06 - Beatriz Fernandes Aqualtune - Oju Oiyn Okan Ina - Final
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cole-sã escrevivências
apoio:
Fundo Elas de investimento social
inverno2018
distrito federal
padê editorial
beatriz
fernandes aqualtune
oju oiyn,
okan iná
cole-sã escrevivências n. 06
oju oiyn, okan iná
Poemas de Beatriz Fernandes Aqualtune
Lembro-me até hoje da primeira vez que tive contato com os escritos de
Conceição Evaristo; no prefácio, eu acho, estava escrito “Cada mulher ne-
gra tem uma forma de estar no mundo.”. Contudo, eu não sabia como eu
estava no mundo. Muito tempo se passou, a vida me colocou numa sex-
ta-feira, com amigas do slam, para coordenar e ajudá-las. Recitei, morta de
vergonha. Depois fui conversar com as adolescentes que estavam ali, que,
assim como eu, não pertenciam ao território entrequadras plano piloto,
eram de regiões administrativas, RAs. Elas de Sobradinho e eu da Boca da
Mata, quase Taguatinga, quase Samambaia. Eu, na divisa de não saber que
forma eu estava no mundo. Conversando com meninas-mulheres negras,
elas me perguntavam sobre escrita. Estava nervosa. Até que pensei em
pagode e músicas românticas. Pensei em Amor. Minha forma de estar no
mundo é com amor. Então aconselhei elas a escreverem do jeito que elas
quiserem. Neste dia eu me percebi nas escritas. Me vi poeta.
Do meu jeito com meia hora para ser pisciana, sou o aquário com as-
cendência em escorpião. Latente, incubado, descompensado jeito de ser-
água-quente-fervendo, cantiga de amor à luz da lua cheia. Preta, gorda,
sapatão e macumbeira. Educadora que procura referências da pretagogia,
estudante de psicologia, astrologia, medicina alternativa. Não nascida
que vai renascer e sonha com isso em silêncio.
Das três Marias irmãs, a minha avó, com a lida de mulher preta, me criou
olhando sempre para o seu, procurando no divino forças para seguir com
a vida diante a tantas merdas que o ser diaspórica enfrenta, o genocídio.
Eu também sempre olho, guiada pela lua, faço pelos meus que se foram,
que virão. Aqualtune porque eu escolhi não esquecer que carrego abebê
e adaga. Caminho pelas águas e também sou Beatriz, filha de Ana Paula.
Com sorriso separado, abro minha confusão, minha escrevivência. Há al-
guns anos minha escritora preferida me abraçou, me abençoou e pediu
benção para Oxum e me desejou a força de todas as mulheres negras para
continuar. Esse livro é um pouco do fruto de um povo. Uma vida que ainda
existe. Eu sobre nós. Tento fazer dos meus escritos;
Quilombos de afeto.
Renascimentos.
Nascimentos.
Eguns.
[formato de vagina que dá luz e vida]
“NYAME BIRIBI WO SORO
na unidade está a força”
pedro ivo
(escritor/poeta/educador brasiliense
afrodiaspórico sexual-dissidente)
axé!
ago/18
ení ou um.
Silêncio!
O atotô produzido
pelo serrar dos meus lábios
é o desaguar dos meus olhos
em comando de rum, rumpi e le.
Felicidade transbordando
em toque de ijexá.
Quando o adjá toca,
entra por dentro,
em sincronia com
o meu coração.
Aprendo, assim,
cada dia mais,
que corpo é só corpo.
O axé é um sussurro diário;
“você não está sozinha”.
II
depois de você,
o samba continuou
com pesar
mas foi aos poucos
se reajustando
a cuíca voltou
os passos aceleram
a vida sempre segue
porque meu descaminho
é não continuar
o sorriso que vem do peito
é verdadeiro
sou inteira e só
em minha vida
não falta tempero
sou alho, cebola,
cominho e coentro
sou pimenta do meu reino,
só que depois de você
me faltou o dendê.
érin.
me sento na
porta de entrada
da calunga
observo as mortes
e os passarás
que ela traz
em Nanã busco força
aprendo que o molde
do barro pode ser
re.moldado
quando quebro
não renasço
apenas nasço
sou outra
me concentro
deixo o vento guiar.
sei que sou fruto
da criação.
éfà.
nós, faísca.
triste caso;
essência.
tu me incendeia ou eu te apago.
RITUAL
uma pessoa preta trançando a outra
a mão cuidadosa no ori,
realizando o ato ancestral.
uma mecha de cabelo dividida em três,
uma sobe e vai para um lado,
enquanto as outras se reposicionam,
todas elas juntas, ora separadas,
esperando a vez da outra.
sabem o que é estar nos lados, no meio,
na frente de frente, no fronte por um povo.
dependendo do entrelaçar
muda a forma do trançar,
mas a origem é a mesma,
remetente a profusão
de um povo continental,
que ornamentado tem o seu poder.
como um pássaro africano
que sabe o que é resgate,
o ritual da trança é voltar para trás,
buscar o que foi perdido.
num trançado recuperamos
a força que está no topo da cabeça,
a mais primordial conexão com o (seu) divino.
éwà.
às vezes só temos força
para abraçar aquele cansaço
acolhedor que nos tira
o chão, o teto e o verso.
a vontade é pegar
o primeiro barco e fugir,
atravessar o oceano
chegar no mar de só ser.
não mais lidar com esses olhos
que me olham,
mas não me podem alcançar.
na distância do ser,
percebo a disparidade,
da pele que eu carrego,
do ori que me guia,
da gargalhada que está comigo
na hora da agonia.
então finalmente não sou só brado,
há silêncio em mim.
coração que fala tanto,
quer tanto, se arrisca tanto,
se cansa do mesmo jeito,
com um tanto.
no entanto, todo verbo
que envolva o sentir
é abraçado e tido como certo.
eu, que estou na linha do nada,
almejando e correndo
na ponta dos pés para o tudo,
aprendi que o equilíbrio não é estático.
quem o tem dessa forma
é cheio de privilégio,
comodismo para quem
oju oiyn, okan iná
beatriz fernandes aqualtune
no te creas
que no volvere.
étàlà.
Ela é di,
outro mundo.
tem o céu
[azul]
na cabeça,
se abre como
for e flor
ao sorrir.
meu prazer
é entrar na nave dela
para viajar nas ideias
que só ela tem.
(sacizeiro)
no caos do concreto
eu que passarinha sou
voei com você.
no alto dos prédios fiz ninhos
e senti um aconchego inexplicável,
o mundo para com o seu abraço.
o ir e vir, rápido, das pessoas-passantes
não me tocava.
pois ligada a ti
só o nosso tato que era fato,
todo o resto metáfora.
o meu cantar virou risada
e as borboletas que eu contava
eram pensando em como
é bom estar com você.
respiro em noite de desatino,
todos os perigos do suspiro,
quase grito de prazer.
a perna, a pele, o toque, você.
meio brisa, deixa a adrenalina ativa,
peito bate forte na chegada,
no bom dia, e quem dirá na despedida.
me dá mais onda que sativa,
não é das verdinhas mas
é a pretinha.
a estrada, os trilhos do trem,
o voar, o andar e o te esperar,
nenhuma dessas viagens
são maiores que a de estar com você
étàdílógún.
sou muito
mereço cativar
o que me cativa;
risos frouxos
e a forma que o nariz
fica ao gargalhar.
me apaixo
neipor você
sempre
estar
recitando
reecitando
excitando
ando
endo
ando
endo
ando
endo
indo
em
movimento
por dentro
bem dentro
do que está para explodir
corpo limítrofe. que só vai até onde a cara pálida botou como limite.
a não ser que o teu olhar me alcance, com esse corpo que entende
o não ter toque, ficar em estoque à mão do fetiche que mete a mão.
quando estamos a sós é batuque, não tem repressão que segure ritmo, suor e risos.
apelos só para pêlos, reprimidos que conhecem de perto o não desejo.
mistura de samba, fluidos, parou o pagode. o breu da noite nos acolhe.
a lua tem sorte, pois vê da janela o mais perfeito encaixe.
é muito drama, melodia e beleza musical de gemidos para quem diariamente
só tem ouvidos para o não e para o estrondo do fechar das portas.
o raio de sol bate, contrastando, fazendo desenhos nas peles pretas.
ontem foi dia de não sei o que, hoje é de você, amanhã a gente não sabe,
afinal, amar outra preta não aniquilou todas a nuances das marcas
ogún.
o guri,
só não era da capadócia,
seus traços não eram os mesmos
do santo que lutou com o dragão.
ele tinha nome, era da forja
e da própria espada de Ogum,
foi-se um guerreiro,
salve Jorge.
Tudo conspira pra fechar o tempo
É tempestade esse afeto
É a junção de todos os erros
vinte-e-três.
ele era um homem cheio de feridas
e eu passei por ele todos os dias
vinte-e-cinco.
sentimento esquizofrênico
com doses de falta de ar
homeopáticas e sem alopáticos
para resolver esses emaranhados
de situações destoantes.
distopia para meu sonho
onde tudo é tão frágil,
a realidade fatídica não é nada tátil.
somos um tanto esú
sobrevivendo como humanos
enquanto deuses das chagas
com uma latente sensação
de não ter odoyá para curar.
um povo forte por ser frágil.
afrofuturismo com prazo diário
pois o dia seguinte é quase um abismo
do não saber, não ser.
a que horas eu vou morrer?
eu morro a cada quinze minutos.
a impotência contém meu ódio
e por dentro eu sou violenta.
causando feridas em mim.
também já li que é dengo, coisa de preto, já que não nos é permitido viver de romancê
com cara de europê, falando bantuguês no meio de um auê que é entender
eu quero amar, também aceito dengar, tenho muito estima ao hábito de cuidar
e olhar tão de perto os olhos, que os cílios fazem cosquinha provocando um gargalhar.
vinte-e-sete.
o baobá cresce por muito tempo como uma árvore qualquer.
quando o crescimento das outras árvores estagna,
ele continua crescendo até se tornar o que dele conhecemos.
o mágico e o bonito não é ser o maior,
é enxergar as possibilidades de crescimento,
apesar do tempo e das adversidades,
pois o universo é um caldeirão de possibilidades.
do baobá tudo é possibilidade, tudo é reaproveitado.
o baobá armazena muita água para sobreviver,
eu deságuo para fazer da vida mais que sobrevivência
vinte-e-oito. oju oiyn, okan iná
beatriz fernandes aqualtune
vinte-e-nove.
ógbòn.
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