A Chemise de La Reine
A Chemise de La Reine
A Chemise de La Reine
Resumo: este artigo busca evidenciar este circuito de produção-consumo criado por Maria
Antonieta e Rose Bertin, bem como sua recuperação na metade do século XIX pela Imperatriz
Eugenia, esposa de Napoleão III, com o intuito de emular Maria Antonieta como principal
figura no circuito da moda, além de tentar ajudar o combalido mercado produtor-consumidor
francês, extremamente afetado por décadas de revoluções internas e guerras externas.
Palavras-chaves: Moda; Maria Antonieta; Maria Antonieta-moda.
Abstract: his article seeks to highlight this production-consumption circuit created by Maria
Antonieta and Rose Bertin, as well as its recovery in the middle of the 19th century by Empress
Eugenia, wife of Napoleon III, in order to emulate Maria Antonieta as the main figure in the
fashion circuit , in addition to trying to help the struggling French producer-consumer market,
extremely affected by decades of internal revolutions and external wars.
Keywords: Fashion; Marie Antoinette; Marie Antoinette-fashion.
“A CHEMISE A LA REINE”
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Em 1783
Elisabeth Vigée-Lebrun
apresentou um retrato
da rainha Maria
Antonieta despojada
de todos os símbolos
tradicionais de poder
e a França
enlouqueceu. O
quadro teve que ser
removido da exibição
pública porque era
considerado ofensivo
que a Rainha, mãe do
povo francês, se
apresentasse sem as
insígnias de realeza,
ainda mais vestida
com o que parecia ser
uma peça íntima - um
Maria Antonieta em um vestido Chemise
vestido que (1783) – óleo obre tela
seria
Elisabeth Louise Vigée Le Brun
conhecido
https://www.metmuseum.org/art/collection/search/656930
como Chemise a la
Reine e marcava o início de uma revolução no guarda-roupa feminino.
De acordo com a história envolvendo a peça, a Chemise a la Reine foi
encomendada pela rainha à Rose Bertin. Maria Antonieta gostava de simular uma vida
simples nos jardins do Petit Trianon, onde mantinha uma pequena fazenda e até
ordenhava o gado, e precisava de uma roupa mais adequada para sua vida bucólica. A
Rainha teria gostado tanto do vestido que encomendou à pintora Elisabeth Vigée-
Lebrun (sua pintora oficial) um retrato com a Chemise a la Reine. Apesar de o quadro
ser ótimo, a recepção dele foi péssima, pois, de alguma forma, ele ofendia o que se
esperava de alguém na posição dela.
Originalmente, a Chemise a la Reine foi pensada para ser um vestido sem
estrutura, consistindo numa peça de musselina ajustada ao corpo através de cordões,
com um forro seco, sólido, e mangas bufantes. Uma parte da polêmica em torno da
peça, acredita-se, venha também da escolha de material, pois os tecidos de algodão
eram importados - o que contrariava a política de valorização da indústria nacional
inaugurada por Luís XIV -, enquanto as sedas e rendas usadas nos trajes de corte eram
de fabricação nacional. A cintura era marcada por uma faixa de seda, o sash. Muito
provavelmente, a primeira versão da chemise foi projetada para ser usada sem
espartilho, já que a rainha mais de uma vez manifestou seu horror aos espartilhos.
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MODA... FASHION
A palavra moda originou-se do latim modus, significando “modo”, “maneira”.
Em inglês, moda é “fashion”, transformação da palavra francesa “façon” que também
quer dizer “modo”, “maneira”.
Atualmente, o termo pode ser utilizado tanto para nomear a produção quase
artesanal dos objetos do vestuário identificados como “alta costura”, quanto para
identificar a produção de objetos pela indústria do vestuário que são colocados em
pequena, média ou grande escala no mercado, quanto para indicar o movimento de
valorização do “novo” de forma sazonal por um curto espaço de tempo que interfere
tanto no objeto do vestuário quanto em qualquer outro objeto da cultura material.
Segundo LIPOVETSKY:
Moda é uma forma específica de mudança social, independentemente de
qualquer objeto particular; antes de tudo é um mecanismo social
caracterizado por um intervalo de tempo particularmente breve e por
mudanças mais ou menos ditadas pelo capricho, que lhe permitem afetar
esferas muito ampla da vida coletiva. [...] (2009, p.25)
O ódio, a solidão, a rejeição por parte dos franceses levou Maria Antonieta,
com a complacência de Luís XVI, a se dedicar ao luxo, aos gastos excessivos, ao jogo e
ao cuidado excessivo com o corpo, a roupa, com a moda. Por meio de roupas e
acessórios cuidadosa, mente selecionados, ela passou a cultivar o que ela mesma mais
tarde chamou de “aparência de prestígio”. Gradativamente, a jovem passou a usar sua
posição de soberana para criar uma vida de sonho. Seu maior deleite passou a ser a
construção diária de uma imagem glamurosa. Para tal introduziu na corte Léonard, o
cabeleireiro responsável pela construção dos seus penteados e Rose Bertin costureira
que ela transferiu de uma loja em Paris para Versailles.
De acordo com a pesquisadora americana Caroline Weber, autora de A Rainha
da Moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução, Antonieta (2008), ela
utilizava a moda como um instrumento político, como forma de aumentar ou sustentar
sua autoridade em momentos em que ela parecia estar sob risco. Era através da
aparência, portanto, que Antonieta se mostrava como soberana: acima de qualquer
outra mulher na França.
“[...]Embora, como muitos biógrafos salientaram, ela nunca tenha
manifestado um interesse constante pela política, quer num plano
internacional, quer no âmbito privado das intrigas palacianas, ela parece ter
identificado no seu guarda-roupa uma ferramenta útil para manter sua
posição, seu prestígio pessoal e autoridade. [...] (GOEBEL, 2018, p.35)
Antonieta não se vestiu para intimidar; ela se produzia para deslumbrar; nos
bailes à fantasia procurava sempre os trajes mais suntuosos, que a fizessem ser
destaque na multidão. Dessa forma, todos os olhares estariam sobre a rainha, e alguns
dias mais tarde seu visual seria copiado pelas mulheres de posse da França, fossem
elas nobres ou burguesas. Nunca antes uma rainha da França havia se mostrado
glamourosa. Costumavam ser discretas. Antonieta ousou se impor na corte através do
visual, e durante um bom tempo foi bastante admirada e imitada, como uma
celebridade atual. Tornou-se a referência máxima em moda: era ela quem ditava as
tendências em vestidos, penteados e maquiagem. E, era copiada pelas nobres de
Versalhes de Paris e também pelas burguesas endinheiradas da época.
seda e cera. Mas em poucas semanas, com a morte de Luís XV, esse estilo
chamado de poufs sentimentais (poufs aux sentiments) deu lugar aos poufs
circunstanciais (poufs aux circonstances). [...] Um pouf adornado com a
miniatura de uma fragata de guerra e usado por Maria Antonieta em 1778 e
chamado de Coiffure à la Belle-Poule, não era apenas uma novidade e uma
extravagância capaz de atrair muitos olhares, mas celebrava uma vitória
naval específica contra os ingleses na Guerra de Independência Americana,
assim como exibia o patriotismo e perspicácia política de sua
portadora(GOEBEL, 2018, p.37-8)
Traje à polonaise
https://br.pinterest.com/pin/20442 Traje deshabillé
1270566230342/ Gravurista: Duhamel. Cabinet des
Modes. 17 o Caderno. 15 de julho
de 1786. Prancha I. Disponível em:
https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/b
pt6k10400572
Mais do que isso, a moda era entendida e consumida como uma ferramenta
legítima de expressão individual e de distinção. Worth, com o patrocínio imperial, se
tornou o maior dos criadores da moda feminina francesa no século XIX, vestindo não
apenas a imperatriz, mas outros chefes e mulheres proeminentes da Europa. Ele
impulsionou, além disso, a popularização e o domínio das crinolinas e espartilhos para
as classes altas burguesas: movimentos rápidos eram impossíveis e um andar
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controlado, essencial para manter a saia volumosa no lugar, era necessário mantendo
o corpo sob controle restrito. Além disso, registrou todos os gostos de Eugênia em
cores e contornos, e suas preferências supostamente anulavam aquelas de outros
membros da corte, que também eram seus clientes.
Logo, o paralelo entre Eugênia e Maria Antonieta fica bastante óbvio. Ambas
tiveram um envolvimento particular e íntimo com a moda, ambas patrocinaram classes
de criadores de estilos e gastaram altas somas com trajes e adornos. Principalmente,
ambas souberam usar sua aparência e a maneira como cobriam seus corpos como
instrumentos de poder, seja privado – relacionado com sua afirmação pessoal dentro
de uma corte estrangeira – seja como símbolo do poderio dos regimes aos quais eram
membros privilegiados.
CONCLUSÃO
A Rainha Maria Antonieta da França (1755-1793) é até os dias de hoje um ícone
da moda e da indústria de bens culturais da França. É ela que, ao lado de Luís XIV, ao
invés de seus dois sucessores, povoa os espaços de representação coletiva sobre o
Ancien Régime e sobre o absolutismo francês. Uma verdadeira fashionista, Maria
Antonieta inspirou, patrocinou a criação de vestidos e penteados extravagantes. Suas
peças de vestuário, incluindo sapatos, perucas e acessórios, ocupavam nada menos
que três cômodos do suntuoso Palácio de Versalhes, onde mantinha uma verdadeira
legião de estilistas, costureiras e sapateiros a sua disposição.
Quando o rei foi condenado à guilhotina, a rainha passou a vestir-se apenas de
preto, como sinal de luto profundo e uma forma de protesto. Ao ser condenada à
guilhotina vestiu branco. Com sua roupa, ela dizia aos revolucionários que eles haviam
tomado a coroa, mas jamais quebrariam seu espírito.
Execrada a época de sua morte, voltou a ser um ícone da moda e da cultura à
época do Segundo Império comandado por Napoleão III e a Imperatriz Eugenia que,
como dito, se inspiraram nela para impulsionar o papel da França como agenciadora
de cultura.
No decorrer do século XX ela continuou presente no mundo fashion. Nas
últimas duas décadas do século, grifes como Chanel, Dior, Lanvin, Saint Laurent,
Versace e Marchesa criaram coleções de roupas e acessórios inspiradas nos elaborados
vestidos de corte e nos despojados trajes campestres aos quais é relacionada na
cultura popular. Seu bucólico retiro pessoal do Petit Trianon e seus aposentos no
Palácio de Versalhes atraem anualmente dezenas de milhares de turistas do mundo
inteiro. As exposições Marie-Antoinette, em 2009 no Grand Palais, e Marie-Antoinette,
métarmophose d’une image, centraram-se em sua imagem pública controversa e nas
diversas abordagens e interpretações dadas a elas ao longo do tempo. Ambas exibiram
quadros oficiais, charges, cartas pessoais, objetos de arte, reproduções de seus trajes e
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REFERÊNCIAS
LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras
LIPOVETSKY, Giles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.
São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.
In: https://www.farfetch.com/br/style-guide/icones-de-estilo-e-influenciadores/a-moda-
nao-se-cansa-do-estilo-maria-antonieta/. Acessado em 20 abri. 2021.
ROCHE, Daniel. A cultura das aparências: uma história da indumentária (século XVII-XVIII).
São Paulo: Senac, 2007.
_______. História das coisas banais: nascimento do consumo século XVII-XIX. Rio de Janeiro:
Ed. Rocco, 2000.
WEBER, Caroline. Rainha da moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução. São
Paulo: Ed. Zahar, 2008.
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As perucas usadas por ela pesavam mais de oito quilos e podiam ser de fios naturais, crina de cavalo, lã ou seda. O
cabeleireiro Léonard era criador e responsável pelos penteados-esculturas
O “pouf” era montado em uma estrutura de arame, que chegava a 1,20m de altura, firmado com pomada e talco, bem
diferente dos fixadores atuais. Confeccionadas por seis pessoas trabalhando arduamente, levavam quase uma semana
para serem feitas e eram enfeitadas com pedras preciosas, plumas, espelhos, flores, frutas e legumes. Sobre essa
estrutura, a cabeça da rainha ganhava temas diversos para cada ocasião, já que as perucas usadas em festas,
raramente eram repetidas. Algumas perucas criavam cenas completas de algum evento, que incluía mobília, jardins e
gaiolas com pássaros vivos.
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Ilustrações de moda feitas a mão, a princípio em preto e branco e depois coloridas, que circulavam pela Europa
mostrando modelos de roupas.
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Charles Frederick Worth (Bourne, 13 de outubro de 1825 – Paris, 10 de março de 1895) foi
um costureiro inglês do século XIX, considerado por muitos o "Pai da alta-costura".