Autoras: Sarita Faustino Dos Santos Ariane Celestino Meireles

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PROPOSTA DE FORMAÇÃO AFRO-CENTRADA: considerações curriculares na educação

do município de Vitória
Autoras: Sarita Faustino dos Santos1
Ariane Celestino Meireles2

EIXO TEMÁTICO: Formação de professores e educadores de infância

MODALIDADE 2: Projetos e práticas

RESUMO: O presente estudo evidencia a importância dos estudos das relações étnico-raciais e sua
representatividade curricular nas formações ofertadas pelas Comissões de Estudos Afro-brasileiros
(CEAFRO) e Comissão de Estudos das Relações Étnico-raciais (CERER), no Município de Vitória-
ES, considerando a importância de se efetivar a Lei 10.639/03 enquanto política pública.

Palavras Chaves: Educação Infantil; Currículo; relações-raciais.

INTRODUÇÃO
Consideramos que o estudo sobre infância, relações raciais e literatura devem fazer parte do
processo formativo docente na perspectiva de situar a afro-brasilidade não em uma data
específica/comemorativa, mas dentro do cotidiano escolar ao longo de todo o ano letivo. É possível
que esta realidade seja frequente na Educação Municipal de Vitória. Na perspectiva deste estudo, a
formação de profissionais e as docências na Educação Infantil, lócus da pesquisa em foco, serão
analisadas não apenas para verificar em que medida tal abordagem é executada nas unidades
escolares mas, também e especialmente, contribuir com sua ampliação e/ou implementação.
Apresentamos questões que emergem desta reflexão: a educação infantil de Vitória promove
condições de fortalecimento da identidade de todas as crianças respeitando as suas singularidades
étnicas, religiosas, culturais e territoriais?

1
Professora da Educação Infantil (Prefeitura de Vitória, ES), mestranda em Educação (UFES/PPGMP). Vitória, ES,
Brasil. Contato: [email protected]

2
Professora da Educação Básica (Prefeitura de Vitória, ES), doutoranda em Ciências da Educação (Universidade do
Porto, Portugal). Vitória, ES, Brasil. Contato: [email protected]

1
Nesta trajetória, especialmente por integrarmos a Comissão de Estudos Afro-brasileiros (CEAFRO)
da Secretaria de Educação do Município de Vitória, passamos a compreender com maior nitidez a
importância dos trabalhos já desenvolvidos nas unidades de ensino. A função de formadoras de
professoras/es que desempenhamos informam um distanciamento da literatura infantil afrocentrada,
com a prática predominantemente eurocentrada. Uma das literaturas que poderiam ser utilizadas
seria Luana, a menina que descobriu o Brasil neném, de Aroldo Macedo (2000). A menina negra,
lindamente ilustrada, é capoeirista, amorosa, inteligente, bem-humorada e ama sua negritude e
pertença regional. Esta obra, que possui quase 20 anos desde a primeira edição, foi distribuída para
todas as unidades de ensino de Vitória e nossa experiência informa que poucas pessoas a conhecem
e, tampouco utiliza. Atualmente muitas obras estão disponíveis, também, em meios eletrônicos que
incentivam a leitura de títulos pertencentes a história e cultura africana e afro-brasileira valorizando
o pertencimento racial e fugindo de livros que contam apenas uma única história.

A abordagem das relações étnico-raciais na educação infantil evidenciando positivamente a


população negra e indígena é um forte elemento de formação de identidade, assegura a intelectual
negra Cida Bento (2012) na obra Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos
políticos, jurídicos, conceituais. De modo mais ampliado, Stuart Hall (2015, p. 41), em A
identidade cultural na pós-modernidade, indica o processo de formação da identidade fragmentada
do sujeito, deixando evidente que “todas as identidades estão localizadas no espaço e no tempo
simbólicos”. Pensado no contexto de globalização, as diversas culturas que caracterizam as várias
infâncias transitam entre as noções de identidade e diferença como uma relação social. Importante
pensar que não há harmonia nesses dois lados e tanto sua definição discursiva como linguística
estão sob égide das forças e do poder que representam disputa (HALL, 2015).

Ao discorrer sobre isso, o autor deixa explícito a importância do “jogo de inversão” de um modelo
cultural que contraponha o modelo hegemônico, já que só é possível construir uma identidade
positiva a partir de referências que contribuam com essa construção. A proposta, então, é uma
substituição de moldes (HALL, 2015). Pedagogicamente, esse deslocamento é possível por meio de
propostas que repensem as políticas estruturais do currículo, garantindo as oportunidades para
aguçar o processo crítico e questionador do indivíduo, confrontando o sistema e as formas
dominantes da representatividade da identidade e da diferença (HALL, 2015). De acordo com o
autor, considerando a importância de compreender esse “jogo de inversão” e pensando as infâncias
2
como período de vastas e variadas experiências, em que muito se aprende e muito se media, o
trabalho com as relações étnico- raciais surge pela preocupação dessa mesma infância ser
considerada apenas por uma vertente curricular dentro de uma concepção de criança universalizada.
Uma infância referenciada por apenas uma única cultura de domínio eurocêntrico, desconsiderando
as crianças negras e indígenas e fortalecendo o racismo nas escolas.

As afirmações de Hall são confirmadas no cotidiano escolar no município de Vitória. O caderno de


estudo Educando contra o racismo (VITÓRIA, 2007), produzido pela Ceafro, revela que as práticas
racistas consideradas absurdas e incoerentes são sistematicamente atualizadas na nossa
contemporaneidade por uma rede de invisibilidades e neutralidades, que a todo momento produz um
ser negro desqualificado e inferiorizado na escola. Para além da denúncia, o documento oferece
possibilidades pedagógicas de promoção da igualdade racial nas escolas, na perspectiva de
contribuir para reverter o negativo quadro do processo de construção das identidades nas unidades
escolares municipais. É neste ponto que se situa a relevância desta proposta investigativa: contribuir
para a alteração do quadro de desigualdade racial no contexto escolar municipal3.

Abramovich e Oliveira (2012) reiteram a importância de se perceber a infância desde um ponto de


vista positivo, em que as crianças são percebidas com as suas potencialidades e limites,
contrariando o olhar adultocêntrico sobre elas. Nesta concepção deturpada, as infâncias são
definidas a partir de uma vertente cultural, estética, social que busca privilegiar uma cultura única
com um padrão preestabelecido dentro de uma perspectiva curricular que foi pensada para priorizar
a infância hegemônica e de padrão eurocêntrico. Os conceitos podem se tornar ainda mais
complicados para as crianças que não se enquadram no modelo referenciado, dentro dos processos
de escolarização e domínio cultural. Para as crianças negras, é preciso pensar um currículo que se
aproxime da sua vertente cultural e histórica.

Dessa forma,
Pensar articulação entre educação, cidadania e raça significa ir além das discussões sobre
temas transversais ou propostas curriculares emergentes. Representa o questionamento
acerca da centralidade da questão racial na nossa prática pedagógica, nos projetos e nas
políticas educacionais e na luta em prol de uma sociedade democrática que garanta a
todas/os o direito de cidadania (CAVALLEIRO, 2001, p. 83).
3
A Secretaria Municipal de Educaçã o de Vitó ria (SEME) possui o Sistema de Gestã o Escolar que oferece
dados quantitativos com recorte de raça, gênero, territó rio e só cio-econô mico. Dados recentes revelam intensa
desigualdade entre estudantes negros/as e brancos/as no ano letivo de 2018, com maior defasagem para
negras/os.
3
Esses projetos e currículos escolares mencionados pela autora devem privilegiar os/as estudantes,
não somente nos conteúdos prescritos, mas no contexto em que vivem, as histórias e ancestralidade
que os/as constituem, já que mais da metade da população brasileira (como também a de Vitória,
em particular) se autodeclara negra de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (CENSO, 2010). Nesta perspectiva, o currículo da Educação Infantil de Vitória apresenta
uma preocupação inquietante em busca de uma (re)significação da proposta curricular, entendendo
a criança como sujeito de direitos e, para isso, propõe agir e interagir por meio do trabalho
pedagógico, visando fortalecer a experiência da criança como sujeito histórico e produtor de cultura
(VITÓRIA, 2006).

Nesse sentido, é necessário potencializar todas as formas de comunicação e interação entre adultos
e crianças, suas diversas formas de comunicação e todo processo de troca com o meio a sua volta,
através da sua corporeidade, memória e oralidade, elementos dos valores civilizatórios africanos4.

A presente pesquisa justifica a importância de se trabalhar as identidades das crianças negras,


conforme ressalta Gomes (2006), no contexto da formação de profissionais na Educação Infantil,
utilizando como aliada a literatura voltada para as diversas formas de manifestação das culturas
negras.

Nesse sentido, pode-se pensar a representação dos valores civilizatórios da cultura Africana na
Educação Infantil, propondo uma formação específica que pretende fazer uma troca de experiência
voltada para discussão dos componentes curriculares evidenciando essa prática.

Esta perspectiva vai ao encontro das orientações da Resolução nº 05, de 2009, que fixa as Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Infantil (BRASIL, 2009):
O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam
articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte
do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o
desenvolvimento integral de crianças de zero a cinco anos de idade.

Considerando as prerrogativas das Diretrizes e a importância da educação das relações étnico-


raciais, esta pesquisa se propõe a explorar práticas afro centradas e a literatura com recorte étnico-

4
Os valores civilizató rios africanos informam a cosmovisã o africana e afro brasileira e se constituem nos
seguintes saberes: circularidade, musicalidade, ancestralidade, religiosidade, corporeidade, memó ria,
cooperativismo, oralidade, energia vital, ludicidade. Conferir em http://www.acordacultura.org.br/oprojeto
4
racial, visto que podem potencializar a identidade dos estudantes dentro da cosmovisão africana. As
questões que emergem nesta proposta de pesquisa são as seguintes: Quais os caminhos que
percorrem as professoras dos Centros Municipais de Educação Infantil (Cmei) de Vitória para
promover a educação das relações étnico-raciais no seu cotidiano? Como os profissionais da escola
entendem a possibilidade de se trabalhar em uma perspectiva afro-brasileira? Como trabalhar os
valores civilizatórios africanos por meio da literatura na educação infantil? Os trabalhos das/os
professoras/es na educação Infantil, na perspectiva da cultura africana, aparecem isoladamente ou
estão inseridos em um projeto institucional? A literatura infantil afrocentrada colabora no trabalho
docente dessas profissionais?

No ano de 2019 a Ceafro/Cerer realizou formações na modalidade semi-presencial, por adesão,


contando com a participação de profissionais da educação Infantil. Atuou em formações regionais e
nas próprias unidades escolares a convite das cursistas ou por demandas ocasionadas em
decorrências da violência racial presente e invisibilizada nos cotidianos curriculares.

REFERÊNCIAS
ABRAMOWICZ, Anete; OLIVEIRA, Fabiana de. As relações étnico-raciais e a sociologia da
infância no Brasil: alguns aportes. In: BENTO, Maria Aparecida Silva (org.). Educação infantil,
igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. São Paulo: Centro de
Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT, 2012.

BENTO, Maria Aparecida Silva (org.). Educação infantil, igualdade racial e diversidade:
aspectos políticos, jurídicos, conceituais. São Paulo: Centro de Estudos das Relações de Trabalho e
Desigualdades - CEERT, 2012.

BRASIL.CNE/Resolução Nº5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares


Nacionais para Educação Infantil. Brasília, DF, 2009.

CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São


Paulo: Selo Negro, 2001.

CENSO DEMOGRÁFICO 2010. Características gerais da população, religião e pessoas com


deficiência. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Acompanha 1 CD-ROM. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv64529_ref_glossario_equipetec.pdf Acesso em:
23 out. 2019.

GOMES, Nilma Lino; SILVA, Petronilha Beatriz da (Org). Experiências étnico-culturais para
formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2006

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015.

5
MACEDO, Aroldo. Luana, a menina que viu o Brasil neném. São Paulo: FTD, 2000.

VITÓRIA, Prefeitura Municipal. Cadernos de estudos do vídeo-documentário Educando contra


o racismo. Ceafro - Comissão de estudos afro-brasileiro, Vitória, 2007.
VITÓRIA. Secretaria Municipal de Educação. Educação infantil: um outro olhar. Vitória:
Multiplicidade, 2006.

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