(Maurício Borges Lemos) Um Novo Projeto para o Brasil
(Maurício Borges Lemos) Um Novo Projeto para o Brasil
(Maurício Borges Lemos) Um Novo Projeto para o Brasil
Diretor editorial
Paulo Tadeu
Capa
Allnn Martini Colombo
Diagrama~fio
Dnniela Vasques
Revisao
Cicla Medeiros
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8230-576-8
19-59574 CDD:338.9
CDU: 330.3•1(81)
Dado o desalento que se abateu nos últimos anos sobre o Partido dos
Trabalhadores (PT), o petismo ou, de modo mais amplo, sobre o conjunto
do que poderíamos chamar de campo de esquerda brasileiro, é que me
propus a escrever estas mal trar;adas. O objetivo é tentar dar maior clareza
a seguinte pergunta: o que viria a ser um projeto de esquerda hoje, já
transcorridos tantos anos do século XXI? Ou, mais particularmente, o
que seria um projeto de esquerda para o Brasil?
Como pano de fundo para essa nao breve meditas;ao, tomaria, como
exemplo, un1a notícia de alguns anos atrás: "O governo Temer vai devolver
Furnas para o PMDB de Minas". Isso porque, se nos anos do governo
1 Esse título, além de pretensioso, é urna espécie de hornenagern a urn escrito por Celso Furtado:
Um projeto para o Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Saga, 1968. 132 p. (Imagem do Brasil, 6) nos anos 1960.
Na verdade, o objetivo <leste conjunto de artigos é constituir nnicamente urna agenda de debates,
representando um anteprojeto de urn projeto. Quanto ao plágio, trata-se efetivamente de urna singela
homenagern a esse grande brasileiro, cujas propostas de reforma da sociedade em prol do desenvolvi-
mento económico e social rnostram-se, cerca de 60 anos após as suas primeiras proposic;:oes, cada vez
mais necessárias e, naquilo que é essencial, atuais.
11
Mauricio Oorgc!I Lema!>
12
Uni novo projcto para o Brasil
presas estatais pelo sistema político, mas pela sua "endogenei~ac;:ao" nos
quadros corporativos.
Quinto, se o Estado for de fato um instrumento imprescindível para
csse projeto de esquerda, ficamos com urna equac;:ao de difícil soluc;:ao:
impossível sem o Estado, e terrível com ele, com risco permanente de
corrupc;:ao e ineficiencia sistemicas.
Sexto e mais importante, se um projeto de esquerda nao pode ser
caracterizado como de estatizac;:ao, em antítese aprivatizac;:ao, como ele
poderia ser caracterizado?
Para responder a indagac;:ao proposta ao longo <leste µ.vro, vamos
assumir tres postulados fundamentais. O primeiro é que qualquer projeto
de esquerda procura construir a igualdade entre as pessoas, em todos os
sentidos que este termo possa significar. Ou, em outras palavras, e para
utilizar um velho refrao, qualquer projeto de esquerda é socialista. 2 O
segundo, que constitui urna quase antítese do primeiro, é que a dinamica
de evoluc;:ao das pessoas, da sociedade e da humanidade de modo geral
é desigual, darwinista, implicando que a construc;:ao da igualdade (do
socialismo) é permanente, urna vez que qualquer construc;:ao igualitária
tende a ser acompanhada de mudanc;:as que reintroduzem a desigualdade
na sociedade. O terceiro é que essa dinamica darwinista, em que pode
prevalecer alei do mais forte, do mais esperto ou do mais inteligente, é base
da evoluc;:ao da sociedade humana, ou, em termos da era moderna, de seu
desenvolvimento económico e social, sendo, portanto, imprescindível.
Assim, o socialismo nao é o paraíso idílico e estático idealizado por Marx,
mas urna construc;:ao permanente, imposta pelas desigualdades trazidas
pelo próprio desenvolvimento. E o Estado, mesmo que conduzido com
as melhores intenc;:6es voluntaristas, acaba sendo vítima, também, dessa
dualidade contraditória, urna vez que constituí sempre o instrumento
básico para a construc;:ao da igualdade, bem como para a viabilizac;:ao do
desenvolvimento, que contém os germes da desigualdade.
A dificuldade de se construir urna agenda de esquerda pode ser
facilmente compreendida se admitirmos os tres postulados acima e
2 Discordamos inteiramente do discurso do "fim da história" e do fim do sentido político da dualidade
esquerda/ direita, como procuraremos sugerir ao longo <leste livro.
13
Mllulftlo Uu1ut1!11 P11111••
14
Estado, reforma, revoluc;ao
e socialismo no pensamento
clássico da esquerda
4 Seja nos primórdios do pensamento socialista do século XIX (especialmente Marx), seja nos
debates da esquerda que antecederam a Revolw;:iio Russa, seja durante todo o período soviético,
seja após a derrocada da Uni5.o Soviética, no início dos anos 90 do século passado.
Maurfclo Borges Lemas
16
Um novo projeto para o Brasil
8 Ver mais sobre o tema em Deutscher, Isaac. "O profeta desarmado, 1921-1929. Rio de Janeiro: Civili-
zac;:ao Brasileira, 2005 e Deutscher, Isaac. "A Revoluc;:áo Inacabada: Rússia 1917-1967". Rio de Janeiro:
Civillzac;:iío Brasileira, 1968.
9 Quando as grandes corporac;:oes tendem a ser empresas de intangíveis, articuladas e inseridas em
aglomcra11oes diversificadas, formadas por micro, pequenas e médias empresas.
Do presidencialismo de coalizao
ao parlamentarismo da exclusa.o
(ou o pesadelo dos 300 pi caretas
no Congresso, segundo Lula nos
anos 1990, até odia da noite de
horrores -17/4/2016)
Aí vem outra pergunta singela: por que urna questao tao polemica
nem sequer foi discutida nas duas constituintes democraticamente
eleitas instaladas no Brasil no século passado, a de 1946 e a de 1988?
Urna resposta mais geral diría que a cultura brasileira tem urna
orienta<;:ao estrutural a preservar as coisas que nao funcionam, tal como
analisado por Sérgio Buarque de Holanda - o brasileiro cordial - em seu
Raízes do Brasil. 15 Mais precisamente, diríamos que o defeito congenito
dessas constituintes é que nao foram convocadas como exclusivas,
estabelecendo-se, por exemplo, para os parlamentares urna quarentena
de alguns anos para participar novamente da atividade política.
Produziu-se, assim, o círculo vicioso: os deputados, escolhidos pelo
sistema proporcional, trataram como um consenso cordial o sistema
que os elegeu, espelhado de forma inquestionável nas regras eleito-
rais definitivas. O deputado constituinte, possuidor de um intangível
responsável por sua elei<;:ao, o sistema de cabos eleitorais, reproduziu,
nao apenas referendando o seu próprio mandato, mas perpetuando
as regras eleitorais que o favoreciam, tanto em 1946 quanto em 1988.
Isso abriu espa<;:o para outro mito: o do consenso nacional a favor do
presidencialismo em oposi<;:ao ao parlamentarismo.
De modo geral, a saúde é urn dos setores mais críticos do ponto de vista de
se estabelecer urna política social massiva e relevante, já que, por sua própria
natureza, ela évirtualmente incompatível coma presta<;:ao privada de servi<;:os.
Inicialmente o Programa Saúde da Familia, criado ainda no governo FHC,
do qual o programa Mais Médicos é urn complemento, trabalha coma ideia
complexa e dificil de urna rede própria e pública da Saúde. Mas ela tende a
resolver apenas parte do problema, já que, para funcionar a contento, teria
de contar com urna retaguarda de especialidades médicas e urna rede de
hospitais públicos. Nesse sentido, nem mesmo os planos privados de saúde,
em parceria com a rede privada, funcionam satisfatoriamente, sugerindo
que a rela<;:ao dessa rede com o Sistema Único de Saúde (SUS) ou ocorre
com nefastas consequencias para o servi<;:o público, ou simplesmente nao
acorre. Assim, a solu<;:ao é a rede pública, que, vi.a de regra, é terrivelmente
administrada nos tres níveis de governo. Aqui ocorrem vários tipos de
problemas, desde o empoderamento corporativo dos médicos, cuja prática
é nao trabalhar ou trabalhar pouco, 18 até a corrup<;:ao desenfreada, em boa
parte da rede pública de hospitais. Longe de ser trivial, a solu<;:ao para o
problema <leve contemplar a<;:óes que abranjam os tres níveis de governo,
disciplinando as q:>rpora<;:óes e criando um sistema de governan<;:a que
mitigue ou expulse as "quadrilhas enquistadas" na rede pública de hospitais.
Um programa desse tipo, que apenas foi timidamente esbo<;:ado no período
petista, é urn desafio de longo prazo, requerendo tempo, paciencia e
sistematicidade ao longo de vários governos, estando longe de urna op<;:ao
simples e ideológica pela rede pública.
Poderíamos também enquadrar na categoría de a<;:óes que funcionaram
e que, devidamente aperfei<;:oadas, poderiam servir de inspira<;:ao para a
constr·u<;:ao mais geral da infraestrutura brasileira, o modelo do setor elétri-
co, especialmente nos segmentos de gera<;:ao e transmissao. 19 Grosso modo,
voltou-se a investir pesadamente em todos os tipos de gera<;:ao de energía,
18 A resistencia visceral ao Mais Médicos mostrou isso de forma cabal.
19 Nao confundir o modelo ele investimento adotado para o selor com questóes relacionadas aMedida
Provisória 579/2012, dlscullda~ acliante.
Maurfcio Borges Lemas
c;:ao da frota e do parque de máquinas") que poderia nao ter custo fiscal
nern sequer foi analisado pela equipe económica do governo. 30
Pior improviso ainda acabou senda a reduc;:ao do Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI) para o consumo de bens duráveis, ern
especial autornóveis, o qual, depois da segunda e terceira rodadas, deixou
de gerar venda adicional de carros, ao lado de graves efeitos colaterais,
corno a própria perda de receita fiscal, ao lado de urna bolha do mercado
de financiarnento de autornóveis.
Por último, corno prava definitiva de boas intenc;:oes,31 veio a queda da
Selic (taxa básica de juros da econornia), já no governo Dilma, que che-
gou a 7,25% ao ano ern 2012, depois de rnais de urna década no nível de
rnais de 10%, e acirna de 20% ern todo o período FHC. Ernbora tenha tido
efeitos ex:trernarnente benéficos ern termos fiscais, essa queda significativa
nao alterou as perspectivas de investirnento na economía ern dois segmen-
tos decisivos: na infraestrutura, ern func;:ao de questoes estruturais de taxa
de retorno (rentabilidade) dos projetos acirna apontadas; e na indústria,
tarnbérn por questoes estruturais de rentabilidade, conforme tentaremos
mostrar rnais adiante. A experiencia corn urna Selle rnuito baixa, talvez a
rnais baixa ern termos norninais, nahistória do Brasil até entao, de urna taxa básica
de juros, acabou sendo desperdic;:ada por nao se ter avanc;:ado no problema
estrutural - rnais urna jabuticaba brasileira - da altíssirna rernunerac;:ao
financeira de curtíssirno prazo, ern alguns rnornentos, corno agora, quase
no rnesrno patarnar ou rnaior do que a rernunerac;:ao de longo prazo. Esse
cancer, rnais conhecido pela alcunha de operac;:oes cornprornissadas, que
se explica pela captura política e ideológica que a Banca32 orquestrou e irn-
plernentou no Brasil, garantindo-lhe urna das rnais altas rernunerac;:oes do
30 O problema central é que tais programas se basearam na concessáo de um crédito tributário, que
poderia ser mais que compensado pela prodm;áo adicional de máquinas, caminh6es e ónibus. Na canta
agregada, esse tipo de programa teria menor, ou mesmo nenhum custo fiscal. O problema é que, como
todo crédito tributário, ele daria mais trabalho para a Receita Federal.
31 Embora sempre aprocura de boas ideias.
32 Pelo termo "Banca" queremos representar todo o sistema financeiro privado brasileiro, que é estrutu-
rado em termos de poucos grandes bancos e urna numerosa constela<¡áo de pequenos e médios bancos,
corretoras de valores, agencias de rating, empresas de auditoria e de consultoria financeira. No caso bra-
sileiro, esse complexo está fortemenle ancorado na <lívida mobiliária federal, que deveria garantir duas
exigencins, que scrlnm cxcludcntes no resto do mundo: seguran<¡a (solvencia) e rentabilidade.
Maurício Borges Lemos
33 Essa altíssima remunerac;:ao de aplicac;:oes de curto prazo é garantida pela prática sistemática e recor-
rente das operac;:oes compromissadas do BC, constituindo urna grave distorc;:ao da política monetária,
só existindo em outros países, inclusive subdesenvolvidos como o Brasil, ero momentos emergenciais.
Um novo projeto para o Brasil
tributária regressiva joga para cima dos ombros dos salários e das rendas
mais baixas todo o impacto do aumento dos pres;os, desfazendo aqui,
com sobras, o eventual ganho salarial do período deflacionário. 38 Ao
reverso, urna carga tributária progressiva, pouco incidente na formas;ao
dos pres;os, é a única capaz de realizar justis;a social no longo prazo, ao
contrário de misti:fi.cas;6es encobertas, num primeiro momento, por
movimentos favoráveis do ciclo económico, como o fara o período do
boom de commodities.
Mas a reforma tributária de 2003 ocasionou mais danos do que a
cristalizas;ao da carga tributária regressiva e seus efeitos perversos,
macroeconómicos, de longo prazo. No bojo do pacote tributário, a
bancada ruralista conseguiu emplacar urna emenda constitucional (a
EC 21), a famigerada Lei Kandir, que proibia a tributas;ao do Imposto
sobre Circulas;ao de Mercadorias (ICMS) estadual de matérias-primas
para a exportas;ao, incluindo também nessa emenda o Programa
de Integras;ao Social (PIS) e a Contribuis;ao para Financiamento
da Seguridade Social (Cofins) federal. Com isso, cristalizou-se
constitucionalmente urna lei anti-industrializas;ao, que fez com que
a indústria nacional continuasse a pagar indiretamente ICMS e
PIS-Cofins para exportar. 39
Entretanto, esse · descaso para com a indústria foi apenas um
aspecto de um comportamento mais geral de convivencia deliberada
como processo de desindustrializas;ao do Brasil, cuja eixo central foi
38 Esse impacto de aumento dos prec;:os, em func;:ao da desvalorizac;:ao cambial, comec;:ou a ser sen-
tido a partir do segundo semestre de 2012, com maior enfase nos segmentos de babea renda dos
grandes centros urbanos.
39 Só para exemplificar, suponha-se que o produtor de soja exporte R$ 100,00 de grii.os, ficando
isento do PIS-Cofins e ICMS. Entretanto, se ele vender os mesmos R$ 100,00 no mercado inter-
no para a indústria de óleo e rac;:ao, esta pagaria 10% de ICMS e 5% de PIS-Cofins, ficando com
custo final da matéria-prima de R$ 115,00. Se ele for exportar essa matéria-prima processada,
isto é, rac;:ao e óleo, o valor que ele adicionar nao pagará ICMS e PIS-Cofins, mas o crédito tri-
butário a ser compensado relativo a esses dois impostos pagos, ao comprar a matéria-prima, vai
se acumular indefinidamente. Assim, o industrial estrangeiro será mais competitivo que o similar
nacional, já que o primeiro pagará R$ 100,00 pela matéria-prima e o segundo R$ 115,00! A melhor
soluc;:ao para esse problema seria igualar as duas situac;:óes, por exemplo, cobrando-se urna alí-
quota menor dos dais impostas para exportac;:ño e venda no mercado interno da matéria-prima
ou isentando-se nmbos.
Mauricio Borges Lemas
42 Tudo indica que essa espécie de ilusáo do ex-presidente Lula como nome de Meirelles prende-se aos
anos dourados de seu governo, quando o boom das commodities garantiu o rnelhor dos dais mundos:
queda da inflac;áo e redistribuic;áo de renda, abstraindo-se que o fator efetivo para garantir essa proeza foi
a apreciac;áo cambia! (com consequencias nefastas, previa-se na época e sabe-se hoje) e nao a política mo-
netária de Meirelles em seu aspecto geral ou mesmo específico. Espera-se que, voltando a ser presidente,
ou até mesmo primeiro-ministro, se aprovado o parlamentarismo, como propomos, ele possa encarar
com mais afinco e prioridade a questáo do desenvolvimento, deixando de cair na tentac;áo de encurtar
caminhos, simplificar e procrastinar agendas improrrogáveis.
Urna proposta de
desenvolvirnento econ6rnico
e social ern urna perspectiva
rnais geral
43 Essa coabitar;:ao permitiu que se fizessem algumas concess6es sociais, garantidas, em última
instancia, pelo ciclo do boom de commodities e seu correspondente processo de apreciar;:ao. Com
o fim do boom, a Banca rompeu unilateralmente com a coabitar;:ao, contribuindo para a promo-
r;:ao do golpe de 2016.
Maurfclo Borges Lemos
economia, talvez algo como entre 15% e 20% ao ano, 44 ao passo que
outros segmentos estagnaram, como a constrw;:ao civil pesada, ou regredi-
ram, como a indústria de transformayao. Se os segmentos da econornia real
nao foram muito bem, em torno ou em interayao com quais segmentos o
sistema financeiro cresceu?
Em primeiro lugar, <leve-se afirmar que o sistema financeiro
é simplesmente urna indústria de serviyos, incluindo o pagamento e
recebimento de contas, saques, depósitos, transferencias e aplicay5es,
sendo que, no caso brasileiro, com um padrao de eficiencia próximo do
prirneiro mundo. Por outro lado, os empréstimos e financiamentos, que
constituem o negócio tradicional e economicamente imprescindível
para a economia, continuaram andando devagar, no mesmo ritmo
do PIB, mantendo-se a mesma postura conservadora do início dos
anos 1970, de nao realizar financiamentos de longo prazo. 45 Assim,
em segundo lugar, seja para dinamizar, em rentabilidade, a sua
indústria de serviyos, seja para compensar a sua ausencia histórica
dos financiamentos de longo prazo, o sistema financeiro conta com
um hedge fundamental: a <lívida pública.
É ela, por exemplo, que garante a alta margem das comissoes
cobradas junto a poupadores, nas aplicay5es de curto e médio prazo
em títulos públicos, que funcionam, disfaryadamente, indexadas a
Selle. Urna queda na remunerayao desses títulos significa un1a queda na
remunerayao desse tipo de serviyo. 46 E para complementar sua ausencia
44 Esses cálculos siio difíceis, já que o conceito de sistema financeiro envolve uma rede de aglomerai;:oes
(corretoras, consultorias, pequenos bancos, bolsas e os grandes bancos), de forma que essa estimativa
é apenas aproximada.
45 No final dos anos 1960 foi feíta, pela ditadura militar, a reforma do sistema financeiro brasileiro,
com a criai;:iio do complexo financeiro conglomerado, que constituiu a matriz do complexo tal qual o
conhecemos hoje. No inicio dos anos 1970, ao analisar os primeiros resultados dessa reforma, Tavares
(1975, p. 214 e 216) concluiu que "a despeito de ter resolvido de forma relativamente heterodoxa os
problemas fundamentais de liquidez ou de :financiamento corrente das empresas, do déficit governa-
mental e do financiamento do consumo, nao parece ter logrado um aumento substancial da ta.'l:a de
poupani;:a interna.[ ... ] Notadamente, o financiamento de longo prazo a setores e áreas prioritárias con-
tinuou dependendo, basicamente, de fundos especiais, estrangeiros ou públicos, ligados as agencias de
desenvolvimento, nacionais ou regionais''. Ou seja, mais de 30 anos depois dessa avaliai;:iio pioneira, o
sistema financeiro brasileiro continua com a mesma deficiencia estrutural.
46 Roberto Setúbal, presidente do Itaú, o maior banco brasileiro, em declarai;:iio recente disse que a remWle-
rai;:iio principal do Itaú, com alta rentabllidade, ternaria aconselhável melhorar os spreads dos empréstimos
Um novo projeto para o Brasil
64 Eugenio Gudin, patriarca dos economistas neoliberais do Brasil, foi o grande adversário ideológico,
nos anos 1930 a 1950, do processo de industrializac¡:ao, senda o principal contender de Roberto Simon-
sen, o líder e inspirador da indúshia nascente brasileira.
65 Entre as ac¡:éies isoladas está a política de conteúdo nacional, aplicada pela Petrobras, destruída
agora, em poucos meses, pelo governo Temer. Entre as ac¡:óes sistemáticas, algumas foran1 resulta-
do do trabalho dos ministérios e agencias regulatórias com o BNDES, especialmente o MDIC e o
Ministério de Minas e Energía (MME). Entre elas, está a política de apoio as exportac¡:éies de ser-
vic¡:os de engenharia e bens de capital, com destaque para as aeronaves da Embraer. Além do mais,
a persistencia do Finame (linha de financiamento de bens de capital do BNDES) tem permitido
que "o país das commodities agrícolas" desenvolva aqui a produi;:ao de máquinas e equipamentos
utilizados na agropecuária, urna vez que, infelizmente, boa parte dos insumos utilizados no setor
(fertilizantes e defensivos) é importada.
66 Tentaremos sugerir algumas respostas para essas perguntas no ítem 6.2. As políticas hetero-
doxas recentes. p. 71.
Um novo projeto para o Brasil
80
lllll llCIVll projt•lu Jl•llol IJ lli.1'.oll
82 A esse respeito, ver no Apendice o artigo "Sobre 'pedaladas fiscais"; de minha autoria, publicado
no blog do Luís Nassif, em 2015. Na verdade, a área económica <lestes 13 anos e 4 meses de governo
petista, em especial aquela que fi.cou mais tempo com urna certa predominancia dentro do regime de
coabita<¡:ao, que pega o período de 2006 a 2014, deixou as coisas como estavam, transferidas pelo go-
verno lucano, nao tendo feito nada de ilegal ou inadequado. O problema é que o legado tucano é muito
ruim, a ponto da LRF de 2001 apontar a necessidade de o Senado (re)definir os conceitos de resultado
primário e nominal, assunto com o qual a área económica nunca se preocupou. Ao contrário, utilizou
as debilidades do sistema contábil a favor de urna execu<¡:ao on;:amentária e financeira mais adequada
aos desígnios sociais, e de desenvolvimento económico, de um governo democraticamente eleito pela
popula<¡:ii.o. Como se sabe, nao deu certo, dada a hegemonía ideológica da Banca e seu domínio abso-
luto sobre os meios de comunica<¡:iio, construindo a versii.o absurda das pedaladas fiscais. Ocorreu aqui
um fenómeno similar ao verificado na área polltica ao tentar seguir as regras do presidencialismo de
coalizii.o existentes e vigorosamente praticadas no governo anterior. A efetiva sobrevivencia a médio
e longo prazo de um governo a esquerda depende de sua consistencia, que se materializa no aperfei-
<¡:oarnento permanente dos sistemas de gestii.o do próprio Estado. Para a direita vale tuda, inclusive
atropelar "a lei, a ética e os bons costumes''. Para a esquerda, pune-se coma lei, ou, coma insuficiencia
dela, atropelando-a. Para utilizar um jargii.o da esquerda, o "tarefismo'; que favorece o esquecimento
do projeto em constru<¡:iio, alinhado a um pragmatismo procrastinador, do tipo "vamos deixar como
está para ver como é que fica'; sao os conselheiros para o desastre.
82
Urn novo projtlo per11 o Br111ll
83
Maurfclo Borges Lemas
85 O capital estrangeiro trabalharia com exigencias de trucas de retorno comparáveis as dos grandes
grupos económicos que operam nas concess6es brasileiras, sempre acima de 10% ao ano, aos quais
adicionariam o "risco Brasil", no mínimo de 2% ao ano na média de longo prazo. Quanto ao dese-
quilíbrio macroeconómico que ocorreria na entrada, seria ocasionado pela magnitude do aporte de
recursos (cerca de US$ 100 bilhoes/ano) que pressionaria imensamente o balanc;:o de pagamento,
deixando a política macroeconómica entre o crucial problema de permitir urna forte apreciai;:áo do
real ou de emissáo macii;:a de títulos da divida pública, piorando significativamente o déficit fiscal.
Na saída, prisioneiros que ficaríamos das remessas de lucros de um setor non tradables,' haveria urna
ampliai;:áo violenta do histórico desequilibrio da canta de transai;:oes correntes brasileira. Por isso, a
soluc;:áo via capital estrangeiro nao passa de proselitismo ideológico de membros da Banca ou mera
tolice dos incautos.
84
A previdencia complementar,
de grande problema a soluc;ao
para as principais dificuldades
económicas do Brasil
85
Mauricio Borges Lemas
86
Um novo projeto para o Brasil
87
Mauricio Borges Lemas
88
Um novo projeto para o Brasil
inferior aos 10% anuais (ou mais) pedidos pelos concessionários pri-
vados, seria possível a um só tempo reduzir o aporte imediato de con-
trapartida com recursos públicos, prevista na PPP, reduzir a própria
participa<¡:ao do BNDES no total do investimento, resultando numa
diminui<¡:iio do custo fiscal do empreendimento, ao mesmo tempo em
que passaria a constituir um ativo real, com adequada rentabilidade,
para a previdencia complementar.
Como fazer com que a pouparn¡:a da previdencia complementar
chegue até os investimentos em concessiio? Como garantir que a gover-
nan<¡:a desses investimentos continue a ser privada, premiando o mérito
e a eficiencia? Como garantir que esse investimento seja absolutamente
seguro, evitando o risco para o poupador, como acorre na previdencia
complementar fantasía?
A resposta para tais indaga<¡:6es poderia ser dada pela cria-
<¡:iio de um instrumento financeiro, as LFDs, que teriam as se-
guintes características:
91 O conceito de sócio gestor é importante e distinto do que seria um gerente profissional, que even-
tualmente poderia até ser contratado pelo sócio gestor. O relevante é que, dentro do seu patrimonio
pessoal ou de sua empresa, ele seja efetivamente penalizado, perdendo dinheiro, por urna má gestiio.
Por outro lado, a pessoa física ou jurídica que entregar boas performances de conclusao dos empreen-
dimentos, além dos premios pela boa administra-;iio, acumularia um intangível (um currículum) que
passaria a ser valorizado no mercado.
Mauricio Borges Lemas
90
Um novo projeto para o Brasil
Nao é fácil prever o aporte de poupanc;a nesse novo sistema, já que terá origem
em outros mecanismos de poupanc;a já existentes, seja no sistema financeiro,
seja na economía real, em especial no mercado de imóveis. Espera-se, contudo,
para comec;ar, um fluxo mínimo de R$ 100 bilh6es ao ano, sendo mais do que
suficiente para um grande salto nos investimentos em infraestrutura. É bem
provável, allás, que haja escassez de projetos no curto e médio prazo, sendo
aconselhável, desde logo, o estabelecimento de programas para o investimento
em renda variável em outros setores de economía.
Um novo projeto para o Br111l
93
Maurício Borges Lemas
Por último, <leve-se observar que, auxiliados pela nova política tributária,
mais progressiva (ou relativamente menos regressiva) e pelo avan<¡:o das
políticas sociais, especialmente na saúde e na educa<¡:iio, as condi<¡:óes para
urna melhora na distribui<¡:iio de renda já estarao dadas. Mas nao se pode
olvidar que o primeiro e elementar mecanismo de mitigar a contradi<¡:ao
fundamental do capitalismo, segundo Piketty (2014), a tendencia a
desigualdade acentuada entre a taxa média de retomo do capital (r) e
a taxa de crescimento económico (g) é fazer com que esta última seja a
mais elevada possível, já que a primeira (r) tende a ser relativamente
incomprimível, proporcionando urna tendencia a um aumento dessa
desigualdade nos períodos de baixo crescimento.
Acrescente-se a isso um fator fundamental: a soluc;:iio via previden-
cia complementar para a escassez de equity diminui a desigualdade
preconizada por Piketty (2014) de duas formas. A primeira pelo fato
de reduzir a taxa interna de retorno do capital no negócio da infraes-
trutura, seja esse capital nacional ou estrangeiro. 95 A segunda, tao ou
mais relevante, é o fato estrutural de que o capital previdenciário, ao
contrário do capital em geral, nao tem urna dinamica de acumulac;:ao
ilimitada, 96 possuindo claramente um objetivo social, que é o de ga-
rantir urna renda vitalícia na velhice. De certa forma, o patrimonio
94 As novas expertíses financeiras iráo valorizar os analistas de projetos, para fins de valuation, nos quais en-
genheiros, administradores, contadores e economistas reciclados trabalhariío no amplo mercado de valores
(a<¡:Oes) em expansiío.
95 Esse efeito seria mais relevante em rela<¡:iío ao capital estrangeiro, já que este, ao remeter lucros, subtrai
esse montante da renda nacional disponível, reduzindo a base sobre a qual se redistribuiría a renda.
96 Tendendo a urna dinamica de "acumula<¡:iío pela acumulai¡;iío''. conforme observara Marx
(1996), em O capital.
94
llm novo pr!ljfltn J11t111 n ll11111ll
l)/
Mauricio Borges Lemas
100
Um novo projeto para o Brasil
102
apenas 4%, o custo de equaliza<;:ao para o TN seria de 6,5%. Essc
valor, urna vez concedido o empréstimo, come<;:a a produzir custo
fiscal imediatamente, embora nao exatamente pela metodología
contábil do TN/BC desde sempre. Esse vai depender da especifica<;:ao
e da forma como se arbitram - inclusive a contabiliza<;:ao - os fluxos
financeiros. E como ficariam os fluxos financeiros?
Em primeiro lugar, há a carencia do empréstimo para o mutuário (no
mínimo de seis meses), contando depois com alguns anos para pagar.
Iniciados os pagamentos, o agente financeiro apropria-se do seu spread
(3%) e envia ao BNDES o que seria seu spread (1 %) e amortiza<;:ao. Para
zerar o custo de equaliza<;:ao, fica faltando o correspondente a TJLP, que
ficaria aguardando o pagamento do TN.
Em segundo lugar, o TN costuma fixar em dois anos a carencia (ou
até mais, em fun<;:ao das carencias e dos longos períodos de amortiza<;:ao
dos empréstimos). Mas, entelo, até isso acontecer, como ficaria o
BNDES? Ele teria de adiantar recursos próprios para sustentar o custo
(no exemplo, correspondente aTJLP) e, nesse sentido, financiar o TN? A
resposta é nao, já que o BNDES <leve esse valor correspondente aTJLP
exatamente para o TN!
Em terceiro lugar, há, no momento, urna discussao bizarra a
respeito dos prazos (e o seu virtual nao cumprimento) que o TN teria
para pagar ao BNDES os custos da equaliza<;:ao, esquecendo-se de que
é o próprio TN que fixa por portaria tais prazos, podendo alterá-los -
reduzi-los ou ampliá-los - segundo as conveniencias de julgamento do
próprio TN, como autoridade fiscal que é. Aliás, é também julgamento
do próprio TN fixar prazos e carencias (nesse caso autorizado por ato
legislativo normativo) para o recebimento de juros (em geral, TJLP) e
amortiza<;:ao dos seus empréstimos realizados para o BNDES.
Um partidário da questiúncula <liria que o nao pagamento, ou o seu
atraso em rela<;:ao a regra que ele próprio (TN) criou, constituiria urna
manipula<;:ao, já que ao nao pagar ou atrasar tais pagamentos está se
alterando - em geral reduzindo - o superávit primário. Está errado, porque
o vício é de origem, é estrutural e refere-se a um problema metodológico.
Antes de aprofundarmos esse assunto, desde logo fica claro que há urna
111 \
Mauricio Borges Lemas
104
on¡:amentária e da contabilidade pública, a gestao fiscal da Uniao, o
que envolve também o acompanhamento dos demais entes federativos,
trabalha com o conceito caixa?
A explica<¡:ao para urna pergunta tao singela é complexa e envolveria
um passeio ao longo da história do Brasil, pelo menos desde os anos
30 do século passado. Para encurtar o assunto, pode-se dizer que a
tendencia brasileira de produzir urna bolha fiscal permanente ensejou,
ao longo dos anos, a convic<¡:ao - proveniente teoricamente da matriz
de pensamento económico ortodoxa - de que o controle das cantas
públicas passaria pelo controle do crédito líquido para o setor público.
Independentemente do fato de isso ser, pelo menos em parte, um
pressuposto verdadeiro, a questao central é que urna visao consolidada
das cantas do setor público, observada a partir da execu<¡:ao or<¡:amentária,
nunca foi realizada por completo. Em contraposi<¡:ao, o BC veio aos poucos
desenvolvendo e consolidando a estatística referente ao Crédito Líquido
para o Setor Público (CLSP) para o conjunto dos entes federativos,
podendo incluir aí até mesmo as empresas estatais pertencentes aos
tres níveis de governo.
Entao, foi o bastante que, no final de 1998 e início de 1999, ao, mais
urna vez, o Brasil quebrar - neste caso, premido por quatro anos seguidos
de populismo fiscal e cambia! -, se recorresse a urna metodologia
consolidada de cantas fiscais, nas penosas e constrangedoras negocia<¡:6es
como FMI. E aí, na falta de urna metodologia pronta, recorreu-se a urna
''proxy", o CLSP do BC.
Na verdade, o CLSP, embora tenha urna rela<¡:ao e conexao com a
execu<¡:ao or<¡:amentária, é diferente dela em forma e conteúdo.
A diferen<¡:a na forma é que o resultado fiscal apurado pelo BC baseia-se
numa compara<¡:ao temporal de estoques de dívida, deduzindo-se daí um
resultado (um fluxo ), que será o déficit nominal ou, subtraindo-se os
juros pagos da <lívida pública, o resultado primário. O cálculo a partir
do processo or<¡:amentário, ao contrário, tem como referencia o fluxo
da execu<¡:ao on¡:amentária, o que é, evidentemente, muito mais rico,
completo e passível de desagrega<¡:ao, para fins analíticos e, nao menos
importante, de fiscaliza<¡:ao.
lll',
Mauricio Borges Lemas
6. Inconsistencias e incoerencias
106
Um novo pro¡eto para o Brasil
1 As func¡:iies legais do TCU, como órgao de fiscalizac¡:ao, incluem a contábil, financeira, orc¡:amentária,
operacional e patrimonial, constituindo um leque amplo de atividades da Uniao e órgaos vinculados.
Exclui, porém, os passivos e ativos financeiros, incluindo os fluxos de receitas e despesas deles deri-
vados, seja em termos da elaborac¡:áo do orc¡:amento e da consequente execuc¡:ao orc¡:amentária, seja em
termos de fiscalizac¡:áo, considerados alyada do Executivo (ministérios da Fazenda e do Planejamento e,
em especial, do BC).
108
Um novo projeto para o Brasil
10')
Mauricio Borges Lemos
110
Um novo projeto para o Brasil
112
devendo urna diferern;:a (no exemplo seria correspondente a própria
TJLP), a ser paga segundo suas conveniencias (atern;:ao TCU, as várias
leis, referentes a programas equalizáveis dos últimos 20 anos, deram
esse poder discricionário para o TN). Ao fim e ao cabo, quando forem
pagas, tais despesas entrarao na execuc;:ao orc;:amentária, sendo lanc;:adas
no resultado primário. Por que dois tipos de créditos direcionados e
subsidiados pelo TN tiveram tratamentos diferentes, lanc;:ando-se um no
resultado nominal e o outro, quando pago, no primário?
Pragmatismo sobre as conveniencias da execuc;:ao fiscal talvez
possa explicar essas escolhas. No fundo, os dois tipos de crédito sao
financeiros, embora direcionados, como vários outros (do Sistema
Financeiro da Habitac;:ao - SFH, por exemplo ), apenas com a diferenc;:a
de que tem custo fiscal. Mas a emissao de títulos públicos e a compra de
ativos em dólar pelo BC podem ter custo fiscal, e estao contabilizados
no nominal. O que de fato diferencia o crédito direcionado com
equalizac;:ao é que tende a ter um subsídio relativamente maior,
para clientela específica, induzindo a urna tentativa de parcimónia e
burocratizac;:ao, com o objetivo de contenc;:ao fiscal. E para encorpar o
discurso da contenc;:ao, optou-se por lanc;:á-lo - quando formalmente
pago - na execuc;:ao orc;:amentária e, portanto, no primário.
Em suma, foi urna opc;:ao aparentemente aceitável, ma¿ discutível,
já que se trata de urna despesa típicamente financeira da Uniao,
devendo e podendo ser classificada abaixo da linha. Quando nao mais
porque, além de ter a mesma natureza - financeira - do empréstimo
subsidiado em TJLP, evita-se a tendencia a urna subestimac;:ao -
permanente, já que sistematicamente repetida - do resultado fiscal
nominal. E essa será tanto maior quanto mais elástico for o prazo
decorrente entre o momento do fato gerador da despesa, no caso, a
efetivac;:ao do empréstimo ao mutuário, e o pagamento da equalizac;:ao.
Sabe-se que o TCU, em sua agenda em torno de questiúnculas, tem
questionado sobre o prazo, em geral de dois anos, concedido para o
pagamento dessas equalizac;:óes. Embora haja urna importante questao
de ordem legal nesse questionamento, já que o Congresso concedeu
alc;:ada para o TN decidir quando pagar (implícitamente, tirou a
111
Mauricio Borges Lemos
alc¡:ada legal do TCU para fazer tal pergunta), interessa também o fato
de que o problema do prazo é estrutural, já que nasce da assimetria
entre o fato gerador da despesa e o tempo - qualquer tempo - da data
do pagamento efetivo. E, nesse caso, a soluc¡:ao para o problema seria
simples: lanc¡:ar as despesas de equalizac¡:ao abaixo da linha, no nominal,
resolvendo-se nao apenas a questao grave de subestima<;:ao fiscal como
também pouparia trabalho ao TCU, já que tal tipo de despesa está fora
de sua al<;:ada de fiscalizac¡:ao.
O segundo exemplo do caráter arbitrário do conceito de primário
refere-se a carga tributária embutida no servic¡:o da <lívida pública.
Em geral, ela oscila de 15% a 22,5% de Imposto de Renda para
pessoas físicas e chega a 40% (IR e CSLL) para os bancos. Imagine-se
a seguinte situac¡:ao: o TN toma emprestado determinada quantia,
pagando R$ 100,00 de juros ao ano. No momento de receber os
R$ 100,00 no TN, o emprestador é avisado de que tem de passar no
guiche ao lado da RF, deixando R$ 15,00. Os R$ 100,00 sao lanc¡:ados
como despesa de juros no resultado nominal e os R$ 15,00 sao
considerados receita de impostos, engordando o resultado primário.
Do ponto de vista do nominal, esse duplo lan<;:amento é neutro, o que
tornaría o assunto pouco relevante se essa métrica fosse considerada
a meta fiscal. Entretanto, se a métrica mais relevante, inclusive por
constar na LDO, for a do primário, a distor<;:ao passa a ser grave,
subvertendo o conceito de urna poupanc¡:a para pagar juros, já que os
próprios juros tem embutida parte da poupanc¡:a. E mais, quanto pior
a situac¡:ao fiscal e maior o endividamento e os juros, maior será essa
falsa receita primária, que nunca contribuirá para melhorar, em um
único centavo, o resultado nominal.
Isso nao significa, porém, que a tributa<;:ao sobre os juros nao seja
importante do ponto de vista fiscal, e sim que é indevido que ela
seja lan<;:ada no primário, podendo, alternativamente, contribuir de
forma relevante para mitigar o custo fiscal da política monetária,
em especial, quando considerada dentro - como fator redutor - do
déficit nominal. Em suma, o conceito de resultado primário, embora
seja urna ferramenta de importancia indiscutível para a gestao fiscal,
114
perde esse potencial quando se torna a própria meta fiscal, dado o scu
caráter parcial, incompleto e intrinsecamente arbitrário, envolvcndo
escolhas sobre aquilo que se computa acima ou abaixo da linha.
9. Conclusao
Numa síntese do que foi discutido até aqui, seria possível concluir:
11'>
Mauricio Borges Lemas
116
Senado Federal da metodología do resultado fiscal, prevista
no artigo 30 da LFR.
k. Por fim, <leve-se concluir que o TCU nao tem al<;:ada para
julgar urna eventual manipula<;:ao do resultado fiscal por parte
do Executivo; para realizar tal tarefa, ele deveria: a) reconhe-
cer tal impossibilidade junto ao órgao ao qual é subordinado,
o Congresso Nacional; b) solicitar que as chamadas receitas
e despesas abaixo da linha passem a integrar o or<;:amento e
a execu<;:ao or<;:amentária; e) solicitar ao Senado que regula-
mente a metodología do resultado fiscal primário e nominal,
conforme previsto na LRF2; e e) por último, abandonar defini-
tivamente o critério de caixa para a mensura<;:ao de qualquer
indicador relevante da gesta.o fiscal.
2 Diferentemente dessa direc;:iio, o TCU, por conta própria, produziu, ainda em 2014, um extenso
relatório sobre a gestiio da <lívida pública, com "a identificac;:ao dos riscos mais relevantes e de ques-
tóes que ensejam a atuac;:iio do TCU". O objetivo do relatório realizado na STN e no Bacen foi o de
estruturar o conhecimento dos processos de gestiio de <lívida pública e conhecer os seus gargalos,
riscos associados e elaborar uma matriz de auditoria com ac;:óes de controle a serem realizados a
curto e médio prazo". (TCU 028.192/2014-l, p. 1). Em suma, legislar por sua conta e risco e, a partir
daí fiscalizar, atribuindo-se o papel de autoridade monetária e fiscal.
Referencias
ASSIS, Francisco Carlos. Nakano defende saída da atual matriz macroeconómica. fütadiJo
Economía e Negócios. 26 maio 2014. Disponível em: <http://economia.estadao.com.
br /noticias/ geral,nakano-defende-saida-da-atual-matriz-macroeconomica, l 85936e>.
Acesso em: 26 maio 2014.
BERNSTEIN, Eduard. The case for reformism. In: MILLS, C. Wrigth. The marxists. S. l.:
Pelican Book, s. d. p. 173-186.
BNDES. Custo líquido dos empréstimos do Tesouro ao BNDES. Rio de Janeiro: APE/ AF, 2105.
Disponível em: < www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home>. Acesso em: 9 ago. 2019.
___ .Relatóriodeefetividade2007/2014:acontribuic;iiodoBNDESparaodesenvolvímt·nto
nacional. Disponível em: <http/www.bndes.gov.br/site BNDES>. Acesso em: 10fev.2017.
BRAMI-CELENTANO, Alexandrini; CARVALHO, Carlos Eduardo. A reforma tríbutária
do governo Lula: continuísmo e injustic;a fiscal. Rev. Katálysys. Florianópolis, v. 10, n. 1,
jan./jun. 2007. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/Sl414-49802007000100006>.
Acesso em: 10 fev. 2017.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Resolurao CGPC nº 4, de 30 de janeiro de 2002. Estabelccc
critérios para registro e avaliac;ao contábil de títulos e valores mobiliários das entidades
fechadas de previdencia complementar. Disponível em: <http:/ /www.previc.gov.br/a-previdcnci
a-complementar-fechada/legislacao-especifica- l/resolucoes/resolucoes-cgpc/2002/
resolucao-cgpc-no-04-de-30-de-janeiro-de-2002.pdf/view>. Acesso em: 10 fev. 2017.
___ . Presidencia da República. Leí complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Dispi>c
sobre o imposto dos estados e do Distrito Federal sobre operac;oes relativas a circulac;ao de
mercadorias e sobre prestac;oes de servic;os de transporte interestadual e intermunicipal e
de comunicac;áo, e dá outras providencias. (Leí Kandir). Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp87.htm>. Acesso em: 10 fev. 2017.
_ _ _ . Lei n" 12.783, de 11 de janeiro de 2012. Dispoe sobre as concessiies de gcrn<ji\o,
transmissiío e distribuic;áo de energia elétrica, sobre a reduc;áo dos encargos setoriais c sobrl'
a modicidade tarifária; altera as Leis n"' 10.438, de 26 de abril de 2002, 12.111, de 9 <ll·
dezembro de 2009, 9.648, de 27 de maio de 1998, 9.427, de 26 de dezembro de 1996, e I0.848,
de 15 de marc;o de 2004; revoga dispositivo da Lei nQ 8.631, de 4 de marc;o de 1993; e dá out ras
providencias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/ _Ato2011-2014/2013/
Lei/112783.htm>. Acesso em: 10 fev. 2017.
_ _ _ . Lei nº 12.844, de 19 de julho de 2013. Amplia o valor do Beneficio Garantia-Safra
para a safra de 2011/2012; amplia o Auxílio Emergencia! Financeiro, de que trata a Leí nv
10.954, de 29 de setembro de 2004, relativo aos desastres acorridos em 2012. Disponível cm:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ _ato2011-2014/2013/lei/112844.htm>. Acesso em:
10 fev. 2017.
_ _ _ .Medida Provisória nº 579, de 11 de setembro de 2012. Dispoe sobre as concessiics
de gerac;áo, transmissáo e distribuic;áo de energía elétrica, sobre a reduc;áo dos encargos
setoriais, sobre a modicidad e tarifária e dá outras providencias. Disponível em: dittp://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/mpv/579.htm>. Acesso em: 10 fev. 2017.
11'1
Mauricio Borges Lemas
120