Candau Questao Didatica Multicultural
Candau Questao Didatica Multicultural
Candau Questao Didatica Multicultural
A complexidade da problemtica das relaes entre escola e cultura(s) e as diferentes formas dos professores/as situarem-se em relao a ela tm mobilizado o nosso interesse durante os ltimos anos, no sentido de orientar nosso olhar, nossa reflexo e
pesquisa para as formas concretas atravs das quais os professores/as tentam trabalhar esta relao no cotidiano escolar. Cada vez fica mais evidente a necessidade do reconhecimento do carter
polissmico da educao escolar. Sendo assim, no podemos consider-la como um dado universal, com um sentido nico, principalmente quando este definido previamente pelo sistema ou pelos professores. Dizer que a escola polissmica implica levar em conta que seu espao, seus tempos, suas relaes podem estar sendo significados de forma diferenciada, tanto pelos alunos, quanto pelos professores, dependendo da cultura e projeto dos diferentes grupos sociais nela existentes. (Dayrell, 96, p.144). Somos conscientes de que no so muito numerosas entre ns as experincias que se propem trabalhar explicitamente nesta perspectiva mas, os contatos, as indicaes bibliogrficas, as aluses concretas, as referncias, etc, que vimos acumulando, nos permitem afirmar que so mais numerosas do que parecem a primeira vista. A perspectiva multicultural1 na abordagem da dinmica pedaggica constitui uma preocupao recente e crescente a nvel internacional. No entanto, a gnese desta preocupao em diferentes contextos como o europeu e o norte-americano, obedece a origens e motivaes especficas. Segundo Jordn (96), a educao intercultural surge no somente por razes pedaggicas, mas principalmente por motivos sociais, polticos, ideolgicos e culturais. A origem desta corrente pedaggica pode ser situada aproximadamente h trinta anos, nos Estados Unidos, a partir dos movimentos de presso e reivindicao de algumas minorias tnico-culturais, principalmente negras.
2 Tambm entre ns vem crescendo, principalmente nos anos 80 e 90, uma nova conscincia das diferentes culturas presentes no tecido social brasileiro e um forte questionamento do mito da democracia racial. Diferentes movimentos sociais conscincia negra, grupos indgenas, de cultura popular, movimentos feministas, dos Sem Terra, etc- tm reivindicado um reconhecimento e valorizao mais efetivos das respectivas identidades culturais, de suas particularidades e contribuies especficas construo social. Neste contexto, a desnaturalizao da cultura escolar dominante nos sistemas de ensino se faz urgente, buscando-se caminhos de incorporar positivamente a diversidade cultural no cotidiano escolar. Nesta perspectiva, os Parmetros Curriculares Nacionais, recentemente propostos pelo Ministrio de Educao e do Desporto (96), propem como um dos temas transversais a pluralidade cultural. Assim se justifica esta incluso: Tratar da diversidade cultural brasileira, reconhecendo-a e valorizando-a e da superao das discriminaes aqui existentes atuar sobre uns dos mecanismos de excluso, tarefa necessria, ainda que insuficiente, para caminhar na direo de uma sociedade mais democrtica. um imperativo de trabalho educativo voltado para a cidadania, uma vez que tanto a desvalorizao cultural -trao bem caracterstico da nossa histria de pas colonizado- quanto a discriminao so entraves plenitude da cidadania para todos- portanto, para a prpria nao. (p.4) A problemtica das relaes entre diversidade cultural e cotidiano escolar constitui, portanto, um tema de especial relevncia para a construo de uma escola verdadeiramente democrtica hoje. No entanto, esta ainda uma questo pouco trabalhada entre ns, quer seja pela reflexo pedaggica em geral, como, mais concretamente, no mbito da didtica. Em trabalho publicado em 1997, Candau, depois de fazer uma panormica do
desenvolvimento da didtica no Brasil, especialmente a partir dos anos 80, situando-se na perspectiva da Didtica Fundamental e afirmando que um dos componentes bsicos desta posio o carter multidimensional do processo de ensino-aprendizagem, afirma que
nesta perspectiva hoje se faz cada vez mais urgente a incorporao da dimenso cultural na prtica pedaggica, entendida no somente como um determinante macroestrutural mas
Os termos multiculturalismo e interculturalismo so muitas vezes utilizados como sinnimos. Convm ter presente que a expresso multiculturalismo tem sido mais utizada pela bibliografia de lngua inglesa e interculturalismo pela produo cientfica oriunda dos pases da Europa continental.
3 tambm como um elemento construdo no interior da escola e parte do cotidiano escolar .(p.87) Considera que a abordagem cultural, numa perspectiva sociolgica e
antropolgica, pode enriquecer a reflexo didtica e a compreenso da prtica pedaggica, apresentando um amplo horizonte para o desenvolvimento da pesquisa e do debate sobre as questes do cotidiano escolar e da formao de professores, especialmente desafiador para a didtica .(p.89) nesta perspectiva que se coloca o presente trabalho que tem por base uma pesquisa que vem sendo desenvolvida desde 1998, com o apoio do CNPq, tendo por ncleo
principal de preocupaes identificar os caminhos que esto sendo percorridos entre ns para promover uma educao multi/intericultural, confrontando-os com experincias e
enfoques empregados em outros contextos scio-culturais. Como j anteriormente afirmamos, no so muitas entre ns as experincias que se propem, em ambientes urbanos, trabalhar explicitamente na dinmica escolar a dimenso cultural. No levantamento que realizamos, na rea do Grande Rio, foi possvel identificar um movimento onde esta preocupao estava claramente presente. Trata-se do Prvestibular para Negros e Carentes, movimento que teve suas origens na Bahia e vem realizando atividades no Rio de Janeiro desde 1992, sendo este hoje o estado onde tem maior desenvolvimento, chegando a aproximadamente 70 ncleos. Este movimento se prope explicitamente ser um instrumento de conscientizao, articulao e apoio juventude negra e alavancar o processo de combate ao racismo e discriminao do acesso da populao pobre universidade. A partir dos dados da pesquisa de campo realizada em dois ncleos do PVNC, em 1999, particularmente da observao de sua dinmica de sala de aula , pretendemos levantar algumas questes/pistas de reflexo, do ponto de vista didtico, decorrentes da introduo da perspectiva multicultural no cotidiano escolar. Teremos por base para a anlise dos dados o modelo de educao multicultural proposto por Banks (99).
O PVNC: um terreno frtil para se pensar a questo multicultural Na ltima verso da Carta de Princpios do PVNC deste movimento, dois deles merecem especial destaque no horizonte do nosso trabalho: No conceito de democracia como forma de relacionamento social que incorpore igualdade de oportunidades, garantia de vida digna (trabalho com salrio
4 justo, cuidados com a sade, educao, previdncia, moradia, acesso produo cultural), participao popular nas deliberaes polticas, liberdade de expresso e respeito s diferenas e diversidades tnico-culturais. Cabe ressaltar que, para o PVNC, a democracia para ser plena, deve tambm ser uma democracia tnica Na possibilidade de construo de um projeto de educao fundado na igualdade, na solidariedade e no respeito aos seres humanos, que deve necessariamente colocar no centro de suas preocupaes os sujeitos no dominantes (por etnia, por gnero, por classe social) e valorizar a produo histrica e cultural afro-brasileira (Extrado da Carta de Princpios dos PVNC abril 1999, grifo nosso)
A leitura desses princpios que fundamentam, entre outros, a proposta do PrVestibular para Negros e Carentes no deixa dvidas sobre a intencionalidade da mesma em atribuir s questes da diferena cultural e da desigualdade social um papel central na pratica pedaggica. Inserido nos chamados pr-vestibulares alternativos o Pr-Vestibular de Negros e Carentes (PVNC) , desde a sua origem2, se posiciona na contra-mo da lgica excludente, hierrquica, elitista predominante entre este tipo de modalidade de cursos preparatrios para a realizao do Vestibular, porta de acesso ao ensino superior. Cumpre observar, no entanto, que no caso da especificidade do PVNC este vnculo com a dinmica e lgica do vestibular tem funcionado como uma faca de dois gumes, provocando tenses e desafios como procuraremos discutir na ltima sesso. Se, por um lado, ele traduz a busca de um caminho alternativo visando a democratizao do acesso universidade, contribuindo para que suas vagas sejam preenchidas por jovens de classes sociais desfavorecidas, prioritariamente pelos negros3, por outro as implicaes pedaggicas desta marca de nascena podem acarretar entraves importantes viabilizao de uma prtica educativa multicultural.
Inspirado num trabalho realizado pela cooperativa educacional Steve Biko, o PVNC surgiu na Bahia em 1992. Os resultados favorveis da experincia, no somente em termos do ingresso nas universidades, mas tambm no sentido de afastar os jovens do caminho da marginalidade, animaram seus idealizadores a tentar aplicar a experincia em outros pontos do pas. A m qualidade do ensino mdio no pas aliado ao baixssimo ndice de universitrios brasileiros negros foram outros fatores determinantes para motivar a criao dos Ncleos
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As estatsticas comprovam que menos de 5% dos universitrios so negros. Em 1993, apenas 1,7%, ou
seja, menos de 2% dos estudantes universitrios eram negros (Censo do IBGE 1991).
5 Embora a visibilidade do PVNC seja dada pelos diferentes ncleos espalhados pelas diferentes cidades brasileiras, ele , antes de mais nada, um movimento popular de organizao complexa ligado a diferentes instituies como as igrejas de vrias denominaes, universidades, diferentes vertentes do Movimento Negro, alm de outras organizaes no-governamentais simpticas ao movimento e a sua filosofia. Apesar dos conflitos inerentes a este tipo de organizao onde torna-se necessrio a articulao entre diferentes vozes, esta estrutura em forma de rede com diferentes setores da sociedade vem sendo indubitavelmente um fator importante para se garantir seu crescimento e sobrevivncia. Segundo a verso mais recente da Carta de Princpios (1999), o ano mais importante para o PVNC em termos de estruturao, crescimento e adeso de novos grupos foi o de 1994, onde o PVNC comeou a se construir como um Movimento Social de Educao Popular (Carta de Princpios, 1999: 3), tornando-se uma experincia reconhecida em mbito nacional. J existem hoje uma srie de Pr-Vestibulares Alternativos, que embora no sejam considerados PVNCs, foram nitidamente construdos sob sua influncia. O que determina se um Pr-vestibular alternativo ou no mais um Ncleo do PVNC , por um lado, o respeito as regras explcitas na Carta de Princpios que norteia o movimento e por outro sua ligao com o mesmo, atravs de sua estruturao interna em funo da participao em reunies e assemblias especficas. Dentre as condies fundamentais para a caracterizao do PVNC,4 gostaramos de destacar, tendo em vista a temtica central deste trabalho, a insero curricular da disciplina Cultura e Cidadania que mereceria estudos mais aprofundados, na medida em que atravs da mesma possvel no apenas abrir um canal franco de discusso com os alunos sobre temas que os afetam, mas tambm possibilitar uma maior conscientizao sobre seu prprio papel como agentes de transformao pessoal e social bem como a reflexo em torno de questes relativas ao processo de constituio de identidades culturais. Outra expresso da particularidade deste movimento consiste no prprio nome escolhido. A permanncia dos eptetos negros e carentes ao substantivo Pr-Vestibular justificado por questes ideolgicas e polticas no sentido de demarcar um perfil claro do
6 movimento, ratificando a questo racial e fazendo com que o aluno se volte para si mesmo e questione sobre sua contribuio na sociedade e seu papel como afrodescendente. Cabe ressaltar no entanto, que no so inscritos nos Ncleos, apenas alunos de cor negra ou parda, mas todos os carentes que de modo geral so sensveis aos problemas vivenciados pela populao negra em termos de discriminao e desigualdades sociais. Independente dos desdobramentos efetivos dessa intencionalidade e/ou dos limites impostos pela lgica do vestibular na qual este projeto est inserido, importa reconhecer no PVNC a presena de um movimento, de uma tendncia com grau de abertura e de especificidade suficientemente inovadores para caracteriz-lo como um novo espao de exerccio e resgate de cidadania, assim como um terreno frtil para se pensar a questo multicultural a partir de uma experincia pedaggica concreta.
O multiculturalismo e o modelo de Banks Muitas tm sido as propostas e modelos que procuram oferecer elementos para o desenvolvimento de uma educao multicultural. Em geral, enfatizam aspectos que se
relacionam com o horizonte filosfico, ideolgico e poltico-social do multiculturalismo, o combate ao racismo e aos diferentes tipos de discriminao e preconceito, o respeito e a valorizao da diversidade cultural, etc. No entanto, as questes relativas prtica pedaggica nas salas de aula, as implicaes do multiculturalismo para a didtica, tm sido pouco trabalhadas. Um dos autores norte- americanos que mais tem focalizado estas questes na perspectiva didtico-pedaggica James A Banks, conceituado especialist a na rea com ampla produo acadmica, professor e atualmente diretor do Centro para a Educao Multicultural da Universidade de Washington. Bartolom Pina (94), ao propor uma classificao dos diferentes enfoques da educao multicultual referidos educao escolar, utilizando como critrio para diferenciar as distintas posies a finalidade que se pretende alcanar, enumera cinco
horizontes de sentido: manter a cultura hegemnica de uma determinada sociedade; reconhecer a existncia de uma sociedade multicultural; fomentar a solidariedade e
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So dignas destaque: o financiamento auto-sustentvel sem nus para a comunidade; a contribuio de apenas 5 a 10% do salrio mnimo por parte dos alunos que fazem o curso, devendo estes necessariamente
7 reciprocidade entre culturas, denunciar a injustia provocada por uma assimetria cultural e lutar contra ela; avanar em um projeto educativo global , que inclui a opo intercultural e a luta contra a discriminao. Os modelos identificados em cada uma dessa perspectivas diferem entre si em relao s estratgias utilizadas, assim como populao a que se dirigem . Neste contexto, Bartolom Pina situa o modelo proposto por Banks, que denomina holstico, na interseco entre aqueles que se situam em uma opo baseada na promoo das relaes interculturais e os que se orientam a construir uma sociedade mais justa, lutando contra a assimetria cultural, social e poltica. Assim define este modelo: aborda a educao intercultural na escola a partir de um enfoque institucional. Incorpora elementos de denncia e luta contra a discriminao e o racismo.(p.45) Na viso de Banks a educao multicultural um movimento reformador
destinado a realizar grandes mudanas no sistema educacional. Concebe como a principal finalidade da educao multicultural, favorecer que todos os estudantes desenvolvam habilidades, atitudes e connhecimentos necessrios para atuar no contexto da sua prpria cultura tnica, no da cultura dominante, assim como para interagir com outras culturas e situar-se em contextos diferentes do seu de origem. (Banks, 99:2) Afirma que, desde os anos 60, muitos tm sido os paradigmas formulados para explicar o fracasso escolar de estudantes oriundos das camadas populares ou de determinados grupos tnicos, como os negros, mas dois representam enfoques bsicos que permitem diferenciar as diversas propostas de educao multicultural. O primeiro, da privao cultural, parte do pressuposto de que o fracasso destes alunos est motivado pela cultura em que foram socializados, que no lhes favoreceu experincias fundamentais para o bom desempenho escolar. Os defensores desta
perspectiva consideram a cultura de origem dos alunos como o maior problema e no a cultura da escola. Neste sentido, privilegiam estratgias educacionais de compensao das deficincias culturais dos alunos. Pode-se dizer que este paradigma reconhece a diversidade cultural mas hierarquiza as diferentes culturas, considerando a relao entre elas de superior a inferior. Neste sentido, desvaloriza determinadas culturas e suas
8 especificidades e reduz o papel da educao a uma funo de compensao cultural que termina por negar a diferena. Quanto ao segundo paradigma, que Banks intitula da diferena cultural, parte da afirmao de que diferentes culturas possuem linguagens, valores, smbolos e estilos de comportamentos diferentes, que tm de ser compreendidos na sua originalidade. As relaes entre as culturas no podem ser analisadas numa perspectiva hierarquizadora. Neste sentido, os seus defensores se opem ao primeiro paradigma e deslocam o centro da questo. O que precisa ser mudado no a cultura do aluno mas a cultura da escola, que construda a partir de um nico modelo cultural, o hegemnico, apresentando um carter monocultural. Outro aspecto trabalhado por Banks se relaciona s estratgias utilizadas para se transformar o currculo na perspectiva da introduo da sensibilidade diversidade cultural. Distingue quatro abordagens que podem indicar diferentes nveis de mudana curricular. O nvel mais elementar o que enfatiza, sem afetar o currculo formal, as contribuies das diferentes culturas atravs da introduo no cotidiano escolar de comemoraes, eventos e realizao de acontecimentos especficos relativos a diversas culturas. A abordagem
aditiva procura afetar o currculo formal acrescentando determinados contedos em diferentes disciplinas, sem afetar sua estrutura bsica. O enfoque transformador, em
contraste com o aditivo, reestrutura o currculo em sua prpria lgica de base, de modo a permitir que os estudantes trabalhem conceitos, temas, fatos, etc, provenientes de
diferentes tradies culturais e, o quarto enfoque, da ao social, estende a transformao curricular possibilidade de desenvolver projetos e atividades que suponham envolvimento direto e compromisso com diferentes grupos culturais, favorecendo a relao teoria-prtica no que diz respeito diversidade cultural. Para Banks (99) a educao multicultural deve ser entendida como um conceito complexo e multidimensional. Nesse sentido, prope um modelo para o seu
desenvolvimento na escola baseado em cinco dimenses interrelacionadas. Assim visualiza o modelo proposto: (ver Figura1)
9 Banks afirma que costuma -se focalizar apenas uma das dimenses acima propostas, reduzindo-se assim o horizonte da educao multicultural. Na escola, esta viso
reducionista seria expressa pelo entendimento do multiculturalismo como apenas a incluso de contribuies de diferentes grupos tnicos no currculo, ou a reduo do preconceito ou a celebrao de festas relacionadas s diferentes culturas. Prope a nfase no no ou, mas sim no e. Enumera tambm as caractersticas principais que devem informar uma escola e prtica educativas orientadas por esta perspectiva.5 Uma das principais dificuldades que encontram os professores para assumir a perspectiva multicultural no deriva, em geral, de objeo ao seu sentido e finalidades propostas e sim insegurana que provoca por no se ter clareza de como aterris-la no dia a dia da sala de aula. Consideramos que as contribuies de Banks podem oferecer indicaes nesta perspectiva.
Didtica e multiculturalismo: entre tenses e desafios Durante a pesquisa de campo, realizado no primeiro semestre de 1999, foram observadas as aulas das diversas disciplinas que integram o currculo do PVNC, em dois ncleos situados em diferentes zonas geogrficas do Grande Rio., num total de
aproximadamente 200 horas. Utilizamos como critrio central de observao um check-list inspirado nas categorias propostas por Banks para a construo de um curriculum multicultural (anexo). Nesse sentido, cinco critrios marcaram o nosso olhar durante a observao das aulas das diferentes disciplinas: o grau de integrao dos contedos, o processo de construo de
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desempenho acadmico de todos os alunos, acreditando que todos podem aprender;o currculo deve incluir a experincia e perspectivas de diversos grupos tnicos, culturais e de gnero; devero ser utilizadas tcnicas de ensino cooperativas e no competitivas; empregar-se- a linguagem prpria da cultura dos alunos; os materiais didticos devem incluir a diversidade de contribuies e perspectivas; as tcnicas de avaliao devem ser usadas de forma a ajudar os alunos de diferentes grupos sociais, tnicos e culturais; o ambiente escolar deve ser favorvel a todos os grupos sociais, tnicos e culturais; os orientadores multiculturais devem aconselhar os alunos a ultrapassarem seus limites.
10 conhecimentos, .a reduo do preconceito, a pedagogia da equidade e o empoderamento6 dos diferentes grupos. Considerando que este autor para a elaborao destas dimenses, baseou-se em uma escola heterognea cujos alunos so oriundos de segmentos, classes sociais e/ou grupos tnicos e culturais diferenciados, tornou-se indispensvel a adaptao deste instrumento de anlise em funo da particularidade do perfil do grupo de alunos que compem o PVNC. O fato deste movimento atender a uma populao com caractersticas bem definidas , traduzidas no prprio nome dado a esta experincia educativa, faz com que o grupo de alunos possua um certo grau de homogeneidade que, se no compromete a utilizao dos critrios acima mencionados, exige uma adequao realidade observada. Assim, a aplicao de alguns critrios se tornou mais difcil do que outros quando utilizados de forma isolada em cada disciplina, prestando-se muito mais para caracterizar esta experincia pedaggica como um todo. Para Banks (99) a integrao do contedo est relacionada utilizao de exemplos, dados e informaes referidas a diferentes culturas e grupos para ilustrar conceitos chaves, princpios, generalizaes e teorias das diferentes matrias e disciplinas. Foi possvel observar que, apesar dos contedos especficos de algumas disciplinas, oferecerem uma maior visibilidade sobre estas questes e uma maior possibilidade para que as mesmas pudessem ser contempladas e devidamente exploradas literatura, portugus, histria e geografia-, dois fatos parecem desempenhar um papel
decisivo neste processo seletivo, se bem que em direes contrrias: a sensibilidade do professor e dos alunos para estas questes e a expectativa do Vestibular no final do ano letivo. O primeiro tende a intensificar o grau de integrao o segundo a limit-lo. Esta tenso, apesar de em graus diferenciados, estava presente muitas vezes no seio de uma mesma disciplina, assim como de uma mesma aula. Importa sublinhar que no caso da disciplina Cultura e Cidadania a aplicao deste critrio no se coloca da mesma forma. A sua prpria existncia traduz uma modalidade de abordagem da questo da seletividade dos contedos escolares s avessas. Enquanto que a tendncia mais comum no mbito das disciplinas escolares tradicionais a de negar ou escamotear a dimenso seletiva dos contedos trabalhados em nome de uma pseudoneutralidade cientfica, Cultura e Cidadania , ao oferecer um espao de discusso e reflexo
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11 sobre temas ou contedos que em geral no so contemplados nas disciplinas tradicionais, no apenas reconhece a dimenso seletiva de todo conhecimento escolar como tambm se posiciona de forma explcita quanto aos critrios desta seleo . Estes resultados confirmam a afirmao de Banks de que esta dimenso da abordagem multicultural na sala de aula apresentada como tendo maior relevncia para professores das reas de cincias sociais e linguagem do que para a rea cientfica. No entanto, convm salientar que os indicadores observados so frgeis mas podem representar um ponto de partida importante para que esta dimenso possa ser desenvolvida e mais explicitamente trabalhada. Quanto s disciplinas da rea cientfica, segundo o mesmo autor, outras dimenses do seu modelo so mais pertinentes para serem por elas trabalhadas. O segundo critrio, processo de construo do conhecimento, refere-se ao processo utilizado pelos/as professores/as para ajudar os alunos a entender, investigar e determinar como os pressupostos culturais implcitos, os quadros de referncia, as perspectivas e os vises inerentes a uma determinada disciplina influenciam as formas pelas quais o conhecimento por eles construdo. O objetivo fazer com que os alunos percebam que o conhecimento sistematizado est contextualizado, histrico, dinmico, portanto, no neutro, possui aspectos ticos e polticos. Nas observaes realizadas, foi possvel perceber que no trabalho dos/as professores/as, principalmente das reas sociais e relativas ao ensino de lngua e literatura, esta preocupao se fez presente de modo espordico e pouco trabalhado. No que diz respeito subjetividade dos alunos e a forma como esta intervm no processo de
construo do conhecimento, a tendncia mais presente a de consider-los mais como consumidores de informao do que sujeitos ativos na produo do seu prprio conhecimento. Reduzir o preconceito, segundo Banks (1999), uma das dimenses que caracteriza uma educao multicultural, o que significa ter como um princpio bsico o desenvolvimento junto aos/s educandos/as de uma postura racial e tnica mais positiva. Segundo o autor, no mbito desta dimenso, tambm esto as pesquisas e as prticas que indicam os caminhos possveis para que os/as educadores/as possam planejar intervenes que ajudem as crianas e os jovens adquirirem um sentimento e, principalmente, um relacionamento mais positivo com outros grupos raciais e tnicos. Para Banks (1999),
12 desenvolver um sentimento, uma postura e um relacionamento positivo com outros grupos raciais no uma realidade dada. Ela deve ser construda, estimulada. Para uma educao multicultural, os/as educandos/as devem ser ajudados nesta direo. Podemos constatar em nossas observaes que a inteno do PVNC no apenas ensinar os contedos necessrios para a aprovao no vestibular. Em sua proposta, o projeto prev uma formao crtica dos jovens que passam pelos ncleos do movimento, o que se efetiva ainda que de maneira frgil e nem sempre constante em algumas aulas, nas assemblias do ncleo e do movimento, nas discusses informais, nas aulas de Cultura e Cidadania, nas brincadeiras, na vigilncia linguagem politicamente correta , na promoo da auto-estima racial, etc. Os professores mais engajados na proposta do PVNC, e principalmente as/os coordenadoras/es do ncleo, buscavam despertar os alunos/as para uma viso crtica sobre a situao do negro no Brasil . A partir de nossas observaes, podemos afirmar que, quanto dimenso de reduo do preconceito, este movimento incorpora de maneira muito clara em sua proposta e de maneira ainda incipiente na dinmica da sala de aula esta preocupao que, segundo Banks (1999), inerente s propostas de educao multicultural. Uma pedagogia da equidade existe quando os professores usam tcnicas e mtodos de ensino que facilitam o desempenho acadmico de estudantes de diferentes grupos raciais, tnicos e de classes sociais. (Banks, 99:16). Trata-se de mobilizar os distintos estilos culturais e de aprendizagem dos alunos. Os diferenciados modos de
promover um ensino cooperativo tem sido uma das estratgias mais utilizadas pelos professores que querem incorporar a abordagem multicultural para favorecer este processo. Nesta categoria, tendo por base o checklist, quando muito puderam ser
detectados alguns indicadores de que, eventualmente, determinados professores procuram utilizar estratgias de diversificao para a facilitao da aprendizagem. No entanto, se considerarmos o PVNC uma estratgia de ao afirmativa na tica da justia distributiva, esta leva necessariamente no seu desenvolvimento a ter presente as questes especificamente pedaggicas e a aprofundar nas relaes entre processo de
ensino-aprendizagem e diversidade cultural. Esta uma temtica ainda pouco trabalhada entre ns mas que de especial importncia para a dinamizao de uma pedagogia da eqidade. A conscincia desta perspectiva praticamente no foi evidenciada nas
13 observaes realizadas, aparecendo apenas de modo muito tnue alguns indicadores de diversificao no plano da aprendizagem dos contedos, sem uma relao explcita com dimenses scio-culturais. Segundo Banks (1999), uma prtica escolar que promova o empoderamento de diferentes grupos deve estar atenta a um processo de reconstruo da cultura e da organizao escolar, de maneira tal que os estudantes de diferentes grupos raciais, tnicos e classes sociais faam uma experincia de igualdade educacional e dos prprios processos de empoderamento. Esta uma dimenso da educao multicultural que envolve uma conceitualizao da escola como mobilizadora de mudana social a partir do prprio ambiente educacional. Sendo assim, estudantes de todas as classes sociais, raas, etnias e gnero, tero iguais oportunidades de sucesso. Estabelecer tcnicas de avaliao que sejam justas para todos os grupos e propiciar entre os membros da escola a idia de que todos os estudantes podem aprender, independentemente de sua raa, etnia, ou classe social, so metas importantes para prticas educacionais que desejem criar uma cultura escolar e uma estrutura social que seja empoderadora dos estudantes de diferentes grupos. Partindo desta categorizao, podemos considerar que o PVNC tem esta como uma de suas preocupaes e incorpora de maneira significativa mas no com a mesma intensidade por parte de todos os professores. A dimenso do empoderamento se manifesta de diferentes maneiras, seja desenvolvendo de maneira constante a auto-estima dos alunos ( Vocs conseguem! ; Vocs so guerreiros! ), promovendo assim uma conscincia de que todos podem aprender independente de sua condio social, de gnero ou tnica, seja propiciando entre os alunos/as e os professores/as uma prtica democrtica, na qual a participao e o envolvimento de todos uma realidade buscada e bastante alcanada, dentro dos limites deste processo.
O mergulho que realizamos na experincia do PVNC, apesar dos limites oriundos do seu carter exploratrio, nos permitiu algumas constataes e nos suscitou muitas questes. Tendo por base o modelo de Banks, possvel afirmar que as dimenses mais trabalhadas nas empoderamento salas de aula dos ncleos observados foram as relacionadas ao e reduo de preconceito. Estas so dimenses presentes no
14 cotidiano dos ncleos e reforadas pelos coordenadores e professores, no sempre com a mesma intensidade. Os atores mais envolvidos no movimento como um todo, professores, coordenadores e alunos, revelaram maior compromisso nesta perspectiva. Quanto s dimenses menos presentes nas salas de aula integrao de contedo e processo de construo de conhecimento- se relacionam com questes inerentes seleo dos contedos escolares, constituio do conhecimento escolar e transposio didtica, assim como s questes epistemolgicas relativas prpria natureza do conhecimento e sua historicidade. Constituem preocupaes importantes para se trabalhar a cultura escolar na perspsectiva multicultural. Sua incidncia no dia a dia dos ncleos observados revelou-se escassa e frgil, em geral no mbito das cincias sociais e do ensino de lngua e literatura. A prpria natureza de um curso pr-vestibular certamente opera como um inibidor desta preocupao. No entanto, nos perguntamos se sua quase ausncia devida exclusivamente a este fator ou se o nvel de conscincia desta problemtica est ainda muito pouco presente entre os professores em geral. Poder-se-ia esperar que educadores engajados num
movimento de natureza identitria como o PVNC, tivessem maior sensibilidade para estas questes. Em vrias ocasies foi possvel evidenciar, nas categorias de Banks, uma abordagem aditiva, incluindo-se alguns temas especficos em diversas disciplinas, e, principalmente, atravs da introduo da disciplina Cultura e Cidadania. O desafio est em que todo o currculo possa ir sendo transformado a partir desta preocupao e no se restrinja esta sensibilidade a determinados temas e/ou disciplinas. Nas observaes realizadas tambm se evidenciou o enfoque da ao social assinalado por Banks, que articula a dinmica da sala de aula e do ncleo com uma incidncia e um compromisso com aes comunitrias e a problemtica da democratizao, do preconceito e da discriminao na sociedade em geral. Quanto pedagogia da equidade, como j afirmamos, o movimento em si mesmo pode ser considerado uma ao afirmativa que busca, no somente favorecer o acesso da populao de baixa renda e negra universidade, como tambm empoderar estes grupos na perspectiva de uma cidadania plena. Certamente a introduo da perspectiva multi/intercultural no dia a dia das escolas e da sala de aula, provoca muitas questes para a didtica relacionadas com a seleo dos contedos escolares, as estratgias de ensino, o relacionamento professor-aluno e aluno-
15 aluno, o sistema de avaliao, o papel do professor, a organizao da sala de aula, as atividades extra-classe, a relao escola-comunidade, entre outras. Tratam-se de temas sem dvida clssicos no campo da didtica, que necessitam ser revisitados e ressignificados a partir deste novo olhar.
Referncias Bibliogrficas
BANKS, J. A. An Introduction to Multicultural Education U. S.: Allyn & Bacon, 1999 BARTOLOM PINA, M. (coord.) Diagnstico a la Escuela Multicultural Barcelona:Cedecs Edt., 1997 CANDAU, V. M. . Da didtica fundamental ao fundamental da didtica, in: ANDR, M. e OLIVEIRA, M.R.N.S. Alternativas do Ensino da Didtica. Campinas, Papirus, 1997a DAYRELL,J. A escola como espao scio-cultural; in: Dayrell, J. Mltiplos Olhares
16 Figura 1
Ad
pelas
quais
os
professores usam exemplos e contedos provenientes de culturas e grupos variados para ilustrar os conceito- chave, os princpios, as generalizaes e teorias nas suas disciplinas ou reas de atuao.
PEDAGOGIA DA EQUIDADE
Uma pedagogia da equidade existe quando os professores modificam sua forma de ensinar de maneira a facilitar o aproveitamento acadmico dos alunos de diversos grupos sociais e culturais. Isto inclui a utilizao de uma variedade de estilos de ensino, coerente com a diversidade de estilos de aprendizagem dos vrios grupos tnicos e culturais.
EDUCAO INTERCULTURAL
REDUO DO PRECONCEITO
esta dimenso focaliza atitudes dos alunos em relao raa e como elas podem ser modificadas atravs de mtodos de ensino e determinados materiais e recursos didticos.
UMA CULTURA ESCOLAR E ESTRUTURA SOCIAL QUE REFORCEM O EMPODERAMENTO DE DIFERENTES GRUPOS
Seria um processo de reestruturao da cultura e organizao da escola, para que os alunos de diversos grupos tnicos, raciais e sociais possam experimentar a equidade educacional e o reforo de seu poder na escola.
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