47694-Texto Do Artigo-57785-1-10-20121211
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Paulo Bicca
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Brunelleschi, há quase 500 anos, na construção da famosa cúpula de Santa
Maria del Fiori – conduz a níveis ainda mais extremos a alienação e a exploração
do trabalho vivo nela objetivado; em um mundo marcado pela derrocada daquela
farsa chamada “socialismo real”, e pela ideologia de que ao capitalismo e, em
nosso caso, à sua forma de produzir arquitetura não há alternativas, procurando-
se, assim, impor um modelo de forma inconteste, condição necessária ao
exercício de sua hegemonia; é exatamente nestas circunstâncias que adquirem
ainda maior relevância trabalhos “fora de moda” como este escrito pelo Pedro, no
qual, sem nenhum quixotismo ou simplificações, afirma-se que há outros
caminhos, não apenas possíveis, mas necessários de serem trilhados como
condições à “utopia” de uma sociedade ao mesmo tempo arquitetonicamente bela
e justa, fruto exclusivo do trabalho livre. Aliás, condição necessária e suficiente
para que qualquer objeto fosse considerado arte, de acordo com William Morris.
É para participar da construção deste novo caminho a ser percorrido, que
Pedro se volta para o passado, refazendo intelectualmente as trilhas que na teoria
e na prática foram antes percorridas por aqueles quatro personagens escolhidos
por ele como paradigmáticos de seu objeto de estudo e úteis aos seus desígnios,
certo, entretanto, de que, parafraseando o poeta espanhol Antonio Machado,
tratam-se de “cendas que jamais se volveram a pizar”. Por isso, a leitura do livro
do Pedro mostra-nos que a intenção e o gesto de recolocar seus personagens em
cena não significava uma volta saudosista ao passado ou um mero registro de
personagens e fatos relevantes para uma historiografia da arquitetura paulista e
brasileira. Nem se limitava a um trabalho de natureza meramente acadêmica, mas
sim de uma obra escrita que, tratando de arquitetura e sua produção, adquire
sentido pleno somente por seu explícito engajamento político, inalienável de seu
conteúdo e de sua própria razão de ser, sua condição sine qua non. Na boa e
velha tradição que, atrevo-me a dizer, nasceu no século 19, com o Ruskin e sua
natureza do gótico, e com William Morris e seus textos sobre arquitetura e arte –
particularmente estes últimos, tão apreciados por Sérgio Ferro –, que ainda hoje
têm muito a ensinar-nos.
Sublinhe-se igualmente como mérito que o autor não se colocou na
condição de quem apenas pretendeu descrever de forma mais ou menos neutra
as questões por ele tratadas. Muito mais do que uma narrativa histórica, há nele o
salutar engajamento e tomada de posição diante das polêmicas de ontem e de
hoje, ajudando a relembrá-las e a identificar o fio condutor que as une, ao
mesmo tempo em que procura explicitar o conteúdo das mesmas, sobretudo
quando opõem, de um lado, as idéias e práticas defendidas por Artigas, e, de
outro lado, aquelas sustentadas por Sérgio, Flávio e Rodrigo. Diferenças e
antagonismos que se tornarão ainda mais plenamente explícitos e substantivos a
partir dos anos 70, quando Sérgio começa a escrever O canteiro e o desenho
(publicado no Brasil pela Editora Projeto, em 1979), e quando em 1981 Rodrigo
apresenta sua tese intitulada Projeto de um acampamento de obra: Uma utopia.
Isto posto, destaque-se igualmente a louvável maneira como Pedro se
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forma respeitosa e correta do ponto de vista profissional e político, pois, mesmo
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da arquitetura e das idéias arquitetônicas produzidas pelos arquitetos que se
reivindicavam e se reivindicam de uma posição política de esquerda, muitos de
inspiração marxista. E ao fazê-lo, por um lado mostra que neste espectro político,
se semelhanças, é óbvio, existiram, muitas vezes e em certos casos o que
predominou não foram apenas diferenças, mas por vezes profundas contradições,
concernentes não apenas aos meios, mas aos próprios fins perseguidos.
Evidentes, por exemplo, entre as idéias preconizadas por Artigas quanto ao papel
do desenho arquitetônico, e as profundas críticas a ele feitas por Sérgio Ferro.
Aliás, antagonismo exemplarmente revelado nas inconciliáveis opiniões manifestas
por ambos sobre o papel de Brunelleschi.
E se uma das questões centrais do livro do Pedro, assim como dos trabalhos
de Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre nos enviam às questões concernentes à divisão
entre trabalho intelectual e trabalho manual, vistas por meio das relações entre o
desenho e o canteiro, ou seja, entre o trabalho do arquiteto e o trabalho dos
operários, e como estas são questões que só adquirem o sentido que o livro
Arquitetura nova lhes confere, se forem vistas sob ótica de uma prática
arquitetônica de esquerda, tomo a liberdade de relembrar aqui o que há mais de
século foi dito por Engels, no seu Anti Dhüring, e que infelizmente nunca ou
muito pouco é lembrado, malgrado (ou talvez por) seu profundo e revolucionário
significado: “pela maneira de pensar das classes cultas, herdada pelo Sr Dühring,
é forçosamente uma monstruosidade acreditar que um dia não haverá mais
trabalhador manual nem arquiteto de profissão, e que o homem que, durante
uma meia hora terá dado instruções como arquiteto, empurrará também
durante algum tempo o carrinho de mão, até que se faça novamente apelo a sua
atividade de arquiteto. Que belo socialismo aquele que eterniza os trabalhadores
manuais de profissão!”
Isto posto, e à guisa de conclusão, destaco uma destas (espero) felizes
coincidências: o livro do Pedro foi editado poucos meses antes do Partido dos
Trabalhadores – ao qual ele várias vezes faz referência ao longo do texto – assumir
pela primeira vez a Presidência da República, levando consigo uma imensa
esperança e um significativa experiência em programas habitacionais voltados
para as chamadas populações de baixa renda, em particular aquelas que se
utilizaram do sistema de mutirões. E muitos daqueles envolvidos nesta história
mais recente, são e sentem-se, cada um à sua maneira, herdeiros daquela que
com muita proficiência o livro do Pedro nos faz reviver, convidando-nos a retomar
o fio da meada. Sobretudo para estes sua leitura é totalmente recomendada,
quase obrigatória para todos aqueles que, certamente, no novo quadro político-
administrativo, terão uma responsabilidade ainda maior pela frente, decorrentes
da histórica oportunidade pela qual muito batalharam.
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Paulo Bicca
Arquiteto e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (URGS),
autor do livro Arquiteto: A máscara e a face. São Paulo: Projeto, 1984.