Livro Historia Da Arte II
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História da Arte II
Do Romantismo à contemporaneidade
Geografia
Fortaleza 12
História
2019
Educação
Física
Ciências Artes
Química Biológicas Plásticas Computação Física Matemática Pedagogia
Editora Filiada à
O Autor
Objetivos
• Esta unidade tem com objetivo analisar o momento em que as artes oci-
dentais passaram a sofrer grandes transformações em seus principais câ-
nones e princípios definidores de sua natureza, formas e finalidades, a
começar pelo Romantismo, movimento artístico que procurou romper com
o racionalismo presente na forma e no conteúdo do estilo imediatamente
anterior ao seu surgimento – o Neoclassicismo.
”... não será jamais possível circunscrever com exatidão esse ciclo
cultural, afirmado inicialmente na literatura. A grande exposição sobre
as artes plásticas da era romântica, promovida há anos na Inglaterra,
tomou como referência cronológica o período de 1780 a 1848. São
muitos, contudo, os historiadores da matéria que alongam sua dura-
ção, recuando a 1750/60. Não lhes falta razão para isso. É comum
a premissa das noções subdivisórias, como a trilogia formada pelo
Pré-Romantismo, Romantismo e Pós-Romantismo. Por estas proposi-
ções, a época romântica propriamente dita limitar-se-ia aos anos entre
c.1829-50, mas uma tal redução serve apenas a salientar sua etapa de
maior agudez (ZANINI, 2008, p. 186).
Tal como Rousseau, também para Herder o canto primordial, onde mú-
sica e poesia são a mesma coisa, é a linguagem própria do homem. Recondu-
zi-las ao seu caráter original, significava o redescobrimento da raiz comum de
um povo. A valorização romântica do primitivo e do irracional via na memória
popular o arquivo vivo de um passado idealizado. O ímpeto romântico faz com
que os artistas se voltassem de preferência, “para o passado de suas respecti-
vas nações, privilegiando assuntos que dissessem respeito a elas” (SUPINIC,
1997, p.661).
No interior do código musical do Romantismo, a consciência política de
países forjados nas guerras anti-napoleônicas, ganha relevo para estimular a
pesquisa de temas nacionais, estabelecendo certo sinal de igualdade entre
romantismo e nacionalismo. No momento em que se forja o sentimento de
nacionalidade, a partir da constituição dos estados modernos, vários países
se vêem frente à questão da unidade espiritual, como expressão de sua iden-
tidade nacional. Postula-se, então, “um substrato cultural e uma ‘alma’ que dê
vida à nova unidade política, substrato e alma que estariam no povo enquanto
matriz e origem telúrica” (MARTIN-BARBERO,1997, p.26).
Para o Romantismo, a vaga racionalista varrera os sentimentos mais
espontâneos, fazendo que as elites perdessem grandes valores como cora-
gem e entusiasmo, subsistidos no espírito do povo, por ter se mantido distante
do racionalismo assepsizante das elites. “Os Românticos esperam que a afir-
mação da alma popular, [...], da imaginação, simplicidade e pureza populares
quebre o racionalismo e o utilitarismo da Ilustração, considerada por eles cau-
sa da decadência e do caos social” (CHAUÍ, 1994, p.17).
Enfim, aquela cultura definidora de unidade nacional, encontrava-se,
em estado latente e bruto, no mundo camponês, nas crenças e religiosidade,
nas lendas, nas histórias infantis, na música e nas danças, mas, sobretudo, na
poesia popular, “tesouro da vida”. O povo, coletividade dos “bons selvagens”,
cuja vida peculiar consignada como “comunidade orgânica” tinha como mo-
delo a vida pastoral, era o único depositário da tradição e legítimo guardião da
cultura de uma nação. “Afirmando a bondade natural e a pureza sentimental
do povo anônimo e orgânico, o Romantismo localiza a Cultura Popular: é guar-
dião da tradição, i.e, do passado (CHAUÍ, op. cit. p. 20).
Só a sensibilidade e a intuição podiam captar o espírito do povo e não
a razão. A rebelião romântica, ao valorizar a experiência do espontâneo, sem
mediações racionalizantes, dignifica a alma popular como lugar da emergên-
cia de uma arte e de uma cultura, fontes primárias de inspiração até mesmo
para as elites. A partir daí, o Romantismo construirá um novo imaginário: a
fonte popular adquire status. Herder publica os Volkslieder (1778), conferindo
autenticidade à poesia que vem do povo. As várias modalidades das práticas
Texto complementar
“Para [os irmãos Grimm], ‘todo épico escreve-se a si mesmo’, não é feito (não é ar-
tefato) mas, como as árvores, brota e cresce por si mesmo. Por esse motivo, os Grimm
designarão a poesia popular como ‘poesia natural’. Na mesma perspectiva, Românticos
suecos, filandeses, russos, partem em busca da religião natural, anterior ao cristianismo
romano e ao protestantismo e superior a eles. Mesmo no interior do cristianismo, um
escritor como Chateaubriand dedicará uma capítulo de Le Génie du Christianisme às ma-
nifestações antigas, aos ritos e festivais populares, às crenças e superstições, liberado-as
do peso da crítica Ilustrada. Esse retorno à religião popular explica ainda por que a Idade
Média – comunitária, camponesa, pastoril, guerreira e mescla de crenças bárbaras locais e
cristianismo nascente – funcionará no imaginário romântico num duplo registro, i.e, como
origem perdida e como finalidade a resgatar contra o capitalismo”.
(CHAUÍ,1994,p. 18).
Esse quadro reporta ao episódio ocorrido na noite anterior do dia 2 de Comentário sobre o
quadro Fuzilamentos...
maio de 1808, quando revolucionários espanhóis enfrentam, num desassom- “A luz concentrada sobre
bro de coragem, os soldados e suas montarias, ferindo-os com punhais, paus o homem de camisa
e lanças. O marechal Joachim Murat, comandante da infantaria francesa, de- branca, com os braços
cide reprimir violentamente os revoltosos. O episódio ganha grande expres- abertos e levantados, nos
dá a certeza da morte
sividade plástica nos traços do artista, pelo grande contraste que reflete a iminente e já vivida pelos
desigualdade das forças em conflito: de um lado os soldados uniformizados da companheiros tombados
infantaria francesa, empunhando seus fuzis; do outro, os espanhóis revolto- no chão. O tratatmento
sos, cada um deles aguardando sua vez de ser fuzilado. Nesse grupo, desta- dado pelo artista à pintura
é importante na medida
ca-se a figura central do revolucionário com os braços erguidos, cujo intenso em que universaliza
foco de luz ilumina e realça o branco de sua camisa. A intenção alegórica à o tema da repressão
crucificação é flagrante nas mãos que apresentam os estigmas. As vítimas política, superando
são apresentadas em grupos de três: os que estão aguardando o fuzilamento, o fato particular da
Espanha. Goya cosegue
cobrindo o rosto aterrorizado, os que estão no momento sendo fuzilados e os isso acentuando o
corpos inertes do já assassinados. Goya não esquece a igreja representada contraste entre o aspecto
na primeira fila das vítimas, por um frade ajoelhado que parece abençoá-las. individualizado dos
homens qua vão morrer
Finda a guerra, após a restauração da monarquia espanhola, Goya mi- e o aspecto anônimo dos
gra para a França onde cria uma obra extraordinária, cujo exuberante croma- soldados que matam,
tismo e poderosa técnica plástica antecipam o impressionismo, cujo influxo representados sem rosto.
é declaradamente assumido pelo O fuzilamento ocorrido
em 3 de maio de 1808 é,
pintor Oscar-Claude Monet. então, apenas um pretexto
Outra característica de para Goya expressar, de
Goya é o imaginário fantástico que forma geral, as lutas da
liberdade contra a tirania.
cultiva com maestria, sobretudo No dizer de Lionello
os traços que retratam o que, para Venturi, ‘a pintura de Goya
ele, representa o monstruoso da é um símbolo eterno da
natureza humana. Esta estética é revolta popular contra a
opressão’ “ (PROENÇA,
possível ser identificada em suas 1989, p. 127).
“pinturas negras”, conjunto imagé-
tico que revela a alma atormentada
de um artista visionário, adiantado
em seu tempo, anunciando, no li-
mite, as vanguardas que virão. E o
quadro que melhor experiencia for-
malmente esse tormento, perten-
cente à série Caprichos (cujo título
original era Sueños) é El sueño de
la razon produce monstruos.
A tela representa o artista
dormindo, em meio a animais no- O sono da razão produz monstros (Goya)
turnos, dentre os quais se destaca uma coruja que lhe oferece um pincel, e,
abaixo, a inscrição: El sueño de la razón produce monstruos. Sua intenção é
transparente. A tela representa um sonho, e nele há visões de pesadelo. Mas
quem, efetivamente, está sonhando? O termo sueño é ambíguo. Significa
“sono” e “sonho”. Tal ambiguidade aparenta ser intencional. O artista parece
estar pensando em sono. Portanto, sua tradução mais fiel seria O sono da
razão produz monstros (v. ROUANET, 1996, p.295)
“Ou seja, quando o artista dorme, sua razão também dorme, e esse du-
plo sono engendra o sonho. Quem sonha é o artista. Mas podemos usar
a liberdade semântica que nos é oferecida pelo castelhano e interpretar
a palavra sueño, em seu segundo sentido, como sonho. Nesse caso, a
frase significaria ‘O sonho da razão produz monstros’. Quem sonha, ago-
ra, é a razão, e o artista adormecido seria uma alegoria da razão” (Id. ib.).
Palácio de Westminster
2.4. A música
Um dos maiores índices de mudança dos cânones da tradição, iremos encon-
trar na grande alteração da estética musical que começa a ocorrer no apagar
das Luzes. Como homem da Ilustração, Kant colocara a música como tribu-
tária de sensações vindas de um único sentido, as belas sensações auditivas,
vendo na sua mudez à razão, uma incapacidade essencial, ao contrário de
Sequência cromática Por indicação do próprio compositor, o início da ópera deve ser lento
ou cromatismo e langoroso. Já no prelúdio, a crispação melódico-harmônica é exacerbada,
Sequência melódica em pela exasperação da tensão adiada por mais de dois minutos, onde peque-
que o discurso musical
nas sequências cromáticas* ascendentes provocam o encontro de notas que
sobe ou desce em
intervalos de semitons, irão constituir o trítono sem objetivo de repouso resolutivo imediato.
desfazendo, assim,
qualquer possibilidade
de ordenar a escala,
como ocorria, p.ex.,
com a escala diatônica
tonal, cuja sequência,
tomando como modelo o
tom fundamental em dó
maior, possui a seguinte
progressão intervalar:
dó-ré, ré-mi (2 intervalos
de um tom; mi-fá (1
semitom); fá-sol, sol-lá,
lá-si (3 intervalos de um
tom); si-dó (1 semitom)
fechando a oitava.
Texto complementar
Sobre Goya
“A coruja tirânica que quer impor sua vontade ao artista é a razão narcísica do hiper-
-racionalismo. Os morcegos são as larvas e os fantasmas do irracionalismo. Dois animais
deficitários, truncados. O morcego tem uma audição aguda, mas é cego. A coruja enxerga
de noite, mas não de dia. Falta um terceiro animal na zoologia de Goya, mais completo.
Não, não falta. Ele está no canto direito, enorme, olhando fixamente o espectador. É um
gato. O gato ouve tudo e tem uma visão diurna e noturna. Sabe dormir e sabe estar acor-
dado. E sabe relacionar-se com o Outro, sem arrogância, ao contrário do seu primo selva-
gem, o tigre, e sem servilismo, ao contrário do seu inimigo domestico, o cão. É a perfeita
alegoria da razão dialógica, da razão que despertou do seu sonho, é atenta a todos os sons
e todas as imagens, tanto do mundo de vigília como do mundo onírico, e conversa demo-
craticamente com todas as figuras do Outro, sem insolência e sem humildade” (ROUANET,
1996. pp. 298-299).
Sobre os românticos
“É bastante diferente quando se encara a mera natureza, sem criatura viva, como sim-
ples local de ação de uma pintura – utilizando-a, se necessário, para colorir a represen-
tação da ação, tal como o fazem com frequência o pintor histórico e o pintor épico – e
quando, de maneira exatamente inversa (tal como o pintor de paisagens) se transforma a
Natureza pura na heroína da pintura, tendo as pessoas como meros figurantes [os ‘extras’
em uma produção teatral]. O primeiro método possui inúmeros exemplos em Homero,
e quem poderia se igualar ao grande pintor da Natureza na verdade, individualidade e
vivacidade com que nos apresenta o palco dessas pinturas dramáticas? Mas coube aos
modernos [...] a tarefa de tornar essa parte da Natureza, nas paisagens e nos poemas, o
objeto de sua própria representação e, assim, através desse novo ramo eles enriqueceram
o domínio da arte que os antigos parecem haver limitado à humanidade e àquilo que se
assemelha ao humano”.
(Friedrich Matthisson, apud ROSEN, op.cit.p 189s)
“o ideal não é esta coisa vaga, esta coisa aborrecida e impalpável que
flutua no teto das academias. Um ideal é um indivíduo reerguido pelo
indivíduo, reconstruído e restituído pelo pincel ou pelo cinzel à radiosa
verdade de sua harmonia primitiva”. (p.702)
O diorama, engenho
clama da falta de imaginação presente na maioria de suas obras. A imitação
muito difundido na Paris
tão presente nesse estilo levou-o a afirmar, com tristeza e sarcasmo, que os do Século XIX, cujo
paisagistas estão presos ao verdejante, ao copiar a natureza, chamando-os termo foi inventado pelo
de “animais herbíveros”. inventor Louis Daguerre,
em 1822, era um quadro
Para Baudelaire a paisagem não são campos, ervas e árvores, mas sobre- iluminado na sua parte
tudo, ruínas e, com tom melancólico, diz preferir toda a artificialidade dos diora- superior por uma luz
mas,* pois estes, pelo menos, sabem expressar a ilusão útil e contemplar cená- móvel, produzindo uma
ilusão ótica. Pinturas
rios de teatro. O que é ostensivamente artificial, por não ter qualquer pretensão de
bucólicas como árvores,
se aproximar da natureza nem de parecer verdadeiro, mas apenas provocar um plantas, animais ou
forte efeito, possui mais proximidade com a verdade, do que os paisagistas que então, fatos históricos,
continuam a imitar a natureza com o objetivo de representar o verdadeiro. eram expostos, de modo
bem realista, com fins
instrutivos ou para mero
entretenimento. Pintada
sobre uma tela de fundo
curvo, iluminada de
certo modo procurando
simular um contorno real,
a cena passava uma
ilusão de profundidade
e de movimento,
dando a impressão de
tridimensionalidade, além
da redução compactada
em escala para reforçar
a ilusão de realismo.
Diorama (paisagem)
Para Baudelaire, tal atitude é contrária à arte, pois o elemento relativo
do belo é expresso também pelo temperamento do artista. A imparcialidade
adotada por determinados artistas, negando sua própria subjetividade, não
permite que o belo seja expresso, por sua insistência numa arte mimética. Ao
contrário da estética realista em que o artista encontra-se subordinado à rea-
lidade externa, tornando-se inclinado a retratar o que tem diante dos olhos, o
pintor moderno não deve expressar o que vê, mas o que sente e como sente.
-se uma nova ótica, um olhar a partir de uma nova perspectiva que possibilite
ao artista, após ter apreendido o maior número de dados registrados em sua
memória, expressá-los em sua arte. A isso Baudelaire, sempre pensando em
C.G., atribui a tarefa do artista moderno.
Agora à hora em que os outros estão dormindo, ele está curvado sobre
sua mesa, lançando sobre uma folha de papel o mesmo olhar que há
pouco dirigia às coisas, lutando com seu lápis, sua pena, seu pincel, lan-
çando a água do copo até o teto, limpando a pena na camisa, apressan-
do, violento, ativo, como se temesse que as imagens lhe escapassem,
belicoso, mas sozinho, e debatendo-se consigo memo” (p. 858 e 859).
As respigaderas (Millet)
Não se trata de uma simples cópia. Manet se inspirou apenas nas per-
sonagens daquelas obras para criar uma composição nitidamente mais con-
temporânea. Sua originalidade em relação a tais obras se apresenta com
nitidez no realismo das personagens presentes na tela, pois se tratava de três
personalidades conhecidas da vida parisiense – uma modelo, um irmão e um
escultor amigo do artista –, e não figuras mitológicas típicas do classicismo
renascentista. A única figura mitológica é Vênus mais ao fundo. No canto es-
querdo inferior da tela, uma pequena composição de natureza morta.
Na aparente dispersão dos elementos constitutivos do quadro, existe
um sistema organizativo de formas triangulares que dá unidade plástico-or-
gânica à composição: três figuras em primeiro plano, a Vênus ao fundo sobre
as águas de um pequeno riacho, e um pássaro que sobrevoa toda a cena em
seu ponto mais elevado. A luminosidade do corpo da modelo contrasta com
os tons escuros dos homens vestidos e das árvores que emolduram a cena,
luminosidade que é replicada, em menor escala, na abertura da luz do sol no
cenário ao fundo. Críticos de arte apontam tal luminosidade como um traço
anunciador do Impressionismo que logo virá (v. PROENÇA, op.cit.p.135).
“um Deus vingador atendeu aos desejos dessa multidão. Daguerre foi
seu Messias. E então ela se diz: ‘já que a fotografia nos dá todas as
garantias desejáveis de exatidão (eles crêem nisso, os insensatos!), a
arte é a fotografia’. A partir desse momento, a sociedade imunda lan-
çou-se como um único Narciso, para contemplar sua trivial imagem
sobre o metal. Uma loucura, um fanatismo extraordinário tomou conta
de todos esses adoradores do sol” (p.801)
“Quando você vê tudo o que é possível exprimir por meio da fotografia, des-
cobre tudo o que não pode ficar por mais tempo no horizonte da represen-
tação pictoral. Por que o artista continuaria a tratar de assuntos que podem
ser obtidos com tanta precisão pela objetiva de um aparelho de fotografia?
Seria absurdo, não é?” (Trecho do diálogo de Picasso com o fotógrafo hún-
garo Brassai, em 1939, In “Arte no século XX”, apud CUNHA, op.cit.p. 291)
Atividades de avaliação
1. Considerando o tempo do Romantismo, quais são as principais dificulda-
des de sua identificação enquanto estilo, bem como seus principais traços
que o fazem diferenciar do Neo-classicismo?
2. Considerando a afirmação de Baudelaire que seu tempo foi crucial para
elaborar uma “teoria racional do belo”, descreva e analise essa teoria e o
seu tempo.
Texto complementar
Como funciona a daguerreotipia
O processo da daguerreotipia foi inventado por Luis Daguerre (1787-1851) e apresen-
tado na Academia de Ciências de Paris, em 19 de agosto de 1839. Essa data é geralmente
considerada o marco inicial da fotografia.
A daguerreotipia consiste num processo em que ocorre a formação de imagens sobre
uma placa de cobre recoberta por uma camada de prata. Esta placa é colocada numa
câmera escura – o daguerreótipo –, contendo um pequeno orifício por onde entra um
feixe de luz que projeta sobre a placa as imagens dos objetos que estão no exterior. Como
a prata é sensível à luz, as imagens ficam registradas na placa que, a seguir, é revelada
em vapor de mercúrio. Obtém-se assim uma imagem em negativo que, ao ser fixada em
solução alcalina, torna-se positiva.
Na verdade, a daguerreotipia nasceu de um princípio descoberto por Joseph Niepce
(1765-1833), que usava betume e lavanda sob a ação da luz para produzir imagens. Con-
tudo, os primeiros negativos que obteve apresentavam baixa densidade, ou seja, eram
esbranquiçados, com pouco contraste entre o claro e o escuro. Niepce teria realizado a
primeira fotografia por volta de 1826. Daguerre se associou a Niepce em 1829, com a fina-
lidade de aperfeiçoarem o processo inicial. No entanto, com a morte de Niepce, Daguerre
continuou pesquisando e conseguiu melhorar a impressão das imagens, introduzindo o
usa da prata. O daguerreótipo obteve sucesso e plena aceitação.
(PROENÇA, op.cit.p. 184, adaptado de Ana Maria Guariglia, Folha de São Paulo,
19/08/1987)
@
Leituras, filmes e sites
Filmes
Madame Bovary
O romance de Gustave Flaubert serviu de roteiro para várias versões no ci-
nema, dentre elas a de Claude Chabrol (1993), cineasta da Nouvelle Vague
francesa, e a do americano Tim Fywell (2000). Mas certamente a versão que
melhor se vincula à nossa história da arte, graças a uma especificidade esté-
tica de rara ocorrência, é a versão de Jean Renoir de 1933, grande cineasta
francês, filho do célebre pintor impressionista Pierre Auguste Renoir. O diretor
consegue levar à tela os usos e costumes da vida interiorana do séc. XIX
Referências
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celona: Barral Ed. 1971.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. Nova York: Phaidon, 2009.
JIMENEZ, Marc. O que é estética. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1999.
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NATTIEZ, J. Jacques. Modal/tonal Casa da Moeda, Lisboa:1984
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ROSEN, Charles. A geração romântica. São Paulo: EDUSP, 2000.
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tória da música ocidental. São Paulo: Nova Fronteira, 1997.
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PROENÇA, Graça História da arte. São Paulo: Editora Ática, 1989.
ROUANET, Paulo Sérgio. Razões do iluminismo. São Paulo: Cia Das Letras,
1989.
VASQUEZ, Adolfo Sanches. Ideias estéticas de Marx, Rio de Janeiro: Ed.
Paz e Terra, 1978.
Objetivos
• Esta unidade busca introduzir o aluno na reflexão das artes da segunda
metade do século XIX, cujos cânones ficaram bastante abalados com o
devenvolvimento das pesquisas das propriedades da luz, bem como pela
invenção e difusão da fotografia, com grandes ressonâncias, sobretudo
nas manifestações dos movimentos como o Impressionismo, o Pós-im-
pressionismo e a art nouveau do fin-de-siècle europeu que já apontam
para as grandes rupturas que irão se efetivar pelas vanguardas modernis-
tas retratadas em vários movimentos e estilos do século XX.
nor escala, pela estética romântica. Instituições oficiais como a Academia das
Belas-Artes eram alvo de constantes ataques cada vez mais acirrados. Os
Salões oficiais para mostra das telas, de grande importância para a carreira
dos artistas, sobretudo, os mais jovens – muitos deles freqüentavam cursos
livres em ateliês não acadêmicos –, desejosos de ganhar reputação no mer-
cado das artes, começaram a ser objeto de contínua insatisfação. As obras
eram escolhidas por um grande júri, formados por renomados pintores e pro-
fessores acadêmicos (os “mestres-mandarim”, segundo Baudelaire), e seus
critérios de escolha começaram a exasperar cada vez mais, gerando protes-
tos públicos.
Nos círculos boêmios, admirava-se justamente a arte de estética mais
livre daqueles que haviam se insurgido contra os valores acadêmicos de seu
tempo, a exemplo do realista Gustave Courbet. Entre esses jovens achavam-
-se Édouard Manet (que já ganhara uma menção honrosa no Salão de 1861),
Claude Monet, Camille Pissaro, Paul Cézanne, Auguste Renoir e Alfred Sisley.
O apoio de artistas mais experientes nos contatos com marchands, como o
pintor Eugène Boudin, grande amigo e conselheiro de Monet, tido como ante-
cipador do Impressionismo, foi de grande importância nesses começos ainda
hesitantes. Nas palavras de Boudin,
"... a época dos românticos já estava encerrada. Daqui por diante, de-
vemos buscar as belezas simples da natureza, vista em toda a sua
variedade e frescor [...] Tudo o que pintado diretamente no lugar onde
se encontra tem sempre uma força, um vigor e uma vivacidade que não
se volta a encontrar no ateliê [...] (deve-se) mostrar uma obstinação
extrema em conservar a primeira impressão, que é a melhor e a mais
verdadeira” (apud CUNHA, op.cit. p. 346).
Por outro lado, no mesmo ano de 1863, o crítico Jules Antoine Castag-
nary, amigo e defensor de Courbet, fazia o seguinte comentário sobre Johan
Jongkind, pintor de origem holandesa que sofrera influências de Monet: "Gos-
to muito, pois é um artista até as pontas dos dedos, e nele vejo uma sensibi-
lidade rara e genuína. Nele, tudo consiste na impressão” (apud CUNHA, id.
p. 347). A constituição de um corpo de jurados mais receptivo aos novos, no
Salão de 1865, fez com que os pintores jovens participassem, destacando-se
Degas, Monet, Pissaro, Manet, Renoir e Sisley. Cézanne ainda não se faz
presente. Na época, a crítica se divide, ora com ataques acirrados, ora com
defesas apaixonadas.
No salão de 1866, as discussões recrudescem graças à defesa
explícita de Zola a favor de Cézanne, cuja rejeição ao seu trabalho pa-
recia algo já anunciada, pressentida pelo escritor que reage antecipa-
damente mediante três artigos contundentes contra o corpo de jurados
e a estética acadêmica. Sugere uma reedição do Salão dos Recusa-
dos. Mas a reação mais dura estava reservada para a mostra seguin-
te (1867), quando muitos dos artistas “realistas”, designação corrente
dada aos futuros impressionistas, foram desclassificados.
De qualquer forma, todos esses percalços e provações serviram
para temperar a vontade desses artistas, passando a exercer um impor-
tante papel na coesão mais solidária entre eles, fazendo-os se aproximar
mais e mais uns dos outros. Entre 1866 e 1869, como era costume dos
círculos boêmios da Paris, capital do Século XIX, na feliz expressão de
Walter Benjamin, passam a se reunir no café Guerbois, lugar de intensa
dialogia na partilha de ideias, métodos e novos procedimentos técnicos, no
cotejo de convicções, divergências, na busca comum dos rumos do movi-
mento. A guerra franco-prussiana no início da década seguinte, dispersa
temporariamente o grupo.
Finda a guerra, com a derrota francesa e a restauração da III República,
e a experiência da Comuna de Paris em 1871, os artistas irreverentes do café
Guerbois reúnem-se para novas investidas, julgando que novos ventos lhes
favoreciam. Um marchand chamado Paul Durand-Ruel, sensível à nova esté-
tica, decide investir em 21 obras de diversos artistas como Manet, Monet, Pis-
saro, Sisley e Degas. Acreditando na mudança positiva do ambiente cultural e
estético da França, nos anos 1870, Monet, na melhor “tradição” das mostras
alternativas, lança, em 1874, a idéia de um salão unificador, subvencionado
pelos próprios artistas, para, assim, se libertarem definitivamente do júri e dos
“mestres-mandarim”, o que é aceito por todos, à exceção de Manet – ainda
sentindo o sucesso obtido no Salão do ano anterior, teme que aquela ousadia
pudesse lhe fechar as portas da Academia.
Assim, eles organizam sua primeira exposição no estúdio do fotógrafo
Félix Nadar (não por acaso, devido à importância da fotografia para o mo-
vimento), com telas de Auguste Renoir, Edgar Degas, Alfred Sisley, Berthe
Morisot, Claude Monet, contando ainda com a adesão de outras personalida-
des do mundo das artes plásticas da geração anterior como o pintor Eugène
Boudin e o gravurista Félix Bracquemond, num total de 29 participantes e 165
trabalhos, resultado bastante expressivo considerando as condições hostis da
época para a nova proposta que desafiava a tradição canônica da Academia
Real das Artes, dos “mestres-mandarim” de sempre, da má-vontade da crítica
da imprensa e do público de um modo geral. Nesse Salão alternativo sobres-
saia a tela Impressão: o nascer do sol, de Monet.
Referindo-se diretamente a essa tela, surge o juízo pejorativo de Louis
Leroy, que, achando risível o título dado pelo artista, usa da ironia dizendo-se
“impressionado” pela “impressão” da suavidade do pincel do artista, afirmando
que um papel de parede (elemento imprescindível para a decoração de inte-
riores francesa) era mais elaborado do que aquela cena marinha.
Vemos, portanto, que, oscilando entre apreços e desprezos, o termo
que já vinha circulando acaba sendo aceito pelo próprio Monet e outros artis-
tas que o adotam, monstrando-se cônscios de estar criando um movimento
profundamente renovador para as artes plásticas. O movimento, no decor-
rer das décadas seguintes até a virada do séc. XX, provocou, além do que
O artista não devia perder tempo para misturar e unir suas cores na
palheta, procurando efeitos cromáticos em suas tonalidades, conforme os câ-
nones da tradição, mas deviam levá-las de forma pura diretamente à tela, em
pequenos golpes fragmentados do pincel, e colocadas lado a lado, não se
preocupando com os detalhes, senão com o efeito estético obtido no todo da
obra, cabendo ao olhar contemplante combinar as várias tonalidade e cores
durante o processo de formação da imagem e assim obter, pela fruição, o
resultado plástico final. Para isso, era importante captar o momento da pintura
instantânea, tendo como referência perceptiva o clique fotográfico.
Com ousadia e irreverência plástica, a fluidez dos contornos fazia as
figuras perderem nitidez e precisão, visto que o desenho deixa de ser o ele-
mento estruturante da composição pictórica para dar lugar à plasticidade das
formas obtidas pelo uso de manchas e cores transpostas para a tela sem
preparação, a partir das sensações visuais captadas de imediato. O preto é
praticamente banido e as partes sombreadas, representadas por ele na esté-
tica tradicional, ganham luminosidade colorida.
O contraste claro-escuro devia ser obtido pelo jogo de luz e sombra
conforme a lei das cores complementares, a exemplo do amarelo próximo à
cor violeta. Certamente a maior contribuição da estética impressionista reside
no procedimento da mistura das cores e as tonalidades obtidas que deixam
de ser uma questão técnica para ganhar uma dimensão ótica (v. PROENÇA,
op.cit. p.140). De fato, como vimos anteriormente, os efei-
tos da pesquisa ótica e a invenção da fotografia provoca-
ram um influxo decisivo sobre a composição de cores e
a formação de imagens na retina do olhar contemplante,
ressoando profundamente nas técnicas da plasticidade
impressionista.
Quanto á concepção temática, afastam-se da pin-
tura realista, não se dedicando a causas sociais. Nas
suas telas são recorrentes cenas ribeirinhas, em jardins,
cafés, teatros e festas. Pinta-se um instante de algo em
permanente mutação. Mas é importante frisar que nem
todos os adeptos do Impressionismo seguiram à risca
todos seus procedimentos, a exemplo de Edgar Degas
(1834-1917), dono de uma carreira bem pessoal.
De rara formação acadêmica, ao contrário dos de-
mais, Degas nutria admiração por Ingres, fazendo, com
isso valorizar mais o desenho do que a cor, paixão decla-
rada dos impressionistas. Ademais, Degas foi pintor co-
medido de paisagens e de cenas en plein air. Suas telas A primeira bailarina (Degas c.1878)
do-se “vítima do feitiço de Parsifal” (ROSS, 2009, p. 54). Mas logo se desvenci- Ninfas e Náiades
lha desse feitiço. A busca por novas linguagens o conduziu a outras fontes. Na As ninfas, consideradas
Exposição Universal de Paris de 1889, ele entra em contato com as sonorida- pequenas divindades,
des “exóticas” de países colonizados, cujas culturas musicais deslumbravam a são figuras femininas
pertencentes à
escuta européia, como as escalas ciganas, moçárabes, russas, e outros modos
corte dos deuses da
da Europa oriental. Debussy restou maravilhado com os efeitos das ressonân- mitologia grega, sendo
cias dos gongos de uma trupe teatral do Vietnam, bem como um conjunto de frequentemente alvo
gamelão javanês, com sua escala minimalista pentatônica, ao provocar uma da cobiça luxuriosa
dos sátiros. Náiades
cascata delicada de timbres que deixavam uma animação suspensa no ar.
são ninfas aquáticas
Sobre isso, escreveu Debussy: “contém todas as gradações, até mes- (nascentes, rios, lagos,
mo algumas que não sabemos mais nomear, de modo que tônica e dominan- fontes e pântanos)
extremamente belas,
te [tons básicos do código tonal] não passam de fantasmas vazios para uso
semelhantes às sereias,
de crianças espertas” (apud, ROSS, op.cit. 55). No meio dessa profusão de igualmente dotadas de
sons, a escala de tons inteiros, sua sonoridade mais característica, inspirada vozes inebriantes.
nas práticas musicais da Europa central, sobretudo russas, ganha proemi-
nência. Foi seu uso reiterado que deixava pairar no ar uma atmosfera de per- O russo León Bakst
(1866-1924) foi pintor,
manente suspensão, passando uma ideia de paisagem luminosa sem con-
cenógrafo gravurista,
tornos definidos que revelou afinidades estéticas com o estilo impressionista. ilustrador e figurinista,
Sua composição “Prelúdio à tarde de um fauno”, em 1894, poema sin- com forte intervenção
na cena artística de
fônico baseado em Stéphane Mallarmé, é apontada como marco da música
sua época (virada do
moderna. O poema conta, num clima de extrema sensualidade, a história de século XX). Frequentou
uma figura mítica, um fauno que toca sua flauta num bosque e fica excitado intensamente o círculo
com a visão de outras figuras míticas femininas, ninfas e náiades*, e tenta artístico-literário da
Rússia, cujo integrante
alcançá-las em vão. Extremamente fatigado se entrega a um profundo sono,
mais ilustre era o crítico
conseguindo, nas visões sonhadas, alcançar as figuras femininas. de arte e empresário
Várias passagens do prelúdio sugerem at- Sergei Diaghilev, fundador
do Ballets Russes.
mosferas fugidias, mais um traço apontado como
Conviveu com artistas
tendo correspondência com a estética impressio- do estilo simbolista, a
nista, sem a progressão lógica de um todo temá- ser vistos mais adiante,
tico típico do classicismo (a exemplo da forma- dos quais recebeu certa
influência. Foi também
-sonata), ou um leitmotiv do Drama wagneriano
professor de arte, tendo
(pequenos motivos melódicos vinculados a perso- como aluno, entre 1908-
nagens ou situações dramáticas). O poema sinfô- 10, o pintor Marc Chagall
nico inspirou os Ballets russes de Vaslav Nijinsky (1887-1985), artista
russo que transitou na
em 1912, considerado revolucionário na ocasião,
estética vanguardista das
devido à sua extrema sensualidade. primeiras décadas do
Sentindo-se mais livre dos constrangimen- séc. XX, como o Cubismo
e Fauvismo, deles
tos que exigiam o uso da dialética tensão/repou-
recebendo influxos em
so do sistema tonal, buscou satisfações estéticas O Fauno Nijinsky na arte de sua longuíssima carreira
numa espécie de “livre prazer melódico” em blo- León Bakst artística posterior.
cos sonoros, bem distantes daquele discurso tonal, desde que lhe provocas-
sem uma sutil e suave escuta. Outras obras que lhe conferem a qualificação
de impressionista são os Noturnos (Nuvens, festas e sereias) e La mer, peças
onde é ressaltado o clima marcado pela suavidade fugidia de caráter fluido
e vago, com sutis jogos harmônico-melódicos, em que as formas musicais
aparentam se dissolver. Debussy valorizou acordes isolados, timbres, pau-
sas, cotejos contrastante de registros. Assim como o Impressionismo plásti-
co, sua música trouxe enorme contribuição para a construção de uma nova
fase da música erudita ocidental.
lha do poeta francês Paul Claudel, teve uma intensa e tumultuada relação
amorosa com Rodin (v. referência do filme Camille Claudel), com quem convi-
veu e partilhou sua estética e obras.
Nascida no interior da França, logo cedo, Camille demonstra um talento
precoce para esculpir. Com 17 anos, toma o rumo de Paris e ingressa na acade-
mia que tem como mestre Auguste Rodin. Lá cria suas primeiras obras que nos
chegam ao conhecimento, como Paul aos treze anos, dedicada ao irmão. Seu
trabalho impressiona o mestre que reconhece seu talento pela solidez obtida.
Admitida, logo a seguir, no atelier de Rodin, colabora na execução das
Portas do Inferno inspirada na Divina Comédia de Dante Alighieri, onde, inclu-
sive, a célebre escultura O pensador, em menor dimensão, compõe o portal,
e o monumento Os burgueses de Calais, uma de suas obras mais impactan-
tes. Tendo colaborado durante anos com o escultor, segundo alguns críticos,
obras de um ou de outro possuem tantas afinidades e semelhanças de con-
cepção e estilo que não se pode saber com precisão qual a obra do mestre ou
da discípula, ou quem inspirou quem ou quem copiou quem.
Entrando num ciclo bastante tumultuado em sua relação com Rodin,
procura se autonomizar e se distanciar, tanto na escolha temática como no
tratamento escultórico. Tal distanciamento segue até o rompimento final em
1898. A ruptura é marcada e narrada pela famosa obra A Idade Madura, ex-
pressão de fim de uma fase e início de um novo e sofrido ciclo criativo.
Camille sair da crise, já doente demais para se reconfortar com o êxito obti-
do. É desta fase a escultura O abandono (1905), onde Camille ousa apre-
sentar um nu masculino ajoelhado diante da mulher que, de pé, em posição
desejante, parece querer se entregar ao ato de amor, algo bastante inco-
mum numa obra de artista mulher. A escultura revela em estado puro todo o
páthos da artista, na integridade e justeza do sentido original do termo grego.
Sua saúde mental sofre novos surtos de paranoia. Acusa Rodin de
querer se apossar de seus trabalhos, passando a viver um grande abatimen-
to físico e intensa depressão, recusando se alimentar e desconfiando de
todos. A morte do pai, em 1913, agrava ainda mais esse quadro. Passa seus
últimos 30 anos de vida praticamente internada numa instituição do interior,
onde falece em 19 de outubro de 1943, aos 79 anos incompletos.
Unidos e separados em vida, por uma conflituosa relação
de amor/ódio, os dois se acham atualmente reunidos na perma-
nência da arte de ambos sob o mesmo teto do Museu de Rodin,
em Paris. As obras citadas lá se encontram, bem como a escultura
O homem que anda (“L’homme qui marche”) realizada entre 1900-07, uma
das mais imponentes, um gigante majestoso de mais de 2 metros de altura em
bronze esculpido, comparável a outra obra de imponência monumental, de
quase 3 metros de altura, em homenagem a Honoré de Balzac (1892-1897),
atualmente nos jardins do Museu.
Texto complementar
Sobre a Catedral de Monet
“Nesse ano [1892], de passagem a Rouen, ele ficou encantado pela catedral da ci-
dade. Da janela, ele não a via inteiramente, ele conseguia perceber apenas a fachada e
isso determinava a composição das telas da primeira fase do ciclo: o olhar do pintor não
vislumbrava senão a fachada e uma pequena fração do céu sobre ela. Na composição,
A adesão da pintura en plein air não o impede de dedicar sua arte a in-
teriores como faz ao retratar seu próprio quarto da morada de Arles, em cores
fortes à maneira de suas paisagens, sem nuances dos contornos do mobiliário
que compõe seu aposento.
A carta escrita ao irmão Theo (v. Texto complementar) sobre a ideia que
alimentava sobre seu quarto contém explicações extraordinárias sobre sua
concepção enquanto artista, conferindo ao texto, uma espécie de súmula de
sua estética: sua intenção, o uso das cores, a disposição dos objetos da cena,
a composição almejada, a atmosfera pretendida.
Van Gogh deixa claro sua deliberada aplicação arbitrária das cores,
pois não se propunha a uma representação “correta”. Intencionava o em-
prego de formas e cores na representação de seu quarto, para passar sua
experiência estética, e que as demais pessoas, ao contemplá-lo, experien-
ciassem o mesmo.
Van Gogh morreu nos deixando um extraordinário legado contendo um
variado repertório de expressão plástica: 10 gravuras, 879 telas, 1756 dese-
nhos. Em vida não chegou a obter o reconhecimento nem do público nem dos
críticos. Posteriormente, foi considerado um dos maiores gênios da pintura,
sendo um dos responsáveis pela abertura das nossas artes plásticas para o
experimentalismo da arte moderna.
Seu contemporâneo Paul Gauguin chegou a participar da 5ª exposição
coletiva impressionista em 1880, e da sua 6ª e última exposição em 1886,
com 19 telas. Porém, dotado de ideias bem distintas, começou a se afastar
dos impressionistas, ao aplicar, dentre outros procedimentos, cores puras nos
objetos, igualmente de modo arbitrário, demarcando com precisão os con-
tornos das figuras, como faz em Jacó e o anjo, tela de 1888, e na tela Cristo
amarelo, de 1889.
Texto complementar
O Quarto em Arles, segundo o próprio Van Gogh
“Eu tinha uma nova idéia na cabeça e aqui está o seu esboço ... desta vez, trata-se
simplesmente do meu quarto, só que a cor se encarregará de tudo, insuflando, por sua
simplificação, um estilo mais impressivo às coisas e uma sugestão de repouso ou de sono,
de um modo geral. Numa palavra, contemplar o quadro deve ser repousante para o cére-
bro ou, melhor dizendo, para a imaginação.
As paredes são violeta-pálido. O piso de ladrilho vermelho. A madeira da cama e as
cadeiras, amarelo de manteiga fresca; os lençois e as almofadas, de um tom leve de limão
esverdeado. A colcha, escarlate. A janela, verde. A mesa de toalete, laranja; a bacia, azul.
As portas, em lilás.
E é tudo. Neste quarto nada existe que sugira penumbra, as cortinas corridas. As am-
plas linhas do mobiliário, repito, devem expressar absoluto repouso. Retratos nas paredes,
um espelho, uma toalha e algumas roupas. [...]
Trabalhei nele o dia inteiro, mas você pode ver como a concepção é simples. As grada-
ções de cores e as sombras estão suprimidas; o quadro está pintado em camadas leves e
planas, livremente jogadas nas telas à maneira de estampas japonesas”.
(apud, GOMBRICH, op.cit. p. 548)
Esses jovens intelectuais dos anos 1880/90, identificados por uma vi-
são pessimista do mundo, acompanhada por uma postura estética subjetivis-
ta, pela descoberta do inconsciente, sentiam inclinados para as dimensões
misteriosas da existência. Em 1886, influenciado por Verlaine, Anatole Baju
funda a revista Le décadent littéraire et artistique, onde publica o manifesto
decadentista em que é possível divisar embrionariamente ideias que serão
incorporadas à estética dos futuros movimentos futurista e dadaísta.
O fin-de-siècle europeu, sobretudo o parisiense, tinha, como uma de
suas maiores características, a pluralidade de tendências nos vários campos
do saber e das artes. É a época dos círculos boêmios artístico-literários, no
bairro de Montmartre, que transitavam pelos bistrôs, cafés e boulevards pa-
risienses e que darão origem a vários movimentos artísticos de vanguarda
caracterizados por uma pluralidade de “ismos” que, segundo certa contagem,
teria chegado a quarenta. Porém, alguns tiveram proeminência, conforme ire-
mos ver na unidade III.
Se por um lado, havia um culto à modernidade por parte dessas corren-
tes, advindo das transformações científicas, por outro, havia uma descrença
no mundo artístico, pelo esgotamento da estética e técnicas que já não cor-
respondiam à realidade do fin-de-siècle de um novo mundo que começava a
se desvendar.
Uma série de revistas literárias e de manifestos era lançada para vei-
cular o desejo de mudança e os princípios do ideário estético, bem como
traçar os rumos e propostas de novos movimentos. O manifesto passou a ser
o instrumento mais importante para veicular esse ideário, e o Simbolismo foi o
primeiro movimento a dele se utilizar.
cujo destino era elevar o espírito do público fruidor de suas obras, mediante a
apresentação do ideal de beleza, composto de três atributos absolutos: o belo
espiritual, o belo plástico e o belo técnico.
Texto complementar
“Antes de banirmos este termo [Simbolismo], devemos, entretanto, relembrar que a
falta de acordo sobre o seu significado não se limita ao destino da palavra ‘simbolismo’,
mas, antes, indica uma tendência geral da crítica que conduz à destruição de todos os
rótulos. Algo semelhante, p.ex., ao que ocorre com o que se denominava ‘clássico’ e que
agora é apenas ‘barroco’. Como reação às rígidas classificações anteriores, existe atual-
mente uma tendência a buscar o que há de não-clássico em um clássico, de não-românti-
co em um romântico e – que nos interssa – o que há de não-simbolista em um simbolista.
Mas neste desejo generalizado de livrar a individualidade dos autores de seu confinamen-
to a um grupo, é bom lembrar que, conquanto possam parecer arbirárias, as classificaçãos
são salvaguardas necessárias contra as excentricidades de uma crítica impressionista e
de digressõres biográficas. Se, como se acredita, há uma perda de identidade particular
do autor por meio da categorização com rótulos, é igualmente perigoso deixá-lo em um
vácuo e atribuir unicamente seus acertos e faltas pessoais a traços que são, na verdade, a
estilização de uma herança comum”.
(BALAKIAN, op.cit.p.15)
4.2. A pintura
Na ambiência da belle époque, dos artistas que se dedicam à linguagem das
artes plásticas, alguns merecem destaque. Da França, nos vem Toulouse-
-Lautrec (1864-1901, certamente, uma referência obrigatória, também iden-
tificado como integrante da fileira dos pós-impressionistas. Dedicando-se à
pintura e à litogravura, Lautrec foi um típico artista frequentador da vida bo-
êmia francesa típica da época, o que certamente contribuiu para sua curta
existência, sabendo, como poucos, retratá-la em sua arte. No entanto, mesmo
vivendo menos de 36 anos e, desses, tendo produzindo menos de 20 anos, o
que deixou como legado foi importantíssimo por ter revolucionado a estética
do design gráfico da publicidade da época, sendo seu estilo uma marca da
Art nouveau.
O beijo (Klimt)
O quadro é inspirado no próprio artista e sua amante Emilie, femme
fatale que aparenta submissão, transmite uma intensa sexualidade, e cons-
titui o climax da fase dourada do artista, tornando-se autêntico emblema do
movimento Secessão de Viena. Depois dessa fase, Klimt viaja para Paris e
entra em contato com a arte de Toulouse-Lautrec e com o Fauvismo, um dos
movimentos que compõe o mundo das vanguardas das artes do novo século,
alterando significativamente seu estilo, o que faz abandonar os motivos geo-
métricos e a sumptuosidade do dourado.
escrava, com seus efeitos em várias esferas da vida brasileira, o maior entra-
ve para a realização daquele sonho. O Rio tornara-se uma cidade predomi-
nantemente negra, por receber no curso do século, um grande contingente de
escravos e libertos.
A proposta das elites exclui as práticas culturais afro. De um lado, o
estilo de vida burguês chic, de “bom gosto”, recém-ingresso na modernidade
européia, do carnaval clean veneziano, do bal masqué, com seus pierrôs, co-
lombinas e arlequins, do carnaval das “emoções comedidas”. De outro, a festa
afro-popular das rodas de samba e capoeira, dos batuques e candomblés,
dos cordões e dos blocos de sujos.
Da parte da elite, importa-se tudo: moda, arquitetura, música como a
polca, as valsas e mazurcas, os minuetos, as óperas e operetas, o teatro
vaudeville, as estátuas dos jardins, a Art nouveau. Pereira Passos, prefeito do
Rio, apresenta-se como um Haussmann tropical, o reformador de Paris, onde
Passos vivera no reinado de Napoleão III, quando Paris sofrera uma grande
intervenção urbana, sob os auspícios daquele reformador.
Lá, a Cidade-luz procura romper com sua arquitetura medieval, de ruas
estreitas e tortuosas, cenário propício para abrigar as “classes perigosas” de
grande ímpeto sedicioso, o que não conseguiu impedir as barricadas da Co-
muna de Paris, em 1871. Cá, o Rio procura romper com seu passado colonial,
demolindo a cidade que abrigava uma população “bárbara” e “imunda”, ce-
nário de ruas estreitas e tortuosas, utilizadas pelas barricadas dos revoltosos
contra a vacina obrigatória de Oswaldo Cruz em 1904.
O projeto das elites busca calar a cultura popular, complexa coesão de
nossa riqueza étnico-cultural. Nada escapa aos olhos da repressão policial.
Daí a perseguição a diversas práticas populares. Impõem-se severas restri-
ções aos cordões e batuques. Mas o alvo preferido da repressão são as festas
da Penha e o carnaval cheio de danças, músicas e ritmos maliciosos, com
seus cordões e blocos de “sujos”. O poeta Bilac é quem ataca com veemên-
cia, os “abomináveis cordões”, vistos por ele como versão bárbara e tropical
da “antiga usança de procissões báquicas”.
Dá-se também a condenação de práticas musicais tradicionais como
a seresta e seu instrumento símbolo indispensável - o violão - nas rodas de
estudantes boêmios, visto pelas elites como símbolo de vadiagem. O pró-
prio movimento “regenerador” encarrega-se de dar o golpe de misericórdia
na boemia, com a demolição da infra-estrutura que a sustenta: as pensões
do centro. Existia uma cidade com um casario de “fachadas monstruosas”,
entregue aos mestre-de-obras de “péssimo gosto”, sem saneamento.
Existia uma cidade habitada por um “povo feio e sujo”, sem as mínimas
condições de higiene, vivendo em sórdidos cortiços e estalagens coletivas,
Atividades de avaliação
1. Considerando o tempo do Impressionismo, quais as grandes descobertas
e invenções do mundo científico-tecnológico que provocaram grande im-
pacto e mudança de rumos nas artes visuais do seu período?
2. Faça um cotejo entre os estilos impressionista e expressionista, enfatizan-
do suas principais diferenças.
3. Quais as principais mudanças trazidas pelo movimento artístico do fin-de-
-siècle europeu, cujas repercussões ressoariam no movimento modernista
do início do século XX?
4. Descreva o estilo Art-nouveau e suas repercussões na chamada belle
époque brasileira.
@
Leituras, filmes e sites
Filmes
Sede de viver
1956: dirigido por Vincent Minelli e co-dirigido por George Cukor, sobre a vida
de Vincent Van Gogh, com o ator Kirk Douglas no papel do artista e Anthony
Quinn no papel de Paul Gauguin. O filme foi adaptado da novela com o mes-
mo nome de Irving Stone, cobrindo grande parte da existência atormentada
do pintor holândes, sua relação conflituosa com o amigo Gauguin e o apoio
afetuoso do irmão Theo, passado nos vários ambientes em que viveram, so-
bretudo nas regiões iluminadas que inspiraram a arte do pintor. Nota-se nos
créditos finais, a extensa lista de museus e outras entidades e colecionadores
que cederam as pinturas originais usadas no filme.
Camille Claudel
Filme de 1990 dirigido por Bruno Nuytten que, ao mostrar o talento artístico
da escultora francesa, (com a atriz Isabelle Adjani no papel de Camille Clau-
del), apresentando diversos exemplares de suas obras, explora sua relação
tumultuada com o o mestre Auguste Rodin (Gerard Dépardieu). Embora con-
tando com a amizade do grande compositor “impressionista” Debussy, cai em
desgraça junto à sociedade parisiense da época.
Referências
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BAUDELAIRE, Charles. Poesia e prosa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar: 1995
BAUMGART, Frizt. Breve história da arte. São Paulo: Ed. Martins Fontes,
2007.
DENVIR, Bernard. Impressionismo. Barcelona: Editorial Labor, 1976.
_________________. O fovismo e o expressionismo. Barcelona: Editorial
Labor, 1977.
CUNHA, Newton. Dicionário da cultura. São Paulo: Perspectiva/SESC-SP,
2993.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
JIMENEZ, Marc. O que é estética. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1999.
MIRANDA, Dilmar. Tempo da festa X tempo do trabalho: transgressão e
carnavalização na belle époque tropical. Tese de doutorado em Sociologia.
USP/São Paulo. 2001.
________________. História da arte I (da pintura rupestre ao neoclassi-
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PROENÇA, Graça História da arte. São Paulo: Editora Ática, 1989.
ROSS, Alex, O resto é ruído escutando o século XX. São Paulo: Compa-
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TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasilei-
ro apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. Petrópolis:
Editora Vozes, 1994.
VASQUEZ, Adolfo Sanches. Ideias estéticas de Marx, Rio de Janeiro: Ed.
Paz e Terra, 1978.
CLAUDE MONET catálogo do artista. N. York: Parkston Press International,
2006.
Objetivos
• Esta unidade tem como objetivo primordial o estudo dos principais mo-
vimentos e estilos da arte moderna que assumiram deliberadamente, na
virada do século XX, o papel de vanguarda com vistas a revolucionar as
artes ocidentais, mediante a radicalização da ruptura com praticamente
todos os seus predicados e cânones tradicionais. Ademais, pretende-se
igualmente com esta unidade introduzir a reflexão sobre os rumos da arte
contemporânea, pontuando algumas de suas linguagens mais marcantes,
bem como problematizando aspectos polêmicos apresentados por pensa-
dores da contemporaneidade.
Introdução
O contexto sociohistórico das vanguardas
Devemos estar atentos para as tendências que começam a se insinuar no
mundo das artes, a partir da segunda metade do séc. XIX, cuja explosão plena
dar-se-á no inicio do séc. XX, para entendermos com mais propriedade a arte
na contemporaneidade. Dentre tais tendências destacam-se as seguintes: o
esgotamento do mecenato protetor da comunidade dos artistas e a constitui-
ção de um mercado das artes anônimo, as posturas transgressivas em rela-
ção aos rigores dos cânones das academias de artes, a “crise de representa-
ção”, ou o “colapso da representação”, conforme prefere designar Grombrich
(2007, cap. Da representação à expressão) com o aflorar de uma arte não
figurativa ou abstrata, a dissolução da comunidade de interesses e sentidos
estéticos que caracterizou o mundo das artes desde a Antiguidade clássica
até fins do séc. XIX, a dissolução dos grandes períodos caracterizados por es-
tilos e escolas com a irrupção de novas linguagens artísticas, a exemplo das
instalações e a videoarte, fazendo com que a inventiva subjetiva passasse a
ser mediada cada vez mais pela tecnologia.
São fatos cujos fios se entretecem dentro de um contexto sociocultural
marcado por grandes episódios da história da humanidade – do abrir do séc.
XX aos nossos dias –, como o intenso desenvolvimento do capitalismo liberal
da sociedade urbano-industrial, as guerras entre nações coloniais culminando
com a Primeira Grande Guerra (1914-18), a Revolução Comunista na Rús-
sia (1917), a crise do mundo dos negócios no entre-guerra culminada com o
crash da bolsa de valores de Nova Iorque (1929), seguida da grande crise no
mundo capitalista, a ascensão (1933) e queda do nazismo com a Segunda
Guerra Mundial (1945), a recuperação do pós-guerra abrindo um longo ciclo
de relativa estabilidade econômica em vários países sob a hegemonia dos
EUA, propiciando um real aumento do poder aquisitivo, o que levou inclusive
ao incremento do consumo de bens culturais, postulando novos signos e pos-
turas estéticas, o desenvolvimento acelerado das novas tecnologias digitais
intervindo diretamente na subjetividade inventiva dos artistas.
A chamada sociedade pós-industrial, originária diretamente da socieda-
de urbano-industrial, que já havia destruido elos sagrados da sociedade tra-
dicional, passa a ser o lócus por excelência para o entretecimento dos novos
laços e formas singulares da sociabilidade do mundo hodierno.
Já algum tempo, o fazer artístico vinha deixando de ser um ofício trans-
mitido de geração a geração, conforme vinha ocorrendo desde a Antiguidade.
Com exceção das primeiras manifestações rupestres do paleolítico superior
dos primeiros “artistas” da humanidade, que não contou com uma geração pre-
cedente que lhes ensinasse, o acervo e repertório das obras de arte foram sen-
do enriquecidos e, com isso, os saberes e técnicas desse fazer artístico foram
igualmente sendo acumulados e transmitidos a cada geração. No medievo e no
período renascentista, a transmissão das técnicas do ofício de artista era feita
mediante o estreito convívio que ocorria no interior das corporações e oficinas
entre mestres e aprendizes, procedimento que passou a constituir, no período
moderno, uma espécie de disciplina intelectual ensinada nas Academias. Eram
estas instituições que promoviam os Salões de Exposição, e que passaram a
ser objeto de crítica, a exemplo dos textos de Baudelaire, vistos anteriormente.
Até então, considerando ainda os diversos tipos de instâncias protetoras
dos artistas – da pólis grega ao mecenato do período neoclássico, passando
pelos mercadores das cidades-estado italianas, o mecenato régio, papal e ecle-
siástico –, era possível identificar aquela comunidade de sentidos estéticos, que
dava visibilidade à cadeia de interesses que fortalecia os elos constitutivos entre
a criação da obra de arte e seu meio de difusão e de fruição, o que foi possível
até fins do período neoclassicista, ou seja, até fins do séc. XVIII.
Examinando um caso paradigmático vindo do mundo da música, a
vida de Mozart (1756-1791) é um exemplo trágico de um autor que buscou
sua autonomia para viver de sua arte num momento que não permitia ain-
da tal ousadia, pagando caro por isso. Apesar de sua genialidade e fama,
Mozart morre na miséria, sendo enterrado na vala comum para indigentes.
Anos depois, Beethoven, vivendo numa época em que o artista já havia
adquirido certa autonomia (primeira metade do séc. XIX), desfruta as benes-
ses de sua própria arte ainda em vida e, quando morre, toda Europa celebra
seu gênio. A mesma fama em vida é desfrutada por Wagner (segunda metade
do séc. XIX) que chega a construir um teatro e conceber um festival na cidade
alemã de Bayreuth para encenar suas óperas e usufruir financeiramente de
suas mega produções.
Se por um lado, o artista ganha autonomia, podendo agora definir o teor
e a forma para suas criações, por outro, não contando mais com a proteção
do mecenato, passa a depender cada vez mais do mercado das artes, uma
terra de ninguém, um universo anônimo constituído de possíveis fruidores de
suas obras. Constrói-se assim um novo campo de interesses e embates entre
o artista e esse público sem rosto e sem nome.
Em tese, a ruptura com aquele meio tradicional abre uma ampla possi-
bilidade de livre escolha temática e de pesquisa em relação à forma. Contudo,
na prática, não é o que irá ocorrer. Essa multidão sem rosto e nome, diluidora
dos laços de solidariedade daquela comunidade de interesses e sentidos es-
téticos, perdendo os referenciais do passado, com gostos variados forjados
numa sociedade que se prima pela velocidade do efêmero, sujeita aos cho-
ques e antagonismos entre o tradicional e a modernidade, o estabelecido e
o novo, a imitação e a experimentação, não é capaz de constituir um mundo
fruidor compatível com os anseios de uma nova geração de artistas.
Abre-se, assim, um espectro ilimitado de possibilidades. A quebra de
afinidades e consensualidade de interesses e valores estéticos conduz a
constantes conflitos entre o artista e um público que se vê chocado com uma
arte que fragmenta o espaço pictórico com cores inesperadas, com a plasti-
cidade de formas abstratas ou imagens exacerbadamente distorcidas pelos
sentimentos, que se utiliza de materiais como tecidos, madeira, papel, no lugar
da tradicional tinta, por uma conduta de vida que escolhe uma estética da
existência para épater la bourgeoisie (“chocar a burguesia”).
Os choques, vicissitudes e incertezas desse novo mundo que se abre
para uma nova era, acabam por incorporar o teor e a forma de uma arte que
não mais se preocupa em constituir escolas. Daí o surgimento de uma série
de “ismos” definidores de inúmeros estilos de uma nova geração de artistas
que só tem em comum a constituição do que se convencionou nomear de
“vanguardas” do séc. XX, cujos diversos movimentos foram abrigados sob
a grande designação de Modernismo pelo historiador da cultura Peter Gay
(cf. Modernismo: o fascínio da heresia, 2009): expressionismo, dadaísmo,
cubismo, surrealismo, concretismo, suprematismo, construtivismo, fauvismo
(ou fovismo), tachismo, futurismo, neoplasticismo, e, no Brasil, o movimento
modernista que irrompeu na Semana de 22, conforme veremos adiante. O
Modernismo cobre um período que vai da virada do séc. XX aos anos 1960,
quando o mundo da cultura e das artes sofre uma forte inflexão na escolha
das linguagens, temática e formalizações estéticas, caracterizando as artes
da contemporaneidade.
sua preferência pela temática da solidão, angústia e miséria. A cor não serve
para representar o tônus cromático da realidade que pinta mas para expressar
a sensibilidade (sensações) do artista. A cor fica por conta do arbítrio do artista
para revelar seu mundo interior. A visão amargurada da vida provocou um
forte desejo de experienciar novas sensações e dimensões da imaginação.
A estética expressionista preconizava o arrebatamento individual e a primazia
da expressão do irracional e do subjetivo, e, sofrendo influxos diretos do Sim-
bolismo e do Decadentismo, sentiam-s atraídos por temas inusuais e proibi-
dos como a magia, o apelo sexual e o demoníaco.
O termo expressionismo (do fr. expressionisme) foi usado pela primeira
vez logo na abertura do século XX (1901) pelo pintor francês Julien-Auguste
Harvé para designar alguns quadros do Salão dos Independentes de Paris,
para contrapor ao Impressionismo. Na verdade, a grosso modo, poderíamos
dizer que a grande diferença entre as motivações e intenções do Impressio-
nismo e o Expressionismo residiria no fato de que, no primeiro, o artista pinta
conforme vê e, no segundo, como sente. Em outros termos, a motivação e
intenções do Impressionismo partiriam de fora para dentro, e no, Expressio-
nismo, de dentro para fora.
O Expressionismo, junto com o “Fauvismo francês”, ou Fovismo (v. adian-
te), foi o primeiro grande movimento integrante das chamadas vanguardas ar-
tísticas da cultura europeia da virada do séc. XX que se fez presente inicial e di-
retamente na pintura, mas que se irá se manifestar em várias outras linguagens
das artes visuais, bem como na música, literatura, cinema, teatro, dança, etc.
O Expressionismo não chegou a se constituir um estilo uniforme com traços
comuns, mas um movimento heterogêneo que agregou artistas de tendências va-
riadas e que defendiam uma arte mais subjetiva e intuitiva, onde predominasse a
visão interior do artista – a "expressão" – frente à plasmação da realidade como
queriam os artistas impressionistas. Provocando um efeito de percepção estéti-
ca distorcida, o artista expressionista exacerba formas e traços das figuras para
expressar subjetivamente a realidade natural ou humana, não como as vê, mas
como as sente. Daí se afirmar que o Expressionismo dá primazia à manifestação
da sensibilidade mais do que à descrição objetiva do real.
O Expressionismo procurava com frequência desvelar o lado sombrio
e pessimista da vida, a angústia existencial do indivíduo, que, na moderna
sociedade industrializada, via-se alienado e isolado. Assim, mediante a distor-
ção da realidade, visava impactar o espectador, procurando atingir, de forma
exacerbada, seu lado mais emotivo e sensível.
O Expressionismo trouxe para a cultura moderno-contemporânea uma
nova visão das artes, entendida agora como uma forma de captar a existên-
cia, de refigurar em imagens exacerbadamente disformes, o substrato que se
esconde sob a realidade aparente. Os expressionistas se utilizavam das artes
como uma forma de refletir os seus sentimentos, o seu estado anímico, pro-
penso ao desalento, à melancolia, ao pessimismo, ao ceticismo e à evocação
ao Decadentismo.
As profundas mudanças políticas ocorridas no fin-de-siècle alemão, so-
bretudo a criação do Segundo Reich (1871), logo após a unificação dos estados
alemães e prussianos realizada por Birmarck, constroem a cena cultural propi-
ciadora, enquanto resistência a esse estado de coisas, para a emergência dos
grupos de artistas das Secessões (v.glossário, Secessão de Viena, unidade II)
que se vinculam aos primórdios do movimento expressionista. A unificação dos
estados germano-prussianos, sob o domínio do kaiser Guilherme I, foi seguida
pela inviabilidade do recém-criado império exercer uma tutela absoluta sobre a
política cultural das várias regiões. Na verdade, foram 21 estados unificados.
Assim, tais estados preservaram uma relativa autonomia da inventiva de
seus artistas. Mas a tentativa autoritária de impor uma arte acadêmica oficial para
celebrar o kaiser, mediante uma linguagem voltada para representar temas históri-
cos, provocou o movimento das Secessões, principalmente os grupos Die Brucke
(“A ponte”) de Dresden, em 1905, e Der blaue Reiter (“O cavaleiro azul”), de Muni-
que, c. 1911. O círculo de “A ponte” se destacou especialmente pelos ganhos do
desenvolvimento das artes gráficas, o que explica seus primeiros experimentos
na arte da xilogravura, além da pintura, enfatizando, em sua técnica, o contraste
claro-escuro e o vigor artístico sobre a madeira, traço marcante da estética mais
usada pelos expressionistas, como podemos observar nos trabalhos de Otto Mul-
ler (1874-1930) e na impressionante xilogravura de Emil Nolde (1867-1956).
Composição IV (Kandinsky)
“Eu estava andando por uma estrada com dois amigos. O sol estava
se pondo e eu comecei a ficar aflito com um sentimento de melancolia.
De repente o céu se tornou vermelho-sangue, eu parei e me encostei a
uma cerca, me sentindo supercansado e encarando as nuvens verme-
lhas que se penduravam como sangue e uma espada, sobre o fiorde
preto-azulado e a cidade. Meus amigos continuaram, eu permaneci
absorto, tremendo de medo. Eu ouvi (senti) um grito sem fim, bem alto
e de natureza bem aguda” (apud DENVIR, 1977, p. 17).
O grito de Munch
O desespero de Munch
Ecce Homo (1925) de Corinth Ecce Homo de Ticiano (1548) Ecce Homo de Caravaggio (1605/06)
moral de confronto ao poder militar que, aos poucos, se instala em terras ger- A expressão Ecce Homo
mânicas e que depois se estende a outros países europeus. (Eis o Homem), segundo o
evangelho de S. João, foi
Não foi por acaso que o regime nazista combateu ferozmente o Ex- usada por Pôncio Pilatos
pressionismo por considerá-lo uma arte degenerada, relacionando-a inclusive para exibir Jesus Cristo
com o comunismo, como algo imoral e subversivo, visto que sua “fealdade e à multidão, com o corpo
todo ensanguentado e
inferioridade artística” era uma representação da decadência da arte moder- a cabeça coroada de
na. Um ano após a chegada ao poder, o nazismo organiza uma exposição em espinho, ironicamente
Munique, com o título justamente de Arte degenerada, procurando, com isso apresentado como Rei
mostrar o que se criou na República de Weimar era para ser desprezada por dos Judeus, antes de
realizar sua via sacra a
ser uma arte de baixa qualidade. caminho da crucificação.
Foram incluídas nessa rubrica mais de 16 mil obras confiscadas de O tema é recorrente na
vários museus (dessas, cerca de 5 mil foram diretamente destruídas), não história da arte plástica
cristã por inspirar desde
somente de artistas da cultura alemã, mas também de artistas estrangeiros o Renascimento tanto
como os pós-impressionistas Van Gogh e Gaugin, o expressionista Edvard outros artistas, como,
Munch, o fovista Henri Matisse, o abstracionista Marc Chagall, os cubistas p. ex., o Ecce Homo
Pablo Picasso e Georges Braque, dentre tantos outros. dos pintores italianos,
o renascentista Ticiano
(1548) e o barroco
Caravaggio (1605),
cujos quadros podem
ser vistos ao lado. Ecce
Homo - como alguém se
Logo da Der Sturm (A tempestade), torna o que se é – intitula
revista do Expressionismo alemão também uma das obras
de Nietzsche (1844-1900),
de teor autobiográfico,
1.2. A música expressionista publicado postumamente
em 1908.
Como vimos, o Expressionismo se fará presente em várias linguagens artísti-
cas, como a música, o cinema, as artes cênicas etc. Na música, especialmen-
te no período do entre-guerra, o Expressionismo serviu-se de uma extrema
emotividade traduzindo-se em composições bastante complexas e rigoro-
samente estruturadas. As formas tonais convencionais foram rompidas pelo
afastamento das “belas harmonias”, realçando acordes dissonantes, usados
com grande intensidade e força, o que fez com que o estilo recebesse de
forma desqualitificante o título de atonalismo. Ao distorcer deliberadamente o
som e a harmonia tradicionais, por se afastar do chão tonal, deixava a escuta
da melodia quase sempre irreconhecível.
Um compositor da época visto como expressionista, devido à sua ópera
Salome, foi O Richard Strauss (1864-1949). A figura bíblica de Salomé, como
vimos, foi tema bastante recorrente entre os artistas do fin-de-siècle europeu.
A ópera teve duas estréias marcantes (em 1905, na cidade alemã de Dresden
e, em 1906, na cidade austríaca de Graz), pelo escândalo provocado pelo
seu tema, mas que, ao mesmo tempo, impactara o público. A edição de 1906
Dr. Marbuse
Já o filme Metrópolis, visto como uma obra prima precursora do cinema
voltado à ficção científica, estabelece de forma bastante expressiva a relação
entre o mundo das máquinas e os operários das grandes cidades, realçan-
do o sentimento de perda da humanidade no meio de todo esse processo.
O filme foi realizado a partir de uma cidade cenográfica. Ele é ambientado
numa mega cidade futurista cujos extratos estão divididos em duas classes
fundamentais: o extrato responsável pelo planejamento e gestão urbana, que
tem uma vida de luxo entre teatros e estádios, na parte superior da Terra em
grandes arranha-céus, e os operários, que habitam e trabalham no subsolo,
tendo uma existência de horrores e muitos deles terminam sendo sacrificados
a Moloch, uma divindade monstruosa.
1.4. Fovismo
Alguns autores apontam o movimento fauvista como uma vertente francesa
do Expressionismo germânico (Alemanha e Áustria), com o qual guarda afini-
dades estéticas. O termo fovismo, originário do francês fauve (fera), foi cunha-
do durante o Salão dos Independentes de Paris, em 1905, pelo crítico de arte
Louis Vauxcelles (o mesmo que atribuíra o termo cubismo para a arte de Pa-
blo Picasso e Georges Braque), para caracterizar a arte do grupo de artistas
que se formara em torno do pintor francês Henri Matisse (1869-1954). Para
chamar a atenção da arte dos integrantes do grupo, Vauxcelles os denomina
de fauves (animais selvagens).
A novidade estética fovista, que recebera influxos diretos do pós- Escola de Paris
-Impressionismo, em especial de Cézanne e Van Gogh, caracteriza-se pela (École de Paris)
Designa um grupo de
simplicidade das formas bem como pela intensidade do uso de cores puras, artistas não-franceses na
sem tons nuançados ou misturas nas paletas. As cores são irreais tais como sua maioria, que residiam
saem dos tubos de tinta, na organização das suas composições. Matisse, e trabalhavam em Paris,
sua figura de maior expressão, destacou-se pelo total afastamento do realis- em dois momentos
distintos da história da
mo plástico, tanto nas suas formas como nas suas representações cromáti- arte moderna: antes da
cas. Um exemplo paradigmático de sua estética fovista pode ser encontrada Primeira Grande Guerra,
no quadro Natureza morta com peixes vermelhos, de 1911. e outro grupo que residiu
e trabalhou na capital
francesa no período
entre-guerra. No início
do século, participaram
os seguintes pintores: o
espanhol Pablo Picasso
(1881-1973), o russo Marc
Chagall (1887-1985), o
italiano de origem judaica
Amedeo Modigliani (1884-
1920) e o holandês Piet
Mondrian (1872-1944).
Do grupo do entre-guerra,
participaram, dentre
outros, o pintor catalão
Joan Miró (1893-1983)
e o escultor romeno
Constantin Brancusi (1876
–1957).
Ballets Russes
Grupo que começou atuar
em 1909, inicialmente
como grupo de teatro de
verão, transformando-se
logo a seguir, em 1911,
em corpo permanente
de balé. Sob o comando
do produtor cultural
Serguei Diaghilev, o balé
configurou-se numa
espécie de experiência
de arte total moderna
do século XX – a
Gesamkunstwerk, o ideal
de obra de arte de Wagner
-, à medida que aglutinou
sob sua égide, os
melhores compositores,
coreógrafos, dançarinos,
cenógrafos e designers
da época, integrando A dança de Matisse
diversas linguagens em
Este quadro – o mais famoso do pintor francês – apresenta cinco figu-
suas produções. Além
do compositor russo ras de mulher nuas dançando, no sentido horário, em torno de um eixo ima-
Stravinsky, Diaghilev ginário. A composição realça o predomínio de duas cores primárias – o azul
contratou os artistas e o vermelho alaranjado, aludindo a uma luminosidade própria, e o verde
plásticos Picasso e
que a complementa, criando silhuetas recortadas que se fundem num todo
Matisse, e o poeta e
cineasta francês Jean estético equilibrado entre o verde e o azul. As cores criam uma impressio-
Cocteau, bem como nante unidade plástica. A idéia de leveza expressa pelo movimento e ritmo
os dançarinos Vaslav das formas femininas arredondadas, contrastando com o vigor e o dinamis-
Nijinski, responsável
mo dos corpos dançantes, passando energia, é flagrante.
pela coreografia de A
sagração da primavera, Alguns autores identificam em A dança afinidades estéticas dionisía-
Anna Pavlova, George cas com o frenesi embriagante do pulso rítmico de A sagração da primavera,
Balanchine, dentre outros.
de Igor Stravinsky. O balé em dois atos, encenado pela primeira vez, em
Paris, em 1913, pelo Ballets Russes, apresenta uma forma composicional
inédita reveladora da flagrante primazia da percussão pulsional em relação
à altura melódica, afrontando a tradição euro-ocidental milenar. Trechos são
marcados por acordes movidos por uma pulsação constante, onde não só
os instrumentos de percussão, mas todas os demais naipes e timbres, como
cordas e sopros, passam a exercer, solidariamente, função percussiva na
peça de caráter ritualístico.
Texto complementar
Sobre Ensor
“Significativamente, o principal recurso expressivo que ele [Ensor] utilizava em sua
obra era um esqueleto, às vezes vários na mesma tela. Eles aparecem entregues a tarefas
bastante cômicas, geralmente à vontade dentro de casa, na variada vida imaginária de
Ensor. Um esqueleto se afunda confortavelmente numa poltrona bem estofada, olhando
alguns objetos chineses; outro desenha; outro está tocando clarinete. Ele mostra esque-
letos voadores, o maior deles com uma enorme foice, aterrorizando uma multidão que
tenta fugir” (GAY, op. cit., p. 125).
A República de Weimar
A República de Weimar (1919-1933): a ordem republicana alemã é instaurada logo
após a Primeira Grande Guerra, que sucede o Império do Keiser Guilherme II, tendo com
sistema de governo o parlamentarismo, onde o Presidente da República nomeava um
chanceler (primeiro ministro), responsável pelo poder Executivo. As circunstâncias de sua
criação foram excepcionais. Já sentido a derrota, as autoridades militares, poder solidi-
ficado desde o domínio autoritário de Bismarck durante a unificação da Alemanha, em
1870, transferem o poder para políticos dos partidos de ideologia republicano-democrata
alemão, que se encarregam de negociar a paz, após sofrer uma humilhante derrota.
A pequena cidade de Weimar, situada na região centro-oriental do país, de intensas
evocações do período clássico/romântico do tempo de Goethe, Herder e Schiller, foi es-
colhida para sediar a elaboração da constituição republicana alemã. Desse modo, a Repú-
blica de Weimar passou a designar o período entre 1919 e 1933, sendo este o ano da as-
censão do partido nazista ao poder, mediante a nomeação de Adolf Hitler como chanceler.
A despeito das condições bastante adversas, com a nova ordem republicana enfren-
tando uma série de problemas políticos, sociais e econômicos, que impediam o restabele-
cimento da estabilidade numa Alemanha devastada, durante esses poucos anos, vicejou
no país e na vizinha Áustria, uma rica atmosfera de intensas realizações no campo da
cultura e das artes, a exemplo da Escola de Bauhaus, tendo à frente o arquiteto Walter
Gropius; o Instituto de pesquisa social (mais conhecida como Escola de Frankfurt), criado
pelos filósofos Theodor Adorno, Max Horkheimer, contando mais tarde com a participa-
ção de Walter Benjamin; o Círculo de Viena, grupo formado por filósofos dedicados à
filosofia da linguagem e da lógica, como Moritz Schlick, Rodolf Carnap, Alfred Tarski e W.
Quine; a Segunda escola de Viena, formada por músicos como Arnold Schoenberg, Anton
Weber e Alban Berg; o cinema expressionista de Robert Wiene, Friedrich Wilhelm Murnau
e Fritz Lang, antes de sua fase americana; a dramaturgia épica de Bertold Brecht.
Todos esses movimentos irão se dissipar com a instauração do nazismo, provocando,
dentre outros efeitos, a diáspora desses intelectuais e artistas por alguns países euro-
peus não ocupados pelas tropas hitleristas, mas, sobretudo, para a América do Norte. Esta
grande contradição entre a Alemanha das luzes e da extrema efervescência cultural de um
Goethe e as sombras do militarismo de Bismarck foi tema do livro A cultura de Weimar do
ensaísta inglês Peter Gay (1978) São Paulo: Ed. Paz e terra.
Depoimento de Matisse
“A tendência dominante na cor deve ser a de servir o melhor possível à expressão [...]
O lado expressivo das cores se impõe a mim de modo puramente instintivo. Para pintar
uma paisagem de outono, não tentarei me lembrar das cores que convêm a essa estação;
inspirar-me-ei apenas na sensação que ela me proporciona: a pureza glacial do céu, de
um azul acre, exprimirá a estação tão bem como a tonalidade das folhagens [...] A escolha
de minhas cores não repousa em nenhuma teoria cientifica [...] procuro simplesmente
empregar cores que expressem a minha sensação [...]. Sonho com uma arte de equilíbrio,
de serenidade, desprovida de motivos inquietadores ou deprimentes; uma arte que seja,
para todo trabalhador cerebral, para o homem de negócios ou para o artista das letras,
por exemplo, um lenitivo, um tranquilizador mental semelhante a uma boa poltrona que
o faz repousar de suas fadigas físicas”
(Notas de um pintor de Henri Matisse, apud CUNHA, 2003, p. 280).
Guernica (1937)
2.2.2. O Construtivismo
A história das artes plásticas russas do séc. XX é rica de ex-
perimentos, conforme atesta a obra do pintor, escultor e arqui-
teto Vladimir Tatlin (1885-1956), que, ao visitar Paris em 1912,
fica fascinado com os cubistas, sobretudo com a estética da
colagem, iniciando um ciclo de pinturas em relevo, usando di-
versos materiais.
Tatlin viveu os momentos agitados da Revolução So-
viética (1917), sob a liderança de Vladimir Lenin (1870-1924),
primeiro chefe de Estado da União Soviética. Tatlin adere à re-
volução, vinculando-se aos militantes russos (os bolcheviques).
No campo das artes, um dos princípios estéticos que ecoa com
vigor na época, parte do russo Maiacovsky (1893-1930), um dos
poetas mais importantes do séc. XX, que preconiza em alto som:
sem forma revolucionária não há arte revolucionária!, consigna
que fará deslanchar um ímpeto febril de intensa pesquisa entre
os artistas na busca de novas formas de expressão plástica, em
sintonia com os novos tempos da sociedade russa.
O contato de Tatlin com a colagem cubista serviu de es-
tágio mediador para a fase seguinte, ou seja, a construção de
vários tipos de objetos estéticos esculturais a partir da madeira,
A Torre de Tatlin (c. 1918) metal e vidro, resultando em obras completamente abstratas,
importante patamar para o aflorar do Construtivismo. Tatlin, junto com Anton
Pevsner (1886-1962), escultor que, ao contrário do primeiro, sai do país, após
as intervenções de política cultural soviética voltada para o chamado realismo
socialista, são diretamente responsáveis pela a criação de objetos abstratos,
por eles denominados de “construções”, ao invés das tradicionais esculturas.
Sua “construção” mais famosa é o Monumento à III Internacional, ou a
Torre de Tatlin, idealizada para celebrar a Revolução de 1917. Foi, inicialmen-
te criada para ser instalada em Petrogrado, projeto jamais executado em es-
cala real, existindo atualmente apenas modelos reduzidos. Com a ascensão
de Josef Stalin (1978-1953) ao poder, em 1922, e a instauração do realismo
socialista (estilo que impõe conteúdo e formas que traduzam a sociedade so-
viética), as experiências estético-formais da vanguarda russa passam a ser
perseguidas em todas suas frentes, inclusive o construtivismo que cai em des-
graça, enterrando definitivamente o projeto do Monumento.
A obra Superfície desenvolvida (s/d), “construção” de Anton Pevsner,
consegue, de forma bastante exitosa, passar a idéia de movimento e leveza,
devido ao jogo dinâmico da irradiante luz que vaza no interior do objeto, em
contraste com o escuro do sinuoso material sólido na fechada cor negra.
2.2.3. O Suprematismo
Fechando a análise da vanguarda artística russa, não podemos deixar de nos
referirmos ao Suprematismo, movimento renovador que, ao exacerbar a pureza
do racionalismo geométrico e o fim da representação, enfatizou as formas es-
téticas básicas centradas sobretudo em formas geométricas planas quadradas
e circulares e, eventualmente retângulos, triângulos e cruzes. Porém, diferente-
mente do proto-cubismo de Cézanne, ou do cubismo de Picasso e Braque, que
buscam, de modo mais ou menos explícito, formas geométricas estruturantes
como cones, cilindros e círculos, ao retratar objetos da natureza viva ou morta,
no suprematismo, as referências externas à obra são completamente abolidas.
Em 1913, Malevich expõe na mostra O alvo, na cidade de Moscou, o qua-
dro Quadrado preto sobre um fundo branco, que apresenta uma forte imagem
de uma forma quadrada negra contrastando com um fundo branco, na reali-
dade, dois quadrados, um dentro do outro, com os lados paralelos aos da tela.
Origem da palavra
Dadaísmo
A escolha do nome dadá
se deu fortuitamente, visto
que Tzara teria aberto um
dicionário, deixando seu
dedo indicador cair ao
acaso sobre uma palavra
qualquer da página,
e a palavra apontada
foi “dada”, o que na
linguagem infantil francesa
significa “cavalo”,
querendo com isso dizer
Quadrado branco sobre fundo branco (1918)
que o elo semântico da
palavra escolhida era Esses quadros, de extrema simplicidade, expressam composições pu-
menos importante do ras e cerebrais, que se abdicam de qualquer sensualidade, mas não de sen-
que o sentido do gesto
sibilidade, visto que esta, para os artistas suprematistas, era obtida mediante
aleatório, visto que a
própria arte que queria a fruição de suas formas libertas das impurezas que cercam a representação
qualificar teria igualmente dos objetos, prejudicando com isso, a própria percepção pura desses mes-
perdido o sentido num mos objetos.
mundo dilacerado pela a
dor e sofrimento causados
pela crueldade do conflito 2.3. O Dadaísmo
mundial.
Por ocasião da Primeira Guerra, muitos intelectuais e artistas europeus proce-
dentes de várias nacionalidades, opositores do confronto bélico que buscava
pela violência resolver as pendências entre as potências imperialistas, se re-
fugiaram na cidade de Zurique da neutra Suiça. Na época, a cidade abrigou
um movimento literário denominado Dadá, designação escolhida a esmo pelo
poeta húngaro Tristan Tzara (1893-1963), sem nenhum sentido explícito às
suas intenções direcionadas a manifestar seu desalento e decepção com os
rumos do desenvolvimento científico, bem como com os da filosofia, religião e
política, importantes setores da vida européia incapazes de impedir a violência
que se abateu sobre a Europa.
Na mesma ocasião, as descobertas do médico-psiquiatra Sigmund
Freud (1853-1939), revelando que nossos atos obedecem mais a impulsos
psíquicos incontroláveis comandados pelo nosso inconsciente do que por
escolhas lógico-racionais, extrapolaram o mundo científico e começaram a
ganhar espaço no mundo da cultura e das artes. Dessa forma, o Dadaísmo,
Fac símile da capa da revista assim como posteriormente o movimento surrealista, procurou manifestar te-
DADAphone (nº 7) órica e esteticamente o uso do automatismo psíquico e das pulsões da inven-
2.4. O Surrealismo
O movimento surrealista, como vimos, apresenta grandes afinidades estético-
-conceituais com o Dadaísmo em relação ao papel do automatismo psíquico na
produção das obras de arte, graças à ênfase que ambos os movimentos atri-
buem à pulsão espontânea da criação. Aquela rebeldia antiburguesa detectada
sim, realçar mais ainda seu lado iluminado, o que seria mais difícil com o uso
apenas da aquarela. O clima obtido pela claridade e jogo de cores e das várias
pequenas formas aleatoriamente dispostas na composição nos passa a sen-
sação de cumplicidade amorosa insinuada pelo seu título.
2.5. O Futurismo
Fechamos este capítulo com o Futurismo. A despeito de ser um dois primeiros
movimentos estéticos do início do séc. XX, alinhado aos outros movimentos
vanguardistas, conforme vimos até aqui analisando, deixamos sua aborda-
gem para o final, devido ao seu caráter insólito.
Ao contrário das outras estéticas das vanguardas do início do séc. XX
que resistem radicalmente ao maquinismo decorrente da sociedade urbano-
-industrial do capitalismo tardio, o Futurismo busca celebrar a máquina, a velo-
cidade, o desenvolvimento tecnológico e o dinamismo do novo século, trans-
formando as sensações provocadas por tal estado de coisas em experiência
estética, conforme podemos ler em alguns fragmentos do manifesto do poeta
italiano Fillippo Tommaso Marinetti, publicado no jornal francês Le Figaro, em
20 de fevereiro de 1909:
[...] [...]
Texto complementar
Picasso em Barcelona
“Em Barcelona, um cabaré foi inaugurado [...], em 1897, a partir do modelo do Chat
noir parisiense [famoso cabaré da belle époque parisiense frequentado, dentre outros bo-
êmios, pelo pintor-ilustrador Toulouse-Lautrec] [...]. Ali se reúnem os jovens decididos a
ajudar o futuro século XX a romper com o que o precede. É El Quatre Gats (onde dizemos
que não haverá um gato pingado, os catalães dizem que haverá quatro), instalado na Casa
Marti, uma construção neogótica do bairro velho. Pere Romeu, que também esteve em
Montmartre, é o patrão, o animador desse estranho estabelecimento, que funciona como
sala de exposição, teatro de marionetes e sombras chinesas, lugar de reunião da Socieda-
de Wagner e onde se encontram, com copos de cervejas na mão, artistas e escritores de
vanguarda [... que] sentem-se em casa, e ali Pablo Picasso abre os olhos e o espírito a uma
arte mais viva do que a ensinada nas escolas”.
(PLAZY, 2005, p.29s)
Era objetivo da Bauhaus formar pessoas com talento artístico para se-
rem designers na indústria, artesãos, escultores, pintores e arquitetos.
[...] O fato de o homem de hoje estar desde o princípio por demais
entregue à tradicional formação especializada – que só lhe pode trans-
mitir saber especializado, mas não lhe torna compreensível o sentido
e a razão do seu trabalho, nem sua relação do mundo como um todo
– foi enfrentado pela Bauhaus mediante a ênfase, no primeiro plano
da formação, não apenas e desde o início na profissão, mas no ser
humano, em sua disposição natural de entender a vida como totalidade
(GROPIUS,1997, p. 38).
Texto complementar
Antropofagia e modernismo de Oswald de Andrade
Libertemo-nos das influências nefastas das velhas civilizações em decadência ... Espere-
mos também que a poesia ‘pau-brasil’ extermine de vez um dos grandes males da raça - o
mal da eloquência balofa e roçagante” (Prado, in Andrade, 1990a, p.58s). A cabeça antro-
pofágica é como a cabeça de Juno, de duas faces. Uma, a que dessacraliza, é desconstru-
tiva. A outra, a que rearticula os materiais anteriormente deserarquizados e devorados /
reinventados e reapropriados, é reconstrutiva.
Para Andrade, a nova linguagem poética possui bases sólidas na nova era industrial.
Prefigura-se o desafio que uma arte, desauratizada pela indústria cultural, enfrentará a
partir dos novos tempos. O dado novo precisa ser canibalizado. “Houve um fenômeno
de democratização estética nas cinco partes sábias do mundo... Veio a pirogravura. As
meninas de todos os lares ficaram artistas...Apareceu a máquina fotográfica. E com to-
das as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade de olho
virado - o artista fotógrafo. Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na
parede. Todas as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de
patas. A pleyela. E a ironia eslava compôs para a pleyela. Stravinski. A estatuária andou
atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas”(Andrade, 1990b, p.42). Mas talvez,
o novo dado tecnológico a jogar um papel fundamental na linguagem antropofágica, via
dadaísmo e outras expressões do modernismo europeu, é o cinema com sua linguagem
fragmentada, com a montagem de imagens múltiplas, com a velocidade de um tempo
elidido, com o abandono da idéia de “ilusão da realidade”, e de um nova arte sujeita
a seus próprios e novíssimos cânones. Em termos de proposição de novos postulados
e paradigmas estéticos o cinema está para o antropofagismo, assim como a televisão
estará, mais tarde, para o tropicalismo.
Nossa reflexão sobre o antropofagismo estaria incompleta se não abordássemos, ainda
que sumariamente, a questão da concepção oswaldiana acerca do regionalismo e do nati-
vismo indigenista. “Ser regional e puro em sua época”. Andrade rejeita proclamações regio-
nalistas estreitas e exclusivistas. Antropofagismo significa tensão dialética entre o regional e
o universal. Ser regional é ser brasileiro na contemporaneidade universal. Mais uma vez o
modelo dadaísta, no imaginário antropofágico: o movimento europeu exercia uma função
crítica dessacralizante de contestação à arte aurática elitista e excludente. O triunfo da ci-
vilização tecnológica reveste-se de condições possibilitadoras da democratização dos bens
culturais. No caso brasileiro, aquela função crítica possuía mais um front de combate - a
consciência beletrista estéril, enraizada na ancestralidade bacharelesca e na mentalidade
dos jurisconsultos das tertúlias de salão, expressão de uma cultura livresca radicada numa
economia atrasada agro-exportadora. Essa postura não podia escapar das presas antropo-
fágicas. Como qualquer outro motivo de deglutição, era devorada e reinventariada numa
nova perspectiva.
Outro solo tropical bastante fértil onde o antropofagismo também vicejou foi o do em-
bate travado no interior do próprio movimento modernista. Em 1926, as propostas mais
radicais do movimento de Andrade sofreram um processo de diluição, com fortes traços
de adernamento conservador. Essa versão edulcorada recebeu o nome de “verdamarelis-
mo”, liderada pelos escritores Plínio Salgado e Mennotti del Pichia, futuros participantes
do Integralismo. [...] Contra o “verdamarelismo”, O. Andrade irá cunhar a famosa frase,
muito reverenciada pela Tropicália: “triste xenofobia que acabou numa macumba para
turista”. [...] Ao bon sauvage de Rousseau, aclimatado por José de Alencar e Gonçalves
Dias, contrapõe o “mau selvagem”, o canibal de Montaigne, para devorar as imposturas
do civilizado.
(MIRANDA, 1997, pp. 136 a139).
4.1. A Pop-art
As experimentações formais abstratas, perseguidas com afã radical, sobretu-
do na passagem da segunda metade do séc. XX, teriam levado alguns artistas
se voltarem às figurações concretas, pelo uso de imagens de objetos do co-
tidiano dos expectadores, buscando, com isso, estabelecer um vínculo direto
de suas vidas com a arte. Surgia, em Nova Iorque, em fins dos anos 1950, a
Pop art, abreviação do inglês popular art, sendo Andy Warhol (1930-1987) e
Roy Lichtenstein (1923-1997), dois marcos do novo estilo.
A intenção dessa tendência não era a representação realista de objetos
prosaicos, mas a busca do imaginário estético popular do americano médio
urbano interagindo com a sociedade.
Para isso, personagens de história em quadrinhos, faits divers das revis-
tas de variedades, cartoons, bandeiras, embalagens, itens do cotidiano como
eletrodomésticos, lâmpadas, pasta de dente, imagens de celebridades, en-
fim, um conjunto de produtos-símbolo das grandes massas americanas e da
tecnologia industrial era tomado como tema. Em seus aspectos formais, os
recursos expressivos da Pop-art se inspiravam nos métodos das mass mídia,
como o cinema e a televisão, bem como nos procedimentos estéticos das
campanhas publicitárias.
4.2. A Op-art
Coetânea à Pop-art, surge igualmente nos anos 1960, a Op-art, abreviação
do inglês optical art, “arte ótica”, cujo estilo apresenta figuras geometrizadas
coloridas ou em preto e branco, que, ao serem combinadas de certa forma,
provocam sensação de dinamismo e movimento no espectador.
Na verdade, este movimento estético buscou expressar, através do ilu-
sionismo ótico, uma arte que deveria expressar a possibilidade constante das
alterações da realidade em que o espectador vive. Este, p.ex., ao mudar do
ponto do espaço de apreciação de um quadro da Op-art, deverá ter a impressão
de que seus traços se alteram, as cores se modificam e as figuras se movem.
A Op-art tem como predecessor o estilo do artista francês de origem hún-
gara Victor Vasarely (1908-1997). Vasarely teve contato com a experiência de
Bauhaus conhecendo os trabalhos de Kandinsky e Paul Klee. Sentiu-se, na
época, atraído pelo estilo de Piet Mondrian e Kasimir Malevich. Residindo em
Paris, a partir dos anos 1930, começa a desenvolver o grafismo, época em que
cria seu trabalho Zebra, considerada a primeira grande obra op-art. Nos decê-
nios seguintes, inicia uma série de trabalhos num estilo geométrico abstrato,
com efeitos óticos de movimento e instabilidade de formas, com preferência
para redes e tramas, bem como um acentuado ilusionismo de perspectivas.
Como a vida contemporânea, sua op-art buscava uma constante alteração. Totem, escultura de Vasarely (s/d)
4.3.3. A performance
Com a fusão do happening com a arte conceitual, nos anos 1970, nasce a
performance, via de regra, uma modalidade de linguagem artística envolven-
do atividades cênico-gestuais, podendo ser mais intimista ou uma grande
apresentação de cunho teatral, tendo um caráter minimalista de poucos mi-
nutos ou grandes cenas de várias horas, fruto de improvisos sem roteiro, ou
intervenções bem ensaiadas. O termo performance tem sua origem no inglês,
para significar a apresentação interpretativa de uma peça teatral, musical ou
de dança. Assim como o happening, a performance pode combinar várias
linguagens como música, poesia, dança, teatro, arte conceitual, fotocópias e
vídeo, porém com uma diferença, pois, além de poder ser apenas registrada
por vídeo ou fotos, sem a presença de espectadores, a perfomance não conta
com a participação ativa do público.
No Brasil, mais uma vez, o pioneiro das performances foi Flávio Car-
valho: em 1931, realizou sua Experiência nº 2, caminhando com um boné na
cabeça e em sentido contrário, no meio de uma procissão de Corpus Christi,
causando duplo estranhamento entre os participantes do ato religioso.
As origens mais recentes de experiências performáticas são encontra-
das no grupo Fluxus, que surge nos anos dos anos 60, integrado por artistas
de várias linguagens como música, artes visuais, poesia, todos irmanados
pela crítica acerba ao consumismo e ao mercado das artes. Assim como vá-
rias outras linguagens, deixaram-se influenciar no começo, pelos movimentos
de vanguarda como o Surrealismo, o Dadaísmo e o Construtivismo russo.
4.3.4. A Videoarte
Esta modalidade artística é, certamente, a linguagem que melhor traduz os
rumos e tendências da arte contemporânea. Graças ao grande impulso inova-
dor das novas tecnologias digitais, de raríssima veiculação na mídia tradicio-
nal, como a TV e o cinema comercial, a videoarte busca circuitos alternativos
na internet, entre seus praticantes e aficcionados, além do acolhimento em
espaços tradicionais como as galerias e os museus.
O uso e a prática intensiva da videoarte fizeram com que se abandonas-
se a nomenclatura tradicional de artes plásticas para artes visuais com vistas
a incluir outros meios como o cinema, a fotografia, a televisão a arte-postal,
a própria videoarte etc., além da pintura, escultura, gravura, desenho, e, no
limite, a arquitetura.
Reflexões finais
Recuperando toda a história das artes ocidentais – dos primórdios artísticos
das inscrições rupestres à contemporaneidade – perpassada por marcantes
épocas, com seus grandes estilos, escolas e artistas, períodos vistos como
expressão de grande transcendência estética, alguns pensadores vislumbram
uma interessante abordagem que identifica três grandes momentos defini-
dores da natureza, intenção, forma e conteúdo da produção artística desse
imenso arco de tempo:
(a) a arte antes da era da arte, compreendendo o largo período que se
inicia no paleolítico superior, com as primeiras manifestações protoartísticas
até chegar a arte do medievo, quando a criação artística dependia exclusiva-
mente de instâncias externas à sua própria manifestação;
(b) a arte na era da arte, compreendendo o momento propriamente de
uma arte que busca sua afirmação autônoma, com a irrupção autoral e busca
de autonomia da arte renascentista até chegarmos às ressonâncias tardias
das vanguardas modernistas dos anos 1960;
(c) a arte após o fim da arte (também definidada como era da morte da
arte), compreendendo toda a produção estética que ignora totalmente a tra-
dição canônica das artes, dissolvendo, em consequência, o conceito “rígido”
de arte, conforme já apontamos: desconstrução de substancialidade material
da obra de arte, cedendo lugar ao conceito ou à experiência estética da re-
cepção; fragmentação infindável de estilos; manifestação coletiva das várias
linguagens anulando suas respectivas especificidades; conceito de pan-este-
tismo proferindo que a arte está em todos os lugares e que todos nós somos
artistas, ou, “todo mundo é artista”, conforme proclamou Joseph Beuys, nos
anos 1950; afirmação da neutralidade estética pela relativização “absoluta” do
critério do gosto; posturas éticas questionáveis, como insinuação de pedofilia,
cropofilia e automutilação (cf. RUSH, op. cit.); uma arte solipsista, ou seja,
ações performáticas solitárias, negadoras da sociabilidade da arte tradicional.
O solipsismo estético tem sido um dos traços mais questionáveis e comba-
tidos do fazer artístico da contemporaneidade. Alguns textos contundentes, con-
tendo severas críticas a traços acima apontados, podem ser encontrados no arti-
go Arte contemporânea – tolerância até de mais do filósofo francês Dany-Robert
Dufour, em Le Monde Diplomatique, edição brasileira, abril de 2010, e no livro A
grande feira, uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea (2009), do crítico
de arte Luciano Trigo. No primeiro texto, o filósofo coloca em cheque precisamen-
te a criação de espaços restritos auto-referentes entre artistas para a emulação
recíproca de apreciação de suas obras. Afirma textualmente o filósofo:
Atividades de avaliação
1. Apresente e reflita sobre as principais correntes do modernismo de van-
guarda das primeiras décadas do século XX: escolha dois ou três estilos,
enfatizando sua estética e suas intenções.
2. Que repercussões foram sentidas no novo mundo (continente americano)
provocadas pelas correntes européias de vanguardas?
3. Faça uma reflexão bem pessoal sobre as principais mudanças da estética
e intenção das artes contemporâneas.
4. Qual a linguagem artística contemporânea com que você mais se identifi-
ca? Por que?
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Leituras, filmes e sites
Filmes
O mistério de Picasso (1956)
Documentário do diretor francês Henri-Georges Clouzot que registra durante
78 minutos, o próprio artista pintando uma série quadros, na verdade, lâminas
de vidro que, por acordo prévio, foram quebradas após a filmagem. No filme,
podemos apreciar, em tempo real, o surgimento de diversas obras do genial
pintor, sua técnica e forma de trabalho, no momento de sua própria criação –
desde os primeiros esboços que induzem a enganos de expectativas do que
está sendo pintado, as transformações em curso das formas, até a figuração
final das obras.
Modigliani: paixão pela vida (2004)
Do diretor e roteirista Mick Davis, trata-se de uma interessante cinebiografia
do famoso artista italiano de origem judaica Amedeo Modigliani (1884-1920),
na performance do ator Andy Garcia. A narrativa do filme possui um duplo
eixo: a rivalidade artística e pessoal de Modigliani com Picasso e seu trágico
romance com Jeanne Hebuterne (inspiradora da estética alongada das figu-
ras femininas do artista), cuja família católica interfere na sua relação com
o artista judeu. Outras figuras históricas surgem no decorrer do filme como
Referências
ANDRADE, Oswald. Pau Brasil. São Paulo: Ed. Globo, 1990a.
__________________. A Utopia Antropofágica. São Paulo: Ed. Globo,
1990b.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna do Iluminismo aos movimentos contem-
porâneos. São Paulo: Cia Das Letras, 2008.
BALAKIAN, Anna. O simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 2007.
BAUDELAIRE, Charles. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.
BAUMGART, Frizt. Breve história da arte. São Paulo: Ed. Martins Fontes,
2007.
Sobre o autor
Dilmar S. Miranda é Doutor pela Universidade de São Paulo, área de concen-
tração em Sociologia da Música, é professor associado do curso de Filosofia
do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará, sendo res-
ponsável pelas disciplinas Estética e Filosofia da arte. Possui vários ensaios
publicados sobre Filosofia da Música como Razão, sentidos e estética mu-
sical, Natureza e linguagem musical e Tristão e Isolda: o anúncio dionisíaco
da dissolução do pacto tonal. Lançou em 2009 o livro Nós a música popular
brasileira.