Narrariva Digital (Hissa Et Al)

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NARRATIVA DIGITAL À LUZ DA PEDAGOGIA DOS


MULTILETRAMENTOS: UMA PROPOSTA DE ATIVIDADE
DE PRODUÇÃO TEXTUAL

DÉBORA LIBERATO ARRUDA HISSA


Doutora e mestra em Linguística Aplicada e graduada em Letras (Português-Espanhol) pela Uni-
versidade Estadual do Ceará (UECE), com especialização em Ensino de Língua Portuguesa e Pós-
-Graduação em Didática e Metodologia do Espanhol como Língua Estrangeira pela Universidade
de Valência, Espanha. Professora do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PosLA)
da UECE, do Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras) e da especialização em Ensino de Língua
Portuguesa da UECE. Editora adjunta da Revista Linguagem em Foco. Vice-Coordenadora do grupo
de pesquisa Linguagem, Ensino e Tecnologia (LENT) no Programa de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada da UECE.
Endereço eletrônico: [email protected]

NÁGILA OLIVEIRA DE SOUSA


Mestranda em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), especialista em
Gestão Escolar pela Faculdade de Educação São Luís (FESL) e graduada em Letras (Inglês) pela
Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB), e em
Pedagogia pela UECE. Membra do grupo de pesquisa Linguagem, Ensino e Tecnologia (LENT) no
Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE. Atua como coordenadora escolar na
Escola de Ensino Médio Joaquim Magalhães.
Endereço eletrônico: [email protected]

ROSEKEYLA DE ARAÚJO COSTA


Mestranda em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), especialista em
Linguística Aplicada na Educação pela Faculdade Única – Prominas e graduada em Letras (Portu-
guês) pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Membra do grupo de pesquisa Linguagem, Ensino
e Tecnologia (LENT) no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE. Atua como
professora da rede pública de ensino do Ceará.
Endereço eletrônico: [email protected]
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Introdução

O objetivo deste capítulo é apresentar as narrativas


digitais (BOTTENTUIT JUNIOR; LISBÔA; COUTINHO, 2012;
CARVALHO, 2008; CIRINO, 2010) aos professores de Arte
como uma proposta pedagógica de uso integrado da tecnolo-
gia com as atividades de leitura e produção multimodal em
sala de aula. Para isso, descrevemos as etapas de produção
textual das narrativas digitais (escolha do gênero textual,
retextualização e reelaboração) com base na Pedagogia dos
Multiletramentos (NEW LONDON GROUP1/NLG, 1996), es-
pecialmente nas categorias do design: designs disponíveis,
designing e redesigned.
A escolha pela narrativa digital como proposta didá-
tica para os alunos de Arte se deu pelo caráter interdiscipli-
nar, interativo e lúdico que esse gênero do ambiente digital
apresenta. Além disso, a narrativa digital é uma atividade de
produção textual que se articula tanto com a proposta pe-
dagógica de webcurrículo (ALMEIDA; SILVA, 2011) como com
1 O New London Group ou Grupo de Nova Londres foi um grupo composto por
dez pesquisadores britânicos, norte-americanos e australianos que se reu-
niram na cidade de Nova Londres (Estados Unidos), em 1996, para estudar
os letramentos. Após uma semana de discussões, publicaram o manifesto
A Pedagogy of Multiliteracies – Designing Social Futures, no qual apontavam
para um novo conceito: os multiletramentos.

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as propostas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)


de “[...] conexões e intersecções entre essas linguagens, de
modo a considerar as novas tecnologias, como internet e
multimídia, e seus espaços de compartilhamento e conví-
vio” (BRASIL, 2017, p. 482). Diante desse contexto em que as
tecnologias digitais ganham espaços significativos na edu-
cação, “[...] novos gêneros são criados e gêneros antigos são
reelaborados para atender às novas demandas surgidas no
seio da interação humana e, consequentemente, da lingua-
gem que a permeia” (SOUZA; MOTA, 2017, p. 658).
A narrativa digital, fruto da evolução das Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), é um gênero
textual do ambiente digital que potencializa o protagonis-
mo dos alunos e agrega o trabalho com vários outros textos/
designs, o que favorece uma construção autônoma do co-
nhecimento por parte dos estudantes. Em nossa experiên-
cia docente com o trabalho com as narrativas, percebemos
que sua produção se revela como uma oportunidade de o
aluno utilizar os aparatos tecnológicos para relatar suas ex-
periências, atribuindo-lhes significado, na medida em que
constrói novos conhecimentos. Além disso, o trabalho com
as narrativas favorece a criatividade, oralidade, interação,
interpretação, musicalidade, escrita e percepção por meio
dos aparatos tecnológicos da cultura digital (BOTTENTUIT
JUNIOR; LISBÔA; COUTINHO, 2012).
O conjunto desses elementos assume como premis-
sa o contexto particular de cada educando como proposta
educativa, pois dialoga com o design, conceito-chave da Pe-
dagogia dos Multiletramentos, à medida que o sujeito utili-
za recursos tecnológicos disponíveis durante o processo de
construção do novo gênero, estimulando a capacidade de
articulação de textos, de experiências e de criatividade, con-

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forme preconiza a BNCC. Além disso, esse documento revela


que
[...] é fundamental que os estudantes pos-
sam assumir o papel de protagonistas como
apreciadores e como artistas, criadores e
curadores, de modo consciente, ético, crí-
tico e autônomo, em saraus, performances,
intervenções, happenings, produções em vi-
deoarte, animações, web arte e outras mani-
festações e/ou eventos artísticos e culturais,
a ser realizados na escola e em outros locais.
(BRASIL, 2017, p. 483).

Tais premissas pedagógicas se referem ao conjunto


de ações/intervenções, recursos e materiais didáticos como
um conjunto articulado de componentes que intervêm
no processo educativo, a fim de facilitar o intercâmbio en-
tre informação, produção e conhecimento. Assim, visando
contextualizar melhor as razões pelas quais as narrativas
digitais favorecem a aula de Arte, apresentamos, na seção
seguinte, aspectos relacionados ao gênero textual narrativa
digital e sua relação com a Pedagogia dos Multiletramentos.

A Pedagogia dos Multiletramentos e as narrativas digitais


para o componente Arte

Nesta seção, iremos explicar um pouco como os estu-


dos sobre a Pedagogia dos Multiletramentos e a narrativa
digital podem ajudar no processo de construção do conhe-
cimento na escola. A Pedagogia dos Multiletramentos toma
como base para sua proposta prática a utilização contínua
das novas TDIC, a fim de que os alunos percebam as inú-
meras diferenças culturais e sociais que delas emergem. A

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partir dessa premissa, um dos desafios impostos pela Peda-


gogia dos Multiletramentos é fazer o professor refletir so-
bre a possibilidade de criação de espaços e condições para o
aprendizado da multiplicidade cultural presente nos novos
meios de comunicação. Esses espaços deverão ser inseridos
no planejamento das aulas (com foco no webcurrículo), de
forma a gerar reflexões críticas sobre as implicações que
esse processo de inserção reflete nas atividades escolares de
nossos alunos.
Foi justamente em busca de espaços de planejamento
que estimulassem atividades didáticas criativas e autôno-
mas que surgiu nossa proposta de trabalho com as narrati-
vas digitais. Todos já sabemos que as narrativas, utilizadas
desde os mais remotos tempos no formato oral, passaram
a ser distribuídas em formato impresso com o surgimen-
to da imprensa e, mais recentemente, ganharam um novo
formato, o digital (BOTTENTUIT JUNIOR; LISBÔA; COUTI-
NHO, 2012), configurando um processo de retextualização
a partir da passagem do texto falado para o texto escrito
(­MARCUSCHI, 2010).
Os estudiosos da área, como Almeida e Silva (2011), Bot-
tentuit Junior, Lisbôa e Coutinho (2012), Carvalho (2008),
Carvalho e Nunes (2010), dentre outros, têm discutido criti-
camente que os ambientes tecnológicos invadiram as insti-
tuições educacionais e influenciaram as práticas pedagógi-
cas no que se referem ao processo de ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, parece-nos que as narrativas digitais surgem
como proposta de atividade que envolve o uso das TDIC e fa-
vorece a construção do objeto de conhecimento no compo-
nente curricular Arte.
As narrativas digitais, também conhecidas como nar-
rativas interativas, narrativas midiáticas (ou multimídia),

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storyttelling ou narrativas em ambiente digital (CIRINO,


2010), são experiências de construção de histórias que po-
dem levar os alunos a realizarem aprendizagens mais signi-
ficativas, pois trabalham com a pesquisa, a análise, a síntese
de ideias, a prática colaborativa, a criatividade, a oralidade,
quando necessária, e a inteligência espacial a partir das
ferramentas tecnológicas (BOTTENTUIT JUNIOR; LISBÔA;
COUTINHO, 2012).
A emergência dessas discussões se alinha às exigên-
cias da cultura digital, considerando o novo documento ofi-
cial educacional que teve a etapa do ensino médio homologa-
da em 20182. Essas discussões trazem à tona as implicações
do webcurrículo para a “[...] prática social de educadores e
estudantes envolvidos com a construção do currículo expe-
rienciado que se desenvolve na cultura digital” (ALMEIDA;
SILVA, 2011, p. 16). Para tanto, o webcurrículo, integração
das TDIC com o currículo, apresenta-se como uma proposta
que dialoga com as demandas tecnológicas da BNCC para o
ensino do componente Arte, que “[...] deve promover o en-
trelaçamento de culturas e saberes, possibilitando aos es-
tudantes o acesso e a interação com as distintas manifesta-
ções culturais populares presentes na sua comunidade [...]”
através do “[...] uso de materiais, instrumentos e recursos
convencionais, alternativos e digitais, em diferentes meios
e tecnologias” (BRASIL, 2017, p. 483).
Dentro desse contexto formativo, nossa proposta de
unir Pedagogia dos Multiletramentos, webcurrículo e nar-
2 ABNCC é um documento de caráter normativo que orienta as aprendiza-
gens essenciais que os alunos devem desenvolver ao longo da educação bá-
sica (BRASIL, 2017). Esse documento revela que as práticas de linguagem,
incluindo as artísticas, devem ser mobilizadas no universo digital, “[...]
considerando as dimensões técnicas, críticas, criativas, éticas e estéticas”
(BRASIL, 2017, p. 490).

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rativa digital parte do princípio de que a Arte é um compo-


nente que potencializa a criação e que essa criação no am-
biente digital pressupõe diversas possibilidades de escolhas
para que a narrativa digital se torne atrativa, informativa e
­dinâmica.
A arte está se tornando um ambiente dinâmi-
co, fluido, em mudança – de certa forma des-
territorializado – no qual o artista e o recep-
tor se unem numa ação de efeito recíproco,
consensual na produção e na interpretação
da obra, proporcionada pelo meio digital, que
permite um trabalho contínuo e colaborativo
em desenvolvimento constante. (BERNARDI-
NO, 2010, p. 42).

É preciso que o professor de Arte se aproprie desses


novos formatos de comunicação e produção artísticas na
nossa cultura digital, bem como de suas consequências. A
manipulação dos recursos tecnológicos pode ser uma opor-
tunidade para que o conhecimento seja disseminado através
das manifestações artísticas. Nesse sentido, Carvalho e Nu-
nes (2010, p. 1) afirmam que
[...] tecnologia é mais uma possibilidade de
ação educacional. Nesta era em que os es-
tudantes criam páginas na web, animações,
gráficos, vídeos, é visível a força da Arte e
Tecnologia convertendo-se em um novo meio
de linguagem. As novas tecnologias digitais
enriquecem o desenvolvimento da capacida-
de de pensar, criar e participar de uma socie-
dade atual complexa que está em construção.

Essa relação entre Arte e tecnologia proporcionou


o aparecimento do gênero narrativa digital como parte de

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uma proposta de atividade que dialoga com a Pedagogia dos


Multiletramentos3, preconizada na BNCC, a partir do con-
ceito de design e seus elementos: designs disponíveis (re-
cursos semióticos disponíveis), designing (processo de pro-
dução/criação) e redesigned (novo design) (NLG, 1996). Nas
narrativas digitais, esse processo envolve os designs dispo-
níveis (que seriam os textos multissemióticos disponíveis)
apresentados a partir dos equipamentos tecnológicos, fer-
ramentas de áudio e vídeo, imagens, aplicativos, etc. É então
por meio dos designs disponíveis que se inicia o processo de
elaboração do novo gênero (designing). Essa etapa caracte-
riza-se pela retextualização (MARCUSCHI, 2010) do gênero
narrativa, oriundo da modalidade oral para a multimodali-
dade verbal multissemiótica, marcada pela hibridização de
modalidades orais, escritas, visuais, sonoras, fílmicas, etc.
Passada essa etapa da relação entre os designs disponí-
veis e o processo de desiging, temos o redesigned. Essa etapa
marca o final do processo criativo de construção de signifi-
cados, ou seja, marca a narrativa digital, novo texto, como
materialização da proposta de atividade de produção para
as aulas de Arte. Esse processo de construção da narrativa
digital através da Pedagogia dos Multiletramentos implica
o desenvolvimento do pensamento criativo para lidar com
os recursos multimodais, multissemióticos e tecnológicos
(designs disponíveis), bem como a capacidade de interagir
colaborativamente entre seus colegas/professor/textos du-
rante o processo de designing. Todo esse trabalho indica que,
muito mais do que contar histórias, a narrativa digital pos-

3 A noção de multiletramentos se constrói a partir de pressupostos culturais,


institucionais e globais, considerando a multiplicidade dos canais de comu-
nicação, da mídia e da hipermídia e a crescente transformação linguístico-
-cultural.

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sibilita que os alunos desenvolvam a criatividade enquanto


aprendem o conteúdo e constroem significados (redesigned).
Por isso, o processo de design para a construção da narrativa
digital precisa considerar uma multiplicidade de técnicas e
atividades que precisam se desenvolver de forma colaborati-
va dentro de um contexto social situado.
Nas próximas seções, descreveremos as principais
etapas do processo de design com base em duas categorias
linguísticas que podem auxiliar (na verdade, já auxiliam) o
trabalho do professor de Arte em sala de aula: a retextualiza-
ção e a reelaboração. Explicaremos os princípios básicos da
retextualização (trabalho multimodal com vários textos/de-
signs disponíveis) e da reelaboração (transformação de for-
ma autônoma e criativa dos textos/designs em um novo texto
multissemiótico) para a produção das narrativas digitais.

Produção da narrativa digital e sua relação com o processo de


design didático

A produção de uma narrativa digital no âmbito da


educação básica permite ao professor tanto explorar o po-
tencial das novas tecnologias no desenvolvimento de ativi-
dades curriculares de forma interdisciplinar quanto desen-
volver um trabalho com a leitura e a escrita de vários textos.
Isso acontece porque o trabalho com a narrativa tem como
estratégia inicial o trabalho com textos-base (de qualquer
área do conhecimento), que vão sendo retextualizados pelos
alunos à medida que o processo de construção avança, até
seres reelaborados como uma narrativa digital. Em termos
da Pedagogia dos Multiletramentos, os textos-base seriam
os designs disponíveis; a retextualização, o designing; e a ree-
laboração, o redesigned. Além disso, a narrativa digital como

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atividade didática explora novas formas e recursos de pro-


dução a partir de diferentes versões do que tradicionalmen-
te conhecemos como narrativa.
Inicialmente o professor explica o processo de produ-
ção da narrativa digital (propósito, comando didático, tem-
po de execução, quantidade de alunos, contextualização) e
apresenta os designs disponíveis na internet para a produ-
ção da narrativa (Powtoon, Prezi, Canva, Toondoo, Pixton,
etc.) e os recursos multimídia que todos esses designs apre-
sentam de forma gratuita para qualquer usuário da rede.
Em seguida, são apresentados pelo docente vários textos/
designs de várias modalidades semióticas (escrito, áudio, ví-
deo, hipertextual) que envolvam uma temática que pretende
ser trabalhada em sala. Posteriormente cada aluno inicia o
processo de contar a sua história pretendida. Para isso, ele
terá que retextualizar o texto-base, ou seja, construir um
novo texto a partir do texto inicial. Por exemplo, o professor
lê uma história que narra as memórias de infância de algu-
ma personalidade do cinema, depois passa um vídeo sobre a
vida de um escritor renomado e, por último, pede aos alunos
que entrem na rede social de um colega de sala para olharem
o registro de fotos desse amigo ao longo dos anos. Temos, as-
sim, segundo a Pedagogia dos Multiletramentos, a apresen-
tação dos designs disponíveis.
Em seguida, os alunos começam o processo de retex-
tualização. Se a instrução da atividade for produzir uma
narrativa digital da vida de cada um, primeiro eles podem
escrever um texto em forma de diário (modalidade textual),
ou gravarem um áudio no celular contando um fato mar-
cante de sua infância (modalidade oral), ou ainda fazerem
um vídeo narrando um momento emocionante por que pas-
saram na escola quando eram pequenos (modalidade visu-

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al). Depois dessa primeira retextualização (designing), eles


iniciam uma segunda retextualização, agora hipertextual4
(redesigned), na qual irão reelaborar um novo texto no am-
biente virtual. Notem que, para se produzir esse novo tex-
to, a narrativa digital, os alunos terão que fazer um roteiro
multissemiótico de produção, em que irão prever, dentro
dos padrões do design escolhido, quais textos serão escritos,
quais serão falados e quais serão imagéticos. Além disso, as
formas como se darão a articulação e progressão temática
de cada tópico e os efeitos interativos que serão usados tam-
bém deverão estar previstos no roteiro. Esse roteiro é texto-
-base da retextualização hipertextual. Ele prevê uma arqui-
tetura da narrativa digital, com marcação de tempo, espaço,
recursos interativos, entrada de texto escrito, de música, de
vídeo, etc.
Em nosso fazer docente, propusemos a atividade da
narrativa digital para professores-alunos. Queríamos, com
isso, fazê-los aprender na prática como se produz uma nar-
rativa digital, para que, assim, pudessem replicar tal prática
em sala de aula com seus estudantes. Tal atividade se refere
à produção de 25 narrativas digitais por professores-alunos
de pós-graduação (15 narrativas do mestrado profissional e
10 narrativas do mestrado/doutorado5 acadêmico). As nar-
rativas fazem parte de uma das avaliações exigidas para os
discentes (também professores da educação básica) da dis-
ciplina Projetos Educacionais e Tecnologia, do mestrado
profissional em Letras (ProfLetras), e da disciplina de Tec-

4 Sobre retextualização hipertextual, conferir o trabalho de Hissa (2017),


quem estudou o processo colaborativo de produção de material didático di-
gital para a Educação a Distância (EaD).
5 Na disciplina de Tecnologias e Multiletramemtos, havia alunos de mestrado

e de doutorado.

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nologias e Multiletramentos, do Programa de Pós-Gradu-


ação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do
Ceará (PosLA/UECE). Todas as narrativas produzidas foram
publicadas no YouTube (com livre acesso) e compiladas no
site do ProfLetras6. Uma das orientações dadas aos alunos
era que a narrativa digital não poderia ultrapassar três mi-
nutos de gravação.
A seguir, apresentamos uma sequência de prints que
ilustram as narrativas já finalizadas e postadas no YouTube.
Os discentes escolheram como design o Powtoon7, por ser
um site que reúne todas as potencialidades multissemióti-
cas de forma intuitiva, interativa e inteligível. Vejamos o pri-
meiro exemplo:

Figura 1 – Narrativa digital de um aluno da disciplina


Projetos Educacionais e Tecnologia

Fonte: Site do Profletras (2019).

Para os alunos do ProfLetras, solicitamos que nar-


rassem seu percurso docente como professores e como as
novas tecnologias começaram a fazer parte de sua prática
pedagógica. A Figura 1 mostra um recorte de uma narrati-
va feita por um professor-aluno de mestrado que lecionava
havia 20 anos. Ele usou como design o Powtoon e publicou
a narrativa digital no YouTube8. Para contar sua história, o
professor-aluno utilizou o recurso da gravação de voz (ele
lia o texto à medida que aparecia na tela), o recurso sonoro
musical (havia uma música de fundo durante toda a narra-

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tiva), os recursos interativos de imagem (um personagem


masculino, de barba, que faz alusão ao produtor da narrati-
va; um cenário de sala de aula, que faz alusão ao professor;
os balões de diálogo, que fazem referência às histórias em
quadrinhos); e outros tantos recursos disponibilizados na
plataforma Powtoon. A seguir, mostraremos outro exemplo
de narrativa digital, dessa vez produzida por uma professo-
ra-aluna do ProfLetras:

Figura 2 – Narrativa digital de uma aluna da disciplina


Projetos Educacionais e Tecnologia

Fonte: Site do Profletras (2019).

Pela Figura 2, vemos que a professora-aluna também


usou como design o Powtoon e publicou a narrativa digital
no YouTube9. Para contar sua história, a estudante utilizou o
recurso sonoro musical (havia uma música de fundo duran-
te toda a narrativa), os recursos interativos de imagem (uma
personagem feminina, de óculos e de cabelos curtos, que faz
alusão à produtora da narrativa; cenários diversos, que fa-
zem alusão ao trabalho de professor; textos num fundo de
cor escura, que fazem referência a projeções em datashow);
além de outros tantos recursos disponibilizados na platafor-
ma Powtoon.
Para os alunos do PosLA, a instrução para a criação
da narrativa digital foi diferente. Em vez de contarem uma
9 Narrativa digital disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_
continue=68&v=hszb04-pagk. Acesso em: 19 out. 2019.

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história sobre si, eles teriam que se colocar como professo-


res e simular uma conversa com outros professores (como
no contexto de formação docente). Como a disciplina era
Tecnologia e Multiletramentos, os professores-alunos de-
veriam escolher uma temática estudada ao longo da disci-
plina e produzir uma narrativa de caráter instrucional/in-
formacional para outros docentes, a fim de que os demais
educadores, que estavam longe das discussões acadêmicas,
pudessem conhecer, de forma lúdica e didática, aspectos te-
óricos pertinentes ao seu trabalho como docentes. Os temas
escolhidos foram sobretudo multiletramentos, novos estu-
dos de letramentos e teoria dialógica do discurso. Vejamos o
exemplo dessas narrativas digitais a seguir.

Figura 3 – Narrativa digital de uma aluna da disciplina


Tecnologia e Multiletramentos

Fonte: Site do ProfLetras (2019).

A Figura 3 nos mostra uma narrativa digital em que


a autora dialoga diretamente como o professor (“Oi, co-
lega professor(a)”), interlocução motivada pela instrução
dada aos alunos antes de produzirem a narrativa. Usando
o Powtoon e o YouTube10 como forma de divulgação e de
maior alcance de sua narrativa digital, a discente propôs
um diálogo com os professores sobre educação responsiva.
Nesse ponto, vale a pena lembrar que o fato de os educandos
10 Narrativa
digital disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_
continue=117&v=nvxnycde0be. Acesso em: 10 out. 2019.

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publicarem as narrativas digitais no YouTube permite que


outros sujeitos tenham acesso e possam comentar as produ-
ções e até entrarem em contato com o docente que fez a nar-
rativa caso queiram saber mais sobre o assunto. Para contar
sua história, a professora-aluna utilizou recursos estéticos
muito semelhantes aos da Figura 2.
A culminância dessas narrativas digitais de caráter
instrucional se deu de forma interdisciplinar. Todas as dez
narrativas produzidas pelas alunas e alunos da disciplina de
Tecnologia e Multiletramentos foram disponibilizadas para o
curso de especialização em Alfabetização e Multiletramentos
promovido pela Secretaria de Apoio às Tecnologias Educa-
cionais (SATE) da UECE. Com isso, tem-se a narrativa digital
extrapolando os muros (reais e virtuais) de uma determinada
sala de aula e ganhando novas categorias de designs. Assim, o
que antes era o fim do processo de produção (o redesigned),
agora passa a ser o design disponível para outras disciplinas
e outros projetos pedagógicos (desde ensino-aprendizagem
em sala de aula de Arte até formação de professores).

Considerações finais

As novas demandas presentes no documento oficial


BNCC explicitam que os recursos digitais podem contribuir
para a produção textual e consequentemente o desenvolvi-
mento artístico, pois fortalecem o protagonismo dos alunos,
dando-lhes condições de participar de forma consciente,
crítica, ética e autônoma das práticas sociais que envolvem
as novas tecnologias. Portanto, a escola se apresenta como
um espaço propício à inserção da cultural digital.
Vimos neste capítulo como o uso de tecnologias digi-
tais no ambiente escolar implica uma formação do professor

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que precisa se apropriar dos designs tecnológicos inerentes


à cultura digital. Acreditamos que as narrativas digitais per-
mitem aos professores de Arte compreender o lugar das no-
vas tecnologias nas práticas pedagógicas para o fazer artísti-
co dos estudantes, “[...] mediante a capacidade de imaginar
e ressignificar os cotidianos e rotinas” (BRASIL, 2017, p. 482)
para a transformação de si, do outro e do mundo.
Dessa forma, a Arte, como área do conhecimento hu-
mano, parece dialogar abertamente com a proposta da nar-
rativa digital, pois “[...] contribui para o desenvolvimento da
autonomia reflexiva, criativa e expressiva dos estudantes,
por meio da conexão entre o pensamento, a sensibilidade, a
intuição e a ludicidade” (BRASIL, 2017, p. 482). Isso nos mos-
tra que o diálogo entre a Arte e a narrativa digital é possível e
pode ser uma estratégia para tornar as aulas mais atrativas e
significativas ao público jovem. Portanto, é preciso não fazer
a Arte pela Arte, mas uma Arte pela transformação, em que
professores e alunos, de forma colaborativa, deem visibili-
dade às suas produções e construções artísticas a fim de não
apenas transmitir conteúdos, mas valores morais e éticos
numa sociedade cada vez mais digital.
Com este exemplo de produção de narrativas digitais,
vemos que não se trata mais, no que se refere à educação,
de usar eventualmente a tecnologia, e sim de utilizá-la de
uma forma integrada às atividades em sala de aula para que
as potencialidades educativas disponibilizadas pelos meios
digitais sejam, de fato, empregadas (eficazmente) pela esco-
la. Esta forma de trabalhar, que chamamos de webcurrícu-
lo, está diretamente relacionada à Educação 4.0. Nela, há a
incorporação das principais características da Pedagogia
dos Multiletramentos (multilinguagem, multiculturalida-
de, pluralidade de vozes, práticas multiletradas) para o de-

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senvolvimento do currículo escolar. Tal incorporação se faz


hoje necessária porque, com o fácil acesso às tecnologias di-
gitais por nossos alunos, as habilidades de leitura e escrita
têm sido ressignificadas muito em função da ampla circu-
lação de textos multissemióticos que veiculam uma multi-
plicidade de linguagens (fotos, vídeos, imagens, emoticons,
figurinhas digitalizadas, textos escritos, áudios, etc.).
Por fim, como resultados deste trabalho, vimos que
as narrativas digitais auxiliam no processo de autoria para
a elaboração dos textos, na retextualização dos gêneros tex-
tuais trabalhados em sala e na construção de novos designs
interativos de fácil acesso e divulgação na rede, o que gera
novos leitores e um fluxo de circulação dos textos produzi-
dos na esfera acadêmica/escolar.

Referências

ALMEIDA, M. E. B.; SILVA, M. G. M. Currículo, tecnologia e


cultura digital: espaços e tempos de web currículo. Revista
e-Curriculum, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 1-19, 2011.
BERNARDINO, P. Arte e tecnologia: intersecções. ARS, São
Paulo, v. 8, n. 16, p. 39-63, 2010.
BOTTENTUIT JUNIOR, J. B.; LISBÔA, E. S.; COUTINHO, C.
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DÉBORA LIBERATO ARRUDA HISSA • NÁGILA OLIVEIRA DE SOUSA • ROSEKEYLA DE ARAÚJO COSTA

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