A Cultura Das Aparências
A Cultura Das Aparências
A Cultura Das Aparências
E-ISSN: 1982-615X
[email protected]
Universidade do Estado de Santa
Catarina
Brasil
A obra proporciona o estudo, com outros olhos, de várias categorias de análise: o rico
e o pobre, o dominado e o dominante, a cidade e o campo, o real e o imaginário, o popular e o
erudito. A roupa é entendida por Roche como a produção cultural da história e resistente a
esta, permitindo “(...) ver o papel social das restrições naturais e funcionais, internas ou
externas ao sistema do qual ela é ao mesmo tempo objeto e sujeito.” (Roche, 2007, p.505). A
Cultura das Aparências conta-nos a história acerca das civilizações, revelando os seus
códigos mais íntimos.
O autor traz informações que partem do inventário do consumo e das coisas. A compra
e a forma de utilização dos objetos espelham o funcionamento dos mecanismos sociais,
decodificam mudanças na economia e nos comportamentos questionando normas religiosas e
morais das sociedades. As normativas de aquisição e propriedade das roupas, seu uso e sua
força de apresentação revelam as ligações entre a cultura material, os estabelecimentos morais
e filosóficos e também a expressão jurídica, quando das restrições impostas pelas leis
suntuárias2.
1
Mestre em Educação Estética pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
2
As leis suntuárias prescreviam o tipo de indumentária permitida a cada categoria social. Alcançaram o seu auge
do século XIV ao século XVIII.
Do Século XVII ao Século XVIII, Paris era um grande laboratório e também uma
requintada oficina, tanto para ricos quanto para pobres. Para encontrar outra dimensão
próxima a Paris era preciso sair da França indo para Nápoles ou para Londres. Entre 1700 e
1789, a população francesa formava um mercado privilegiado. Por volta de 1750, Paris estava
na casa dos 600 mil habitantes e, às vésperas da Revolução ultrapassou a quantidade de 750
mil; era o centro do consumo de um imenso universo de pessoas ávidas por aparência. A
cidade fervilhava em um movimento constante de pessoas e confusão de coisas que diferiam
conforme a categoria social e cultural. A vida pública girava em torno da burguesia em
ascensão e de uma aristocracia em declínio. O comércio da capital mostrava seus produtos
para desempregados, pobres, mendigos, migrantes, burgueses, notáveis, suburbanos,
camponeses, viajantes, entre tantos outros. É nesse cenário que Daniel Roche nos conta esta
história, presente no visível confronto das hierarquias indumentárias, na necessidade da
imitação e na obsessão dos abastados pela moda.
Cerca de 20 milhões de franceses sob o reinado de Luis XIV e perto de 28 milhões sob o de
Luís XV, um pouco mais de mulheres e meninas do que de homens e meninos, vestiam-se
todas as manhãs e despiam-se todas as noites; o que dá uma idéia de quantas camisas,
camisolas, saias e vestidos, pantalonas e calções, meias, sapatos e tamancos estavam em
circulação.” (Roche, 2007, p. 79).
O texto de 526 páginas divide-se em quatro seções distintas. Na primeira, Roche trata
da história da indumentária e traz capítulos que destacam as vestimentas ou costumes, a
história propriamente dita, a moda e os sistemas indumentários do Século XVII ao Século
XIX. Na seção seguinte, Roche fala da economia dos guarda-roupas, apresentando o sistema
indumentário parisiense, a hierarquia das aparências na Paris de Luís XIV a Luís XVI, o
conteúdo dos armários do período clássico à Revolução, a invenção da roupa-branca, o triunfo
das aparências e, ainda, o prestígio do uniforme. Na terceira seção o autor evidencia a questão
da produção, venda e roubo na distribuição das aparências. O autor realça, também na terceira
seção, capítulos dificilmente encontrados em outras obras, como a relação que vai dos ofícios
aos clientes, alfaiates, costureiras, comerciantes de roupa-branca e negociantes de moda. Traz
questões sobre o aspecto obscuro do comércio de roupas, como o roubo e a revenda, e
também descreve detalhadamente os cuidados necessários com a roupa: da decência ao asseio.
Por fim, na última seção, traça analogia entre a verdade e a máscara, desenvolve capítulos
sobre a roupa no romance, as roupas racionais e saudáveis e, encerrando, as modas da razão e
razões da moda: o nascimento da imprensa de moda na França. Roche conclui destacando a
cultura das aparências: consumo e moralidade, revelando arquivos culturais que guardam
memórias, pudores e sonhos daquele tempo.
A forma historiográfica como Daniel Roche trata os diversos temas que permeiam o
contexto da moda neste livro é original e instigante. Investiga a vestimenta de forma
complexa sem torná-la ilegível aos olhos do leitor. Propõe um estudo aberto privilegiando a
ênfase social, compreendendo-a a partir dos valores estéticos e simbólicos da cultura das
aparências. Um livro imprescindível para quem pretende desenvolver estudos nas áreas de
moda, história e sociologia!