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DOI: 10.18468/pracs.2020v13n3.p0-0
1 Professora Adjunta da Faculdade de Serviço Social do Campus Universitário do Marajó/Breves da UFPA (FACSS/
CUMB/UFPA). Coordenadora do Programa e líder do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Infâncias e Diversidade
no Arquipélago do Marajó/DIDHAM. Assistente Social, Mestre em Serviço Social, Doutora em Educação. E-mail:
[email protected].
2 Bacharel em Serviço Social (UFPA). Integrante do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Infâncias e Diversidade no
Arquipélago do Marajó (DIDHAM). E-mail: [email protected].
ABSTRACT: In this article we deal with the Public Defender’s Office of the State of
Pará’s role in cases of child rights violations, in special in Breves city (Marajo/PA). We
have the following objectives: understand how the process of implementing the Public
Defender's Office in Marajó/PA took course; Identify and understand the demands that
arise to the Public Defender's Office in Breves; Analyze the performance of the Public
Defender's Office in cases of children's rights violations in Breves/PA. First, we reflect
on the construction of the notion of children's rights, from a historical perspective,
highlighting the institutions and the legal devices that, over the years, have designed what
we understand today as a comprehensive child protection. Then, we present the Marajó
Archipelago, highlighting its territorial, social and economic aspects, focusing on the city
of Breves. Finally, we present the Public Defender’s Office of the State of Pará, its per-
formance in Marajó Ocidental region and its actions aimed at child protection in that city.
We present results of action-research, based on bibliographic survey, documentary and
field research. The results of this research were achieved from institutional visits and in-
terviews with ten public defenders who worked in Breves throughout the period from
2007 to 2019; however, we will give emphasis to the reports and considerations of seven
professionals interviewed, due to their most recent performance and the research objec-
tives. We realized that even with the limitations that the Public Defender's Office faces in
the State os Pará, such as lack of finances, reduced staff and weakened structure, this
institution has revealed itself, since its implantation in Marajó, as one of the essential ins-
truments for the access of children, adolescents, youth and their respective families to
ample and free justice in the region, and it is necessary to recognize it as an important part
of guaranteeing children's rights in the city of Breves.
Keywords: Child; Human Rights; Public Policies. Marajó.
1 INTRODUÇÃO
3 O Programa DHIDAM, idealizado e coordenado pela Profa. Dra. Jacqueline Tatiane da Silva Guimarães, teve início em
março de 2017 com um projeto de extensão contemplado pelo Programa Institucional de Extensão/PIBEX/UFPA,
tendo sido adensado pelos projetos de pesquisa fomentados em 2018 pelo Programa Institucional de Iniciação Cientí-
fica/PIBIC e o Programa de Apoio ao Professor Pesquisador/PRODOUTOR. Em 2019 os projetos foram ampliados
numa proposta de programa a partir da chamada do edital do Programa de Extensão Inclusiva Avançada da UFPA,
conhecido como PROEXIA Marajó, tendo como finalidade atender especificamente propostas voltadas para os dezes-
seis municípios marajoaras.
tros de Referência de Assistência Social (CRAS). Durante o período de 2017 a 2018 foram
alcançados 25 profissionais, sendo 11 professores da rede pública de ensino, 13 profissionais
dos Centros de Referência de Assistência Social (incluindo assistentes sociais e orientadores
sociais) e 01 defensor público (GUIMARÃES, 2018).
De 2018 em diante, o programa passou a ter como intenção realizar ações formativas e de
pesquisa em mais três municípios pertencentes ao Marajó Ocidental, como Melgaço, Portel e
Curralinho, tendo sido esta proposta oficializada por meio de editais e portarias em 2019,
considerando a extensão do território marajoara e as diversas problemáticas que atingem de
modo particular cada um dos municípios mas que acabam por possuir os mesmo fatores mo-
tivadores que iremos nos deter e esmiuçar mais adiante.
As ações do DIDHAM ao reunir atividades extensionistas e de pesquisa fomentadas por
docentes e discentes, passou a ser fortalecer e articular nas ações de ensino incluindo como
importante estratégia o engajamento de bolsistas e voluntários por meio de seus planos de
trabalho e projetos de Trabalho de Conclusão de Curso. Deste modo, é fundamental salien-
tarmos que apresentamos resultado de pesquisa desenvolvida em monografia de conclusão de
curso realizada e defendida por Carvalho (2020)4, em que neste artigo indicamos e ampliamos
seus resultados e análises.
Desta forma, neste artigo temos muito bem demarcado o recorte territorial e institucional
para a realização de observações e considerações sobre os desafios para a concretização da
garantia de direitos de crianças e adolescentes no Marajó. Tratamos sobre a atuação da Defen-
soria Pública no município de Breves (Marajó/PA), tendo como objetivo principal identificar
e analisar os desafios e demandas que se apresentam para esta instituição quanto aos casos de
violações dos direitos da infância.
A Defensoria Pública atua em quatro municípios, porém a sua sede fica no município de
Breves/PA, tendo uma significativa demanda quanto à garantia de direitos humanos na região
marajoara, dentre as quais estão as da infância. A fim de aprendermos as complexidades que
envolvem o nosso objeto nos guiamos pelos seguintes objetivos: I) Compreender o processo
de implantação da Defensoria Pública no Marajó; II) Identificar e analisar as demandas que se
apresentam a Defensoria Pública no município de Breves e III) Verificar e analisar a atuação
da Defensoria Pública frente aos casos de violação dos direitos de criança e adolescentes em
Breves/PA.
Para contemplarmos esses objetivos estruturamos o texto em três eixos: Primeiro, percor-
remos a história da infância a nível internacional, nacional e regional, refletindo sobre a cons-
trução histórica dos direitos da criança, destacando as principais instituições e dispositivos
jurídicos bem como os processos de institucionalização que mudaram em decorrência da res-
significação do que seria infância. Para esta abordagem histórica sobre a infância recorremos
a pesquisadores como Peter Stearns (2006), Philippe Ariès (2017), Irene Rizzini e Francisco
Pilotti (2011).
Nos pautando em leituras de Stearns (2006), Ariès (2017), Rizzini e Pilotti (2011) observa-
mos que a palavra infância, ao longo dos séculos, sofreu modificações quanto a seu significado,
mudança esta que acompanhou a evolução histórica da sociedade e refletiu diretamente no
trato dispensado às crianças nos diversos países. Ao longo dos anos foram pensados tratados,
leis, estatutos e organizações próprias para a infância.
4 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Serviço Social do Campus Universitário do Marajó/Breves
da Universidade Federal do Pará no dia 10/12/2020.
Partindo das considerações organizadas por Ariès (2017), observamos uma evolução do
amadurecimento quanto à concepção de infância por parte da sociedade europeia medieval,
destacando que, em meados dos séculos XV e XVI, a duração da infância se detinha ao perí-
odo mais frágil da criança, afirmando que a criança em seus primeiros anos de vida já se mis-
turava aos demais homens da sociedade, sendo tratados como iguais. Assim, segundo autor, à
criança era reservado um sentimento superficial, o qual denominou “paparicação”, o caracte-
rizando como um breve momento, em que a criança em seus primeiros anos de vida, se apre-
sentava como uma “coisinha engraçadinha”, que despertava nos adultos momentos de descontra-
ção.
De acordo com Ariès (2017), é a partir do século XVIII que começa a se desenhar na
sociedade medieval a consciência da existência da criança na sociedade, definida por ele como
o surgimento do “Sentimento da Infância”, que, por sua vez, não está ligado à afeição desti-
nadas a crianças, mas corresponde ao surgimento e ao amadurecimento de uma consciência
da particularidade infantil. E é, justamente, a partir deste sentimento da infância que começam a
6 Ao tratar deste termo, Melo (2019 apud LUZ, 1999, p.610) diz que o mesmo é utilizado para definir pessoas de “pobreza
constatada” e que por este motivo precisam ser auxiliadas pelo Estado. É válido destacar que para fins de atendimentos
da Defensoria Pública, a situação de pobreza é constatada por meio de declaração de hipossuficiência, documento in-
terno da instituição, organizado e cedido pela mesma na triagem dos atendimentos.
Higienista fossem localizados nos estados do Rio de Janeiro e Bahia, o Pará também foi in-
corporado a este movimento, sendo notado, segundo a autora, uma presença significativa no
período de 1900 e 1915, de médicos que atuando frente às principais doenças do estado, que
também realizavam trabalhos de conscientização quanto a saúde da criança. Neste período, a
filantropia foi o grande marco das ações destinadas à infância, se diferenciando da caridade
por seus métodos de aplicação, prevendo resultados concretos e imediatos.
Após muitos avanços e retrocessos, que giraram em torno da exploração de trabalho infantil
em fábricas, casas de correção7 e culpabilização das famílias pobres, que segundo Rizzini e
Pilotti (2011) durante um longo período da história não foram tidas como aptas a cuidar de
seus filhos. Guimarães e Carvalho (2017) relembram que o século XX era descrito por muitos
teóricos internacionais como o século da criança, em que já eram esperados significativos avanços
na proteção e reconhecimento da infância. Como desdobramento deste pensamento, em 1924,
a Liga das Nações adotou a Declaração de Genebra, elaborada em 1923 pela inglesa Eglantyne
Jebb, fundadora da Internacional Save The Children, junto à União Internacional de Auxílio à
Criança, tida por diversos teóricos como a primeira versão da Declaração Universal de Direitos
Humanos da Criança. Em sua formulação, tal declaração versa sobre a necessidade de uma
proteção especial para crianças, destacando a prioridade no atendimento, proteção contra a
exploração e meios especiais para o seu desenvolvimento (GUIMARÃES e CARVALHO,
2017; UNICEF [20--]).
Entretanto, neste mesmo período, o que observamos no Brasil, é uma crescente prática de
se acolher menores8 em asilos. Estas instituições, assim como as casas de correção, possuíam
uma regulamentação pautada na moral e no trabalho, como formas de se regenerar o menor,
para que este ocupasse seu lugar na sociedade, restaurando assim a ordem social (RIZZINI e
PILOTTI, 2011). É seguindo esta lógica que começamos a vislumbrar no país práticas de
“proteção” destinadas apenas a crianças pobres, vistas como delinquentes e ameaças à socie-
dade. Corroborando com esta construção social e a transformando em lei, neste período é
aprovado o Código Mello Mattos (1927)9, popularmente conhecido como Código de Menores.
Em homenagem ao seu autor, o jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, o Có-
digo Mello Mattos (1927) foi elaborado com a finalidade de controlar menores de 18 anos,
abandonados e tidos como delinquentes. Apesar das ressalvas acerca desta legislação, se faz
importante destacar que com ela tem-se no Brasil uma significativa evolução no trato da cri-
ança, tendo em vista que esta configura a primeira lei brasileira que destina um tratamento
sistemático à infância. (AZEVEDO, 2007)
Azevedo (2007) destaca que, anterior a este período, as legislações brasileiras não diferen-
ciavam direitos e deveres de adultos e crianças, a exemplo, temos o ano de 1830, em que o
sistema penal adotava o critério biopsicológico para julgar crimes cometidos por crianças e
adolescentes entre 07 e 14 anos de idade, cabendo ao juiz decidir se a criança em questão
7 Descrito por Rizzini e Pilotti (2011), o termo casas de correção corresponde a instituições que determinadas pelo Código
de Menores (1927) e pautadas na repressão e na formação profissional, procuravam reeducar menores na década de
1920.
8 Rizzini (2011, p.134) sintetiza que o termo menor “torna-se uma categoria jurídica e socialmente construída para designar
a infância pobre - abandonada (material e moralmente) e delinquente”. Aqui destacamos que como descrito pela autora
ao longo dos anos esse termo ultrapassou o ambiente jurídico, sendo até hoje utilizado de forma pejorativa para se referir
à crianças e adolescentes pobres no Brasil.
9 Precisamos destacar que, mais tarde, no ano de 1979, o mesmo código sofreu uma atualização, que no entanto não
saberia ou não distinguir o bem do mal. Logo, apesar do Código de Menores (1927) ter um
caráter conservador, ele representou no país um gigantesco avanço legislativo, tanto que o
termo “menor de 18 anos”, que se refere a quem a proteção do Código era destinada, acom-
panha até os dias atuais as diversas legislações voltadas para crianças e adolescentes no Brasil.
A partir de 1948, uma onda internacional de dispositivos jurídicos começa a refletir direta-
mente de forma positiva na legislação brasileira. Em 1948, é proclamada pela União das Na-
ções Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, mesmo não sendo um ins-
trumento voltado diretamente para a criança, orientou as diversas declarações, leis e estatutos
após sua promulgação. Em 1959, como uma versão nova da Declaração de Genebra (1923) é
adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Declaração Universal de Direitos Huma-
nos da Criança, que prevê em seu texto direitos básicos à infância, como educação, direito à
brincadeira e a um ambiente saudável para seu desenvolvimento (UNICEF [20--]). 10
Em 1989, a Convenção de Direitos da Criança é adotada pela Assembleia Geral da ONU
e aberta para a ratificação dos Estados membros. A Convenção de Direitos da Criança (1989),
de acordo com a UNICEF (2019), é um dos documentos legais em favor da proteção e pro-
moção dos direitos da criança mais aceitos em todo o mundo, sendo ratificada por 196 países,
configurando o primeiro marco institucional que reúne em sua formulação direitos econômi-
cos, sociais, culturais e políticos, que, juntos, formam um conjunto de proteção integral, em
que nenhum direito se sobrepõe ao outro. Segundo a UNICEF (2019, p. 4):
10 Para mais informações, acesse o documento “História dos Direitos da Criança”, disponível em: <https://www.uni-
cef.org/brazil/historia-dos-direitos-da-crianca>. Acesso em: 28 de outubro de 2020.
e entender a região a partir de sua diversidade cultural, social, econômica e ambiental”, desta
forma, e é tentando alcançar este debate que no próximo tópico nos dedicamos a compreender
a região marajoara a partir de tais aspectos.
Guimarães (2018) ao se debruçar sobre os casos de violações dos direitos da infância ma-
rajoara argumenta que os olhares de jornalistas, filantropos, empresários, pesquisadores e do
próprio Governo Federal (considerando as diferentes gestões) passaram a se voltar para região
após as denúncias realizadas, no ano de 2006, pelo Bispo do Marajó, Dom José Luiz Azcona,
aliado ao panorama apresentado pelo último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) (2010) em que os municípios marajoaras apresentaram baixos indicadores
de desenvolvimento social. Neste sentido, a autora continua argumentando que é comum nos
depararmos com discursos e noticiários que descrevem a Amazônia, e por consequência o
Marajó, por suas riquezas naturais, ao passo que de uma forma sensacionalista e empírica
abordam sobre os baixos índices sociais que, em sua maioria decorrem do abandono social
por parte do Estado.
Guimarães (2018) se refere a região como Marajós, destacando que, enquanto um arquipé-
lago formado por 16 municípios, o Marajó não é homogêneo, sendo necessário descrever sua
pluralidade, para então chegarmos ao locus desta pesquisa. Sarraf-Pacheco (2018, p. 64), ao se
voltar para esta pluralidade, sintetiza que:
Em sua porção Ocidental, conforma-se pelo Marajó das Florestas, nos municípios de São Se-
bastião da Boa Vista, Curralinho, Bagre, Portel, Melgaço, Breves, Anajás, Afuá e Gurupá, e em
sua porção Oriental, constitui-se pelo Marajó dos Campos, nos municípios de Chaves, Soure,
Salvaterra, Cachoeira do Arari, Santa Cruz do Arari, Muaná e Ponta de Pedras.
É importante ressaltarmos que, assim como observado por Sarraf-Pacheco, esta divisão não
se remete a paisagens, mas procura demarcar diferenças e semelhanças culturais e históricas
da região (SARRAF-PACHECO, 2018). Destacamos que estas semelhanças e diferenças tam-
bém atravessam processos econômicos, a forma de vida de seus moradores e principalmente
os índices sociais dos municípios.
No dia 23 de junho de 2017 ao realizar o primeiro evento do Programa DHIDAM, a coor-
denadora destacou que as suas intenções em dialogar sobre o tema dos direitos humanos da
infância marajoara decorriam inicialmente da constatação que teve ao verificar as notícias de
matérias de jornais eletrônicos e blogs sobre os casos de violações na região. Inicialmente a
docente e pesquisadora destacou a existência de vinte e oito matérias, nas quais verificou que,
ao tratarem sobre o Marajó em sua parte Oriental, tais notícias descrevem a região por suas
belas paisagens naturais e rústicas, um verdadeiro atrativo para os turistas11; já em outras, que
têm como foco municípios localizados em sua parte Ocidental, a mesma região é considerada
e descrita como “o pior lugar para se viver”12.
11 Reportagens como estas comumente estão disponíveis em sites turísticos ou em blogs com dicas de viagens. A exemplo,
temos a matéria “6 praias na ilha de Marajó para visitar e se apaixonar”, disponível em: < http://www.viagensero-
tas.com.br/2016/05/6-praias-na-ilha-de-marajo-para-visitar-e-se-apaixonar/>. Acesso em: 23 de outubro de 2020.
12 Matérias como estas ganharam maior notoriedade a partir das denúncias realizadas pelo Bispo do Marajó Dom José
Luiz Azcona, acerca dos casos elevados de exploração sexual infantil na região, que, juntamente aos baixos Índices de
Desenvolvimento Humano - IDH, obtidos pela maioria dos municípios do Marajó Ocidental, fazem a região se destacar
de forma negativa no cenário nacional. A Exemplo, temos a matéria publicada pela BBC NEWS em 2019, que tem como
manchete o texto “Desnutrição, abusos e mortes fazem da Amazônia o pior lugar do Brasil para ser criança” e faz
referência aos municípios localizados na Amazônia Marajoara. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/bra-
sil-50215491>. Acesso em: 23 de outubro de 2020.
13 Estes dados podem ser constatados em Lacerda, Gomes e Guimarães (2018) e Guimarães et al. (2019).
14 Fala proferida no evento organizado pelo Núcleo de Pesquisa “Infâncias amazônicas: arte, cultura e educação de crianças
em diferentes contextos”/ NUPEIA da UFPA, discorrendo sobre o tema “Políticas Públicas e Infância no Marajó:
olhando para o passado e pensando o presente”, ocorrido no dia 24 de maio de 2019. Esta fala também foi reafirmada
pela mesma pesquisadora que ao tratar sobre “Os impactos do novo COVID-19 na vida de crianças da Amazônia
Marajoara” na conferência online “Discutindo sobre as situações de vulnerabilidade na pandemia: populações das ilhas”,
cujo tema central foi “Os desafios a serem enfrentados pela Amazônia paraense”, ocorrido no dia 28 de maio de 2020.
era de apenas 3,3% (IBGE, 2010). Dados como estes são essenciais para visualizarmos a aten-
ção que tem sido dispensada a direitos básicos nestes municípios, que acarretam de forma
negativa em outros aspectos, como o número elevado de internações e mortes por diarreia
nos municípios marajoaras, principalmente nas cidades de sua região Ocidental, onde se loca-
liza o município de Melgaço.
Destacar estes aspectos sobre os municípios vizinhos de Breves/PA objetivam também
demonstrar que as suas condições precárias atingem sobremaneira o município sede do Marajó
Ocidental, que ao concentrar equipamentos institucionais mais diversificados e completos
(considerando as limitações econômicas e territoriais) acaba por ter que atender às demandas
de regiões que não possuem um sistema de assistência sociojurídica próprio ou autônomo, por
exemplo. Logo, as problemáticas a serem enfrentadas nos diferentes municípios ao terem suas
particularidades também fazem parte de um mesmo processo, de uma mesma cadeia de desa-
fios que se alimentam mutuamente dentro da região marajoara.
Tomando como base os parâmetros utilizados pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) que, ao tentar ultrapassar critérios meramente econômicos, utiliza
para a construção deste dado estatístico os aspectos de renda, educação e saúde, podemos
vislumbrar como um índice baixo implica na dinâmica social de um determinado município.
Assim, mesmo pertencendo à mesma região, podemos notar que se entrelaçam com os modos
de economia local, de valorização territorial e ciclos de exploração econômicos, as problemá-
ticas que atingem os municípios também serão diferentes e, ao passo que se encontram em
locais mais distantes da capital, se tornam mais intensos. Por este motivo, se faz necessário
que, no presente artigo seja apresentado a história do município locus desta pesquisa, para que
assim possamos compreender os desdobramentos e impasses que permeiam a sua dinâmica
atual.
processo emancipatório começa a se desenhar, sendo elevada à Freguesia “Nossa Senhora dos
Breves” e, aos poucos, conformando o atualmente conhecido município de Breves.
Gonçalves (2016) nos relembra que, assim como os demais municípios do Marajó e da
Amazônia como um todo, o município de Breves em sua história foi marcado por diversas
expedições, que traziam consigo interesses em sua maioria capitalistas. Logo, o município tam-
bém incorporou os diversos ciclos extrativistas econômicos da Amazônia, tendo como mais
recente, Ciclo da Madeira (1970 – 2010), destacado por Leão (2009) como um marco signifi-
cativo para a região. Pois, justamente, com o crescimento e o apogeu do Ciclo Madeireiro, um
dos mais duradouros por qual passou o município, houve um significativo crescimento popu-
lacional, com a migração de pessoas que buscavam trabalho e melhores condições de vida.
Leão (2009) sintetiza que foi devido a este crescimento populacional junto ao investimento
realizado pelo setor madeireiro ocorrido nas décadas de 70 ou 80 que foi ampliado o acesso à
educação e a área comercial do município. Leão (2009, p. 59) ressalta que, “as pessoas que
migraram para Breves, na década de 70, imaginavam chegar nessa cidade e encontrar melhorias
na qualidade de vida”; no entanto, o que encontravam eram oportunidades limitadas, junto a
casas e terrenos ofertados por preços muito altos. Todo esse processo ocasionou na expansão
de forma desordenada dos limites territoriais do município, a partir da ocupação de áreas de
mata fechada, sem que houvesse um prévio planejamento urbano e um devido preparo para
o recebimento destes novos moradores, para a prestação de serviços públicos básicos. Além
disto, a grande quantidade de migrantes que chegava ao município resultou em um inchaço de
mão de obra barata. Ao se voltar para esta problemática, Leão (2009, p. 68) afirma que
A ocupação desenfreada dessa parte da cidade impediu o acesso à cidadania completa [...] A
maioria dessas pessoas não conseguiu construir moradias dignas e enfrentam atualmente pro-
blemas com falta de água, acesso a médicos e remédios e principalmente o aumento da violência,
em decorrência do desemprego.
Esse inchaço populacional ainda pode ser percebido atualmente, em que a população de
Breves em 2010 estava estimada em 92.860, em 2019, passou para 102.701 habitantes, fazendo
com que seja um dos municípios com maior contingente populacional da região marajoara.
Leão (2009) sintetiza que como um dos reflexos dos diversos ciclos extrativistas que, ao se
finalizarem, causaram instabilidade financeira, desemprego em massa e a formação de um
exército de mão de obra barata no município, diversas famílias foram levadas a desenvolver
atividades informais, ao passo em que ingressam em programas de transferência de renda,
como o Programa Bolsa Família, tendo como reflexo atualmente a baixa renda per capita dessas
famílias, que equivale a R$209,14 por mês (IBGE, 2010),
Todo esse processo histórico desencadeou as problemáticas que hoje se apresentam ao
município, principalmente quando nos voltamos para a questão da infância. Segundo o último
Censo (2010), o percentual de crianças de 10 a 13 anos do município que se encontravam em
situação de trabalho infantil é de 12,9%; crianças e jovens com idade entre 10 a 17 anos que
não frequentavam a escola era de 12,9%. Logo, a taxa de analfabetismo desse grupo etário
também é significativa, sendo de 15,9%. Estes dados, aliado ao baixo percentual de 5,2% de
pessoas que têm saneamento básico adequado no município e ao significativo número de 1.115
de domicílios sem rendimento mensal, apresentam a questão da infância e da adolescência no
município como uma das que necessitam de uma atenção redobrada. (IBGE CIDADES, 2010)
Usando como base a afirmação de Fonseca e Shuch (2009) de que vivemos em um contexto
que enfatiza a “universalização da infância”, mas não a universalização das condições para
acesso à infância, estes dados são essenciais para vislumbrarmos quão importante se faz a
efetivação de políticas públicas na região, bem como a presença das diversas instituições que,
como a Defensoria Pública, trabalham e desenvolvem ações essenciais frente a essas proble-
máticas.
15 Informações disponíveis no site oficial da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e Organização Mundial da
Saúde (OMS) que é atualizada diariamente (https://www.paho.org/pt/covid19).
Conforme o quadro acima observa-se que dentre os nossos sete entrevistados três são mu-
lheres e quatro são homens, havendo uma predominância dos que atuam na área Cível. Destes,
somente um atuou no extinto NAECA que mais adiante iremos nos debruçar. Necessário
destacar que, todos os profissionais alcançados por esta pesquisa tiveram suas primeiras expe-
riências como defensores públicos nas comarcas do Marajó, contudo, como podemos obser-
var na descrição acima, nenhum deles é de origem marajoara, e não ultrapassou o período de
quatro anos atuando na região. Mesmo que não tenhamos nos aprofundado nesta questão,
esta observação se faz importante, para compreendermos futuramente as dificuldades na con-
tinuidade dos serviços ofertados pela instituição, bem como na carência de registros que tratam
de sua história.
Barros (2018) destaca que a construção das defensorias públicas estaduais no Brasil não se
deu de forma uniforme, tendo seu primeiro registro no estado do Rio de Janeiro, no ano de
1954. No estado do Pará, a Defensoria Pública nasceu em 1983, a fim de oferecer o serviço
de assistência judiciária, que antes era promovido pelo Ministério Público do Estado. Em 18
de junho de 1993, com o objetivo de promover o amplo acesso à justiça aos cidadãos hipos-
suficientes do Pará, a instituição foi regulamentada pela lei complementar estadual nº 013,
TOS HUMANOS E INFÂNCIA NO MARAJÓ: uma análise dos sistemas de justiça dos municípios de Breves, Melgaço
e Portel” a partir das informações disponíveis no site da Defensoria Pública do Estado do Pará, disponível em:
http://www2.defensoria.pa.def.br, acesso em: 06 de julho de 2019.
18 Missão institucional da Defensoria Pública, disponível no Sítio Eletrônico da instituição, disponível em:
A Defensoria era [...] era [...] vamos dizer assim era [...] era meio que a salvação em termos de
acesso ao judiciário né? [...] pra uma comunidade hipossuficiente (...) o custo de advogados era
muito alto, tinha [...] havia notícias de se vender barcos, motor, vender casa [...] enfim, vender o
mínimo existencial [...] pra poder bancar honorário advocatícios né? [...] quando a Defensoria
chegou essa situação acabou né? (Entrevistado IV. Pesquisa de Campo, 2020).
Esta fala é reveladora, pois por meio dela podemos analisar não só o impacto positivo da
instalação da Defensoria Pública no Marajó Ocidental, mas também justificar a urgência que
localidades como o Marajó têm da presença e do fortalecimento de instituições que mesmo
com suas limitações institucionais colaboram para o acesso à direitos básicos.
Nas falas dos 10 (dez) defensores públicos alcançados pela pesquisa de campo aqui utili-
zada, foi possível perceber que as demandas apresentadas entre os anos de 2007 a 2019 (perí-
odo que compreende a atuação dos defensores públicos alcançados por esta pesquisa) não se
diferem muito, e geralmente esbarram em direitos fundamentais básicos, como o de direito ao
registro de nascimento, que em todas as entrevistas foi relatado como um dos direitos mais
violados no Marajó, face ao número gigantesco de casos que a Defensoria Pública do Marajó
já atendeu e atende de pessoas que, por não possuírem registro de nascimento, são impossibi-
litadas de gozarem de outros direitos básicos, como saúde, educação e até mesmo o cadastro
em benefícios sociais, como o Programa de Transferência de Renda Bolsa Família.
Guimarães (2018, p.8) destaca que, em pesquisas realizadas sobre a rede de proteção da
criança e do adolescente no município de Breves, foi possível identificar a presença de “Con-
selho Tutelar; Conselho Municipal de Direito da Criança e do Adolescente; fundação PRO
PAZ integrado; Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos/SCFV Aeroporto;
Abrigo institucional e a Pastoral da Criança”. A autora também inclui em sua análise as escolas
como extensão de proteção e garantia dos direitos da criança no município, observando que,
mesmo com a presença de diversas instituições de defesa/promoção de direitos, os profissio-
nais que atuam frente a essas demandas ainda desconhecem os dispositivos de atuação de cada
instituição, o que limita e impede sua atuação intersetorial, fazendo com que a concepção de
trabalho em rede se restrinja à Política de Assistência Social do Município.
A Defensoria Pública não se distancia dessa realidade, uma vez que suas ações voltadas para
crianças e adolescentes são ofertadas de forma pontual e desligadas das demais instituições,
Mensalmente? Como assim, em uma estimativa? Eu imagino que por dia, a gente deva receber
atendimentos relacionados a [...] claro, a gente não atende toda a demanda do município, a gente
tem uma demanda que é limitada, se tiverem três pessoas atendendo, a gente vai ter trinta pes-
soas atendidas né, então considerando esse universo de trinta pessoas que são atendidas, eu acho
que pelo menos oito a dez no mínimo assim, são relacionadas a direitos de crianças e adoles-
centes, por dia se forem contando esses trinta atendimentos, por dia se forem três defensores.
(Entrevistado II, Pesquisa de Campo, 2019)
Esse registro representa o que seria o apogeu da Defensoria Pública no Marajó que, de
acordo com os dados levantados por esta pesquisa, se deu entre os anos de 2010 a 2014, época
em que o município de Breves, bem como o Marajó já tinha visibilidade nacional e internaci-
onal por conta do fechamento das madeireiras no município; nesta época em especial, além
da presença do NAECA no município de Breves, o que já configura um significativo avanço
da instituição na região, os defensores públicos alcançados por esta pesquisa que atuaram no
Marajó no período de 2010 a 2013, destacam que, em especial os anos de 2012 e 2013 foram
os melhores anos da Defensoria Pública no arquipélago marajoara, sendo possível através do
sistema de itinerância atender grande parte dos seus municípios.
Em decorrência do processo de desmonte que as políticas públicas vêm sofrendo no Brasil
na última década, que tem reflexo negativo em todas as instituições que de alguma maneira
dependem de investimentos públicos para seu funcionamento, a Defensoria Pública no Marajó
foi aos poucos enfraquecendo, contando atualmente com poucos defensores públicos e a au-
sência do NAECA, que faz com que as ações da defensoria se concentrem nas demandas que
se apresentam de forma espontânea à instituição, fazendo com que haja um distanciamento
do restante da sociedade, o que geralmente ocasiona uma confusão na definição do que seria
o trabalho desenvolvido pela defensoria.
Porém, mesmo com a ausência do NAECA e das demais ressalvas feitas quanto a Defen-
soria Pública no município de Breves e sua atuação frente às demandas da infância, a sua
presença no Marajó é primordial, principalmente se levarmos em consideração o tratamento
dispensado à crianças e adolescentes pobres ao longo da história do Brasil. Isso se torna visível
no Marajó, ao nos depararmos com o seguinte relato:
[…] a gente vê também muitos adolescentes que são, começam a trabalhar muito cedo, e é
interessante que pra mim isso é uma violação, mas se eu tô numa audiência de ato infracional, o
juiz pergunta pro menino de 14, 15 anos, mas você trabalha? Mas porque você não trabalha?
Então se fosse o filho do juiz com 15 anos ele não devia trabalhar, ele devia tá estudando, fa-
zendo um cursinho, praticando um esporte, mas o filho do pobre tem que tá trabalhando, e se
ele não trabalha é um absurdo né? (Entrevistada I, Pesquisa de Campo, 2018)
Em relatos como estes, percebemos mais uma vez a culpabilização da vítima por estar em
determinada situação, ao passo que percebemos o quão distantes se fazem dessas crianças e
adolescentes ações do Estado que venham a verdadeiramente propor mudanças. E, a partir
deste relato, bem com destas e outras pesquisas já realizadas no Marajó Ocidental que obser-
vamos a urgência em se propor alternativas que realmente venham contribuir para a implan-
tação e fortalecimento de políticas públicas com caráter de atendimento integral, pois o que
ainda observamos na região são resquícios de políticas públicas próprias do século XIX, que
não conseguem ainda ultrapassar a lógica da caridade e da repressão para ordem social.
Prova disto, é o mais recente Programa do Governo Federal lançado no Marajó no dia
09/10/2020 denominado como Programa Abrace o Marajó, que sem uma escuta prévia e
especializada dos moradores e instituições que já se fazem presentes no Marajó, traz em seu
plano de ação mais de cem medidas de atuação para os 16 municípios da região, que, além de
se apresentarem aos municípios de forma imposta, possuem caráter focal e assistencialista.
A exemplo disto, temos a ação denominada “Diagnóstico e Fortalecimento do Sistema de
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizar análises sobre os direitos da infância no Brasil nos exige sempre tomar estes sujei-
tos sociais, políticos e históricos dentro e a partir de considerações que se façam contextuali-
zadas, ressaltando os seus avanços e retrocessos, em que constantemente nos deparamos por
disparidades entre o real e o ideal, assim como a dura realidade vivida por crianças pobres que
vivem nas periferias brasileiras em contraponto com as nossas legislações. Observamos que
existem diferentes marcadores que atingem as nossas infâncias que vão para além de condições
econômicas quando na verdade aliam-se e agregam-se a este aspecto. E aqui damos centrali-
dade ao aspecto do território.
Este estudo, em coerência com o grupo de pesquisa e extensão, tem um lugar muito bem
determinado que desde o início do texto foi salientado: o Arquipélago do Marajó, que depre-
endemos ser na atualidade uma das principais periferias do Brasil e da Amazônia, lançando
diferentes desafios e problemáticas à concretização de políticas públicas e a garantia de direitos
humanos. Inicialmente, logo em nossa introdução, de modo intencional e lúcido destacamos
a trajetória do DIDHAM no município de Breves e no Marajó a fim de ressaltar a importância
da universidade pública, da Faculdade de Serviço Social e a Universidade Federal do Pará, que
por meio do ensino, pesquisa e extensão, desempenham importante função social na busca
não somente de “avaliar” políticas, mas sobretudo de buscar qualificar e oferecer suporte para
regiões que se encontram distantes dos grandes centros urbanos.
Eleger uma instituição como a Defensoria Pública, considerando os casos de violações dos
direitos da infância e que exerce importante trabalho na região, visa justamente dar visibilidade
às carências de infraestrutura e técnica que são enfrentadas e que necessitam de respostas por
parte do Estado, a fim de escaparmos de propostas pontuais e imediatistas tão comuns a mo-
delos de gestões pragmáticas e restritas que não conseguem alcançar uma proteção que se faça
integral e articulada com as demais instituições e políticas públicas.
Outro aspecto que não foi possível se deter com mais acuidade, mas que o fazemos aqui a
título de registro seria a precariedade de instituições de nível superior, sobretudo as públicas,
gratuitas e que ofereçam diferentes opções de cursos, dentre os quais destacamos os cursos de
bacharelado, que na UFPA, Campus do Marajó - Breves, até o momento existe somente o
Curso de Serviço Social que tendo polo em Breves possui discentes de diferentes municípios
vizinhos, incluindo os de Belém. Quais os rebatimentos dessa ausência? Há uma grande de-
manda de jovens e adultos que não conseguem acessar o ensino superior e não possuem a
possibilidade de ocupar cargos que exijam determinada titulação. Resultado: a maioria das ins-
tituições acabam sendo ocupadas por profissionais que não são marajoaras e que acabam por
não criar vínculos com a região e assim não permanecem para dar continuidade às ações.
Além disto, sinalizamos a necessidade de realização de concursos públicos que se dariam a
partir de mais incentivos financeiros para as políticas sociais e assim ampliando o corpo técnico
de profissionais possibilitando uma atuação multidisciplinar e integrada, incluindo novos ins-
trumentos e metodologias de trabalho.
Através desta pesquisa, percebemos que mesmo com todas as limitações que hoje a Defen-
soria Pública encontra, como falta de orçamento, equipe reduzida, rotatividade de profissio-
nais, a não quantificação de demandas recebidas e estrutura fragilizada, esta instituição se re-
vela no Marajó, assim como retratado por Barros (2018), como a “fenda” necessária para o
acesso ao Judiciário. Isto porque não há como deixar de relatar os altos custos que um advo-
gado particular pode acarretar para o cidadão que precise acionar a justiça através de um pro-
cesso, por mais simples que este seja. Logo, realizar sua extensão através do sistema de itine-
râncias, configura para a região marajoara um ato importante e ao mesmo tempo desafiador.
Contudo, sintetizamos que mesmo que as itinerâncias sejam essenciais para a ampliação do
acesso à justiça, não podemos deixar de destacar que estas fragilizam as ações da instituição,
uma vez que, com um tempo reduzido os defensores públicos acabam concentrando suas
atividades em seus gabinetes em atendimentos individuais e trabalho em processos, restando
pouco tempo para que estes se dediquem a ações e intervenções comunitárias que visem a
uma maior aproximação com a comunidade.
Precisamos destacar que todo esse processo se agrava em nossa atual conjuntura política e
o processo de desmonte pelo qual passamos, que desvaloriza ações, instituições ou qualquer
posicionamento que colabore para a garantia/acesso/efetivação de direitos a camadas paupe-
rizadas. Ainda hoje, tem-se uma visão distorcida do trabalho realizado pela Defensoria Pública,
que endossado por discursos racistas, classistas e misóginos, que muitas vezes partem de nos-
sos atuais governantes, reduzem a importância e a urgência de se fortalecer essas instituições
no Brasil.
Em uma região afastada dos grandes centros, com um alto índice de pobreza e de violações
de direitos básicos, como é o caso do município de Breves, podemos perceber que é impossível
realizar qualquer consideração e análise da situação de determinada categoria sem antes levar-
mos em consideração o processo histórico destas, bem como as situações contemporâneas
que as cercam. Logo, é impossível tentar realizar um diálogo com qualquer instituição sem
antes ouvi-la de forma atenta, sistematizada e com objetivos coletivos.
Assim a pesquisa ora apresentada configura um processo de fortalecimento e publicização
da Defensoria Pública no Marajó Ocidental, pois, tendo entrevistados os defensores públicos
que atuam ou atuaram na região marajoara foi possível realizar um desenho do que esta insti-
tuição significa para o município de Breves, bem como para o Marajó como um todo, princi-
palmente quando nos voltamos para a infância marajoara, que muitas vezes se apresenta ao
restante do país através de matérias sensacionalistas e sem nenhum compromisso social.
O ato de registrar o trabalho que vem sendo realizado pela Defensoria Pública no município
de Breves, ultrapassa os muros da universidade, se apresentando também como um compro-
misso social com a comunidade na construção de documentos científicos que demonstram a
urgência em se fortalecer políticas e instituições de defesa e promoção de Direitos Humanos
na região. Portanto, nossa intenção não é de esgotar o debate acerca desta temática, mas cola-
borar para construção de novos questionamentos acerca desta instituição e de sua atuação no
Marajó.
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