Estudo Sobre A Graça Divina
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Estudo Sobre A Graça Divina
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Livre arbítrio
Um dos temas mais caros tratados pelos cristãos na época patrística foi o conceito
de liberdade. Tal importância fica explícita na medida em que os Padres da Igreja
inseriram a questão da liberdade no debate sobre a moral. Não só isso, colocando a
liberdade como questão de ética ligada ao sobrenatural, devido às suas preocupações
essencialmente religiosas, não entenderam a liberdade senão como algo que passava por
duas vias: o esforço humano e o auxílio divino.
Os padres dos primeiros séculos, sobretudo aqueles que tiveram sua formação a
partir da cultura grega, destacaram a racionalidade do Homem como fator do bom uso do
livre arbítrio: Justino (†163?), por exemplo, ao combater a ideia de determinismo
argumentou que a salvação dos Homens passava por sua vontade livre, isto é, como
criaturas racionais tinham a capacidade de escolher entre o justo ou injusto; a moral cristã
em Clemente de Alexandria († antes de 215) também passava pelo juízo humano na
libertação das paixões; Orígenes (†253/4) no livro terceiro do seu De principiis aponta para
a responsabilidade do Homem frente à sua liberdade, sobretudo por sua alma ser fundada
na racionalidade. Essa argumentação também esteve presente nos padres latinos: Lactâncio
(†330?), para citar um caso, isentou Deus do abuso de imposições posto que a razão é
essencial para uso da liberdade na prática do bem, logo, tal escolha está inerente à escolha
dos Homens. (OSBORN, 2002; QUASTEN, 2004).
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assim moral com o exercício da livre escolha humana; em sua luta contra gnósticos e
maniqueístas Ticônio (†390?) insistiu no valor do livre arbítrio como fator decisivo junto à
graça para a salvação; o poeta cristão Cláudio Mário Vitor (†450) fez questão de
mencionar e defender o livre arbítrio apontando a liberdade humana como sua maior
glória. Em João Crisóstomo (†407), tal como Agostinho, o livre querer é distinto de
liberdade, logo, é responsabilidade moral escolher fazer o bem ou o mal. (OSBORN, 2002;
SIMONETTI, 2007; DI BERARDINO, 2007).
Dessa forma, a liberdade é própria da vontade, pois mesmo a razão humana, como
portadora do saber e do pensar, assim como a conhecedora do bem, não lhe cabe a decisão
de aceitação ou rejeição do bem, por ser tarefa exclusiva da vontade. Mesmo sendo
pertencente ao espírito, a vontade (entendida como movimento da alma) difere da razão
(exercício intelectivo). O conhecimento cabe à razão, mas à vontade caberia a escolha.
Essa potencialidade da alma humana, a vontade livre, constituiu-se para Agostinho
como outro elemento que diferenciava homens e animais (O Livre-arbítrio, III, 5, 15).
Aliás, somente existe o livre arbítrio devido àquele outro elemento que particulariza o
Homem, a razão:
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entre respeitá-la, contribuindo, assim, para reta ordem, ou transgredi-la,
gerando a desordem, ou o mal. Assim, diferentemente dos demais seres
do universo, que não têm a capacidade de escolher, mas estão
programados deterministicamente para agirem sempre de acordo com a
ordem, o homem é livre para seguir ou não a ordem estabelecida por
Deus (COSTA, 2002, p. 288).
[Agostinho] – Logo, que motivo existe para crer que devemos duvidar –
mesmo se até o presente nunca tenhamos possuído aquela sabedoria – que
é pela vontade que merecemos e levamos uma vida louvável e feliz; e
pela mesma vontade, que levamos uma vida vergonhosa e infeliz? (O
Livre-arbítrio, I, 13, 28).
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da perfeição ou felicidade para o pecado ou defecção (II, 20, 54). A única afirmativa que se
encontra no colóquio era que tal impulso não provinha nem de um agente supranatural, isto
é, Deus – pois neste caso para eles não se poderia identificar o pecado, mas sim, uma
“injustiça divina” – , nem de uma força inferior ao Homem, por falta de poder. Portanto, o
movimento de afastamento provinha somente da vontade da alma. Destarte não se pode
falar em destino no pensamento agostiniano, seja na perfeição ou imperfeição humana, mas
em um movimento da alma, o livre arbítrio (III, 1, 2).
Em virtude disto, a causa da aversio Deo – caminho do ser para o não-ser: o mal –
ocorre mediante a vontade. Portanto, o desvio da vontade, resultado do mau uso do livre
arbítrio, resultava no pecado:
Deus, Autor das naturezas, não dos vícios, criou o homem reto; mas,
depravado por sua própria vontade e justamente condenado, gerou seres
desordenados e condenados [...]. Por isso, do mau emprego do livre-
arbítrio originou-se verdadeira série de desventuras (A Cidade de Deus,
XIII, 14).
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proveniente do livre arbítrio (Confissões, VII, 3, 5), devido ao fato de a alma mover-se
conforme a sua vontade. Daí, para Agostinho, o mal ser tido como “justo” castigo para o
Homem, pelo motivo mesmo do padecimento que acarreta. A vontade é, para ele, a causa
primeira do pecado, e sem ela não poderia haver pecado (O Livre-arbítrio, III, 17, 49).
Tudo dependia do movimento da alma, nada havia seguindo um destino ou ordem
supranatural para a execução do pecado:
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Em conseqüência do pecado, promovido pelo mau uso do livre arbítrio, a alma
decaída não mais pode se salvar por suas próprias forças, pois o querer não é suficiente, é
preciso poder. Isso posto, a teoria do pensador cristão centrou-se na incapacidade do
homem caído e, da indispensabilidade da graça redentora como socorro divino outorgado
por Deus ao livre arbítrio. Se a ação do Homem evidencia-se no livre arbítrio, a graça
constituía-se na ação de Deus. Nisto constituíram os fundamentos básicos da doutrina da
graça tão marcante no Bispo de Hipona.
Graça
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por extensão, desempenhou um papel decisivo para formação dos cristãos (STUDER,
2002).
No entendimento agostiniano, Deus, mediante sua Lei, já havia demonstrado ao
Homem o mal a ser evitado e o bem a ser praticado. Contudo, a eficácia, em conseqüência
do pecado, somente seria possível com o auxilio da graça. Em suma, para se fazer o bem,
são necessárias duas condições: o dom de Deus, que é a graça, e o livre arbítrio, conforme
seu próprio testemunho:
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misericórdia e o juízo; misericórdia para a eleição que alcançou a justiça de Deus; juízo
para os demais que ficaram cegos. No entanto, os que quiseram, acreditaram; os que não
quiseram, não acreditaram. Portanto, a misericórdia e a justiça verificam-se nas próprias
vontades. Pois esta eleição é obra da graça, não dos méritos. Um pouco antes o Apóstolo
dissera: Assim também no tempo atual constituiu-se um resto segundo a eleição do graça;
e se é por graça, não é pelos obras; do contrário a raça não é mais graça (Rm 11, 5-10).
Portanto, gratuitamente foi alcançada porque foi alcançada a eleição” (A Predestinação dos
Santos, VI, 11), foram os debates teológicos em que se envolveu entre os anos 411 a 418,
que lhe deram o estímulo para a intensificação da propagação de sua doutrina.
Tais embates tiveram como precursor, Pelágio – monge bretão que estabeleceu-se
na África como fugitivo de Roma após o saque de Alarico, em 410 –, que acusou
Agostinho de formulação de idéias que compreendiam na anulação do livre arbítrio. A
crítica de Pelágio centrou-se principalmente no seguinte trecho das Confissões: “daí-me o
que me ordenais, e ordenai-me o que quiseres” (X, 29, 40). (MORESCHINI; NORELLI,
2000).
Esses debates ficaram mais acentuados quando suas idéias, ao assumirem corpo
doutrinário, foram difundidas por dois de seus discípulos Celéstio e Juliano de Eclano –
este bispo italiano que defendeu as teorias de Pelágio, e destinou suas obras no combate às
exposições de Agostinho.
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complexidade da “crise pelagiana”, e após a difusão do pelagianismo pela África,
Agostinho não mediu esforços para combatê-la.
O resultado foi a conquista de sucessivas vitórias por parte de Agostinho, como a
condenação do pelagianismo no Concílio de Cartago, em 411, e posteriormente
conseguindo sua condenação pelo papa Inocêncio I, em 417, que por ser de Roma alcançou
significado universal, e com isso, expressiva conseqüência para o cristianismo subseqüente
(DENZINGER, 2007).
Em face disso, a graça tem, para Agostinho, e para o cristianismo, um aspecto
salutar para a santificação e salvação: a sua gratuidade:
Essa foi a novidade em sua ação em relação aos Padres da Igreja que o precederam;
e, foi além, em sua insistência na relação entre o auxilio divino para salvação sem a
necessidade dos méritos, e isto, em um local específico, a Igreja.
Considerações Finais
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conceito de graça, isto é, Deus não seria somente espectador, como afiançou os
pelagianos; mas auxilia os homens, como asseverou Agostinho.
Ao trilhar este caminho, o pensador cristão apontou o que acreditava ser a solução
para as expectativas do homem de seu tempo, contribuindo para as discussões sobre a
moral tendo em vista a formação do Homem espiritual e religioso do mundo que estava
nascendo, o medievo; o que lhe garantiu o título de “Doutor da Graça”.
REFERÊNCIAS
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STUDER, Basilio. Graça. In: DI BERARDINO, Angelo (org.). Dicionário Patrístico e de
Antiguidades Cristãs. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002a, p. 638-642.
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