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ARQUEOLOGIA
CONTEMPORÂNEA NA
AMAZÔNIA: REPRODUÇÃO DA
ICONOGRAFIA E CERÂMICA DA
CULTURA MARACÁ (Dissertação)
Taynara Sales

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Descendent es dos marajoaras: empoderament o e ident idade na cidade de Belém


Diogo de Melo, Luciana Crist ina de Oliveira Azulai, Vinicius Monção

Uma nova polít ica para um ant igo acervo. A redescobert a das coleções arqueológicas do Museu Goel…
Crist iana Barret o

Uma nova polít ica para um ant igo acervo: a redescobert a das coleções arqueológicas do Museu Goeldi
Helena Lima
Taynara Soares do Nascimento Sales

ARQUEOLOGIA CONTEMPORÂNEA NA AMAZÔNIA: REPRODUÇÃO DA


ICONOGRAFIA E CERÂMICA DA CULTURA MARACÁ

Dissertação de Mestrado

Belém – Pará

2020
Taynara Soares do Nascimento Sales

ARQUEOLOGIA CONTEMPORÂNEA NA AMAZÔNIA: REPRODUÇÃO DA


ICONOGRAFIA E CERÂMICA DA CULTURA MARACÁ

Dissertação apresentada como requisito


parcial para a obtenção do título de Mestre
em Antropologia pelo Programa de Pós-
graduação em Antropologia da Universidade
Federal do Pará.
Área de concentração: Arqueologia.
Linha de pesquisa: Cultura material,
patrimônio e sociedade.
Orientadora: Profª Drª Renata de Godoy

Belém – Pará

2020
i
Taynara Soares do Nascimento Sales

ARQUEOLOGIA CONTEMPORÂNEA NA AMAZÔNIA: REPRODUÇÃO DA


ICONOGRAFIA E CERÂMICA DA CULTURA MARACÁ

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________

Profª Drª Renata de Godoy


UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
Orientadora

___________________________________________

Profª Drª Marcia Bezerra


UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
Examinadora Interna

____________________________________________

Profa. Drª Helena Pinto Lima


MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI
Examinadora Externa

_____________________________________________

Profa. Drª Daiana Travassos Alves


UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
Examinadora Suplente

Belém – Pará

2020 ii
iii
À minha família, especialmente minha avó, mãe e irmãos.

iv
Agradecimentos

Durante nossa jornada é necessário sempre olharmos para o caminho percorrido e


realizar que nunca estamos sozinhos, somos produtos daqueles que nos rodeiam. Assim,
gostaria de começar agradecendo à minha orientadora Drª Renata de Godoy que sempre
acreditou não só na minha pesquisa, mas em mim. Por sua fé e incentivo, pelas dicas e
críticas construtivas, pela companhia e conversas, pela compreensão e cuidado, muito
obrigada.

Ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA por ter aceitado meu


projeto, e assim ter tido a oportunidade de exercer minha pesquisa.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por


ter concedido uma bolsa de incentivo que ajudou durante o processo de construção deste
trabalho.

À banca formada no meu exame de qualificação: Drª Helena Pinto Lima que tive
a honra de ser bolsista de iniciação científica no Museu Paraense Emílio Goeldi, e que
me permitiu usar a Reserva Técnica do Museu como parte do meu trabalho de campo;
Drª Marcia Bezerra pelas aulas de Arqueologia e de vida (desde a graduação); Drª Vera
Guapindaia por todos os ensinamentos extra classe e todo conhecimento sobre as urnas
Maracá que produziu. À todas agradeço grandemente pelas contribuições feitas para que
este trabalho se aperfeiçoasse.

Ao grupo de artesãos e artesãs que fizeram com que este trabalho fosse possível:
Seu Anísio, Deo de Almeida, João Sarmento, Marivaldo Sena, Ezequiele, Elenir e
Vicente Lima, Ernandes Melo, Simone Oliveira, muito obrigada pela colaboração, pela
troca e pelas risadas de cada encontro.

Em Macapá tive um grande time de arqueólogas e arqueólogos, amigas e amigos


que me receberam e me auxiliaram durante minhas viagens de campo: Mayara Mariano,
uma grande amiga que me cedeu seu lar todas as vezes que estive na cidade, além de
elaborar o mapa que usei neste trabalho. Lúcio Costa Leite, pela recepção no IEPA, as
informações cedidas, conversas e companhia agradabilíssima. Carla Santos, pela
amizade, apoio e trocas sobre esse tema que nos permeia. Aos demais membros e
colaboradores do IEPA: Alexandra, Keila, Alan, Rafael, Camile, Paloma e Eduardo, pelo
carinho e recepção. Ao meu amigo conterrâneo Valdino Junior, pela companhia e
conversas durante minha estadia em Macapá.
v
Aos amigos da turma de mestrado, em especial Marcos Antonio dos Santos, pela
amizade, carinho e amor que construímos; Laura Vieira, pelos desabafos, trocas de afeto
e amor que construímos. Às minhas amigas da turma anterior de mestrado, Amanda
Seabra e Amanda Pina, pela companhia, apoio e motivação. Aos colegas da turma de
doutorado, em especial Clarice Bianchezzi, Luciana Railza e Luciana Castro, por tudo.
Ao secretário do Programa, Antonio Carlos, por todas as vezes que me auxiliou e me
amparou de forma prática e eficaz como poucas vezes vi dentro desta Instituição.

Aos amigos e amigas que me apoiaram durante a ausência que se fez necessária
durante a construção deste trabalho, em especial: Tamirys Chermont, Marcos André dos
Santos, Izabella Priscila, Samara Rosa, Thaís Coelho, Viniccius Feitosa, Irwing Gomes,
Raul Carvalho, Lucas Lacerda, Victor Nylander, Luli Cantanhede, Enoque Paulino,
Fernanda Borges, Laisa Epifânio, Leticia Nunes, Rondinelle Coelho e Iago Luís Barbosa.
Ao Pedro Henrique Brito por confeccionar a arte da capa desta dissertação, meu muito
obrigada.

À minha família que amo e que souberam perdoar minhas faltas em reuniões
familiares, em especial minha mãe Marinete do Nascimento, minha avó Bernardina do
Nascimento e meus irmãos Tayron e Tayson Rodrigues.

Ao meu companheiro de vida, Alex Monção, pelo suporte emocional e apoio


durante todo esse caminho, desde o processo seletivo à defesa. Amo você.

À todos e todas que aqui não citei, mas que em algum grau estiveram ligados ao
meu crescimento e amadurecimento intelectual e pessoal durante esta caminhada. Meu
muito obrigada.

vi
“O sujeito culturalmente enredado negocia suas
construções, mesmo quando essas constituem os
atributos de sua própria identidade.”

Judith Butler
vii
LISTA DE ABREVIATURAS

BASA - Banco da Amazônia

CEPAP - Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas do Amapá

COARTI - Cooperativa dos Artesãos de Icoaraci

GEA – Governo do Estado do Amapá

IDESP - Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará

IEPA - Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Pará

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional

MABE - Museu de Arte de Belém

MAE/AP - Museu de Arqueologia e Etnologia do Amapá

MPEG - Museu Paraense Emílio Goeldi

NuPArq - Núcleo de Pesquisa Arqueológicas

PIBEX - Programa Institucional de Bolsas de Extensão

PNDA - Plano Nacional de Desenvolvimento do Artesanato

PPGA - Programa de Pós-Graduação em Antropologia

PPP - Parceria Público Privado

SEAMA - Serviço Educacional da Amazônia

SEBRAE - Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SOAMI – Sociedade de Artesãos e Amigos de Icoaraci

UFPA - Universidade Federal do Pará

viii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Urnas funerárias da cultura Maracá, representação antropoforma e zoomorfa,
respectivamente. Fonte: Site do Museu Nacional......................................................... 20
Figura 2: Urnas Maracá, dos tipos: antropomorfa, zoomorfa e tubular (Prancha Goeldi,
1905, apud Barbosa, 2011). ......................................................................................... 26
Figura 3: Desenho demonstrativo dos elementos plásticos que compõe uma urna
antropomorfa Maracá. Desenho: Carlos Barbosa, 2011. .............................................. 27
Figura 4: Mapa sinalizando a região de concentração das grutas, na área de influência do
Igarapé do Lago, em Mazagão, Estado do Amapá. Confecção do mapa: Mayara Mariano,
2019. ........................................................................................................................... 28
Figura 5: Alguns dos lugares percorridos por Domingos Soares Ferreira Penna nas
comarcas de Gurupá e Macapá. ................................................................................... 31
Figura 6: Estampa I, “Ceramica de Indios extinctos no Counaný (Guyana brasileira)”.
Litografia de Ernst Lohse. Reproduzido de Goeldi, 1900, apud Josiane Melo, 2017. ... 32
Figura 7: Peça disponível para venda na Feira de Artesanato do Paracuri. Foto: Taynara
Sales, 2019.................................................................................................................. 40
Figura 8: Capa do livro "O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando
sua identidade", de 2006. ............................................................................................ 44
Figura 9: Capa do livro "Arte da Terra: resgate da cultura material e iconográfica do
Pará”. .......................................................................................................................... 45
Figura 10: Fachada da Associação Maracá e Cunani em Argila, no Município de Mazagão
Velho/AP. Foto: Taynara Sales, 2019. ......................................................................... 53
Figura 11: Entrevista concedida por D. Elenir Lima de Moraes, na Associação Maracá
Cunani, em Mazagão Velho. Foto: Alexandra Guimarães, 2018. ................................. 54
Figura 12: Parte das peças dos artesãos conveniados da Casa do Artesão, expostas no
Monumento Marco Zero, durante o período de reforma do prédio sede. Foto: Taynara
Sales, 2018.................................................................................................................. 55
Figura 13: Faixada da “Casa do Artesão”, centro de Macapá/Amapá. Foto: Taynara Sales,
2019. ........................................................................................................................... 55
Figura 14: Atualmente, parte do interior da “Casa do Artesão”, onde ficam concentrados
os objetos cerâmicos. Foto: Taynara Sales, 2019. ........................................................ 56
Figura 15: Espaço "Casa da Árvore" no Bio Parque de Macapá, onde podemos encontrar
alguns grafismos das culturas Cunani e Maracá entalhadas em madeira. Os desenhos
foram executados por um grupo de artesãos. Foto: Taynara Sales, 2019. ..................... 57
ix
Figura 16: Detalhes das gravuras entalhadas. Foto: Taynara Sales, 2019. .................... 58
Figura 17: Detalhe da escada e corrimão que dá acesso à "Casa da Árvore" no Bio Parque.
Foto: Taynara Sales, 2019. .......................................................................................... 59
Figura 18: Faixa localizada na sala de desembarque do Aeroporto Internacional de
Macapá - Alberto Alcolumbre. Foto: Taynara Sales, 2019. .......................................... 60
Figura 19: Espaço "Casa de Farinha", no Museu Sacaca. Foto: Taynara Sales, 2019. .. 61
Figura 20: Réplica de um sítio caverna, dentro do museu sacaca. Foto: Taynara Sales,
2019. ........................................................................................................................... 62
Figura 21: Lateral da réplica. Foto: Taynara Sales, 2019. ............................................ 63
Figura 22: Detalhe do interior da réplica de caverna, com urnas (que também são réplicas)
quebradas e inteiras, semelhantes ao que é encontrado em uma expedição arqueológica.
Foto: Taynara Sales, 2019. .......................................................................................... 63
Figura 23: Interior do Museu de Arqueologia e Etnologia do Amapá. Foto: Taynara Sales,
2019. ........................................................................................................................... 64
Figura 24: Outro ângulo do salão principal (e único) do MAE/AP, onde percebemos
outros tipos de acervo, além do cerâmico. Foto: Taynara Sales, 2019. ......................... 65
Figura 25: Algumas peças contemporâneas em exposição e disponível para venda. Essas
especificamente são produtos da Ezequiele Lima e sua mãe, D. Elenir. Foto: Taynara
Sales, 2019.................................................................................................................. 65
Figura 26: D. Elenir em seu ofício, nos fundos da Associação Maracá Cunani. Foto:
Taynara Sales, 2019. ................................................................................................... 66
Figura 27: Seu Vicente Lima, esposo de D. Elenir, junto à sua companheira realizando o
acabamento da peça. Foto: Taynara Sales, 2019. ......................................................... 67
Figura 28: Deo de Almeida, artesão trabalhando em uma réplica de vaso arqueológico da
cultura Cunani, dentro do Laboratório de Arqueologia do MPEG. Foto: Taynara Sales,
2019. ........................................................................................................................... 71
Figura 29: Mural de entrada da Feira de Artesanato do Paracuri, com representações de
urnas funerárias da cultura Maracá. Foto: Taynara Sales, 2018. ................................... 72
Figura 30: João Sarmento, posando em frente o mural de sua autoria, na entrada da Feira
de Artesanato do Paracuri. Foto: Taynara Sales, 2019. ................................................ 73
Figura 31: Placa fixada ao chão, paralelo ao mural de entrada da Feira de Artesanato do
Paracuri, e que também fora autoria do artesão João Sarmento. Foto: Taynara Sales, 2019.
................................................................................................................................... 73

x
Figura 32: Escola Liceu de Artes e Ofícios Mestre Raimundo Cardoso, em Icoaraci. Foto:
Deo de Almeida, 2009................................................................................................. 74
Figura 33: Artesão Deo de Almeida confeccionando das esculturas de Urnas Maracá no
Liceu de Artes e Ofício Mestre Cardoso. Foto: Autor Desconhecido, 2009. ................ 75
Figura 34: Finalização de confecção das esculturas. Foto: Autor Desconhecido, 2009. 76
Figura 35: Esculturas finalizadas. Foto: Autor Desconhecido, 2009. ........................... 76
Figura 36: Fachada da loja "Anísio Artesanato", no bairro do Paracuri em Icoaraci. Foto:
Taynara Sales, 2019. ................................................................................................... 77
Figura 37: Seu Anísio posando ao lado de uma "Urna Maracá", como é denominada por
ele para sua venda. Foto: Renata de Godoy, 2018. ....................................................... 78
Figura 38: Nota Fiscal da compra alguns itens da Olaria, incluindo duas “Urnas Maracás”,
com o destino de compra à Portugal. ........................................................................... 79
Figura 39: Mapa da localização Secretaria de Turismo (SETUR). Fonte: Google Maps.
................................................................................................................................... 80
Figura 40: Réplicas de urnas funerárias da cultura Maracá, onde estão representando o
sexo masculino, com o órgão sexual em questão. Foto: Taynara Sales, 2018. .............. 81
Figura 41: Réplica de urna funerária da cultura Maracá, representando o órgão sexual
feminino. Foto: Taynara Sales, 2018. .......................................................................... 82
Figura 42: Prints da sessão de comentários da página da Agência de Viagens
"TripAdvisor”. Fonte: https://www.tripadvisor.com.br/ ............................................... 83
Figura 43: Print da sessão de comentários do Site onde o turista relata que os artesãos são
marajoaras. Fonte: https://www.tripadvisor.com.br/ .................................................... 84
Figura 44: Alunos da rede de ensino público reunidos em frente uma das esculturas de
Urna Maracá. Fonte: Facebook.................................................................................... 85
Figura 45: Selfie tirada em um dia de Encontro da Terceira Idade. Fonte: Facebook. .. 85
Figura 46: Grupo de Carimbó no Encontro da Terceira Idade no Praça da SETUR. Fonte:
Facebook. ................................................................................................................... 86
Figura 47: Ezequiele demonstrando um dos produtos que confeccionou e disponibiliza
para venda no Museu de Etnologia e Arqueologia. Foto: Taynara Sales, 2019. ............ 95
Figura 48: Réplica de Urna Maracá exposta junto ao selo correspondente, na exposição
"Postado! Arqueologia brasileira nos selos" do Museu Paraense Emílio Goeldi. Foto:
Taynara Sales, 2019. ................................................................................................... 98

xi
Figura 49: Réplicas que fazem parte do acervo permanente do Museu de Etnologia e
Arqueologia do Amapá. Detalhe para a etiqueta descrevendo a peça como réplica. Fotos:
Taynara Sales, 2019. ................................................................................................... 98
Figura 50: (a), (b) e (c): Desenhos técnicos de estudo de proporção, feitos pelo artesão
João Sarmento........................................................................................................... 101
Figura 51: (A) Prancha manipulada presente no livro do Sebrae; (b) Réplica da urna
presente no ateliê da família Lima, Mazagão Velho, Amapá; (c) Réplica de Urna exposta
para venda na Casa do Artesão, fabricada por D. Elenir, em Macapá, AP. Fotos (b) e (c):
Taynara Sales, 2018. ................................................................................................. 104
Figura 52: Banners encontrados na loja de artesanato "Associação Maracá Cunani", em
Mazagão. Foto: Taynara Sales, 2019. ........................................................................ 105
Figura 53: Souvenires de Urna Maracá na Feira de Artesanato do Paracuri. Fotos: Taynara
Sales, 2019................................................................................................................ 105
Figura 54: Placa descritiva que fica ao lado das réplicas da Urnas funerárias Maracá, no
interior do Parque da SETUR. Foto: Taynara Sales. .................................................. 108
Figura 55: Cerâmica contemporânea feita pela artesã Ezequiele Lima, em Mazagão/AP.
Foto: Taynara Sales, 2019. ........................................................................................ 111
Figura 56: Recorte da prancha produzida por Emilio Goeldi em 1900, apud Josiane Melo,
2017. ......................................................................................................................... 112
Figura 57: Páginas do livro "O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá
revelando sua identidade" onde é possível ver o "apagamento" do pontilhado existente na
prancha do Emílio Goeldi e como os responsáveis pelo livro se dedicaram à mostrar as
possibilidades de uso da iconografia presente nesse vaso........................................... 113
Figura 58: Pratos de cerâmica com função decorativa, com incisos de decoração baseada
na iconografia da cultura Maracá. Produção da família Lima. Foto: Taynara Sales, 2019.
................................................................................................................................. 115
Figura 59: Início do quarto capítulo do livro "O legado das civilizações Maracá e Cunani:
o Amapá revelando sua identidade"........................................................................... 116
Figura 60: (a) e (b): Páginas do livro que se dedicam a "explicar" o uso de simbolismo
em outras culturas, especialmente ocidentais, para justificar alguns grafismos indígenas
presente na cultura material arqueológica. ................................................................. 118
Figura 61: Título do sexto capítulo do livro "O legado das civilizações Maracá e Cunani:
o Amapá revelando sua identidade", dedicado à ensinar diferentes formas de uso da
iconografia de culturas arqueológicas, especialmente das fases Cunani e Maracá. ..... 119
xii
Figura 62: (a), (b) e (c): Exemplos de sugestões de como utilizar a iconografia da cultura
Maracá, presente no livro "O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá
revelando sua identidade".......................................................................................... 122
Figura 63: Página do livro mostrando diferentes formas geométricas que podem ser
utilizadas a partir de um detalhe plástico da tampa da urna; (b) adereço decorativo com o
desenho encontrado no livro. Foto: Taynara Sales, 2019. .......................................... 124
Figura 64: Página do livro onde é retratado a inflência de D. Inês Cardoso, viúva do
Mestre Cardoso, maior referência de artesanato cerâmico no Norte do país; abaixo, na
mesma página é mostrado como as réplicas de urnas Maracá são produzidas no Amapá.
................................................................................................................................. 125

xiii
RESUMO

A presença de iconografias de culturas materiais arqueológicas é uma prática frequente


no cotidiano do Norte do Brasil, Amazônia, sejam em formas de réplicas, cerâmicas
utilitárias com referências, tatuagens, silhuetas no vestuário ou em propagandas, e assim
por diante. Belém/PA possui uma ampla produção nesse setor, que engloba algumas
dessas produções, referenciadas em culturas indígenas pré-coloniais, como Marajoara,
Tapajônica e Maracá. Destas, a cultura Maracá, diferente das outras mencionadas, é
proveniente da região Sudoeste do Estado do Amapá, porém também possui forte
presença em Belém. Posto isto, essa pesquisa tem como objetivo central entender como
se deu esse processo de apropriação de identidade da cultura Maracá através da produção
contemporânea de cerâmica, e como ela se propagou em Belém e em Macapá/AP.
Utilizando uma abordagem etnográfica, buscou-se compreender o processo pessoal dos
artesãos dentro do universo cerâmico e os diferentes usos da iconografia desses objetos
tanto no Pará, quanto no Amapá. O resultado deste estudo almeja problematizar sobre
uma nova narrativa do que já era conhecido da trajetória do fazer cerâmico
contemporânea na Amazônia, focando na cultura Maracá; pois analisou como algumas
referências arqueológicas foram usadas e ressignificados ao longo dos anos; e qual o papel
da/o arqueóloga/o dentro desse evento.

Palavras-chave: Cultura Maracá; Cerâmica Contemporânea; Arqueologia Amazônica;


Turismo Arqueológico.

xiv
ABSTRACT

The presence of iconographies of archaeological material cultures is a frequent practice


in the North of Brazil, in the Amazon, whether in the form of replicas, utilitarian ceramics
with references, tattoos, silhouettes in clothing or in advertisements, and so on. Belém /
PA has extensive production in this sector, which includes some of these productions,
referenced in pre-colonial indigenous cultures, such as Marajoara, Tapajônica and
Maracá. Of these, the Maracá culture, different from the others mentioned, comes from
the Southwest region of the State of Amapá, but it also has a strong presence in Belém.
Having said this, this research has as central objective to understand how this process of
appropriation of the culture's identity took place Maracá through contemporary ceramic
production, and how it spread in Belém and Macapá / AP. Using an ethnographic
approach, we sought to understand the personal process of artisans within the ceramic
universe and the different uses of the iconography of these objects in both Pará and
Amapá. The result of this study aims to problematize about a new narrative of what was
already known from the trajectory of contemporary ceramic making in the Amazon,
focusing on Maracá culture; because it analyzed how some archaeological references
have been used and reframed over the years; and what is the role of the archaeologist
within this event.
Keywords: Culture Maracá; Contemporary Ceramics; Amazonian Archeology;
Archaeological Tourism.

xv
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 19
CAPÍTULO I
Contexto Histórico .................................................................................................... 24
1.1. As Expedições Arqueológicas do Museu Goeldi............................................. 25
1.2. O Uso da Cerâmica Arqueológica como referência no Artesanato ................ 36
CAPÍTULO II
Diferentes Realidades dentro da Amazônia ............................................................. 47
2.1. Coleta de Dados ............................................................................................... 48
2.1.1. Trabalho de Campo ............................................................................. 52
2.1.2. Etnografia Virtual................................................................................ 82
CAPÍTULO III
Refletindo através do Olhar da Arqueologia Contemporânea ................................ 87
1. A (nova) Narrativa do Artesanato – Por trás da Argila ................................. 90
2. Réplicas ........................................................................................................ 96
2.1.Praça da Secretaria de Turismo do Estado (SETUR) ........................ 106
3. Novas Formas de Criação ou Ressignificação ............................................. 108
3.1.Flor da Amazônia e outras ressignificações ........................................ 111
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 125
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 128
APÊNDICES ........................................................................................................... 139

xvi
INTRODUÇÃO

As culturas arqueológicas da região amazônica possuem suas peculiaridades, que


vão além das diferentes origens étnicas, mas também a localização, motivos pintados e
decorações plásticas (Xavier, 2000; Melo 2013; Melo, Azulai e Sales, 2013; Shaan, 2006;
Carneiro, 2018; Godoy, 2019; Barreto, 2008). Porém, todas elas estão inseridas dentro de
uma espetacularização do exótico, do belo como artefato (Linhares, 2016). Na capital do
Estado do Pará, há uma grande confecção de cerâmicas, baseadas em características chave
de algumas culturas indígenas. Na comunidade do bairro do Paracuri (Icoaraci, Belém)
existe um dos principais polos oleiros/ceramista da Região Norte, localidade conhecida
principalmente por produzir cerâmicas com influência das culturas arqueológicas do Pará,
onde se destacam as culturas: Marajoara, Tapajônica, Maracá, dentre outras não tão
representativas (Melo, 2012).

As cerâmicas arqueológicas mais reproduzidas são as das culturas Marajoaras,


Tapajônicas e Maracá1. Alguns exemplares de artefatos arqueológicos dessas culturas
estão salvaguardadas no Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), através de várias
escavações arqueológicas durante a existência do Museu. A representação dessa estética
do passado se legitimou com a atuação do Mestre Raimundo Cardoso, considerado o
primeiro ceramista que deslumbrou o potencial da coleção arqueológica do Museu.

Para Denise Schaan (2006, p. 20), “essa identidade remota conferida ao produto
contemporâneo vem dessa maneira ‘agregar valor’ ao objeto comercial, dentro da lógica
capitalista”, pois na década de 70, com Mestre Cardoso se iniciou uma grande confecção
de produtos cerâmicos, inspirados nos motivos indígenas dos objetos arqueológicos. A
produção e comércio desses produtos vêm crescendo e as diferentes culturas delas vêm
se fundindo.

Dentre as coleções existentes no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), estão as


urnas Maracás (Figura 1) que foram encontradas pelo naturalista Domingos Ferreira
Penna, quando explorava a região sudeste do atual Estado do Amapá, a partir de 1871.
Essas urnas funerárias, apesar de serem provenientes do Estado do Amapá, possuem
grande representação na identidade paraense, estando presentes em diversos contextos na

1
É importante ressaltar que não possuo dados específicos para afirmar que a representatividade de
determinada cultura arqueológica aparece mais vezes que outras. Falo isso pelo fato do discurso aplicado
da população (moradores, turistas, artesões) de se referir aos produtos de artesanato cerâmico como
“Marajoara” (Linhares, 2015), então me aproprio da ideia do que eles presumiram ser maior representado.
19
cidade de Belém. Por isso essa pesquisa trata especificamente do trabalho que os artesãos
estabelecem a partir dessas peças, além da função lucrativas que esses objetos venham a
ter.

Figura 1: Urnas funerárias da cultura Maracá, representação antropoforma e zoomorfa, respectivamente.


Fonte: Site do Museu Nacional.
Durante minha graduação em Museologia (2012-2016) pela Universidade Federal
do Pará (UFPA), estive em contato com a Arqueologia de várias maneiras.
Primeiramente, em 2012, através do evento “Caminhos da Arqueologia”, promovido até
hoje pela Pós-Graduação em Antropologia na qual estou inserida atualmente como
mestranda, também na UFPA; em 2013 ingressei como bolsista do Programa Institucional
de Bolsas de Extensão (PIBEX)2 em um projeto que consistia em levantar dados sobre a
relação entre Ciência e Arte através das narrativas da família Cardoso, um grupo familiar
que possui um ateliê de cerâmica no distrito de Icoaraci.

Nesse processo fui incluída no mundo da Arqueologia Contemporânea mesmo


sem estar aprofundada nesse tema naquela época3. Fui apresentada para muitos dos
artesãos e artesãs que compõe o meu quadro de interlocutores – na época e atualmente –
observando e elencando dados sobre a relação dos oleiros com a Arqueologia. Assim, me
era incumbido, como bolsista, realizar algumas atividades com a comunidade artesã:
palestras, minicursos, workshops, entre outros. Vale ressaltar que o coordenador dessa
pesquisa era museólogo de formação que “flertava” com a Arqueologia, assim como eu,

2
Pesquisa de Extensão intitulada “Memória, Ciência e Arte: narrativas e representações das cerâmicas
arqueológicas na manufatura de Icoaraci”.
3
Iniciado durante o 3º semestre do curso de Bacharel em Museologia na Universidade Federal do Pará.
20
e tínhamos apenas um colaborador arqueólogo que nos dava algumas consultorias se
tratando de termos técnicos.

Ao longo das pesquisas bibliográficas para as produções (relatórios, resumo


expandido, oficinas, minicursos, etc), me chamou a atenção o fato de não haver uma vasta
literatura sobre a cultura Maracá, como há sobre a cultura Marajoara ou Tapajônica. Me
questionava do porquê a cultura Maracá estar representada nos principais pontos de
vendas, espaços expositivos e praças entre elas: Mercado Ver-O-Peso4, Feira de
Artesanato do Paracuri, Praça da Secretaria de Turismo do Estado, e até mesmo em uma
sala de exposição do Museu de Arte de Belém (MABE). E essas peças, na maioria das
ocasiões não estão como produto comercial, mas como uma espécie de monumento.
Assim, durante as palestras e minicursos alguns artesãos perguntavam detalhes
iconográficos e geográficos, principalmente por saberem que se tratava de urnas
funerárias e por serem advindas de outro Estado.

Tendo como uma das atividades do Projeto de Extensão, ministrar minicursos aos
artesãos, se fez necessário um estudo aprofundado sobre iconografia arqueológica na
Amazônia, especificamente as mais utilizadas nas reproduções contemporâneas. Porém,
como recém aluna de graduação, minha pesquisa sobre iconografias arqueológicas era
um tanto quanto limitada à cultura Marajoara, pois, tendo em vista que estava adentrando
este universo naquele momento, as percepções que tinha eram a mesma de uma pessoa
leiga. Mesmo depois de uma vasta pesquisa, a literatura referente à cultura Maracá era –
e ainda é – pouco quando se comparada às outras naquele contexto.

Essa inquietude permaneceu comigo até me tornar bolsista de iniciação científica 5


no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), onde atuei dentro do Laboratório de
Arqueologia e na Reserva Técnica de Arqueologia Mário Simões, especificamente com
uma coleção de urnas antropomorfas e zoomorfas da cultura Maracá. O objetivo do
projeto era de realizar a análise iconográfica complementar das urnas funerárias
antropomorfas e zoomorfas da cultura Maracá, da coleção AP-MZ-27: Gruta do Pocinho,

4
O Mercado Ver-o-Peso é um mercado público inaugurada em 1625, pertencente ao Complexo do Ver-o-
Peso, situado em Belém do Pará, localizado na Avenida Boulevard Castilhos França, no bairro da Campina,
às margens da baía do Guajará. Além de ser um dos mercados públicos mais antigos do país, é o maior
ponto turístico, cultural e econômico da cidade de Belém, formado pelo Mercado de Ferro, Praça do
Pescador, Doca das Embarcações, Pedra do Peixe e, Feira Livre – considerado a maior feira ao ar livre da
América Latina – que abastece a cidade com variados tipos de gêneros alimentícios e ervas medicinais,
vindos das ilhas circunvizinhas à capital e dos municípios do interior, fornecidos por via fluvial.
5
Pesquisa de Iniciação Científica intitulada “Análise das Representações Plásticas e Pintadas das Urnas 21
Antropomorfas e Zoomorfas da Coleção AP-MZ-27: Gruta do Pocinho”
continuação da análise iconográfica qualitativa realizada por Barbosa (2011). A pesquisa
teve como objetivo identificar padrões iconográficos e observar sua recorrência e
distribuição nas peças.

Dado esse pequeno resumo da minha trajetória acadêmica como museóloga em


formação, na época, me deparei com a necessidade de trazer esse conjunto de questões à
tona. Em detrimento da minha escolha de objeto de estudo, coube à minha pesquisa a
“missão” de investigar os caminhos que as referências arqueológicas, usadas pelos
artesões, tiveram dentro desse universo contemporâneo e com demandas capitalistas.

O objetivo central dessa pesquisa trata-se de tentar entender como a apropriação


de identidade da cultura Maracá se propagou em Belém e em Macapá/Mazagão, e como
o processo do uso da imagem iconográfica dessas urnas se deu nessas localidades. Além
de investigar a intenção desse discurso de pertencimento, percebendo os benefícios (ou
não) que essa representação pode trazer ao território e população belenense,
principalmente se tratando de Turismo Cultural e Arqueológico. Para tal, essa pesquisa
se deu em três localidades distintas, do Norte do país: Belém (capital do Estado do Pará)
e Macapá (capital do Amapá) e Mazagão (município do Estado do Amapá).

Assim, essa dissertação fora dividida em três capítulos, sendo o primeiro capítulo
intitulado “Contexto Histórico” onde, como o título já sugere, é contextualizado
historicamente, alguns dos fatores cruciais para o cenário atual que envolve a reprodução
de cerâmica contemporânea inspirada nos achados arqueológicos. Com isso, é abordado
as primeiras expedições arqueológicas à região do Maracá, trazendo uma grande
quantidade de peças arqueológicas a serem salvaguardadas no Museu Goeldi. Quase um
século depois houveram outras pesquisas que tiveram como um dos resultados o
mapeamento de mais sítios na região, e por fim, como se deu as manifestações artesanais
com referências arqueológicas em Belém e em Macapá, no decorrer dos anos.

O segundo capítulo “Diferentes Realidades dentro da Amazônia” é onde o leitor


poderá perceber como a pesquisa fora traçada, em termos de métodos científicos e ao
mesmo tempo sendo introduzido aos “personagens”6 dessa narrativa. A construção desse
capítulo se deu de forma não linear, já que os acontecimentos, encontros e conversas
foram “indo e voltando” conforme a necessidade de reajustes, informações cruzadas, e

6
Faço uso da palavra “personagem” me referindo aos principais interlocutores que tornaram essa pesquisa
possível.

22
até mesmo algumas dificuldades de campo, que qualquer pesquisador está suscetível a
vivenciar.

Por fim, o terceiro capítulo que se chama “Refletindo através do olhar da


Arqueologia Contemporânea”, é o momento da dissertação que os dados e
acontecimentos que foram relatados no capítulo anterior, serão discutidos baseados em
conceitos da Arqueologia Contemporânea. Esse novo modo de debater a Arqueologia foi
considerado pois abarca diversas categorias que marcaram a dinâmica dessa pesquisa,
principalmente ao se deparar com determinados conflitos quase que inevitáveis.

23
CAPÍTULO I

Contexto Histórico

Nesse capítulo será exposto a historicidade dos acontecimentos envolvendo tanto


a cultura material arqueológica, quanto as contemporâneas que foram criadas com base
nos objetos pré-coloniais. Com isso, será descrito a trajetória desses objetos a partir das
escavações que originaram as coleções expográficas e as que residem em reservas
técnicas. Ainda para além das relações museais, já em um contexto turístico-comercial,
entender como a representação da cultura Maracá se consolidou em espaços de não-
origem, como Belém e adjacências.

Assim será possível entender o porquê de algumas cidades estarem


contextualizadas nesta dissertação e outras não. Por exemplo, cidades que compõem a
Ilha do Marajó, no Pará, possuem um grande aspecto de representações e identidade
através da cultura material proveniente da região. Porém, o foco do estudo deste trabalho
– a grosso modo – são, especificamente, as peças da cultura Maracá, consequentemente
irei concentrar as abordagens e análises dessas em localidades em que a prática de
confecção de cerâmica seja parcial ou majoritariamente inspirada nas peças arqueológicas
em questão.

Vale ressaltar que comumente os artesãos denominam o produto final de cerâmica


ou, simplesmente de peça. Entretanto, a que se discutir os diferentes termos que os objetos
são chamados Pearce Apud Lima (2003) diz:

O termo objeto é empregado ordinariamente e no discurso intelectual. Cultura


material é usado como um substantivo coletivo. Artefato denota feito com arte,
com habilidade, e bens é um termo de conotação mais econômica. Os termos
têm implicações conforme o significado do uso e o contexto. Essas aplicações
de termos envolvem o processo de criação dos significados para o objeto, cujos
diferentes termos para designa-lo implicam os valores sociais criados pelas
sociedades que possuem os objetos. Dessa forma, a própria denominação
desses elementos materiais já pressupõe um sentido elaborado no interior do
museu através de seus membros. O objeto, passando por diferentes ambientes,
adquire denominações diversas, cujo significado difere daquele que prevalece
no contexto de seus produtores.
Sendo assim, é válida a incursão deste autor a fim de discutir os objetos a partir
de sua inserção social nos modos de vida de quem os produz, implicando considerá-los
como produto e processo. Assim para Leite (2003, p. 04):

Essa dupla caracterização nos indica que devemos pensar o produto artesanal
não apenas em sua forma final, mas igualmente como um processo que
ultrapassa a mera produção de mercadorias. Esse processo artesanal implicaria,
assim, no âmbito das relações entre produto e produtor.

24
Podemos iniciar relatando onde tudo começou: as expedições arqueológicas do
Museu Paraense Emílio, que tiveram grande importância no uso da estética arqueológica
como recurso decorativo, buscando suporte em ideias de ancestralidade e pertencimento
(Schaan, 2012). Na medida em que os estudos arqueológicos foram sendo divulgados a
arte feita por grupos pré-coloniais ganhava visibilidade. Sendo assim, cabe explanar como
se deu essas expedições, e como elas influenciaram o cenário de artesanato atualmente.

1.1.As Expedições Arqueológicas do Museu Goeldi7

O Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) é uma instituição de referência


nacional e internacional, se tratando de suas pesquisas científicas. Atuando em diversas
áreas, o Museu se especializou nas ciências que envolvem o meio Amazônico, tanto
físico, natural e humanístico. O estudo das ciências humanas (antropologia, arqueologia
e linguística), desenvolve, além das pesquisas, métodos de conservação e preservação dos
diversos acervos que o Museu salvaguarda. (Paiva, 2014). Ainda como Museu Paraense,
a instituição contava com duas coleções cerâmicas que foram de suma importância para
o processo de “embelezamento” e “enobrecimento” da Nação: as cerâmicas marajoaras
(Pará) representando a grande civilização do passado brasileiro e as cerâmicas do Maracá
(Amapá).

As urnas coletadas por Ferreira Penna quando explorava a região sudeste do atual
Estado do Amapá, a partir de 1872, foram levadas ao Museu (Penna, 1877) e fizeram
parte da etapa inicial da concretização do MPEG como instituição museológica e, já no
século XX, elas foram retomadas por meio de projetos de salvaguarda e pesquisa por
profissionais de Arqueologia (Guapindaia; Machado, 1997; Guapindaia, 2001). As urnas
funerárias coletadas através destas expedições, as quais são confeccionadas em cerâmica,
possuem elementos de representação humana (antropomorfa), animal (zoomorfa) ou
tubular, conforme é ilustrado na Figura 2, sendo que a maioria dos vestígios encontrados
se remetem a primeira forma.

7
Esporadicamente estarei usando diferentes nomes ao tratar sobre a instituição Museu Paraense Emílio
Goeldi, devido ao hábito de denominá-lo de diferentes maneiras.

25
Figura 2: Urnas Maracá, dos tipos: antropomorfa, zoomorfa e tubular (Prancha Goeldi, 1905, apud Barbosa,
2011).
As urnas funerárias antropomorfas da cultura Maracá são em cerâmica,
constituídas por um corpo em formato cilíndrico sentadas em um banco, cabeça (tampa)
e membros superiores e inferiores, possuindo representações anatômicas humanas
estilizadas, incluindo características de gênero (feminino ou masculino) correspondentes
aos ossos depositados em seu interior (Barbosa, 2011; Guapindaia, 2008). A maioria –
pode apresentar, além de motivos pintados, ornamentações corporais em barro modelado:
coifas ou coques (decorações da tampa), braceletes, pulseiras, cintos ou uluri (decoração
de cintura) e tornozeleiras.

A cabeça possui representações de olhos, sobrancelhas, nariz e boca, com o


contorno do rosto delimitado por um rolete e decoração em sua parte superior. O corpo
possui clavícula, mamilos, umbigo, escápulas, pélvis, coluna e órgão sexual. Os membros
apresentam epífises distais, mãos e pés com dedos. O banco possui assento, geralmente,
retangular com pernas no mesmo formato, e decoração em suas laterais (de um lado uma
cabeça e de outro uma cauda).

Contêm pinturas em formatos geométricos correlacionados nas regiões da cabeça


e do corpo, cuja assimetria pode ser observada em diferentes regiões do corpo, ou seja,
um determinado elemento não necessariamente se repete na urna, apresentando
distribuição irregular. As urnas zoomorfas são, no geral, representações de animais
quadrúpedes, como o jabuti, e são compostas por cabeça, tampa, – essas não encontradas
na coleção estudada que será apresentada mais adiante –, porém furos em volta da fenda

26
na parte superior das urnas indicam que houve a confecção das mesmas – corpo, cauda,
banco e membros.

Figura 3: Desenho demonstrativo dos elementos plásticos que compõe uma urna antropomorfa Maracá.
Desenho: Carlos Barbosa, 2011.
Os elementos decorativos das urnas analisadas por Carlos Barbosa (2011)
representam o aspecto simbólico do grupo Maracá, pois apresentam ornamentações
decorativas especificas para cada sexo e outras que se encontra em ambos. Além do que,
apesar de existir aparentemente uma regra quanto à ordem de aplicação das
ornamentações nas peças, elas podem não ocorrer ou variar quanto ao motivo, o que leva
a pensar na existência de uma representação dos emblemas coletivos e particulares dos
indivíduos sepultados nas urnas (Paiva, 2014).

No Amapá, mais precisamente na área de influência da bacia do Igarapé do Lago


(Figura 4), apresentaram diversos vestígios da existência da cultura pré-colonial Maracá,
principalmente as urnas fabricadas para a realização de práticas ritualísticas funerárias.
Estas são encontradas dispostas na superfície de grutas e abrigos, reconhecidos como
cemitérios de sepultamentos secundários localizados nessa região (Guapindaia; Souza;
Carvalho, 2001).

27
Figura 4: Mapa sinalizando a região de concentração das grutas, na área de influência do Igarapé do Lago,
em Mazagão, Estado do Amapá. Confecção do mapa: Mayara Mariano, 2019.
Desde seus primeiros momentos o MPEG já estava preocupado em coletar e
conhecer os diferentes vestígios deixados pelos povos antepassados da região amazônica.
Entre seus objetivos estava coletar o máximo de peças Etnográficas e Arqueológicas para
compor um acervo relacionado à identidade amazônica, procurando preservar e estudar
os objetos provenientes da região. A instituição, criada a partir da Associação Filomática,

28
visava a criação de um polo científico de história natural e do homem na Amazônia, claros
nas palavras de Ferreira Penna:

[...] apareceu aqui a ideia de formar-se uma associação destinada a criar e


fundar na capital um museu – no qual pouco a pouco se reunisse os numerosos
produtos antigos e modernos da indústria dos índios aproveitando-se ao mesmo
tempo toda a sorte de objetos de História Natural que se pudesse obter. (Penna,
1894, p. 28).
Com a doação de uma urna Maracá ao Museu, feita pelo Sr. Francisco da Silva
Castro, o naturalista Ferreira Penna ficou bastante interessado pela Arqueologia Maracá,
por ter tantas características humanas. Então, organizou uma expedição ao rio Maracá,
em 1872, localizado no sudeste do atual Estado do Amapá, onde encontrou diversos sítios
arqueológicos. Porém o que estava dentro das grutas foi o que mais chamou sua atenção:
inúmeras urnas funerárias antropomorfas depositadas em superfície.

Denominou-as de ‘igaçabas de barro tubulares’ (Barbosa, 2011). Porém, coletou


apenas as que apresentavam boa integridade (Paiva, 2014). Ainda em 1872, houve outra
expedição onde Ferreira Penna encontrou mais urnas, essas, porém bastante danificadas
por ação biológica e de movimentação animal. Todavia, por apresentarem “aspectos
singulares” em suas formas e por conterem ossos humanos, os recipientes funerários
foram de grande interesse para os objetivos do então diretor do Museu Paraense (Barbosa,
1992).

No final do século XIX e início do XX, o Museu se consolidou como instituição


científica, estando sob a direção do zoólogo e naturalista suíço Emil August Goeldi, o
qual reorganizou e promoveu a catalogação das coleções pertencentes à instituição, de
acordo com padrões europeus. Com o amplo auxílio financeiro ofertado pelo então
governador Lauro Sodré, Goeldi incentivou e realizou expedições científicas na
Amazônia (Barbosa, 2011; Paiva, 2014). Com a ajuda dos dados coletados por Ferreira
Penna nas expedições anteriores, Goeldi realizou uma expedição ao rio Maracá, em 1896,
com o objetivo de arrecadar mais objetos para a coleção do Museu. Segundo Barbosa
(2011), após a expedição à Guiana Brasileira (atual Estado do Amapá) Emil Goeldi
pretendia publicar um trabalho sobre as urnas Maracá, entretanto, não chegou a fazê-lo.

Neste período foram produzidos documentos com descrições detalhadas dos


locais visitados, incluindo desenhos e mapas, feitos por Lima Guedes. Isto demonstra que
já naquele momento a preocupação com a sistematização dos dados e com o contexto de

29
localização dos sítios, atribuindo grande prestígio à coleção Maracá como uma das mais
completas do Museu Paraense na época.

Em sua pesquisa sobre as expedições de Emílio Goeldi ao território hoje


conhecido como Estado do Amapá, no fim do século XIX, Josiane Melo (2017), afirma
que além da coleção de produtos naturais, cuja gênese reside nas discussões econômicas
da época, o Museu Paraense também reuniu, logo em seus primeiros anos, objetos
arqueológicos e etnográficos. Dentro desse contexto de grandes expedições e arranjos de
acervos arqueológicos que as coleções provenientes da Amazônia passam a ter uma
grande visibilidade científica ao redor do mundo. Na região do Amapá (Figura 05) foram
identificados pelo menos cinco complexos cerâmicos e estão distribuídos pelas costas
atlântica e estuarina e nas terras altas do interior. Atualmente, com as novas pesquisas
arqueológicas, as culturas arqueológicas se mostram ainda maiores: Aristé, Caviana,
Koriabo, Maracá e Mazagão (Saldanha e Cabral, 2010).

30
Figura 5: Alguns dos lugares percorridos por Domingos Soares Ferreira Penna nas comarcas de Gurupá e
Macapá.
As cerâmicas do Cunani (Figura 06) são atualmente nomeadas como sendo da fase
Aristé, mas, por uma precisão histórica, nesta dissertação serão tratadas como cerâmicas
Cunani. Essa cultura arqueológica tem sua principal caracterização “por um tipo
específico de cerâmica, com incisões. Pinturas policrômicas e modelagem antropomorfa”
(Saldanha e Cabral, 2016). A cronologia dessa fase vai de IV até o século XVI D.C, tem
início no Oiapoque na metade do primeiro milênio depois de Cristo. As cerâmicas do
Maracá pertencem à fase de mesmo nome, denominadas por Mário Simões em 1927
(Sales e Barbosa, 2015).

31
Figura 6: Estampa I, “Ceramica de Indios extinctos no Counaný (Guyana brasileira)”. Litografia de Ernst
Lohse. Reproduzido de Goeldi, 1900, apud Josiane Melo, 2017.
Dentro da prática metodológica do histórico-culturalismo era comum a
classificação das cerâmicas por tradições, segundo seu estilo de decoração e depois é
subdivida em fases cerâmicas conforme o seu contexto arqueológico e região encontrada
(Shaan, 2001). Além da grande influência nacionalista que esta prática evidencia
especificamente se tratando das expedições arqueológicas ao antigo território da Guiana
Brasileira, atual Amapá, realizadas por Emílio Goeldi no fim do século XIX, segundo
Josiane Melo (2018, p. 167-168):

[...] o debate que interessava a Goeldi, relacionados, sobretudo, às práticas


características dos museus de história natural, como o inventário e a

32
classificação do mundo natural e das sociedades indígenas, à construção de
uma identidade nacional e à caracterização da diversidade étnica no Brasil,
aspecto este vinculado à etnologia alemã e não aos estudos raciais e darwinistas
de matriz francesa e inglesa. [...] Outro ponto relacionado ao processo de
musealização das cerâmicas Cunani e Maracá esteve ligado aos interesses do
Estado no que tange à exploração do território e ao controle das fronteiras,
como vimos no caso da disputa territorial com a França pela posse de uma
extensa área no atual estado do Amapá, que motivou a primeira expedição.
Desse modo, seria impossível falar de arqueologia sem entender seus campos
de agência científica e política, pois, a ciência arqueológica entre os séculos
XIX e XX respaldou o Estado a manter seus privilégios territoriais e seus
domínios políticos.
Ainda segundo Melo (2018) é necessário notar que as cerâmicas provenientes do
Amapá fizeram parte do cenário arqueológico nacional, tanto quanto as cerâmicas
marajoaras. As cerâmicas Cunani e Maracá também se firmaram enquanto material
arqueológico estimado para os debates sobre região e nação no Brasil. Existiu um
“princípio estético” que orientou Goeldi desde as leituras feitas sobre as cavernas até a
análise das cerâmicas e, posteriormente, a produção das estampas (Melo, 2017). A
representação das cerâmicas não obedecia apenas a uma necessidade científica, mas
também a uma vontade de representar o belo. Goeldi, portanto, “imbuiu-se de uma
concepção de Arqueologia comum em sua quadra histórica: a Arqueologia como
tributária da História da Arte.” (Ferreira, 2010, p. 114).

Segundo Carla Santos (2017), o município de Macapá se originou de um povoado


missionário, que depois foi transformado em destacamento militar, localizado no lugar da
antiga Fortaleza de Santo Antônio. Depois foi passado à categoria de vila de São José de
Macapá em 1758, pois era indispensável a institucionalização de um núcleo político-
administrativo nas fronteiras do Cabo Norte. Com a criação do Território Federal do
Amapá em 19438, a sede administrativa passou do município de Amapá para Macapá.

Desde então, o município de Macapá foi destino de muitos grupos migratórios,


tendo em vista as oportunidades de trabalho e moradia que um novo Estado criado pode
oferecer. Em sua dissertação de mestrado, Leal (2009) aborda uma discussão alegando
que apesar de se ter sido estabelecido mudanças políticos-administrativas, ainda assim foi
substancial uma consolidação identitária, já que “não havia uma homogeneidade na
origem populacional e identificação local.” (Leal, 2009, apud Santos, 2017) O que
justifica o uso demasiado da iconografia arqueológica de peças Maracá e Cunani (culturas

8
Decreto-Lei Nº 5.812, de 13 de Setembro de 1943.

33
chaves do Estado do Amapá) como símbolos que pudessem provocar esse sentimento de
pertencimento na população da região.

As Coleções Atuais

A partir da década de 1960, as pesquisas arqueológicas conduzidas pelo Museu


Goeldi já tinham um caráter sistemático, onde o objetivo da investigação não era
simplesmente a formação coleções, mas responder questões científicas relacionadas às
culturas pré-históricas amazônicas nos seus diferentes aspectos. De maneira que, a partir
dos trabalhos pioneiros dos fundadores do Museu Goeldi sobre Maracá e de outros
pesquisadores, a região foi descrita e revisitada e as urnas encontradas foram
detalhadamente estudadas. As informações sobre Maracá, até esse momento estavam
limitadas a coleções de urnas funerárias formadas sem uma preocupação sistemática
contextual. Todos os dados disponíveis sobre os aspectos técnicos, morfológicos,
iconográficos e funerários estavam relacionados às análises descritivas.

Novas coleções de Maracá foram formadas entre os anos de 1995 e 2002, quando
a arqueóloga Vera Guapindaia desenvolveu pesquisas de caráter sistemático através do
projeto “Estudos Arqueológicos na região do Igarapé do Lago, rio Maracá, Estado do
Amapá” com o objetivo de investigar o período pré-colonial daquela região (Guapindaia;
Machado, 1997; Guapindaia, 2001). Nesse momento, o objetivo da investigação não era
simplesmente a formação de coleções, mas responder questões científicas relacionadas à
cultura Maracá em seus diferentes aspectos. No desenvolvimento das pesquisas foram
localizados 17 sítios arqueológicos na região de Maracá, sendo que três sítios habitação
e 14 sítios cemitério (Barbosa, 2011).

Sendo assim, percebe-se que os artefatos presentes no Museu Paraense foram


adquiridos em duas épocas distintas referentes ao início da pesquisa arqueológica na
Amazônia e o desenvolvimento científico no MPEG, além de fazer parte do período de
estruturação primordial desta instituição como Museu, formando assim, coleções que
refletem interesses ideológicos e científicos diferentes. No primeiro momento, mais
precisamente ainda no século XIX, as coleções eram formadas de maneiras
descontextualizadas, onde era fundamental a integridade física do objeto, a sua estética.
No segundo momento, já no século XX, foram inicializados os trabalhos arqueológicos
sistemáticos, com enfoque nas pesquisas científicas (Barbosa, 2011). Ainda segundo
Barbosa (2011), essa mudança de perspectiva do MPEG foi essencial para as pesquisas
sobre a cultura Maracá, pois:

34
No século XIX e no começo do século XX, as discussões sobre as origens da
ocupação humana na Amazônia tiveram grande repercussão ganhando
contornos nacionais e internacionais. É nesse contexto que a pesquisa sobre as
urnas Maracá toma impulso. Assim, a partir da segunda metade do século XIX
surgem os primeiros artigos sobre o assunto; o material contido nas urnas
(ossos) foi submetido a análises específicas; a região e os locais dos achados
foram descritos e revisitados e as urnas encontradas foram detalhadamente
descritas (Barbosa, 2011, p. 11).
As pesquisas de Guapindaia (2000, 2001, 2008), apresentaram um quadro mais
amplo das características ambientais da região onde se encontram os sítios e descrição do
padrão funerário da cultura Maracá. Desde que as primeiras coleções Maracá foram
formadas, as iconografias das urnas chamam a atenção pela forma das figuras
representadas e a riqueza de detalhes decorativos plásticos e pintados na superfície das
peças. No entanto o tema iconográfico só foi abordado sistematicamente a partir do estudo
de uma das coleções formadas por Guapindaia, a coleção Gruta das Caretas (Guapindaia;
Machado, 1997; Guapindaia, 2001).

De 1997 a 2001 as pesquisas em Maracá passaram a ser coordenadas por Vera


Guapindaia, também do Museu Goeldi, que com base nas novas informações sobre a
região do Igarapé do Lago elaborou outro projeto, “Estudos Arqueológicos no Amapá:
Resgate da Pré-Historia da Região do Rio Maracá – Igarapé do Lago”. Esse projeto
tinha como objetivo realizar novas prospecções, escavar o sítio aberto e resgatar de forma
sistemática os objetos dos sítios-cemitério (Guapindaia, 1999, 2000).

Muitos artesãos e/ou artistas plásticos de Macapá participaram das escavações


coordenadas por Vera Guapindaia, algumas vezes como auxiliares de campo9, outras
como restauradores pra que algumas peças fossem coletadas com a maior integridade
física possível10. Todo o material coletado foi transportado para o Museu Joaquim
Caetano na capital amapaense, onde ficaram salvaguardadas durante alguns meses.

Porém, a estrutura física do prédio não estava preparada para acondicionar de


maneira adequada11 a grande quantidade de urnas e fragmentos de cerâmica coletados,

9
Por vezes em um projeto de salvamento arqueológico, são designados trabalhadores locais ou do entorno
de onde fica o sítio em questão, como auxiliares de campo colaborando com a escavação. Atualmente, há
uma discussão mais profunda sobre a participação, ou mais ainda, a colaboração de pessoas não arqueólogas
nas escavações (Heckenberger, 2008; Green, Green e Neves, 2009; Silva, et al., 2011; Bezerra, 2012;
Cabral, 2014; Silva e Garcia,2015; Silva, 2015; Haber e Shepherd, 2016)
10
Informação cedida durante a entrevista com o artista plástico e restaurador do Museu do Estado Joaquim
Caetano, Ernanes Melo, em 17 de Novembro de 2019.
11
Segundo Evanise Pascoa Costa (2006, p. 46): “A conservação das peças do acervo de um museu
pressupõe sua guarda, transporte e exposição em condições adequadas. Só assim estará garantida a 35
integridade desses objetos. Para tanto, é necessário considerar: qualidade da atmosfera, presença de insetos,
microorganismos, umidade relativa, temperatura do ambiente e iluminação.”
além do prédio ter sido atingido por uma forte chuva que causou uma inundação na
reserva técnica, colocando em risco todo o material que se encontrava ali. Em 1998 o
Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN) visando manter o material
arqueológico em segurança resolveu que o material deveria ser enviado a reserva técnica
Mário Simões do Museu Paraense Emilio Goeldi em Belém.

1.2. O Uso da Cerâmica Arqueológica como referência no Artesanato

Vemos então que houve uma demanda crescente de pesquisas arqueológicas na


região amazônica durante mais de um século de história, e que a divulgação da existência
desse material – seja por publicações científicas, catálogos de Museus ou quaisquer outras
formas de divulgação – ajudou a disseminar o uso dos desenhos12 indígenas em diversos
suportes. Segundo Schaan (2012, p. 45):

as reproduções de peças arqueológicas em livros e catálogos contribuíram


decididamente para a divulgação dos acervos já existentes em museus e
coleções particulares, [...] a disponibilidade de reproduções em livros e
catálogos foi o que possibilitou a divulgação da cerâmica.
Já segundo Anna Linhares (2015), esses materiais arqueológicos – se referindo à
cultura material dos índios Marajoaras – chamaram atenção de cientistas, artistas e do
público geral por conta de sua beleza estética, técnicas de manufatura e decoração,
ganhando destaque e sendo representado de diversas formas em todo o Brasil. A autora
ainda afirma:

A partir disso (divulgação da literatura arqueológica), o índio Marajoara,


melhor dizendo, a sua representação, se tornou marca de uma identidade
brasileira representada na arte, na arquitetura, no espaço público e privado. O
marajoara fora escolhido como representação brasileira quando o Brasil
formava uma identidade nacional no século XIX, e os estudos arqueológicos
do Museu Nacional foram de suma importância para essa espetacularização e
escolha desses índios como representantes dessa identidade. (Linhares, 2018,
p. 169)
Há de se ressaltar que ambas autoras mencionadas estão refletindo sobre a hiper
valorização de material arqueológico, mas esse sendo altamente representado pela cultura
material marajoara. Claro que ocorre a menção de outras culturas materiais em seus
trabalhos, mas é evidente que a maior distribuição de conhecimento arqueológico – se
tratando do Pará – está relacionado com o que atualmente é conhecido como “cerâmica
marajoara”. Esse termo, segundo alguns autores (Amorin, 2010; Linhares, 2015; Melo e
Sales, 2013; Schaan, 2006; 2007) foi recebido pela comunidade oleira e se perpetua pela

12
O termo “desenho” aparece frequentemente nas falas dos interlocutores que entrevistei, fazendo
referência à expressão “grafismo”.

36
população quando se faz referência à qualquer cerâmica ou objeto que possua grafismo
arqueológico, vide (mais uma vez) a grande popularização e exaltação da cerâmica.

Ao contrário do que muitos imaginam a reprodução dos objetos e desenhos


marajoaras se iniciou no Rio de Janeiro, tudo porque fora organizada a Exposição
Antropológica de 1882 organizada pelo Museu Nacional. Além do próprio periódico da
Exposição que trazia uma linguagem mais acessível do que os artigos publicados na
revista Archivos do Museu Nacional. Assim, segundo Linhares (2018, p. 183):

Seja modelando esculturas, pintando telas, usando os grafismos Marajoara em


suportes diversos ou fazendo réplicas desses objetos, dezenas de artistas
usaram o símbolo dos "civilizados" indígenas do Brasil na composição de suas
obras, a exemplo de Correia Dias que, já na década de 1930 no Rio de Janeiro,
produzia réplicas da cerâmica arqueológica Marajoara bem aos moldes do que
passou a ser feito em Icoaraci na década de 1970, desmistificando a ideia
construída na imaginação popular de que essa propagação do simbolismo
indígena se deu em Icoaraci.
Em Belém, o artista Manoel de Oliveira Pastana (1888 – 1984), teve acesso à
coleções do Museu Nacional e de coleções do Pará e pintou diversas aquarelas com
representações de objetos arqueológicos. Em 1930 foi residir no Rio de Janeiro e criou
moedas com motivos amazônicos para o Tesouro Nacional, e selos postais para a Empresa
Brasileira de Correios (Braga, 1942; Schaan, 2012). A arquitetura também foi fonte de
suporte para os grafismos arqueológicos, como Schaan (2012, p. 48) descreve: “Em
Belém, se encontram casas onde há frisos com designs marajoaras feitos em argamassa
na parte superior da fachada.”

As coleções arqueológicas que estão salvaguardadas no MPEG foram primordiais


para a prática de produção de cerâmica em Belém, pois através de livros, revistas e até
mesmo exposições que ocorreram no Museu13 que mestres artesãos tiveram aproximação
com os objetos que passaram a replicar e mais tarde, transformar. A representação dessa
estética do passado se legitimou com a atuação do Mestre Raimundo Cardoso,
considerado o primeiro ceramista que deslumbrou o potencial da coleção arqueológica do
Museu, mas essa não é a única narrativa que existe sobre o início da confecção de
cerâmica contemporânea baseada em materiais arqueológicos, já que existe uma versão
que Antonio Farias Vieira ou Mestre Cabeludo, como era conhecido, iniciou a produção

13
O Parque Zoobotânico, implantado em 1895 no terreno de uma antiga rocinha, por si só constitui um
museu a céu aberto, e se caracteriza como um dos principais pontos turísticos da cidade. O principal prédio
desse Parque, a Rocinha (oficialmente, Pavilhão Domingos Soares Ferreira Penna), é o último representante
em Belém de um tipo de habitação campestre de fins do século XIX, expressão da riqueza do ciclo da
borracha na Amazônia. A Rocinha é o próprio símbolo do Museu, estando estampada em sua logomarca, e
hoje abriga exposições de curta e de longa duração. (Soares, 2014) 37
a partir de cópias de peças de livros e que Raimundo Cardoso fora na verdade, seu
discípulo.

Entretanto, a versão de que Mestre Cardoso deu o grande start ganhou mais
visibilidade pela mídia e consumidores, muito pela perfeição de seu trabalho e sua
dinâmica social. Em depoimento dado à Daglish (1996), Mestre Cardoso afirma que se
encantou pelas peças vistas em uma exposição no Museu Goeldi, pediu permissão da
instituição para ter acesso aos objetos e assim copiá-las para produção de réplicas. Assim,
Mestre Cardoso atraiu a atenção dos moradores pela reação positiva dos turistas e,
consequentemente, pelo retorno financeiro que alcançara. Hoje, Icoaraci é o maior centro
produtor e divulgador das cerâmicas indígenas amazônicas, e o bairro do Paracuri é onde
se concentram cerca de 90% destes ceramistas. (Schaan, 2007).

O distrito de Icoaraci e a sua produção de cerâmica é assunto de trabalhos


científicos há, pelo menos, 30 anos. As pesquisas decorrem sob diversas perspectivas,
que vão, além da Arqueologia, desde a historicidade dessa prática à expressão artística
dos artesãos, ou até mesmo a matemática presente na arte ceramista de Icoaraci (Santos,
2012; Carvalho, Lago, et all, 2012; Melo 2013; Morais, 2015; Xavier, 2006; Ferrete &
Mendes, 2004). Dentro da Arqueologia Amazônica, Denise Schaan (1962 – 2018) pode
ser considerada pioneira ao tratar o uso da iconografia Marajoara, em inúmeras produções
acadêmicas. Além de ser uma grande incentivadora da classe artesã, realizando parcerias
com alguns deles, e até mesmo convidando alguns artesãos para participarem de
escavações arqueológicas e trabalhos laboratoriais14, na época em que era pesquisadora
colaboradora do MPEG.

Já em Belém, entre os anos de 1968 e 1978, houve uma grande promoção da


produção artesanal de Icoaraci, num período em que se começa a divulgação em jornais
e exportação das peças artesanais para outros Estados. Nesse período algumas
contribuições das políticas públicas soaram como um incentivo para fomentar o setor, tais
como o Plano Nacional de Desenvolvimento do Artesanato (PNDA), e na esfera estadual,
órgãos como Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará (IDESP), entre
os anos de 1970 e 1973, contribuíram para organização de feiras permanentes e

14
Por meio de entrevista, o artesão Deo de Almeida, relatou que participou de escavações arqueológicas e
análises laboratoriais por intermédio da arqueóloga Denise P. Schaan, que na época atuava no MPEG.

38
temporárias para a exposição de artesanato de vários ramos e um dos destaques era o
artesanato de Icoaraci.

Para atender uma exigência de mercado e de organização, a criação da


Cooperativa dos Artesãos de Icoaraci (COARTI) foi uma das primeiras entidades a se
preocupar com as desvantagens que o grupo dos artesãos tinham nas vendas com relação
aos sujeitos que apenas comercializavam (atravessadores). A criação desta cooperativa
nasceu da necessidade de organizar a categoria, já que anteriormente, estiveram na
dependência das negociações entre órgãos públicos e atravessadores, tornando a atividade
mais lucrativa para estes que para os próprios artesãos.

O Distrito de Icoaraci, antes da década de 1960, já existia uma dinâmica da


produção de cerâmica, o qual já produzia materiais de construção civil e vasos, louças
para uso doméstico, tudo em argila. A partir da década de 1960, foi incluído acabamentos
de tracejos e cores nas peças de cerâmica, que faziam alusão à produção de cerâmica das
civilizações indígenas. Então, verifica-se com esses informes, que Icoaraci foi um
ambiente propício para a criação da “tradição artesanal”, pois ao longo do processo
histórico, foi sendo construído e divulgado a ideia que neste espaço era produzido a
tradicional cerâmica da Amazônia, como um jogo de marketing ou não, o certo é que a
forma em que Icoaraci era um grande polo de produção de cerâmica, se consolidou.

Outra hipótese para esta fama se estender, era a pretensão de os artesãos tornarem
conhecida a “tradicional” cerâmica da Amazônia, que é indígena, replicada, ou tracejada
nas peças já produzidas anterior a década de 1960 em Icoaraci, as utilitárias. De uma
forma ou de outra a partir dos dois primeiros anos de 1960, o Distrito de Icoaraci, tornou-
se um referencial de produção de cerâmica decorativa, motivo esse, que proporcionou aos
produtores de artesanato muitas exportações, principalmente na década de 1970 e assim
Icoaraci tornou-se um local de tradição artesanal, como uma referência na produção da
cerâmica.

Sendo assim podemos observar que enquanto em Belém a produção de cerâmica


com base na estética indígena15, já está inserida no histórico da cidade desde a década de
1960, em Macapá não há registros – pelo menos não oficiais – semelhante à essa
produção. Vemos que em Belém houve um “declínio” e também “auge” dessa
produtividade nos últimos 50 anos, onde o “declínio” pode ser considerado o momento

15
Barreto (2008).

39
em que os artesãos, em sua maioria, se voltaram para a confecção de um material
estilizado (Figura 7), mais híbrido, quase que substituindo pelas peças consideradas
réplicas, ou de peças mais semelhantes ao material arqueológico.

Figura 7: Peça disponível para venda na Feira de Artesanato do Paracuri. Foto: Taynara Sales, 2019.
Já no Amapá, não temos uma linha temporal conclusiva sobre a produção de
cerâmica, nem um histórico de “declínio” e “auge”. O que se tem de conhecimento é que
nos anos 1990, havia uma produção de cerâmica de itens domésticos – assim como em
Belém – e que houve uma demanda interna para que os artesãos aprendessem as técnicas
de “arte indígena”, como se fazia no Pará16. Há relatos de que muitos dos artesãos que
hoje residem em Macapá, são de origem paraense e que se mudaram para o Amapá com
a intenção de fabricar cerâmica com base indígena/arqueológica, e que viram ali
oportunidade de um grande potencial comercial, assim como tinha em Icoaraci.

Nestor García Canclini, em sua obra As culturas populares no capitalismo, afirma


que essa admiração pelo fazer manual é muito utilizada pelo turismo, inclusive como
forma de manutenção do capitalismo. Segundo o autor,

16
Segundo relatado pelo Junielson Pessoa, coordenador da Casa do Artesão, em Macapá/AP.

40
a fascinação nostálgica pelo rústico e pelo natural é uma das motivações mais
invocadas pelo turismo. Ainda que o sistema capitalista proponha a
homogeneidade urbana e o conforto tecnológico como modelo de vida, mesmo
que o seu projeto básico seja apropriar se da natureza e subordinar todas as
formas de produção à economia mercantil, esta indústria multinacional que é
o turismo necessita preservar as comunidades arcaicas como museus vivos.
(García Canclini, 1983, p. 66).
Na visão de Canclini, a produção artesanal revela se como uma necessidade do
capitalismo, o qual apoia seu desenvolvimento na possibilidade de existência de certas
manifestações populares, como festas e o próprio artesanato, por exemplo. Dessa forma,
as peças artesanais desempenham especiais funções na manutenção da lógica capitalista
na atualidade, afinal:

Nenhuma classe hegemônica pode exercer o seu poder e a sua ideologia através
de uma arbitrariedade total, unicamente de cima para baixo; ela necessita,
especialmente nas suas etapas históricas progressistas, do avanço do conjunto
da sociedade. Quer seja através de um desenvolvimento tecnológico e
econômico que integre a todos os setores sociais, incluindo as suas formas
peculiares de produção material e cultural, quer seja porque necessita melhorar
o nível educativo e de consumo das classes subalternas para expandir a
produção e o mercado, o projeto dominante inclui muito mais que a classe que
o formula. (García Canclini, 1983, p. 72)
Em seus estudos, García Canclini atenta para o fato de, na análise do artesanato,
haver a tentação de analisar o objeto de estudo somente em seu aspecto étnico ou somente
sob seu viés econômico. Se realizada dessa maneira, tal análise seria incompleta, pois tais
aspectos encontram-se relacionados, como faces de uma mesma moeda.

O papel do SEBRAE

A bibliografia oficial diz que o SEBRAE/AP, juntamente com o Governo do


Estado do Amapá, viu um potencial de uso da cerâmica arqueológica como referência,
graças a estudos que estavam sendo realizados no Estado naquela época (Leal, 2009).
Assim, visando os resultados satisfatórios que havia sido o projeto em Belém, decide-se
replicá-lo no Amapá, assim o SEBRAE teve um papel fundamental (“para mal ou para
bem”) no uso de referências arqueológicas em peças e adornos contemporâneos.

Inegavelmente a intenção do SEBRAE nesses espaços era o de padronizar os


produtos confeccionados, além de capacitar os artesãos com vários cursos e oficinas de
âmbito profissionalizante e comercial. No entanto o projeto não teve um
acompanhamento arqueológico tão presente como o que teve em Belém, houve uma
consulta básica com arqueólogos que estudam a região na época, mas o que aparenta é
que não ocorreu uma revisão final do material didático.

41
Conforme Leal (2009) explica, no Amapá o programa teve seu início no ano de
2006, e contou com várias ações conjuntas do Governo do Estado do Amapá (GEA) e
SEBRAE/AP, como uma exposição ocorrida nos meses de junho e julho de 2006 na
Fortaleza de São José de Macapá17, a exposição de peças artesanais na 43ª Expofeira
agropecuária do Amapá, oficinas ministradas aos artesãos – setor que recebeu estímulos
através de linhas de crédito –, exposições em diversos espaços públicos e privados, como
agências bancárias – Banco da Amazônia (BASA); faculdades – Serviço Educacional da
Amazônia (SEAMA) e Centro de Ensino do Amapá (CEAP); e praças – Beira Rio e
Floriano Peixoto. O SEBRAE/AP buscou ainda atuar na capacitação dos artesãos e no
estudo dos grafismos para usos nas mais diversas superfícies e técnicas.

O GEA, por sua vez, abriu linhas de crédito especiais para os microempresários
que usassem as imagens Maracá e Cunani, usando suas secretarias para promover o
programa e fazer uma propaganda maciça em meios de comunicação, pintando prédios
públicos com os grafismos, a exemplo do que aconteceu com a Casa do Artesão,
quiosques da orla, bondinho do trapiche Eliezer Levi, todos localizados na cidade de
Macapá (Leal, 2009). Essas ações fizeram parte de uma estratégia de apropriação dos
grafismos arqueológicos cujo objetivo era criar uma identidade própria para os produtos
locais, assim como disseminar uma identidade para o povo amapaense, como pode ser
visto nas propagandas e notícias vinculadas ao programa ou discursos do diretor do
SEBRAE/AP e governador do Estado.

Cunha de Castro e Correa (2012) assinalam que os principais conceitos do


programa, a sustentabilidade e a criação do “sentimento de amapalidade”, foram
superficiais, como pôde ser visto no rápido processo de descaracterização das peças com
o fim das oficinas. Os artesãos passaram não só a substituir os materiais sustentáveis por
materiais mais acessíveis e baratos, como também não assimilaram os significados dos
grafismos que incorporavam às suas peças. Neste sentido, ficou patente que as referências
às culturas Maracá e Cunani foram usadas de forma limitadas, contrariando a proposta
escrita no próprio manual que dizia não pretender o esvaziamento de significados das
culturas pré-coloniais.

A perspectiva de uma ampliação de mercado, fora sendo efetiva através de feiras


de artesanato, que propiciaram uma fundamental divulgação para esta ocorrência de

17
A Fortaleza de São José de Macapá se localiza a esquerda do rio Amazonas, na cidade de Macapá/AP.

42
produção de cerâmica, sustentada pela ideia de uma dita cultura regional. Assim, a
produção de cerâmica de Icoaraci foi sendo consolidada como uma tradição artesanal que
“imprimiu” em seus traços os ícones da cerâmica paraense.

Inicialmente, a produção de artesanato de Icoaraci consistia na confecção de


peças utilitárias. A partir da segunda metade de década de 1960 foram
evidenciados os estilos conhecidos como Marajoara e Tapajônico. Mais tarde
surge outros estilos como o Maracá e o Paracuri, resultados da necessidade de
maior atração para o mercado consumidor da década de 1980. […] Na década
de 1980 as atividades dos ceramistas eram mais conhecidas nacional e
internacionalmente e, por conseguinte, tornaram-se mais procuradas. Neste
período, as réplicas e as peças em estilo Marajoara e Tapajônico foram as mais
(re) produzidas e comercializadas. Com a intensificação do processo de
produção das peças, a preocupação com a fidelidade aos originais foi perdida.
Embora a produção de artesanato em Icoaraci fosse conhecida por turistas e
paraenses, principalmente por belemenses, as elevadas taxas inflacionárias
registradas no contexto econômico brasileiro influenciaram na diminuição da
procura por artesanato em Icoaraci, o que significou um declínio na produção
artesanal a partir da década de 1990. Souza, 2010, p. 14 - 15.
Essa parceria gerou subsídios que promoveriam o sucesso das micro e pequenas
empresas a partir de capacitação aos empresários do setor artesanal, através de diversas
oficinas, incentivando criação de diferenciais que agregassem valor – não somente
econômico – a seus produtos e ou serviços e que possibilitassem a consolidação de uma
identidade para o seu produto e ou empresa -seria o marketing Cultural (Leal, 2010).
Havia um interesse institucional em estimular, sensibilizar e promover, no setor
produtivo, não somente o sentido de pertencimento, mas principalmente de gerar
dividendos econômicos através da utilização das imagens Maracá e Cunani.

No bairro do Paracuri, em Icoaraci, existem três associações: Cooperativa dos


Artesões de Icoaraci (COARTI), Sociedade dos Amigos de Icoaraci (SOAMI), Conselho
do Artesão do Pará (COSAPA). Segundo entrevistas coletadas por Souza (2010) as
opiniões dos artesões acerca das Associações divergem. Alguns consideram que a
formalização das Associações possui apenas o papel de emitir as notas fiscais que são
exigidas para a deportação das peças para outros lugares do país e de fora; outros já
afirmam que as associações são ferramentas primordiais para a garantia dos direitos
trabalhistas, reconhecimento da profissão, emissão de carteirinhas de artesão e o
fortalecimento do trabalho coletivo.

Em 2006, através de uma Parceria Público Privado (PPP) com o Serviço de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), o governo do Amapá, sob a gestão de Waldez
Góes, iniciou um Programa intitulado “O legado das civilizações Maracá e Cunani: O
Amapá revelando sua identidade”, como parte de uma campanha institucional do governo

43
chamada: o sentimento de Amapalidade, que segundo as palavras o governador do Estado
na época, pode ser descrito como as “características peculiares ao povo ou ao modo de
ser amapaense” (Leal, 2009, p. 42). O programa teve como desdobramento a realização
de oficinas oferecidas aos artesãos, exposições das peças produzidas, eventos e até a
publicação de um livro homônimo (Figura 8).

Figura 8: Capa do livro "O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua identidade",
de 2006.
O projeto teve influências do Programa de Artesanato do Pará, desenvolvido em
1998, através da parceria entre Governo do Estado do Pará, SEBRAE/PA e Museu
Paraense Emílio Goeldi (MPEG), com o foco nas culturas Marajoara, Tapajônica e
Maracá (Barreto, 2013). O programa paraense também resultou na criação do livro “A
Arte da Terra: Resgate da Cultura Material e Iconográfica do Pará” (Figura 9) (1999),
responsável por reunir grafismos das dessas culturas arqueológicas e foi elaborado por
duas arqueólogas e uma antropóloga (Barreto, 2013).

44
Figura 9: Capa do livro "Arte da Terra: resgate da cultura material e iconográfica do Pará”.

Percebemos aqui que o SEBRAE teve sim, grande importância em todo esse
processo, principalmente se tratando da formação e capacitação dos grupos artesãos.
Lembrando que a atuação da empresa foi crucial não apenas no âmbito do fazer cerâmica,
mas também em cursos específicos de vendas e marketing. Sobretudo, é notável que essa
intervenção se deu, de certa forma, descompromissada com as referências arqueológicas,
especialmente no Amapá, onde o livro mais usado como referência dos artesãos, tem
sérios problemas de narrativa e dados errôneos, deixando uma interpretação dúbia sobre
os vestígios arqueológicos da região. Mais adiante, nessa dissertação, mostrarei alguns
exemplos de como esses desvios de informações e até mesmo a omissão de detalhes que
incorporam o objeto, podem afetar a atual narrativa de venda dos artesãos.

45
Para finalizar este capítulo, podemos concluir alguns pontos essenciais para o
histórico da “tradição cerâmica” que permeia sobre as já citadas localidades.
Primeiramente o fator identitário (que efetivamente estão presentes em ambos contextos,
porém em condições distintas pois a procura e reafirmação dessa identidade e mais do
que isso, uma relação direta com a iconografia indígena) no Amapá, como afirma Santos
(2017) partiu de um interesse Governo do Estado para com a população, ou seja, “de
dentro para fora”, afim de estabelecer uma conexão de afinidade. Já a contextualização,
a divulgação e os investimentos à níveis empreendedores da prática cerâmica no Pará
ocorreu de forma contrária, “de fora para dentro”. Pois como vimos, o desejo de
representar e replicar artigos arqueológicos, se deu a partir da procura de artesãos,
liderados por um Mestre e seguido por uma classe que se organizou e buscou se aprimorar
no ofício, e assim, o Governo do Estado do Pará percebeu que ali havia um potencial
recurso de divulgação turística e se apropriou desta narrativa para “vender” a região.

Certamente esse assunto deve ser tratado com mais profundidade e complexidade,
ainda visto que durante esta pesquisa foram descobertos alguns fatores que ainda não
foram explanados na já conhecida narrativa sobre o artesanato cerâmico da região. No
entanto, a intenção deste capítulo é a de trazer ao leitor a contextualização histórica das
práticas de artesanato cerâmico, focando especificamente na construção de acervos da
cultura Maracá e as relações identitárias que elas causaram ao longo dos anos de
expedições, escavações, pesquisas, exposições museais e finalmente seu valor
mercadológico. As reflexões mais profundas que esse tema traz, serão melhores
trabalhadas durante os capítulos seguintes.

46
CAPÍTULO II

Diferentes Realidades dentro da Amazônia

Este capítulo condiz com a necessidade de mostrar como essa pesquisa fora
realizada, ou seja, sua metodologia. Bem como, as diferenças locais sobre o processo de
confecção de cerâmica contemporânea, com uso de referências da cultura Maracá, já que
a pesquisa se deu em lugares distintos. Inicialmente, estávamos voltados para a
representação da cultura Maracá apenas em Belém em pontos específicos: comerciais,
museais, espaços públicos (praças) e expositivos. A necessidade dessa sondagem surgiu
na metade do primeiro ano da pesquisa, no momento de debates em sala de aula, com
algumas indagações: como essa representação ocorre no Amapá? Em que pontos os
processos se aproximam e se distanciam? Existem olarias, associações? Mais ainda:
existe uma identidade cultural18, uma tradição inventada19, como em Belém?

Além disso, a busca por dados para esta pesquisa não se deu apenas com trabalho
de campo – como poderão acompanhar mais adiante no texto – já que outras fontes foram
consultadas e algumas técnicas de pesquisa que são de uso comum na Antropologia foram
aplicados, como fotografia, entrevista, observação e uma mini Etnografia20. Além das
formas mais recorrentes de se conseguir dados para a pesquisa, usei de uma ferramenta
bastante frequente no dia a dia de qualquer pessoa e, considero que, crucial para um
pesquisador: a Internet21. Assim, pude averiguar e perceber pequenas relações do público
(turistas e moradores) não só com as peças – sejam elas comerciais ou não – mas também
com o que elas podem representar.

18
Sobre essa consolidação, Eric Hobsbawn (1997) analisa que quando há ambiente favorável a tradição
torna-se uma permanência, criando-se uma “identidade cultural”.
19
Utilizo a expressão “tradição inventada” baseada na concepção de Eric Hobsbawn e Terence Ranger
(1984), onde “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras
tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e
normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em
relação ao passado.
20
Baseado no que discutiu Peirano (2014) sobre como (nós antropólogos) estamos constantemente fazendo
pequenas observações, anotações escritas e mentais, reflexões e implicações sociais no cotidiano.
21
A Internet é um sistema global de redes de computadores interligadas que utilizam um conjunto próprio 47
de protocolos (Internet Protocol Suite ou TCP/IP) com o propósito de servir progressivamente usuários no
mundo inteiro. É uma rede de várias outras redes, que consiste em milhões de empresas privadas, públicas,
acadêmicas e de governo, com alcance local e global e que está ligada por uma ampla variedade de
tecnologias de rede eletrônica, sem fio e ópticas. (WELLS e LEWIS, 2006).
2.1. Coleta de Dados

Logo no primeiro capítulo compreendemos a grande influência do Museu Goeldi


para corroboração da Cerâmica Icoaraciense22 ou Cerâmica do Paracuri23, assim como o
SEBRAE, que também teve um papel importante para a propagação da atividade oleira
em Belém. Portanto foi inevitável questionar em que ponto o Museu Goeldi também
influenciou ou se de fato chegou a influenciar a classe artesã do Amapá. Diante disso,
fora decidido uma viagem de campo para o Amapá, e na reunião sobre esse campo com
a orientadora fui apresentada à dois livros feitos pelo SEBRAE-AP24. Mostrando assim,
que houve uma ação de cunho empreendedor, semelhante com o que ocorreu em Icoaraci,
indicando que seria necessária uma investigação em Macapá e outros municípios (como
será demonstrado mais adiante) semelhante ao que pretendia em Belém.

Como eu já vinha de uma experiência com o ambiente artesão desde 2013, não
encontrei grandes dificuldades para me aproximar dos novos interlocutores. O fato de já
ter tido uma vivência com os artesãos de Icoaraci fez com que eu adquirisse uma certa
propriedade em relação ao assunto do mundo cerâmico. Esse detalhe foi importante para
deixar os interlocutores mais à vontade, tanto em conversas informais, quanto nas
entrevistas. O mesmo não pode ser dito – pelo menos não com unanimidade – em relação
aos pesquisadores de Arqueologia em que tive acesso. Contudo, esse detalhe não
atrapalhou a pesquisa, tendo em vista que os artesãos e muitos pesquisadores foram
atenciosos e fundamentais ao responder minhas demandas.

A coleta dos dados, que irei apresentar no decorrer deste capítulo, foi realizada de
duas maneiras distintas, que foram: 1) buscas na Internet; e 2) trabalho de campo. Dentro
de cada um desses processos utilizei de algumas ferramentas para auxílio não só do

22
Termo estudado e analisada por Elizabeth Morais (2014), onde afirma: “O entendimento constituído ao
longo da investigação cria a possibilidade de compreender o sentido do sintagma terminológico Cerâmica
Icoaraciense instituído em três pontos: a) diz respeito à distinção do termo cerâmica: a criação de objetos
confeccionada a partir da matéria prima argila, atrelado à maneira como a prática se inter-relaciona e ao
modo como os sujeitos que delas usufruem a demarcam; b) delimita que a identificação faz suscitar o termo
Icoaraciense faz referência a quem nasceu no distrito industrial de Icoaraci e a cerâmica criada pelo mestre-
artesão é feita nesse lugar que faz parte da cidade de Belém, sendo assim, existe um vínculo de início com
lugar; e, por último, c) determina que diante da compreensão tem-se o sintagma terminológico: “Cerâmica
Icoaraciense”, fruto de uma relação de apropriação do sentido, ou seja, a criação da cerâmica está atrelada
à produção com o seu lugar, à sua origem, fruto de um processo socio-histórico na Amazônia”
23
Termo que, apesar de não ser não ser encontrado em trabalhos da academia científica, foi amplamente 48
usado pelos artesãos durante as entrevistas
24
Além do livro “O legado das civilizações Maracá e Cunani: O Amapá revelando sua identidade”, o
SEBRAE/AP produziu o catálogo intitulado “Mãos do Amapá – Identidade Maracá e Cunani”, em 2007.
O livro teve o objetivo de divulgar o resultado dos cursos de artesanato realizados.
registro, como também para a conjunção de narrativa da escrita. Assim, irei descrevê-las
quase que simultaneamente, tal como ocorrera nesses 2 anos 25 de pesquisa.

De forma resumida, podemos iniciar esse tópico dizendo que fora realizado um
estudo antropológico baseado em narrativas etnográficas e poéticas visuais nos ambientes
de confecção de cerâmica. Nesse contexto seguirei o que apontou Peirano (2014) em seu
texto, onde afirma que: “Se é boa etnografia, será também contribuição teórica; mas se
for uma descrição jornalística, ou uma curiosidade a mais no mundo de hoje, não trará
nenhum aporte teórico.” (p. 383). Rebs (2011) reitera:

para os antropólogos a etnografia é considerada mais do que uma metodologia


de pesquisa ou uma técnica de coleta de dados, mas sim um eixo fundador de
disciplina. O seu significado terminológico vem do grego, onde ethno significa
povo, nação e graphein escrever, ou seja, o sentido pode ser de uma “descrição
sociocultural” de um determinado grupo. Ela se centra na compreensão de
sociedades a partir de uma descrição densa de valores, práticas e culturas
(Rebs, 2011, p. 78).
O que farei nesse capítulo, no entanto, pode ser considerado uma descrição, pois
de fato o “método etnográfico” encontra sua especificidade em ser desenvolvido no
âmbito da Antropologia, sendo constituída de técnicas e de procedimentos de coleta de
dados associadas a uma prática de trabalho de campo a partir de uma convivência mais
ou menos prolongada do/a pesquisador/a e seus interlocutores/grupo social a serem
estudados.

No caso dessa pesquisa em questão houve uma interrelação entre a pesquisadora


e os sujeitos da pesquisa, onde houve interações em contexto recorrendo primordialmente
às técnicas de pesquisa da observação direta, conversas informais e formais, entrevistas
semiestruturadas e fotografias. Levando em consideração também o que afirma Evans,
com base em Geertz, a “etnografia pode ser definida tanto como um processo e método
de pesquisa qualitativa (alguém conduz uma etnografia)” quanto “um produto (o
resultado desse processo é uma etnografia) cujo objetivo é interpretação cultural” (Evans,
2010, p. 11).

As observações feitas para coleta de dados dessa pesquisa foram além do campo
real, pois obtive diversas informações pertinentes ao tema, no âmbito virtual. Essa
vertente da Etnografia é intitulada Etnografia Virtual26, que são estudos de interação

25
Considerando o tempo de duração do curso de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia
da Universidade Federal do Pará. Além de atentar para o fato de termos passado por uma pandemia global
em 2020, em virtude do Novo Corona Vírus, o que impediu que alguns aspectos de descrição e detalhes da
pesquisa fossem adiados.
26
Os primeiros trabalhos que se voltaram para o estudo de interações sociais na internet tinham um forte
49
social na internet. No que concerne à etnografia, Braga entende que todo e qualquer tipo
de observação é participante e que tal abordagem é central para o método etnográfico: “A
condição que possibilita o ofício do/a etnógrafo/a é a imersão e a experiência da efetiva
participação no ambiente pesquisado. Este ofício inclui participar, observar, descrever:
categorias que formam a unidade do fazer etnográfico” (Braga, 2006, p. 5).

Hine, uma das primeiras pesquisadoras que se dedicaram a analisar as interações


sociais em comunidades virtuais problematizando a utilização do método etnográfico
nesses ambientes, opta por utilizar o termo “etnografia virtual”, publicando livro
homônimo (Virtual Etnography) em 2000. Neste Hine propõe o entendimento da internet
sob dois vieses: enquanto cultura e enquanto artefato cultural, cada um tendo suas
vantagens e desvantagens analíticas e podendo as duas perspectivas estarem conectadas
ou não. A primeira perspectiva é aquela segundo a qual a internet “representa um lugar,
um ciberespaço, onde a cultura é constituída e reconstituída” (Hine, 2000, p. 9).

Considerando ambos espaços de pesquisa (online e offline), existiu um elemento


em comum que fora intensamente utilizado: a fotografia. Aqui, essa ferramenta que já é
amplamente usual dentro da Antropologia e conhecida como Antropologia Visual, possui
funções além de registro metodológico e etnográfico, mas também são fotografias que
foram produtos de uma observação narrativa dentro de campo através da linguagem
visual. Segundo Sandra Campos (1996, p. 280):

Nas últimas décadas, a Antropologia Visual no Brasil vem sendo alvo de


estudos e atenção, ampliando gradativamente o número de pesquisadores
empenhados em defender e demonstrar que a imagem pode ser uma peça
fundamental enquanto fonte primária de pesquisa científica, capaz de
evidenciar a diversidade social em seu contexto histórico e cultural.
Outra técnica metodológica conhecida pela Ciência Social no geral e que fora
essencial para esta pesquisa, é a entrevista, que é definida por Haguette (1997, p. 86)
como um “processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o
entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o

viés etnográfico. Autores como Evans apontam que “as primeiras etnografias reconhecíveis de mundos
virtuais foram conduzidas por Michael Rosenberg em 1992”, que realizou uma pesquisa etnográfica do
WolfMOO, e por John Masterton em 1994, “que conduziu uma etnografia do Ancient Anguish” (Evans,
2010, p. 11). Mitsuishi (2007), por sua vez, vai afirmar que o livro Life on the Screen: identity in the age
of the Internet de Sherry Turkle (1995), “que consiste numa análise da relação subjetiva com e através dos
computadores e da Internet, isto é, numa ampla investigação sobre a maneira com que as pessoas se
apropriam destas tecnologias e dão sentido ao seu uso” (Mitsuishi, 2007, p. 3), é uma das mais influentes
obras etnográficas focadas na internet. Nesta obra, Turkle argumenta que estaria se vivendo um momento
histórico – na década de 1990 – no qual as fronteiras entre o real e o virtual, entre o animado e o inanimado 50
e entre o self unitário e múltiplo estariam se erodindo, trazendo-nos “evidência de mudanças fundamentais
no modo como criamos e experienciamos a identidade humana” (Turkle, 1995, p. 10).
entrevistado”. A entrevista como coleta de dados sobre um determinado tema científico
é a técnica mais utilizada no processo de trabalho de campo. Através dela os
pesquisadores buscam obter informações, ou seja, coletar dados objetivos e subjetivos.
Os dados objetivos podem ser obtidos também através de fontes secundárias tais como:
censos, estatísticas, entre outros. Já os dados subjetivos só poderão ser obtidos através da
entrevista, pois que, eles se relacionam com os valores, às atitudes e às opiniões dos
sujeitos entrevistados.

Para Gaskell (2015) toda pesquisa que envolve entrevistas é um processo social
de interação entre os interlocutores, pesquisadores e o contexto em que elas ocorrem.
Nesse processo, ideias, percepções de mundo e realidades são trocadas, exploradas e
desenvolvidas. A produção de conhecimento, portanto, é um ato cooperativo, já que
segundo o autor:

Quando lidamos com sentidos e sentimentos sobre o mundo e sobre os


acontecimentos, existem diferentes realidades possíveis, dependendo da
situação e da natureza da interação. Deste modo, a entrevista é uma tarefa
comum, uma partilha e uma negociação de realidades. Ao analisar a produção
de conhecimento social, ou representações [...] alguns autores afirmam [...] que
o sistema social mínimo implicado na representação é uma tríade dialógica:
duas pessoas (sujeito 1 e sujeito2) que estão preocupados com um objeto (O)
em relação a um projeto (P), em uma dimensão de tempo. Este triângulo de
mediação, prolongado no tempo (S-O-S), é a unidade básica de comunicação
para a elaboração de sentido (Gaskel, 2015: 74).
O modelo de entrevista realizado foi o de entrevista focalizada, considerando as
formas de entrevistas mais utilizadas em Ciências Sociais são: a entrevista estruturada,
semi-estruturada ou focalizada, aberta, entrevistas com grupos focais, história devida e
também a entrevista projetiva (Boni e Quaresma, 2005). Ainda segundo Boni e
Quaresma:

As entrevistas semi-estruturadas combinam perguntas abertas e fechadas, onde


o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O
pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas
ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. O
entrevistador deve ficar atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a
discussão para o assunto que o interessa fazendo perguntas adicionais para
elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o contexto da
entrevista, caso o informante tenha “fugido” ao tema ou tenha dificuldades
com ele. Esse tipo de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o
volume das informações, obtendo assim um direcionamento maior para o tema,
intervindo a fim de que os objetivos sejam alcançados. (Boni e Quaresma,
2005: 75)
Exposto os conceitos e categorias metodológicas, bem como as técnicas usadas
nessa investigação, trarei aqui detalhes descritos da minha pesquisa de campo e virtual.

51
2.1.1. Trabalho de Campo

➢ Macapá e Mazagão Velho

A partir de agora será detalhado todo o processo de campo no Amapá27 e em


seguida, o campo que foi realizado em Belém. Vale salientar que fui ao Amapá duas vezes
durante a pesquisa, e por essa razão, para fins instrutivos, irei dividir as viagens em etapas.

• A primeira etapa - Teve início no mês de agosto de 2018, entre os dias 10 e 17.

Nessa etapa da pesquisa de campo ocorreu contato com dois grupos distintos: os
pesquisadores e artesãos de Macapá e a família Moraes em Mazagão Velho. A pesquisa
já havia iniciado anterior à viagem ao contactar uma amiga, Mayara Mariano, que havia
se mudado à Macapá e era, na época, técnica do Instituto de Pesquisas Científicas e
Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), onde contém o Núcleo de Pesquisas
Arqueológicas (NuPArq). Prontamente ela me colocou em contato com o diretor desse
setor: Lucio Costa Leite, que por sua vez me deu acesso à vários nomes consideráveis,
entre artesãos e pesquisadores da Arqueologia, incluindo ele mesmo.

Vale ressaltar que esse capítulo vai servir de guia do campo que realizei, ou seja,
terá um aspecto mais descritivo do que analítico, porém toda construção de análise sobre
essas visitas, as falas, as informações coletadas serão trabalhadas no capítulo seguinte.
Assim que cheguei em Macapá agendei meus encontros com os interlocutores que Lucio
Costa Leite havia me sugerido. Em ordem de ocorrência, conversei com os seguintes
interlocutores: Lúcio, Hélio, Ernanes e Simone, Ednaldo, Anastácio, família Moraes.
Dessa maneira, indo ao encontro dos interlocutores, acabei frequentando alguns lugares
marcantes, quando se trata de culturas arqueológicas, como: Corredor Turístico 28,
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), especificamente o Centro de Estudos e
Pesquisas Arqueológicas do Amapá (CEPAP), Casa do Artesão, Museu do Estado

27
Em determinados momentos da escrita optarei em me referir “ao campo no Amapá” quando estiver se
tratando das cidades Macapá e Mazagão Velho, ressaltando que o recorte da pesquisa foi apenas nos dois
locais e não no Estado com um todo.
28
O Corredor Turístico é uma área no centro urbano de Macapá-AP, mais especificamente na orla da cidade.
A extensão vai desde o prédio da OAB-AP, até o complexo do Araxá, passando pelos trechos dos bairros
Central, Santa Inês e Araxá. Trata-se de uma área que contempla os imóveis que fazem frente ao rio
Amazonas, concentrando bares, restaurantes e hotéis, além de vários pontos turísticos da cidade de Macapá,
como o Mercado Central e a Fortaleza de São José de Macapá, a Casa do Artesão, Trapiche Eliezer Levi, 52
Praça Zagury, Parque do Forte. É uma zona de grande circulação de pessoas e oferta de serviços, onde ainda
estão visíveis muitas ocorrências de grafismos feitos pelo governo estadual em 2006, a primeira fase dos
usos dos grafismos arqueológicos. (Santos, 2017).
Joaquim Caetano, IPHAN/AP, Museu Sacaca e por fim, Museu de Arqueologia e
Etnografia do Amapá (MAE/AP).

Na medida em que agendava as entrevistas, outros nomes iam surgindo e de


repente, estava à par de toda uma rede de artesãos que, curiosamente, sempre me
indicavam falar com a família Lima. Essa famosa família, consiste em Dona Elenir Lima
(mãe), Seu Vicente Lima (pai), e Ezequiele Lima (filha) os quais produzem cerâmica no
sítio onde moram no município de Mazagão Velho, sudoeste do Amapá. Desde a primeira
citação à essa família, procurei maneiras de ir até a localidade e, assim que consegui o
telefone da Ezequiele, marquei um encontro que foi facilitado por outro interlocutor,
Anastácio Penha29, que me levou até Mazagão Velho no último fim de semana que fiquei
no Amapá, aproveitando que iria visitar sua própria família que reside no município.

Na cidade a família possui uma loja e olaria e que também reside a “Associação
Maracá e Cunani em Argila” (Figura 10), onde produzem seus produtos e os colocam à
venda, mas também confeccionam algumas peças por encomenda, e exatamente neste dia,
a filha do casal, Ezequiele havia ido à capital fazer entrega de alguns produtos. Na ocasião
da visita conversei com D. Elenir, matriarca da família e a única que se encontrava na
Associação (Figura 11).

Figura 10: Fachada da Associação Maracá e Cunani em Argila, no Município de Mazagão Velho/AP. Foto:
Taynara Sales, 2019.

29
Anastácio é funcionário da UNIFAP e especialista em Arqueologia pela mesma Universidade.

53
Figura 11: Entrevista concedida por D. Elenir Lima de Moraes, na Associação Maracá Cunani, em Mazagão
Velho. Foto: Alexandra Guimarães, 2018.
Durante minha estadia em Macapá a Casa do Artesão 30 estava passando por uma
reforma, e em consequência disso, parte da equipe que compõe o estabelecimento foram
realocados em um espaço junto ao Monumento Marco Zero31 (Figura 12) e uma parte do
acervo ficou disponível para exposição no Museu Sacaca. O espaço foi reinaugurado
(Figuras 13 e 14) em dezembro de 2018, com mais espaço para novos artesãos, que,
durante o período de reforma do prédio, ganharam novos polos para o artesanato.

30
A Casa do Artesão é ligada à Secretaria de Estado do Trabalho e Empreendedorismo (Sete). São mais de
30 mil peças em argila, cerâmica, cipó, madeira, sementes, quadros, entre outros materiais que estarão à
venda. A maioria é consignada de artesãos da capital e demais municípios do Estado.
31
O Marco Zero é um monumento localizado na cidade de Macapá, capital do Amapá. Construído junto ao
Estádio Milton Corrêa para marcar a passagem exata da Linha do Equador em Macapá.
54
Figura 12: Parte das peças dos artesãos conveniados da Casa do Artesão, expostas no Monumento Marco
Zero, durante o período de reforma do prédio sede. Foto: Taynara Sales, 2018.

Figura 13: Faixada da “Casa do Artesão”, centro de Macapá/Amapá. Foto: Taynara Sales, 2019.

55
Figura 14: Atualmente, parte do interior da “Casa do Artesão”, onde ficam concentrados os objetos
cerâmicos. Foto: Taynara Sales, 2019.

• A segunda etapa - Teve início no mês de Novembro de 2019, entre os dias 10 e


17.

Em 2019 retornei à Macapá para a atualização da pesquisa, e para garantir imagens


que pudessem embasar melhor embasá-la, pois na primeira etapa de campo não possuía
um equipamento favorável à qualidade dos registros. No mais, ocorreram algumas novas
informações em relação à primeira etapa, como a implementação do espaço de lazer na
cidade, o Bio Parque32, efetivado pela Prefeitura do Município, e assim como na maioria
dos espaços urbanos em Macapá, o parque está cheio de referências à cultura material
arqueológica.

Nesse parque há uma praça, intitulada “Praça Cunani Maracá”, na qual constam
réplicas de artefatos arqueológicos de tais culturas, todas confeccionadas pela Ezequiele
Moraes, a convite do Instituto Municipal de Turismo (MACAPATUR). O local ainda
conta com uma estrutura no espaço intitulado “Casa da Árvore” onde pode-se observar
gravuras com grafismos presentes em cerâmica arqueológica, entalhadas em madeira
(Figuras 15, 16 e 17).

32
O BioParque Arinaldo Gomes Barreto foi inaugurado no dia 25 de outubro de 2019, sendo um espaço
que contém cerca de 30 atrações voltadas para o lazer, prática de esportes e possui um grande incentivo à
sustentabilidade e produção científica.
56
Figura 15: Espaço "Casa da Árvore" no Bio Parque de Macapá, onde podemos encontrar alguns grafismos
das culturas Cunani e Maracá entalhadas em madeira. Os desenhos foram executados por um grupo de
artesãos. Foto: Taynara Sales, 2019.

57
Figura 16: Detalhes das gravuras entalhadas. Foto: Taynara Sales, 2019.

58
Figura 17: Detalhe da escada e corrimão que dá acesso à "Casa da Árvore" no Bio Parque. Foto: Taynara
Sales, 2019.
Ao chegar de viagem na cidade de Macapá, somos recebidos por uma mensagem
de boas-vindas, através de uma propaganda de uma empresa de marketing (Figura 18).
Logo vemos que, ao menos para a empresa em questão, a imagem iconográfica das urnas
Maracá se revela significativo de alguma forma.

59
Figura 18: Faixa localizada na sala de desembarque do Aeroporto Internacional de Macapá - Alberto
Alcolumbre33. Foto: Taynara Sales, 2019.
Outro exemplo de mudança na dinâmica é a reforma do IEPA, fazendo com que
o corpo técnico fosse instalado no Museu Sacaca34, tendo previsão de finalização da
reforma em 2020. Vale ressaltar que o Museu é dependente do IEPA e assim, dividem o
mesmo espaço, porém têm suas entradas independentes uma da outra. Em meu primeiro
campo em Macapá, não consegui ir ao Museu Sacaca pois estava fechado no dia em que
separei para a visita, e nos outros dias, tive compromisso com os outros interlocutores.
Porém nesse segundo momento pude ir ao Museu, que possui acervo à céu aberto,
contendo a vida amazônica como principal narrativa de exposição35.

33
O Aeroporto Internacional de Macapá passou por grandes reformas que iniciaram no ano de 2004, sendo
finalizadas e com inauguração no ano de 2017. Fonte: https://aeromagazine.uol.com.br/artigo/macapa-
inaugura-novo-terminal-de-passageiros_4251.html. Acesso em: 18/09/2019.
34
O Museu Sacaca (oficialmente, Centro de Pesquisas Museológicas Museu Sacaca) é uma instituição
cultural e científica localizada na cidade de Macapá, Amapá. É subordinado ao Instituto de Pesquisas
Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), órgão público responsável por fomentar e divulgar
a produção científica e tecnológica local. Está sediado em uma extensa área de aproximadamente 21 mil
metros quadrados, no bairro do Trem. Inaugurado em 1997, o Museu tem por objetivo promover
ações museológicas de pesquisa, preservação e comunicação, abrangendo o saber científico e o saber
popular dos povos amazônicos, além de divulgar as pesquisas realizadas pelo IEPA, por meio de exposições
e atividades didáticas. Tem como destaque maior o circuito expositivo a céu aberto, construído com a
participação das comunidades indígenas, ribeirinhas, extrativistas e produtoras de farinha do estado. (Fonte: 60
Site do Museu Sacaca, http://www.museusacaca.ap.gov.br/conteudo/institucional/historia.
35
Segundo o Instituto Brasileiro de Museus (2017), a narrativa de uma exposição implica em: “uma série
de escolhas, de artifícios, de linguagens (visuais, sonoras, tecnológicas, acessíveis) que deverá ter começo,
meio e fim.” Já Fath Ruffins (1985) afirma que “tecnicamente é uma composição cujos elementos
encontram-se organizados em espaço harmonicamente elaborados para permitir que seja lida uma
determinada mensagem, com fins culturais.”
O Museu Sacaca conta com réplicas de habitações e vivências amazônicas em
tamanho real (Figura 19), como se fossem “cenas” paradas no tempo, garantindo ao
visitante uma experiência única de imersão no dia-a-dia de comunidades tradicionais
existentes no interior amazônico.

Figura 19: Espaço "Casa de Farinha", no Museu Sacaca. Foto: Taynara Sales, 2019.
Em uma dessas “cenas”, encontramos uma reprodução de uma das grutas da
região Maracá, incluindo réplicas de urnas antropomorfas (Figuras 20, 21 e 22), que
foram feitas por alguns artesãos da região a pedido da direção do Museu. O responsável
pela execução desse pequeno projeto é o artista plástico e artesão Ernanes Melo, um dos
meus principais interlocutores. O intuito é mostrar como essas urnas ficam postas nas
grutas e como os arqueólogos que fizeram a coleta do material as encontraram.

61
Figura 20: Réplica de um sítio caverna, dentro do museu sacaca. Foto: Taynara Sales, 2019.

62
Figura 21: Lateral da réplica. Foto: Taynara Sales, 2019.

Figura 22: Detalhe do interior da réplica de caverna, com urnas (que também são réplicas) quebradas e
inteiras, semelhantes ao que é encontrado em uma expedição arqueológica. Foto: Taynara Sales, 2019.

63
O uso de peças feitas por artesãos locais em espaços museais é uma prática
recorrente em Macapá, devido à falta de acervo original que consiste na cidade. Assim
como no Museu Sacaca, o Museu de Arqueologia e Etnologia do Amapá (MAE/AP),
conta com um acervo de exposição de longa duração36 com peças predominantemente
contemporâneas (Figuras 23 e 24), feitas por alguns artesãos da região. O maior
colaborador do MAE/AP também é o Ernanes Melo, que confeccionou, com outros
artesãos, a réplica acima, já mencionada. Inclusive é bastante comum que artesãos deixem
algumas peças em exposição no MAE/AP como forma de divulgação de seu trabalho,
contando com que os visitantes se interessem e os procurem para compra (Figura 25).

Figura 23: Interior do Museu de Arqueologia e Etnologia do Amapá. Foto: Taynara Sales, 2019.

36
Considerando que há 3 tipos de exposição: longa duração, temporária e intinerante.

64
Figura 24: Outro ângulo do salão principal (e único) do MAE/AP, onde percebemos outros tipos de acervo,
além do cerâmico. Foto: Taynara Sales, 2019.

Figura 25: Algumas peças contemporâneas em exposição e disponível para venda. Essas especificamente
são produtos da Ezequiele Lima e sua mãe, D. Elenir. Foto: Taynara Sales, 2019.

65
Retornei à Mazagão Velho para reencontrar D. Elenir e conheci seu esposo, que
também é artesão, Seu Vicente, finalizando algumas panelas que haviam sido
encomendadas, juntamente com D. Elenir (Figuras 26 e 27). Na ocasião o casal relatou
desde quando se conheceram até o casamento, e como o ofício do artesanato estava
sempre presente na vida de ambos, até que se tornou a ocupação oficial de boa parte da
família.

Figura 26: D. Elenir em seu ofício, nos fundos da Associação Maracá Cunani. Foto: Taynara Sales, 2019.

66
Figura 27: Seu Vicente Lima, esposo de D. Elenir, junto à sua companheira realizando o acabamento da
peça. Foto: Taynara Sales, 2019.
Em nenhuma das visitas que fiz à Associação Cunani Maracá, a filha do casal de
artesãos, Ezequiele, estava presente. Notei que a mesma não reside com os pais, e que
mora na capital com o companheiro. O papel de Ezequiele nas vendas de cerâmicas
produzidas pela família – além de também confeccionar boa parte das peças – é o de
divulgar o trabalho mais amplamente, já que o movimento na Associação é baixo
comparado, por exemplo, à Casa do Artesão. Assim, Ezequiele se mantém na função
principal de estar sempre propagandeando o trabalho exercido pela família, deixando
várias peças tanto na Casa do Artesão quanto no MAE/AP, como já mencionado. Além
de fazer entregas pessoalmente quando o produto solicitado fora especificamente
encomendado pelo consumidor.

➢ Belém

Como sou residente da cidade de Belém, o campo na cidade para esta pesquisa
não se limitou em alguns dias ou muito menos houve um “início” e um “fim”, visto que
constantemente estava posta à acesso de informações propícias à minha investigação.
Tendo isso em vista, selecionei alguns espaços, que considero cruciais, para utilizar nesse
estudo. Os lugares elencados foram: Mercado do Ver-o-Peso, Praça da SETUR, Museu
de Arte de Belém, Feira de Artesanato do Paracuri, Anísio Artesanato/Travessa Soledade
e MPEG.

67
A aproximação com os interlocutores artesãos não necessitou de um intermédio
prévio, pois a maioria dos artesãos e pesquisadores locais já haviam sido introduzidos às
pesquisas anteriores em que participei. Ou seja, a maioria dos interlocutores e seus
trabalhos aqui descritos já eram conhecidos por mim, no entanto não fazia distinção de
suas “especialidades” no fazer cerâmico, já que na época meu objetivo era mais
relacionado ao ofício em si do que algo voltado para a cerâmica Maracá.

Assim, quando fiz meus primeiros contatos, a ideia era afunilar os interlocutores
a partir das confecções de cerâmica contemporânea baseadas na cultura Maracá. Além
dessa premissa ser fundamental para o desenvolvimento deste trabalho, o fato de haver
uma quantidade considerável de artesãos em Belém, poderia dificultar na coleta e análise
de dados. De início, pareceu uma ideia um tanto quanto trabalhosa, considerando alguns
fatores, como: 1) elevado número de artesãos; 2) muitos artesãos se consideravam
“especialistas” em cerâmica Maracá, apesar de não produzirem, pois acreditavam que
peças da cultura Maracá eram a mesma ou semelhantes à cultura Marajoara.

Nessa situação, foi necessário elencar alguns critérios para dar seguimento, tais
como: 1) mais tempo de ofício; 2) maior número de produção de cerâmica baseada na
cultura Maracá (levando em consideração mesmo aqueles que não desconheciam a
origem da cerâmica); 3) expressivo envolvimento com a produção cerâmica icoariciense.
Consequentemente, essa procura me levou quase que instantaneamente ao Projeto
“Replicando o Passado: socialização do acervo arqueológico do MPEG”, realizado no
Museu Goeldi, sob supervisão das arqueólogas Helena Lima e Cristiana Barreto, desde
2017.

O Projeto, segundo Helena Lima, Cristiana Barreto e Camila Fernandes (2018:


156) “busca estabelecer uma parceria entre o Museu Goeldi e artesãos de Icoaraci para
agregar valor cultural aos produtos artesanais com base no conhecimento arqueológico
produzido pelo museu.”. Assim os artesãos possuem capacitação para a produção dos
seus produtos através de oficinas sobre réplicas, usando de forma direta algumas peças
que estão salvaguardadas na Reserva Técnica Mário Ferreira Simões (RTMFS), fazendo
com que exista um teor colaborativo, integrando à corrente de pesquisa do que é entendido
por Arqueologia Pública37.

37
O patrimônio arqueológico e a sua relação com a comunidade e seu território são ponderados através do
conceito de arqueologia pública ou arqueologia comunitária. O termo foi utilizado pela primeira vez em
68
Como já visto anteriormente, o contexto cerâmico em Belém se diverge e se
assemelha à Macapá, em algumas constantes do histórico da prática cerâmica. A
particularidade desse projeto estar em vigor atualmente, faz com que todo o processo de
produção cerâmica em Belém, tenha um novo capítulo a ser contado e estabelecido dentro
da cena. Tanto em um aspecto de maior capacitação técnica já realizado, mas também, de
maneira pioneira, coloca artesãos em contato direto e constante com peças arqueológicas
originais, dentro da Reserva Técnica.

Sobre essa etapa de campo, posso iniciar afirmando que não obtive grandes
dificuldades, como em Macapá e Mazagão. Obviamente o cenário é favorável a mim,
principalmente em aspectos de locomoção – já que sou residente de Belém –, mas também
por estar inserida em um contexto onde eu estava bem familiarizada, devido ao meu
histórico acadêmico, tanto no assunto da pesquisa, quanto a instituição Goeldi. Esses
fatores contribuíram para que a coleta de dados fosse feita com mais naturalidade, em
contraposto ao campo realizado em Macapá e Mazagão.

Através do contato direto com a atual curadora da RTMFS e uma das


coordenadoras do projeto, a arqueóloga Helena Lima, foi possível visitar a Reserva para
conhecer a dinâmica e participantes do projeto. Em um primeiro momento, Helena nos
levou ao interior da RT, nos apresentou os artesãos participantes, elucidou sobre os
objetivos – tanto os já alcançados, como os que ainda estavam sendo ambicionados – e
ainda nessa ocasião fora assinado um documento constando a permissão para a pesquisa
dentro da RT.

Atualmente os participantes do projeto são cinco artesãos e uma artesã. Em uma


conversa inicial com o grupo, apenas três se consideraram “especialistas” em fazer
cerâmica baseada na cultura Maracá: Deo de Almeida, João Sarmento e Marivaldo Costa.
Também pude investigar, através de conversas, outros artesãos que estariam ou não
envolvidas com a confecção de cerâmica Maracá. Na ocasião os artesãos estavam
produzindo material para uma exposição da instituição, intitulada “Postado! Arqueologia

1972, por Charles MacGimsey no seu livro Public Archeology e assenta na premissa da participação das
comunidades locais nos projetos de arqueologia, que se iniciou nos Parques Naturais que surgiram pela
Europa nos anos 70 e 80. Define-se como o estudo das relações entre a arqueologia e a sociedade atual, em
todos os seus âmbitos e implicações sociais, políticas e econômicas e nasce como uma resposta a uma
necessidade criada pela gestão do património arqueológico. No brasil a musealização da arqueologia tem
sido tratada por Cristina Bruno (1995, 1996, 1999, 2007) e a arqueologia pública por Paulo Funari (2008).
Portanto, as ações patrimoniais e, também a Arqueologia, devem estar agregadas a ações de cidadania.
69
brasileira nos selos”, por conta disso as conversas precisaram ser mais sucintas, para não
comprometer o trabalho dos artesãos.

As primeiras entrevistas aconteceram dentro do laboratório de Arqueologia do


Museu Goeldi, local onde também se concentra a Reserva Técnica e onde ocorre os
encontros dos artesãos do Projeto. Nessa ocasião entrevistei dois artesãos: Deo de
Almeida (Figura 28) e Marivaldo Sena, que relataram o início de suas trajetórias dentro
do ofício, as dificuldades que enfrentaram, e também os bons frutos que colheram. Foi
durante a conversa com esses dois personagens que foi trazido à tona a participação do
João Sarmento, outro artesão que atua no Projeto do Goeldi e se faz presente em um dos
maiores ícones da história da produção de cerâmica em Icoaraci, já que foi responsável
pela confecção do mural acima ilustrado.

70
Figura 28: Deo de Almeida, artesão trabalhando em uma réplica de vaso arqueológico da cultura Cunani,
dentro do Laboratório de Arqueologia do MPEG. Foto: Taynara Sales, 2019.
Parte de nossas conversas ocorreram fora do Museu Goeldi, mas sempre pensando
em estar em um ambiente relacionado ao ofício artesão. Obviamente os locais escolhidos
foram a orla de Icoaraci, onde está situada a Feira de Artesanato do Paracuri (Figura 29),
e a Travessa Soledade, uma rua do bairro do Paracuri, bastante conhecida por estarem

71
localizadas várias lojas e olarias. Vale ressaltar que nem todos os artesãos possuem sua
própria olaria e/ou loja, os que não possuem tais ferramentas, fabricam suas cerâmicas
em olarias de outrem, por vezes cedido por gentileza, mas também ocorre de haver trocas
comerciais, como porcentagem que obteve da produção em questão.

Figura 29: Mural de entrada da Feira de Artesanato do Paracuri, com representações de urnas funerárias da
cultura Maracá. Foto: Taynara Sales, 2018.
Quando conversei com os artesãos na Reserva Técnica do MPEG, foi mencionado
em alguns momentos a construção de peças consideradas esculturas, baseadas nas urnas
funerárias Maracá, espalhadas pela cidade. Logo, os interlocutores “se acusaram” entre
si, tendo naquele recinto ao menos dois artesãos que foram responsáveis por algumas
delas. Um deles é o artesão João Sarmento, que foi autor de toda a fachada da Feira de
Artesanato do Paracuri, (Figuras 30) onde João possui um quiosque que administra em
conjunto com sua esposa38. Além das duas esculturas presentes no mural que anuncia a
Feira, o artesão também confeccionou uma placa com algumas informações, também em
cerâmica.

38
Ter a família toda ou quase toda reunida empreendimento de cerâmica – desde a confecção até a venda
do produto – é uma das características típicas do artesanato em Icoaraci (Melo, 2013).

72
Figura 30: João Sarmento, posando em frente o mural de sua autoria, na entrada da Feira de Artesanato do
Paracuri. Foto: Taynara Sales, 2019.

Figura 31: Placa fixada ao chão, paralelo ao mural de entrada da Feira de Artesanato do Paracuri, e que
também fora autoria do artesão João Sarmento. Foto: Taynara Sales, 2019.

73
Deo de Almeida também foi responsável pela confecção de duas esculturas em
situadas na paisagem de Icoaraci, trata-se das urnas que estão na Escola Liceu de Artes e
Ofícios Mestre Raimundo Cardoso39 (Figura 32).

Figura 32: Escola Liceu de Artes e Ofícios Mestre Raimundo Cardoso, em Icoaraci. Foto: Deo de Almeida,
2009.

As urnas foram feitas no ano de 2009, no interior da própria escola, por Deo e
foram confeccionadas e queimadas por partes, para que coubessem no forno, devido ao
tamanho das peças. Ao indagá-lo sobre as peças, Deo prontamente ofereceu as fotos que
havia feito de todo o processo de confecção das urnas, no que eu aceitei e pedi permissão
ao mesmo para que pudesse trazer nesse trabalho, como se pode acompanhar abaixo
(Figuras 33, 34 e 35).

39
Escola Pública da Rede Municipal de Ensino do Governo do Pará.

74
Figura 33: Artesão Deo de Almeida confeccionando das esculturas de Urnas Maracá no Liceu de Artes e
Ofício Mestre Cardoso. Foto: Autor Desconhecido, 2009.

75
Figura 34: Finalização de confecção das esculturas. Foto: Autor Desconhecido, 2009.

Figura 35: Esculturas finalizadas. Foto: Autor Desconhecido, 2009.

Na Travessa Soledade o espaço mais recorrente no campo foi a loja “Anísio


Artesanato” (Figura 36), situada na Travessa Soledade, que pertence ao Seu Anísio.
Estive na loja em duas ocasiões distintas, porém com o mesmo intuito: investigar as
vendas de peças cerâmicas baseadas na cultura Maracá, buscando entender todo processo,
desde a confecção até o destino final (abordarei com mais detalhes no próximo capítulo).
O estabelecimento é referência para moradores da região, turistas em busca de artesanato
local, e amplamente frequentado pelos artesãos locais, já que nos fundos do
estabelecimento, encontra-se uma olaria completa, que é cedida aos artesãos que não
possuem ferramentas como o torno e forno. Ainda como um acordo comercial, uma

76
consignação, que funciona da seguinte maneira: os artesãos deixam parte de sua produção
na loja para que sejam vendidas através de Seu Anísio, que fica com parte dos lucros.

Figura 36: Fachada da loja "Anísio Artesanato", no bairro do Paracuri em Icoaraci. Foto: Taynara Sales,
2019.
Em uma das visitas que fiz à loja de Seu Anísio, conversamos sobre a produção
de cerâmica e sua atuação de mais de 30 anos na área. Apesar de saber o básico do ofício,
se dedicou a gerenciar e administrar a loja, além de fazer parte do conselho da
Cooperativa dos Artesões de Icoaraci (COARTI)40. O dono da loja (Figura 37) fez questão
de mencionar sua parceria com os Mestres Cardoso e Cabeludo no início da prática
cerâmica, e como o uso de material arqueológico como referência foi crucial pra sua
mudança pra Icoaraci, já que o mesmo é natural do Estado da Bahia e em uma visita ao
Pará percebeu o potencial cultural e turístico do artesanato de Paracuri, montando seu
negócio que se mantém até os dias atuais.

40
Segundo Carneiro (2018) existem três associações de Artesões no bairro do Paracuri: Cooperativa dos
Artesões de Icoaraci (COARTI), Sociedade dos Amigos de Icoaraci (SOAMI), Conselho do Artesão do
Pará (COSAPA).
77
Figura 37: Seu Anísio posando ao lado de uma "Urna Maracá", como é denominada por ele para sua venda.
Foto: Renata de Godoy, 2018.
O Mercado do Ver-o-Peso também fora visitado em algumas ocasiões, no intuito
de registrar alguma ocorrência de artesanato com referência Maracá, porém em nenhuma
das ocasiões que frequentei os quiosques do setor de artesanato do Mercado, encontrei
tais peças. Quando indaguei à alguns vendedores sobre a falta desses produtos, fui
informada que ou a mercadoria estava “em falta” ou que “não saía muito”. Os produtos
que são vendidos no Mercado Ver-O-Peso são produzidos nas olarias de Icoaraci e
repassados aos vendedores que ali atuam e que fazem parte dessa rede.

Mesmo na Feira de Artesanato do Paracuri as peças baseadas na cultura Maracá,


em forma de souvenir “saem pouco”, ou seja, não são vendidas e nem procuradas com
certa frequência, apenas as peças maiores e que mais se aproximam das originais, que são
mais vendidas e com um valor de mercado consideravelmente alto. Como podemos
realizar na imagem a seguir, onde pode-se perceber um contraste em relação aos pedidos
que são feitos na loja Anísio Artesanato, onde peças são vendidas para o exterior, como
mostra esse documento de nota fiscal (Figura 38), cedida pelo Seu Anísio, onde uma
“Urna Maracá” foi enviada para Portugal.

78
Figura 38: Nota Fiscal da compra alguns itens da Olaria, incluindo duas “Urnas Maracás”, com o destino
de compra à Portugal.

Desde o princípio desta pesquisa – e me refiro à escrita do projeto – havia em mim


uma intenção de explorar algumas esculturas de Urna Maracá que ficam localizadas em
uma praça onde está situada a Secretaria do Estado de Turismo (SETUR). As peças, que
medem mais de 2 metros de altura, já fazem parte da paisagem belenense e
constantemente chamavam minha atenção enquanto passava pelo local (Figura 39). Em
uma conversa informal com o arqueólogo Carlos Barbosa, que também fora meu
orientador quando fui bolsista de Iniciação Científica, me afirmou que foram essas
esculturas que o fizeram ter interesse pela Arqueologia, e especificamente sobre a cultura
Maracá.

79
Figura 39: Mapa da localização Secretaria de Turismo (SETUR). Fonte: Google Maps.

Dentro desse contexto, fui em busca de mais informações sobre essas esculturas e
logo, sobre a praça. Já em minha primeira visita, passei maior parte do tempo
fotografando o espaço, até que fui abordada pelo segurança do local. Assim que fora dado
a ele os esclarecimentos de minha presença ali, me sugeriu que falasse com alguém da
Secretaria para que conseguisse maiores detalhes sobre o espaço. Acho importante
ressaltar que a praça é envolvida por uma cerca de metal, fazendo com que não seja
exatamente convidativo a presença de pessoas, além das que trabalham ali, e a presença
de um segurança demarca bastante essa sensação.

A minha intenção era de encontrar fotos e plantas do espaço, que fossem anteriores
à construção das esculturas, além de informações específicas sobre elas, como: quem as
confeccionou, quando e porquê. Foi sugerido que eu procurasse Carlos Figueira, técnico
em Turismo da SETUR, e que estava presente na maioria das intervenções feitas no
Parque, já que está no cargo desde a década de 1980. Carlos trabalha em um outro prédio
pertencente ao órgão, e combinei nosso encontro em seu lugar de trabalho, onde
conversamos e pude constatar que não havia nenhum registro (documental ou fotográfico)
tanto da praça, quanto da construção das peças.

O Parque foi inaugurado no dia 12 de julho de 1972 pelo Nicolau da Costa, como
sede da extinta Companhia Paraense de Turismo (PARATUR), do qual Nicolau era
presidente. O Parque fica localizado entre as Avenidas Marechal Hermes e Assis de

80
Vasconcelos, no bairro do Reduto em Belém-PA, conforme o mapa já exibido.
Atualmente, no interior do Parque funciona o setor administrativo da SETUR, além de
possuir espaços para eventos relacionados ao Turismo, como o auditório Jornalista Carlos
Roque e o “Barracão”, uma espécie de galpão. No ano de 2014, o então Governador do
Estado, Simão Jatene, decretou a extinção da PARATUR, através da Lei Nº 8.093, de 30
de dezembro de 2014, em uma reforma de secretarias, que as juntou, fazendo com que a
SETUR desempenhasse o papel de ambas, desde 2015.

A três esculturas de urnas funerárias Maracá (Imagens 40 e 41) foram idealizadas


pelo Nicolau da Costa em conjunto com Mestre Cardoso, para a inauguração do Parque
em 1972. Ou seja, de várias mudanças que ocorreram na paisagem, as réplicas das urnas
foram as que permaneceram desde a fundação. As réplicas foram criadas por uma equipe
de artesões de Icoaraci, que tinham como líder o Mestre Cardoso, e foram confeccionadas
usando o cimento como matéria-prima, toda estrutura à base de concreto, justamente por
possuírem um tamanho superior às urnas “originais”.

Figura 40: Réplicas de urnas funerárias da cultura Maracá, onde estão representando o sexo masculino,
com o órgão sexual em questão. Foto: Taynara Sales, 2018.

81
Figura 41: Réplica de urna funerária da cultura Maracá, representando o órgão sexual feminino. Foto:
Taynara Sales, 2018.

2.1.2. Etnografia Virtual


Essa etapa da pesquisa pode se dividir em dois momentos: 1) quando estava
focada em encontrar comentários e fotos de turistas e/ou da população relacionado com
as Urnas Maracá e 2) quando simplesmente os dados “apareciam” na minha timeline. Não
se pode considerar como uma simples coincidência, já que enquanto estudante de pós-
graduação em Antropologia, estamos imersos dentro do universo de observações
analíticas e tudo parece ter potencial de exploração. Muitos amigos e colegas também
cooperaram em me enviar qualquer coisa que fosse relacionado ao tema e que, em seu
julgamento, fosse interessante de se trabalhar, o que de fato foi essencial para a reunião
desses registros que apresentarei aqui.

A ideia inicial era encontrar blogs que falavam sobre a tradição cerâmica, tanto
no Pará quanto no Amapá. Quando se insere “feira de artesanato Belém” na ferramenta
de busca de qualquer site de pesquisa, os primeiros links que ocorrem são páginas de
agências de viagens, onde se comercializa passagens de avião, estadias e que indicam
pontos turísticos que existem no seu destino de escolha. Assim como, comentários e
fotografias daqueles que já haviam usufruído do lazer que cada localidade ofereceu. Nesse
sentido, é significativo o foco que muitos turistas deram à Feira de Artesanato do Paracuri

82
(Figura 42), que demonstraram satisfeitos, e para além, recomendaram a visita para
qualquer um que acessasse o site em algum momento.

Figura 42: Prints da sessão de comentários da página da Agência de Viagens "TripAdvisor”. Fonte:
https://www.tripadvisor.com.br/

Em outros comentários, no mesmo site, é possível perceber que o termo “Arte


Marajoara” é intensamente utilizado pelos usuários do site, não apenas no corpo do texto,
como no título designado pelo turista em questão (Figura 42). Além de nomear as peças
como Marajoaras, os turistas também apontam os artesãos como descendentes diretos do
povo Marajoara, algo que é frequente tanto em Icoaraci, como na própria Ilha do Marajó
(Shaan, 2006).

83
Figura 43: Print da sessão de comentários do Site onde o turista relata que os artesãos são marajoaras. Fonte:
https://www.tripadvisor.com.br/

Voltando para a Praça da SETUR, realizei em uma conversa com o segurança do


espaço constatei que muitas pessoas frequentam o local, porém em eventos e situações
específicas. Algumas pessoas conseguem fazer ensaios fotográficos de casamento, book
de aniversário de 15 anos e alguns desses eventos são promovidos pelo próprio órgão de
Turismo, como a roda de carimbó do grupo de terceira idade, feiras de artesanato e
eventos turísticos. Há também algumas pessoas que marcam encontros, alunos de escolas
próximas que vão apenas passear no espaço, entre outros (Figuras 44, 45 e 46). Essa
particularidade que me levou à pesquisar sobre a presença dessas pessoas e suas relações
com as esculturas de Urnas Maracá, no entanto em nenhuma das minhas visitas ao espaço
pude presenciar alguma dessas situações que citei aqui. O que me ocorreu que as pessoas
poderiam se auto fotografar ou fotografar o evento e marcar a localização no Facebook41,
assim, a pesquisa mais uma vez foi levada ao espectro virtual.

41
Facebook é uma mídia social e rede social virtual lançada em 4 de fevereiro de 2004, operado e de
propriedade privada da Facebook Inc. (Eldon, 2008).

84
Figura 44: Alunos da rede de ensino público reunidos em frente uma das esculturas de Urna Maracá.
Fonte: Facebook.

Figura 45: Selfie tirada em um dia de Encontro da Terceira Idade. Fonte: Facebook .

85
Figura 46: Grupo de Carimbó no Encontro da Terceira Idade no Praça da SETUR. Fonte: Facebook.

Esse longo capítulo teve como objetivo mostrar ao leitor cada passo que segui,
cada decisão que tomei, e as que eu deixei de tomar. Serviu para que fosse pontuado e
descrito, não apenas as etapas dessa pesquisa, mas as formas e circunstâncias que me
levaram à esses caminhos, demonstrando que a vivência experenciada por uma
antropóloga pode estar previamente delineado, porém, assim como uma escavação
arqueológica, não sabemos ao certo o que iremos encontrar, que histórias iremos ouvir,
que rumos iremos tomar. Como Roberto Cardoso de Oliveira (2017) sugere o trabalho de
um antropólogo seja construído dentre três etapas: o olhar, o ouvir e o escrever. Esses,
segundo o autor, são eficazes “desde que sejam devidamente tematizados pelo exercício
da reflexão epistemológica.” (Oliveira, 2017, p. 01).

O capítulo a seguir será ainda mais focado nas falas dos interlocutores da pesquisa,
principalmente em relação à prática e o saber da família Lima. Veremos que a história
das principais famílias de artesãos está diretamente ligada à suas narrativas de vida, se
confundem com a narrativa oficial sobre o artesanato, tanto no Pará, quanto no Amapá.
O que nos leva de volta ao primeiro capítulo, onde recordamos a ligação territorial desses
dois espaços e como a Arqueologia “ajudou” na legitimação das duas nações, estando
mais uma vez estritamente ligadas.

86
CAPÍTULO III

Refletindo através do Olhar da Arqueologia Contemporânea

Como já constatado, essa pesquisa alavancou muitas informações pertinentes à


serem trabalhadas e neste capítulo iremos aprofundar nesses dados para uma melhor
análise. Já que iniciamos com uma “escavação” sobre a história que permeia a reprodução
de Urnas Maracá, tanto referente às primeiras pesquisas arqueológicas e exposições
provindas dessas expedições, quanto a atuação de artesãos dentro da confecção de
cerâmicas contemporâneas. Logo foi apontado como avancei na pesquisa de campo
através de um estudo etnográfico rápido, a fim de combinar dados diferentes para uma
análise mais ampla e confiável.

Portanto, neste capítulo, irei apresentar 3 tópicos que julguei fundamentais para
essa pesquisa, que são: 1) uma narrativa ausente, sobre as famílias pioneiras no artesanato,
em ambas localidades e a relação que possuem entre si; 2) aplicando uma lupa de aumento
dentro de um desses aspectos mencionados, trarei à tona o discurso aplicado na
justificativa de decisões plásticas e estéticas sobre a peça, através da perspectiva de
criação de réplicas; e finalmente 4) peças que fogem, quase que completamente, da
proposta de ser baseada em um vestígio arqueológico. No geral, essas questões que serão
abordadas estão intrinsicamente abarcadas na Arqueologia Contemporânea, que consegue
tratar de assuntos como: turismo cultural, turismo arqueológico, público e comoditização,
patrimônio cultural e artesanato.

Essa vertente da Arqueologia, que é vista muitas vezes como paradoxal, nada mais
é que o uso da metodologia que a Arqueologia já utilizava para contextos antigos, mas
que agora, de forma geral, pode ser usufruída para investigar o mundo contemporâneo
(Little e Zimmerman, 2010) Esse debate não é uma novidade, tendo sua discussão pela
primeira vez há quase quarenta anos (Rathje 1981, Gould e Schiffer 1981). No entanto, a
Arqueologia Contemporânea permaneceu uma vertente pouco valorizada de sua
disciplina original, até que dois livros importantes foram publicados, o que deu origem a
um renascimento do interesse em abordar arqueologicamente a sociedade contemporânea
(Graves-Brown 2000, Buchli e Lucas 2001, González -Ruibal et al. 2015). Como afirmou
Barbara Voss (2010, p. 1):

A arqueologia contemporânea, com seu foco no presente e no passado muito


recente, desafia as definições convencionais de arqueologia que enfatizam a
distância temporal entre o arqueólogo e o objeto que está sendo investigado. A

87
arqueologia contemporânea requer métodos diferentes, cria novas
colaborações interdisciplinares e inspira novas questões. Em particular, a
arqueologia contemporânea nos lembra que todos os atores sociais, tanto no
presente quanto no passado, estavam incertos quanto ao futuro e não podiam
saber os resultados de suas ações. (tradução minha)42.

Para a autora, é a competência da Arqueologia de delinear uma conexão material


entre o agora e o que foi antes que estabelece seu lugar no estudo da condição humana.
E cada vez mais o arqueólogo se preocupa com um passado mais recente, mostrando que
a ação de arqueólogos que exploram o contemporâneo, no contemporâneo, é uma
realidade mundial, já que:

In the British-North-American-Australian realm, historical archaeology (also


known as post-medieval archaeology and industrial archaeology) has become
the fastest-growing sector of the discipline, both in academia and in heritage
studies/cultural resource management. Historical archaeology is also rapidly
expanding in Latin America and Africa. (Voss, 2010: 02)
É dentro dessa perspectiva que a produção desse trabalho se apoiou. Olhando para
uma cultura material sendo criada na atualidade, e que tem referências à uma cultura
material do passado. Muitos arqueólogos e pesquisadores do tem já discutiram e
apresentaram esse tema, seja pelas relações de envolvimento da comunidade com o
patrimônio arqueológico em questão (Godoy, 2016; Cabral, 2014; Funari, Bezerra, 2012;
Gnecco, Ayala, 2010; Okamura, Matsuda, 2011; Pyburn, 2009; Silva, 2002), quanto de
outros fatores imbricados na pesquisa, como o sensorial (Bezerra, 2013). Ou seja, o que
estou apresentando aqui não é algo totalmente inédito a ser abordado, porém há de se
considerar uma rara perspectiva em termos de relações de artesãos não só com a
manufatura em si, mas também entre eles e suas distintas realidades no âmbito de lugar e
pertencimento.

Essa pesquisa também traz consigo o peso do Turismo Cultural, que é definido
por alguns autores como um segmento dessa disciplina em crescimento que visa atrair
pessoas interessadas em visitar destinações culturais e que inclui uma variedade de
atrações, desde apresentações artísticas à festivais de cultura tradicional, de sítios à
monumentos. Locais especiais que têm como característica comum a presença de bens
culturais materiais e/ou imateriais que funcionam como atrativos turísticos (McKercher

42
Texto original: “Contemporary archaeology, with its focus on the present and the very recent past,
challenges the conventional definitions of archaeology that emphasize the temporal distance between the
archaeologist and the subject matter being investigated. Contemporary archaeology requires different
methods, forges novel interdisciplinary collaborations, and inspires new questions. In particular,
contemporary archaeology reminds us that all social actors, both in the present and in the past, were
uncertain of the future and could not know the outcomes of their actions.” 88
& Cross, 2002). As práticas do Arqueoturismo ou Turismo Arqueológico podem prover
financeiramente ações de preservação e incrementar ações de divulgação e educação de
bem cultural (Godoy, 2017).

O conceito de Turismo Arqueológico é defendido por Margarita Díaz-Abreu (2013)


como a prática de visitar um sítio arqueológico para conhecer o local e aprender sobre as
histórias e pessoas do passado, além de lidar com o consumo da arqueologia como
atividade de lazer. No entanto, nessa pesquisa, a percepção dessa vertente não se
estabelece esse preceito, já que não há um roteiro turístico dentro de um sítio
arqueológico, como é abordado nos principais textos sobre o tema. Porém, um dos
produtos que se tem a partir da discussão de Turismo Arqueológico é a preservação do
patrimônio arqueológico (apesar de muitos autores irem contra esse pensamento, e,
afirmar exatamente o contrário, que essa prática resulta em um turismo predatório, sendo
assim, prejudicial ao patrimônio), pois se tem a ideia de que o tipo de divulgação usada
é, por pouco, uma verdadeira propaganda à favor do meio turístico.

Ou seja, o Turismo Arqueológico engloba uma ampla rede de atividades


relacionadas, incluindo turismo histórico, étnico, artístico, turismo em museus, dentre
outros, o que converte o patrimônio cultural à um bem a ser consumido. Levando em
consideração a práxis do Turismo Cultural que está imbricada ao que se é considerado
patrimônio arqueológico na Amazônia, Godoy (2017) propõe entender o turismo cultural
como um fenômeno contemporâneo que também se apropriado Patrimônio Arqueológico,
transformando tal bem em recurso cultural na Amazônia brasileira.

Entende-se o turismo como uma ponte entre o tradicional e o moderno, que


reinventa passados, recria presentes, e certamente altera o futuro. Analisar o
turismo como um fato social total, que interfere tanto no ethos das instituições
quanto no modo em que os públicos acessam e se apropriam do passado é uma
maneira de compreender a função social da arqueologia na atualidade e de
compreender outros sentidos deste patrimônio. (Godoy, 2017, p. 6).
Durante os tópicos deste capítulo, cada um desses temas será abordado de forma
mais abrasiva, rendendo discussões e reflexões por meio dos objetos apresentados.

89
1. A (nova) Narrativa do Artesanato – Por trás da Argila

Para início dessa discussão, devemos ampliar o que é entendido por artesanato, e
em que aspecto estamos seguindo, através do pensamento de alguns autores e instituições
da área. Por exemplo, o conceito de artesanato do Conselho Mundial de Artesanato, na
cidade de Bogotá, na Colômbia, deu a seguinte definição, em 1996:

Artesanato é toda atividade produtiva que resulte em objetos e artefatos


acabados confeccionados manualmente ou com a utilização de meios
tradicionais ou rudimentares, com habilidade, destreza, qualidade e
criatividade (Sebrae, 2004, p.21).
Esta definição fora relatada pelo Sebrae Nacional, em 2014, quando criou o Termo
de Referência do Artesanato, resultado das oficinas de capacitação em design para
artesanato, promovidas pelo Sebrae, e foi elaborado com base nos relatórios dos encontros
regionais do Programa Sebrae de Artesanato, após cinco anos de sua implantação (1999
- 2003). Segundo Luiz Antonio Barros (2006, p. 65):

O Programa Sebrae de Artesanato43 está implantado nas 27 Unidades


Federativas do país. As ações configuraram a presença do Sebrae em 16,6 %
dos municípios brasileiros, e envolveram até o ano de 2004, cerca de 90.000
artesãos, em suas oficinas de capacitação em artesanato.
Já no Dicionário Houaiss da língua portuguesa (Houaiss, 2004) encontramos um
certo grau de complexidade e possibilidades para o termo:

Artesanato. 1.a arte e a técnica do trabalho manual não industrializado,


realizado por artesão, e que escapa à produção em série; tem finalidade a um
tempo utilitária e artística. 2.conjunto das peças da produção artesanal. 3.
conjunto dos artesãos de um determinado gênero. 4.local onde se exerce ou
ensina o artesanato. 5.produto final do trabalho feito pelo artesão (Houaiss,
2004, p.307).

Para Barros (2006, p. 68):

O artesanato é predominantemente um trabalho individual, porém a produção


de alguns artefatos exige a participação de vários artesãos durante a sua
produção, desde a coleta da matéria-prima, até a divulgação e comercialização
do produto. [...] e se caracteriza por:
• Atividade em que, no mínimo, 80% do trabalho é feito pelo artesão;
• Transformar a matéria-prima bruta em produto acabado;
• Utilizar matéria-prima e/ou técnicas de produção local;
• Possuir identificação cultural com a região e/ou com o artesão;
• Atividade fruto da habilidade e/ou repasse de técnicas através de gerações.

43
Neste texto, o autor Barros (2006) revela que mesmo o Termo de Referência de Artesanato ser de grande
abrangência, em relação aos termos, conceituações e categorias, o programa necessitava de diretrizes,
metodologias únicas de intervenção e critérios de avaliação de resultados. Também é necessário esclarecer
que cada Estado empreendia uma intervenção própria, sem compartilhamento com os outros Estados da
Federação.
90
Barros (2006, p. 16) denomina “artesanato tradicional” aquele que emite um “[...]
valioso patrimônio cultural acumulado por um artesão ou comunidade com técnicas
tradicionais transmitidas [...] de geração a geração, e com matéria-prima regional”, o que
condiz com o contexto em que essa pesquisa se insere.

Cardini (2004) Apud Vieira (2014) compreende o artesanato como inserido em


elementos da tradição familiar, a continuidade de saberes que se desenvolvem em
diferentes tempos e espaços, a memória, tida como ferramenta na transmissão destes
saberes e a consagração como instância de validação que configura a construção de capital
artesanal. Tudo isso é associado a outras trajetórias biográficas, sendo suas atitudes para
fazer o artesanato, ligadas às escolhas dos outros, aos desejos dos outros, às condições de
espaço físico para expor seus produtos, a incentivos de grupos ligados ao Estado para
fomento, às organizações sociais que incentivam o artesanato, à aprovação dos clientes
quanto às suas peças, à disposição dos materiais no mercado ou na própria natureza para
que seja possível a produção de suas peças.

Muitos são os diálogos que os agentes devem empreender com agentes nas
estruturas sociais em que se situam. A organização do trabalho desses artesãos depende
de todos estes elementos, bem como de suas construções identitárias. Portanto, podemos
distinguir o artesanato como uma atividade que apresenta uma produção em pequenas
séries, com regularidade, gerando produtos semelhantes, porém diferenciados entre si, ao
contrário dos produtos industriais. E mais, que os produtos artesanais além de expressar
os valores de seus produtores, são fruto da necessidade de autossuficiência dos artesãos
e, consequentemente, têm e buscam o compromisso com o mercado, para além de uma
identificação propriamente dita.

Para Priscila Roriz (2010) as características que marcam o fazer artesanal é quando
o processo de produção é estabelecido pelo fazer manual, o ritmo é marcado pelo gesto
humano, com participação direta do agente produtor na maioria, se não todas, as etapas
de elaboração do produto. Assim como afirma Ricardo Gomes Lima (2009, p. 02), sobre
o uso de ferramentas e máquinas no trabalho artesanal, que tem seu papel de auxiliar na
confecção, porém é “o gesto humano que determina o ritmo da produção. É o homem que
impõe sua marca sobre o produto”.

Nesse seguimento, podemos avançar para a conceituação de artesão, que é – dentro


de vários atores – o principal agente para a funcionalidade do artesanato. Segundo Barros

91
(2006), os artesãos são indivíduos que praticam o ofício artesanal, de forma não industrial
e não seriada. São os que possuem saber técnico artesanal sobre matérias-primas e as
ferramentas para a confecção de objetos, tendo a especialidade sobre o fazer artesanal,
abarcando todo o processo de produção (Barros, 2006). Para Roriz (2010), um artesão
pode ser desde uma professora aposentada que faz bordado, um artista plástico, um
ceramista que produz peças utilitárias e de decoração, um escultor, ou uma artista que
produz suas telas para uma exposição são de toda forma, artesãos, pois [re]criam seus
produtos com as próprias mãos e coordenam o seu processo de produção.

Claro que há certas distinções entre eles, que fazem com que haja uma
classificação por categorias, especialmente em contextos sociocultural e as
particularidades de cada um, como: trabalhador manual, artesão tradicional, artista
popular, artista contemporâneo ou simplesmente artista (Lima, 2005, 2009). O que pode
ser considerado uma via de mão dupla, já que em muitos casos, algumas dessas
classificações são usadas de forma pejorativa, com o intuito de desvalorizar o trabalho do
artesão.

Dentro dessas categorias de agentes do artesanato, é importante que seja ressaltado


o papel do mestre artesão, que, segundo Barros (2006, p. 85):

São indivíduos dotados de excepcional saber, que se notabilizaram através de


seus ofícios, formando discípulos e conquistando admiração e respeito, não
somente de seus aprendizes, auxiliares e clientes, mas também de técnicos e
estudiosos do artesanato. Sua maior contribuição é repassar, para as novas
gerações, os seus saberes, as suas técnicas e as experiências adquiridas durante
anos no exercício do seu ofício.

Tendo isso posto e estabelecido dentro do universo em que essa pesquisa se insere,
é crucial que pensemos na figura de mestre artesão, principalmente no contexto paraense
em que o Mestre Cardoso é considerado – por diversos fatores – o grande mestre do
artesanato local. No primeiro capítulo deste trabalho foi possível acompanhar a trajetória
da família Cardoso, desde o princípio de seu ofício até a legitimação de Mestre enquanto
disseminador dessa “nova forma de fazer cerâmica”. O que nos leva à jornada de uma
renomada artesã que reside em Mazagão Velho, no Amapá: Dona Elenir Lima Moraes
iniciou seu aprendizado em confecção de cerâmica aos 14 anos, quando se mudou com
sua família para Belém-PA.

92
A jovem viajou para outro estado em detrimento de uma doença que precisava de
um tratamento específico, existente em Belém. Já residentes em Belém, seu pai conseguiu
um emprego como artesão subsidiado pelo Mestre Cardoso. Nesse interim, Elenir através
do convívio com a prática ceramista de seu pai e, principalmente do Mestre Cardoso,
começou a desenvolver habilidades na produção de cerâmicas, como me relatou:

“Eu estava desenganada do médico, não tinha o que fazer aqui em Mazagão e
nem em Macapá. Naquela época só tinha médico pra isso em Belém. Daí meu
pai vendeu tudo e fomos pra Belém de barco, mesmo sem ter onde ficar. Mas
eu fui curada, minha filha. Na mesma semana que chegamos em Belém, o
médico me atendeu e ele disse que eu já não tinha mais nada, foi um milagre
de Deus. Daí como a gente já tava lá, né, não tinha como voltar, não tinha
muito o que fazer. Meu pai tinha uns conhecidos em Icoaraci e eles
recomendaram muito o Seu Mestre Cardoso, que tava muito famoso naquela
época e precisava de funcionário novo. E meu pai foi, morava lá com ele, na
casa dele. E eu ia junto, todo dia. Até que eu fui fazendo o acabamento das
peças, coisa pouca, né, e fui pegando o jeito, até que eu comecei a fazer as
peças também. Eu tinha 14 anos, era bem novinha...” (D. Elenir Lima,
entrevista cedida no dia tal de tal de 2018).

É de conhecimento comum que o ofício de artesão é transmitido de geração em


geração, entre familiares e etc. Desse modo, é propício fazer uma abordagem sobre
saberes e fazeres já que abrangem o tema artesanato de forma tão intrínseca, quando até
no discurso do senso comum essa relação transparece ser familiar, causando uma
percepção de empreendimento parental, aos olhos do discurso empresarial que é
recorrente na realidade atual do país. E no caso apresentado aqui, foi algo que atravessou
territórios, claro que por circunstâncias adversas, mas que ocasionou a transmissão de um
ofício e impulsionou a autonomia da até então, nova artesã. É pensando nesse contexto
que trago a análise de saberes e fazeres enquanto “fenômenos sociais totais” é importante
considerar o que escreve José Reginaldo Gonçalves (2005, p. 21) de que “não há como
falar em patrimônio sem falar de sua dimensão material”.

No caso de D. Elenir, o aprendizado dela se deu de forma trabalhista, já que nem


ela e nem seu pai eram parentes diretos ou distantes de Mestre Cardoso, mas sim
funcionários do mesmo. Segundo a artesã, Mestre Cardoso percebeu que D. Elenir tinha
uma habilidade a ser desenvolvida e a ensinou como aperfeiçoar sua aptidão com a
cerâmica e se tornou mais uma funcionária dele. Porém, a relação dos dois era amigável,
como relata D. Elenir em nossa entrevista.

Seu Mestre Cardoso gostava muito de mim, me tratava como uma filha e me
ensinou tudo que eu sei hoje. Qual argila que era boa, qual não era, como tratar
a argila, o tempo certo do forno, essas coisas.

93
Segundo a antropóloga Aline Sapiezinskas (2012) isso pode ser justificado, pois
não há uma regra em que ser artesão só é legitimado se for aprendido dentro de um
contexto familiar. A autora usa de Geertz (1989) para explicar que o que vale nesses casos
é o contexto social em que a mesma está inserida, como podemos constatar nesse trecho:

Uma artesã não se torna uma artesã apenas porque está empregando uma
técnica artesanal, mas porque está inserida num contexto em que ser uma artesã
possui um significado social em articulação com outros significados, dos quais
ela compartilha. Essa simples observação coloca em relevo o contexto cultural,
ou dito de outra forma, a relevância da contextualização das práticas
observadas. Essa é a proposta de Geertz (1989, p. 89), para quem o homem é
um animal simbolizante, conceitualizante e pesquisador de significados.
(Sapiezinskas, 2012, p. 01)

Quando D. Elenir conheceu Seu Vicente, com quem casou, a artesã ensinou o
ofício para seu companheiro, no intuito de tirarem o sustento da família através do
artesanato. Assim, a família retornou para o Amapá e depois de anos, ainda estão
exercendo a profissão e todos são envolvidos em toda demanda que exige a produção e
venda da cerâmica. Em especial a filha do casal Ezequiele Lima, que nos dias atuais atua
diretamente não só na produção das peças, mas também nas vendas, ficando responsável
pela distribuição dos produtos em diversos pontos da capital (Figura 47), e também
produtos feitos sob encomendas. Atualmente, Ezequiele dispõe de um quiosque no espaço
Bioparque, já mencionado anteriormente neste trabalho, onde a mesma exibe os produtos
que confecciona em conjunto com seus pais.

94
Figura 47: Ezequiele demonstrando um dos produtos que confeccionou e disponibiliza para venda no
Museu de Etnologia e Arqueologia. Foto: Taynara Sales, 2019.

Esse tópico foi esclarecedor dentro do aspecto de narrativa histórica, que se pode
dizer, era desconhecida dentro da literatura sobre a produção de artesanato cerâmico do
Norte. Muito se sabe sobre a importância e colaboração do Mestre Cardoso com a
propagação do saber fazer cerâmico, porém não havia compreensão que esse
conhecimento fora repassado para alguém, que de certa forma, foi pioneira na confecção
de cerâmica com base em peças arqueológicas. Levando em consideração que essa
informação é importante para analisarmos a atuação artesanal no Amapá, já que em
Icoaraci, muitos foram dos interlocutores dessa pesquisa foram aprendizes do Mestre
Cardoso, porém obviamente o fato de D. Elenir levar consigo e com sua família toda uma
rede, e iniciar um movimento no Estado, é algo determinante para todo processo descrito
e analisado nessa dissertação.

Já o próximo assunto a ser abordado neste capítulo se trata do modo de fazer a


cerâmica contemporânea, sobretudo aquela reproduzida a partir de referência da cultura
Maracá. Sendo assim, será inevitável debater sobre a confecção de réplicas, ou seja,
reprodução técnica de uma peça arqueológica. Mas seria essa a definição de réplicas?
Conceituar essa categoria é essencial para seguirmos nessa leitura, trazendo consigo um
apanhado sobre estética indígena e os hibridismos contemporâneos que são produzidos.

95
Logo, se faz presente no texto discussões da cultura material, aproveitando um objeto
específico dessa pesquisa: a Flor da Amazônia.

2. Réplicas

A discussão sobre réplicas advindas de material arqueológico não é recente dentro


da Arqueologia, por se tratar de uma prática recorrente, principalmente na região Norte
do país (Godoy, 2019; Lima, 2019; Lima, et al 2018; Carneiro, 2018; Frade, 2015;
Linhares, 2015; Rodrigues, et al 2011, Schaan, 2006). Mesmo que na maioria das
situações de confecção de cerâmica contemporânea, elas não sejam rigorosamente
idênticas às originais, são, em alguns casos, apresentadas e vendidas como se assim o
fossem. De certa forma, há uma concordância entre os agentes participantes dessa rede
de vendas e compras turísticas, já que muitos vendedores e/ou artesãos44 de que aquela
peça não é uma réplica de fato, mas uma peça que se aproxima, ou melhor, inspirada na
peça original, e mesmo assim a venda ou exposição ocorre normalmente, pois o que
importa naquele contexto é o peso simbólico da peça (Linhares, 2015; Schaan, 2006,
2007).

Mas o que exatamente faz com que a peça produzida seja ou não uma réplica?
Para os mais apegados ao conceito da palavra, segundo o dicionário online Dicio45, réplica
significa: “Modelo; imitação ou cópia feita a partir de uma obra de arte.”46 O uso da
palavra réplica para se referir às confecções cerâmicas que são baseadas em peças
arqueológicas, se tornou habitual pela população em geral, pelos artesãos e até mesmo
arqueólogos e estudiosos do tema47. É possível encontrar duas “formas de réplicas”, que
conseguimos diferenciar não só pela estética da peça, como também a sua finalidade. No
contexto turístico e mercadológico, o conceito de réplica é bem mais valorizado pois
carrega consigo um peso de valoração cultural; já em contextos educativos (museus,
educação patrimonial) serve para dar mais segurança à peça original, assim como

44
Na dinâmica do artesanato cerâmico, o ceramista pode ou não exercer o papel de vendedor.
45
Site disponível no endereço eletrônico: https://www.dicio.com.br/
46
A definição da palavra “réplica” possui outras definições no contexto jurídico e de debate: 1. Contestação;
o que se utiliza para refutar ou contestar o que foi dito ou escrito; argumento que contesta uma afirmação.
2. Resposta que se opõe a uma crítica recebida.
47
A Arquitetura possui uma grande bibliografia sobre o tema de restauro, sobretudo em se tratando de
restauração de edifícios. (Oliveira, 1995; Prudêncio, Ribeiro, 1998; Riederer, s/d; IPHAN, 1999; Freitas, 96
2012;).
proporcionar ao público uma experiência além do visual, já que se formou uma ideia
generalizada de que o toque ao objeto musealizado é proibido.

Como o projeto Replicando o Passado do MPEG, já mencionado neste trabalho,


que segundo Lima et al (2018, p. 157) que tem como objetivo a discussão, entre outros
assuntos, “a definição dos usos de réplicas em museus.” e mais ainda: “[...] produzir
coleções didáticas e de referência, para o Museu Goeldi e para a própria comunidade
ceramista de Icoaraci.” (Lima et al, 2018, p. 156). Uma questão frequentemente abordada,
principalmente se tratando do uso das peças para ação educativa, exposições em museus,
entre outros. Assim, o projeto consegue se dedicar à valoração do trabalho artesanal,
agregando valores culturais e assim monetário à peça, como também trabalha a zona de
socialização do acervo arqueológico do MPEG.

Para exemplificar, posso citar aqui, como exemplo, a exposição do Museu Goeldi,
intitulada “Postado! Arqueologia brasileira nos selos” 48, que adentrou no universo da
filatelia e arqueologia, trazendo as representações e sítios e objetos arqueológicos nos
selos postais do Brasil dos últimos 50 anos. Além dos selos originais, a exposição contava
ainda com réplicas das peças produzidas pelos artesãos do projeto (Figura 48). Na mesma
metodologia de uso das peças em exposição, o MAE/AP expõe não só uma, mas todas as
peças como réplicas na exposição permanente do Museu (Figura 49). Entretanto, nesse
caso é devido ao fato de a instituição não ter nenhum acervo arqueológico em sua
salvaguarda, restando somente a opção de exibir as réplicas feitas por artesãos locais, em
sua maioria confeccionada pelo Ernanes Melo.

48
A exposição teve sua abertura no dia 25 de Abril de 2019 e finalizou no dia 31 de Agosto de 2019, com
curadoria assinada pela arqueóloga Edithe Pereira.

97
Figura 48: Réplica de Urna Maracá exposta junto ao selo correspondente, na exposição "Postado!
Arqueologia brasileira nos selos" do Museu Paraense Emílio Goeldi. Foto: Taynara Sales, 2019.

Figura 49: Réplicas que fazem parte do acervo permanente do Museu de Etnologia e Arqueologia do
Amapá. Detalhe para a etiqueta descrevendo a peça como réplica. Fotos: Taynara Sales, 2019.

Esses dois exemplos que mencionei, ressalta uma problemática existente há anos,
especificamente desde que as expedições arqueológicas e as escavações mais recentes
iniciaram. O fato das coleções arqueológicas da cultura Maracá, formada ao longo dos
anos, não estarem salvaguardadas nas instituições de do Amapá é uma lacuna não apenas
para a população, mas também aos artesãos que, ao contrário dos artesãos de Icoaraci,
permanecem sem referência visual e tátil das peças originais. Esse “pequeno detalhe” não

98
ameaça a confecção de cerâmica, como podemos perceber durante todo o trabalho aqui
apresentado, porém é possível afirmar que essa condição limitada que os artesãos do
Amapá enfrentam, pode ser a explicação para que a iconografia e os desenhos inscritos
nas urnas estejam presentes de forma mais notória.

É importante ressaltar, no entanto, que alguns estudos sobre as peças


confeccionadas já eram realizados por alguns artesãos que participam do projeto
Replicando o Passado, e que durante o curso aprimoraram ainda mais suas habilidades de
reprodução técnica. Como no caso do artesão João Sarmento, que me disponibilizou
alguns de seus desenhos técnicos onde o mesmo fez estudos de proporções e medidas de
urna Maracá antropomorfa e zoomorfa (Figuras 50). Esses desenhos são importantes para
o desenvolvimento da peça, já que calcula a porcentagem de expansão que a peça sofre
no momento de queima, além de estudar a possibilidade de fazer o produto bem menos,
para serem vendido como souvenir.

(a)

99
(b)

100
(c)

Figura 50: (a), (b) e (c): Desenhos técnicos de estudo de proporção, feitos pelo artesão João Sarmento.

A replicação de uma peça, para ser considerada fiel à original, precisa passar por
pré-requisitos criteriosos, segundo Lima et al (2018), que no caso do projeto, fora os
principais desafios entre artesãos e arqueólogas do Museu: delinear uma metodologia de
reprodução. Após a definição desses critérios (que consistem em tamanho, peso,
antiplástico, desenhos, cores e até a reprodução da peça em miniatura), o produto
finalizado é posto à avaliação do coletivo de artesãos e assim, é decidido se aquela peça
pode ser considerada e vendida como réplica. Tendo essas etapas finalizadas, a peça é
replicada mais uma vez para que fique à disposição de outros artesãos que não
necessariamente fazem parte do projeto, porém podem usufruir da peça como referência.
Essa ação só é possível graças à iniciativa de socialização do acervo arqueológico, pois o

101
fato de apenas ter as peças em questão salvaguardadas, não faria com que os objetos
fossem replicados de forma tão detalhada e metódica.

Os achados armazenados no Museu Goeldi possuem grandes destaques ao longo


da trajetória de pesquisa institucional e da região, que se somam a complexidade e
diversidade das peças encontradas. Que tornam a coleção um representante do passado
da região. Logo, o museu acaba por ser o elo entre passado e presente, uma espécie de
máquina do tempo, no sentido de possibilitar leituras e interpretações cronológicas e
acronológicas, marcadas pelos conjuntos de signos relevantes a estes artefatos.
Consequentemente, este fato possibilita demonstrar, não só as interpretações científicas,
mas também as interpretações populares e contemporâneas. Isso é, pelo entendimento da
Semiótica, o entendimento dos interpretantes, reconhecendo-os como complexos
semióforos, que se abrem dos fatos científicos e avançam para um conhecimento/saber
popular, constituído a partir do senso comum.

Cristiana Barreto (2013, p. 116) também afirma que essa perspectiva é


responsável por propagar “antigos estereótipos sobre as sociedades indígenas
amazônicas”, através de produções de certa forma precárias, ou bem distintas da
realidade, e mesmo com intervenções exageradas, mostrando “uma visão ainda bastante
‘colonizadora’ da história pré-colonial”, subordinando os produtos a uma estética
ocidental e aos suportes bastante diferenciados dos originais, negando uma transmissão
de conhecimento arqueológico e indo para um “esvaziamento de significados” desses
objetos. É neste sentido que afirma que os usos desses materiais arqueológicos interferem
na “comunicação, transmissão e socialização do conhecimento arqueológico junto ao
público” (Barreto, 2013, p.118).

Se formos, nos apoiar à esta análise, para dimensionar a ocorrência de Icoaraci


quanto a afirmação da “tradição artesanal”, para instigar ou atender uma tendência de
mercado, começa a fazer sentido, que a produção de cerâmica de Icoaraci, ou melhor as
peças com seus ícones estilizados, são o próprio símbolo do regionalismo do Pará. Uma
forma e representar a identidade cultural, através de objetos, agregando a estes valores
culturais, e consequentemente valores de mercado, já que uma vez “impresso” tracejos
das cerâmicas indígenas, tornou-se mais atraentes, e logo foram agregados valores às
peças. Neste contexto, com o uso de tracejos de produções indígenas, de civilizações já

102
extintas, eram produzidas e compradas posteriormente, mas com um valor histórico,
arqueológico.

Para Alfred Gell (2005), atribuir valor a uma categoria de objetos de arte
culturalmente reconhecida, ou seja, relacionado à alguma cultura específica, outras
culturas podem ser atreladas a ela, esse fenômeno pode ser explicado por “esteticismo
universal”. O autor usa obra de artes como exemplo para tratar do assunto e afirma que
existe um poder que os processos técnicos tem de lançar uma fascinação sobre nós, de
modo que vemos o mundo real de forma encantada, chamando fenômeno de tecnologia
do encanto. Nesse sentido, o antropólogo explica que as réplicas são modos de fazer
aproximado das originais e que isso pode ser traduzido como tecnologia do encanto e que
o conhecimento dos artesãos e a comodificação executada nos objetos é o próprio encanto
da tecnologia.

Por meio das entrevistas que obtive com os artesãos é comum a justificativa do
uso de tamanho x, cor x, disposição das representações de partes do corpo de diferentes
formas, etc, por “ser mais parecida com a original assim”, ou seja, há um padrão estético
de artesão para artesão. É muito comum encontrar em Macapá ou Mazagão peças mais
polidas, cores mais vívidas e desenhos bem nítidos49 (Figura 51), podendo relacionar com
as referências obtidas através do livro do Sebrae, onde pode-se encontrar pranchas onde
“ocorreu um embelezamento” por Emílio Goeldi (Melo, 2017, p. 144). Já em Belém é
encontrado de forma mais frequente peças com uma estética mais rústica e com
acabamento envelhecido, levando a assimilar aquela peça com a urna que foi acabada de
ser coletada de uma escavação arqueológica, ou seja, mais parecida com as urnas
encontradas na RTMS/MPEG.

49
Me refiro às peças que são confeccionadas especificamente com o intuito de vendas, ou seja, essa
abordagem não se engloba com as peças feitas para exposição em Museus, como o MAE/AP e o Museu
Sacaca, que possuem peças com aspecto envelhecido propositalmente para dar a sensação de objetos recém
encontrados em escavações. A maioria das peças que possuem essa aparência foram confeccionadas pelo
artesão Enandes Melo.
103
(a) (b)

(c)

Figura 51: (A) Prancha manipulada presente no livro do Sebrae; (b) Réplica da urna presente no ateliê da
família Lima, Mazagão Velho, Amapá; (c) Réplica de Urna exposta para venda na Casa do Artesão,
fabricada por D. Elenir, em Macapá, AP. Fotos (b) e (c): Taynara Sales, 2018.

104
Figura 52: Banners encontrados na loja de artesanato "Associação Maracá Cunani", em Mazagão. Foto:
Taynara Sales, 2019.

Figura 53: Souvenires de Urna Maracá na Feira de Artesanato do Paracuri. Fotos: Taynara Sales, 2019.

105
Claro que é preciso levar em consideração que nem as peças originais possuem
um padrão permanente de disposição de cores, desenhos, entre outros (Sales, 2015;
Barbosa, 2011), Carlos Barbosa (2011) já defendia que cada um dos artesãos, da cultura
Maracá, possuía sua contribuição artística pessoal na confecção das urnas. Porém no caso
das peças contemporâneas, essas decisões são feitas com base no viés mercadológico,
assim, os artesãos escolhem evidenciar ou esconder detalhes da peça original, como por
exemplo o fato de ser uma urna. A interlocutora mais preocupada com essa
particularidade, foi a artesã Ezequiele Lima, que em uma de nossas conversas descreveu
que por vezes não mencionou ao cliente (turista ou não) que se tratava de uma réplica de
urna, temendo que a pessoa pudesse perder o interesse na compra, já em outras ocasiões
o cliente ou já tem conhecimento que aquela peça é de cunho funerário e a procura
exatamente por isso, ou não sabe, mas quando descobre, passa a se interessar mais ainda
pela compra.

A apropriação da estética de culturas extintas do passado, foram desveladas pela


arqueologia e a sua apropriação e a sua utilização superaram o propósito científico. Não
apenas como meras reproduções de um ícone do passado, mas servindo de base estrutural
para a construção de atos criativos no presente, inovações, que acabam por construir algo
inteiramente novo ao contexto social local. Uma identidade, que se faz presente na cidade
e no seu imaginário social. Appadurai (1987) argumentou que os objetos podem ser vistos
como atores sociais, pelo menos do ponto de vista metodológico: pontos focais a partir
dos quais analisamos certo contexto social, vendo os valores que eles põem em jogo, as
discussões e os movimentos que eles provocam, enfim, como eles influenciam numa
situação de formas às vezes imprevisíveis, provocando transformações inéditas.

2.1. Praça da Secretaria de Turismo do Estado (SETUR)

As grandes esculturas presentes na praça do SETUR foram idealizadas juntamente


com a abertura do órgão governamental, e foram mantidas mesmo depois de algumas
reformas em que a praça passou. Ou seja, era de interesse do setor turístico que essas
instalações estivessem no espaço da praça, que seria (até os dias atuais) um ambiente de
lazer, mesmo se tratando de um local administrativo. Como já mencionado, as peças
possuem mais de 2m de altura e foram confeccionadas com concreto pelo Mestre
Cardoso, no início da década de 1970.

106
O arqueólogo Neil Silberman (2016) sobre sobre a mudança na realidade do
mercado turístico designando como “patrimônio-atração” (p.50). Para ele há quatro
questões a serem refletidas sobre esse fenômeno:
1) qual é o lugar dessas novas atrações do patrimônio cultural na paisagem material
contemporânea?
2) qual a visão do passado se cria na consciência pública e na individual?
3) elas realmente produzem os benefícios econômicos que os responsáveis imaginaram?
4) que papel dos arqueólogos tem nesse processo economicamente direcionado?
No caso da Praça do SETUR, esse fenômeno pode ser captado quando o autor se
refere à “visão do passado que se cria na consciência pública e privada”, já que a escolha
de fabricar as peças com as medidas e materiais completamente diferentes das peças
originais, foi feita com um intuito explícito de serem avistada e deslumbradas pelo
público.

As arqueólogas Cristina Barreto e Endira Oliveira (2016), afirmam que existe um


potencial interpretativo das cerâmicas enquanto índices de identidade não apenas em seus
aspectos tipológicos e tecnológicos, mas também nos significados simbólicos que lhes
foram atribuídos. As autoras chamam de “objetos gatilho” aqueles que ativam processos
mentais da memória e do imaginário daqueles que estão consumindo os objetos.

Cada peça possui uma placa ao lado (Imagem 54), onde foi exposto um texto
descrevendo e explicando o monumento. Nela, é descrita a razão desses monumentos
estarem ali: “foram projetadas com intuito de dar maior visibilidade ao ambiente
mencionado” e o seu histórico no local, já que: “há mais de 40 anos fazem parte deste
cenário paisagístico”. É possível perceber uma narrativa político-territorial descrita na
placa, no trecho sobre a origem das peças originais: “cuja a origem recai na localização
do antigo território paraense, atualmente Estado do Amapá”, se referindo ao período
anterior a 1637, quando as terras do atual Amapá faziam parte do Grão-Pará50.

50
Buscando a colonização da região, foi criada a Capitania do Cabo do Norte, doada ao português Bento
Maciel Parente, envolvendo as terras do atual Amapá, que era parte do Grão-Pará. Sua delimitação com a
Guyana Francesa, pelo rio Oiapoque, foi definida em 1713, com o Tratado de Utrecht. (Porto, 2003).

107
Figura 54: Placa descritiva que fica ao lado das réplicas da Urnas funerárias Maracá, no interior do Parque
da SETUR. Foto: Taynara Sales.

Ainda é possível observar um discurso de hierarquia social e um processo


ritualístico presente na placa, ao se referir à posição que a figura antropomorfa se
encontra, sentado em um banco. Além desse aspecto citado, outro fator chama atenção
nesta placa: “[...] enquanto a cabeça apresenta uma espécie de capacete parecido com
uma gamela ou até mesmo um hemisfério, às vezes lembrando um antigo elmo de
centurião romano, e eventualmente a modos de esfinge.” Isso nos remete à uma
europetização da civilização indígena vividas no período pré-colonial, sendo assim uma
tentativa de comparar com a cultura material de uma sociedade, dita “mais civilizada.”

3. Novas Formas de Criação ou Ressignificação

Até esse momento do texto, podemos afirmar o que muitos estudiosos já


vislumbraram em suas respectivas pesquisas: toda e qualquer confecção de cerâmica
contemporânea baseada em culturas materiais arqueológicas – sendo essas réplicas ou
não – são consideradas ressignificações. Talvez há quem considere essa forma de
classificação bastante simplista, porém não tem como descordar que a produção de
cerâmica atual (mesmo aquela feita na década de 1970) é uma releitura das famosas peças
arqueológicas. Essa peça contemporânea não foi confeccionada para os fins ritualísticos,

108
como ficaram conhecidas (Barreto e Oliveira, 2016), nem são – no caso das urnas
Marajoara e Maracá – feitas para enterramento funerário. São agora, objetos de
decoração, valorados pelos traços indígenas replicados por artesãos, que por sua vez
determinam que caminho a pintura ou as incisões daquelas peças vão tomar. Ou seja, o
protagonista aqui, é o artesão. É ele/a que possui a agência e o encanto da tecnologia
(Gell, 2005).

Neste ponto do capítulo veremos como a autonomia de criação dos artesãos foram
atravessados pela ação de cunho turístico, mas acima de tudo, empreendedora do Sebrae
e Governo do Estado do Amapá. Porém antes é preciso relembrar à que pé o Sebrae se
manifestou na época dessas intervenções. Segundo informação institucional do Sebrae:

O Sebrae, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, trabalha


desde 1972 pelo desenvolvimento sustentável das empresas de pequeno porte.
[...] Para isso promove cursos de capacitação, facilita o acesso a serviços
financeiros, estimula a cooperação entre as empresas, organiza feiras e rodadas
de negócios e incentiva o desenvolvimento de atividades que contribuem para
a geração de emprego e renda. [...] São centenas de projetos gerenciados pelas
Unidades de Negócios e de Gestão [...]. (Sebrae Nacional, 2009).

A relação entre conhecimento, reconhecimento e poder, apontada por Pierre


Bourdieu (2000, p. 11), nos oferece uma chave para a análise da relação do Sebrae com
os beneficiários dos seus programas de treinamento:

As relações de comunicação são relações de poder que dependem, na forma e


no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou
pelas instituições) envolvidos nessas relações e que, como o dom ou o potlatch,
podem permitir acumular poder simbólico.

Ainda de acordo com Bourdieu, as diferentes classes estão envolvidas numa luta
simbólica pela imposição de uma definição específica do mundo social que esteja mais
de acordo com os seus interesses. Tal luta poderia ser travada diretamente ou por meio
dos especialistas da produção simbólica, que teriam o poder de impor instrumentos de
conhecimento e de expressão arbitrários. Nesse caso específico, os cursos e treinamentos
do Sebrae concorrem para adequar o trabalho das mulheres ao modelo próprio dessa
instituição, adequando as artesãs ao formato de grupos de trabalho, e os grupos de
trabalho ao formato de associações, incentivando o empreendedorismo para que essas,
talvez, transformem-se em microempresas, e assim por diante. Na atuação dos
consultores, especialistas no manejo de recursos simbólicos, pode ser percebida uma ação
no sentido de transformação do objeto artesanal que acompanharia a própria

109
transformação da visão de mundo que ocorre com a inserção das artesãs no universo do
mercado consumidor.

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer


ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo, e deste
modo, a acção sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que
permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força, graças ao efeito
específico da mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer,
ignorado como arbitrário. (Bourdieu, 2000, p. 14).

O "poder de constituir o dado pela enunciação", o poder simbólico, pode ser


entendido como resultante da educação e da capacitação, que promove uma forma de
expressão do indivíduo no mundo, criando ao mesmo tempo forma e conteúdo, ou seja,
capacitando-o para atuar dentro de um modelo previsto de atuação. E, conforme ele
explica, esse efeito ocorre graças ao caráter mobilizador dos cursos e treinamentos, e do
reconhecimento daquele poder por parte dos beneficiários.

Bourdieu (2000) se concentra nos instrumentos de imposição do poder simbólico,


e especialmente no processo de construção das crenças, na educação, reprodução e
inculcação da capacidade de se colocar no mundo, por meio da adoção de visões de
mundo marcadas por posições privilegiadas dentro do campo de poder. Entretanto,
escapam ao modelo proposto por ele aqueles casos em que o indivíduo seleciona alguns
aspectos da sua adesão à visão de mundo dominante, de acordo com o seu interesse
pessoal, e a própria manipulação individual do conhecimento quando ele procura
empregar esse capital em proveito próprio. Essa dimensão da negociação do sentido no
campo das disputas se mostra sempre presente e reveladora sobre a ação individual
visando o benefício próprio. Ao longo do artigo, procuro mostrar como se dá essa
negociação.

Sobre a atuação do Sebrae, temos que:

o Sistema SEBRAE busca criar, por vários mecanismos (capacitação,


mobilização, disseminação do empreendedorismo e do associativismo, entre
outros), um ambiente radicalmente favorável à sustentabilidade e ampliação
dos pequenos negócios. Esse ambiente passa por menor carga tributária, menos
burocracia, acesso ao crédito, à tecnologia e ao conhecimento. A instituição
opera justamente para atenuar esses cinco grandes gargalos [...]. (Sebrae
Nacional, 2009).

Nesse sentido, o Sebrae instituiu áreas prioritárias de ação que visam atender aos
fatores por eles identificados como obstáculos à criação de micro e pequenas empresas, e
voltou-se a apoiar o setor informal, numa tentativa de promover a inserção. Assim se

110
explica e torna possível compreender a expansão da atividade do Sebrae, que vai até a
capacitação de setores informais para, a partir dali, por meio da adoção do idioma comum
e de suas práticas, aproximar aquele universo dos modelos formais de micro e pequena
empresa.

3.1.Flor da Amazônia e outras ressignificações

A mesma artesã referida acima também produz réplicas de vasos Maracá que não
são inspiradas nas icônicas urnas funerárias que estamos acostumados a pensar. Existe a
comercialização da peça que ela mesma denomina de “Flor da Amazônia” (Figura 55),
se referindo às linhas curvas do grafismo que essa peça possui. Ezequiele reproduz o
objeto baseado no livro “O Legado das Civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando
sua Identidade”, fruto do projeto empregado pelo SEBRAE, em Macapá em 2005. A
ilustração que está presente no livro foi um recorte feito da prancha produzida por Emilio
Goeldi, publicado em 1900 (Figura 56).

Figura 55: Cerâmica contemporânea feita pela artesã Ezequiele Lima, em Mazagão/AP. Foto: Taynara
Sales, 2019.

111
Figura 56: Recorte da prancha produzida por Emilio Goeldi em 1900, apud Josiane Melo, 2017.

A prancha de Emílio Goeldi, por sua vez, foi replicada no livro “O Legado das
Civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua Identidade”, e os editores optaram
por retirar o pontilhado feito pelo naturalista, o qual fazia referência que aquela peça havia
sido encontrada no sítio arqueológico, fragmentada. O fato de ter um pontilhado feito
pelo Goeldi não significa exatamente que aquele vaso tinha esse contorno, era apenas
uma ferramenta pra indicar que havia uma continuação plástica. Ou seja, já nesse
momento, Goeldi havia interferido na composição da peça, fazendo uma suposição de
como a mesma poderia ser, mesmo sem aquilo ser sua real intenção. Esse detalhe fez com
que essa peça fosse reproduzida com a borda invertida, proporcionando uma nova
interpretação plástica do objeto, que ganhou até nome: Flor da Amazônia (Figura 57).

112
Figura 57: Páginas do livro "O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua
identidade" onde é possível ver o "apagamento" do pontilhado existente na prancha do Emílio Goeldi e
como os responsáveis pelo livro se dedicaram à mostrar as possibilidades de uso da iconografia presente
nesse vaso.

Marcia Bezerra (2014), retrata sobre a relação dos moradores da Vila de Joanes,
Ilha do Marajó, com a iconografia encontrada nas peças arqueológicas (cerâmicas e
ruínas) e reproduzida no artesanato local. Segundo a autora as imagens criadas pelos
artesões são “uma ressonância do passado” e conclui também que mais do que informar

113
sobre as percepções locais acerca do passado, essas elaborações revelam aspectos de
relações sociais estabelecidas no presente.

Podemos considerar que o mesmo processo ocorre em relação à alguns artesões


que entrevistei. Ezequiele mencionou aspectos iconográficos existentes nas peças
arqueológicas, porém com significados inexistentes na literatura arqueológica sobre a
cultura Maracá (Guapindaia; Souza; Carvalho, 2001). Diversos grafismos e motivos que
estão presentes nas pinturas dessas urnas são reproduzidos pela artesã e também novos
significados são acrescentados por ela na tentativa de agregar valor ao seu produto
comercial. A interlocutora dá nomes à esses motivos de pintura presentes nas urnas:
“linha do amor”, “linha da família”, linha da vida”, entre outros (Figuras 58).

114
Figura 58: Pratos de cerâmica com função decorativa, com incisos de decoração baseada na iconografia
da cultura Maracá. Produção da família Lima. Foto: Taynara Sales, 2019.

Ou seja, são conceitos propriamente da cultura ocidental, onde indígenas não teria
uma conbvivência com esses termos, principalmente por se tratar de uma cultura de pré-
contato. Esse fato corrobora com o que foi visto e relatado anteriormente, se tratando de
conhecimentos científicos atrelados ao imaginário de um coletivo, aliado ao fato de se

115
tratar de uma necessidade capitalista de agregar valores à uma peça de artesanato. Como
Denise Schaan (2006) ressalta, quando disse que há um distanciamento entre o
conhecimento produzido pela Arqueologia e as livres interpretações dos artesões sobre a
cultura material do passado. Essa forma de representar disseminar a informação de que
esses conceitos e lógica estavam presentes dentro da sociedade indígena já extinta, tem
uma explicação rápida e ao mesmo tempo, difícil de aceitar: faz parte do livro supracitado
um capítulo inteiro dedicado à “simbologia das formas”, como o nome do capítulo sugere
(Figura 59).

Figura 59: Início do quarto capítulo do livro "O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá
revelando sua identidade".

Nesse ponto do texto, foi estabelecido que era o momento de apresentar como
diferentes culturas (todas ocidentais) utilizavam de simbolismos específicos e suas
“explicações” para justificar cada grafismo presente nas peças arqueológicas. O que
considero uma revisão literária etnicida e até mesmo racista, pois não foi considerado que

116
indígenas possuam a própria simbologia em seu âmbito cultural, apagando suas crenças
e costumes do cotidiano e ritualístico. Houve um negligenciamento com as etnias
indígenas – tanto as já extintas quanto as contemporâneas – no momento que optaram em
não fazer uso da Etnoarqueologia51, onde poderiam traçar, por meios etnográficos, os
simbolismos indígenas pretéritos com os que se fazem presente na atualidade, para termos
um ponto de referência mais palpável e que faça mais sentido.

(a)

51
Segundo Fabíola Andréa da Silva (2009), a Etnoarqueologia é uma especialidade da arqueologia que
estuda as sociedades contemporâneas e sua relação com o mundo material. É abordado o seu
desenvolvimento como disciplina, ressaltando o debate em torno da relação entre etnoarqueologia e
analogia etnográfica.
117
(b)

Figura 60: (a) e (b): Páginas do livro que se dedicam a "explicar" o uso de simbolismo em outras culturas,
especialmente ocidentais, para justificar alguns grafismos indígenas presente na cultura material
arqueológica.

Assim, é nítido que houve criação de peças que não foram baseadas em
publicações científicas, mas que tiveram suas gênesis em desinformação e discursos
abertos à diferentes interpretações. É possível, inclusive, perceber um apelo cristão no
discurso implementado no livro, fazendo com que alguns artesãos tenham se sentido
identificados, pois muitos deles são de religiões cristãs, como o catolicismo e as de
vertentes evangélicas.

Não esquecendo de destacar que é através desse livro que os artesãos do Amapá
mais baseiam para a elaboração dos seus produtos, foca exacerbadamente nos desenhos
iconográficos das peças arqueológicas, contando com um capítulo do livro apenas para

118
ensinar os artesãos à manipular a iconografia (formas geométricas dos motivos
desenhados) e silhuetas das peças originais (Figura 61). Mais um incentivo de replicar a
iconografia das peças em superfícies de bolsas, cadernos, acessórios de bijuteria,
camisetas, entre outros (Figura 62). Ou seja, não possuir uma referência primária do
material arqueológico e obter ferramentas didáticas (cursos de capacitação) e incentivo à
criação de produtos inspirados nos motivos indígenas, interferem no processo de criativo
do artesão.

Figura 61: Título do sexto capítulo do livro "O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá
revelando sua identidade", dedicado à ensinar diferentes formas de uso da iconografia de culturas
arqueológicas, especialmente das fases Cunani e Maracá.

119
(a)

120
(b)

121
(c)

Figura 62: (a), (b) e (c): Exemplos de sugestões de como utilizar a iconografia da cultura Maracá, presente
no livro "O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua identidade".

No mesmo temos essa replicação de um detalhe da parte plástica da tampa da urna,


que caracteriza o entorno do que seria o rosto ali representado, foi tido com possível uso
utilitário para que os artesãos pudessem “se inspirar”. O que de fato aconteceu, já que
encontramos disponível adornos decorativos com o desenho sugerido no livro, em locais
de venda de artesanato. (Figura 63).

122
(a)

123
(b)

Figura 63: Página do livro mostrando diferentes formas geométricas que podem ser utilizadas a partir de
um detalhe plástico da tampa da urna; (b) adereço decorativo com o desenho encontrado no livro. Foto:
Taynara Sales, 2019.

Todavia, o veredito de determinar que a culpabilidade desse atravessamento de


ideias para o artesanato no Amapá é do artesão, é errôneo, já que à ele/a não houve demais
possibilidades de referência. Temos conosco um grave problema de gestão em
instituições de salvaguarda de material arqueológico, e uma falha na distribuição de livros
e cursos de capacitação, que não passaram por uma revisão adequada de literatura por um
arqueólogo. Assim, seguimos em uma tentativa de buscar na prática o que escreveu
Viveiros de Castro (2002: 113), sobre o antropólogo ser “[...] alguém que discorre sobre
o discurso de um nativo” e este nativo não precisa ser necessariamente distante à realidade
social do antropólogo, assim como memorou Mariana Cabral (2014) quando afirmou que
o papel do pesquisador é enquanto ator social.

124
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 64: Página do livro onde é retratado a inflência de D. Inês Cardoso, viúva do Mestre Cardoso, maior
referência de artesanato cerâmico no Norte do país; abaixo, na mesma página é mostrado como as réplicas
de urnas Maracá são produzidas no Amapá .

Para Renfrew e Bahn (2004, p.487), “o passado é um grande negócio: para o


turismo e para as casas de leilão [consequentemente, para outros agentes]. Possui uma
enorme carga política, é poderoso e é significativo desde o plano ideológico”. Sendo
assim, é preciso ter cuidado com as estratégias para lidar com esses bens. Estes são
passíveis de interpretações, consequentemente possibilitam (re)construir histórias e
memórias da atividade humana, representam grupos, mas a depender da ausência de uma
boa pesquisa, poderá cair em esquecimento sistemático, justamente por não ser um “bem
renovável”, por ser único, principalmente na sua essência.

125
Ao considerar o patrimônio arqueológico como uma fonte de informação que
precisa ser pesquisado, interpretado e disseminado entende-se que o exercício da
Arqueologia serve para fortalecer ideais culturais, mas o cuidado deve permear toda a
ação, pois também há a possibilidade de problemas estruturais afetarem o objetivo do
trabalho arqueológico. Pensando na “riqueza” que pode advir de um patrimônio
arqueológico, quanto a sua potencialidade, vê-se que a gestão de coleções, quando
inserida em um museu, e por meio da relação Museologia e Arqueologia, é uma premissa
capaz de auxiliar no tratamento e na disseminação da informação.

Essa relação deve fortalecer condutas que levem a preservação e a salvaguarda


do patrimônio arqueológico, que é igualmente pensado como uma ferramenta capaz de
viabilizar a construção de um presente, baseado em um relato cultural. Deste modo,
chama-se à reflexão sobre o cuidado que deve existir desde a realização do projeto de
Arqueologia até os processos que envolvem a salvaguarda desse patrimônio
arqueológico. Os parceiros envolvidos no ato da coleta de material arqueológico e
posterior a ele devem ser altamente pensados, bem como o destino que será dado a essas
coleções quando não mais forem alvo do projeto de arqueologia.

Dessa maneira, é destacada a importância da relação estreita entre a área da


Museologia com a Arqueologia, por ser na maioria das vezes um museu aquele que terá
a tutela do patrimônio arqueológico. Nesse momento, cabe o diálogo com áreas
pertencentes ao estudo das sociedades e de suas práticas. Esta abrangência decorre do fato
das coleções arqueológicas representarem funções sociais relevantes, que sem a troca de
informações e complementação de dados, por parte de diversos profissionais,
particularidades podem ser perdidas ou continuarem imperceptíveis.

A pesquisa e a disseminação das informações relativas às coleções arqueológicas,


que são fundamentadas pelas duas áreas do conhecimento de forma elucidativa, permitem
ampliar o grau de entendimento sobre como se davam as relações sociais dos grupos. A
interface entre a Museologia e a Arqueologia foi proposta por ambas possuírem o
compromisso com a preservação do bem cultural e por serem áreas voltadas para análise
das culturas materiais e das relações sociais. Por fim, por serem áreas do conhecimento
são desafiadas a lidar com o respeito aos grupos humanos, visando ampliar o contexto
documental frente aos desafios impostos pelo patrimônio arqueológico.

É inegável o potencial dos museus, como entidade social que se habilita a


contribuir de variadas formas com a pesquisa, salvaguarda (documentação museológica

126
e conservação), disseminação do conhecimento, segurança das coleções e de seus
colaboradores. Portanto, ao investigar em particular os objetos arqueológicos, os museus
se propõem a perceber por meio da “reunião desses objetos o que cada um conserva em
sua individualidade e reunidos de maneira intencional, segundo uma lógica específica”
(Desvallées; Mairesse, 2013, p.35), e assim, exprimem informações precisas sobre os
testemunhos culturais.

As coleções de cunho arqueológico, que compõem os museus, são um dos


elementos culturais que configuram a existência humana. Eles nos ajudam a ver que a
noção de patrimônio arqueológico é ampla e relacionada “à porção do patrimônio
[cultural] material para a qual os métodos da arqueologia fornecem os conhecimentos
primários”, [permitem compreender] assim todos os vestígios da existência e indícios das
atividades humanas (ICOMOS/ICAHM, 1990, p.02), bem como da atuação de um grupo
em seu meio e como produtor de documento social. Sendo assim, por meio da
musealização para as coleções arqueológicas, a qual envolve os processos de salvaguarda,
que é um instrumento de gestão de coleções, deve possibilitar o conhecimento e fruição
dentro dos museus, e esta precisa fazer da coleção suporte de informação e documento
visando à preservação do patrimônio em questão.

De acordo com Alfredo Bosi (1992, p. 21), cultura é o conjunto das práticas, das
técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para
garantir a reprodução de um estado de coexistência social. Mais ainda: a “análise cultural
é (ou deveria ser) uma adivinhação dos significados, uma avaliação das conjeturas, um
traçar de conclusões explanatórias a partir das melhores conjeturas e não a descoberta do
Continente dos Significados e o mapeamento da sua paisagem incorpórea”, como afirma
Clifford Geertz (1989, p.14).

Nesse contexto, existe também uma pauta relevante de se citar nesta pesquisa.
Alguns artesões exigem das associações a legitimação de uma nova lógica de lucro e
comercialização para o mercado turístico: a visitação das olarias e a apresentação dos
processos de confecções das cerâmicas como novas forma de mercantilização da
atividade. Outros já exigem que as associações oficializem a autenticidade da produção
dos artesões nas peças.

127
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APÊNDICES

Roteiro de Entrevista
Gestores/Pesquisadores – Macapá
1. Fale sobre a coleção de Urnas Maracás que existem aqui (as escavações
quantidade de peças, visitas abertas ao público);
2. Você consegue perceber alguma relação da população com as cerâmicas
Maracá?;
3. A instituição promove ou já promoveu oficinas/palestras sobre a cultura
Maracá?;
4. Existe um público específico de artesãos?
Pessoas envolvidas com artesanato – Macapá
1. Onde você aprendeu o ofício de artesã (o)?;
2. Como o artesanato se iniciou aqui em Macapá?
3. Qual a importância da cultura Maracá pra você?;
4. As peças inspiradas na cultura Maracá costumam vender bastante?
5. Você costuma visitar os museus ou exposições arqueológicas?

Quadro 1: Roteiro de entrevista semi-estruturada. Taynara Sales, 2018.

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