25-54.

MATTE, A. C. F. Abordagem semiótica de histórias e canções em discos para crianças:


o disco infantil e a imagem da criança. Dissertação (Mestrado em Semiótica e Linguística
Geral)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1998.

SCHAFER, M. A afinação do mundo. Tradução de Marisa Trench Fonterrada. São Paulo:


Unesp, 2001.

Era uma vez… Entre sons, músicas e histórias 83


MÚSICA na educação bбsica

Sonorizando histórias
e discutindo a educação
musical na formação e
nas práticas de pedagogas

Kelly Werle
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Kelly Werle
[email protected]

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em


Educação da Universidade Federal de Santa Maria
(PPGE/UFSM). Mestre em Educação pelo PPGE/
UFSM (2010) e graduada em Pedagogia pela mes-
ma universidade (2008). Atua como coordenado-
ra pedagógica do Núcleo de Educação Infantil Ipê
Amarelo da UFSM e como professora no curso de
Pós-Graduação em Educação Infantil/UFSM. De-
senvolve pesquisas relacionadas à educação mu-
sical na formação acadêmico-profissional de pro-
fessores da educação infantil e anos iniciais, bem
como à educação musical na educação infantil.
Participa do grupo de pesquisa Formação, Ação
e Pesquisa em Educação Musical (Fapem) e do
Grupo de Investigação e Estudos Contemporâ-
neos em Educação e Infância, ambos na UFSM.

Resumo: O texto traz contribuições para se Vocalizing histories and discussing the
pensar a formação e a atuação musical e pe- musical education in the formation and
dagógico-musical de professoras da educação practices from pedagogues
infantil e anos iniciais do ensino fundamental,
tendo sido originado a partir da conclusão Abstract: The text brings contributions to
de uma dissertação de mestrado vinculada think the formation and music and music-
ao PPGE/UFSM. Apresenta como objetivo pedagogical performance of teachers from
discutir a educação musical na formação kindergarten and first years of elementary
acadêmico-profissional do curso de Pedago- school, it had been originated from a masters’
gia, bem como dialogar sobre a possibilidade degree research articulated to PPGE/UFSM.
de trabalhar com a educação musical a partir It has as aim to discuss the musical education
de histórias sonorizadas, prática adotada por at profession-academic formation at Pedagogy
estagiárias da Pedagogia/UFSM, no decorrer da course, as well as to dialogue about the
pesquisa de mestrado. possibility of dealing with musical education
through the vocalized histories, practice
Palavras-chave: educação musical; formação adopted by trainers from Pedagogy/UFSM,
de pedagogas; histórias sonorizadas throughout the master’s research.

Keywords: musical education; pedagogues’


formation; vocalized histories

WERLE, K. Sonorizando histórias e discutindo a educação musical na formação e nas


práticas de pedagogas. Música na Educação Básica, v. 3, n. 3, p. 84-95, 2011.

85
MÚSICA na educação bбsica

A mъsica está presente em nossa vida e permeia nossas relações e construções com o mun-
do desde muito cedo. Basta exercitarmos um pouco nossa memória para percebermos
que crescemos e nos constituímos humanos envoltos por um ambiente sonoro musical
característico de nosso cotidiano e contexto social e cultural, repleto de sentidos e sig-
nificados que nos são únicos.

Somos seres musicais e temos a capacidade de responder sonoramente e musical-


mente à cultura em que estamos inseridos. Algumas pessoas afirmam “não ter dom para
música” sem ter a consciência, contudo, de que o fazer musical não é algo concedido
naturalmente sem influência do meio ou esforço próprio. Fazer música exige estudo,
esforço e dedicação como em qualquer outra área do conhecimento. Portanto, a música
não é um dom concedido a uns e negado a outros, o que ocorre é que, no decorrer de
nossas trajetórias de vida, possuímos maiores ou menores oportunidades de estarmos
nos desenvolvendo musicalmente.

Assim, não existe uma pessoa amusical, pois “a musicalidade é uma característica da
espécie humana e […] todos os seres humanos estão aptos a se desenvolverem musi-
calmente” (Figueiredo; Schmidt, 2008).

Essa concepção acerca da música também pode ser levada para a discussão quan-
do pensamos na professora¹ que atua com a educação infantil e anos iniciais. Pois
refletir sobre o trabalho com a educação musical na escola implica considerar essas
múltiplas relações e construções acerca da música que perpassam pela trajetória pes-
soal e profissional.

Nesse contexto, é importante que na formação acadêmico-profissional² as futu-


ras professoras possam ter a oportunidade de ressignificarem suas vivências musicais
que, em grande parte das vezes, se constituem informalmente, não vivenciando sua
relevância enquanto área do conhecimento. Assim, a partir de suas experiências, em
consonância com novas vivências podem desenvolver conhecimentos musicais e pe-
dagógicos musicais, que as possibilitem trabalhar com esse campo do conhecimento
na docência.

Percebo a relevância da música na formação acadêmico-profissional do curso de


Pedagogia para os sujeitos em formação, e destaco um processo que as professoras em
formação poderiam percorrer, sob os seguintes aspectos:

* 1. Utilizo o gênero feminino devido à expressividade de mulheres atuando como professoras nesses níveis de ensino.
2. Tomo por formação acadêmico-profissional o conceito adotado por Diniz-Pereira (2008), o qual opta por esse termo em detrimento de
“formação inicial” porque acredita que a formação inicia-se muito antes da entrada em um curso superior. Assim, o autor defende a utili-
zação do termo “formação acadêmico-profissional” para a etapa da formação que acontece no interior das instituições de ensino superior.

86 Kelly Werle
V. 3 N. 3 setembro de 2011

• resgate das vivências musicais buscando compreender seu significado e im-


portância para sua vida;
• ressignificação da educação musical a partir dessas vivências, buscando atri-
buir novos significados para a experiência com música;
• compreensão sobre a especificidade da educação musical lendo, discutindo
sobre música e fazendo música.

Nesse contexto, é fundamental que a formação acadêmico-profissional das profes-


soras de educação infantil e anos iniciais contemple a educação musical, de modo que
as possibilite pensar e agir musicalmente em seu fazer docente. Para tanto se faz neces-
sário ampliar a concepção que se tem acerca do que seja fazer música.

Certamente que essa formação não substitui a necessidade de um professor espe-


cialista em música atuando conjuntamente nesses níveis de ensino. Mas salienta-se a
necessidade de que a professora da infância possa desenvolver um trabalho musical
com maior clareza e criticidade junto aos alunos.

É importante lembrar que, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais para


o curso de Pedagogia, o egresso deve estar apto a “ensinar Língua Portuguesa, Mate-
mática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e
adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano” (Brasil, 2006).

Recentemente, as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental de


nove anos orientam em seu artigo 31, que “do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, os
componentes curriculares Educação Física e Arte poderão estar a cargo do professor de
referência da turma, aquele com o qual os alunos permanecem a maior parte do período
escolar, ou de professores licenciados nos respectivos componentes” (Brasil, 2010). No
parágrafo 2º desse artigo orienta-se que “nos casos em que esses componentes curricu-
lares sejam desenvolvidos por professores com licenciatura específica (conforme Parecer
CNE/CEB n 2/2008), deve ser assegurada a integração com os demais componentes tra-
balhados pelo professor de referência da turma”.

Considerando que mediante a homologação da lei


11.769/2008 (Brasil, 2008) fica determinada a obrigato-
riedade da música como conteúdo do componente
curricular Arte, o egresso em Pedagogia necessita
ter conhecimentos acerca da música para poder
integrá-la ao seu contexto de docência, o que
implica em receber formação específica du-
rante a graduação.

Sonorizando histórias e discutindo a educação musical na formação e nas práticas de pedagogas 87


MÚSICA na educação bбsica

A Universidade Federal de Santa Maria tem uma trajetória formativa em educação


musical no curso de Pedagogia há 25 anos. Desde 1984, o curso de Pedagogia possui
disciplinas obrigatórias de educação musical, as quais foram reconfiguradas e mantidas
após as reformulações e adaptações curriculares ocorridas em 2004 e 2006. A formação
proporcionada pelas disciplinas vem sendo ampliada e complementada pelas oficinas
musicais ofertadas pelo “Programa LEM: Tocar e Cantar” ³ desde 2003. Esse espaço for-
mativo da educação musical na Pedagogia tem propiciado um ambiente fértil para a
produção de pesquisas tendo como lócus a formação musical do curso de Pedagogia
da UFSM.

Para saber mais


Bellochio (2000), Spanavello (2005), Correa (2008), Furquim (2009), Oesterreich (2010)
e Werle (2010).

Nesse contexto, foi desenvolvida uma pesquisa de mestrado tendo como lócus a
música no estágio supervisionado do curso de Pedagogia da UFSM, a qual originou este
texto. No decorrer da pesquisa, que possuiu caráter participante, buscou-se investigar
como as estagiárias concebem, organizam e potencializam a música no processo de
construção da docência, através de um grupo composto por quatro estagiárias. A partir
dos resultados obtidos se identificou as histórias sonorizadas como práticas recorrentes
adotadas pelas estagiárias no trabalho com a educação musical, as quais eram criadas
a partir de interesses demonstrados pelas crianças e temáticas que estavam sendo de-
senvolvidas.
A seguir se apresenta os registros de uma história sonorizada criada por uma estagi-
ária participante da pesquisa4 e desenvolvida em uma turma de educação infantil, com
crianças de 3 anos de idade.

*
3. Projeto de extensão coordenado pela Profª Drª Cláudia Ribeiro Bellochio e pela Profª Drª Luciane Wilke Freitas Garbosa, o qual oferta
gratuitamente oficinas musicais, ministradas por licenciandos em Música, para acadêmicos do curso de Pedagogia e outras graduações,
bem como comunidade em geral.
4. Em virtude do limite da extensão de palavras para estruturação do texto, será relatada a história sonorizada de apenas uma das quatro
participantes da pesquisa.

88 Kelly Werle
V. 3 N. 3 setembro de 2011

“Vamos passear na floresta?”:


sonorizando histórias
Parte I

Olhos curiosos e atentos à organização da sala que estava diferente. Em


um canto da sala, um tapete grande com alguns objetos sonoros, no
outro uma caverna construída com panos e cadeiras, e, interligando os
dois, um amplo espaço livre sem qualquer objeto. Cortinas abertas…
luzes apagadas… um estranho mistério no ar. A professora, então, con-
vida como quem se propõe a iniciar uma aventura: Vamos passear na
floresta? Eis que no segundo seguinte a sala se transforma por com-
pleto! Tudo foi tomado por árvores e plantas que cresciam, não se sabe
de onde, tornando o ambiente inusitado e desconhecido. A possibili-
dade de haver animais e feras na floresta aumentava a cada instante.
Ouvidos muito atentos à jornada que estava para começar…

Contar histórias é uma ação imprescindível para o desenvolvimento e construção do


pensamento simbólico infantil. Muito mais do que contribuir com o desenvolvimento
da linguagem oral e escrita, bem como ampliação do vocabulário, a experiência de ouvir
histórias possibilita a internalização de aspectos temporais, culturais e sociais.
A narração de histórias infantis “fazem uma ponte entre os valores e crenças abstratas
e a materialidade do contexto experimentado pelas crianças” (Girardello, 2007, p. 2). De
modo que estimula a imaginação e criação de enredos próprios das culturas infantis.

“O contato com as histórias na cultura significa para as crianças o


reencontro simbólico com um padrão organizativo – temporal e mesmo
rítmico – que elas já vivem em sua experiência com a sucessão dos eventos
no tempo: a rotina doméstica, a expectativa pelo aniversário, o ziguezague
entre lembrança e imaginação prospectiva que marcam a ação do faz-de-
conta.” (Girardello, 2007, p. 2)

Através das narrativas de histórias as crianças também passam a dar sentido e sig-
nificado às diferentes situações cotidianas vividas, compreendendo os processos que
compõem o ciclo da vida.
Girardello (2007) aponta alguns aspectos que considera fundamentais ao narrar uma
história, dentre eles a voz e a presença. Considera a voz importante, pois entende que

Sonorizando histórias e discutindo a educação musical na formação e nas práticas de pedagogas 89


MÚSICA na educação bбsica

através dela são construídos vínculos afetivos de cumplicidade e confiança. O ato de


contar histórias pressupõe trocas que transcendem a linguagem oral, envolvendo olha-
res, respiração, expressão, calor físico gerados pelos gestos, suspense, susto, medo, ale-
gria, e demais emoções geradas pela narração. Desse modo, compreende que a partilha
de uma narrativa como “um respirar junto cuja intimidade irrepetível gera uma forma
muito particular de confiança”, assim “[…] a professora que se senta junto às crianças
para contar uma história está se dispondo a uma interação que vai muito além do plano
verbal” (Girardello, 2007, p. 3).

Unindo-se à voz e a presença, há um terceiro elemento imprescindível às narrativas


de histórias: a imaginação. Através dela, há o desejo em continuar acompanhando a
história para descobrir o que está por vir.

“A criança quer saber de tudo o que está envolvido na performance do


adulto que lhe canta uma cantiga ou conta uma história: como dizer,
como cantar, como produzir com palmas o som de uma cavalgada,
como fazer o personagem roncar. E à medida que sua capacidade
lingüística vai se sofisticando, vai ficando curiosa para saber que
surpresa lhe reserva o enredo.” (Girardello, 2007, p. 6)

Nesse sentido, as histórias podem se tornar um recurso para o trabalho com a músi-
ca, a partir do momento em que se busca torná-las mais expressivas e sonoras. A forma
como se narra uma história, variando a entonação de voz conforme as diferentes partes:
ora mais grave, mais agudo, pronunciando mais rápido ou lentamente, suave ou mais
forte, enriquecem a história e despertam as crianças para as variações sonoras que estão
ocorrendo. “O faz de conta deve estar sempre presente, e fazer música é, de uma maneira
ou de outra, ouvir, inventar e contar histórias.” (Brito, 2003, p. 161).
As histórias sonorizadas são uma possibilidade para o trabalho com música de
fácil acesso para professoras da educação infantil e anos iniciais, pois conhecem
o contexto de suas turmas, sendo possível identificar os elementos e temas que
lhes são mais significativos e que podem aguçar ainda mais a imaginação e
a criatividade, contribuindo para a construção da história sonorizada.
Além disso, nesse tipo de atividade não se fazem necessárias habili-
dades vocais ou o uso de instrumentos musicais convencionais, podendo
ser utilizados a voz, o corpo ou objetos sonoros.
De acordo com Brito (2003), a professora pode contar e sonorizar sua his-
tória ou também realizar a atividade com o auxílio das crianças. Contudo, é
importante analisar previamente o tipo de história que se pretende trabalhar,
bem como as possibilidades de momentos com maior ênfase sonora. Sugere
que sejam feitas opções por histórias mais breves, com texto e enredo mais

90 Kelly Werle
V. 3 N. 3 setembro de 2011

simples que permitam às crianças prestarem atenção maior à sonorização.


É importante que o ambiente em que será realizada a narração da história possa ser
pensado, organizado e planejado, a fim de que possa ser convidativo às crianças aden-
trarem na história proposta, contribuindo assim com a criação durante o processo de
sonorização.

Veja alguns vídeos de Bia Bedran como exemplos de histórias sonorizadas:


Macaquinho sai daí, disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=9NrOMDp1FSU
Vento Norte, disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=v_TXUhxsABU&feature=related
O pescador, o anel e o rei, disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=n4bh0ypxoak

Parte II

– Vamos passear na floresta?


– Vamos!!
E o passeio começa com todas as crianças sentadas no tapete, que já não era
mais um tapete, mas sim um barco que navegava pelo rio da floresta.
– Vocês estão ouvindo o som do rio? Como podemos fazer o som do rio?
Rapidamente as crianças passam a explorar os sons dos instrumentos e
objetos sonoros, e a cada desafio proposto pela professora, iam sonorizando
e vivenciando a história, ora com os objetos disponíveis, ora com sons do
próprio corpo.
Uma cascata se aproxima, é chegada a hora de abandonar rapidamente o
barco, nadar até a margem. Na medida em que se movimentavam por todos
os espaços iam desvendando os mistérios da floresta. A caminhada, o trecho
do mato fechado, a trilha de pedrinhas, a escalada nas árvores, a colmeia, o
encontro com os macacos, tudo ia somando muita sonorização e estimulan-
do a imaginação com as situações que as próprias crianças iam sugerindo.
Até que, copiosamente, começou a chover, a trovejar e a ventar… E agora?
Para onde ir?

Realizar uma história sonorizada junto aos alunos implica elaborar um enredo e um
cenário sonoro através do qual será contada ou vivenciada, conforme a situação exem-
plificada. A história a ser sonorizada pode ser alguma já conhecida de livros infantis, uma

Sonorizando histórias e discutindo a educação musical na formação e nas práticas de pedagogas 91


MÚSICA na educação bбsica

adaptada ou construída pela professora e, até mesmo, pode ser construída em conjunto
com as crianças.
Os elementos a serem utilizados para sonorizar uma história podem variar conforme
as possibilidades de materiais disponíveis.

“Descobrir que materiais usar (sons vocais, corporais, de objetos) é


tarefa a ser desenvolvidas em conjunto (quando as crianças já tem
maturidade para isso), por meio de pesquisas dos materiais dis-
poníveis na sala de aula ou que se encontrem no pátio da escola.”
(Brito, 2003, p. 164)

Podem ser utilizados objetos sonoros confeccionados pelas próprias crianças, como
por exemplo: tambores feitos com latas de diversos tamanhos; chocalhos feitos com
diversos tipos de potes de iogurte acrescido de pedrinhas, clipes, sementes, areia, etc.
; móbiles feitos com chaves, parafusos ou guizos pendurados em um barbante fixados
em uma base ; reco-reco e claves feitos com pequenos bastões de madeiras; lixas ; pau
de chuva confeccionado a partir de um tubo de papel de comprimento extenso; etc.
Negativos de exame de raios X costumam causar um bom efeito quando são segurados
em uma extremidade e sacudidos aleatoriamente, produzindo um som semelhante ao
de trovoadas. Da mesma forma, pedaços de mangueiras amarelas, frequentemente uti-
lizadas para passar a fiação elétrica em construções, obtêm bom efeito sonoro quando
são segurados em uma das extremidades e balançados rapidamente em movimentos
circulares, o que se assemelha com o som do vento.
Por outro lado, também podem ser usados objetos da própria sala de aula dos quais
seja possível extrair algum tipo de som, como, por exemplo, passar o lápis ou caneta na
mola do caderno, abrir e fechar o zíper do estojo ou da mochila, friccionar o giz no qua-
dro, dentre outros. Pode-se desafiar os alunos a explorar as possibilidades sonoras da sala
de aula para criar um cenário sonoro para a história.

Tambor, chocalhos e móbiles

92 Kelly Werle
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Pau de chuva e mangueira. Reco-reco, claves e lixas.

Para saber mais


Veja mais sugestões para confeccionar instrumentos musicais alternativos:
http://educaja.com.br/2008/01/instrumentos-musicais-com-sucata.html
http://atitudemusical.blogspot.com/2010/12/construcao-de-instrumentos-musicais.html
http://aecmusica.blogspot.com/2009/10/construcao-de-instrumentos-musicais.html

Parte III

– A caverna! Vamos correr para a caverna!


Protegidos da chuva, inicia-se a exploração da caverna e dos sons desse inusi-
tado lugar. Que criatura habitaria a caverna?
– Gente, olha lá! É peludo, tem rabo comprido… Que cheiro é esse?
– É um gambá!
Todos corriam para fora da caverna fugindo do gambá. Era necessário fazer
todo o caminho de volta e muito rápido.

***

No dia seguinte, uma criança chega à sala de aula acompanhada de um gam-


bá de pelúcia. A turma revive a história e agora ganha um novo mascote que
passa a acompanhá-los nas próximas atividades. “O gambá de pelúcia virou o
mascote da turma. As crianças disputavam ele, tratavam ele como uma pes-
soa, tudo por causa da história ‘Vamos passear na floresta’. Até no banheiro
levaram o gambá junto” (Caderno de registro, estagiária Dora, set. 2009).

* Atividade adaptada a partir de Vamos passear na floresta? (CD que integra a


edição especial Música 1 da revista “Guia prático para professores”, 2006).

Sonorizando histórias e discutindo a educação musical na formação e nas práticas de pedagogas 93


MÚSICA na educação bбsica

É importante que as histórias sonorizadas possam ter como dispositivo a mediação


do professor no sentido de desafiar as crianças a explorarem as diferentes possibilidades
sonoras dos objetos disponibilizados. A problematização do professor é fundamental,
para que as crianças possam ser estimuladas não só a produzirem sons, mas também
a ouvirem os sons que estão sendo produzidos pelos colegas, de modo atento, organi-
zado e reflexivo. Podem ser feitos questionamentos acerca dos efeitos produzidos por
esses sons, bem como realizar comparações entre as propriedades dos mesmos: longo
ou curto (diz respeito à duração), fraco ou forte (intensidade), agudo ou grave (altura 6),
etc. Podem-se propor diferentes organizações em que os sons não sejam produzidos so-
mente de modo concomitante, mas seus efeitos possam ser explorados separadamente
e alternadamente em pequenas composições de dois ou três objetos sonoros.

Entende-se que as histórias sonorizadas são um possível caminho para o trabalho


sonoro-musical a ser realizado pelao professora junto aos alunos. Contudo, é importante
que a professora, ao conceber a relevância da educação musical como parte do desen-
volvimento integral da criança, possa colocar-se em um constante movimento de busca
por alternativas diferenciadas que possam ser contempladas em suas práticas docentes.
Para isso, é preciso ressignificar a sua relação com a música, não restringindo ou limitan-
do a sua atuação por não ter o domínio de certa habilidade vocal ou com instrumentos
musicais convencionais.

A possibilidade da professora de educação infantil e anos iniciais trabalhar com a


música em suas práticas amplia a capacidade de contextualização e significação a ser
construída acerca da música pelos alunos. Na medida em que o professor organiza sua
ação pedagógica e articula as áreas do conhecimento, integrando-as à música, as apren-
dizagens passam a ter mais significado para as crianças.

*
6. Para que essa propriedade possa ser compreendida mais facilmente pela criança, pode-se fazer referência ao som agudo associando-o a
um som mais “fino”, ao passo que um som grave pode ser referido como um som mais “grosso”.

94 Kelly Werle
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Referências
BELLOCHIO, C. R. A educação musical nas séries FIGUEIREDO, S. L. F. de.; SCHMIDT, L. M. Refletin-
iniciais do ensino fundamental: olhando e construin- do sobre o talento musical na perspectiva de sujeitos
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(Doutorado em Educação)–Faculdade de Educação, TES MUSICAIS, 4., 2008, São Paulo. Anais… São
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Sonorizando histórias e discutindo a educação musical na formação e nas práticas de pedagogas 95


MÚSICA na educação bбsica

Poemas, parlendas,
fábulas, histórias e
músicas na literatura
infantil
Caroline Cao Ponso
V. 3 N. 3 setembro de 2011

Caroline Cao Ponso


[email protected]

É licenciada em Música pela Universidade Federal do


Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Artes
pelo Centro de Artes e Educação Física (Caef ) na mes-
ma universidade. Cursou o mestrado em Educação na
UFRGS, dissertando sobre as concepções das crianças
sobre música na escola. É professora do município de
Porto Alegre, onde ministra aulas de música e canto
coral. É autora do livro Música em diálogo: ações in-
terdisciplinares na educação infantil (Sulina, 2008). Já
ministrou cursos para o Projeto Poema, da Orquestra
Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), na Secretaria Mu-
nicipal de Educação de Porto Alegre e nos cursos de
extensão do Programa de Pós-Graduação em Música
da UFRGS. Através da pesquisa e prática integradas
que a autora visualiza uma abrangência da música no
cotidiano escolar e na aprendizagem musical infantil.

Resumo: Este artigo propõe uma reflexão Poems, nursery rhymes, fables, stories
sobre o uso dos livros de literatura infantil na and song in children’s literature
aula de música. A literatura traz consigo um
universo a ser explorado pela música como Abstract: This article proposes a reflexion
poemas, parlendas, lendas, fábulas, quadrinhas, about the use of children’s literature in music
trava-línguas, provérbios, adivinhas e as lessons. Literature carries a universe within to
histórias infantis. O artigo é fundamentado be explored such as poems, folklore, fabules
nos estudos interdisciplinares (Fazenda, 1994, and children’s stories. The article is based on
2002), projetos de trabalho (Hernandez, 2000) interdiciplinary studies (Fazenda, 1994, 2002),
e práticas interdisciplinares em música (Ponso, work projects (Hernandez, 2000) and interdici-
2011). Utilizar a literatura na aula de música plinary practices in music (Ponso, 2008). Using
a fim de possibilitar experiências práticas literature in music lessons aiming to enable
como a composição de temas musicais, practical experiences such as the composi-
sonorização de histórias, récitas poéticas tion of music themes, musical stories, recited
ou teatros musicados, pode intensificar o poems and musical drama might enhance the
diálogo das práticas infantis cotidianas com o dialogue between children’s practice and musi-
conhecimento musical. cal knowledge.

Palavras-chave: educação musical; literatura Keywords: musical education; children’s


infantil; interdisciplinaridade literature; interdiciplinary

PONSO, C. C. Poemas, parlendas, fábulas, histórias e músicas na literatura infantil. Música


na Educação Básica, v. 3, n. 3, p. 96-107, 2011.

97
MÚSICA na educação bбsica

Sou professora de música. E como professora de música


eu sou uma entusiasmada contadora de histórias, pois me encantam os livros de lite-
ratura infantil e sempre os utilizo na aula de música. Neste artigo apresento um pouco
do universo musical contido nos livros de literatura. A temática musical muitas vezes
é evidente, no entanto alguns aspectos podem passar despercebidos como poemas,
parlendas, lendas, fábulas, quadrinhas, trava-línguas, provérbios, adivinhas e as próprias
histórias infantis, que muito facilmente são relacionáveis à música de modo divertido e
interessante para as crianças na escola.
Proponho essa parceria entre o livro e a música acreditando que seja um modo cria-
tivo de abordar a temática musical, não exclusivo, mas que tem se mostrado eficiente
em sala de aula. Todas as atividades que descrevo foram realizadas por mim e por meus
alunos na escola municipal em que ministro aulas de música, na educação infantil e no
ensino básico.
No decorrer do ano letivo, muitas histórias da literatura são contadas, recontadas,
criadas, encenadas, desenhadas e musicadas. Nos livros infantis, alguns autores utilizam
a temática musical em suas histórias, nas quais os personagens são cantores, músicos ou
instrumentos musicais. As ilustrações dos instrumentos ou personagens coadjuvantes
musicais muitas vezes passam para um segundo plano no momento da “contação da
história”. A aula de música pode resgatar essa temática, muitas vezes recriando a his-
tória, compondo temas, construindo instrumentos ou interpretando os personagens.
Para que essa parceria se torne significativa, o primeiro momento da contação precisa
ser interessante, utilizando efeitos sonoros, sons de instrumentos ou a participação das
crianças realizando sons onomatopaicos, cantando ou criando ambientes sonoros.

Na educação infantil
“A contação de histórias na educação infantil é sempre um momento
significativo de aprendizado na turma. Através da expressão corporal,
da interpretação e técnica vocal, a forma de contar a história torna-se
envolvente, cativante e emocionante para as crianças, incentivando-as à
leitura e estimulando a imaginação. As crianças participam do enredo da
história a ponto de imaginarem-se os próprios personagens. O exercício de
envolver os alunos na história e proporcionar atividades de desenho, teatro
e músicas sobre o livro complementa a contação.” (Ponso, 2011, p. 24)

Utilizar os livros de literatura na aula de música não significa desmerecer o valor que
o livro por si só possui. Os livros infantis cumprem sua função como literatura, um traba-
lho voltado para a imaginação e a fantasia que transformam e enriquecem o leitor. No
entanto, utilizamos o maior número de materiais pedagógicos em favor da experiência
musical interdisciplinar, do aprendizado coletivo, sem barreiras disciplinares.

98 Caroline Cao Ponso


V. 3 N. 3 setembro de 2011

As cantigas do folclore brasileiro possuem inúmeras representações em livros de


histórias infantis, sendo que o texto do livro é a própria letra da canção. Esses livros são
facilitadores do trabalho de diferenciação entre a voz falada e a voz cantada.

Figura 1. Tem gato na tuba (Braguinha; Ribeiro, 2005). Figura 2. Pombinha branca (De Paula, 2010).

Você conhece a coleção “Disquinho”?¹ Na minha infância, os discos coloridos em


vinil dessas histórias musicadas, com ricos arranjos instrumentais de Gnattalli, preen-
cheram muitas tardes, nas quais eu e minhas irmãs cantávamos e interpretávamos os
personagens em teatros complexos para minhas avós.
As canções da série são muito bem elaboradas para ambientar a história. Os alunos
cantam, dançam e encenam as partes de cada personagem, construindo o enredo atra-
vés da música.
Na clássica história Os três porquinhos, os alunos de 2 a 4 anos de idade divertem-se
introduzindo novos materiais na contação da história, como esconderijos com panos
para que o lobo não os ache e instrumentos de percussão para sonorizar as batidas na
porta. O sopro do lobo pode ser sonorizado com flautas e apitos relacionando o som
forte com a força do sopro do lobo. Com instrumentos musicais, panos e ambientes dife-
rentes auxiliando a contação da história, esse momento fica muito mais interessante. Isso
permite a realização da história e da música inúmeras vezes sem que se torne mecânico
ou uma simples reprodução contada sempre da mesma forma.
Para a história da Chapeuzinho Vermelho, podemos dividir a turma entre lobos, caça-
dores, chapeuzinhos, mamães e vovós para a montagem do teatro. Podem ser utilizados
objetos como cestas, xales, máscaras, óculos, assim como painéis de papel pardo pinta-
do pelas crianças para ambientar a casa da vovó, a toca do lobo e a floresta.
A interação com variados objetos nessa faixa etária leva a criança a pensar através
de múltiplas interações, levando seu olhar e sua percepção ao pluridimensional. Criar

* 1. Coleção “Disquinho”, da Warner Music Brasil. A coleção original é das décadas de 1960 e 1970. Foram lançadas pela Continental 50
histórias infantis com melodias e versos de Braguinha e arranjos orquestrais de Radamés Gnatalli, em formato de vinil colorido.

Poemas, parlendas, fábulas, histórias e músicas na literatura infantil 99


MÚSICA na educação bбsica

ambientes sonoros, cenários, ações ou diálogos tendo como base as histórias da litera-
tura infantil amplia o desenvolvimento cognitivo da criança. Para ela é muito importante
sentir-se e perceber-se atuante nas atividades de sala de aula.
As fábulas, características histórias de animais personificados com moral no final,
chamam a atenção das crianças, principalmente na faixa etária de 3 a 5 anos de idade.
A história clássica do sapo que queria ir à festa no céu e escondeu-se na viola do
urubu pode ser apresentada de duas maneiras diferentes. Uma delas é recontada por
Ana Maria Machado (2004) no livro Festa no céu e a outra versão é apresentada pela co-
leção “Disquinho”, na qual a história é contada por um narrador e pelos personagens da
história, ora falada e ora cantada.

Figura 3. Festa no céu (Machado, 2004).

Os alunos podem comparar a versão com áudio e a versão literária ilustrada. Na ver-
são do disco, o sapo foi à festa escondido na viola, e na versão do livro o jabuti escondeu-
se na viola do urubu, resultando em finais diferentes, pois o sapo ficou achatado para
sempre e o jabuti quebrou o seu casco e teve que remendá-lo.
Na comparação entre as duas histórias, além dos personagens principais serem di-
ferentes, os alunos relataram o modo como a história foi contada, com sons e músicas
no disco ou somente a leitura oral do livro. Essa experiência foi importante para chamar
a atenção dos alunos quanto à importância do áudio na história, à maneira como os
instrumentos trouxeram vida aos personagens e aos sentimentos de euforia, tristeza e
suspense nela presentes.
A coleção “Disquinho” e outras coleções de histórias clássicas musicadas em CD po-
dem ser utilizadas em aula em parceria com os livros de literatura contendo a mesma
história. Alguns clássicos como Três porquinhos, Chapeuzinho Vermelho e A tartaruga e a
lebre foram transformados em desenhos animados e podem ser utilizados nessa ativi-
dade. Analisar a mesma história em livro, CD, vídeo e teatro permite à criança diversos
olhares sobre um mesmo enredo, levando-a a questionamentos, críticas e comparações
favoráveis ao seu crescimento.

100 Caroline Cao Ponso


V. 3 N. 3 setembro de 2011

No ensino básico
O trabalho com música na escola básica pode, muitas vezes, ser solitário e restrito ao
período da aula de música; no entanto, o livro pode servir como um ponto de diálogo
entre o professor de música e o professor de referência.
Esse trabalho pode ser considerado interdisciplinar segundo os pressupostos da
interdisciplinaridade apresentados por Fazenda (1994, 2002). A autora comenta que a
atitude interdisciplinar não é o resultado de uma simples síntese de um trabalho, mas
de sínteses imaginativas e audazes; ela não é uma categoria de conhecimento, mas de
ação, sendo assim se desenvolve a partir do desenvolvimento das próprias disciplinas.
A música em interação com outras disciplinas produz essa ação com características di-
ferenciadas, desenvolvendo os conteúdos intrínsecos à música e às outras áreas do co-
nhecimento.
A biblioteca da escola ou a biblioteca da sala podem servir como a primeira ativida-
de desafiadora do ano, como uma brincadeira de caça ao tesouro entre os professores
e alunos, na busca por livros que falem de música. O professor pode entrar em contato
com editoras de literatura infantil, na busca por livros mais recentes e que contenham a
temática musical.

Figura 4. A história do tatu (Duncan;


Stringle, 2001).

Torres (2011) comenta que os professores, ao escolher e selecionar livros de música,


os relacionam aos aspectos didático-musicais que irão nortear o seu fazer musical na sala
de aula. A escolha de livros pressupõe concepções de música e de aula de música.
No livro A história do tatu (Duncan; Stringle, 2001), o personagem principal é um
grande aspirante a ser músico. O tatu quer tocar qualquer coisa, de qualquer jeito, con-
tanto que se transforme em um músico. Não se dá bem com os instrumentos ou com
a sua voz. Experimenta de tudo até encontrar uma maneira de participar em um grupo
musical. Com o som de seu casco, uma sonoridade única que somente os tatus conse-
guem fazer, o tatu vira um grande ídolo.
As atividades decorrentes dessa literatura podem surgir da exploração dos sons do
corpo até a construção de instrumentos e formação de banda. A exploração dos sons
corporais pode surgir do livro e ser ampliada no decorrer de muitas aulas. Descobrir a

Poemas, parlendas, fábulas, histórias e músicas na literatura infantil 101


MÚSICA na educação bбsica

voz enquanto instrumento ou a boca, a língua, os lábios, as mãos, os pés e o que os


alunos considerarem enquanto som do corpo se constitui o primeiro passo na relação
particular e pessoal do eu com a música. Podemos utilizar os CDs do grupo Barbatuques
(2002, 2005) para ilustrar e apreciar os sons do corpo arranjados para o grupo de modo
complexo e rico musicalmente.
Outro exemplo de literatura para se trabalhar em parceria com a música é o livro
Coral dos bichos (Belinky, 2000). A história relata a forma como um macaco reuniu a bi-
charada para formar um coral. Cada bicho se apresenta com um tipo de voz diferente,
ora aguda, ora grave. Alguns são desafinados, outros muito orgulhosos e assim vão des-
filando suas qualidades para no final não conseguirem montar o grupo. Parece muito
decepcionante para os alunos o fato de o livro não terminar com um bonito e sonoro
coral de bichos, o que dá margem para a realização de alguns questionamentos. Quais
bichos aparecem no livro? Podemos fazer o som desses bichos? O que significa soprano,
tenor, contralto e baixo, denominação de vozes que aparece no decorrer da narrativa?
Será que as crianças possuem essas vozes? Vamos formar um coral de bichos? Vamos
desenhá-los? Vamos para o pátio tentar ouvir os sons dos animais? Cada professor pode
imaginar formas de continuar a história ou mesmo refletir sobre os fatores que levaram
o macaco a não formar o grupo coral.

Figura 5. Coral dos bichos (Belinky, 2000).

Na organização de um projeto de trabalho que envolva mais de um professor, é


importante uma organização prévia e espaços de conversa e troca sobre o andamento
das atividades, pois o trabalho coletivo implica uma mudança significativa na rotina do
tempo e do espaço escolar.

“Quando falamos em projetos, o fazemos pelo fato de imaginarmos que


possam ser um meio de ajudar-nos a repensar e refazer a escola. Entre outros
motivos, porque, por meio deles, estamos reorganizando a gestão do espaço,
do tempo, da relação entre os docentes e os alunos, e sobretudo porque nos
permite redefinir o discurso sobre o saber escolar (aquilo que regula o que se
vai ensinar e como deveremos fazê-lo).” (Hernandez, 2000, p. 179)

102 Caroline Cao Ponso


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Del-Ben (2011) sugere a inserção da pedagogia de projetos na formação de profes-


sores de música orientando para a abrangência da lei 11.769/2008 (Brasil, 2008), e tam-
bém como forma de identificar situações e temas pertinentes ao trabalho da música de
modo a integrar conteúdos e demandas na escola.
O livro é um bom desencadeador de projetos, pois reúne conteúdos diversos através
da linguagem literária compreensível para a criança e para os professores das diversas
áreas.
Na idade de 6 a 8 anos, as crianças começam a interessar-se mais pelos enredos
dos livros, folheiam os gibis e livros de histórias infantis, fundamentais no processo de
alfabetização. Alguns autores de literatura infantil privilegiam no enredo da história um
acontecimento, ambiente ou recursos da música. Os livros de poesia acompanhados
por CD com as poesias musicadas são muito bons para introduzir a composição musical
na escola. Um pequeno poema musicado pode motivar o aluno na realização de suas
próprias canções. Alguns exemplos de poemas musicados:

Figura 7. A mulher gigante (Finkler; Zambelli, 2004).

Figura 6. Amigos do peito (Thebas, 1996).

Figura 8. Pandorga da lua (Brasil, J., 2005). Figura 9. Cantigas de ninar vento (Biazetto; Souza; Herrmann, 2007).

Coleções como “Mestres da Música” e “Mestres da Música no Brasil”, da editora Mo-


derna, contam a história de grandes compositores com uma linguagem acessível e ilus-
trações divertidas para despertar no público infantil interesse pelas obras de vários perí-
odos da história da música. É interessante contar as biografias e ilustrá-las com a audição
de obras conhecidas, como as sinfonias de Beethoven, que estão presentes no dia a
dia das crianças, no som do telefone celular, na propaganda da televisão e até na trilha

Poemas, parlendas, fábulas, histórias e músicas na literatura infantil 103


MÚSICA na educação bбsica

sonora dos videogames. Contextualizar essas músicas em uma linha de tempo e buscar
significância e importância para elas é um trabalho que pode ser feito com as crianças.

O livro A orquestra tintim por tintim (Hentschke et al., 2005) visa, de forma clara e inte-
ressante, apresentar a orquestra sinfônica para as crianças. Nele, encontramos ilustrações
de músicos-crianças apresentando as famílias da orquestra – cordas, madeiras, metais e
percussão – além de informações sobre a partitura, o maestro e dicas de como ouvir um
concerto.

Figura 10. A orquestra tintim por tintim


(Hentschke et al., 2005).

A orquestra sempre teve um papel importante na sonorização de histórias, desde


sua origem, nos poemas sinfônicos, até os desenhos animados. O auxílio do som na ca-
racterização do personagem faz com que a criança preste atenção ao evento sonoro de
maneira muito concreta, da mesma forma que a história musicada de Prokofiev (1891-
1953) intitulada Pedro e o lobo² foi construída.

Podemos sonorizar os personagens de formas variadas, para cada história contada é


importante variar os instrumentos musicais, assim as crianças relacionam a sonoridade e
o nome do instrumento a uma imagem. Quem se lembra da pata Sônia ao ouvir o som
do oboé? As editoras de livros infantis frequentemente lançam os clássicos revisitados
e com ilustrações de famosos, como no caso do Pedro e o lobo (2008), do cantor Bono,
do U2. A partir desses links atuais é possível que o público mais adolescente se interesse
pela obra literária e por consequência pela audição e estudo da obra de Prokofiev.

* 2. Obra orquestral do compositor russo Sergei Prokofiev. Foi composta em 1936 com o objetivo pedagógico de mostrar os instrumentos da
orquestra às crianças.

104 Caroline Cao Ponso


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Outras histórias
Na história de Igor, o passarinho que não sabia cantar (Kitamura, 2006), a temática
abordada é o cantar afinado ou desafinado. As ilustrações são impressionantes e o canto
é representado por um desenho abstrato que pode ser interpretado de várias maneiras,
inclusive com relação à grafia musical. Muitos elementos estão presentes na história, de
instrumentos à formações de grupos musicais. Uma atividade interessante relacionada a
esse livro é a composição de música vocal com registro de escrita musical aleatória.

Figura 11. Os gêmeos do tambor Figura 12. Igor, o passarinho que não sabia voar Figura 13. O canto de Bento (Honora, 2008).
(Barbosa, 2006). (Kitamura, 2006).


O canto de Bento (Honora, 2008) é uma história em que um pássaro nasce filho de um
famoso maestro. Todos aguardam para ouvir o primeiro canto do passarinho, no entanto
ele não se realiza como o esperado, uma vez que o passarinho não possui canto, não
consegue emitir sons. Ao final do livro o personagem aprende uma maneira diferente de
expressar-se e “canta” com suas asas. Podemos abordar a inclusão de crianças portadoras
de necessidades especiais. Uma atividade que pode ser relacionada ao livro é a de cantar
a tríade maior relacionando-a a gestos do corpo. A tônica pode ser com as mãos na cin-
tura, a terça com as mãos no ombro e a dominante com as mãos na cabeça. Muitas va-
riações podem resultar dessa atividade, desde gestos diferentes até os sons utilizados.

O livro Os gêmeos do tambor (Barbosa, 2006) conta a história de dois irmãos gêmeos
do povo massai, nômades da África. Apresenta a história e a cultura desse povo, poden-
do ser um ótimo desencadeador de um projeto sobre instrumentos de percussão.

Poemas, parlendas, fábulas, histórias e músicas na literatura infantil 105


MÚSICA na educação bбsica

Conclusões
Muitos outros livros podem ser trabalhados na aula de música. Não é preciso que
a temática musical esteja explícita no enredo ou nas ilustrações. Muitos projetos com
música nascem da curiosidade dos alunos e de sugestões que surgem em aula se nos
permitirmos ouvi-los.

O trabalho da música com outras áreas do conhecimento favorece o desenvolvi-


mento de novos saberes, novas formas de aproximação e envolvimento com o conheci-
mento pela interação da criança com elementos do cotidiano escolar. Quando um olhar
encontra em outra área possibilidades de trocas e interesses comuns, todos ganham,
inovando e ampliando a prática do trabalho em conjunto.

Para pensar a música na escola a partir de uma abordagem interdisciplinar, o pro-


fessor, mais do que preocupar-se em transmitir um repertório dissociado do contexto
escolar, pode encontrar espaço junto aos alunos e aos professores parceiros, interesses
sonoros comuns que estejam permeando o espaço e a diversidade da cultura escolar.

106 Caroline Cao Ponso


V. 3 N. 3 setembro de 2011

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MÚSICA na educação bбsica

Orientações aos colaboradores


Música na Educação Básica é uma publicação voltada a professores que atuam na
educação básica, estudantes, pesquisadores e profissionais interessados em propostas
práticas para o trabalho com educação musical em sala de aula. A revista recebe textos
inéditos, em português, e publica também trabalhos encomendados que possam con-
tribuir com a área.

Os trabalhos devem ser encaminhados ao endereço eletrônico revistameb@hotmail.


com, sendo a avaliação realizada por pareceristas ad hoc. A seleção de artigos para pu-
blicação é elaborada a partir de critérios que consideram a sua contribuição para a edu-
cação musical na escola de educação básica, a adequação à linha editorial da revista e a
originalidade da temática ou da perspectiva conferida ao tema.

A organização dos textos deve seguir as orientações listadas abaixo, apresentando


propostas de atividades conectadas com reflexões teóricas.

• Textos com linguagem acessível, dirigidos a um público não necessariamente


habituado à leitura de textos acadêmicos.
• Artigos que contenham, obrigatoriamente, uma proposta de prática musical
voltada à sala de aula (atividades, exercícios) e reflexão teórica, incluindo discus-
são de implicações desse tipo de trabalho para a educação musical escolar. É im-
portante não confundir essa proposta com relatos de experiência!
• Trabalhos que considerem o contexto da escola pública, muitas vezes carente
de instrumentos musicais e recursos didáticos.
• Artigos elaborados de forma visualmente atraente, com o uso de figuras, tabe-
las, gráficos, diagramas, fotos e caixas de texto para ilustrar o conteúdo.
• Inserir indicações de materiais para consulta ou leituras complementares do
tipo “onde encontrar”, incluindo publicações, sites, CDs, DVDs.
• Extensão de 16.000 a 20.000 caracteres, com espaço, considerando título, re-
sumo, abstract, palavras-chave e texto. Referências são contabilizadas à parte,
podendo perfazer até duas páginas, conforme normas editoriais.
• Título, resumo (80 a 120 palavras) e palavras-chave (3) devem ser apresentados
em português e inglês. Espaço entre linhas 1,0 (resumo e palavras-chave).
• Fonte Arial 12, espaço entre linhas 1,5.
• Margens superior e esquerda 3 cm, inferior e direita 2 cm.
• O nome do(s) autor(es) deverá vir no mesmo arquivo do texto, logo abaixo do
título, à direita, acompanhado por filiação institucional e e-mail.

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V. 3 N. 3 setembro de 2011

• Para a submissão do artigo aos pareceristas ad hoc, o arquivo deve ser enviado
em formato DOC, com identificação do(s) autor(es) e também em arquivo PDF,
sem identificação do(s) autor(es). Em ambos as imagens devem estar inseridas
no texto.
• Após a aprovação do artigo, a versão final deverá ser encaminhada sem as ima-
gens, com marcações no texto sobre os locais de inserção.
• As imagens devem ser enviadas separadamente em arquivo JPEG ou TIF, com
resolução mínima de 300 dpi. As imagens devem ser nomeadas de acordo com
a indicação que consta no texto (figura 1, figura 2, etc.). Além disso, não devem
ser coladas em arquivo do Word. Recomenda-se a utilização dos programas Fina-
le ou Sibelius para a editoração de partituras, pois estes permitem a geração de
imagens TIF em alta resolução.
• Encaminhar curriculum vitae resumido com extensão máxima de 100 palavras,
contendo dados sobre formação, atuação e principais publicações.

Normas de citação e referências


As indicações das fontes entre parêntesis, seguindo o sistema autor-data, devem ser
estruturadas da seguinte forma:

• Uma obra, com um autor: (Meyer, 1994, p. 15).


• Uma obra, com dois autores (ou três): (Cohen; Manion, 1994, p. 30).
• Uma obra, com mais de três autores: (Moura et al., 2002, p. 15-17).

Mesmo no caso das citações indiretas (paráfrases), a fonte deverá ser indicada, infor-
mando-se também a(s) página(s) sempre que houver referência não à obra como um
todo, mas sim a uma ideia específica apresentada pelo autor.

As referências devem ser apresentadas em espaço simples, com alinhamento à es-


querda, seguindo as normas da ABNT/2002 (NBR 6023), abaixo exemplificadas.

Livros
SOBRENOME, Inicial do(s) prenome(s) do(s) Autor(es). Título do trabalho: subtítulo [se
houver]. edição [se não for a primeira]. Local de publicação: Editora, ano.

Exemplo:
SWANWICK, K. Ensinando música musicalmente. Tradução de Alda Oliveira e Cristina
Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003.

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MÚSICA na educação bбsica

Partes de livros (capítulos, artigos em coletâneas, etc.)


SOBRENOME, Inicial do(s) prenome(s) do(s) Autor(es) da Parte da Obra. Título da parte.
In: SOBRENOME, Inicial do(s) prenome(s) do(s) Autor(es) da Obra. Título do trabalho: sub-
título [se houver]. edição [se não for a primeira]. Local de publicação: Editora, ano. página
inicial-final da parte.

Exemplo:
CAMPBELL, P. S. Global practices. In: MCPHERSON, G. (Ed.). The child as musician: a
handbook of musical development. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 415-437.

Artigos em periódicos
SOBRENOME, Inicial do(s) prenome(s) do(s) Autor(es) do Artigo. Título do artigo. Título do
Periódico, Local de publicação, número do volume, número do fascículo, página inicial-
final do artigo, data.

Exemplo:
BRITO, T. A. de. A barca virou: o jogo musical das crianças. Música na Educação Básica.
Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 11-22, 2009.

Trabalhos em anais de eventos científicos


SOBRENOME, Inicial do(s) prenome(s) do(s) Autor(es) do Trabalho. Título do trabalho. In:
NOME DO EVENTO, número do evento, ano de realização, local. Título. Local de publica-
ção: Editora, ano de publicação. página inicial-final do trabalho.

Exemplo:
WELSH, G. et al. The National Singing Programme for Primary schools in England: an
initial baseline Study. In: INTERNATIONAL SOCIETY FOR MUSIC EDUCATION WORLD
CONFERENCE, 28., 2008, Bologna. Proceedings... Bologna: ISME, 2008. p. 311-316. 1
CD-ROM.

A exatidão das referências constantes na listagem ao final dos trabalhos bem como a
correta citação ao longo do texto são de responsabilidade do(s) autor(es) do trabalho.

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V. 3 N. 3 setembro de 2011

Processo de avaliação
O processo de avaliação dos artigos enviados para a revista Música na Educação Bá-
sica consta de duas etapas:

1) Avaliação preliminar pelos editores que examinam a adequação do trabalho à


linha editorial da revista.
2) Consulta a pareceristas ad hoc.

Modificações, oriundas dos processos de avaliação e revisão, serão solicitadas e efe-


tuadas em consenso com o(s) autor(es).

A revista reserva-se o direito de devolver aos autores os textos fora dos padrões des-
critos. A submissão de trabalhos implica autorização para publicação e cessão gratuita
de direitos autorais. Ressalta-se que os trabalhos publicados e a veiculação de imagens
são de inteira responsabilidade dos autores.

Para a publicação dos trabalhos aprovados, é necessário que autores e coautores


sejam sócios da Abem e estejam com a anuidade em dia.

Os trabalhos deverão ser submetidos para o endereço eletrônico:

[email protected]

http://www.abemeducacaomusical.org.br

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Anotaзхes

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