Bases Materiais Do Sistema Sexo-Gênero (Transcrição)
Bases Materiais Do Sistema Sexo-Gênero (Transcrição)
Bases Materiais Do Sistema Sexo-Gênero (Transcrição)
Ao nos referirmos as pessoas, utilizamos dois termos: mulher e homem. Estas palavras
evocam e refletem o sexo dos indivíduos e através delas classificamos as pessoas em dois
grandes grupos. O critério é válido quando se aplica aos demais animais com reprodução
sexuada, pois o que diferencia a égua do cavalo, por exemplo, é seu sexo e só isso. No caso
dos seres humanos, mesmo que não sejamos unicamente produtos da natureza, pois somos, na
mesma medida, produtos de uma certa cultura, homem e mulher são palavras que vão muito
além do sexo e servem para atribuir caracteristicas que extrapolam o âmbito da biologia.
Ao dizermos que alguém é uma mulher, estamos supondo um sexo, mas também
supomos muitas outras coisas: dona de casa, passiva, mãe, má motorista, afetiva, etc... Ao
dizermos homem, junto ao sexo, atribuimos qualidades como investigador, profissional,
agressivo, racional, pouco detalhista, etc... Isto se deve ao fato de que, com estes termos,
fazemos referéncia a uma realidade complexa, que se ordena em três níveis:
1
Professora do Departamento de Sociologia da Universidade Autônoma de Barcelona. Texto traduzido pelo
SOF/SP.
Como tentaremos mostrar a seguir, não existe uma relação unívoca entre os três níveis
básicos a que nos referimos e sobre os quais se sustenta a identidade humana. Com o que, não
pretendemos negar que geralmente se combinam de um modo tal que as fêmeas são femininas
e heterossexuais, quer dizer, mulheres, assim como os machos são masculinos e
heterossexuais e, portanto, homens.
O sistema sexo/gênero, que é o referencial sob o qual se organiza a sociedade, as
expectativas que a mesma tem com respeito aos indivíduos, à distribuição desigual de poder,
as aspirações, espaços sociais ocupados e proibições em função do sexo, se fundamenta em
uma base dupla: a biologia e a divisão sexual do trabalho.
No lugar de entrar diretamente na análise das diferenças entre os sexos, modo habitual
de estudar machos e fêmeas humanas, é a meu ver muito mais esclarecedor o estudo das
características comuns aos humanos e próprias desta espécie. Nesta perspectiva, estaremos em
condições de valorizar a importância relativa das diferenças entre os sexos e o grau em que as
mesmas são ou não uma determinação biológica ou, pelo contrário, o produto da interação
entre natureza e cultura.
Nós humanos, somos a espécie com a dotação genética mais rica e mais variável de
indivíduo, e deste ponto de vista podemos dizer, categoricamente, que não existe duas pessoas
iguais. Junto a esta variabilidade de origem genética, os caracteres adquiridos em contato com
o meio se apresentam também de forma variável, dado que as condições ambientais são
distintas para cada pessoa, o que nos leva a nos desenvolvermos de formas bem diversas.
Além destas características, que nos permitem afirmar a singularidade do fenômeno
humano, há uma terceira que reforça e completa as anteriores: a complexidade do nosso
sistema nervoso. Este nos permite responder de uma forma ativa e consciente às condições
ambientais e sociais, resposta que nos leva por uma parte a nos adaptarmos ao meio, e por
outra, a transformá-lo, em ambos os casos, de uma forma cultural.
Em definitivo, o que somos e o que somos capazes de fazer é algo que supera
amplamente os aspectos biológicos precisamente porque desde nossa biologia, estamos
configurados de uma forma muito maleável. E mais, assim como qualquer outro ser vivo,
somos seres em contínuo processo de construção, um processo que só termina com a morte. A
diferença com o restante dos seres vivos é que este processo, já em suas primeiras etapas,
realiza-se em contato com o meio, devido ao grau de imaturidade fisiológica e nervosa com
que nascemos. Neste sentido, somos, como nenhum outro animal, dependentes do meio.
É justo reconhecer que, como seres vivos, a reprodução é uma função fundamental que
garante a sobrevivência da espécie, e neste terreno é inevitável fazer alusão às diferenças
sexuais que a explicam. Como humanos, ou seja, como um tipo particular de seres vivos, a
importância dos aspectos reprodutivos e, portanto, sexuais, fica relativizada, já que para que
nossa espécie sobreviva não é preciso manter uma atividade reprodutiva alta, porque a queda
do índice de natalidade pode perfeitamente ser compensada por uma elevação na esperança de
vida. Recordemos que a esperança de vida em condições próximas às naturais, já que estas
últimas não existem para os humanos, é de 25 anos aproximadamente, entretanto, nos países
ocidentais esta cifra é multiplicada por três. Temos a esperança de viver 75 anos, e esta cifra
pode chegar a superar-se em função das condições de vida que construamos.
As expressões das diferenças sexuais em outros âmbitos das atividades distintas do
reprodutivo, não tem caráter sexual e, portanto, biológico, no sentido de estar pré-fixada. A
biologia, por assim dizer, nos determina indeterminados, maleáveis. São grandes as margens
de liberdade em nosso crescimento e desenvolvimento.
Por um tratamento diferencial que recebemos em função do sexo, nossa enorme
variabilidade de indivíduo a individuo se homogeneiza significativamente. O alto grau de
semelhança com que se trata as fêmeas por uma parte, e aos machos, por outra, junto com a
grande distância quanto ao tratamento e expectativas para cada um dos sexos, leva a que
efetivamente, os grupos sexuais tenham um caráter relativamente homogêneo.
As diferenças sexuais entre machos e fêmeas se expressam em uma constelação de
caracteres, sendo uns primários e outros secundários. Os caracteres primários são aqueles que
estão diretamente relacionados com a reprodução. Quando abordamos as diferenças sexuais a
partir desta perspectiva, devemos falar em termos de uma dicotomia: fêmeas e machos com
caracteres sexuais primários constituem variáveis discretas.
Se pelo contrário, tomamos os caracteres secundários, estes são os não vinculados à
reprodução: estatura, peso, distribuição e quantidade de pelo, resistência a enfermidades, força
muscular, timbre de voz etc. Neste caso, não é aplicável a noção dicotômica e é mais correto
falar em termos de polaridade. Falaremos que os caracteres sexuais secundários dão lugar a
um “continuum”. Cada indivíduo, independentemente de qual seja seu sexo, está situado, com
respeito a estes caracteres, em posição determinada entre o polo feminino e o polo masculino.
Se pode ser mais ou menos masculino com respeito ao timbre de voz, a força masculina, a
estatura etc. Além disso, estas características podem ir mudando ao longo do tempo e ao
longo de nossas vidas, em função da alimentação, da atividade física, dos estímulos recebidos
do meio social e do meio natural. Neste aspecto, as diferenças entre machos e fêmeas são
meramente estatísticas.
Se com nossa atividade, transformamos o “em torno”, transformamos, por sua vez,
nossos próprios corpos. Nossos corpos são, em boa medida, o que fazemos deles. De tal modo
que a biologia não marca o que somos e o que fazemos, mas incide de forma limitada,
assinalando aquilo que não podemos ser e aquilo que não podemos fazer.
Como já temos falado, somos caracterizados pelos seguintes aspectos:
1. Somos os mais imaturos ao nascer e acabamos de nos construir em contato com o
meio, meio este que trata desigualmente as fêmeas em relação aos machos.
2. Nosso sistema nervoso é o mais complexo e o mais maleável ao nascer, o que se
traduz em uma grande capacidade para receber e processar informações procedentes do meio
e de nós mesmos. E por sua vez, esta capacidade dependerá em boa medida dos estímulos que
recebemos e de como direcionaremos suas potencialidades.
3. Nosso meio é mais variável porque podemos habitar qualquer lugar do planeta e
podemos construir nosso próprio habitat. Desse meio variável dependerá também nosso
variável desenvolvimento.
De todos estes fatos, deriva-se que a primeira base sobre a qual se assenta o sistema
sexo/gênero –nosso corpo– é tal que possibilita a construção de uma sociedade fundamentada
na divisão de posições de fêmeas e machos na sociedade, mas faz também com que esta
construção não seja inevitável. Se faz possível, sobretudo, por nossa plasticidade, em boa
medida, devida à nossa imaturidade ao nascer. Uma vez detectado o sexo de uma pessoa e
certificado em seu registro de nascimento, pode conseguir-se que a mesma se ajuste a um
certo modelo, tanto por seu aspecto físico como pelos interesses que desenvolve, a forma
como vê o mundo, o tipo de relações que estabelece etc.
Se ao nascer se diz de alguém que é fêmea, independentemente de que cometa ou não
um erro de sinalização do sexo da pessoa – coisa que é possível – e se sua mãe a reconhece
como tal, uma vez que se reconhece a si mesma como pessoa do mesmo sexo e aceita o papel
que a sociedade lhe designa, tal pessoa se identificará com ela e exigirá de seu corpo o que a
sociedade em que nasceu lhe dite e, consequentemente, estará modelando o desenvolvendo
um corpo desigual e com distintas capacidades do corpo de um macho da mesma sociedade,
inclusive, da mesma família.
Graças à nossa particular biologia, o corpo é uma construção social e cultural. Não é
em vão a estatura, o peso, forças médias para as fêmeas em certa cultura, e mais próximas dos
machos da mesma cultura, que as fêmeas em outra cultura bem diferente.
Podemos dizer que, sendo o mundo humano um mundo de diferenças individuais, a
desigualdade com que são tratados os sexos se traduz em uma indiferenciação entre os
indivíduos de um mesmo sexo, ao homogeneizar suas características. Junto a isto, se produz
uma desigualdade entre um sexo e outro de caráter induzido violentada por todo um sistema
de obrigações, proibições e oportunidades distintas entre machos e fêmeas.
Assim, pois, ao aproximarmos o sistema sexo/gênero desde a perspectiva que nos
oferece a biologia, podemos dizer que aspectos dos indivíduos comumente considerados
como estritamente físicos e próprios de sua natureza, não o são. Nosso corpo não é
estritamente um fato natural e, por conseguinte, as diferenças entre um e outro sexo são
também diferenças de gênero, ou seja, culturais. Olho por olho é impossível saber qual é a
fronteira entre a natureza e a cultura. As mulheres têm músculos menos desenvolvidos porque
somos fêmeas, mas também porque somos femininas, nossas formas suaves são fruto do sexo,
mas também do gênero.
INSTINTO E PSICOLOGIA
De acordo com Freud, o instinto tem uma base orgânica que se expressa
psiquicamente:
FAMÍLIA
Todavia, não apenas diminui o número das unidades familiares no conjunto dos
domicílios, como também sua composição interna apresenta modificações sensíveis. Em
termos quantitativos, a chamada “família nuclear”, ou seja, a unidade doméstica composta por
pai, mãe e filhos, é o arranjo residencial predominante em nosso país, tanto nas áreas urbanas,
quanto nas rurais, ultrapassando ambas o nível de 60%. Contudo, esta forma de organização
da unidade doméstica vem configurando tendência declinante desde os anos 1970,
principalmente nas cidades. Ao contrário do que se poderia imaginar, esta propensão ao
declínio não é compensada por aumento das chamadas “famílias ampliadas” (pais, filhos e
outros parentes), que também apresentam para o mesmo período, sintomas inequívocos de
declínio, principalmente no meio urbano.
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Como é sabido, o IBGE aproxima a noção de família à de domicílio, entendendo por família, no Censo, não só
as unidades domiciliares, cujos moradores estão relacionados entre si pelo parentesco, como também os
domicílios unipessoais e aqueles de até cinco pessoas sem relação de parentesco.
No campo e na cidade, a progressiva diminuição das unidades domésticas do tipo
família nuclear, claramente associada ao aumento das taxas de divórcio e separação, vem
sendo compensada, basicamente, pelo crescimento das famílias monoparentais,
particularmente aquelas de chefia feminina [de 1970 a 1987 as monoparentais femininas
cresceram de 9,5% para 14,4%]. Além disso, a estas famílias monoparentais se somam ainda,
particularmente nas cidades, os já mencionados domicílios unipessoais e outros arranjos
familiares ou não-familiares de natureza pouco conhecida. (...).
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Ao que tudo indica, as famílias monoparentais de chefia feminina não constituem, sob nenhum aspecto, uma
configuração “típica”, mas parecem ser exatamente, arranjos estratégicos produzidos quando da impossibilidade
objetiva de se manter o padrão nuclear. Geralmente são famílias situadas na linha da miséria. Cf. Wootmann
(1987); Durham e Cardoso (1979); Pastore et al. (1983), entre outros.
(...). Contudo, dados apresentados em alguns trabalhos como os de Salem (1980),
Bilac (1983), Bruschini (1986) e Romanelli (1986) fazem suspeitar que, pelo menos em
alguns dos chamados segmentos médios, ainda predomina uma família nuclear fundada na
divisão social dos papeis. Embora esta família seja assimétrica e pouco igualitária, diferenças
importantes se fazem notar no que diz respeito à família nuclear das classes trabalhadoras,
seja em relação à construção dos papeis femininos (mãe e esposa), seja em relação ao papel
dos filhos, o que implica arranjos práticos de vida cotidiana bastante diferenciados.
Assim, a mãe, embora seja a principal responsável pelo trabalho doméstico, ocupa-se
muito mais com sua gestão e organização, podendo delegar sua realização a uma outra
mulher, geralmente a empregada doméstica. Em contrapartida, está fundamentalmente
envolvida nos cuidados com as crianças que, mesmo no período escolar, demandam dela
assistência permanente. Por outro lado, essas mães ainda são a principal fonte de trabalho
adicional na família, uma vez que os filhos, aos quais se reserva uma escolarização
prolongada até a universidade, são essencialmente consumidores. A noção de “família
nuclear” parece recobrir, portanto, realidades diferentes nas classes trabalhadoras e nos
setores médios.
Figueira considera que nos últimos trinta anos, as famílias dos setores médios vêm
transitando de um modelo “hierárquico”, em que as identidades são posicionais (isto é,
definidas em função de posição, sexo e idade), para um modelo “igualitário”, em que a
identidade seria idiossincrática4, isto é, “homens e mulheres se percebem como diferentes
pessoal e idiossincraticamente, mas como iguais, porque são indivíduos”. (1987, p. 17).
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Idiossincrasia: Disposição do temperamento do indivíduo, que o faz reagir de maneira muito pessoal à ação dos
agentes externos; maneira de ver, sentir e reagir própria de cada pessoa [Aurélio].