Geometria Diferencial - kATIA fRENSEL

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Sumário

1 Curvas Planas 1
1. Curva Parametrizada Diferenciável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
2. Mudança de parâmetro; comprimento de arco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
3. Orientação de um espaço vetorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
4. Fórmulas de Frenet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
5. Teorema Fundamental das Curvas Planas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
6. Forma Canônica Local para Curvas Planas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

2 Curvas no Espaço 37
1. Curva Parametrizada Diferenciável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2. Produto Vetorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3. Teoria Local de Curvas no Espaço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4. Forma Local das Curvas no Espaço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
5. Teoria do Contato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
6. Teorema Fundamental das Curvas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

3 Superfı́cies Regulares 81
1. Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares . . . . . . . . . . . . . 81
2. Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre Superfı́cies . . . . . . . 100
3. Plano Tangente; Diferencial de uma Aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118

4. Primeira Forma Fundamental; Área . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126


5. Orientação de Superfı́cies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

1
6. Uma Caracterização das Superfı́cies Compactas Orientáveis . . . . . . . . . . . 147

7. Uma Definição Geométrica da Área . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

4 A Geometria da Aplicação de Gauss 161


1. Aplicações Lineares Auto-Adjuntas e Formas Quadráticas . . . . . . . . . . . . . 161
2. A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais . . . . . 165
3. A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
4. Campos de Vetores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
5. Superfı́cies Mı́nimas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238

5 Geometria Intrı́nseca das Superfı́cies 251


1. Isometrias; Aplicações Conformes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251
2. Teorema de Gauss e as Equações de Compatibilidade . . . . . . . . . . . . . . . 271
3. Transporte Paralelo; Geodésicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 279
4. Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 315

Instituto de Matemática - UFF -1


0 J. Delgado - K. Frensel
Curva Parametrizada Diferenciável

Capı́tulo 1

Curvas Planas

1. Curva Parametrizada Diferenciável

Definição 1.1 Uma curva parametrizada diferenciável no plano é uma aplicação α : I −→ R2


de classe C∞ definida num intervalo aberto I = (a, b) da reta.
Se α(t) = (x(t), y(t)), t ∈ I, dizemos que t é o parâmetro da curva; α(I) = { α(t) | t ∈ I} é o
traço da curva e o vetor α 0 (t) = (x 0 (t), y 0 (t)) é o vetor tangente (ou vetor velocidade) à curva
α em t ∈ I.

Observação 1.1 Lembre que uma aplicação α : I −→ R2 é de classe C∞ se, e só se, suas
funções coordenadas x, y : I −→ R são de classe C∞ . E que a derivada de ordem j de α é
dada por α(j) (t) = (x(j) (t), y(j) (t)) para todo t ∈ I.

Definição 1.2 Dizemos que uma curva parametrizada diferenciável α : I −→ R2 é regular


em t = t0 ∈ I quando α 0 (t0 ) 6= 0. Nesse caso, a reta rt0 que passa por α(t0 ) e é paralela ao
vetor α 0 (t0 ) é chamada de reta tangente a α em t0 e é dada por

rt0 = { α(t0 ) + s α 0 (t0 ) | s ∈ R }.

Um ponto singular de α é um valor do parâmetro t ∈ R tal que α 0 (t) = 0.


Quando α é regular em todos os pontos t ∈ I, dizemos que α é uma curva parametrizada
diferenciável regular.

Para o desenvolvimento da geometria diferencial local das curvas é essencial a existência


de uma reta tangente à curva em todos os pontos. Portanto, restringiremos o nosso estudo
apenas às curvar regulares, isto é, às curvas sem pontos singulares.

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Geometria Diferencial

Exemplo 1.1 Vejamos alguns exemplos de curvas:

(a) A aplicação α : R −→ R2 , dada por

α(t) = (x0 , y0 ) + t(a, b) ,

com a2 +b2 6= 0, é uma curva parametrizada diferenciável


regular, pois α 0 (t) = (a, b) 6= (0, 0) para todo t ∈ R, cujo
traço é a reta que passa pelo ponto (x0 , y0 ) e é paralela
Fig. 1: Traço da curva α item (a)
ao vetor (a, b) (ver Fig. 1).

(b) A aplicação α : R −→ R2 , dada por

α(t) = (r cos t, r sen t) + (x0 , y0 ),

com r > 0, é uma curva parametrizada diferenciável regular,


pois α 0 (t) = (−r sen t, r cos t) e, portanto, kα 0 (t)k = r 6= 0
para todo t ∈ R.
O traço da curva α é o cı́rculo de centro (x0 , y0 ) e raio r (ver
Fig. 2).
Fig. 2: Traço da curva α item (b)

(c) A curva parametrizada α : R −→ R2 dada por

α(t) = (t3 , t2 )

é diferenciável, mas não é regular, pois α 0 (t) = (3t2 , 2t) =


(0, 0) para t = 0, ou seja, t = 0 é um ponto singular. Fig. 3: Traço da curva α item (c)

Observando que as coordenadas de um ponto da curva satisfazem à equação y3 = x2 , pode-


mos traçar a curva (ver Fig. 3).

(d) A aplicação α : R −→ R2 dada por

α(t) = (t, |t|)

não é uma curva parametrizada diferenciável, pois a função


coordenada t 7−→ |t| não é diferenciável na origem (ver Fig. 4).
Fig. 4: Traço da curva α item (d)

2 J. Delgado - K. Frensel
Curva Parametrizada Diferenciável

(e) A aplicação α : R −→ R2 , definida por



(t, 0), se t ≤ 0
α(t) = 
 t, t2 sen 1 ,

se t > 0 ,
t

Fig. 5: Traço da curva α item (e)


não é uma curva parametrizada diferenciável, pois a sua
segunda função coordenada

0, se t ≤ 0
y(t) =
t2 sen 1 , se t > 0 ,
t

é de classe C1 que não possui derivada de segunda ordem na origem (ver Fig. 5). 

Definição 1.3 Dizemos que uma curva parametrizada α : I −→ R2 é simples quando a


aplicação α é injetora, isto é, α(t1 ) 6= α(t2 ) se t1 6= t2 , t1 , t2 ∈ I.

É fácil verificar que as curvas dos exemplos (a), (c), (d) e (e) são simples, e que a curva
do exemplo (b) não é simples, já que é periódica de perı́odo 2π.

Exemplo 1.2 Continuamos com os exemplos:


(f) A aplicação α : R −→ R2 dada por

α(t) = (t3 − 4t, t2 − 4)

é uma curva parametrizada diferenciável regular, pois α 0 (t) = (3t2 − 4, 2t) 6= (0, 0) para todo
t ∈ R. Mas α não é simples, pois:
 3  
 t − 4t = s3 − 4s  t(t2 − 4) = s(s2 − 4)  t = 2 e s = −2
α(t) = α(s) ⇐⇒ e ⇐⇒ e ⇐⇒ ou .
 2 2  2 2 
t −4=s −4 t −4=s −4 t=s

Para fazer um esboço do traço de α, observe o sinal das funções coordenadas x(t) = t3 − 4t
e y(t) = t2 − 4 nos intervalos (−∞, −2), (−2, 0), (0, 2) e (2, +∞) (ver Fig. 6).
Observe também que α 0 (−2) = (8, −4) 6= (8, 4) = α 0 (2), apesar de termos α(2) = α(−2) =
(0, 0). Assim, não faz sentido falar no vetor tangente à curva α no ponto α(t) e, sim, no vetor
tangente à curva α no ponto t.

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Geometria Diferencial

Fig. 6: Traço da curva α item (f)

(g) Seja α : R −→ R2 a aplicação dada por

α(t) = (cos t (2 cos t − 1), sen t (2 cos t − 1)) .

Como α 0 (t) = (sen t − 4 cos t sen t, − cos t + 2(cos2 t − sen2 t)), temos que se α 0 (t) = (0, 0)
1
então sen t = 0 ou cos t = . Mas,
4

 1
• sen t = 0 =⇒ cos t = ±1 =⇒ − cos t + 2(cos2 t − sen2 t) = ou .

3
r
1 15 1 1 15 8
 
• cos t = =⇒ sen t = ± =⇒ − cos t + 2(cos2 t − sen2 t) = − + 2 − =− .
4 16 4 16 16 4

Logo α é uma curva parametrizada diferenciável regular.


Para fazermos um esboço do traço da curva α basta analisar a curva no intervalo [−π, π].
Primeiro observe que, se α(t) = (x(t), y(t)), então:
 π
 
 t=±
π 
 3

 t = ±2 
 ou
x(t) = 0 ⇐⇒ ou e y(t) = 0 ⇐⇒ t = ±π

 t = ±π , 


 ou
3 
 t = 0.

π  π
Marque os pontos α(0) = (1, 0), α = (0, −1), α − = (0, 1), α(π) = α(−π) = (3, 0) e
2 2
π  π
α =α − = (0, 0) no plano, e depois estude o sinal das funções coordenadas x(t) =
3 3
π
   π π  π 
cos t (2 cos t − 1) e y(t) = sen t (2 cos t − 1) nos intervalos −π, − , − , − , − , 0 ,
2 2 3 3
 π π π π 
0, , , e , π (ver Fig. 7).
3 3 2 2

4 J. Delgado - K. Frensel
Mudança de parâmetro; comprimento de arco

Fig. 7: Traço da curva α item (g)

Uma maneira mais fácil de obter o traço da curva α é utilizar a equação da curva em coorde-
nadas polares: r = 2 cos θ − 1. 

2. Mudança de parâmetro; comprimento de arco

Duas curvas diferenciáveis podem ter o mesmo traço. Por exemplo, as curvas α(t) =
(t, 2t), t ∈ R, e β(s) = (2s + 1, 4s + 2), s ∈ R, têm o mesmo traço, que é a reta que passa pela
origem e é paralela ao vetor (1, 2), pois β(s) = α(2s + 1). Observe que o vetor tangente a β no
ponto s é o dobro do vetor tangente a α no ponto 2s + 1, já que β 0 (s) = 2α 0 (2s + 1).
O mesmo acontece com os pares de curvas:
s s
 
• α1 (t) = (2 cos t, 2 sen t), t ∈ R e β1 (s) = 2 cos , 2 sen , s ∈ R, pois β1 (2s) = α1 (s).
2 2
Neste exemplo, também temos α10 (s) = 2β10 (2s), s ∈ R (ver Fig. 8).

Fig. 8: Os traços das curvas α1 e β1 coincidem, mas os vetores tangentes não

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Geometria Diferencial

π
 
• α2 (t) = (cos t, sen t), t ∈ R e β2 (s) = (sen s, cos s), s ∈ R, pois α2 (t) = β2 −t + . Neste
2
π
 
exemplo, α20 (t) = −β20 −t + (ver Fig. 9).
2

Fig. 9: Os traços das curvas α1 e β1 coincidem, mas os vetores tangentes e o sentido do percurso não

Na realidade, dada uma curva parametrizada diferenciável regular, podemos obter várias
curvas parametrizadas diferenciáveis regulares que têm o mesmo traço que α, da seguinte
maneira.

Proposição 2.1 Sejam I e J intervalos abertos da reta, α : I −→ R2 uma curva diferenciável


regular e h : J −→ I uma função diferenciável (C∞ ) tal que h(J) = I e h 0 (s) 6= 0 para todo s ∈ J.
Então a aplicação β = α ◦ h : J −→ R2 é uma curva diferenciável regular que tem o mesmo
traço de α.

Prova.
Como α e h são de classe C∞ , temos que α ◦ h é de classe C∞ com (α ◦ h) 0 (s) = α 0 (h(s)) ·
h 0 (s) 6= 0, pois h 0 (s) 6= 0 e α 0 (h(s)) 6= 0 para todo s ∈ I.

Fig. 10: Os traços das curvas α e β = α ◦ h coincidem

6 J. Delgado - K. Frensel
Mudança de parâmetro; comprimento de arco

Além disso, traço(α ◦ h) = (α ◦ h)(J) = α(h(J)) = α(I) = traço α (ver Fig. 10).
A curva β = α ◦ h é chamada reparametrização de α por h, e a função h é dita mudança de
parâmetro. 

Observação 2.1 A mudança de parâmetro h : J −→ I é um difeomorfismo de classe C∞ .

Prova.
Para provar esta observação, vamos utilizar os dois teoremas abaixo de análise na reta:

(I) (E. Lima, Curso de Análise Vol. I, pag. 237) Seja f : I −→ R uma função contı́nua injetora
definida num intervalo I. Então f é monótona, J = f(I) é um intervalo e sua inversa f−1 : J −→ I
é contı́nua.
(II) (E. Lima, Curso de Análise Vol. I, pag. 263) Seja f : I −→ J uma bijeção contı́nua, onde
I e J são intervalos, tal que f−1 : J −→ I é contı́nua. Se f é derivável em t0 ∈ I, então f−1 é
derivável em f(t0 ) = s0 se, e só se, f 0 (t0 ) 6= 0. Neste caso,

1 1
(f−1 ) 0 (s0 ) = = .
f 0 (t 0) f 0 (f−1 (s0 ))

De fato, como h é C∞ e h 0 (s) 6= 0 para todo s ∈ J, então h 0 (s) > 0 ou h 0 (s) < 0 para todo s ∈ J.
Logo, pelo Teorema do Valor Médio, h é crescente ou decrescente (estritamente) em J. Em
qualquer caso, h é uma bijeção e, portanto, pelo teorema (I), h−1 : I −→ J é contı́nua.
1
Assim, pelo teorema (II), h−1 é diferenciável e (h−1 ) 0 = . Como h 0 e h−1 são contı́nuas
h0 ◦ h−1
temos que h−1 é de classe C1 . E se supusermos que h−1 é de classe Ck , obteremos que (h−1 ) 0
é de classe Ck e, portanto, h−1 é de classe Ck+1 . Então, por indução, h−1 é de classe C∞ . 

Observação 2.2 Se β é uma reparametrização de α por h : J −→ I, isto é, β(s) = α ◦ h(s)


para todo s ∈ J, então α é uma reparametrização de β por h−1 , pois β ◦ h−1 (t) = α(t) para
todo t ∈ I.

Definição 2.1 A orientação de uma curva plana α é o sentido de percurso do traço de α.

Observação 2.3 Seja β = α ◦ h uma reparametrização da curva α. Então β e α têm a


mesma orientação se h 0 (s) > 0 para todo s ∈ J; e β e α têm orientações opostas se h 0 (s) < 0
para todo s ∈ J.

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Geometria Diferencial

Exemplo 2.1 Sejam a curva diferenciável regular α : R −→ R2 dada por α(t) = (r cos t +
s
a, r sen t + b), com r > 0, e o difeomorfismo de classe C∞ h : R −→ R dado por h(s) = .
r
s s
 
Então β = α ◦ h : R −→ R2 , β(s) = r cos + a, r sen + b , é uma reparametrização de α
r r
0
que tem a mesma orientação que α. Além disso, kβ (s)k = 1 para todo s ∈ R. 

Exemplo 2.2 A curva diferenciável β : R −→ R2 , β(s) = (−2s+1, −4s+2), é uma reparametrização


da curva α : R −→ R2 , α(t) = (t, 2t), que tem orientação oposta, pois a mudança de parâmetro
h : R −→ R, h(s) = −2s + 1, é uma função decrescente (ver Fig. 11). 

Fig. 11: Os traços das curvas α e β = α ◦ h coincidem mas o sentido do percurso não

Definição 2.2 Sejam α : [a, b] −→ R2 uma aplicação, P = { a = t0 < t1 < · · · < tn = b } uma
partição do intervalo [a, b] e

X
n
`(α; P) = kα(ti ) − α(ti−1 )k
i=1

o comprimento da linha poligonal que tem vértices nos pontos α(t0 ), α(t1 ), . . . , α(tn ) (Fig. 12).

Fig. 12: Aproximação poligonal da curva α

8 J. Delgado - K. Frensel
Mudança de parâmetro; comprimento de arco

Dizemos que α é retificável se o conjunto { `(α; P) | P partição de [a, b] } é limitado. Neste caso,

`(α) = sup { `(α; P) | P partição de [a, b] }

é, por definição, o comprimento de α.

Teorema 2.1 Se a aplicação α : [a, b] −→ R2 é contı́nua e retificável, então

`(α) = lim `(α; P),


|P|→0

ou seja, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |P| < δ =⇒ |`(α) − `(α; P)| < ε, onde |P| =
max |ti − ti−1 |.
1≤i≤n

Além disso, se α é de classe C1 , então α é retificável e

Zb
lim `(α; P) = kα 0 (t)k dt .
|P|→0 a

(Ver E. Lima, Curso de Análise Vol. II, Cap. II, seção 4).

Definição 2.3 Se α : I −→ R2 é uma curva parametrizada diferenciável regular, a função


s : I −→ R dada por
Zt
s(t) = kα 0 (s)k ds ,
t0

é chamada função comprimento de arco da curva a partir de t0 , onde t0 ∈ I.

Observação 2.4 A função comprimento de arco s : I −→ J, onde J = s(I), é um difeomor-


fismo de classe C∞ sobre o intervalo aberto J.

De fato, como s 0 (t) = kα 0 (t)k = hα 0 (t) , α 0 (t)i1/2 > 0 e as funções f : (0, ∞) −→ (0, ∞),

f(x) = x, H : I −→ R, H(t) = x 0 (t)2 + y 0 (t)2 , onde α(t) = (x(t), y(t)), são de classe C∞ ,
temos que s 0 é de classe C∞ e, portanto, s é de classe C∞ .
Logo, pela observação 2.1, s : I −→ J é um difeomorfismo de classe C∞ sobre o intervalo
aberto J = s(I).
1 1
• Além disso, se s−1 = h : J −→ I, temos, pelo teorema II, que h 0 (u) = = ,
s 0 (h(u)) kα 0 (h(u))k
para todo u ∈ J.

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Geometria Diferencial

Definição 2.4 Dizemos que uma curva regular α : I −→ R2 está parametrizada pelo compri-
mento de arco se
Z t1
kα 0 (t)k dt = t1 − t0 ,
t0

para todos t0 , t1 ∈ I, t0 ≤ t1 . Isto é, o comprimento do arco da curva α de t0 a t1 é igual a


t1 − t0 .

Proposição 2.2 Uma curva regular α : I −→ R está parametrizada pelo comprimento de


arco se, e só se, kα 0 (t)k = 1 para todo t ∈ I.

Prova.
Z t1
0
(⇐) Se kα (t)k = 1 para todo t ∈ I, então kα 0 (t)k dt = t1 − t0 para quaisquer t0 , t1 ∈ I,
t0

t0 ≤ t1 .
(⇒) Seja t0 ∈ I fixo e consideremos a função s : I −→ R comprimento de arco a partir de t0 .
Então,
Zt
s(t) = kα 0 (ξ)k dξ = t − t0 , se t ≥ t0 ,
t0

e
Zt Z t0
0
s(t) = kα (ξ)k dξ = − kα 0 (ξ)k dξ = −(t0 − t) = t − t0 , se t0 ≥ t ,
t0 t

ou seja, s(t) = t − t0 para todo t ∈ I. Logo, s 0 (t) = kα 0 (t)k = 1 para todo t ∈ I. 

s s
 
Exemplo 2.3 Seja α : R −→ R a curva regular dada por α(s) = r cos + a, r sen + b ,
2
r r
cujo traço é o cı́rculo de centro (a, b) e raio r > 0. Então α está parametrizada pelo compri-
s s
 
0 0
mento de arco, pois kα (s)k = 1, já que α (s) = − sen , cos . 
r r

Proposição 2.3 Toda curva regular α : I −→ R2 admite uma reparametrização β, tal que β
está parametrizada pelo comprimento de arco.

Prova.
Zt
Seja t0 ∈ I fixo e consideremos s : I −→ J, s(t) = kα 0 (ξ)k dξ, a função comprimento
t0

de arco a partir de t0 . Pela observação 2.4, h = s −1


: J −→ I, é uma função de classe C∞ com
1 1
h 0 (u) = = , para todo u ∈ J.
s 0 (h(u)) kα 0 (h(u))k

10 J. Delgado - K. Frensel
Mudança de parâmetro; comprimento de arco

Logo β : J −→ R2 , β(u) = α ◦ h(u), é uma reparametrização de α tal que

1
β 0 (u) = α 0 (h(u)) · h 0 (u) = α 0 (h(u)) · .
kα 0 (h(u))k

Então kβ 0 (u)k = 1 para todo u ∈ J. Assim, pela proposição 2.2, β é uma reparametrização de
α que está parametrizada pelo comprimento de arco. 

Exemplo 2.4 Seja α : R −→ R2 a curva regular dada por α(t) = (at + c, bt + d), onde
a2 + b2 6= 0, e seja s : R −→ R a função comprimento de arco de α a partir de t0 = 0. Então

Zt p p
s(t) = a2 + b2 dξ = a2 + b2 t ,
0

u
e, portanto, h = s−1 : R −→ R é dada por h(u) = p . Logo β = α ◦ h : R −→ R,
a2 + b2
 
u u
β(u) = a p + c, b p +d é uma reparametrização de α pelo comprimento de
a2 + b2 a2 + b2
arco. 

Exemplo 2.5 A curva regular α : R −→ R2 , α(t) = (et cos t, et sen t), é chamada espiral
logarı́tmica. Como
α 0 (t) = (et cos t − et sen t, et sen t + et cos t) ,
√ t
temos que kα 0 (t)k = 2 e . Logo a função comprimento de arco a partir de t0 = 0 é dada por

Zt √ √ √
s(t) = 2 eξ dξ = 2 et − 2 .
0

√ √
 
u
Assim, s(R) = (− 2, ∞) e h = s−1 : (− 2, ∞) −→ R é dada por h(u) = log √ +1 .
2

Portanto, β = α ◦ h : (− 2, ∞) −→ R2 ,
         
u u u u
β(u) = α(h(u)) = √ +1 cos log √ + 1 , √ + 1 sen log √ + 1 ,
2 2 2 2

é uma reparametrização de α pelo comprimento de arco. 

Observação 2.5 A reparametrização de uma curva regular α pelo comprimento de arco não
é única.

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Geometria Diferencial

De fato, seja h1 : J1 −→ I uma mudança de parâmetro tal que β1 = α ◦ h1 : J1 −→ R2 é uma


reparametrização de α pelo comprimento de arco. Então

kβ10 (u)k = kα 0 (h1 (u))k |h10 (u)| = 1 ,

ou seja,
1
|h10 (u)| = .
kα 0 (h1 (u))k

Portanto,

1 1
h10 (u) = ou h10 (u) = − , (?)
kα 0 (h1 (u))k kα 0 (h1 (u))k

para todo u ∈ J1 .

∞ 1
Seja f = h−1
1 : I −→ J1 . Então f é de classe C e f 0 (t) = . Logo, por (?),
h10 (f(t))

f 0 (t) = kα 0 (h1 (f(t))k = kα 0 (t)k = s 0 (t) ou f 0 (t) = −kα 0 (h1 (f(t))k = −kα 0 (t)k = −s 0 (t) ,

para todo t ∈ I. Ou seja, f(t) = s(t) + M para todo t ∈ I ou f(t) = −s(t) + M para todo t ∈ I,
onde M é uma constante.
Seja h = s−1 : J1 −→ I. Então, se:
• f(t) = s(t) + M para todo t ∈ I, temos que h1 (u) = h(u − M) para todo u ∈ J1 , pois

f(h(u − M)) = s(h(u − M)) + M = u − M + M = u , para todo u ∈ J1 .

• f(t) = −s(t) + M para todo t ∈ I, temos que h1 (u) = h(−u + M) para todo u ∈ J1 , pois

f(h(−u + M)) = −s(h(−u + M)) + M = −(−u + M) + M = u , para todo u ∈ J1 .

Provamos, assim, que qualquer mudança de parâmetro h1 : J1 −→ I, tal que β1 = α ◦ h1 está


parametrizada pelo comprimento de arco, é da forma

h1 (u) = h(±u + M) ,

Zt
−1
onde h = s , s(t) = kα 0 (ξ)k dξ , t0 ∈ I e M é uma constante.
t0

12 J. Delgado - K. Frensel
Orientação de um espaço vetorial

3. Orientação de um espaço vetorial

Definição 3.1 Seja V um espaço vetorial real de dimensão finita n e sejam B = {v1 , v2 , . . . , vn }
e B 0 = {w1 , w2 , . . . , wn } bases ordenadas de V. Dizemos que B e B 0 têm a mesma orientação,
e escrevemos B ∼ B 0 , se a matriz de mudança da base B 0 para a base B possui determinante
positivo.

Segue-se das propriedades do determinante que a relação ∼ é uma relação de equi-


valência, isto é, as seguintes propriedades são satisfeitas:
(1) B ∼ B (reflexividade);
(2) B ∼ B 0 =⇒ B 0 ∼ B (simetria);
(3) B ∼ B 0 e B 0 ∼ B 00 =⇒ B ∼ B 00 (transitividade).
Assim, o conjunto de todas as bases ordenadas de V se decompõe em subconjuntos
disjuntos denominados classes de equivalência pela relação ∼:

[B] = {B 0 | B ∼ B 0 } .

Mais ainda, como o determinante da matriz de mudança de base ou é positivo ou é negativo,


existem apenas duas classes.

Definição 3.2 Cada uma das classes determinadas pela relação de equivalência acima é
chamada uma orientação de V.
Assim, V tem exatamente duas orientações, e, se fixarmos uma das duas de maneira arbitrária,
a outra será chamada orientação oposta.

No caso em que V = Rn , existe uma base ordenada natural

{e1 = (1, 0, . . . , 0), e2 = (0, 1, . . . , 0), . . . , en = (0, 0, . . . , 1)} ,

e a orientação correspondente a esta base é chamada a orientação positiva de Rn , a outra


sendo a orientação negativa.
Diremos também que uma base ordenada de Rn é positiva (ou negativa) se ela pertence
à orientação positiva (resp. negativa) de Rn .
!
0 1
Por exemplo, a base {e2 , e1 } de R2 é negativa, uma vez que a matriz que muda
1 0
esta base para a base {e1 , e2 } tem determinante igual a −1.

Instituto de Matemática - UFF 13


Geometria Diferencial

4. Fórmulas de Frenet

Seja α : I −→ R2 , α(s) = (x(s), y(s)), uma curva regular parametrizada pelo comprimento
de arco, isto é, kα 0 (s)k = 1 para todo s ∈ I.
Para cada s ∈ I, o vetor α 0 (s) é um vetor unitário e será designado por t(s), isto é,
t(s) = (x 0 (s), y 0 (s)).

Seja n(s) o vetor unitário de R2 ortogonal a t(s) tal que a base ortogonal {t(s), n(s)} tem
a mesma orientação da base canônica {e1 , e2 }. Então n(s) = (−y 0 (s), x 0 (s)), pois kn(s)k = 1,
!
x 0 (s) −y 0 (s)
hn(s) , t(s)i = 0 e det = 1 > 0.
y 0 (s) x 0 (s)

Fig. 13: Vetores normal e tangente à curva α em s

A base ordenada {t(s), n(s)} é chamada o referencial de Frenet1 da curva α em s. E a


reta rn (s0 ) normal a α em s0 é a reta que passa pelo ponto α(s0 ) e é paralela ao vetor normal
n(s0 ), ou seja
rn (s0 ) = { α(s0 ) + λ n(s0 ) | λ ∈ R } .

Como, para cada s ∈ I, {t(s), n(s)} é uma base ortonormal de R2 , temos que t 0 (s) = α 00 (s)
pode ser escrito como uma combinação linear dos vetores t(s) e n(s).
Mas como ht(s) , t(s)i = 1 para todo s ∈ I, temos que ht 0 (s) , t(s)i = 0, ou seja, t 0 (s) é
ortogonal a t(s).
Logo t 0 (s) é paralelo a n(s), isto é, existe uma função κ : I −→ R tal que

t 0 (s) = κ(s) n(s) ,

1
Jean Frédéric Frenet (1816 - 1900): matemático e astrônomo francês, descobriu, independentemente do seu
compatriota Joseph Alfred Serret as hoje chamadas fórmulas de Frenet-Serret das curvas (planas e espaciais).
No caso das curvas espaciais, ele escreveu seis das nove fórmulas, que, naquela época, não foram expressas
em termos vetoriais nem usando a linguagem da Álgebra Linear. Essas fórmulas, de fundamental importância na
Geometria Diferencial, foram apresentadas na sua tese de doutorado em Toulouse (1847).

14 J. Delgado - K. Frensel
Fórmulas de Frenet

para todo s ∈ I, onde

κ(s) = ht 0 (s) , n(s)i = −x 00 (s) y 0 (s) + y 00 (s) x 0 (s)

é chamada a curvatura de α em s ∈ I.
De modo análogo, como n(s) é um vetor unitário, segue-se que n 0 (s) é ortogonal a n(s) e
é, portanto, paralelo a t(s). Além disso, como hn(s) , t(s)i = 0, temos que

hn 0 (s) , t(s)i = −hn(s) , t 0 (s)i = −hn(s) , κ(s) n(s)i = −κ(s) .

Logo,
n 0 (s) = −κ(s) t(s) .

Resumindo: Se α : I −→ R2 é uma curva regular parametrizada pelo comprimento de arco s,


então o referencial de Frenet {t(s), n(s)} satisfaz as equações:

t 0 (s) = κ(s) n(s) ,
n 0 (s) = −κ(s) t(s) ,

que são as fórmulas de Frenet de uma curva plana.

Exemplo 4.1 Seja α(s) = (as + x0 , bs + y0 ), s ∈ R, a2 + b2 = 1 uma curva regular parametri-


zada pelo comprimento de arco cujo traço é a reta que passa pelo ponto (x0 , y0 ) e é paralela
ao vetor unitário (a, b). Então a curvatura de α é identicamente nula.
De fato, como t(s) = α 0 (s) = (a, b) é constante, segue-se que t 0 (s) = 0 para todo s ∈ R e,
portanto, κ(s) = 0 para todo s ∈ R. 

Exemplo 4.2 Consideremos a curva regular parametrizada pelo comprimento de arco


s s
 
α(s) = r cos + a, r sen + b ,
r r

onde s ∈ R e r > 0, cujo traço é o cı́rculo de centro (a, b) e raio r. Então

s s s s
   
t(s) = α 0 (s) = − sen , cos e n(s) = − cos , − sen .
r r r r

1 1 s s
 
Logo, κ(s) = ht 0 (s) , n(s)i = > 0, pois t 0 (s) = − cos , − sen .
r r r r
1
Ou seja, α tem curvatura constante igual a (ver Fig. 14). 
r

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Geometria Diferencial

Fig. 14: Vetores normal e tangente ao cı́rculo α em s

Observação 4.1 A curvatura κ muda de sinal se mudarmos a orientação da curva α.


De fato, seja β = α ◦ h : J −→ R2 uma reparametrização de α : I = (a, b) −→ R2 tal que β está,
também, parametrizada pelo comprimento de arco, mas com orientação oposta à de α. Então,
pela observação 2.5, h(r) = −r + M, r ∈ (−b + M, −a + M).
Ou seja, β(r) = α(−r + M), ou ainda, α(s) = β(−s + M).
Então, como α 0 (s) = −β 0 (−s + M), ou seja, tα (s) = −tβ (−s + M), temos nα (s) = −nβ (−s + M)
e tα0 (s) = tβ0 (−s + M) e, portanto,

κβ (−s + M) = htβ0 (−s + M) , nβ (−s + M)i = htα0 (s) , −nα (s)i = −κα (s) .

Fig. 15: Mudança do sinal da curvatura ao longo da curva

• Note que os vetores aceleração são iguais, isto é, tα0 (s) = tβ0 (−s + M).

16 J. Delgado - K. Frensel
Fórmulas de Frenet

Observação 4.2 A curvatura κ de α muda de sinal ao mudarmos a orientação de R2 .


De fato, considere R2 com a orientação oposta à dada pela base canônica. Assim, nesta
orientação, a base {e2 , e1 } é positiva.
Então, o vetor unitário n(s) ortogonal a t(s) tal que {t(s), n(s)} é uma base positiva é dado por

n(s) = (y 0 (s), −x 0 (s)) = −n(s) .

Logo,
κ(s) = hα 00 (s) , n(s)i = −κ(s) .

Observação 4.3 Interpretação geométrica da curvatura.


Mostraremos que κ(s) indica a velocidade com que as retas tangentes mudam de direção
numa vizinhança de s.
Sejam s0 ∈ I e ϕ : (−s0 + a, −s0 + h) −→ R a função de classe C∞ que determina o ângulo
que o vetor α 0 (s0 + h) faz com o vetor α 0 (s0 ), isto é,

α 0 (s0 + h) = (cos(ϕ(h) + θ0 ), sen(ϕ(h) + θ0 ) ,

onde ϕ(0) = 0 e α 0 (s0 ) = (cos θ0 , sen θ0 ) (veja o Lema — da próxima seção).


Então,
n(s0 + h) = (− sen(ϕ(h) + θ0 ), cos(ϕ(h) + θ0 ))

e
α 00 (s0 + h) = ϕ 0 (h)(− sen(ϕ(h) + θ0 ), cos(ϕ(h) + θ0 )) = ϕ 0 (h) n(s0 + h) .

Logo,
k(s0 ) = hα 00 (s0 ) , n(s0 )i = ϕ 0 (0) .

Observação 4.4 Interpretação geométrica do sinal da curvatura


Sejam α : I −→ R2 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco e s0 ∈ I tal que
κ(s0 ) 6= 0 (⇐⇒ α 00 (s0 ) 6= 0).
Seja r a reta tangente a α em s0 :

r= p ∈ R2 | hp − α(s0 ) , α 00 (s0 )i = 0 .

Provaremos que, para s 6= s0 suficientemente próximo de s0 :



α(s) ∈ p ∈ R2 | hp − α(s0 ) , α 00 (s0 )i > 0 .

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Geometria Diferencial

Isto é, que existe δ > 0 tal que, para s ∈ (s0 − δ, s0 + δ) − {s0 }, α(s) pertence ao semi-plano
aberto determinado pela reta tangente a α em s0 para o qual α 00 (s0 ) aponta (ver Fig. 16).

Fig. 16: Perto de s0 a curva permanece no semi-plano determinado pela tangente para o qual α 00 (s0 ) aponta

Pela Fórmula de Taylor Infinitesimal temos que:

(s − s0 )2 00 R(s)
α(s) = α(s0 ) + (s − s0 )α 0 (s0 ) + α (s0 ) + R(s) , onde lim = 0.
2 s→s0 (s − s0 )2

Logo,

(s − s0 )2
hα(s) − α(s0 ) , α 00 (s0 )i = (s − s0 )hα 0 (s0 ) , α 00 (s0 )i + hα 00 (s0 ) , α 00 (s0 )i + hR(s) , α 00 (s0 )i
2
(s − s0 )2
= κ(s0 )2 + hR(s) , α 00 (s0 )i ,
2

pois α 0 (s0 ) ⊥ α 00 (s0 ) e α 00 (s0 ) = κ(s0 ) n(s0 ).


Portanto,
hα(s) − α(s0 ) , α 00 (s0 )i κ(s0 )2
lim = > 0.
s→s0 (s − s0 )2 2

κ(s0 )2
Assim, dado ε = > 0, existe δ > 0 tal que
4

hα(s) − α(s0 ) , α 00 (s0 )i κ(s0 )2 κ(s0 )2 κ(s0 )2


s ∈ I , 0 < |s − s0 | < δ =⇒ > − = > 0.
(s − s0 )2 2 4 4

Isto é, hα(s) − α(s0 ) , α 00 (s0 )i > 0 para todo s ∈ (s0 − δ, s0 + δ) ∩ I, s 6= s0 .


Como α 00 (s0 ) = κ(s0 )n(s0 ), note que (ver Fig. 17):
• κ(s0 ) > 0 se α 00 (s0 ) e n(s0 ) têm o mesmo sentido;
• κ(s0 ) < 0 se α 00 (s0 ) e n(s0 ) têm sentidos opostos;

18 J. Delgado - K. Frensel
Fórmulas de Frenet

Fig. 17: Variação do sinal da curvatura

Atividade 4.1 Sejam α : I −→ R2 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco e seja
s0 ∈ I tal que κ(s0 ) = 0 e κ 0 (s0 ) 6= 0. Mostre que para toda vizinhança de s0 existem pontos de
α em cada um dos semi-planos abertos determinados pela reta tangente a α em s0 .

O referencial de Frenet e a curvatura foram definidos para curvas parametrizadas pelo


comprimento de arco. A seguir vamos determinar o referencial de Frenet e a curvatura de uma
curva regular com qualquer parâmetro.

Definição 4.1 Sejam α : I −→ R2 uma curva regular de parâmetro qualquer r ∈ I, s : I −→ J


a função comprimento de arco a partir de r0 ∈ I e h = s−1 : J −→ I. Consideremos a curva
β = α ◦ h : J −→ R2 , que é uma reparametrização de α pelo comprimento de arco s que tem a
mesma orientação de α.
Se { tβ (s), nβ (s) } é o referencial de Frenet e κβ (s) é a curvatura de β em s, dizemos que
{ t(r) = tβ (s(r)), n(r) = nβ (s(r)) } é o referencial de Frenet de α em r e que κ(r) = κβ (s(r)) é a
curvatura de α em r.

Observação 4.5 Se β1 = α ◦ h1 : J1 −→ R2 é uma reparametrização qualquer de α pelo


comprimento de arco que tem a mesma orientação de α, temos, pela observação 2.5, que
h1 (s) = h(s + M) para todo s ∈ J1 , onde M é uma constante.
Logo, β1 (s) = β(s + M) e, portanto,

tβ1 (s) = tβ (s + M) , nβ1 (s) = nβ (s + M) , β100 (s) = β 00 (s + M) e κβ1 (s) = κβ (s + M) .

Instituto de Matemática - UFF 19


Geometria Diferencial

Então, como h1−1 (r) = s(r) − M, pois h1 (s(r) − M) = h(s(r) − M + M) = r, temos que

tβ1 (h−1
1 (r)) = tβ1 (s(r) − M) = tβ (s(r)) ,

nβ1 (h−1
1 (r)) = nβ1 (s(r) − M) = nβ (s(r)) ,

κβ1 (h−1
1 (r)) = κβ1 (s(r) − M) = κβ (s(r)) .

Assim, a definição dada acima independe da reparametrização de α pelo comprimento de arco


com a mesma orientação de α.

Proposição 4.1 Seja α : I −→ R2 , α(r) = (x(r), y(r)), uma curva regular. Então

(x 0 (r), y 0 (r))
t(r) = q ,
x 0 (r)2 + y 0 (r)2

(−y 0 (r), x 0 (r))


n(r) = q ,
x 0 (r)2 + y 0 (r)2

−x 00 (r)y 0 (r) + x 0 (r)y 00 (r)


κ(r) = 3/2
.
( x 0 (r)2 + y 0 (r)2 )

Prova.
Seja β = α ◦ h : J −→ R2 , onde h = s−1 : J −→ I e s : I −→ J é a função comprimento
de arco a partir de r0 ∈ I.
Como β(s(r)) = α(r), temos que β 0 (s(r)) · s 0 (r) = α 0 (r) e, portanto,

β 00 (s(r)) · s 0 (r)2 + β 0 (s(r)) · s 00 (r) = α 00 (r) ,

hα 0 (r) , α 00 (r)i
onde s 0 (r) = kα 0 (r)k e s 00 (r) = .
kα 0 (r)k

Então

α 0 (r) (x 0 (r), y 0 (r))


t(r) = tβ (s(r)) = = ,
s 0 (r)
q
x 0 (r)2 + y 0 (r)2

(−y 0 (r), x 0 (r))


n(r) = nβ (s(r)) = q .
x 0 (r)2 + y 0 (r)2

20 J. Delgado - K. Frensel
Fórmulas de Frenet

Logo, como κβ (s(r)) = hβ 00 (s(r)) , nβ (s(r))i , temos que:

hα 00 (r) − tβ (s(r)) · s 00 (r) , nβ (s(r))i


κ(r) = κβ (s(r)) =
s 0 (r)2
hα 00 (r) , n(r)i ( −x 00 (r)y 0 (r) + x 0 (r)y 00 (r) )
= =
kα 0 (r)k2 kα 0 (r)k3
−x 00 (r)y 0 (r) + x 0 (r)y 00 (r)
= 3/2
.
( x 0 (r)2 + y 0 (r)2 )

Exemplo 4.3 Consideremos a espiral logarı́tmica α : R −→ R2 dada por


α(t) = et cos t, et sen t .


Então, como

α 0 (t) = et (cos t − sen t, sen t + cos t) ,


α 00 (t) = et (cos t − sen t − sen t − cos t, sen t + cos t + cos t − sen t)
= et (−2 sen t, 2 cos t) ,
√ t
temos que kα 0 (t)k = 2 e e, portanto,

2 sen t et (et sen t + et cos t) + (et cos t − et sen t) · 2et cos t



κ(t) = √ 3
2 et

2e2t 2e2t 1
sen2 t + sen t cos t + cos2 t − sen t cos t = √ 3t = √

= √ 3t .
2 2e 2 2e 2 et

Assim, lim κ(t) = +∞ e lim κ(t) = 0 . 


t→−∞ t→∞

Fig. 18: Espiral logarı́tmica α(t) = et/5 cos t, et/5 sen t


` ´

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Geometria Diferencial

Nota: O estudo das curvas espirais teve inı́cio com o livro Sobre espirais de Arquime-
des de Siracusa (287 - 212 a.C.). Nesse livro, Arquimedes define um tipo particular
de espirais, hoje chamadas espirais de Arquimedes, e descreve detalhadamente as
suas propriedades geométricas. Outros tipos de espirais foram estudados ao longo da
História. A espiral logarı́tmica aparece entre os estudos do matemático suı́ço Jacob
Bernoulli (1654 - 1705). Bernoulli considerava essa espiral uma forma maravilhosa,
denominando-a spira mirabilis. Ele descobriu que essa espiral mantém a sua forma pe- Jacob (Jaques) Bernoulli

rante rotações ou mudanças de escala em relação ao seu centro. Bernoulli, fascinado


por essa espiral, determinou que na lápide do seu túmulo fosse gravada a frase Eadem mutata resurgo, que
significa após transformado, ressurgirei o mesmo.

Definição 4.2 Se α : I −→ R2 é uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal que
1 1
κ(s0 ) 6= 0, s0 ∈ I, o número R(s0 ) = é o raio de curvatura e c(s0 ) = α(s0 ) + n(s0 ) é
|κ(s0 )| κ(s0 )
o centro de curvatura de α em s0 .
O cı́rculo osculador de α em s0 é o cı́rculo de centro c(s0 ) e raio R(s0 ).

Observação 4.6 O centro e o raio de curvatura de uma curva independem de sua orientação.
Portanto, o cı́rculo osculador também independe da orientação da curva.

Observação 4.7 O ponto α(s0 ) pertence ao cı́rculo osculador de α em s0 . De fato,



1
= 1 = R(s0 ) .

kα(s0 ) − c(s0 )k =
κ(s0 ) n(s0 ) |κ(s0 )|

s s
 
Observação 4.8 Seja α : R −→ R , α(s) = 2
a + r cos , b + r sen , a curva parametri-
r r
zada pelo comprimento de arco cujo traço é o cı́rculo de centro (a, b) e raio r > 0.
Então o cı́rculo osculador de α em s é o próprio cı́rculo de centro (a, b) e raio r para todo s ∈ R.
s s
 
De fato, como α 0 (s) = − sen , cos , temos que
r r

s s 1 s s 1
   
n(s) = − cos , − sen , α 00 (s) = − cos , sen , e κ(s) = hα 00 (s) , n(s)i = .
r r r r r r

1
Logo, R(s) = r e c(s) = α(s) + n(s) = (a, b) para todo s ∈ R.
κ(s)

22 J. Delgado - K. Frensel
Fórmulas de Frenet

Observação 4.9 A curva α e o cı́rculo osculador de α em


s0 são tangentes em α(s0 ).
De fato, a reta tangente ao cı́rculo osculador no ponto α(s0 )
é a reta que passa por α(s0 ) e é perpendicular ao vetor
1
c(s0 ) − α(s0 ) = n(s0 ). Logo, essa reta é paralela ao
κ(s0 )
vetor α 0 (s0 ), sendo, portanto, a reta tangente a α em s0 (ver
Fig. 19).
Fig. 19: O cı́rculo osculador é tangente à curva

Observação 4.10 Seja β : I −→ R a curva dada por


2

1 π π
    
β(s) = c(s0 ) + cos k(s0 )(s − s0 ) + θ0 − , sen κ(s0 )(s − s0 ) + θ0 − ,
κ(s0 ) 2 2

onde α 0 (s0 ) = (cos θ0 , sen θ0 ).


Então β é uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal que β(s0 ) = α(s0 ),
β 0 (s0 ) = α 0 (s0 ) e β 00 (s0 ) = α 00 (s0 ) cujo traço é o cı́rculo osculador de α em s0 . Dizemos,
então, que α e β têm contato de ordem ≥ 2 em s0 .
De fato:
1 π π
    
• β(s0 ) = c(s0 ) + cos θ0 − , sen θ0 −
κ(s0 ) 2 2
1 1
= α(s0 ) + (− sen θ0 , cos θ0 ) + (sen θ0 , − cos θ0 ) = α(s0 ) .
κ(s0 ) κ(s0 )

π π
    
• β 0 (s) = − sen κ(s0 )(s − s0 ) + θ0 − , cos κ(s0 )(s − s0 ) + θ0 − =⇒
2 2
π π
    
β 0 (s0 ) = − sen θ0 − , cos θ0 − = (cos θ0 , sen θ0 ) = α 0 (s0 ) .
2 2

π π
    
• β 00 (s) = −κ(s0 ) cos κ(s0 )(s − s0 ) + θ0 − , sen κ(s0 )(s − s0 ) + θ0 − =⇒
2 2
π π
    
β 00 (s0 ) = −κ(s0 ) cos θ0 − , sen θ0 −
2 2
= κ(s0 )(− sen θ0 , cos θ0 ) = κ(s0 ) n(s0 ) = α 00 (s0 ) .

Definição 4.3 Seja α : I −→ R2 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal que
κ(s) 6= 0 para todo s ∈ I. Variando o parâmetro s em I, o centro de curvatura c(s) descreve
uma curva β : I −→ R2 , chamada a evoluta de α, dada por
1
β(s) = α(s) + n(s) ,
κ(s)

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Geometria Diferencial

Observação 4.11 A evoluta β da curva α é regular no ponto s se, e só se, κ 0 (s) 6= 0.
De fato,

κ 0 (s) 1
β 0 (s) = α 0 (s) − 2
n(s) + n 0 (s)
κ(s) κ(s)
κ 0 (s) κ(s) 0
= α 0 (s) − 2
n(s) − α (s)
κ(s) κ(s)
κ 0 (s)
= − n(s) 6= 0 , (1)
κ(s)2

se, e só se, κ 0 (s) 6= 0.

Observação 4.12 A reta tangente à evoluta β no ponto s, onde κα0 (s) 6= 0, é a reta normal
a α em s.
Com efeito, por (1), temos que o vetor tangente a β em s, β 0 (s), é paralelo ao vetor normal a α
1
em s, n(s). Além disso, como o ponto β(s) = α(s) + n(s) pertence à reta tangente a β em
κ(s)
s, r = { β(s) + λ β 0 (s) | λ ∈ R }, e a reta normal a α em s, rn = { α(s) + µ n(s) | µ ∈ R }, temos
tβ α

r = rn (ver Fig. 20).


tβ α

Fig. 20: Evoluta β da curva α.

Observação 4.13 Seja α : I −→ R2 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal
que κ 0 (s) 6= 0 para todo s ∈ I.
Então a evoluta de α é a única curva diferenciável regular cuja reta tangente em s é igual à
reta normal a α em s.
Seja β : I −→ R2 uma curva com a propriedade acima. Então existe uma função diferenciável

24 J. Delgado - K. Frensel
Fórmulas de Frenet

λ : I −→ R tal que

β(s) = α(s) + λ(s) n(s) , (onde λ(s) = hβ(s) − α(s) , n(s)i) .

Logo,
0
β (s) = α 0 (s) + λ 0 (s) n(s) + λ(s) n 0 (s)
= α 0 (s) + λ 0 (s) n(s) − λ(s) κ(s) α 0 (s)
= (1 − λ(s) κ(s))α 0 (s) + λ 0 (s) n(s) .

0 1
Como β (s) é paralelo a n(s), temos que 1 − λ(s) κ(s) = 0, ou seja, λ(s) = . Portanto,
κ(s)

1
β(s) = α(s) + n(s)
κ(s)

é a evoluta de α.

Exemplo 4.4 O traço da evoluta de um cı́rculo é um ponto (o centro do cı́rculo).


s s
 
De fato, seja α(s) = (a, b) + r cos , sen uma curva parametrizada pelo comprimento de
r r
arco cujo traço é o cı́rculo de centro (a, b) e raio r.
s s 1
 
Como n(s) = − cos , − sen e κ(s) = , temos que
r r r

1 s s s s
   
β(s) = α(s) + n(s) = (a, b) + r cos , sen − r cos , sen = (a, b)
κ(s) r r r r

para todo s ∈ R. 

Observação 4.14 Seja α : I −→ R2 uma curva regular com κ(t) 6= 0 para todo t ∈ I. Então
1
a evoluta de α é a curva β : I −→ R2 , β(t) = α(t) + n(t), onde
κ(t)

−x 00 (t)y 0 (t) + x 0 (t)y 00 (t) (−y 0 (t), x 0 (t))


κ(t) = e n(t) = q .
(x 0 (t)2 + y 0 (t)2 )3/2 x 0 (t)2 + y 0 (t)2

Exemplo 4.5 Achar a evoluta da elipse α(t) = (a cos t, b sen t) , t ∈ R , onde b < a.
Solução: Temos que x 0 (t) = −a sen t , x 00 (t) = −a cos t , y 0 (t) = b cos t , y 00 (t) = −b sen t .
Logo,
ab(cos2 t + sen2 t) ab
κ(t) = 3/2
= 2 ,
2 2 2 2
(a sen t + b cos t) (a sen t + b2 cos2 t)3/2
2

Instituto de Matemática - UFF 25


Geometria Diferencial

é a curvatura de α em t, e
     
x 0 (t)2 + y 0 (t)2 0 x 0 (t)2 + y 0 (t)2 0
β(t) = x(t) − y (t) , y(t) + x (t)
−x 00 (t)y 0 (t) + x 0 (t)y 00 (t) −x 00 (t)y 0 (t) + x 0 (t)y 00 (t)
 
a2 sen2 t + b2 cos2 t a2 sen2 t + b2 cos2 t
= a cos t − b cos t, b sen t − a sen t
ab ab
 
a2 cos t − a2 sen2 t cos t − b2 cos3 t b2 sen t − a2 sen3 t − b2 cos2 t sen t
= ,
a b
    
a2 − b2 3 a2 − b2 3
= cos t , − sen t
a b

é a evoluta de α. Logo, as coordenadas de β satisfazem a equação

a2/3 x2/3 + b2/3 y2/3 = (a2 − b2 )2/3 ,

cujo traço é a astróide (ver Fig. 21).

√ √
Fig. 21: Evoluta da elipse, a = 2 e b = 1. √ Fig. 23: Evoluta da elipse, a = 2 e b = 1.04.
Fig. 22: Evoluta da elipse, a = 2 e b = .9.

Pela observação 4.11, β é regular em t se, e só se, κ 0 (t) 6= 0. Ou seja, β 0 (t) = 0 se, e só se,
κ 0 (t) = 0.
Como
3 2a2 sen t cos t − 2b2 cos t sen t −3ab sen t cos t(a2 − b2 )
κ 0 (t) = − ab = ,
2 (a2 sen2 t + b2 cos2 t)5/2 (a2 sen2 t + b2 cos2 t)5/2

temos que κ 0 (t) = 0 se, e só se, sen t = 0 ou cos t = 0.


Além disso, como
b2 ≤ a2 sen2 t + b2 cos2 t ≤ a2 ,
b a
temos que 2
≤ κ(t) ≤ 2 . Logo, os pontos onde κ 0 (0) = 0 são os pontos de máximo t = 0 e
a b
π 3π
t = π e os pontos de mı́nimo t = e t = . 
2 2

26 J. Delgado - K. Frensel
Teorema Fundamental das Curvas Planas

5. Teorema Fundamental das Curvas Planas

A curvatura determina a curva plana a menos de sua posição no plano.

Teorema 5.1 (Teorema Fundamental das Curvas Planas)


(1) Dada uma função de classe C∞ κ : I −→ R, existe uma curva α : I −→ R2 parametrizada
pelo comprimento de arco tal que κα (s) = κ(s) para todo s ∈ I.

(2) A curva α : I −→ R2 acima é única quando fixamos α(s0 ) = p0 = (x0 , y0 ) e α 0 (s0 ) = v0 ,


onde v0 é um vetor unitário de R2 .
(3) Se duas curvas α, β : I :−→ R2 parametrizadas pelo comprimento de arco têm a mesma
curvatura, então diferem por um movimento rı́gido, isto é, existem uma rotação R e uma
translação T em R2 tais que
α(s) = (T ◦ R) ◦ β(s) ,

para todo s ∈ I.

Antes de demonstrarmos esse teorema, precisamos do seguinte resultado:

Lema 5.1 Sejam a, b : I −→ R funções diferenciáveis ( C∞ ) tais que a(t)2 + b(t)2 = 1 para
todo t ∈ I, t0 ∈ I e θ0 ∈ R tais que a(t0 ) = cos θ0 e b(t0 ) = sen θ0 . Então a função diferenciável
θ : I −→ R, dada por
Zt
θ(t) = θ0 + [a(s)b 0 (s) − b(s)a 0 (s)] ds ,
t0

é tal que θ(t0 ) = θ0 e a(t) = cos θ(t), b(t) = sen θ(t) para todo t ∈ I.

Prova.
Basta provar que

(a(t) − cos θ(t))2 + (b(t) − sen θ(t))2 = 2(1 − a(t) cos θ(t) − b(t) sen θ(t)) = 0

para todo t ∈ R, ou seja, que a função

A(t) = a(t) cos θ(t) + b(t) sen θ(t)

é constante e igual a 1 no intervalo I.

Instituto de Matemática - UFF 27


Geometria Diferencial

De fato,

A 0 (t) = −a(t)θ 0 (t) sen θ(t) + b(t)θ 0 (t) cos θ(t) + a 0 (t) cos θ(t) + b 0 (t) sen θ(t)
= −a(t) (a(t)b 0 (t) − b(t)a 0 (t)) sen θ(t) + b(t) (a(t)b 0 (t) − b(t)a 0 (t)) cos θ(t)
+a 0 (t) cos θ(t) + b 0 (t) sen θ(t)
= (−a(t)2 b 0 (t) + a(t)a 0 (t)b(t)) sen θ(t) + a 0 (t) cos θ(t) + b 0 (t) sen θ(t)
+(a(t)b(t)b 0 (t) − b(t)2 a 0 (t)) cos θ(t) .

Como a(t)2 + b(t)2 = 1 para todo t ∈ I, temos que 2a(t)a 0 (t) = −2b(t)b 0 (t) para todo t ∈ I.
Logo

A 0 (t) = −b 0 (t)(a(t)2 + b(t)2 ) sen θ(t) − a 0 (t)(a(t)2 + b(t)2 ) cos θ(t) + a 0 (t) cos θ(t)
+b 0 (t) sen θ(t) = 0 ,

para todo t ∈ I.
Assim, como

A(t0 ) = a(t0 ) cos θ(t0 ) + b(t0 ) sen θ(t0 ) = cos θ0 cos θ0 + sen θ0 sen θ0 = 1 ,

temos que A(t) = 1 para todo t ∈ I. 

Prova. (do Teorema Fundamental das Curvas Planas)

(1) Seja a curva parametrizada diferenciável α : I −→ R2 , α(s) = (x(s), y(s)), dada por:
Zs
• x(s) = x0 + cos θ(r) dr
s0
Zs
• y(s) = y0 + sen θ(r) dr ,
s0

Zs
2
onde (x0 , y0 ) ∈ R , θ0 ∈ R, s0 ∈ I e θ(s) = κ(ξ) dξ + θ0 .
s0

Então α 0 (s) = (x 0 (s), y 0 (s)) = (cos θ(s), sen θ(s)) e, portanto, kα 0 (s)k = 1 para todo s ∈ I, isto
é, α é uma curva parametrizada pelo comprimento de arco s.
Assim, como n(s) = (− sen θ(s), cos θ(s)) e α 00 (s) = θ 0 (s)(− sen θ(s), cos θ(s)) = θ 0 (s)n(s),
temos que κα (s) = hα 00 (s) , n(s)i = θ 0 (s) = κ(s) para todo s ∈ I.

(2) Seja α : I −→ R2 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal que
α(s0 ) = (x0 , y0 ), α 0 (s0 ) = v0 e κα (s) = κ(s) para todo s ∈ I.

28 J. Delgado - K. Frensel
Teorema Fundamental das Curvas Planas

Seja θ0 ∈ R tal que v0 = (cos θ0 , sen θ0 ). Então, pelo Lema 5.1, existe uma função θ : I −→ R
de classe C∞ tal que θ(s0 ) = θ0 e α 0 (s) = (cos θ(s), sen θ(s)).
Como n(s) = (− sen θ(s), cos θ(s)) e α 00 (s) = θ 0 (s)n(s) temos que κ(s) = hα 00 (s) , n(s)i = θ 0 (s)
Zs
para todo s ∈ I, ou seja, θ(s) = κ(ξ) dξ + θ0 para todo s ∈ I.
s0

Logo, se α, β : I −→ R2 são curvas parametrizadas pelo comprimento de arco tais que


κα (s) = κβ (s) = κ(s) para todo s ∈ I, α(s0 ) = β(s0 ) = p0 e α 0 (s0 ) = β 0 (s0 ) = v0 , então, pelo
provado acima, α 0 (s) = (cos θ(s), sen θ(s)) e β 0 (s) = (cos θ(s), sen θ(s)), onde θ, θ : I −→ R
0
são funções diferenciáveis tais que θ 0 (s) = θ (s) = κ(s) e v0 = (cos θ(s0 ), sen θ(s0 )) =
(cos θ(s0 ), sen θ(s0 )) .

Assim, θ(s) = θ(s) + 2πk para algum k ∈ N. Portanto, α 0 (s) = β 0 (s) para todo s ∈ I. Como
α(s0 ) = β(s0 ) = p0 , temos que α(s) = β(s) para todo s ∈ R.

Observação 5.1 Como α 00 (s) = +κ(s) n(s), α(s0 ) = (x0 , y0 ) e α 0 (s0 ) = v0 = (v1 , v2 ), temos
que as coordenadas de α satisfazem as equações diferenciais


x 00 (s) = −κ(s) y 0 (s)
y 00 (s) = κ(s) x 0 (s) ,

com condições iniciais (x(s0 ), y(s0 )) = (x0 , y0 ) e (x 0 (s0 ), y 0 (s0 )) = (v1 , v2 ).


Portanto, a existência e a unicidade da curva α segue do teorema de existência e unicidade de
soluções de equações diferenciais ordinárias.

(3) Sejam α, β : I −→ R2 duas curvas parametrizadas pelo comprimento de arco tais que
κα (s) = κβ (s) = κ(s) para todo s ∈ I.

Então, pelo provado acima, existem funções θ, ϕ : I −→ R de classe C∞ tais que

α 0 (s) = (cos θ(s), sen θ(s)) , β 0 (s) = (cos ϕ(s), sen ϕ(s)) e θ 0 (s) = ϕ 0 (s) = κ(s) .

para todo s ∈ I.
Seja c0 ∈ R tal que ϕ(s) = θ(s) + c0 . Então, sendo α(s0 ) = p0 = (x0 , y0 ) e β(s0 ) = p1 = (x1 , y1 ),
temos:
 Zs Zs 
α(s) = x0 + cos θ(ξ) dξ , y0 + sen θ(ξ) dξ ,
s0 s0

Instituto de Matemática - UFF 29


Geometria Diferencial

e
 Zs Zs 
β(s) = x1 + cos ϕ(ξ) dξ , y1 + sen ϕ(ξ) dξ
s0 s0
 Zs Zs 
= x1 + cos(θ(ξ) + c0 ) dξ , y1 + sen(θ(ξ) + c0 ) dξ
s0 s0
Z s
= (x1 , y1 ) + (cos c0 cos θ(ξ) − sen c0 sen θ(ξ)) dξ ,
s0
Zs 
(cos c0 sen θ(ξ) + sen c0 cos θ(ξ)) dξ .
s0

Zs Zs
Como x(s) − x0 = cos θ(ξ) dξ e y(s) − y0 = sen θ(ξ) dξ , onde α(s) = (x(s), y(s)),
s0 s0

obtemos que:

β(s) = p1 + ( cos c0 (x(s) − x0 ) − sen c0 (y(s) − y0 ) , cos c0 (y(s) − y0 ) + sen c0 (x(s) − x0 ) , ) .

Logo, β(s) = p1 + Rc0 (α(s) − p0 ) , onde Rc0 : R2 −→ R2 é a rotação positiva de ângulo c0 em


torno da origem, cuja matriz na base canônica é

!
cos c0 − sen c0
.
sen c0 cos c0

Portanto, β(s) = p1 + Rc0 (α(s)) − Rc0 (p0 ) = Ta ◦ Rc0 (α(s)), onde Ta : R2 −→ R2 é a translação
dada por Ta (p) = p + a, com a = p1 − Rc0 (p0 ).

Também temos que β = (Rc0 ◦Tb )◦α, onde Tb : R2 −→ R2 é a translação dada por T (p) = p+b,
com b = R−1
c0 (p1 ) − p0 = R−c0 (p1 ) − p0 .

6. Forma Canônica Local para Curvas Planas

Seja α : I −→ R2 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco. Pela fórmula de Taylor
infinitesimal em torno do ponto s0 ∈ I, temos que:

(s − s0 )2 (s − s0 )3 R(s)
α(s) = α(s0 )+α 0 (s0 )(s−s0 )+α 00 (s0 ) +α 000 (s0 ) +R(s) , onde lim = 0.
2 3! s→s0 (s − s0 )3

30 J. Delgado - K. Frensel
Forma Canônica Local para Curvas Planas

Então, pelas fórmulas de Frenet, t 0 (s0 ) = κ(s0 ) n(s0 ) e n 0 (s0 ) = −κ(s0 ) t(s0 ), obtemos que:

(s − s0 )2
α(s) = α(s0 ) + t(s0 )(s − s0 ) + κ(s0 ) n(s0 )
2
(s − s0 )3
+(κ 0 (s0 ) n(s0 ) − κ(s0 )2 t(s0 )) + R(s)
3!
= α(s0 ) + x(s) t(s0 ) + y(s) n(s0 ) ,

onde

(s − s0 )3
x(s) = (s − s0 ) − κ(s0 )2 + Rt (s)
3!
(s − s0 )2 (s − s0 )3
y(s) = κ(s0 ) + κ 0 (s0 ) + Rn (s) ,
2 3!

sendo Rt (s) = hR(s) , t(s0 )i e Rn (s) = hR(s) , n(s0 )i.

A expressão
α(s) = α(s0 ) + x(s) t(s0 ) + y(s)n(s0 )

é chamada forma canônica local da curva α em s0 .


Pela forma canônica local de α em s0 , temos que existe δ > 0 tal que se s ∈ (s0 −δ, s0 +δ)−{s0 },
então
x(s)
• x(s) e (s − s0 ) têm o mesmo sinal, pois lim = 1.
s→s0 s − s0

y(s) κ(s0 )
• y(s) > 0 se κ(s0 ) > 0 e y(s) < 0 se κ(s0 ) < 0, pois lim 2
= .
s→s0 (s − s0 ) 2

Fig. 24: Forma canônica local de uma curva.

Observação 6.1 Se κ(s0 ) 6= 0 e κ 0 (s0 ) 6= 0, a curva α corta o cı́rculo osculador de α em s0


apesar de ser tangente a ele.

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Geometria Diferencial

De fato,

1
kα(s) − c(s0 )k2 = kα(s0 ) + x(s)t(s0 ) + y(s)n(s0 ) − α(s0 ) − n(s0 )k2
κ(s0 )
 2
2 1
= x(s) + y(s) −
κ(s0 )
h 1
i2
= (s − s0 ) − κ(s0 )2 (s − s0 )3 + Rt (s)
6
 2
1 1 1
+ κ(s0 )(s − s0 )2 + κ 0 (s0 )(s − s0 )3 + Rn (s) −
2 6 κ(s0 )
1 1
= (s − s0 )2 − (s − s0 )4 κ(s0 )2 + κ(s0 )4 (s − s0 )6 + O4 (s)
3 36
1 1 1 0
+ κ(s0 )2 (s − s0 )4 + κ(s0 )κ 0 (s0 )(s − s0 )5 + κ (s0 )2 (s − s0 )6
4 6 36
1 κ 0 (s0 ) 1
−(s − s0 )2 − (s − s0 )3 + + O3 (s) ,
3 κ(s0 ) κ(s0 )2

O4 (s) O3 (s)
onde lim = 0 e lim = 0.
s→s0 (s − s0 )4 s→s0 (s − s0 )3

Logo,
1 κ 0 (s0 ) 1
kα(s) − c(s0 )k2 = − (s − s0 )3 + + R3 (s) ,
3 κ(s0 ) κ(s0 )2

R3 (s)
onde lim = 0.
s→s0 (s − s0 )3

Portanto,

kα(s) − c(s0 )k2 − 1/κ(s0 )2 1 κ 0 (s0 )


lim 3
=− . (?)
s→s0 (s − s0 ) 3 κ(s0 )

Vamos agora analisar os casos possı́veis para os sinais de κ 0 (s0 ) e κ(s0 ):


Caso 1. κ 0 (s0 ) > 0 e κ(s0 ) > 0.
Neste caso, o limite (?) é negativo. Logo, existe δ > 0 tal que se s ∈ (s0 − δ, s0 + δ) e:
1
• s < s0 =⇒ (s − s0 )3 < 0 =⇒ kα(s) − c(s0 )k2 > ;
κ(s0 )2

1
• s > s0 =⇒ (s − s0 )3 > 0 =⇒ kα(s) − c(s0 )k2 < .
κ(s0 )2

32 J. Delgado - K. Frensel
Forma Canônica Local para Curvas Planas

Fig. 25: Caso 1. Fig. 26: Caso 2.

Caso 2. κ 0 (s0 ) < 0 e κ(s0 ) > 0.


Neste caso, o limite (?) é positivo. Logo, existe δ > 0 tal que se s ∈ (s0 − δ, s0 + δ) e:
1
• s < s0 =⇒ (s − s0 )3 < 0 =⇒ kα(s) − c(s0 )k2 < ;
κ(s0 )2

1
• s > s0 =⇒ (s − s0 )3 > 0 =⇒ kα(s) − c(s0 )k2 > .
κ(s0 )2

Fig. 27: Caso 3. Fig. 28: Caso 4.

Caso 3. κ 0 (s0 ) > 0 e κ(s0 ) < 0.


Neste caso, o limite (?) é positivo. Logo, existe δ > 0 tal que se s ∈ (s0 − δ, s0 + δ) e:

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Geometria Diferencial

1
• s < s0 =⇒ (s − s0 )3 < 0 =⇒ kα(s) − c(s0 )k2 < ;
κ(s0 )2

1
• s > s0 =⇒ (s − s0 )3 > 0 =⇒ kα(s) − c(s0 )k2 > .
κ(s0 )2

Caso 4. κ 0 (s0 ) < 0 e κ(s0 ) < 0.


Neste caso, o limite (?) é negativo. Logo, existe δ > 0 tal que se s ∈ (s0 − δ, s0 + δ) e:
1
• s < s0 =⇒ (s − s0 )3 < 0 =⇒ kα(s) − c(s0 )k2 > ;
κ(s0 )2

1
• s > s0 =⇒ (s − s0 )3 > 0 =⇒ kα(s) − c(s0 )k2 < .
κ(s0 )2

Exemplo 6.1 Seja C um cı́rculo de raio a que rola sobre o eixo-Ox sem deslizar. Um ponto
P deste cı́rculo descreve uma curva chamada ciclóide. Supondo que para t = 0 o ponto P do
cı́rculo coincide com a origem do sistema de coordenadas, obtenha uma curva parametrizada
diferenciável cujo traço é a ciclóide. Esta curva é regular?

Seja α : R −→ R2 , α(t) = (x(t), y(t)), a curva pa-


rametrizada que descreve a trajetória que o ponto P
faz quando o cı́rculo C rola sobre o eixo-Ox de um
ângulo t no sentido horário. Então x(t) = at − a sen t
e y(t) = a − a cos t, pois at é o comprimento do arco
PQt , onde Qt = Ct ∩ eixo-Ox e Ct é o cı́rculo C após ro-
lar sobre o eixo-Ox de um ângulo t no sentido horário.
Então α é uma curva parametrizada que não é regular Fig. 29: Ciclóide.

nos pontos 2π k, k ∈ Z, pois


α 0 (t) = ( a − a cos t , a sen t ) ,
e, portanto, α 0 (t) = (0, 0) se, e só se, cos t = 1 e sen t = 0, ou seja, se, e só se, t = 2π k,
k ∈ Z.

Fig. 30: Ciclóide.

34 J. Delgado - K. Frensel
Forma Canônica Local para Curvas Planas

Como

kα 0 (t)k2 = (a − a cos t)2 + a2 sen2 t = a2 + a2 cos2 t − 2a2 cos t + a2 sen2 t = 2a2 (1 − cos t) ,

temos que:
 
α 0 (t) a(1 − cos t) a sen t
lim = lim ± √ √ , √ √
t→2πk± kα 0 (t)k t→2πk a 2 1 − cos t a 2 1 − cos t
√ √ 
1 − cos t sen t 1 + cos t
= lim √ , p √
t→2πk± 2 1 − cos2 t 2
√ √ 
1 − cos t sen t 1 + cos t
= lim √ , √
t→2πk± 2 | sen t| 2
= (0, ±1) .

Isto é, as retas tangentes a α tendem à reta vertical rk : x = 2 π k a quando t → 2 π k.

Fig. 31: Ciclóide.

Logo, não existe uma curva parametrizada diferenciável regular γ : R −→ R2 cujo traço é a
ciclóide, pois, caso contrário, γ possuiria uma reparametrização β : R −→ R2 pelo comprimento
de arco e, portanto, pela forma canônica local de β em s0 ,

β(s) = β(s0 ) + x(s)tβ (s0 ) + y(s)nβ (s0 ) ,

(s − s0 )3 x(s)
onde β(s0 ) = (2kπa, 0) e x(s) = (s − s0 ) − κβ (s0 )2 + Rx (s) terı́amos que lim = 1,
3! s→s0 s − s0

uma contradição, pois x(s) não muda de sinal numa vizinhança de s0 . 

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Geometria Diferencial

36 J. Delgado - K. Frensel
Curva Parametrizada Diferenciável

Capı́tulo 2

Curvas no Espaço

Neste capı́tulo estudaremos a teoria local das curvas no espaço euclidiano R3 . Como veremos
a seguir, muitos conceitos e resultados básicos são introduzidos e provados de modo análogo
aos de curvas planas.

1. Curva Parametrizada Diferenciável

Definição 1.1 Uma curva parametrizada diferenciável em R3 é uma aplicação α : I −→ R3


de classe C∞ definida no intervalo aberto I = (a, b) ⊂ R. A variável t ∈ I é o parâmetro da
curva e o subconjunto de R3 formado pelos pontos α(t), t ∈ I, é o traço da curva α.

Definição 1.2 Uma curva parametrizada diferenciável α : I −→ R3 é plana se existe um


plano π de R3 tal que α(I) ⊂ π.

Exemplo 1.1 A aplicação α : R −→ R3 dada por α(t) = (x0 , y0 , z0 ) + (a, b, c)t é uma curva
parametrizada diferenciável cujo traço é a reta que passa pelo ponto (x0 , y0 , z0 ) e é paralela ao
vetor (a, b, c). Logo, α é uma curva plana. 

Exemplo 1.2 A curva parametrizada diferenciável α : R −→ R3 dada por

α(t) = (a cos t, a sen t, bt) ,

com a > 0 e b 6= 0, é a hélice circular de passo 2πb cujo traço está contido no cilindro
C : x2 + y2 = a2 . O parâmetro t mede o ângulo que o eixo OX faz com a reta que liga a origem
O à projeção do ponto α(t) sobre o plano XY.

Instituto de Matemática - UFF 37


Geometria Diferencial

Fig. 1: Forma canônica local de uma curva.

Se dois pontos α(t1 ) e α(t2 ) têm as duas primeiras coordenadas iguais, então z(t2 ) − z(t1 ) é
um múltiplo inteiro de 2πb.
Afirmação: A curva α não é plana.
De fato, suponhamos que existem um vetor (A, B, C) não-nulo e um número real D tal que
α(R) está contido no plano
π : Ax + By + Cz = D .

Ou seja,

aA cos t + aB sen t + bCt = D . (I)

para todo t ∈ R.
Derivando a igualdade (I), temos que

−aA sen t+aB cos t+bC = 0 , (II)

para todo t ∈ R.
π
Fazendo t = 0 e t = em (II), obtemos, respectivamente, que aB = −bC e aA = bC. Logo
2
aA = −aB = bC 6= 0 e, portanto, por (II), − sen t − cos t + 1 = 0 para todo t ∈ R.
Assim, − cos t + sen t = 0 para todo t ∈ R, uma contradição. 

Exemplo 1.3 A curva parametrizada diferenciável α : (0, ∞) −→ R3 dada por


 
1 + t 1 − t2
α(t) = t, ,
t t

38 J. Delgado - K. Frensel
Curva Parametrizada Diferenciável

é uma curva plana.


De fato, seja π : Ax + By + Cz = D um plano normal ao vetor v = (A, B, C) não-nulo tal que
α((0, ∞)) ⊂ π, ou seja,
 
1 − t2
1 + t
At + B +C =D
t t

para todo t ∈ (0, ∞). Então,

At2 + B(1 + t) + C(1 − t2 ) = Dt ⇐⇒ (A − C)t2 + (B − D)t + C + B = 0

para todo t ∈ (0, ∞).


Logo A = C = −B = −D e, portanto, α((0, ∞)) ⊂ π : x − y + z = −1 

Exemplo 1.4 A aplicação α : R −→ R3 dada por


α(t) = et cos t, et sen t, et


é uma curva parametrizada diferenciável cujo traço está contido no cone C : x2 + y2 = z2 .


De modo análogo ao feito no exemplo 1.2, podemos provar que α não é uma curva plana. 

As noções de vetor tangente, curva regular, reta tangente e mudança de parâmetro são
análogas às já vistas para curvas planas. Portanto, serão introduzidas sem muitos comentários.

Definição 1.3 Seja α : I −→ R3 , α(t) = (x(t), y(t), z(t)) uma curva parametrizada dife-
renciável. O vetor tangente a α em t é o vetor α 0 (t) = (x 0 (t), y 0 (t), z 0 (t)). A curva α é regular
se α 0 (t) 6= 0 para todo t ∈ I. A reta tangente r à curva α em t0 ∈ I é a reta que passa por α(t0 )
e é paralela ao vetor α 0 (t0 ), isto é, r = {α(t0 ) + λα 0 (t0 ) | λ ∈ R}.

Definição 1.4 Sejam I e J intervalos abertos de R, α : I −→ R3 uma curva regular e


h : J −→ I uma função diferenciável (C∞ ) tal que α(J) = I e h 0 (t) 6= 0 para todo t ∈ J.
Então a função composta α ◦ h : J −→ R3 é uma curva regular que tem o mesmo traço de α,
chamada reparametrização de α por h. A função h é a mudança de parâmetro.
Como h : J −→ I é um difeomorfismo de classe C∞ , temos que se β é uma reparametrização
de α por h, então α é uma reparametrização de β por h−1 .

Definição 1.5 A orientação de uma curva regular α é o sentido de percurso do traço de α.

Observação 1.1 Uma reparametrização β de α por h tem orientação igual (respectivamente


oposta) à de α se a mudança de parâmetro h é estritamente crescente (respectivamente de-
crescente).

Instituto de Matemática - UFF 39


Geometria Diferencial

Definição 1.6 Sejam α uma curva regular e t0 , t1 ∈ I, t0 ≤ t1 . O comprimento de arco da


curva α de t0 a t1 é dado por
Z t1
kα 0 (ξ)k dξ ,
t0

e a função comprimento de arco da curva α a partir de t0 é

Zt
kα 0 (ξ)k dξ ,
t0

para todo t ∈ I.

Definição 1.7 Dizemos que uma curva regular α : I −→ R3 está parametrizada pelo compri-
mento de arco se
Z t1
kα 0 (ξ)k dξ = t1 − t0 ,
t0

para todos t0 , t1 ∈ I, t0 ≤ t1 .

Proposição 1.1 Uma curva regular α : I −→ R3 está parametrizada pelo comprimento de


arco se, e só se, kα 0 (t)k = 1 para todo t ∈ I.

Proposição 1.2 Sejam α : I −→ R3 uma curva regular e s : I −→ α(I) = J a função


comprimento de arco a partir de t0 ∈ I. Então s : I −→ J é um difeomorfismo C∞ e β = α ◦ h :
J −→ R3 , onde h = s−1 : J −→ I, é uma reparametrização de α tal que β está parametrizada
pelo comprimento de arco.

Observação 1.2 Se β1 = α ◦ h1 : J1 −→ R3 é uma reparametrização de α pelo comprimento


de arco, então existe M ∈ R tal que h1 (r) = h(±r + M) para todo r ∈ J1 , onde h = s−1 : J −→ I
e s : I −→ J é a função comprimento de arco a partir de t0 ∈ I.

As demonstrações desses resultados são idênticas às feitas no Capı́tulo I para curvas planas.

Exemplo 1.5 Seja a hélice circular α : R −→ R3 dada por

α(t) = (a cos t, a sen t, bt) ,

onde a > 0 e b 6= 0.

40 J. Delgado - K. Frensel
Produto Vetorial

p Zt p
0 0
Como α (t) = (−a sen t, a cos t, b), temos que kα (t)k = a2 + b2 , s(t) = a2 + b2 dξ =
0
p r
a2 + b2 t e, portanto, h(r) = s−1 (r) = p .Logo,
a2 + b2
 
r r br
β(r) = α ◦ h(r) = a cos p , a sen p ,p
a2 + b2 a2 + b2 a2 + b2

é uma reparametrização de α pelo comprimento de arco. 

2. Produto Vetorial

Definição 2.1 Sejam u, v ∈ R3 . O produto vetorial de u e v, nesta ordem, é o único vetor


u ∧ v ∈ R3 tal que
hu ∧ v , wi = det(u, v, w) ,

para todo w ∈ R3 .

Expressando u, v e w na base canônica {e1 , e2 , e3 }:


X
3 X
3 X
3
u= ui ei , v= vi e i , w= wi ei ,
i=1 i=1 i=1

temos:

u1 u2 u3
u u u u u u
2 3 1 3 1 2
det(u, v, w) = v1 v2 v3 = w1 − w2 + w3 = hu ∧ v , wi

v2 v3 v1 v3 v1 v2
w1 w2 w 3

Logo,

u u u u u u
2 3 1 3 1 2
u∧v= e − e + e . (1)
v2 v3 1 v1 v3 2 v1 v2 3

Das propriedades conhecidas dos determinantes, podemos verificar facilmente que o produto
vetorial satisfaz as seguintes propriedades:
(a) u ∧ v = −v ∧ u ;
(b) (λu + µw) ∧ v = λ(u ∧ v) + µ(w ∧ v) , ∀ λ, µ ∈ R ;

Instituto de Matemática - UFF 41


Geometria Diferencial

(c) u ∧ v = 0 se, e só se, u e v são linearmente dependentes (LD) ;


(d) hu ∧ v , ui = hu ∧ v , vi = 0 .
Segue-se da propriedade (d) que se u ∧ v 6= 0, isto é, se u e v são LI então u ∧ v é ortogonal
ao plano gerado pelos vetores u e v, o que determina a direção do vetor u ∧ v.
Além disso, como det(u, v, u ∧ v) = hu ∧ v , u ∧ vi > 0, temos que {u, v, u ∧ v} é uma base
positiva de R3 , o que determina o sentido do vetor u ∧ v.
Para caracterizar completamente o vetor u ∧ v, basta determinar sua norma.
Para isso, necessitamos da seguinte relação:

hu , xi hv , xi
hu ∧ v , x ∧ yi = ,

hu , yi hv , yi

onde u, v, x e y são vetores arbitrários.


Prova.
De fato, sendo x ∧ y = (a, b, c), temos que:

u1 u2 u3
u u3 u u u u
2 1 3 1 2
hu ∧ v , x ∧ yi = det v1 v2 v3 = a −b +c


v2 v3 v1 v3 v1 v2
a b c

x x u u x x3 u1 u3 x1 x2 u1 u2
2 3 2 3 1
= · + · + ·
y2 y3 v2 v3 y1 y3 v1 v3 y1 y2 v1 v2

= (x2 y3 − x3 y2 )(u2 v3 − u3 v2 ) + (x1 y3 − x3 y1 )(u1 v3 − u3 v1 )


+(x1 y2 − x2 y1 )(u1 v2 − u2 v1 )
= x2 y3 u2 v3 + x3 y2 u3 v2 − x2 y3 u3 v2 − x3 y2 u2 v3 + x1 y3 u1 v3 + y1 x3 v1 u3
−y1 x3 y1 v3 − x1 y3 v1 u3 + x1 y2 y1 v2 + x2 y1 u2 v1 − x1 y2 u2 v1 − x2 y1 u1 v2
= [x2 u2 y3 v3 + x3 u3 y2 v2 + x1 u1 y3 v3 + x3 u3 y1 v1 + x1 u1 y2 v2 + x2 u2 y1 v1 ]
−[x2 v2 y3 u3 + x3 v3 y2 u2 + x3 v3 y1 u1 + x1 v1 y3 u3 + x1 v1 y2 u2 + x2 v2 y1 u1 ]
h
= x1 u1 y1 v1 + x1 u1 y2 v2 + x1 u1 y3 v3 + x2 u2 y1 v1 + x2 u2 y2 v2 + x2 u2 y3 v3
i
+x3 u3 y1 v1 + x3 u3 y2 v2 + x3 u3 y3 v3
h
− x1 v1 y1 u1 + x1 v1 y2 u2 + x1 v1 y3 u3 + x2 v2 y1 u1 + x2 v2 y2 u2 + x2 v2 y3 u3
i
+x3 v3 y1 u1 + x3 v3 y2 u2 + x3 v3 y3 u3

42 J. Delgado - K. Frensel
Produto Vetorial

= (x1 u1 + x2 u2 + x3 u3 )(y1 v1 + y2 v2 + y3 v3 ) − (x1 v1 + x2 v2 + x3 v3 )(y1 u1 + y2 u2 + y3 u3 )


= hu , xi hv , yi − hv , xi hu , yi .
Como desejávamos. 

Portanto, pela relação provada acima,



hu , ui hv , ui
ku ∧ vk2 = hu ∧ v , u ∧ vi = = kuk2 kvk2 − hu , vi
2

hu , vi hv , vi

= kuk2 kvk2 (1 − cos2 θ) = kuk2 kvk2 sen2 θ = A2 ,


onde θ é o ângulo entre u e v, e A é a área do paralelogramo gerado por u e v.

Fig. 2: Produto vetorial de u e v

Resumindo: O produto vetorial de dois vetores LI u e v é um vetor u ∧ v perpendicular ao


plano gerado por u e v, cuja norma é igual à área do paralelogramo de lados u e v e cujo
sentido é tal que {u, v, u ∧ v} é uma base positiva.

Observação 2.1 O produto vetorial satisfaz a seguinte relação:


(u ∧ v) ∧ w = hu , wiv − hv , wiu ,

onde u, v e w são vetores arbitrários de R3 .


Prova.
De fato, sendo (a, b, c) = u ∧ v,

b c a c a b
(u ∧ v) ∧ w = e1 − e2 + e3

w2 w3 w1 w3 w1 w2

= (bw3 − cw2 )e1 − (aw3 − cw1 )e2 + (aw2 − bw1 )e3

Instituto de Matemática - UFF 43


Geometria Diferencial

!
u u3 u u2
1 1
= − w3 − w2 e1
v1 v3 v1 v2
!
u u3 u u2
2 1
− w3 − w1 e2
v2 v3 v1 v2
!
u u3 u u3
2 1
+ w2 + w1 e3
v2 v3 v1 v3

= (−(u1 v3 w3 − v1 u3 w3 ) − (u1 v2 w2 − u2 v1 w2 )) e1
+ (−(u2 v3 w3 − u3 v2 w3 ) + (u1 v2 w1 − u2 v1 w1 )) e2
+ ((u2 v3 w2 − u3 v2 w2 ) + (u1 v3 w1 − u3 v1 w1 )) e3
 
= u1 w1 v1 + u2 w2 v1 + u3 w3 v1 − v1 w1 u1 − v2 w2 u1 − v3 w3 u1 e1
 
+ u 1 w 1 v2 + u 2 w 2 v2 + u 3 w 3 v2 − v1 w 1 u 2 − v2 w 2 u 2 − v3 w 3 u 2 e 2
 
+ u1 w1 v3 + u2 w2 v3 + u3 w3 v3 − v1 w1 u3 − v2 w2 u3 − v3 w3 u3 e3

= (hu , wiv1 − hv , wiu1 ) e1 + (hu , wiv2 − hv , wiu2 ) e2 + (hu , wiv3 − hv , wiu3 ) e3


= hu , wiv − hv , wiu .

Como queiramos. 

Usando a relação acima, podemos concluir que o produto vetorial não é associativo, pois
como:
• (u ∧ v) ∧ w = hu , wiv − hv , wiu ,
e
• u ∧ (v ∧ w) = −(v ∧ w) ∧ u = −hv , uiw + hw , uiv ,
temos, tomando u = (1, 0, 0), v = (1, 1, 0) e w = (1, 1, 1), por exemplo, que:

(u ∧ v) ∧ w = v − 2u = (−1, 1, 0) e u ∧ (v ∧ w) = −w + v = (0, 0, −1) .

Finalmente, sejam u(t) = (u1 (t), u2 (t), u3 (t)) e v(t) = (v1 (t), v2 (t), v3 (t)) aplicações dife-
renciáveis definidas em um intervalo aberto I = (a, b), t ∈ (a, b). Pela equação (1) decorre
que u(t) ∧ v(t) é diferenciável e

d du dv
(u(t) ∧ v(t)) = (t) ∧ v(t) + u(t) ∧ (t) .
dt dt dt

44 J. Delgado - K. Frensel
Teoria Local de Curvas no Espaço

3. Teoria Local de Curvas no Espaço

No Capı́tulo anterior, vimos que a teoria local das curvas planas está contida essencialmente
nas fórmulas de Frenet, que são obtidas considerando um diedro ortonormal positivo associ-
ado naturalmente a uma curva plana.
A seguir, vamos desenvolver um estudo análogo, considerando um triedro ortonormal positivo
associado a uma curva de R3 parametrizada pelo comprimento de arco.

Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco. Como o vetor tangente
α 0 (s) é unitário, o módulo kα 00 (s)k da derivada segunda mede a taxa de variação do ângulo
que as tangentes vizinhas fazem com a tangente em s, ou seja, kα 00 (s)k dá uma medida do
quão rapidamente a curva se afasta, em uma vizinhança de s, da reta tangente a α em s.
Isso sugere a seguinte definição:

Definição 3.1 Se α : I −→ R3 é uma curva parametrizada pelo comprimento de arco, então


a curvatura de α em s ∈ I é o número real

κ(s) = kα 00 (s)k .

Exemplo 3.1 Seja a curva parametrizada α : (−1, 1) −→ R3 dada por


 
(1 + s)3/2 (1 − s)3/2 s
α(s) = , ,√ .
3 3 2
   
0 (1 + s)1/2 −(1 − s)1/2 1 00 1 1
Então α (s) = , ,√ e α (s) = 1/2
, ,0 .
2 2 2 4(1 + s) 4(1 − s)1/2
r
1+s 1−s 1
Logo, kα 0 (s)k = + + = 1, isto é, α está parametrizada pelo comprimento de
4 4 2
arco, e
1
 1 1
1/2 1
 2
1/2 1
κ(s) = kα 00 (s)k = + = =q .
4 1+s 1−s 4 1 − s2
8(1 − s2 )

A proposição abaixo caracteriza as retas como sendo as únicas curvas de curvatura identica-
mente nula.

Proposição 3.1 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco.


Então α(I) é um segmento de reta se, e só se, κ(s) = 0 para todo s ∈ I.

Instituto de Matemática - UFF 45


Geometria Diferencial

Prova.
(⇒) Suponhamos que α(I) é um segmento de reta. Seja v = α 0 (s0 ), s0 ∈ I fixo. Então
existe uma função λ : I −→ R de classe C∞ tal que α 0 (s) = λ(s)v para todo s ∈ I.
Como |λ(s)| = kα 0 (s)k = 1 para todo s ∈ I, λ(s0 ) = 1 e λ(s) = hα 0 (s) , vi é contı́nua, temos que
λ(s) = 1 para todo s ∈ I.

Logo α 0 (s) = v para todo s ∈ I e, portanto, α(s) = vs + p para algum ponto p ∈ R3 .


Assim, κ(s) = kα 00 (s)k = 0 para todo s ∈ I.

(⇐) Suponhamos que κ(s) = kα 00 (s)k = 0 para todo s ∈ I. Então existe v ∈ R3 unitário tal que
α 0 (s) = v para todo s ∈ I.

Logo, existe p ∈ R3 tal que α(s) = vs + p para todo s ∈ I. 

Se hα 0 (s) , α 0 (s)i = 1 para todo s ∈ I, então hα 00 (s) , α 0 (s)i = 0 para todo s ∈ I. Portanto, nos
pontos s ∈ I onde κ(s) 6= 0, isto é, α 00 (s) 6= 0, podemos definir um vetor unitário na direção de
α 00 (s) da seguinte maneira.

Definição 3.2 Sejam α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco e


s0 ∈ I tal que κ(s0 ) > 0. O vetor
α 00 (s0 )
n(s0 ) =
κ(s0 )

é denominado vetor normal a α em s0 .


A reta normal a α em s0 é a reta paralela ao vetor n(s0 ) que passa por α(s0 ):

rn (s0 ) = {α(s0 ) + λn(s0 ) | λ ∈ R} .

Denotando por t(s0 ) o vetor tangente a α 0 (s0 ), temos que t(s0 ) e n(s0 ) são vetores ortonormais
e
t 0 (s0 ) = κ(s0 ) n(s0 ) .

O plano paralelo aos vetores t(s0 ) e n(s0 ) que passa pelo ponto α(s0 ) é chamado o plano
osculador de α em s0 :

πosc (s0 ) = {α(s0 ) + λt(s0 ) + µn(s0 ) | λ, µ ∈ R} .

• Nos pontos onde κ(s) = 0, o vetor normal (portanto o plano osculador) não está definido.
Para prosseguir a análise local das curvas, necessitamos, de uma maneira essencial, do plano
osculador. Dizemos que s ∈ I é um ponto singular de ordem 1 se α 00 (s) = 0. Os pontos onde
α 0 (s) = 0 são chamados pontos singulares de ordem 0.

46 J. Delgado - K. Frensel
Teoria Local de Curvas no Espaço

• No que se segue, nos restringiremos às curvas parametrizadas pelo comprimento de arco
sem pontos singulares de ordem 1.
Vamos definir um terceiro vetor que junto com t e n formam uma base ortonormal positiva de
R3 .

Definição 3.3 • Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal
que κ(s) > 0 para todo s ∈ I. O vetor binormal a α em s é o vetor

b(s) = t(s) ∧ n(s) .

• O referencial ortonormal positivo {t(s), n(s), b(s)} é o triedro de Frenet de α em s.


• O plano que passa por α(s) e é paralelo aos vetores n(s) e b(s) é chamado o plano normal
a α em s:
πnormal (s) = {α(s) + λn(s) + µb(s) | λ, µ ∈ R} .

• O plano que passa por α(s) e é paralelo aos vetores t(s) e b(s) é chamado o plano retificante
da curva α em s:
πret (s) = {α(s) + λt(s) + µb(s) | λ, µ ∈ R} .

Fig. 3: Triedro de Frenet de α em s0

Observação 3.1 O vetor binormal b(s) é normal ao plano osculador de α em s, pois b(s) ⊥
t(s) e b(s) ⊥ n(s). Portanto:

πosc (s) = {p ∈ R3 | hp − α(s) , b(s)i = 0} .

Instituto de Matemática - UFF 47


Geometria Diferencial

De modo análogo, como t(s) = n(s) ∧ b(s) e n(s) = b(s) ∧ t(s), temos que

πnormal (s) = {p ∈ R3 | hp − α(s) , t(s)i = 0} ,

e
πret (s) = {p ∈ R3 | hp − α(s) , n(s)i = 0} .

Observação 3.2 O vetor b 0 (s) é paralelo ao vetor normal n(s).


De fato, derivando b(s) = t(s) ∧ n(s), obtemos:

b 0 (s) = t 0 (s) ∧ n(s) + t(s) ∧ n 0 (s) = t(s) ∧ n 0 (s) ,

pois t 0 (s) = κ(s)n(s).


Portanto, b 0 (s) é ortogonal a t(s).
Como hb(s) , b(s)i = 1, temos que hb 0 (s) , b(s)i = 0, ou seja, b 0 (s) é ortogonal a b(s).
Logo, b 0 (s) é paralelo a n(s), isto é, b 0 (s) é igual ao produto de n(s) por um número real.

Definição 3.4 O número real τ(s) definido por


b 0 (s) = τ(s)n(s),

é denominado torção da curva α em s.

Observação 3.3 Como o vetor b(s) é unitário, |τ(s)| = kb 0 (s)k mede a taxa de variação do
ângulo do plano osculador de α em s com os planos osculadores vizinhos, isto é, |τ(s)| indica
quão rapidamente a curva se afasta, em uma vizinhança de s, do plano osculador de α em s.

Proposição 3.2 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal
que κ(s) > 0 para todo s ∈ I. Se α é uma curva plana, então o plano osculador de α independe
de s e é o plano que contém o traço de α.

Prova.
Seja v um vetor normal unitário ao plano que contém o traço de α, isto é,

π = {p ∈ R3 | hp − α(s0 ) , vi = 0} .

Como α(I) ⊂ π, temos que hα(s) − α(s0 ) , vi = 0 para todo s ∈ I.


Derivando, obtemos que hα 0 (s) , vi = 0, ou seja, t(s) é ortogonal a v.
Derivando novamente, temos que hα 00 (s) , vi = 0, ou seja, κ(s)hn(s) , vi = 0. Logo, n(s) é
ortogonal a v, pois κ(s) > 0. Então b(s) = v ou b(s) = −v para todo s ∈ I.
Como α(s) ∈ π ∩ πosc (s) para todo s ∈ I, temos que πosc (s) = π para todo s ∈ I. 

48 J. Delgado - K. Frensel
Teoria Local de Curvas no Espaço

Proposição 3.3 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal
que κ(s) > 0 para todo s ∈ I. Então α é uma curva plana se, e só se, τ(s) = 0 para todo s ∈ I.

Prova.
(⇒) Se α é uma curva plana, pela proposição acima, b(s) é constante. Então b 0 (s) = 0 e,
portanto, τ(s) = hb 0 (s) , n(s)i = 0 para todo s ∈ I.
(⇐) Se τ(s) = 0 para todo s ∈ I, temos que b 0 (s) = 0 para todo s ∈ I. Sejam s0 ∈ I e a função
f : I −→ R de classe C∞ dada por f(s) = hα(s) − α(s0 ) , b0 i, onde b0 = b(s) para todo s ∈ I.
Derivando, obtemos f 0 (s) = hα 0 (s) , b0 i = hα 0 (s) , b(s)i = 0 para todo s ∈ I. Logo f é constante
e igual a zero, pois f(s0 ) = 0.

Então α(s) ∈ π = {p ∈ R3 | hp − α(s0 ) , b0 i = 0} para todo s ∈ I. 

Observação 3.4 A condição κ(s) > 0 para todo s ∈ I, na proposição acima, é essencial. No
exercı́cio 10 (pag. —) é dado um exemplo onde τ pode ser definida como identicamente zero,
mas a curva não é plana.

Observação 3.5 Diferentemente da curvatura, a torção pode ser positiva ou negativa. Na


próxima seção veremos uma interpretação geométrica para o sinal da torção.

Observação 3.6 A curvatura, a torção e o vetor normal permanecem invariantes por uma
mudança de orientação da curva α, enquanto o vetor tangente e o vetor binormal mudam de
sinal.
Com efeito, seja β(s) = α(−s + M), s ∈ (−a + M, −b + M) outra parametrização pelo compri-
mento de arco que tem orientação oposta à de α.
Então, β 0 (s) = −α 0 (−s + M) e β 00 (s) = α 00 (−s + M). Logo

κβ (s) = kβ 00 (s)k = kα 00 (−s + M)k = κα (−s + M) ;


β 00 (s) α 00 (−s + M)
nβ (s) = = = nα (−s + M) ;
κβ (s) κα (−s + M)

bβ (s) = tβ (s) ∧ nβ (s) = −tα (−s + M) ∧ nα (−s + M) = −bα (−s + M) ;

bβ0 (s) = bα0 (−s + M) ;


e
τβ (s) = hbβ0 (s) , nβ (s)i = hbα0 (−s + M) , nα (−s + M)i = τα (−s + M) . 

Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco com κ(s) > 0 para todo
s ∈ I. Como o referencial de Frenet da curva α em s, {t(s), n(s), b(s)}, é uma base ortogonal

Instituto de Matemática - UFF 49


Geometria Diferencial

de R3 , podemos escrever os vetores t 0 (s), n 0 (s) e b 0 (s) como combinação linear de t(s), n(s) e
b(s). Já vimos que
t 0 (s) = κ(s) n(s) e b 0 (s) = τ(s) n(s) .

Vamos obter agora a expressão de n 0 (s) como combinação linear de t(s), n(s) e b(s).
Como n(s) = b(s) ∧ t(s), derivando temos:

n 0 (s) = b 0 (s) ∧ t(s) + b(s) ∧ t 0 (s)


= τ(s)n(s) ∧ t(s) + κ(s)b(s) ∧ n(s)
= −τ(s)b(s) − κ(s)t(s) ,

pois b(s) = −n(s) ∧ t(s) e t(s) = −b(s) ∧ n(s).

Resumindo: Se α : I −→ R3 é uma curva parametrizada pelo comprimento de arco com


α 00 (s)
κ(s) > 0 para todo s ∈ I, então o triedro de Frenet definido por t(s) = α 0 (s), n(s) = e
κ(s)
b(s) = t(s) ∧ n(s) satisfaz as equações:

t 0 (s) = κ(s) n(s)

n 0 (s) = −κ(s) t(s) − τ(s) b(s)

b 0 (s) = τ(s)n(s) ,

que são denominadas fórmulas de Frenet da curva α.

Exemplo 3.2 Seja a hélice circular parametrizada pelo comprimento de arco α : R −→ R3


dada por
 
s s bs
α(s) = a cos p , a sen p ,p ,
a2 + b2 a2 + b2 a2 + b2

onde a > 0 e b 6= 0.
Então,
 
0 −a s a s b
α (s) = p sen p ,p cos p ,p
a2 + b2 a2 + b2 a2 + b2 a2 + b2 a2 + b2
e
 
00 −a s −a s
α (s) = cos p , 2 sen p ,0 .
a2 + b2 2
a +b2 a + b2
a + b2
2

a
Logo, κ(s) = kα 00 (s)k = é constante e o vetor normal
a2 + b2
 
α 00 (s) s s
n(s) = = − cos p , − sen p ,0
κ(s) a2 + b2 a2 + b2

50 J. Delgado - K. Frensel
Teoria Local de Curvas no Espaço

é um vetor paralelo ao plano xy para todo s ∈ R.


Como
−a sen p s s

a cos p b
1

b(s) = t(s) ∧ n(s) = p
a2 + b2 a2 + b2
s s
a + b − cos p
2 2 − sen p 0
a2 + b2 a2 + b2
 
1 s s
= p b sen p , −b cos p ,a ,
a2 + b2 a2 + b2 a2 + b2

temos que
 
0 b s b s
b (s) = 2 2
cos p , 2 2
sen p ,0
a +b a2 + b2 a + b a2 + b2
−b
e, portanto, τ(s) = hb 0 (s) , n(s)i = é constante. 
a2 + b2

• O triedro de Frenet, a curvatura e a torção foram definidas para uma curva parametrizada
pelo comprimento de arco. A proposição abaixo permite obter a curvatura, a torção e o triedro
de Frenet de uma curva regular com parâmetro qualquer sem precisar reparametrizá-la pelo
comprimento de arco.

Proposição 3.4 Seja α : I −→ R3 uma curva regular de parâmetro t ∈ I e seja β : J −→


R3 , β(s) = α ◦ h(s), uma reparametrização de α pelo comprimento de arco com a mesma
Zt
−1
orientação, onde h = s : J −→ I e s : I −→ J, s(t) = kα 0 (ξ)k dξ, é a função comprimento
t0

de arco de α a partir de t0 .
Então,
α 0 (t)
tα (t) = tβ (s(t)) = ;
kα 0 (t)k

α 00 (t)kα 0 (t)k2 − α 0 (t)hα 0 (t) , α 00 (t)i


nα (t) = nβ (s(t)) = ;
kα 0 (t)k kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k
α 0 (t) ∧ α 000 (t) hα 0 (t) ∧ α 000 (t) , α 0 (t) ∧ α 00 (t)i α 0 (t) ∧ α 00 (t)
bα (t) = bβ (s(t)) = − ;
kα 0 (t)k kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k kα 0 (t)k kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k3
kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k
κα (t) = κβ (s(t)) =
kα 0 (t)k3
e
hα 0 (t) ∧ α 000 (t) , α 00 (t)i
τα (t) = τβ (s(t)) = .
kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k2

Instituto de Matemática - UFF 51


Geometria Diferencial

Prova.
hα 0 (t) , α 00 (t)i
Como α(t) = β(s(t)), s 0 (t) = kα 0 (t)k e s 00 (t) = , temos que:
kα 0 (t)k

α 0 (t) = β 0 (s(t)) s 0 (t) = β 0 (s(t)) kα 0 (t)k

e
hα 0 (t) , α 00 (t)i
α 00 (t) = β 00 (s(t))kα 0 (t)k2 + β 0 (s(t)) .
kα 0 (t)k

Logo,

α 0 (t)
tα (t) = tβ (s(t)) = ; (2)
kα 0 (t)k

α 00 (t)kα 0 (t)k2 − α 0 (t) hα 0 (t) , α 00 (t)i


β 00 (s(t)) = ; (3)
kα 0 (t)k4
e
α 0 (t) ∧ α 00 (t) = s 0 (t)3 β 0 (s(t)) ∧ β 00 (s(t)) .

Então,

kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k = s 0 (t)3 kβ 0 (s(t)) ∧ β 00 (s(t))k


= s 0 (t)3 kβ 0 (s(t))k kβ 00 (s(t))k sen 90o
= s 0 (t)3 kβ 00 (s(t))k = s 0 (t)3 κβ (s(t)) .

kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k
Portanto, κα (t) = κβ (s(t)) = , e, por (3),
kα 0 (t)k3

β 00 (s(t)) α 00 (t)kα 0 (t)k2 − α 0 (t)hα 0 (t) , α 00 (t)i


nα (t) = nβ (s(t)) = = (4)
κβ (s(t)) kα 0 (t)k kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k

Vamos agora determinar a torção e o vetor binormal. Como

bβ (s(t)) = tβ (s(t)) ∧ nβ (s(t)) ,

temos, por (2) e (4), que

α 0 (t) α 00 (t)kα 0 (t)k2 − α 0 (t)hα 0 (t) , α 00 (t)i α 0 (t) ∧ α 00 (t)


bα (t) = bβ (s(t)) = ∧ = .
kα 0 (t)k kα 0 (t)k kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k

Derivando a expressão acima, obtemos:


h
bβ0 (s(t)) s 0 (t) = (α 0 (t) ∧ α 000 (t)) kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k

1 1
i
−(α 0 (t) ∧ α 00 (t)) 2hα 0 (t) ∧ α 000 (t) , α 0 (t) ∧ α 00 (t)i .
2 kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k2

52 J. Delgado - K. Frensel
Teoria Local de Curvas no Espaço

Logo

α 0 (t) ∧ α 000 (t) hα 0 (t) ∧ α 000 (t) , α 0 (t) ∧ α 00 (t)i α 0 (t) ∧ α 00 (t)
bβ0 (s(t)) = − (5)
kα 0 (t)k kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k kα 0 (t)k kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k2 .

Assim, como
τα (t) = τβ (s(t)) = hbβ0 (s(t)) , nβ (s(t))i ,

temos, por (4) e (5), que:


hα 0 (t) ∧ α 000 (t) , α 00 (t)i
τα (t) = ,
kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k2

pois
hα 0 (t) , α 0 (t) ∧ α 000 (t)i = hα 0 (t) , α 0 (t) ∧ α 00 (t)i = hα 00 (t) , α 0 (t) ∧ α 00 (t)i = 0 ,
para todo t ∈ I. 

A proposição abaixo caracteriza as curvas regulares cujo traço está contido em um cı́rculo.

Proposição 3.5 Seja α : I −→ R3 uma curva regular tal que κ(t) > 0 para todo t ∈ I. Então
1
o traço de α está contido num cı́rculo de raio a > 0 se, e só se, τ ≡ 0 e κ ≡ .
a

Prova.
Podemos supor, sem perda de generalidade, que α está parametrizada pelo comprimento
de arco.
(⇒) Suponhamos que α(I) ⊂ Ca (c), onde Ca (c) é o cı́rculo de centro c e raio a.
Como α é uma curva plana temos, pela proposição 3.3, que τ ≡ 0, b(s) = b é constante e
hα(s) − c , bi = 0 para todo s ∈ I.

Além disso, como hα(s) − c , α(s) − ci = a2 para todo s ∈ I, obtemos, derivando duas vezes
essa expressão, que:
hα 0 (s) , α(s) − ci = 0 ,
e
hα 00 (s) , α(s) − ci = −hα 0 (s) , α 0 (s)i = −1 , (6)
para todo s ∈ I.
Como α(s) − c é ortogonal aos vetores t(s) e b temos que α(s) − c é paralelo ao vetor normal
n(s). Portanto, por (6),
kα 00 (s)k kα(s) − ck = 1 ,
1
ou seja, κ(s) = para todo s ∈ I.
a

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Geometria Diferencial

(⇐) Consideremos a aplicação diferenciável f : I −→ R3 dada por f(s) = α(s) + an(s).


Usando as fórmulas de Frenet temos que

f 0 (s) = α 0 (s) + an 0 (s) = α 0 (s) + a(−κ(s)t(s) − τ(s)n(s)) .

1
Como τ ≡ 0 e κ ≡ , concluı́mos que f 0 (s) = 0. Portanto, existe c ∈ R3 tal que f(s) = c para
a
todo s ∈ I, ou seja,
α(s) + an(s) = c ,
para todo s ∈ I.
Logo, kα(s) − ck = kan(s)k = a para todo s ∈ I.
Além disso, como τ ≡ 0, temos que b(s) = b é constante e

α(I) ⊂ π = {p ∈ R3 | hp − α(s0 ) , bi = 0} .

Então c = α(s0 ) + an(s0 ) ∈ π.


Assim, α(I) está contida no cı́rculo do plano π de centro c e raio a, pois c ∈ π e kα(s) − ck = a.


Atividade 3.1 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco contida
1
numa esfera Sa (c) de centro c e raio a. Então κ(s) ≥ para todo s ∈ I
a

Solução: Como hα(s) − c , α(s) − ci = a2 para todo s ∈ I, obtemos, derivando duas vezes
essa expressão, que:

hα 0 (s) , α(s) − ci = 0
=⇒ hα 0 (s) , α 0 (s)i + hα 00 (s) , α(s) − ci = 0
=⇒ κ(s) hn(s) , α(s) − ci = −1
1
=⇒ κ(s) 6= 0 e hn(s) , α(s) − ci = −
κ(s)
1
=⇒ = |hn(s) , α(s) − ci| ≤ kn(s)k kα(s) − ck = a
κ(s)
1
=⇒ κ(s) ≥ para todo s ∈ I .
a

Atividade 3.2 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco contida
numa esfera de centro c e raio a tal que κ(s) ≡ κ é constante em I. Mostre que α(I) está
1
contido num cı́rculo de raio e determine o centro deste cı́rculo.
κ

54 J. Delgado - K. Frensel
Teoria Local de Curvas no Espaço

Solução: Temos, pelo exercı́cio anterior, que

1 1
κ≥ , hα 0 (s) , α(s) − ci = 0 e hn(s) , α(s) − ci = − , (7)
a k

para todo s ∈ I. Derivando a última identidade, obtemos:

hn 0 (s) , α(s) − ci + hn(s) , α 0 (s)i = 0


⇐⇒ −κ hα 0 (s) , α(s) − ci − τ(s) hb(s) , α(s) − ci = 0
⇐⇒ τ(s) hb(s) , α(s) − ci = 0 , (8)

para todo s ∈ I.
Afirmação: τ(s) = 0 para todo s ∈ I.
Suponhamos, por absurdo, que existe s0 ∈ I tal que τ(s0 ) 6= 0. Então existe um intervalo aberto
I0 ⊂ I tal que s0 ∈ I0 e τ(s) 6= 0 para todo s ∈ I0 .
Logo, por (8), hb(s) , α(s) − ci = 0 para todo s ∈ I0 . Como

1
(α(s) − c) ⊥ α 0 (s) , (α(s) − c) ⊥ b(s) e hα(s) − c , n(s)i = − ,
κ

temos que
1 1
α(s) − c = − n(s) ⇐⇒ c = α(s) + n(s) ,
κ κ

para todo s ∈ I0 .
Então,
1 1 τ(s)
0 = α 0 (s) + n 0 (s) = α 0 (s) + (−κα 0 (s) − τ(s)b(s)) = − b(s) ,
κ κ κ

para todo s ∈ I0 . Ou seja, τ(s) = 0 para todo s ∈ I0 , uma contradição. 

1
Como τ(s) = 0 e κ(s) = para todo s ∈ I pela proposição 3.5, α(I) está contido em um cı́rculo
κ
C de raio κ no plano
π = {p ∈ R3 | hp − α(s) , bi = 0} ,

que é o plano osculador de α em s, onde b(s) = b é constante em I.


Então hb(s) , α(s) − ci é constante em I, pois sua derivada

hb 0 (s) , α(s) − ci + hb(s) , α 0 (s)i = 0 ,

para todo s ∈ I.

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Geometria Diferencial

Logo,

hb , α(s) − ci = kbk kα(s) − ck cos θ = a cos θ (9)

é constante em I.

Fig. 4: b(s) é constante ao longo do traço de α

Afirmação: c 0 = c + a cos θ b é o centro do cı́rculo C. (?)


De fato, por (7) e (9), temos

1
α(s) − c = − n(s) + a cos θ b .
κ

Logo,

1 1

kα(s) − (c + a cos θ b)k = − n(s) = ,
κ κ

para todo s ∈ I.
Para concluir que c 0 = c + a cos θ b é o centro do cı́rculo C, basta observar que c 0 ∈ π = {p ∈
R3 | hp − α(s0 ) , bi = 0}, pois, por (9),

hc + a cos θ b − α(s0 ) , bi = hc − α(s0 ) , bi + a cos θ = −a cos θ + a cos θ = 0 .

1
• Observe que se κ ≡ então c 0 = c, ou seja, α(I) está contido na interseção da esfera Sr (c)
a
com um plano que passa por c.

56 J. Delgado - K. Frensel
Teoria Local de Curvas no Espaço

1
Fig. 5: Se κ ≡ a
então c = c 0

1
De fato, por (7), hα(s) − c , n(s)i = − = −a e, portanto,
κ

a = |hα(s) − c , n(s)i| ≤ kα(s) − ck kn(s)k = a .

1
Logo, α(s) − c e n(s) são LD e α(s) − c = − n(s) = −an(s) , ou seja, c 0 = c = α(s) + an(s),
κ(s)
pois cos θ = 0 em (?).

• A hélice circular α(t) = (a cos t, a sen t, bt), t ∈ R, a > 0 e b 6= 0, tem a propriedade de que
o vetor tangente α 0 (t) = (−a sen t, a cos t, b) faz um ângulo constante com o eixo-Oz, pois

hα 0 (t) , (0, 0, 1)i b


cos θ(t) = 0
=p é constante.
kα (t)k a2 + b2

Este é um caso particular de uma classe de curvas que têm a mesma propriedade.

Definição 3.5 Uma curva regular α : I −→ R3 é uma hélice se existe um vetor v unitário que
faz um ângulo constante com α 0 (t), isto é, existe c ∈ R tal que

hα 0 (t) , vi
= c,
kα 0 (t)k

para todo t ∈ I.

Exemplo 3.3 A curva regular α : R −→ R3 , dada por α(t) = (et cos t, et sen t, et ), é uma
hélice, pois
α 0 (t) = et (cos t, sen t, 1) + et (− sen t, cos t, 0)
hα 0 (t) , (0, 0, 1)i et 1
e, portanto, 0
= √ t = √ é constante. 
kα (t)k 3e 3

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Geometria Diferencial

Proposição 3.6 Seja α : I −→ R3 uma curva regular tal que κ(t) > 0 para todo t ∈ I. Então
τ
α é uma hélice se, e só se, é constante.
κ

Prova.
Podemos supor, sem perda de generalidade, que α está parametrizada pelo comprimento
de arco.
(⇒) Suponhamos que existem um vetor v unitário e c ∈ R tais que hα 0 (s) , vi = c para todo
s ∈ I.
Então, como hα 00 (s) , vi = 0, α 00 (s) = κn(s) e κ(s) 6= 0, temos que hn(s) , vi = 0 para todo s ∈ I.
Logo, existem funções λ, δ : I −→ R de classe C∞ tais que

v = λ(s)t(s) + δ(s)b(s) ,

para todo s ∈ I. Como λ(s)2 + δ(s)2 = 1, temos, pelo lema 5.1 do Capı́tulo 1, que existe uma
função θ : I −→ R de classe C∞ tal que λ(s) = cos θ(s) e δ(s) = sen θ(s), ou seja,

v = cos θ(s) t(s) + sen θ(s) b(s) ,

para todo s ∈ I.
Derivando, obtemos:

0 = − sen θ(s) · θ 0 (s) t(s) + cos θ(s) · κ(s) n(s) + cos θ(s) · θ 0 (s) b(s) + sen θ(s) · τ(s) n(s) .

Logo,

θ 0 (s) sen θ(s) = 0


κ(s) cos θ(s) + τ(s) sen θ(s) = 0 (10)
θ 0 (s) cos θ(s) = 0 ,

para todo s ∈ I. Então,

θ 0 (s)2 = (θ 0 (s) cos θ(s))2 + (θ 0 (s) sen θ(s))2 = 0 ,

ou seja, θ(s) = θ0 para todo s ∈ I, onde θ0 é uma constante real.


τ
Além disso, se cos θ0 = 0 temos, por (10), que τ(s) = 0, para todo s ∈ I, e, portanto, ≡ 0.
κ
τ(s)
Se cos θ0 6= 0, temos, por (10), que = − cotg θ0 é também constante.
κ(s)

58 J. Delgado - K. Frensel
Forma Local das Curvas no Espaço

Observe que, em qualquer caso, sen θ0 6= 0, pois, caso contrário, terı́amos, por (10), que
κ(s) ≡ 0, uma contradição.
τ τ cos θ0
(⇐) Suponhamos que é constante. Então existe θ0 ∈ R tal que = − .
κ κ sen θ0

Seja v(s) = cos θ0 t(s) + sen θ0 b(s). Derivando, obtemos:

v 0 (s) = cos θ0 t 0 (s) + sen θ0 b 0 (s)


= (cos θ0 κ(s) + sen θ0 τ(s)) n(s) = 0 ,

para todo s ∈ I. Logo, v(s) = v é constante e hv , t(s)i = cos θ0 , pois v é unitário. 

4. Forma Local das Curvas no Espaço

Um dos métodos mais eficazes para resolver problemas em geometria consiste na escolha de
um sistema de coordenadas adequado ao problema em questão. Para o estudo das proprieda-
des locais de uma curva na vizinhança de um ponto, convém analisar as funções coordenadas
da curva com respeito ao sistema de coordenadas dado pelo triedro de Frenet.

Sejam α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal que κ(s) > 0 para
todo s ∈ I e s0 ∈ I.
Pela Fórmula de Taylor Infinitesimal de α em torno do ponto s0 , temos:

(s − s0 )2 00 (s − s0 )3 000
α(s) = α(s0 ) + (s − s0 )α 0 (s0 ) + α (s0 ) + α (s0 ) + R(s) ,
2 6

R(s)
onde lim = 0.
s→s0 (s − s0 )3

Como

α 0 (s0 ) = t(s0 ) ,
α 00 (s0 ) = κ(s0 ) n(s0 ) ,
α 000 (s0 ) = (κn) 0 (s0 ) = κ 0 (s0 )n(s0 ) + κ(s0 )n 0 (s0 ) = κ 0 (s0 )n(s0 ) − κ(s0 )2 t(s0 ) − κ(s0 )τ(s0 )b(s0 ) ,

temos que:
   
2 (s − s0 )
3 (s − s0 )2 κ(s0 ) (s − s0 )3 κ 0 (s0 )
α(s) − α(s0 ) = (s − s0 ) − κ(s0 ) t(s0 ) + + n(s0 )
6 2 6

(s − s0 )3
− κ(s0 )τ(s0 ) b(s0 ) + R(s) .
6

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Geometria Diferencial

Ou seja, as coordenadas de α(s) no sistema de coordenadas com origem no ponto α(s0 ) e


eixos nas direções dos vetores t(s0 ), n(s0 ) e b(s0 ) são dadas por:

κ(s0 )2
x(s) = (s − s0 ) − (s − s0 )3 + Rx (s)
6
κ(s0 ) κ 0 (s0 )
y(s) = (s − s0 )2 + (s − s0 )3 + Ry (s)
2 6
κ(s0 ) τ(s0 )
z(s) = − (s − s0 )3 + Rz (s) ,
6

onde
Rx (s) = hR(s) , t(s0 )i , Ry (s) = hR(s) , n(s0 )i e Rz (s) = hR(s) , b(s0 )i ,
com
Rx (s) Ry (s) Rz (s)
lim 3
= lim 3
= lim = 0.
s→s0 (s − s0 ) s→s0 (s − s0 ) s→s0 (s − s0 )3

A representação
α(s) = α(s0 ) + x(s) t(s0 ) + y(s) n(s0 ) + z(s) b(s0 )
é chamada forma canônica local de α em uma vizinhança de s0 .
• Projeções do traço de α, para s próximo de s0 nos planos tn (osculador), tb (retificante) e nb
(normal).

Fig. 6: Traço de α e suas projeções sobre os planos osculador, retificante e normal

60 J. Delgado - K. Frensel
Forma Local das Curvas no Espaço

• Faremos abaixo algumas aplicações geométricas da forma canônica local.

Aplicação 1. Interpretação geométrica do sinal da torção.


Suponhamos que τ(s0 ) < 0. Como
 
z(s) κ(s ) τ(s0 ) Rz(s)
lim 3
= lim − 0 +
s→s0 (s − s0 ) s→s0 6 (s − s0 )3
κ(s0 ) τ(s0 )
= − > 0,
6
existe δ > 0 tal que Fig. 7: Traço de α para τ(s) < 0
z(s)
0 < |s − s0 | < δ =⇒ > 0.
(s − s0 )3

Logo, se:
• s0 − δ < s < s0 =⇒ z(s) < 0 ;
• s0 < s < s0 + δ =⇒ z(s) > 0 .
Ou seja, se percorrermos a curva no sentido crescente do comprimento de arco s, a curva
atravessa o plano osculador de α em s0 de baixo para cima.
 
s s bs
Isto ocorre na hélice circular α(s) = a cos p , a sen p , p , com a > 0
a2 + b2 a2 + b2 a2 + b2
−b
e b > 0 e τ(s) = < 0.
a2
+ b2

Fig. 8: Hélice α e referencial de Frenet em α(0), sendo τ < 0

Quando τ(s0 ) > 0, podemos verificar, por um argumento análogo ao anterior, que se per-
corremos a curva no sentido crescente do comprimento de arco, a curva atravessa o plano
osculador de cima para baixo.
−b
Para a hélice circular acima, com a > 0 e b < 0, a torção τ = > 0.
a2 + b2

Instituto de Matemática - UFF 61


Geometria Diferencial

Fig. 9: Traço de α para τ(s) > 0. O plano mostrado contém os


vetores t(s0 ) e n(s0 ), o traço de α passa de cima para baixo do
plano no ponto α(s0 )
Fig. 10: Traço da hélice α para τ(s) > 0 e o referencial de Frenet no
ponto α(0)

Aplicação 2. Existe uma vizinhança de s0 em I tal que α(s) pertence ao semi-espaço deter-
minado pelo plano retificante para o qual o vetor n(s0 ) aponta.
De fato, como
 
y(s) κ(s0 ) (s − s0 )2 κ 0 (s0 ) (s − s0 )3 Ry (s) κ(s0 )
lim = lim + + = > 0,
s→s0 (s − s0 )2 s→s0 2(s − s0 ) 2 6(s − s0 ) 2 (s − s0 )2 2

existe δ > 0 tal que


y(s)
0 < |s − s0 | < δ =⇒ > 0.
(s − s0 )2

Logo, y(s) > 0 para todo s ∈ (s0 − δ, s0 + δ), s 6= s0 .


Aplicação 3. O plano osculador de α em s0 é o limite, quando h → 0, do plano que contém a
reta tangente a α em s0 e o ponto α(s0 + h).
De fato, seja π um plano que contém a reta tangente a α em s0 . Então π é da forma:

π = { p ∈ R3 | hp − α(s0 ) , Ni = 0 } ,

onde N é ortogonal a α 0 (s0 ), ou seja,

N = An(s0 ) + Bb(s0 ) , com A2 + B2 6= 0 .

Observe, também, que para h 6= 0 suficientemente pequeno, α(s0 + h) não pertence à reta
tangente a α em s0 , pois esta reta está no plano retificante a α em s0 e, pela Aplicação 2,
α(s0 + h) não pertence ao plano retificante de α em s0

Seja π(h) = { p ∈ R3 | hp − α(s0 ) , N(h)i = 0 } o plano que contém a reta tangente a α em s0 e


o ponto α(s0 + h). Então
N(h) = A(h) n(s0 ) + B(h) b(s0 ) ,

62 J. Delgado - K. Frensel
Teoria do Contato

onde B(h) 6= 0, pois, caso contrário, π(h) seria o plano retificante de α em s0 e, neste caso,
pela Aplicação 2, α(s0 + h) não pertenceria a π(h).
Assim,

p = α(s0 ) + x t(s0 ) + y n(s0 ) + z b(s0 ) ∈ π(h) ⇐⇒ hp − α(s0 ) , N(h)i = 0


⇐⇒ A(h) y + B(h) z = 0
A(h)
⇐⇒ z = − y = C(h) y
B(h)

Ou seja, π(h) : z = C(h) y é a equação cartesiana do plano π(h).


Como α(s0 + h) ∈ π(h), temos que z(s0 + h) = C(h) y(s0 + h). Então y(s0 + h) 6= 0, pois, caso
contrário, α(s0 + h) = α(s0 ) + x(s0 + h) t(s0 ) pertenceria à reta tangente a α em s0 .
Logo,
κ(s0 ) τ(s0 ) h3
 
− + Rz (h) /h2
z(s0 + h) 6
C(h) = = ,
κ(s0 ) h2 κ 0 (s0 ) h3

y(s0 + h) 2
+ + Ry (h) /h
2 6

e, portanto, lim C(h) = 0. Então,


h→0

 
N(h) A(h)
lim = lim n(s0 ) + b(s0 ) = lim (−C(h)n(s0 ) + b(s0 )) = b(s0 )
h→0 B(h) h→0 B(h) h→0

e
lim π(h) = π = { p ∈ R3 | hp − α(s0 ) , b(s0 )i = 0 }
h→0

é o plano osculador de α em s0 .

5. Teoria do Contato

Definição 5.1 Sejam α : I −→ R3 e β : J −→ R3 curvas regulares tais que α(t0 ) = β(t0 ),


onde t0 ∈ I ∩ J. Dizemos que α e β têm contato de ordem n em t0 (n inteiro ≥ 1) quando

α 0 (t0 ) = β 0 (t0 ) , . . . , α(n) (t0 ) = β(n) (t0 ) ,

e α(n+1) (t0 ) 6= β(n+1) (t0 ).

Instituto de Matemática - UFF 63


Geometria Diferencial

Exemplo 5.1 As curvas regulares α(t) = (t, 0, 0) e β(t) = (t, tn , 0), t ∈ R, têm ordem de
contato n − 1 em t = 0, se n ≥ 2.

De fato, α(0) = β(0) = (0, 0, 0), α 0 (0) = β 0 (0) = (1, 0, 0), α(k) (t) = (0, 0, 0) se k ≥ 2,
β(k) (t) = (0, n(n − 1) · · · (n − (k − 1))tn−k , 0) se 2 ≤ k ≤ n e β(k) (t) = (0, 0, 0) se k ≥ n + 1.
Logo, α(k) (0) = β(k) (0) = (0, 0, 0) se 2 ≤ k ≤ n − 1 e α(n) (0) = (0, 0, 0) 6= (0, n!, 0) = β(n) (0). 

 2 
t
Exemplo 5.2 As curvas regulares α(t) = (t, cosh t, 0) e β(t) = t, + 1, 0 , t ∈ R têm
2
contato de ordem 3 em t = 0.
De fato, α(0) = β(0) = (0, 1, 0), α 0 (t) = (1, senh t, 0), α 00 (t) = (0, cosh t, 0), α 000 (t) = (0, senh t, 0),
β 0 (t) = (1, t, 0), β 00 (t) = (0, 1, 0) e β 000 (t) = (0, 0, 0).
Portanto, α 0 (0) = β 0 (0) = (1, 0, 0), α 00 (0) = β 00 (0) = (0, 1, 0) e α 000 (0) = β 000 (0) = (0, 0, 0) e
α(iv) (0) = (0, 1, 0) 6= (0, 0, 0) = β(iv) (0). 

Observação 5.1 Sejam α e β curvas regulares tais que α(t0 ) = β(t0 ) e todas as derivadas
de ordem ≤ n de α e β coincidem em t0 . Então α e β têm contato de ordem ≥ n em t0 .

Proposição 5.1 Seja α : I −→ R3 uma curva regular. Uma reta β : R −→ R3 tem contato
≥ 1 com α em t0 se, e só se, β é a reta tangente a α em t0 .

Prova.
(⇐) Seja β(t) = α(t0 ) + (t − t0 )α 0 (t0 ) a reta tangente a α em t0 . Então α(t0 ) = β(t0 ) e
α 0 (t0 ) = β 0 (t0 ). Portanto, α e β têm contato de ordem ≥ 1.

(⇒) Seja β(t) = a + (t − t0 )v, v ∈ R3 − {0} e a ∈ R3 a parametrização da reta que passa por a
em t0 e é paralela ao vetor v.
Se α e β têm contato de ordem ≥ 1 em t0 , então

a = β(t0 ) = α(t0 ) e v = β 0 (t0 ) = α 0 (t0 ) .

Logo, β(t) = α(t0 ) + (t − t0 )α 0 (t0 ) é uma parametrização da reta tangente a α em t0 . 

Definição 5.2 Se α : I −→ R3 é uma curva parametrizada pelo comprimento de arco com


1
κ(s) > 0 para todo s ∈ I, dizemos que ρ(s) = é o raio de curvatura de α em s e que
κ(s)
1
c(s) = α(s) + n(s) é o centro de curvatura de α em s.
κ(s)

64 J. Delgado - K. Frensel
Teoria do Contato

O cı́rculo osculador de α em s é o cı́rculo contido no plano osculador de α em s com centro


1 1
c(s) = α(s) + n(s) e raio ρ(s) = .
κ(s) κ(s)

Observação 5.2
• c(s) pertence ao plano osculador de α em s.
• α(s) pertence ao cı́rculo osculador de α em s, pois α(s) ∈ πosc (s) e kα(s) − c(s)k = ρ(s).
• A curva α e o cı́rculo osculador de α em s possuem a mesma reta tangente em s e, portanto,
têm contato de ordem ≥ 1 em s.
De fato, a reta tangente r ao cı́rculo osculador de α em s é a reta que passa por α(s) e é
1
ortogonal ao vetor c(s) − α(s) = n(s). Assim, r é paralela ao vetor α 0 (s), pois πosc (s) é
κ(s)
gerado pelos vetores α 0 (s) e n(s).

Proposição 5.2 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal
que κ(s) > 0 para todo s ∈ I e seja s0 ∈ I. Então o cı́rculo osculador de α em s0 tem contato
de ordem ≥ 2 com α em s0 .

Prova.
Vamos mostrar que existe uma curva β : R −→ R3 parametrizada pelo comprimento de arco
tal que β(s0 ) = α(s0 ), β 0 (s0 ) = α 0 (s0 ), β 00 (s0 ) = α 00 (s0 ) e traço β = cı́rculo osculador de α em
s0 .
De fato, como β(R) ⊂ plano osculador de α em s0 , β(s) = α(s0 ) + A(s) t(s0 ) + B(s) n(s0 ) , onde
A, B : R −→ R são funções C∞ tais que A(s0 ) = B(s0 ) = 0 e

 2
2 1 1
kβ(s) − c(s0 )k = = A(s)2 + B(s) − .
κ(s0 )2 κ(s0 )

1 1 1
Tomemos A(s) = cos(Ls + M) e B(s) = sen(Ls + M) + , onde L e M são
κ(s0 ) κ(s0 ) κ(s0 )
constantes a serem determinadas.
Devemos ter kβ 0 (s)k = 1, o que implica que A 0 (s)2 + B 0 (s)2 = 1.
L L
Como A 0 (s) = − sen(Ls + M) e B 0 (s) = cos(Ls + M), podemos tomar L = κ(s0 ).
κ(s0 ) κ(s0 )

Além disso, queremos que β 0 (s0 ) = α 0 (s0 ). Portanto, devemos ter A 0 (s0 ) = 1 e B 0 (s0 ) = 0.
π π
Tomemos, então, M tal que κ(s0 ) s0 + M = − , ou seja, M = − − κ(s0 ) s0 .
2 2

Instituto de Matemática - UFF 65


Geometria Diferencial

1 π 1 π 1
   
Logo, A(s) = cos κ(s0 )(s − s0 ) − e B(s) = sen κ(s0 )(s − s0 ) − + .
κ(s0 ) 2 κ(s0 ) 2 κ(s0 )
Assim, β(s0 ) = α(s0 ), β 0 (s0 ) = t(s0 ) e

β 00 (s0 ) = A 00 (s0 )t(s0 ) + B 00 (s0 )n(s0 )


π π
   
= −κ(s0 ) cos κ(s0 )(s0 − s0 ) − t(s0 ) − κ(s0 ) sen κ(s0 )(s0 − s0 ) − n(s0 )
2 2
= κ(s0 ) n(s0 ) = α 00 (s0 ) .

Proposição 5.3 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco tal
que κ(s) > 0 para todo s ∈ I. O cı́rculo osculador de α em s0 ∈ I é o único cı́rculo que passa
por α(s0 ) e tem contato de ordem ≥ 2 com α em s0 .

Prova.
Seja C um cı́rculo de centro A e raio R contido num plano π que tem contato de ordem ≥ 2 com
α em s0 .
Então π = { p ∈ R3 | hp − α(s0 ) , Ni = 0 }, onde N é um vetor unitário normal ao plano π, e
existe uma curva β : R −→ R3 parametrizada pelo comprimento de arco tal que β(R) = C,
β(s0 ) = α(s0 ), β 0 (s0 ) = α 0 (s0 ) e β 00 (s0 ) = α 00 (s0 ) = κ(s0 ) n(s0 ).
Como hβ(s) − α(s0 ) , Ni = 0 para todo s ∈ R, temos, derivando duas vezes, que hβ 0 (s0 ) , Ni =
0 e hβ 00 (s0 ) , Ni = 0. Logo, N ⊥ β 0 (s0 ) = α 0 (s0 ) e N ⊥ β 00 (s0 ) = κ(s0 )n(s0 ).
Portanto, N é paralelo ao vetor binormal b(s0 ) de α em s0 e π é o plano osculador de α em s0 .

Além disso, como hβ(s) − A , β(s) − Ai = R2 para todo s ∈ R, obtemos, derivando duas vezes,
que
hβ 0 (s) , β(s) − Ai = 0
e
hβ 0 (s) , β 0 (s)i + hβ 00 (s) , β(s) − Ai = 0 ,
para todo s ∈ R.
Então, para s = s0 ,
hα 0 (s0 ) , α(s0 ) − Ai = 0 e hκ(s0 )n(s0 ) , α(s0 ) − Ai = −1 .
1
Logo, (α(s0 ) − A) ⊥ α 0 (s0 ) e hα(s0 ) − A , n(s0 )i = − . Sendo (α(s0 ) − A) ⊥ b(s0 ), pois
κ(s0 )
1 1
α(s0 ), A ∈ πosc (s0 ), obtemos que α(s0 ) − A = − n(s0 ), ou seja, A = α(s0 ) + n(s0 ) é
κ(s0 ) κ(s0 )
o centro de curvatura de α em s0 .

66 J. Delgado - K. Frensel
Teoria do Contato

Como α(s0 ) ∈ C,
1
R = kα(s0 ) − Ak = kα(s0 ) − c(s0 )k =
κ(s0 )

é o raio de curvatura de α em s0 .
Logo C é o cı́rculo osculador de α em s0 . 

Definição 5.3 Seja α : I −→ R3 uma curva regular e π um plano de R3 tal que p = α(t0 ) ∈ π,
t0 ∈ I.
Dizemos que α e π têm contato de ordem n em p se existe uma curva regular β : J −→ R3 tal
que t0 ∈ J, β(J) ⊂ π, α e β têm contato de ordem n em t0 e não existe uma curva regular em
π que tem contato de ordem > n com α em t0 .

Observação 5.3 Se existe uma curva regular β : J −→ R3 tal que t0 ∈ J, β(J) ⊂ π e β, α


têm contato de ordem n em p = α(t0 ), então α e π têm contato de ordem ≥ n em p.

Observação 5.4 Todo plano que contém a reta tangente a α em t0 tem contato de ordem
≥ 1 com α em t0 . Dentre estes planos temos o plano osculador de α em t0 .

Proposição 5.4 Sejam α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco


com κ(s) > 0 para todo s ∈ I e π um plano que passa por α(s0 ).
Então α e π têm contato de ordem ≥ 2 em α(s0 ) se, e só se, π é o plano osculador de α em s0 .

Prova.
(⇐) O cı́rculo osculador de α em s0 está contido no plano osculador de α em s0 e tem contato
de ordem ≥ 2 com α em s0 .
(⇒) Se π e α têm contato de ordem ≥ 2 em α(s0 , existe uma curva regular β : J −→ R3 , que
podemos supor parametrizada pelo comprimento de arco, tal que s0 ∈ I ∩ J, β(J) ⊂ π e β e α
têm contato de ordem ≥ 2 em s0 , ou seja, β(s0 ) = α(s0 ), β 0 (s0 ) = α 0 (s0 ) e β 00 (s0 ) = α 00 (s0 ).
Logo, κβ (s0 ) = kβ 00 (s0 )k = kα 00 (s0 )k = κα (s0 ) e, portanto, nβ (s0 ) = nα (s0 ).

Assim, α e β têm o mesmo plano osculador em s0 . Mas como β é uma curva plana, temos que
π é o plano osculador de β em s0 . Então π é o plano osculador de α em s0 . 

Observação 5.5 Se a torção de α em s0 é não-nula, então α e o plano osculador de α em


s0 têm contato de ordem 2 (ver Atividade 2.22).

Instituto de Matemática - UFF 67


Geometria Diferencial

Definição 5.4 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco com
κ(s) > 0 para todo s ∈ I e τ(s0 ) 6= 0, onde s0 ∈ I. Dizemos, então, que
s  2 s  2
1 κ 0 (s0 ) ρ 0 (s0 )
R(s0 ) = + = ρ(s0 )2 +
κ(s0 )2 κ(s0 )2 τ(s0 ) τ(s0 )

é o raio de curvatura esférica de α em s0 e

ρ 0 (s0 )
c(s0 ) = α(s0 ) + ρ(s0 )n(s0 ) + b(s0 )
τ(s0 )

1
é o centro de curvatura esférica de α em s0 , onde ρ(s0 ) = é o raio de curvatura de α em
κ(s0 )
s0 .
A esfera osculatriz de α em s0 é a esfera de raio R(s0 ) e centro c(s0 ).

Observação 5.6 De modo análogo à definição 5.3, podemos introduzir o conceito de con-
tato entre uma curva e uma esfera, e provar que a esfera osculatriz de α em s0 tem contato de
ordem ≥ 2 com a curva α em s0 (ver Atividade 2.23).

Exemplo 5.3 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco com
κ(s) > 0 e τ(s) 6= 0 para todo s ∈ I.
(a) Se α(I) está contida numa esfera Sr (A) de centro A e raio r > 0, então

1 κ 0 (s)
α(s) − A = − n(s) − b(s)
κ(s) κ(s)2 τ(s)

e
 2
2 1 κ 0 (s)
r = +
κ(s)2 κ(s)2 τ(s)

para todo s ∈ I. Ou seja, se α(I) ⊂ Sr (A), então Sr (A) é a esfera osculatriz de α em s para
todo s ∈ I.
Prova.
Como {t(s), n(s), b(s)} é uma base ortonormal de R3 para todo s ∈ I, existem funções de classe
C∞ λ, δ, µ : I −→ R, tais que:

α(s) − A = λ(s)t(s) + δ(s)n(s) + µ(s)b(s) ,

onde λ(s) = hα(s) − A , t(s)i, δ(s) = hα(s) − A , n(s)i e µ(s) = hα(s) − A , b(s)i, para todo
s ∈ I.

68 J. Delgado - K. Frensel
Teoria do Contato

Sendo hα(s) − A , α(s) − Ai = r2 para todo s ∈ I, obtemos, derivando três vezes a expressão
acima, que:

• hα 0 (s) , α(s) − Ai = 0 ⇐⇒ λ(s) = 0 ;


1
• hα 0 (s) , α 0 (s)i + hα 00 (s) , α(s) − Ai = 0 =⇒ κ(s)hn(s) , α(s) − Ai = −1 ⇐⇒ δ(s) = − ;
κ(s)

• κ 0 (s)hn(s) , α(s) − Ai + κ(s)hn 0 (s) , α(s) − Ai + κ(s)hn(s) , α 0 (s)i = 0


⇐⇒ κ 0 (s)hn(s) , α(s) − Ai + κ(s)h−κ(s)t(s) − τ(s)b(s) , α(s) − Ai = 0
+κ 0 (s)δ(s) −κ 0 (s)
⇐⇒ +κ 0 (s)δ(s) − κ(s)τ(s)µ(s) = 0 ⇐⇒ µ(s) = = .
κ(s)τ(s) κ(s)2 τ(s)

Ou seja,
1 κ 0 (s)
A = α(s) + n(s) + b(s) ,
κ(s) κ(s)2 τ(s)

para todo s ∈ I e, portanto,

1 κ 0 (s)2
r2 = kα(s) − Ak2 = 2
+ ,
κ(s) κ(s)4 τ(s)2

para todo s ∈ I.

1 κ 0 (s)2
(b) Se + = r2 e κ 0 (s) 6= 0 para todo s ∈ I, então α(s) está contido em uma
κ(s)2 κ(s)4 τ(s)2
esfera de raio r e centro
1 κ 0 (s)
A = α(s) + n(s) + b(s) .
κ(s) κ(s)2 τ(s)

Prova.
1 κ 0 (s)
Basta mostrar que α(s) + n(s) + é constante em I.
κ(s) κ(s)2 τ(s)
 2
1 κ 0 (s)
Como + = r2 é constante em I, obtemos, derivando essa expressão, que
κ(s)2 κ(s)2 τ(s)

 0   0 
−2κ 0 (s) 2κ 0 (s) κ 0 (s) 2κ 0 (s) 1 κ 0 (s) 1
+ = 0 ⇐⇒ − = 0.
κ(s)3 κ(s)2 τ(s) κ(s)2 τ(s) κ(s)2 τ(s) κ(s)2 τ(s) κ(s)

Como κ 0 (s) 6= 0 para todo s ∈ I, temos que

 0
κ 0 (s) τ(s)
= , para todo s ∈ I. (11)
κ(s)2 τ(s) κ(s)

Instituto de Matemática - UFF 69


Geometria Diferencial

Logo,
 0
1 κ 0 (s) κ 0 (s) 1
α(s) + n(s) + b(s) = α 0 (s) − n(s) + (−κ(s)α 0 (s) − τ(s) b(s))
κ(s) κ(s)2 τ(s) κ(s) 2 κ(s)
 0
κ 0 (s) κ 0 (s)
+ b(s) + τ(s)n(s)
κ(s)2 τ(s) κ(s)2 τ(s)
   0
τ(s) κ 0 (s)
= − + b(s) = 0 por (11) .
κ(s) κ(s)2 τ(s)

Então
1 κ 0 (s)
A = α(s) + n(s) + b(s)
κ(s) κ(s)2 τ(s)
 2
1 2 κ 0 (s)
é constante e kα(s) − Ak = + = r2 para todo s ∈ I, isto é α(I) ⊂ Sr (A). 
κ(s)2 κ(s)2 τ(s)

Observação 5.7 O mesmo resultado vale se o conjunto {s ∈ I | κ 0 (s) = 0} for discreto.

Observação 5.8 Se o conjunto {s ∈ I | κ 0 (s) = 0} não é discreto, o resultado acima pode não
ser verdadeiro.
 
s s bs
Por exemplo, para a hélice circular α(s) = a cos p , a sen p ,p temos
a2 + b2 a2 + b2 a2 + b2
 2
a −a 2 1 κ 0 (s) a2 + b 2
que κ(s) = 2 , τ(s) = e, portanto, r = + = é cons-
a + b2 a2 + b2 κ(s)2 κ(s)4 τ(s)2 a
tante, mas a hélice não está contida em esfera alguma, já que é ilimitada.

6. Teorema Fundamental das Curvas

Fisicamente, podemos pensar em uma curva em R3 como sendo obtida a partir de uma reta
quando esta é entortada (curvatura) e torcida (torção). Mostraremos, nesta seção, que, de
fato, o comportamento de uma curva pode ser descrito completamente por κ e τ.
Mas antes precisamos dar algumas definições e relembrar alguns resultados básicos.

Definição 6.1 Uma aplicação F : R3 −→ R3 é uma isometria quando preserva distância, isto
é,
kF(p) − F(q)k = kp − qk

para todos p, q ∈ R3 .

70 J. Delgado - K. Frensel
Teorema Fundamental das Curvas

Exemplo 6.1 Seja a um ponto fixo de R3 . A aplicação Ta : R3 −→ R3 , dada por Ta (p) = p+a,
é uma isometria de R3 , denominada translação por a. 

Exemplo 6.2 A aplicação F : R3 −→ R3 dada por

F(x, y, z) = (x cos θ − y sen θ, x sen θ + y cos θ, z) ,

onde θ ∈ (0, 2π), é uma isometria de R3 , denominada rotação de ângulo θ em torno do eixo-Oz.


Proposição 6.1
(a) Se F e G são isometrias de R3 , então F ◦ G é uma isometria.
(b) Se F e G são translações, então F ◦ G = G ◦ F é uma translação.

(c) Se T é a translação por a, então T é invertı́vel e T −1 é a translação por −a.

(d) Dados p, q ∈ R3 , existe uma única translação T tal que T (p) = q.

Prova.
(a) kF ◦ G(p) − F ◦ G(q)k = kG(p) − G(q)k = kp − qk .

(b) Se F(p) = p + a e G(p) = p + b para todo p ∈ R3 , então (F ◦ G)(p) = (G ◦ F)(p) = p + (a + b)


para todo p ∈ R3 .
(c) Seja F(p) = p + a e considere G(p) = p − a. Então F ◦ G(p) = G ◦ F(p) = p para todo
p ∈ R3 . Logo G = F−1 .

(d) Seja T a translação por q − p, isto é T (v) = v + (q − p) para todo v ∈ R3 . Então T (p) = q.

Para provar a unicidade, consideramos duas translações T e T por a e a, respectivamente, tais


que T (p) = T (p) = q. Então T (p) = p + a = p + a = T (p), donde a = a. Portanto T = T . 

Definição 6.2 Uma transformação ortogonal de R3 é uma aplicação linear C : R3 −→ R3 que


preserva produto interno, isto é,

hC(p) , C(q)i = hp , qi

para todos p, q ∈ R3 .

Observação 6.1 Sendo C uma aplicação linear, temos que C(0) = 0; C é diferenciável;
dCp = C para todo p ∈ R3 , e é invertı́vel, pois C(p) = 0 ⇐⇒ p = 0, já que kC(p)k2 = kpk2 .

Instituto de Matemática - UFF 71


Geometria Diferencial

Observação 6.2 Toda transformação ortogonal é uma isometria.


De fato,

kC(p) − C(q)k2 = kC(p − q)k2 = hC(p − q) , C(p − q)i = hp − q , p − qi = kp − qk2 .

Proposição 6.2 Se F : R3 −→ R3 é uma isometria tal que F(0) = 0, então F é uma trans-
formação ortogonal.

Prova.
Provaremos primeiro que F preserva produto interno.

Como hF(p) , F(p)i = kF(p)k2 = kF(p) − F(0)k2 = kp − 0k2 = hp , pi (pois F é uma isometria e
F(0) = 0), temos que:

1  1
kF(p)k2 + kF(q)k2 − kF(p) − F(q)k2 = kpk2 + kqk2 − kp − qk2 = hp , qi .

hF(p) , F(q)i =
2 2

Mostraremos agora que F é linear, isto é, F(ap + bq) = aF(p) + bF(q) para todos p, q ∈ R3 e
a, b ∈ R.
De fato,

kF(ap + bq) − aF(p) − bF(q)k2 = hF(ap + bq) − aF(p) − bF(q) , F(ap + bq) − aF(p) − bF(q)i
= kF(ap + bq)k2 + a2 kF(p)k2 + b2 kF(q)k2
−2ahF(ap + bq) , F(p)i − 2bhF(ap + bq) , F(q)i
+2abhF(p) , F(q)i
= kap + bqk2 + a2 kpk2 + b2 kqk2 − 2ahap + bq , pi
−2bhap + bq , qi + 2abhp , qi
= k(ap + bq) − ap − bqk2 = 0 .

Logo, F(ap + bq) − aF(p) − bF(q) = 0, ou seja, F(ap + bq) = aF(p) + bF(q). 

Corolário 6.1 Se F : R3 −→ R3 é uma isometria, então existe uma única translação T e uma
única transformação ortogonal C tal que F = T ◦ C.

Prova.
Existência. Pela proposição acima, C(p) = F(p) − F(0) é uma transformação ortogonal, pois C
é uma isometria e C(0) = 0. Como F(p) = C(p) + F(0) para todo p ∈ R3 , temos que F = T ◦ C,
onde T é a translação por F(0).

72 J. Delgado - K. Frensel
Teorema Fundamental das Curvas

Unicidade. Sejam T , T translações e C, C transformações ortogonais tais que F = T ◦C = T ◦C.


Então F(0) = T (C(0)) = T (0) = T (C(0)) = T (0).
−1
Logo, T = T e, portanto, C = T −1 ◦ F = T ◦ F = C. 

Observação 6.3 Se F é uma isometria, então existe uma única translação T1 e uma única
transformação ortogonal C tais que F = C ◦ T1 .

Basta tomar C(p) = F(p) − F(0), p ∈ R3 e T1 a translação por C−1 (F(0)). De fato,

C ◦ T1−1 (p) = C(p + C−1 (F(0))) = C(p) + F(0) = F(p) ,

para todo p ∈ R3 .

Observação 6.4 Se F : R3 −→ R3 é uma isometria, então F é invertı́vel e F−1 é uma isome-


tria.
De fato, como F = C ◦ T e T e C são invertı́veis, temos que F é invertı́vel e F−1 = T −1 ◦ C−1 .
Portanto, F−1 é uma isometria, pois F−1 é a composta de duas isometrias.

Observação 6.5 Se F é uma isometria dada por F = T ◦ C, onde T é uma translação e C é


uma transformação ortogonal, então F é diferenciável e dFp (v) = C(v) para todos p, v ∈ R3 .

De fato, F é diferenciável, pois F é composta de duas funções diferenciáveis, e

F(p + tv) − F(p) C(p + tv) + a − C(p) − a


dFp (v) = lim = lim
t→0 t t→0 t
C(p) + tC(v) + a − C(p) − a
= lim = C(v) ,
t→0 t

para todos p, v ∈ R3 , onde T é a translação por a.

Portanto, para todo p ∈ R3 , dFp : R3 −→ R3 preserva produto interno. Assim, para todo p ∈ R3 ,
dFp leva uma base ortonormal {v1 , v2 , v3 } em outra base ortonormal {dFp (v1 ), dFp (v2 ), dFp (v3 )}.

• Dizemos que a isometria F preserva orientação se as bases


B = {v1 , v2 , v3 } e B 0 = {dFp (v1 ), dFp (v2 ), dFp (v3 )}

têm a mesma orientação, isto é,

hdFp (v1 ) ∧ dFp (v2 ) , dFp (v3 )i = hv1 ∧ v2 , v3 i .

E dizemos que a isometria F inverte orientação se as bases B e B 0 têm orientações opostas,


isto é,
hdFp (v1 ) ∧ dFp (v2 ) , dFp (v3 )i = −hv1 ∧ v2 , v3 i .

Instituto de Matemática - UFF 73


Geometria Diferencial

Observação 6.6 Desta definição, decorre que F preserva (respectivamente, inverte) orientação
se, e só se, o determinante da matriz jacobiana de F é igual a 1 (respectivamente, −1).

Proposição 6.3 Sejam p, q ∈ R3 , {v1 , v2 , v3 } e {w1 , w2 , w3 } bases ortonormais de R3 . Então


existe uma única isometria F : R3 −→ R3 tal que F(p) = q e dFp (vi ) = wi , i = 1, 2, 3.

Prova.
Existência. Seja C : R3 −→ R3 a aplicação linear tal que C(vi ) = wi , i = 1, 2, 3, isto é, se
v ∈ R3 , v = av1 + bv2 + cv3 , então

C(v) = aC(v1 ) + bC(v2 ) + cC(v3 ) = aw1 + bw2 + cw3 .

Como as bases {v1 , v2 , v3 } e {w1 , w2 , w3 } são ortonormais, segue-se da definição de C, que C


preserva produto interno. Portanto, C é uma transformação ortogonal.
Seja T a translação por q − C(p). Então a isometria F = T ◦ C satisfaz as condições exigidas.
De fato,
F(p) = T ◦ C(p) = q − C(p) + C(p) = q ,

e, pela observação 6.5,


dFp (vi ) = C(vi ) = wi , i = 1, 2, 3 .

Unicidade. Suponhamos que as isometrias F = T ◦ C e F = T ◦ C satisfazem as condições da


proposição, isto é,

F(p) = F(p) = q e dFp (vi ) = dFp (vi ) = wi , i = 1, 2, 3 .

Segue-se da última relação que C(vi ) = C(vi ) = wi , i = 1, 2, 3. Como C e C são aplicações


lineares temos que C = C. Portanto, T ◦ C(p) = T ◦ C(p) = q, isto é, T e T são translações que
levam C(p) em q. Então, pela proposição 6.1, T = T e, portanto, F = F. 

Definição 6.3 Dizemos que duas curvas regulares α, β : I −→ R3 são congruentes quando
existe uma isometria F : R3 −→ R3 tal que β = F ◦ α, ou seja, β difere de α apenas por sua
posição no espaço.

Proposição 6.4 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco com
κ(s) > 0 para todo s ∈ I. Sejam F uma isometria de R3 e α = F ◦ α. Então α : I −→ R3 é uma

74 J. Delgado - K. Frensel
Teorema Fundamental das Curvas

curva parametrizada pelo comprimento de arco tal que, para todo s ∈ I,


κ(s) = κ(s) ,
τ(s) = ±τ(s) ,
t(s) = dFα(s) (t(s)) ,

n(s) = dFα(s) (n(s)) ,

b(s) = ±dFα(s) (b(s)) ,

onde o sinal é + (resp. −) se F preserva a orientação (resp. inverte a orientação).

Prova.
A curva α é diferenciável, pois F e α são diferenciáveis. Além disso, como
α 0 (s) = dFα(s) (α 0 (s)) ,
temos que
kα 0 (s)k = kdFα(s) (α 0 (s))k = kα 0 (s)k = 1 ,
pois dFα(s) é uma transformação ortogonal. Logo α está parametrizada pelo comprimento de
arco.
Sejam T uma translação e C uma transformação ortogonal tais que F = T ◦ C. Então como
α 0 (s) = C(α 0 (s)), segue que α 00 (s) = C(α 00 (s)).
Assim
κ(s) = kα 00 (s)k = kC(α 00 (s))k = kα 00 (s)k = κ(s) ,
e
α 00 (s)
 
α 00 (s)
n(s) = =C = C(n(s)) = dFα(s) (n(s)) .
κ(s) κ(s)

Temos que b(s) = t(s) ∧ n(s) e b(s) = C(t(s)) ∧ C(n(s)).


Se F, isto é, se C preserva orientação, então C leva a base ortonormal positiva {t(s), n(s), b(s)}
na base ortonormal positiva {C(t(s)), C(n(s)), C(b(s))} = {t(s), n(s), C(b(s))} .

Logo, b(s) = C(b(s)) = dFα(s) (b(s)).

Se F inverte orientação, então C leva a base ortonormal positiva {t(s), n(s), b(s)} na base orto-
normal negativa {C(t(s)), C(n(s)), C(b(s))} = {t(s), n(s), C(b(s))} .

Logo, b(s) = −C(b(s)) = −dFα(s) (b(s)).


0
Finalmente, como b(s) = ±C(b(s)), temos que b (s) = ±C(b 0 (s)) e, portanto
0
τ(s) = hb (s) , n(s)i = ±hC(b 0 (s)) , C(n(s))i = ±hb 0 (s) , n(s)i = ±τ(s) . 

Instituto de Matemática - UFF 75


Geometria Diferencial

Teorema 6.1 (Fundamental das Curvas)


(a) Se duas curvas α, β : I −→ R3 parametrizadas pelo comprimento de arco têm a mesma
curvatura e torção (a menos de sinal), então α e β são congruentes, isto é, existe uma isometria
F : R3 −→ R3 tal que F ◦ α = β.
(b) Se κ, τ : I −→ R são duas funções de classe C∞ , com κ(s) > 0 para todo s ∈ I, então existe
uma curva α : I −→ R3 parametrizada pelo comprimento de arco tal que κ(s) é a curvatura e
τ(s) é a torção de α em s para todo s ∈ I.

(c) Dados p0 ∈ R3 e v1 , v2 ∈ R3 vetores ortonormais, existe uma única curva α : I −→ R3


parametrizada pelo comprimento de arco tal que α(s0 ) = p0 , α 0 (s0 ) = v1 , α 00 (s0 ) = κ(s0 ) v2 ,
κα ≡ κ e τα ≡ τ.

Prova.
(a) Seja s0 ∈ I fixo e suponhamos que τα = τβ (resp. τα = −τβ ). Pela proposição 6.3,
existe uma isometria F : R3 −→ R3 tal que F(α(s0 )) = β(s0 ) e

dFα(s0 ) (tα (s0 )) = tβ (s0 ) ;


dFα(s0 ) (nα (s0 )) = nβ (s0 ) ;
dFα(s0 ) (bα (s0 )) = bβ (s0 ) (resp. dFα(s0 ) (bα (s0 )) = −bβ (s0 )) .

Seja α = F ◦ α. Então, pela proposição 6.4:

α(s0 ) = β(s0 ) ; t(s0 ) = tβ (s0 ) ; κ = κα = κβ ; n(s0 ) = nβ (s0 ) ; τ = τα = τβ (resp. τ = −τα = τβ );


b(s0 ) = bβ (s0 ) (resp. b(s0 ) = −C(bα (s0 )) = bβ (s0 )) .

Para provar que α = β, basta mostrar que t = tβ , pois, neste caso, teremos α − β constante e
como α(s0 ) = β(s0 ), poderemos concluir que α(s) = β(s) para todo s ∈ I.
Consideremos a função f : I −→ R dada por

f(s) = kt(s) − tβ (s)k2 + kn(s) − nβ (s)k2 + kb(s) − bβ (s)k2 .

Então,
0
f 0 (s) = 2ht (s) − tβ0 (s) , t(s) − tβ (s)i + 2hn 0 (s) − nβ0 (s) , n(s) − nβ (s)i
0
+2hb (s) − bβ0 (s) , b(s) − bβ (s)i

= 2κ(s)hn(s) − nβ (s) , t(s) − tβ (s)i − 2κ(s)ht(s) − tβ (s) , n(s) − nβ (s)i


−2τ(s)hb(s) − bβ (s) , n(s) − nβ (s)i + 2τ(s)hn(s) − nβ (s) , b(s) − bβ (s)i
= 0.

76 J. Delgado - K. Frensel
Teorema Fundamental das Curvas

Portanto, f é constante. Como f(s0 ) = 0, temos f ≡ 0 e, portanto, t = tβ .

(b) Existência. Para provar a existência de α mostraremos primeiro que existe um referencial
ortonormal {t(s), n(s), b(s)} que satisfaz as fórmulas de Frenet, isto é,

t 0 (s) = κ(s)n(s)

n 0 (s) = −κ(s)t(s) − τ(s)b(s)

b 0 (s) = τ(s)n(s) .

Pelo Teorema de Existência e Unicidade de soluções de equações diferenciais lineares te-


mos que, fixados os valores t(s0 ) = (t1 (s0 ), t2 (s0 ), t3 (s0 )), n(s0 ) = (n1 (s0 ), n2 (s0 ), n3 (s0 )) e
b(s0 ) = (b1 (s0 ), b2 (s0 ), b3 (s0 )), o sistema de nove equações diferenciais, i = 1, 2, 3,

ti0 (s) = κ(s) ni (s) ;


ni0 (s) = −κ(s) ti (s) − τ(s) bi (s) ; (12)
bi0 (s) = τ(s) ni (s) ;

possui uma única solução com as condições iniciais dadas. Em particular, existe uma única
solução ti , ni , bi , i = 1, 2, 3 do sistema (12) quando fixamos

t(s0 ) = (1, 0, 0) , n(s0 ) = (0, 1, 0) e b(s0 ) = (0, 0, 1) . (13)

Vamos provar agora que a solução {t(s), n(s), b(s)} é uma base ortonormal de R3 para todo
s ∈ I. Para isto, consideremos as funções

ht(s) , t(s)i , hn(s) , n(s)i , hb(s) , b(s)i ,

ht(s) , n(s)i , ht(s) , b(s)i , hn(s) , b(s)i ,

que satisfazem ao sistema de 6 equações diferenciais:

d
ht(s) , t(s)i = 2κ(s)ht(s) , n(s)i ;
ds
d
hn(s) , n(s)i = −2κ(s)ht(s) , n(s)i − 2τ(s)hn(s) , b(s)i ;
ds
d
hb(s) , b(s)i = 2τ(s)hn(s) , b(s)i ;
ds
d
ht(s) , n(s)i = κ(s)hn(s) , n(s)i − κ(s)ht(s) , t(s)i − τ(s)ht(s) , b(s)i ; (14)
ds
d
ht(s) , b(s)i = κ(s)hn(s) , b(s)i + τ(s)ht(s) , n(s)i ;
ds
d
hn(s) , b(s)i = −κ(s)ht(s) , b(s)i − τ(s)hb(s) , b(s)i + τ(s)hn(s) , n(s)i ,
ds

Instituto de Matemática - UFF 77


Geometria Diferencial

com condição inicial:

ht(s0 ) , t(s0 )i = hn(s0 ) , n(s0 )i = hb(s0 ) , b(s0 )i = 1 ,

e
ht(s0 ) , n(s0 )i = ht(s0 ) , b(s0 )i = hn(s0 ) , b(s0 )i = 0 .
A solução para esse sistema de equações diferenciais é única e é dada pelas funções:

ht(s) , t(s)i = hn(s) , n(s)i = hb(s) , b(s)i ≡ 1 ,

e
ht(s) , n(s)i = ht(s) , b(s)i = hn(s) , b(s)i ≡ 0 .
De fato, basta substituir estas funções no sistema acima para verificar que formam uma solução
do sistema.
Portanto, a solução de (12) com a condição inicial (13) forma um referencial ortonormal posi-
tivo, ou seja, det(t(s), n(s), b(s)) = 1 para todo s ∈ I, pois det(t(s0 ), n(s0 ), b(s0 )) = 1.
Logo, b(s) = t(s) ∧ n(s) para todo s ∈ I.
Zs
3
Definimos a curva α : I −→ R por α(s) = t(ξ) dξ.
s0

Então α 0 (s) = t(s). Portanto, kα 0 (s)k = kt(s)k = 1 para todo s ∈ I, isto é, α está parametrizada
pelo comprimento de arco, e α 00 (s) = t 0 (s) = κ(s) n(s).
α 00 (s)
Assim, κα (s) = kα 00 (s)k = kκ(s) n(s)k = κ(s) e nα (s) = = n(s) para todo s ∈ I.
κα (s)

Além disso, bα (s) = tα (s) ∧ nα (s) = t(s) ∧ n(s) = b(s) e, portanto,

τα (s) = hbα0 (s) , nα (s)i = hb 0 (s) , n(s)i = τ(s)hn(s) , n(s)i = τ(s) ,

para todo s ∈ I.

(c) Unicidade. Sejam α, β : I −→ R3 duas curvas parametrizadas pelo comprimento de arco


tais que
κα = κβ = κ, τα = τβ = τ, α(s0 ) = β(s0 ) = p0 , α 0 (s0 ) = β 0 (s0 ) = v1 , α 00 (s0 ) = β 00 (s0 ) = κ(s0 ) v2 .

Então, nα (s0 ) = nβ (s0 ) = v2 e bα (s0 ) = tα (s0 ) ∧ nα (s0 ) = v1 ∧ v2 = tβ (s0 ) ∧ nβ (s0 ) = bβ (s0 ) .

Como {tα , nα , bα } e {tβ , nβ , bβ } são soluções do sistema (12) com condição inicial {v1 , v2 , v1 ∧v2 },
temos que α = β.

Existência. Dados p0 ∈ R3 e v1 , v2 ∈ R3 vetores ortonormais, o sistema (12) tem uma única


solução {t(s), n(s), b(s)} com condição inicial t(s0 ) = v1 , n(s0 ) = v2 , e b(s0 ) = v1 ∧ v2 .

78 J. Delgado - K. Frensel
Teorema Fundamental das Curvas

Como {v1 , v2 , v1 ∧ v2 } é uma base ortonormal positiva, podemos provar, de modo análogo ao
feito no item (a) para v1 = e1 , v2 = e2 e v1 ∧v2 = e3 , que {t(s), n(s), b(s)} é uma base ortonormal
positiva para todo s ∈ I e que
Zs
α(s) = t(ξ) dξ + p0
s0

é uma curva parametrizada pelo comprimento de arco, com


α(s0 ) = p0 , tα (s) = t(s) , nα (s) = n(s) , bα (s) = b(s) , κα (s) = κ(s) e τα (s) = τ(s) ,
para todo s ∈ I. 

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Geometria Diferencial

80 J. Delgado - K. Frensel
Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

Capı́tulo 3

Superfı́cies Regulares

Em contraste ao tratamento dado às curvas nos Capı́tulos 1 e 2, as superfı́cies regulares serão
definidas como conjuntos e não como aplicações. As curvas também podem ser tratadas a
partir desse ponto de vista, isto é, como subconjuntos de R3 (ou R2 ). Faremos um breve
comentário sobre isso na seção 2 deste capı́tulo.

1. Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

A grosso modo, uma superfı́cie regular em R3 é obtida tomando-se pedaços do plano, deformando-
os e colando-os entre si de tal modo que a fugura resultante não apresente vértices, arestas
ou auto-interseções, e que tenha sentido falar em plano tangente nos pontos desta figura.

Definição 1.1 Um subconjunto S ⊂ R3 é uma superfı́cie regular se, para cada p ∈ S, existe
um aberto V ⊂ R3 , com p ∈ V, e uma aplicação X : U −→ V ∩ S, definida num aberto U de R2
tal que:
(1) X : U −→ V ∩ S, X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)), é diferenciável, isto é, as funções
x, y, z : U −→ R têm derivadas parciais contı́nuas de todas as ordens em U.
(2) X : U −→ V ∩ S é um homeomorfismo, isto é, X é uma bijeção contı́nua cuja inversa
X−1 : V ∩ S −→ U é contı́nua.
(3) dXq : R2 −→ R3 é injetora para todo q ∈ U.

A aplicação X é chamada uma parametrização ou um sistema de coordenadas (locais) em


(uma vizinhança de) p, e V ∩ S é chamada uma vizinhança coordenada de S em p.

Instituto de Matemática - UFF 81


Geometria Diferencial

Fig. 1: Vizinhança coordenada do ponto p ∈ S

Observação 1.1
• A condição (1) é natural se esperamos fazer alguma geometria diferencial sobre S. Por
exemplo, permite definir o conceito de plano tangente.

Fig. 2: O cone S não possui uma parametrização diferenciável numa vizinhança do vértice p.

• A injetividade de X na condição (2) tem como objetivo excluir a possibilidade de auto-


interseções em superfı́cies regulares, que é necessário para podermos falar, por exemplo,
sobre o plano tangente em um ponto de S.
• A continuidade da inversa na condição (2) serve para provar que certos conceitos que de-
pendem aparentemente da parametrização, na realidade só dependem do ponto p ∈ S, isto é,
independem da parametrização X : U −→ S ∩ V com p ∈ S ∩ V.
• A condição (3) garante a existência de um plano tangente em todos os pontos de S.

82 J. Delgado - K. Frensel
Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

• Vamos agora calcular a matriz da aplicação linear dXq nas bases canônicas {e1 = (1, 0), e2 =
(0, 1)} de R2 , com coordenadas (u, v), e {f1 = (1, 0, 0), f2 = (0, 1, 0), f3 = (0, 0, 1) de R3 , com
coordenadas (x, y, z).
Seja q = (u0 , v0 ). O vetor e1 é tangente à curva u 7−→ (u, v0 ), cuja imagem por X é a curva na
superfı́cie S
u 7−→ (x(u, v0 ), y(u, v0 ), z(u, v0 )) ,
chamada curva coordenada v = v0 . O vetor tangente desta curva em X(q) é o vetor

∂X
 ∂x ∂y ∂z

dXq (e1 ) = (q) = (q), (q), (q) .
∂u ∂u ∂u ∂u

Analogamente, o vetor tangente à curva coordenada u = u0 ,

v 7−→ (x(u0 , v), y(u0 , v), z(u0 , v)) ,

imagem por X da curva v 7−→ (u0 , v), é o vetor

∂X
 ∂x ∂y ∂z

dXq (e2 ) = (q) = (q), (q), (q) .
∂v ∂v ∂v ∂v

Fig. 3: Vetores tangentes às curvas u 7−→ (u, v0 ) e v 7−→ (u0 , v).

Portanto, a matriz da aplicação linear dXq (que designamos pela mesma notação para simpli-
ficar) nas bases canônicas de R2 e R3 é
 
∂x ∂x
 ∂u (q) ∂v
(q) 
 
dXq =  ∂y (q) ∂y .
 
 ∂u (q)
∂v 
∂z ∂z
 
(q) (q)
∂u ∂v

A condição (3), da definição 1.1, nos diz que dXq : R2 −→ R3 é injetora, o que significa que os
dois vetores coluna da matriz Jacobiana acima são linearmente independentes, ou seja, que o

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Geometria Diferencial

seu produto vetorial é diferente de zero:

∂X ∂X
(q) ∧ (q) 6= 0 .
∂u ∂v

Ou ainda, que um dos menores de ordem 2 da matriz de dXq , isto é, um dos determinantes:

∂x ∂x
(q) (q)
∂(x, y)

(q) = ∂u ∂v ;

∂(u, v) ∂y ∂y
(q) (q)
∂u ∂v

∂y ∂y
(q) (q)
∂(y, z)

∂u ∂v
(q) = ;

∂(u, v) ∂z ∂z
(q) (q)
∂u ∂v

∂x
(q) ∂x (q)

∂(x, z)
(q) = ∂u ∂v ,

∂(u, v) ∂z ∂z
(q) (q)
∂u ∂v

é diferente de zero.

Exemplo 1.1 Vamos mostrar que a esfera de centro na origem e raio 1,

S2 = {(x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 + z2 = 1}

é uma superfı́cie regular.

Seja a aplicação X+ 3
3 : U −→ R dada por

p
X+
3 (u, v) = (u, v, 1 − (u2 + v2 )) ,

definida no aberto U = {(u, v) ∈ R2 | u2 + v2 < 1} .

Então X+
3 satisfaz as condições da definição 1.1. De fato:

3 (U) = S ∩ H3 , onde H3 = {(x, y, z) ∈ R | z > 0} é um aberto de R .


(1) X+ 2 + + 3 3

(2) X+ 2 2
3 é diferenciável, pois 1 − (u + v ) > 0 para todo (u, v) ∈ U.

1 0
∂(x, y)
(3) (q) = = 1 6= 0 para todo q ∈ U.

∂(u, v) 0 1

(4) X+ + 2 + + −1
3 é um homeomorfismo, pois X3 é uma bijeção contı́nua sobre S ∩ H3 e (X3 ) = π|S2 ∩H3+
é contı́nua, onde π : R3 −→ R2 é a projeção sobre o plano-xy dada por π(x, y, z) = (x, y).

84 J. Delgado - K. Frensel
Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

Podemos cobrir a esfera com seis parametrizações similares a esta. Para isso, consideramos
as aplicações:
X+ − + − + −
1 , X1 , X2 , X2 , X3 , X3 : U −→ R
3

dadas por:
p

1 (u, v) = (± 1 − (u2 + v2 ), u, v) ;
p

2 (u, v) = (u, ± 1 − (u2 + v2 ), v) ;
p
X± 2 2
3 (u, v) = (u, v, ± 1 − (u + v )) .

± ±
De modo análogo ao feito para X+ −
3 , podemos provar que X1 , X2 e X3 são parametrizações de

S2 sobre S2 ∩ H1± , S2 ∩ H2± , S2 ∩ H3± , respectivamente, onde

H1+ = {(x, y, z) ∈ R3 | x > 0} ; H1− = {(x, y, z) ∈ R3 | x < 0} ;


H2+ = {(x, y, z) ∈ R3 | y > 0} ; H2− = {(x, y, z) ∈ R3 | y < 0} ;
H3+ = {(x, y, z) ∈ R3 | z > 0} ; H3− = {(x, y, z) ∈ R3 | z < 0} ,

são abertos de R3 . Como

1 (U) ∪ X1 (U) = S − {(x, y, z) ∈ S | y + z = 1 e x = 0} ;


X+ − 2 2 2 2

2 (U) ∪ X2 (U) = S − {(x, y, z) ∈ S | x + z = 1 e y = 0} ;


X+ − 2 2 2 2

3 (U) ∪ X3 (U) = S − {(x, y, z) ∈ S | x + y = 1 e z = 0} .


X+ − 2 2 2 2

temos que
S2 = X+ − + − + −
1 (U) ∪ X1 (U) ∪ X2 (U) ∪ X2 (U) ∪ X3 (U) ∪ X3 (U) .

Logo, S2 é uma superfı́cie regular.

Fig. 4: Cobertura da esfera pelas 6 parametrizações X+ − + − + −


1 (U), X1 (U), X2 (U), X2 (U), X3 (U) e X3 (U).

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Geometria Diferencial

• Podemos também cobrir a esfera com duas parametrizações usando as coordenadas


geográficas de S2 .

De fato, seja a aplicação X : U −→ R3 dada por

X(θ, ϕ) = (sen θ cos ϕ, sen θ sen ϕ , cos θ) ,

definida no aberto
U = {(θ, ϕ) ∈ R2 | 0 < θ < π e 0 < ϕ < 2π} .

Então X : U −→ X(U) é uma parametrização de S2 sobre X(U) = S2 ∩ (R3 − A), onde


A = {(x, y, z) ∈ R3 | x ≥ 0 e y = 0} é fechado em R3 .

Fig. 5: Coordenadas esféricas do ponto p ∈ S2 .

Ou seja, X(U) = R3 − C, onde C é o semi-cı́rculo

C = {(x, y, z) ∈ S2 | x ≥ 0 e y = 0} .

De fato, X é diferenciável e dX(θ,ϕ) : R2 −→ R3 é injetora para todo (θ, ϕ) ∈ U, pois:

Xθ (θ, ϕ) = (cos θ cos ϕ, cos θ sen ϕ, − sen θ) ,

e
Xϕ (θ, ϕ) = (− sen θ sen ϕ, sen θ cos ϕ, 0) ,

portanto:
(Xθ ∧ Xϕ )(θ, ϕ) = (sen2 θ cos ϕ, sen2 θ sen ϕ, cos θ sen θ) ,

e
kXθ ∧ Xϕ k2 (θ, ϕ) = sen4 θ cos2 ϕ + sen4 θ sen2 ϕ + cos2 θ sen2 θ = sen2 θ 6= 0 ,

86 J. Delgado - K. Frensel
Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

já que θ ∈ (0, π). Logo X satisfaz as condições (1) e (3) da definição 1.1.

Observamos que dado (x, y, z) ∈ S2 − C, θ fica determinado de maneira única por θ = arccos z
uma vez que 0 < θ < π .
x y
Conhecendo o valor de θ, temos que cos ϕ = e sen ϕ = , o que determina ϕ de
sen θ sen θ
maneira única, pois ϕ ∈ (0, 2π). Segue-se então que X tem uma inversa X−1 .

Como já sabemos que S2 é uma superfı́cie regular, obteremos, pela proposição 1.4 que de-
monstraremos em breve, que X−1 é contı́nua.

Logo, X : U −→ S2 − C é uma parametrização de S2 que cobre toda a esfera menos o semi-


cı́rculo C.
Podemos cobrir a esfera toda considerando outra parametrização. De fato, seja Y : V −→ R3 a
aplicação
Y(θ, ϕ) = (sen θ cos ϕ, cos θ, sen θ sen ϕ) ,

onde
V = {(θ, ϕ) ∈ R2 | − π < θ < 0 e 0 < ϕ < 2π}.

Então Y(V) = S2 − C 0 , onde C 0 é o semi-cı́rculo:

C 0 = {(x, y, z) ∈ §2 | x ≤ 0 e z = 0} .

De modo análogo ao feito para X, podemos provar que Y é uma parametrização de S2 . Temos
também que X(U) ∪ Y(V) = S2 . 

O exemplo 1.1 mostra que verificar que um dado subconjunto S de R3 é uma superfı́cie regular,
a partir da definição, pode ser muito trabalhoso. Antes de prosseguirmos com os exemplos,
apresentaremos duas proposições que simplificarão essa tarefa.

Proposição 1.1 Se f : U −→ R é uma função diferenciável definida no aberto U de R2 ,


então o seu gráfico

Graf (f) = {(x, y, z) ∈ R3 | (x, y) ∈ U e z = f(x, y)} ,

é uma superfı́cie regular.

Prova.
Sejam S = Graf (f) e a aplicação X : U −→ S = S ∩ R3 dada por X(u, v) = (u, v, f(u, v)).

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Geometria Diferencial

Então a aplicação X é diferenciável e dX(u,v) : R2 −→ R3 é injetora para todo (u, v) ∈ U, pois



1 0
∂(x, y)
(u, v) = 6= 0 .

∂(u, v) 0 1

Além disso, X é uma bijeção e X−1 = π|S é contı́nua, onde π : R3 −→ R2 , π(x, y, z) = (x, y), é a
projeção sobre o plano-xy.
Logo, S = Graf (f) é uma superfı́cie regular. 

Exemplo 1.2 Sejam p0 ∈ R3 e a, b ∈ R3 vetores LI. Então o plano


π = {p0 + λa + µb | λ, µ ∈ R} ,

que passa pelo ponto p0 e é paralelo aos


vetores a e b, é uma superfı́cie regular.
De fato, seja N = a ∧ b o vetor normal ao
plano π.
Então

π = {p ∈ R3 | hp − p0 , Ni = 0} .

Sendo N = (A, B, C), temos que

π = {(x, y, z) ∈ R3 | Ax + By + Cz = D} , D−Ax−By
Fig. 6: O plano π visto como gráfico de f(x, y) = C
.

onde D = hp0 , Ni.


Como N 6= (0, 0, 0), temos que A 6= 0 ou B 6= 0 ou C 6= 0.

Se C 6= 0, por exemplo, π é o gráfico da função diferenciável f : R2 −→ R dada por:

D − Ax − By
f(x, y) = .
C

Portanto, pela proposição 1.1, π é uma superfı́cie regular. 

Exemplo 1.3 O parabolóide elı́ptico



x2 y2
P= (x, y, z) ∈ R | z = 2 + 2
3
,
a b

onde a e b são constantes positivas, é uma superfı́cie regular.

88 J. Delgado - K. Frensel
Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

De fato, P = Graf (f), onde f : R2 −→ R é a função diferenciável dada por

x2 y2
f(x, y) = + .
a2 b2 

x2 y2 y2 x2
Fig. 7: Parabolóide elı́ptico P gráfico de f(x, y) = a2
+ b2
Fig. 8: Parabolóide hiperbólico H gráfico de f(x, y) = −
b2 a2

Exemplo 1.4 O parabolóide hiperbólico



y2 x2
H= (x, y, z) ∈ R | z = 2 − 2
3
,
b a

onde a e b são constantes positivas, é uma superfı́cie regular.

Com efeito, H é o gráfico da função diferenciável f : R2 −→ R dada por

y2 x2
f(x, y) = − .
b2 a2 

Antes de enunciarmos a proposição 1.2, precisamos da seguinte definição:

Definição 1.2 Seja F : U −→ Rm uma aplicação diferenciável definida no aberto U de Rn .


Dizemos que p0 ∈ U é um ponto crı́tico de F se a diferencial dFp0 : Rn −→ Rm não é sobreje-
tora.
Um ponto b ∈ Rm é um valor crı́tico de F se existe um ponto crı́tico p0 ∈ U tal que F(p0 ) = b.
Um ponto a ∈ Rm que não é um valor crı́tico de F é chamado um valor regular de F, isto é, dFp
é sobrejetora para todo p ∈ F−1 (a).

Observação 1.2 Pela própria definição, se a ∈/ F(U), então a é um valor regular de F.

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Geometria Diferencial

Observação 1.3 Seja f : U ⊂ R3 −→ R uma função diferenciável. Então dfp (e1 ) = fx (p),
dfp (e2 ) = fy (p) e dfp (e3 ) = fz (p). Portanto, dizer que dfp : R3 −→ R não é sobrejetora equivale
a dizer que fx (p) = fy (p) = fz (p) = 0.

Logo, a ∈ f(U) é um valor regular de f se, e só se, fx , fy e fz não se anulam simultaneamente
em qualquer ponto do conjunto f−1 (a) = {(x, y, z) ∈ U | f(x, y, z) = a}, chamado a pré-imagem
ou imagem inversa do ponto a.

Para provarmos a proposição 1.2 precisamos também do Teorema da Aplicação Inversa.

Teorema 1.1 (Teorema da Aplicação Inversa)


Sejam U ⊂ Rn um aberto e f : U −→ Rn uma aplicação de classe Ck , k ≥ 1, tal que, num
ponto p0 ∈ U, dfp0 : Rn −→ Rn é um isomorfismo linear. Então existe um aberto V ⊂ U tal que
p0 ∈ V, W = f(V) é aberto e f : V −→ W é um difeomorfismo de classe Ck .

Proposição 1.2 Se f : U −→ R é uma função diferenciável definida no aberto U de R3 e


a ∈ f(U) é um valor regular de f, então f−1 (a) é uma superfı́cie regular em R3 .

Prova.
Seja p0 = (x0 , y0 , z0 ) um ponto de f−1 (a). Como a é um valor regular de f, temos que

grad f(p0 ) = (fx (p0 ), fy (p0 ), fz (p0 )) 6= (0, 0, 0) .

Suponhamos que fz (p0 ) 6= 0 e consideremos a aplicação F : U −→ R3 dada por

F(x, y, z) = (x, y, f(x, y, z)) .

Como
 
1 0 0
dFp0 =  0 1 0 ,
 

fx (p0 ) fy (p0 ) fz (p0 )

temos que det(dFp0 ) = fz (p0 ) 6= 0. Logo, dFp0 : R3 −→ R3 é um isomorfismo.

Pelo Teorema da Aplicação Inversa, existe um aberto V ⊂ U tal que p0 ∈ V, W = F(V) é um


aberto de R3 , com F(p0 ) = (x0 , y0 , a) ∈ W, e F : V −→ W é um difeomorfismo de classe C∞ .

Então F−1 : W −→ V, dada por

F−1 (u, v, t) = (x(u, v, t), y(u, v, t), z(u, v, t)) ,

90 J. Delgado - K. Frensel
Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

é diferenciável e x(u, v, t) = u, y(u, v, t) = v, pois

(u, v, t) = F ◦ F−1 (u, v, t) = (x(u, v, t), y(u, v, t), f(x(u, v, t), y(u, v, t), z(u, v, t))) ,

para todo u, v, t ∈ W.

Afirmação: F(f−1 (a) ∩ V) = W ∩ {(u, v, t) | t = a}

Fig. 9:

De fato, seja (u, v, a) ∈ W ∩ {(u, v, t) | t = a}.


Então existe (x, y, z) ∈ V tal que (u, v, a) = F(x, y, z) = (x, y, f(x, y, z)). Logo, f(x, y, z) = a, ou
seja, (x, y, z) ∈ f−1 (a) ∩ V.

Portanto, (u, v, a) = F(x, y, z) ∈ F(f−1 (a) ∩ V).

Seja (x, y, z) ∈ f−1 (a) ∩ V. Assim, F(x, y, z) = (x, y, a) ∈ W ∩ {(u, v, t) | t = a}. 

Diminuindo V, se necessário, podemos tomar W = (x0 −ε, x0 +ε)×(y0 −ε, y0 +ε)×(a−ε, a+ε),
onde ε > 0.
Seja h : U0 −→ R a função diferenciável dada por h(x, y) = z(x, y, a), onde

U0 = (x0 − ε, x0 + ε) × (y0 − ε, y0 + ε) .

Logo, f−1 (a) ∩ V é o gráfico da função h, pois

f−1 (a) ∩ V = F−1 (W ∩ {(x, y, t) ∈ R3 | t = a}) = {F−1 (x, y, a) | (x, y) ∈ U0 }


= {(x, y, h(x, y)) | (x, y) ∈ U0 } = Graf (h) .

Assim, f−1 (a) ∩ V é um aberto de f−1 (a) e a aplicação X : U0 −→ f−1 (a) ∩ V, dada por
X(x, y) = (x, y, h(x, y)) é, pela proposição 1.1, uma parametrização de f−1 (a) em p0 .

Portanto, f−1 (a) é uma superfı́cie regular, pois todo ponto p ∈ f−1 (a) pode ser coberto por uma
vizinhança coordenada. 

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Geometria Diferencial

Exemplo 1.5 O elipsóide


(x − x0 )2 (y − y0 )2 (z − z0 )2
E: + + = 1,
a2 b2 c2

é uma superfı́cie regular.

De fato, considere a função diferenciável F : R3 −→ R dada por

(x − x0 )2 (y − y0 )2 (z − z0 )2
F(x, y, z) = + + − 1.
a2 b2 c2

Então
 
2(x − x0 ) 2(y − y0 ) 2(z − z0 )
grad F(x, y, z) = , , = (0, 0, 0)
a2 b2 c2

se, e somente se, (x, y, z) = (x0 , y0 , z0 ).

Logo, F−1 (0) = E é uma superfı́cie regular, pois 0 é um valor regular de F, uma vez que o único
ponto crı́tico de F, (x0 , y0 , z0 ), não pertence a F−1 (0).

Fig. 10: Elipsóide E

Em particular, E é a esfera de centro (x0 , y0 , z0 ) e raio r > 0 quando a = b = c = r. 

Vamos rever agora algumas noções da Topologia de Rn .

Definição 1.3 Um subconjunto X ⊂ Rn é conexo se X não pode ser escrito como uma
reunião de dois abertos (em X) disjuntos e não-vazios.
Ou seja, se X = A ∪ B e A ∩ B = ∅, onde A = X ∩ U, B = X ∩ V, U e V abertos em Rn , então
A = ∅ ou B = ∅.

92 J. Delgado - K. Frensel
Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

Definição 1.4 Um subconjunto X ⊂ Rn é conexo por caminhos se para todo par de pontos
p, q ∈ X existe um caminho contı́nuo α : [0, 1] −→ X tal que α(0) = p e α(1) = q.

Definição 1.5 Um subconjunto X ⊂ Rn é localmente conexo por caminhos se para todo


p ∈ X existe um aberto V ⊂ Rn tal que p ∈ V e V ∩ X é conexo por caminhos.

Observação 1.4 Toda superfı́cie regular S é localmente conexa por caminhos.


De fato, dado p ∈ S, existem um aberto U ⊂ R2 , um aberto V ⊂ R3 e X : U −→ V ∩ S uma
parametrização de S em p.
Seja δ > 0 tal que B(q; δ) ⊂ U, onde X(q) = p. Então X(B(p; δ)) é um aberto em S conexo
por caminhos de S, pois B(p; δ) é convexo (logo, conexo por caminhos) e X é uma aplicação
aberta, uma vez que é um homeomorfismo.

Teorema 1.2 Seja X ⊂ Rn localmente conexo por caminhos. Então

X é conexo ⇐⇒ X é conexo por caminhos .

Corolário 1.1 Seja S ⊂ R3 uma superfı́cie regular. Então

S é conexa ⇐⇒ S é conexa por caminhos .

Observação 1.5 Seja S uma superfı́cie regular conexa. Se a função f : S −→ R é contı́nua,


então f(S) é um intervalo. Logo, se f(p) 6= 0 para todo p ∈ S, então f não muda de sinal em S.
De fato, sejam t0 , t1 ∈ f(S), com t0 < t1 e p0 , p1 ∈ S tais que f(p0 ) = t0 e f(p1 ) = t1 . Como
S é conexa por caminhos, existe um caminho α : [0, 1] −→ S contı́nuo tal que α(0) = p0 e
α(1) = p1 .
Então, como f ◦ α : [0, 1] −→ R é contı́nua, f ◦ α(0) = t0 e f ◦ α(1) = t1 , temos, pelo Teorema
do Valor Intermediário, que

[t0 , t1 ] ⊂ f ◦ α([0, 1]) = f(α([0, 1])) ⊂ f(S) ,

provando, assim, que f(S) é um intervalo da reta.

Exemplo 1.6 O hiperbolóide de duas folhas

x2 y2 z2
H:− − + = 1,
a2 b2 c2

é uma superfı́cie regular desconexa.

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Geometria Diferencial

De fato, consideremos a função diferenciável f : R3 −→ R dada por

x2 y2 z2
f(x, y, z) = − 2
− 2 + 2 − 1.
a b c

Como
 2x 2y 2z 
grad f(x, y, z) = − 2 , − 2 , 2 = (0, 0, 0)
a b c

/ f−1 (0), temos que 0 é valor regular de f.


se, e somente se, x = y = z = 0, e (0, 0, 0) ∈

Fig. 11: Hiperbolóide de duas folhas H

Portanto, H = f−1 (0) é uma superfı́cie regular que é desconexa, pois

H = H+ ∪ H− ,

onde
H+ = H ∩ {(x, y, z) ∈ R3 | z > 0} e H− = H ∩ {(x, y, z) ∈ R3 | z < 0}

são abertos disjuntos de H. 

Exemplo 1.7 O toro de revolução T é a ”superfı́cie”obtida pela rotação do cı́rculo



(y − a)2 + z2 = r2
C:
x = 0

de centro (0, a, 0) e raio r > 0, a > r, no plano-yz, em torno do eixo-Oz.

94 J. Delgado - K. Frensel
Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

Fig. 12: Construção do toro de revolução

Então P = (x, y, z) ∈ T se, e só se, existe P 0 = (0, y 0 , z 0 ) ∈ C tal que P e P 0 estão sobre o
mesmo paralelo de centro c 0 = (0, 0, z) = (0, 0, z 0 ).
p
Logo z = z 0 e d(P, c 0 ) = d(P 0 , c 0 ), ou seja, x2 + y2 = |y 0 | = y 0 , pois y 0 > 0 para todo
(0, y 0 , z 0 ) ∈ C.

Assim, como (y 0 − a)2 + (z 0 )2 = r2 , temos que

p 2
x2 + y2 − a + z2 = r2

é a equação cartesiana de T .

Consideremos a função F : R3 − {0} −→ R de classe C∞ dada por

p 2
F(x, y, z) = x2 + y2 − a + z2 .

Então, como
p  p 
∂F 2 x 2 + y2 − a x ∂F 2 x2 + y2 − a y ∂F
(x, y, z) = p , (x, y, z) = p , (x, y, z) = 2z ,
∂x x2 + y2 ∂y x2 + y2 ∂z

∂F ∂F ∂F
segue que (x, y, z) = (x, y, z) = (x, y, z) = 0 se, e só se, x2 + y2 = a2 e z = 0, ou seja,
∂x ∂y ∂z
se, e só se, F(x, y, z) = 0.

Logo, r2 é um valor regular de F e F−1 (r2 ) = T é uma superfı́cie regular. 

A proposição abaixo fornece uma recı́proca local da proposição 1.1, isto é, toda superfı́cie
regular é localmente o gráfico de uma função diferenciável.

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Geometria Diferencial

Proposição 1.3 Sejam S ⊂ R3 uma superfı́cie regular e p ∈ S. Então existe um aberto V em


S, com p ∈ V, tal que V é o gráfico de uma função diferenciável que tem uma das seguintes
formas:
z = f(x, y) , y = g(x, z) , x = h(y, z) .

Prova.
Seja X : U −→ S uma parametrização de S em p. Então um dos Jacobianos

∂(x, y) ∂(y, z) ∂(x, z)


(q) , (q) ou (q)
∂(u, v) ∂(u, v) ∂(u, v)

é diferente de zero, onde X(q) = p.


∂(x, y)
Suponhamos que (q) 6= 0 e consideremos a aplicação diferenciável
∂(u, v)

π ◦ X : U −→ R2 , π ◦ X(u, v) = (x(u, v), y(u, v)) .

∂(x, y)
Como (q) 6= 0, temos que dq (π ◦ X) : R2 −→ R2 é um isomorfismo. Logo, pelo Teorema
∂(u, v)
da Aplicação Inversa, existem abertos V1 ⊂ U e V2 ⊂ R2 , com q ∈ V1 e π ◦ X(q) ∈ V2 tais que
π ◦ X : V1 −→ V2 é um difeomorfismo de classe C∞

Fig. 13:

Então X(V1 ) = V é um aberto de S com p ∈ V e π|X(V1 ) : X(V1 ) −→ V2 é um homeomorfismo,


pois X : V1 −→ X(V1 ) = V é um homeomorfismo.

Seja (π ◦ X)−1 : V2 −→ V1 , (π ◦ X)−1 (x, y) = (u(x, y), v(x, y)).

Como (π ◦ X)−1 é um difeomorfismo C∞ , ϕ = X ◦ (π ◦ X)−1 : V2 −→ X(V1 ) = V é um homeo-


morfismo diferenciável sobre X(V1 ) = V, tal que

ϕ(x, y) = (x, y, z(u(x, y), v(x, y))) ,

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Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

para todo (x, y) ∈ V2 .


Isto é, V é o gráfico da função diferenciável f : V2 −→ R dada por
f(x, y) = z(u(x, y), v(x, y)) . 

A proposição abaixo, que já utilizamos no exemplo 1.1, só será provada na seção 2.

Proposição 1.4 Sejam S ⊂ R3 uma superfı́cie regular e p ∈ S. Seja X : U −→ S uma


aplicação definida no aberto U de R2 com p ∈ X(U), tal que:

• X : U −→ R3 é diferenciável;
• dXq : R2 −→ R3 é injetora para todo q ∈ U;

• X : U −→ X(U) é uma bijeção.

Então X(U) = V é um aberto de S e X−1 : X(U) −→ U é contı́nua, isto é, X : U −→ X(U) é uma
parametrização de S em p.

Exemplo 1.8 O cone C de uma folha dado por


p
z= x2 + y2

não é uma superfı́cie regular

Não podemos concluir isto só pelo fato da ”parametrização


natural”de C dada por
p
(x, y) 7−→ (x, y, x2 + y 2 )

não ser diferenciável na origem, pois poderia existir outra


parametrização em p = (0, 0, 0) satisfazendo as condições
da definição 1.1. Provaremos que isto não ocorre, utilizando
a proposição 1.3.
De fato, se C fosse uma superfı́cie regular, existiria, pela
proposição 1.3, um aberto V ⊂ S com (0, 0, 0) ∈ V, que Fig. 14: Cone de uma folha C
seria o gráfico de uma função diferenciável de uma das três formas:

z = f(x, y) , y = g(x, z) , ou x = h(y, z) ,

definida num aberto U ⊂ R2 com (0, 0) ∈ U.


A função não pode ser da forma y = g(x, z) nem da forma x = h(y, z), pois numa vizinhança
da origem (0, 0, 0) as projeções de C sobre os planos xz e yz não são injetoras. E também não

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Geometria Diferencial

p
pode ser da forma z = f(x, y) numa vizinhança da origem, pois terı́amos f(x, y) = x2 + y2
que não é diferenciável em (0, 0). 

Exemplo 1.9 Uma parametrização para o toro T do exemplo 1.7 pode ser dada pela aplicação
X : (0, 2π) × (0, 2π) −→ R3 , onde

X(u, v) = ( (a + r cos u) cos v, (a + r cos u) sen v, r sen u) .

De fato, X é diferenciável e
 
−r sen u cos v −(a + r cos u) sen v
dX(u,v) = −r sen u sen v (a + r cos u) cos v  .
 

r cos u 0

Logo

kXu ∧ Xv k2 = k(−(a + r cos u)r cos u cos v, −(a + r cos u)r cos u sen v, −(a + r cos u)r sen u)k2
= (a + r cos u)2 r2 > 0 ,

para todo (u, v) ∈ (0, 2π) × (0, 2π), pois a > r > 0.

Portanto, dX(u,v) : R2 −→ R3 é injetora para todo (u, v).

Provaremos agora que X é injetora.


Sejam (u1 , v1 ), (u2 , v2 ) ∈ (0, 2π) × (0, 2π) tais que X(u1 , v1 ) = X(u2 , v2 ), isto é,

(a + r cos u1 ) cos v1 = (a + r cos u2 ) cos v2 (1)


(a + r cos u1 ) sen v1 = (a + r cos u2 ) sen v2 (2)
r sen u1 = r sen u2 . (3)

Então, por (1) e (2), temos que:

(a + r cos u1 )2 (cos2 v1 + sen2 v1 ) = (a + r cos u2 )2 (cos2 v2 + sen2 v2 )


⇐⇒ (a + r cos u1 )2 = (a + r cos u2 )2
a>r
⇐⇒ a + r cos u1 = a + r cos u2
⇐⇒ cos u1 = cos u2

Logo u1 = u2 , pois sen u1 = sen u2 , por (3) e u1 , u2 ∈ (0, 2π).


Assim, como a + r cos u1 = a + r cos u2 6= 0, temos, por (1) e (2), que cos v1 = cos v2 e
sen v1 = sen v2 . Logo v1 = v2 , pois v1 , v2 ∈ (0, 2π).

98 J. Delgado - K. Frensel
Superfı́cies Regulares; Pré-imagens de valores regulares

Como já provamos que T é uma superfı́cie regular no exemplo 1.7, temos, pela proposição
1.4, que X : U −→ V1 = T − (C1 ∪ C2 ) é uma parametrização de T , onde

C1 = {(x, y, z) ∈ R3 | y = 0 e (x − a)2 + z2 = r2 } ,

e C2 = {(x, y, z) ∈ R3 | z = 0 e x2 + y2 = (a + r)2 } . 

Fig. 15: As curvas u = const são os paralelos e as crvas v = const são os h meridianos
i do toro T . O paralelo u = u0 é o cı́rculo hde centro
i
(0, 0, r sen u0 ) e raio a + r cos u0 contido no plano z = r sen u0 . Se u0 ∈ π 3π
cos u0 ∈ [a − r, a], e se u0 ∈ 0, π ∪ 3π
ˆ ˜
,
2 2
, a + r 2 2
, 2π ,
a + r cos u0 ∈ [a, a + r]

Observação 1.6 O toro T pode ser coberto por três parametrizações do tipo acima.
π π 
De fato, a aplicação X2 : (π, 3π) × , + 2π −→ V2 , dada por
2 2

X2 (u, v) = ((a + r cos u) cos v, (a + r cos u) sen v, r sen u) ,

Fig. 16: Parametrização X2 de T com V2 = T − (D1 ∪ D2 ). A parametrização X3 é visualizada de maneira similar

Instituto de Matemática - UFF 99


Geometria Diferencial

é uma parametrização de T tal que V2 = T − (D1 ∪ D2 ), onde

D1 = {(x, y, z) ∈ R3 | x = 0 e (y − a)2 + z2 = r2 }
D2 = {(x, y, z) ∈ R3 | z = 0 e x2 + y2 = (a − r)2 } .

Logo, V1 ∩V2 = {(a−r, 0, 0) , (0, a+r, 0)}. Para cobrir todo o toro, basta tomar a parametrização
π π 
X3 : , + 2π × (π, 3π) −→ V3 ,
2 2

X3 (u, v) = ((a + r cos u) cos v, (a + r cos u) sen v, r sen u) ,

onde V3 = T − (E1 ∪ E2 ), onde

E1 = {(x, y, z) ∈ R3 | z = r e x2 + y2 = a2 }

E2 = {(x, y, z) ∈ R3 | y = 0 e (x + a)2 + z2 = 0} . 

2. Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre


Superfı́cies

Pela definição de superfı́cie regular, cada ponto P de uma superfı́cie regular S pertence a uma
vizinhança coordenada. Os pontos de uma tal vizinhança coordenada são caracterizados pe-
las suas coordenadas. Assim sendo, deverı́amos, em princı́pio, poder definir as propriedades
locais de uma superfı́cie em termos dessas coordenadas.
Mas, como um ponto p de S pode pertencer a várias vizinhanças coordenadas, para que uma
definição dada em função de suas coordenadas locais faça sentido, é necessário que ela não
dependa do sistema de coordenadas escolhido. Para isto, é fundamental mostrar que quando
um ponto pertence a duas vizinhanças coordenadas, com parâmetros (u, v) e (ξ, η), é possı́vel
passar de um destes pares de coordenadas ao outro através de uma aplicação diferenciável.

Seja p um ponto de uma superfı́cie regular S e sejam X : U ⊂ R2 −→ R3 , Y : V ⊂ R2 −→ R3


duas parametrizações de S tais que p ∈ X(U) ∩ Y(V) = W.

Como X e Y são homeomorfismos, temos que W é um aberto de S e, portanto, X−1 (W) e


Y −1 (W) são abertos de R2 .

100 J. Delgado - K. Frensel


Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre Superfı́cies

Fig. 17: Coordenadas diferentes em torno do ponto p

Se X e Y são dadas por

X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)) , (u, v) ∈ U ,


Y(ξ, η) = (x(ξ, η), y(ξ, η), z(ξ, η)) , (ξ, η) ∈ V ,

então a mudança de parâmetros h = X−1 ◦ Y : Y −1 (W) −→ X−1 (W), dada por

h(ξ, η) = (u(ξ, η), v(ξ, η)) ,

é um homeomorfismo com inversa h−1 = Y −1 ◦ X : X−1 (W) −→ Y −1 (W) ,

h−1 (u, v) = (ξ(u, v), η(u, v)) .

Proposição 2.1 (Mudança de Parâmetros)


A aplicação h = X−1 ◦ Y : Y −1 (W) −→ X−1 (W) é um difeomorfismo C∞ .

Prova.
Seja r ∈ Y −1 (W) e tome q = h(r) ∈ X−1 (W). Então Y(r) = X(q) ∈ W.
Como X : U −→ X(U) é uma parametrização, temos que

∂(x, y) ∂(x, z) ∂(y, z)


(q) 6= 0 ou (q) 6= 0 ou (q) 6= 0 .
∂(u, v) ∂(u, v) ∂(u, v)

∂(x, y)
Suponhamos que (q) 6= 0.
∂(u, v)

Estendemos X a uma aplicação F : U × R −→ R3 dada por

F(u, v, t) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v) + t) .

Instituto de Matemática - UFF 101


Geometria Diferencial

Fig. 18: Extensão de X a F

Geometricamente, F aplica um cilindro vertical C sobre U em um ”cilindro vertical”sobre X(U),


levando cada seção de C com altura t na superfı́cie X(u, v) + te3 , onde e3 = (0, 0, 1).
Então F é diferenciável, F(u, v, 0) = X(u, v) para todo (u, v) ∈ U, e o determinante da diferencial
dF(q,0) é diferente de zero, pois

∂x ∂x

∂u 0
∂v
∂y ∂y ∂(x, y)
0 (q) = (q) 6= 0 .
∂u ∂v ∂(u, v)
∂z ∂z

1


∂u ∂v

Pelo Teorema da Aplicação Inversa, existem um aberto U0 ⊂ U ⊂ R2 , com q ∈ U0 , ε > 0 e um


aberto M ⊂ R3 tais que
F : U0 × (−ε, ε) −→ M
é um difeomorfismo C∞ .
Então X(U0 ) = F(U0 × {0}) é um aberto de S contido no aberto M de R3 , tal que X(q) ∈ X(U0 ).

Além disso, X−1 = π ◦ F−1 |X(U0 ) : X(U0 ) −→ U0 , onde π : R3 −→ R3 , π(u, v, t) = (u, v), pois

π ◦ F−1 |X(U0 ) ◦ X(u, v) = π ◦ F−1 |X(U0 ) (F(u, v, 0)) = π(u, v, 0) = (u, v) .




Logo X−1 : X(U0 ) −→ U0 é a restrição a X(U0 ) da aplicação π ◦ F−1 diferenciável definida no


aberto M ⊂ R3 .
Tomemos U1 = X−1 (W) ∩ U0 .

Então q ∈ U1 , W1 = X(U1 ) ⊂ W é um aberto de S e V1 = Y −1 (W1 ) é um aberto de R2 tal que


V1 ⊂ Y −1 (W), r ∈ V1 e Y(V1 ) = X(U1 ) = W1 .

Logo, h : V1 −→ U1 é dada por h = π ◦ F−1 ◦ Y.

Como Y : V1 −→ R3 e π ◦ F−1 : M −→ R3 são aplicações diferenciáveis (C∞ ) tais que Y(V1 ) =

102 J. Delgado - K. Frensel


Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre Superfı́cies

W1 ⊂ M, temos que h é diferenciável em V1 , com r ∈ V1 .

Sendo r ∈ Y −1 (W) arbitrário, h : Y −1 (W) −→ X−1 (W) é diferenciável em Y −1 (W).

De modo análogo, podemos provar que h−1 = Y −1 ◦ X : X−1 (W) −→ Y −1 (W) é diferenciável em
X−1 (W). Logo h : Y −1 (W) −→ X−1 (W) é um difeomorfismo C∞ . 

Daremos agora uma definição do que se entende por função diferenciável em uma superfı́cie
regular.

Definição 2.1 Seja f : V −→ R uma função definida num subconjunto aberto V de uma
superfı́cie regular S. Dizemos que f : V −→ R é diferenciável em p ∈ V se, para alguma
parametrização X : U ⊂ R2 −→ R3 de S em p, com X(q) = p, q ∈ U, e X(U) ⊂ V, a composta
f ◦ X : U ⊂ R2 −→ R é diferenciável em q = X−1 (p).
A função f : V −→ R é diferenciável em V se é diferenciável em todos os pontos de V.

Observação 2.1 A definição acima independe da escolha da parametrização X.


De fato, seja Y : U1 ⊂ R2 −→ R3 uma outra parametrização de S em p, com Y(r) = p, r ∈ U1 e
Y(U1 ) ⊂ V.

Sejam W = X(U) ∩ Y(U1 ), p ∈ W, U10 = Y −1 (W) e U 0 = X−1 (W).

Então, se h = X−1 ◦ Y : U10 −→ U 0 , temos que f ◦ Y = f ◦ X ◦ h em U10 , com r ∈ U10 .

Como, por hipótese, f◦X : U 0 −→ R é diferenciável em q e, pela proposição 2.1, h : U10 −→ U 0 é


um difeomorfismo C∞ , temos que f◦Y : U10 −→ R é diferenciável em r. Portanto, f◦Y : U1 −→ R
é diferenciável em r.

Observação 2.2 Na demonstração da proposição 2.1, utilizamos o fato de que a inversa de


uma parametrização é contı́nua. Como precisamos da proposição 2.1 para podemros definir
funções diferenciáveis em superfı́cies, não podemos prescindir desta condição na definição de
uma superfı́cie regular.

Observação 2.3 Sejam S uma superfı́cie regular, V um subconjunto aberto de R3 tal que
S ⊂ V e f : V −→ R uma função diferenciável.
Então f : S −→ R é uma função diferenciável.

De fato, sejam p ∈ S e X : U ⊂ R2 −→ X(U) uma parametrização de S em p.


Então f ◦ X : U −→ R é uma função diferenciável, pois é a composta de duas funções dife-
renciáveis definidas em abertos do espaço euclidiano (R2 e R3 , respectivamente).

Instituto de Matemática - UFF 103


Geometria Diferencial

Exemplo 2.1 A função altura relativa a um vetor unitário v ∈ R3 , h : S −→ R, dada por


h(p) = hp , vi, é uma função diferenciável em qualquer superfı́cie regular S de R3 , pois
h : R3 −→ R é diferenciável em R3 .

Fig. 19: Altura h(p) do ponto p ∈ S

h(p) é a altura de p ∈ S relativa ao plano normal a v que passa pela origem. 

Exemplo 2.2 A função f : S −→ R, f(p) = kp − p0 k2 , que mede o quadrado da distância de


p a um ponto fixo p0 ∈ R3 , é diferenciável em toda superfı́cie regular S de R3 , pois f : R3 −→ R
é diferenciável em R3 .
Mas a função g : S −→ R, g(p) = kp − p0 k, é diferenciável na superfı́cie S se, e só se, p0 6∈ S,
pois g : R3 −→ R é diferenciável em todos os pontos p ∈ R3 − {p0 } e não é diferenciável em p0 .


A definição de diferenciabilidade pode ser


estendida a aplicações entre superfı́cies.

Definição 2.2 Sejam S1 , S2 superfı́cies


regulares e V1 um subconjunto aberto de
S1 . Dizemos que uma aplicação contı́nua
ϕ : V1 −→ S2 é diferenciável em p ∈ V se
existem parametrizações

X1 : U1 ⊂ R2 −→ S1 e X2 : U2 ⊂ R2 −→ S2

tais que p ∈ X1 (U1 ), X1 (U1 ) ⊂ V1 , Fig. 20: Diferenciabilidade de ϕ em p.

ϕ(X1 (U1 )) ⊂ X2 (U2 ) e a aplicação

X−1
2 ◦ ϕ ◦ X1 : U1 −→ U2

é diferenciável em q = X−1
1 (p).

104 J. Delgado - K. Frensel


Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre Superfı́cies

Observação 2.4 A existência de parametrizações X1 e X2 que satisfazem a condição


ϕ(X1 (U1 )) ⊂ X2 (U2 ) segue da continuidade da aplicação ϕ.
De fato, sejam X1 : U −→ X1 (U) uma parametrização de S1 em p e X2 : U2 −→ X2 (U2 ) uma
parametrização de S2 em ϕ(p).
Como ϕ é contı́nua e X2 (U2 ) é um aberto de S2 que contém ϕ(p), existe um aberto V10 ⊂ V1
tal que p ∈ V10 e ϕ(V10 ) ⊂ X2 (U2 ). Basta, então, considerar o aberto U1 = X−1 0
1 (X1 (U) ∩ V1 ) para
termos p ∈ X1 (U1 ), X1 (U1 ) ⊂ V1 e

ϕ(X1 (U1 )) = ϕ(X1 (U) ∩ V10 ) ⊂ ϕ(V10 ) ⊂ X2 (U2 ) .

Observação 2.5 A definição dada acima não depende das parametrizações X1 e X2 .


De fato, sejam Y1 : W1 −→ Y1 (W1 ) uma parametrização de S1 em p e Y2 : W2 → Y2 (W2 ) uma
parametrização de S2 em ϕ(p) tais que ϕ(Y1 (W1 )) ⊂ Y2 (W2 ).

Seja W10 = Y1−1 (Y1 (W1 ) ∩ X1 (U1 )). Então W10 é um subconjunto aberto de W1 que contém
0
Y1−1 (p) e (Y2−1 ◦ X2 ) ◦ X−1 −1 −1
2 ◦ ϕ ◦ X1 ◦ (X1 ◦ Y1 ) está bem definida em W1 = Y1 (W0 ), onde
0
W0 = Y1 (W1 ) ∩ X1 (U1 ), pois X−1 −1 −1
1 ◦ Y1 está definida em W1 = Y1 (W0 ), e Y2 ◦ X2 está definida

em X−1
2 (W0 ), onde W0 = Y2 (W2 ) ∩ X2 (U2 ),
f f

0
X−1 −1 −1 −1 f
2 ◦ ϕ ◦ X1 ◦ (X1 ◦ Y1 )(W1 ) = X2 ◦ ϕ(W0 ) ⊂ X2 (W0 ) ,

já que
ϕ(W0 ) = ϕ(Y1 (W1 ) ∩ X1 (U1 )) ⊂ Y2 (W2 ) ∩ X2 (U2 ) = W
f0 .

Então, como

Y2−1 ◦ ϕ ◦ Y1 = (Y2−1 ◦ X2 ) ◦ X−1 −1


2 ◦ ϕ ◦ X1 ◦ (X1 ◦ Y1 ) , em W10 = Y1−1 (W0 ),

0
X−1 −1 −1 −1 f
1 ◦ Y1 é diferenciável em W1 = Y1 (W0 ), Y2 ◦ X2 é diferenciável em X2 (W0 ) e, por hipótese,
0
X−1 −1 −1 −1 f
2 ◦ ϕ ◦ X1 é diferenciável em q = X1 (p), temos que Y2 ◦ ϕ ◦ Y1 : W1 −→ X2 (W0 ) é

diferenciável em (X−1 −1 −1 −1
1 ◦ Y1 ) (q) = Y1 (X1 (q)) = Y1 (p) .

Logo, Y2 ◦ ϕ ◦ Y1 : W1 −→ W2 é diferenciável em Y1−1 (p).

Definição 2.3 Dizemos que duas superfı́cies regulares S1 e S2 são difeomorfas quando
existe uma bijeção diferenciável ϕ : S1 −→ S2 com inversa ϕ−1 : S2 −→ S1 diferenciável.
Uma tal ϕ é chamada um difeomorfismo de S1 em S2 .

Instituto de Matemática - UFF 105


Geometria Diferencial

Observação 2.6 Toda parametrização X : U −→ X(U) de S é um difeomorfismo entre o


aberto U de R2 e o aberto X(U) de S.
De fato, como X : U −→ X(U) é uma parametrização de S e id : U −→ U, id(x) = x, é
parametrização de R2 , temos que X : U −→ X(U) é diferenciável em U, pois a aplicação
X−1 ◦ X ◦ id = id : U −→ U é diferenciável, e X−1 : X(U) −→ U é diferenciável em X(U), pois
id ◦ X−1 ◦ X = id : U −→ U é diferenciável.
Isto mostra que toda superfı́cie regular é localmente difeomorfa ao plano R2 .

Observação 2.7 Sejam S1 , S2 superfı́cies regulares, V um aberto de R3 e f : V −→ R3 uma


aplicação diferenciável tais que S1 ⊂ V e f(S1 ) ⊂ S2 . Então a restrição f : S1 −→ S2 é uma
aplicação diferenciável de S1 em S2 .

De fato, como f : V −→ R3 é diferenciável, temos que f : S1 −→ S2 é contı́nua.


Sejam p1 ∈ S1 , X1 : U1 −→ X1 (U1 ) parametrização de S1 em p1 e X2 : U2 −→ X2 (U2 )
parametrização de S2 em f(p) tais que f(X1 (U1 )) ⊂ X2 (U2 ).

Podemos supor (ver demonstração da proposição 2.1) que X−1


2 = F|X2 (U2 ) , onde F : W −→ R
2

é uma aplicação diferenciável definida num aberto W de R3 tal que X2 (U2 ) ⊂ W.

Logo, X−1
2 ◦f◦X1 = F◦f◦X1 é diferenciável em U1 , pois é a composta de aplicações diferenciáveis

definidas em abertos de R2 , R3 e R3 respectivamente.

Exemplo 2.3 Seja S uma superfı́cie regular simétrica em relação ao plano xy, isto é,
(x, y, z) ∈ S se, e só se, (x, y, −z) ∈ S.

Seja ϕ : R3 −→ R3 a aplicação dada por ϕ(x, y, z) = (x, y, −z).

Então ϕ é um difeomorfismo tal que ϕ−1 = ϕ.


Como ϕ(S) = S, temos que ϕ : S −→ S é também um difeomorfismo. 

Exemplo 2.4 Seja Rθ,z : R3 −→ R3 a rotação de um ângulo θ em torno do eixo Oz, e seja S
uma superfı́cie regular invariante por esta rotação, isto é, se p ∈ S então Rθ,z (p) ∈ S.
Então a restrição Rθ,z : S −→ S é uma aplicação diferenciável. 

Exemplo 2.5 Seja ϕ : R3 −→ R3 a aplicação dada por

ϕ(x, y, z) = (ax, by, cz) ,

onde a, b, c ∈ R − {0}.

106 J. Delgado - K. Frensel


Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre Superfı́cies

Então ϕ : R3 −→ R3 é um difeomorfı́smo.
Sejam
S2 = {(x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 + z2 = 1}
a esfera unitária e

x2 y2 z2
E= (x, y, z) ∈ R | 2 + 2 + 2 = 1
3
a b c

o elipsóide, duas superfı́cies regulares. Como ϕ(S2 ) = E, temos que a restrição ϕ : S2 −→ E é


um difeomorfismo. 

Observação 2.8 (Exercı́cio 13, pág. 97)


Seja f : V −→ R uma função definida num aberto V de uma superfı́cie regular S.

Então f : V −→ R é diferenciável em p ∈ V se, e só se, existem um aberto W de R3 , p ∈ W, e


uma função F : W −→ R diferenciável em p tal que f|V∩W = F|V∩W .

De fato, suponhamos que existem um aberto W ⊂ R3 , com p ∈ W, e uma função F : W −→ R


diferenciável em p tal que f|V∩W = F|V∩W .
Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p tal que X(U) ⊂ V ∩ W. Então f ◦ X = F ◦ X
é diferenciável em X−1 (p) e, portanto, pela definição 2.1, f é diferenciável em p.
Suponhamos agora que f : V −→ R é diferenciável em p, e seja X : U −→ X(U) uma
parametrização de S em p tal que X(U) ⊂ V e X−1 = G|X(U) , onde G : W0 −→ R2 é uma
aplicação diferenciável definida num aberto W0 de R3 tal que X(U) ⊂ W0 . Seja W = W0 ∩ V0 ,
onde V0 ∩ S = X(U) e V0 é um aberto de R3 . Então V ∩ W = V ∩ V0 ∩ W = X(U) ∩ W.

Logo, como f|V∩W = f|X(U)∩W = f ◦ X ◦ X−1 |X(U)∩W , temos que f|V∩W = f ◦ X ◦ G|V∩W , ou seja,
f|V∩W é a restrição a V ∩ W da função diferenciável f ◦ X ◦ G : W −→ R definida no aberto W
de R3 . 

• Se tivéssemos começado com essa definição de diferenciabilidade, poderı́amos ter defi-


nido uma superfı́cie regular S como um conjunto localmente difeomorfo ao R2 , isto é, para
todo p ∈ S, existem um aberto V de S com p ∈ V, um aberto U de R2 e uma aplicação
X : U −→ X(U) = V que é um difeomorfismo.
Vamos agora voltar à teoria das curvas a fim de tratá-las do ponto de vista deste capı́tulo, isto
é, como subconjuntos de R3 (ou de R2 ).

Definição 2.4 Uma curva regular em R3 (ou em R2 ) é um subconjunto C de R3 (resp. R2 )


com a seguinte propriedade: para cada ponto p ∈ C existem um aberto V de R3 (de R2 ), com

Instituto de Matemática - UFF 107


Geometria Diferencial

p ∈ V, um intervalo aberto I e um homeomorfismo diferenciável α : I −→ V ∩C tal que α 0 (t) 6= 0


para todo t ∈ I.

Observação 2.9 A mudança de parâmetro é um difeomorfismo.


Vamos provar este resultado para o caso em que C é uma curva de R3 . Quando C é uma curva
plana, a demonstração é similar e fica como exercı́cio.
De fato, sejam α : I ⊂ R −→ α(I) e β : J −→ β(J) parametrizações de C em p e W = α(I) ∩ β(J)
um aberto de C que contém p.

Mostraremos que h = β−1 ◦ α : α−1 (W) −→ β−1 (W) é um difeomorfismo C∞ do aberto α−1 (W)
da reta sobre o aberto β−1 (W) da reta.

Seja t0 ∈ α−1 (W) e considere s0 = h(t0 ) ∈ β−1 (W) ⊂ J.


Como β 0 (s0 ) = (x 0 (s0 ), y 0 (s0 ), z 0 (s0 )) 6= (0, 0, 0), temos que x 0 (s0 ) 6= 0, y 0 (s0 ) 6= 0 ou z 0 (s0 ) 6= 0.
Vamos supor que z 0 (s0 ) 6= 0.

Estendemos β a uma aplicação F : J × R2 −→ R3 dada por F(s, ξ, η) = (x(s) + ξ, y(s) + η, z(s)).


Então F é diferenciável, F(s, 0, 0) = β(s) para todo s ∈ J e o determinante da diferencial dF(s0 ,0,0)
é diferente de zero, pois

x 0 (s0 ) 1 0

y (s0 ) 0 1 = z 0 (s0 ) 6= 0
0

z 0 (s0 ) 0 0

Logo, pelo Teorema da Aplicação inversa, existem um intervalo aberto J0 ⊂ J, com s0 ∈ J0 ,


um aberto U de R2 com (0, 0) ∈ U e um aberto M de R3 tais que F : J0 × U −→ M é um
difeomorfismo de classe C∞ .
Então β(J0 ) = F(J0 × {(0, 0)}) é um aberto de C contido no aberto M de R3 tal que β(s0 ) ∈ β(J0 ).

Além disso, β−1 = π ◦ F−1 |β(J0 ) : β(J0 ) −→ J0 , onde π : R3 −→ R, π(x, y, z) = x, pois π ◦


F−1 |β(J0 ) (β(s)) = (π ◦ F−1 )(F(s, 0, 0)) = π(s, 0, 0) = s. Ou seja, β−1 : β(J0 ) −→ J0 é a restrição a
β(J0 ) da aplicação diferenciável π ◦ F−1 definida no aberto M de R3 .

Podemos tomar o intervalo aberto J0 de modo que J0 ⊂ β−1 (W) e s0 ∈ J0 . Então W0 = β(J0 ) é
um aberto de C, pois β : β−1 (W) −→ W é um homeomorfismo.

Seja I0 = α−1 (W0 ). Então I0 é um subconjunto aberto de R tal que I0 ⊂ α−1 (W), t0 ∈ I0 e
α(I0 ) = W0 = β(J0 ).

Logo, como h = β−1 ◦ α = π ◦ F−1 ◦ α em I0 , temos que h é diferenciável em t0 .

108 J. Delgado - K. Frensel


Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre Superfı́cies

Como t0 ∈ α−1 (W) é arbitrário, temos que h = β−1 ◦ α : α−1 (W) −→ β−1 (W) é diferenciável.

De modo análogo, podemos provar que h−1 = α−1 ◦ β : β−1 (W) −→ α−1 (W) é diferenciável, e,
portanto, a mudança de parâmetro h : α−1 −→ β−1 (W) é um difeomorfismo C∞ .

Observação 2.10 Se uma propriedade de uma curva regular obtida a partir de uma pa-
rametrização independer desta parametrização, dizemos que ela é uma propriedade local da
curva.

Observação 2.11 (Exemplo 15, pág. 97)


O comprimento de arco, definido nos capı́tulos 1 e 2, independe da parametrização escolhida,
e é, portanto, uma propriedade local da curva.
De fato, sejam α : I ⊂ R −→ α(I) e β : J −→ β(J)
parametrizações de uma curva C num ponto p ∈ C e
seja W = α(I) ∩ β(J).
Sejam p0 6= p1 pontos distintos de uma das componen-
tes conexas de W; t0 , t1 ∈ α−1 (W); s0 , s1 ∈ β−1 (W)
tais que α(t0 ) = β(s0 ) = p0 e α(t1 ) = β(s1 ) = p1 . Fig. 21: p0 e p1 na mesma componente conexa de W

Seja h = β−1 ◦ α : α−1 (W) −→ β−1 (W) a mudança de parâmetro. Vamos supor t0 < t1 e definir
I 0 = [t0 , t1 ], J 0 = [s0 , s1 ] ou J 0 = [s1 , s0 ], conforme h 0 (t) > 0 para todo t ∈ I 0 ou h 0 (t) < 0 para
todo t ∈ I 0 .
Como α(t) = β ◦ h(t) para todo t ∈ I 0 , temos que α 0 (t) = β 0 (h(t)) h 0 (t) e, portanto,
Z t1 Z t1
• `(α[t0 , t1 ]) = 0
kα (t)k dt = kβ 0 (h(t))k |h 0 (t)| dt
t0 t0
Z s1 Z s0
0
e • `(β[s0 , s1 ]) = kβ (s)k ds, se s0 < s1 , ou kβ 0 (s)k ds, se s0 > s1 .
s0 s1

Logo,
Z s1 Z h(t1 ) Z1
0 0
kβ (s)k ds = kβ (s)k ds = kβ 0 (h(u))k h 0 (u) du
s0 h(t0 ) t0
 Z t1

 kα 0 (ξ)k dξ , se h 0 (u) > 0 para todo u ∈ I 0



 t0
= ou

 Z t1



− kα 0 (ξ)k dξ , se h 0 (u) < 0 para todo u ∈ I 0 .
t0

Em qualquer caso, os comprimentos coincidem.

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Geometria Diferencial

Definição 2.5 Sejam C uma curva regular de R3 , p ∈ C e α : I −→ α(I) uma parametrização


de C em p, com α(t0 ) = p, t0 ∈ I. Dizemos, então, que κα (t0 ) é a curvatura κ(p) de C em p e
τα (t0 ) é a torsão τ(p) de C em p.

Observação 2.12 As definições acima independem da parametrização α em p.


Com efeito, seja β : J −→ β(J) outra parametrização da curva C em p com β(s0 ) = p.

Seja W = α(I) ∩ β(J) (um aberto em C que contém p), I 0 o intervalo aberto de α−1 (W) que
contém t0 e J 0 = h(I 0 ), onde h = β−1 ◦ α : α−1 (W) −→ β−1 (W) é a função de mudança de
parâmetro, com h(t0 ) = s0 , isto é, α(t0 ) = β(s0 ) = p.
Afirmação. κα (t0 ) = κβ (s0 ) e τα (t0 ) = τβ (s0 ).

De fato, como α 0 (t) = β 0 (h(t)) h 0 (t), temos que α 00 (t) = β 00 (h(t)) h 0 (t)2 + β 0 (h(t)) h 00 (t).

Então, α 0 (t) ∧ α 00 (t) = (β 0 (h(t)) ∧ β 00 (h(t))) h 0 (t)3 e kα 0 (t)k = kβ 0 (h(t))k |h 0 (t)|.


Logo,

kα 0 (t0 ) ∧ α 00 (t0 )k
κα (t0 ) =
kα 0 (t0 )k3

kβ 0 (h(t0 )) ∧ β 00 (h(t0 ))k |h 0 (t0 )|3


=
kβ 0 (h(t0 ))k3 |h 0 (t0 )|3
kβ 0 (s0 ) ∧ β 00 (s0 )k
= = κβ (s0 ) .
kβ 0 (s0 )k3

Temos, também,

α 000 (t) = β 000 (h(t)) h 0 (t)3 + 2β 00 (h(t)) h 0 (t) h 00 (t) + β 00 (h(t)) h 0 (t) h 00 (t) + β 0 (h(t)) h 000 (t) .

Logo,

−hα 0 (t0 ) ∧ α 00 (t0 ) , α 000 (t0 )i


τα (t0 ) =
kα 0 (t0 ) ∧ α 00 (t0 )k2

−hβ 0 (h(t0 )) ∧ β 00 (h(t0 )) , β 000 (h(t0 ))i h 0 (t0 )6


=
kβ 0 (h(t0 )) ∧ β 00 (h(t0 ))k2 |h 0 (t0 )|6
−hβ 0 (s0 ) ∧ β 00 (s0 ) , β 000 (s0 )i
= = τβ (s0 ) .
kβ 0 (s0 ) ∧ β 00 (s0 )k2

Um breve comentário: é um fato conhecido que toda curva regular é difeomorfa a um intervalo
aberto ou ao cı́rculo S1 .
Usando esse resultado podemos construir uma aplicação t : C −→ R3 (ou R2 ) de classe C∞ tal
que t(p) é tangente a C em p e kt(p)k = 1 para todo p ∈ C. Isto é, podemos orientar a curva C.

110 J. Delgado - K. Frensel


Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre Superfı́cies

Fig. 22: C não-compacta (esquerda) e compacta (direita)

f 0 (f−1 (p))
De fato, se f : I −→ C é um difeomorfismo, definimos t(p) = para todo p ∈ C, no
kf 0 (f−1 (p))k
caso em que C não é compacto. Quando C é compacta, existe um difeomorfismo g : S1 −→ C.
(g ◦ exp) 0 (t)
Definimos, então t(p) = , onde exp(t) = (cos t, sen t) e g(exp(t)) = p.
k(g ◦ exp) 0 (t)k

Pode-se provar, usando o fato, que g é um difeomorfismo e que as funções sen e cos são
periódicas de perı́odo 2π, que a função t : C −→ R3 (ou R2 ) está bem definida.
Com isto, no caso de C ser uma curva plana, podemos definir um campo normal unitário
n : C −→ R2 diferenciável, isto é, n(p) ⊥ t(p) e kn(p)k = 1 para todo p ∈ C, tal que {t(p), n(p)}
é uma base ortonormal positiva para todo p ∈ C.
Assim, definimos a curvatura da curva C em p com sinal como sendo κ(p) = κα (s0 ), onde
α : I −→ α(I) é uma parametrização de C em p pelo comprimento de arco tal que α(s0 ) = p e
α 0 (s) = t(α(s)) para todo s ∈ I.

Se C é uma curva regular em R3 tal que κ(p) 6= 0 para todo p ∈ C, definimos um campo normal
unitário diferenciável n : C −→ R3 e um campo binormal diferenciável b : C −→ R3 fazendo
n(p) = nα (s0 ) e b(p) = bα (s0 ), onde α : I −→ α(I) é uma parametrização de C em p pelo
comprimento de arco tal que α(s0 ) = p e α 0 (s) = t(α(s)) para todo s ∈ I.

Atividade 2.1 Mostre que:


(a) A imagem inversa de um valor regular de uma função diferenciável f : U −→ R, definida
em um aberto U de R2 , é uma curva regular plana. Dê um exemplo de uma curva obtida desta
maneira que não é conexa.

(b) A imagem inversa de um valor regular de uma função diferenciável F : U −→ R2 , definida


num aberto U de R3 , é uma curva regular em R3 . Mostre a relação entre este fato e a maneira
clássica de definir uma curva em R3 como a interseção de duas superfı́cies regulares.
(c) Toda curva regular plana C é localmente o gráfico de uma função diferenciável, isto é, para
todo p ∈ C, existem um intervalo aberto I, um aberto V de R2 , com p ∈ V, e uma função

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Geometria Diferencial

f : I −→ R diferenciável tais que V ∩ C = {(x, f(x)) ∈ R2 | x ∈ I} ou V ∩ C = {(f(x), x) | x ∈ I}.

(d) O conjunto C = {(x, y) ∈ R2 | x2 = y3 } não é uma curva regular.

Exemplo 2.6 (Superfı́cies de Revolução) Sejam π um plano, L ⊂ π uma reta e C ⊂ π uma


curva regular que não intersecta a reta L.

Fig. 23: Curva C e reta L no plano π

A superfı́cie S obtida girando a curva C em torno da reta L é chamada superfı́cie de revolução


com geratriz C e eixo de revolução L. Os cı́rculos descritos pelos pontos de C são os paralelos
de S e as várias posições de C sobre a superfı́cie S (interseções de S com os planos que
contêm o eixo de revolução) são denominadas meridianos de S.
Vamos considerar o caso em que π = plano xz e L = eixo Oz.
Seja α : (a, b) −→ α((a, b)) = V ∩ C, α(v) = (f(v), 0, g(v)), f(v) > 0, uma parametrização de C,
onde V é um aberto de R3 , e designamos por u o ângulo de rotação em torno do eixo Oz.
Consideremos a aplicação X : (0, 2π) × (a, b) −→ S dada por:

X(u, v) = (f(v) cos u, f(v) sen u, g(v)) .

Fig. 24: As curvas v = const. são os paralelos e as curvas u = const. são os meridianos de S

Afirmação. X : U −→ X(U) é uma parametrização de S, onde U = (0, 2π) × (a, b).

112 J. Delgado - K. Frensel


Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre Superfı́cies

De fato:
(1) X(U) = S ∩ R3 − {(x, y, z) ∈ R3 | y = 0 e x ≥ 0} é um aberto de S.


(2) X é diferenciável, pois f, g : (a, b) −→ R são funções diferenciáveis.

(3) dX(u,v) : R2 −→ R3 é injetora para todo (u, v) ∈ U, pois

kXu ∧ Xv k2 (u, v) = k(−f(v) sen u, f(v) cos u, 0) ∧ (f 0 (v) cos u, f 0 (v) sen u, g 0 (v))k2
= k(f(v) g 0 (v) cos u, f(v) g 0 (v) sen u, −f(v) f 0 (v))k2
= f(v)2 (f 0 (v)2 + g 0 (v)2 ) > 0 ,

para todo (u, v) ∈ U.

(4) X : U −→ X(U) é injetora e X−1 : X(U) −→ U é contı́nua.


De fato, seja (x, y, z) = (f(v) cos u, f(v) sen u, g(v)).
p
Então z = g(v) e f(v) = x2 + y2 . Como α : (a, b) −→ α((a, b)), α(v) = (f(v), 0, g(v)), é
p 
−1 2 2
um homeomorfismo, v é determinado de maneira única por v = α x + y , 0, z e é uma
p
função contı́nua de x2 + y2 e z e, portanto, uma função contı́nua de x, y e z.
x x y y
Além disso, como cos u = = p , sen u = = p e u ∈ (0, 2π), o
f(v) x2 + y2 f(v) x2 + y2
parâmetro u é determinado de modo único.
Logo, X é injetora.

Para provar que X−1 é contı́nua, temos que mostrar ainda que u é uma função contı́nua de x,
y e z.
u
Seja (x, y, z) = (f(v) cos u, f(v) sen u, g(v)) ∈ X(U). Como u ∈ (0, 2π), temos que ∈ (0, π)
2
u
e, portanto, cotg está definida para todo u ∈ (0, 2π) e
2
u u u y
cos 2 cos sen
u
cotg = 2 = 2 2 = sen u = f(v) = p y
.
2 u u u 1 − cos u x
sen 2 sen sen 1− x 2 + y2 − x
2 2 2 f(v)
p
Observe que x2 + y2 − x 6= 0, pois X(U) ⊂ R3 − {(x, y, z) ∈ R | y = 0 e x ≥ 0} .
 
y
Então u = 2 arc cotg p é uma função contı́nua de x, y e z.
x 2 + y2 − x

Como S pode ser coberta inteiramente por parametrizações similares, segue-se que S é uma
superfı́cie regular. 

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Geometria Diferencial

Observação 2.13 Seja C uma curva regular situada no semi-plano

{(x, y, z) ∈ R3 | x ≥ 0 e y = 0}

tal que C ∩ eixo Oz = {p, q}

Fig. 25: C corta o eixo Oz nos pontos p e q

Que condições devem ser satisfeitas por C para garantir que a rotação de C em torno do eixo
Oz gere uma superfı́cie regular?
Já sabemos que toda superfı́cie regular é localmente o gráfico de uma função diferenciável
sobre o plano xy ou sobre o plano xz ou sobre o plano yz.
Como numa vizinhança de p (ou de q) S não pode ser o gráfico de uma função sobre os planos
xz e yz, deve existir um aberto V de S com p ∈ V (ou q ∈ V), um disco aberto D de centro na
origem e raio ε > 0 e uma função diferenciável F : D −→ R tal que

V = Graf F = {(x, y, F(x, y)) | (x, y) ∈ D} .

Fig. 26: V é um gráfico perto de p


p 
Seja f(x) = F(x, 0), x ∈ (−ε, ε). Então f : (−ε, ε) −→ R é diferenciável e F(x, y) = f x2 + y 2
p 
para todo (x, y) ∈ D, pois F(x, y) = F x2 + y2 , 0 , já que os pontos (x, y, F(x, y)) e

114 J. Delgado - K. Frensel


Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre Superfı́cies

p p 
2 2
x + y , 0, F 2 2
x + y , 0 estão sobre o mesmo paralelo.

Logo f(x) = f(−x) para todo x ∈ (−ε, ε), isto é, f é simétrica em relação ao eixo Oz e
x 7−→ (x, 0, f(x)), x ∈ (−ε, ε), é uma parametrização de C 0 em p, onde C 0 = C ∪ Cs e Cs é
o simétrico de C em relação ao eixo Oz.
Como f(x) = f(−x) para todo x ∈ (−ε, ε), temos que todas as derivadas de ordem ı́mpar
de f na origem são nulas. Em particular, o vetor tangente à curva C no ponto p (ou q) é
perpendicular ao eixo Oz.
Reciprocamente, a curva C gera uma superfı́cie regular S se existe uma vizinhança V de p (e
de q) em C que é o gráfico sobre o eixo Ox de uma função f : [0, ε) −→ R diferenciável, isto é,
p 
V = {(x, 0, f(x)) | x ∈ [0, ε)}, e a função F(x, y) = f x2 + y2 , (x, y) ∈ Dε (0) é diferenciável.

Por exemplo, se C = {(x, 0, z) | x2 + z2 = 1 e x ≥ 0} é o semi-cı́rculo de centro (0, 0, 0) e raio 1


contido no semi-plano {(x, y, z) ∈ R3 | y = 0 e x ≥ 0}, então a superfı́cie S obtida girando C em
torno do eixo Oz é uma superfı́cie regular, pois S é a esfera de centro na origem e raio 1.

Fig. 27: Superfı́cie S é obtida girando o semi-cı́rculo em torno do eixo Oz


p
Neste exemplo, f(x) = 1 − x2 , x ∈ [0, 1), é uma função diferenciável cujo gráfico,

(x, 0, f(x)) x ∈ [0, 1) ,

é uma vizinhança do ponto p = (1, 0, 0), e


p  p
F(x, y) = f x2 + y2 = 1 − (x2 + y2 ) , (x, y) ∈ D1 (0) ,

é uma função diferenciável.


p p
Para Q = (−1, 0, 0), f(x) = − 1 − x2 , x ∈ [0, 1), e F(x, y) = − 1 − (x2 + y2 ), para todo
(x, y) ∈ D1 (0).

Uma superfı́cie regular obtida girando uma curva C de um plano π em torno de uma reta r ⊂ π,
tal que r ∩ C 6= ∅ será chamada superfı́cie de revolução estendida.

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Geometria Diferencial

Definimos uma superfı́cie regular como um subconjunto de R3 . Mas de modo análogo ao


caso das curvas, podemos definir uma superfı́cie como uma superfı́cie parametrizada. Não há
problema com esse ponto de vista, desde que apenas questões locais sejam consideradas.

Definição 2.6 Uma aplicação X : U −→ R3 diferenciável, definida num subconjunto aberto


U de R2 , é uma superfı́cie parametrizada. O conjunto X(U) é o traço de X e X é regular se
a diferencial dXq : R2 −→ R3 é injetora para todo q ∈ U. Um ponto q ∈ U onde dXq não é
injetora é chamado um ponto singular de X.

Observação 2.14 Uma superfı́cie parametrizada, mesmo quando é regular, pode ter um
traço com auto-interseções.

Exemplo 2.7 Seja α : I −→ R3 uma curva parametrizada regular. Defina X : I × R −→ R3


por
X(t, v) = α(t) + vα 0 (t).

Então X é uma superfı́cie parametrizada, chamada superfı́cie tangente de α.

Fig. 28: Superfı́cie tangente à curva C

Suponhamos que κ(t) 6= 0 para todo t ∈ I. Então

∂X ∂X
(t, v) = α 0 (t) + vα 00 (t) e (t, v) = α 0 (t)
∂t ∂v

e, portanto,
 ∂X ∂X

∧ (t, v) = v (α 00 (t) ∧ α 0 (t)) .
∂t ∂v

116 J. Delgado - K. Frensel


Mudança de Parâmetros; Funções Diferenciáveis sobre Superfı́cies

kα 0 (t) ∧ α 00 (t)k
Como κ(t) = 6= 0 para todo t ∈ I, temos que
kα 0 (t)k3

 ∂X ∂X

∧ (t, v) 6= 0 ,
∂t ∂v

para todo t ∈ I e todo v ∈ R − {0}. Ou seja, X : I × (R − {0}) −→ R3 é uma superfı́cie


parametrizada regular, cujo traço tem duas componentes conexas, tendo α(I) como fronteira
comum. 

A proposição abaixo diz que podemos estender os conceitos e propriedades locais da geome-
tria diferencial a superfı́cies parametrizadas regulares.

Proposição 2.2 Sejam X : U ⊂ R2 −→ R3 uma superfı́cie parametrizada regular e q ∈ U.


Então existe um aberto V ⊂ U, com q ∈ V tal que X : V −→ X(V) é um homeomorfismo, isto
é, X(V) é uma superfı́cie regular.

Prova.
Se X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)), temos, pela regularidade de X, que

∂(x, y) ∂(y, z) ∂(x, z)


(q) 6= 0 , (q) 6= 0 ou (q) 6= 0 .
∂(u, v) ∂(u, v) ∂(u, v)

∂(x, y)
Suponhamos que (q) 6= 0, e consideremos a aplicação F : U × R −→ R3 dada por
∂(u, v)

F(u, v, t) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v) + t) .

∂(x, y)
Então F é diferenciável e det(dF(q,0) ) = (q) 6= 0 .
∂(u, v)

Logo, pelo Teorema da Aplicação Inversa, existem um aberto U0 ⊂ U, q ∈ U0 , ε > 0 e um


aberto W de R3 tais que F : U0 × (−ε, ε) −→ W é um difeomorfismo (C∞ ).
Sendo X(u, v) = F(u, v, 0) para todo (u, v) ∈ U0 , temos que X : U0 −→ X(U0 ) é uma bijeção e
X−1 : X(U0 ) −→ U0 é contı́nua, pois X−1 = π ◦ F−1 |X(U0 ) , onde π(u, v, t) = (u, v). 

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Geometria Diferencial

3. Plano Tangente; Diferencial de uma Aplicação

Nesta seção, utilizaremos a condição 3 da definição de uma superfı́cie regular S para definir o
plano tangente a S em cada ponto p ∈ S.

Definição 3.1 Sejam S ⊂ R3 uma superfı́cie regular e p ∈ S. Dizemos que v ∈ R3 é um vetor


tangente a S em p se v = α 0 (0), onde α : (−ε, ε) −→ S é uma curva parametrizada diferenciável
em 0 e α(0) = p.

Observação 3.1 Uma curva α : I −→ S é diferenciável em t0 ∈ I se, e só se, α : I −→ R3 é


diferenciável em t0 ∈ I.
Mais geralmente, uma aplicação f : V −→ S, definida num aberto V de Rn , é diferenciável em
x0 ∈ V se, e só se, f : V −→ R3 é diferenciável em x0 .
De fato, seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S em f(x0 ).
Se f : V −→ S é diferenciável em x0 , então, por definição, f é contı́nua em x0 . Portanto, existe
um aberto V0 ⊂ V, x0 ∈ V0 , tal que f(V0 ) ⊂ X(U). Logo, X−1 ◦ f : V0 −→ R2 está bem definida e
é diferenciável em x0 . Assim, f = X ◦ (X−1 ◦ f) : V0 −→ R3 é diferenciável em x0 .

Reciprocamente, se f : V −→ R3 é diferenciável em x0 , então f : V −→ S é contı́nua em x0 .

Sabemos que existe U0 aberto, U0 ⊂ U, com f(x0 ) ∈ X(U0 ), tal que X−1 |X(U0 ) = F|X(U0 ), onde
F : W −→ R2 é uma função diferenciável definida num aberto W de R3 com X(U0 ) ⊂ W. Seja
V0 ⊂ V aberto tal que x0 ∈ V0 e f(V0 ) ⊂ X(U0 ). Então X−1 ◦ f = F ◦ f : V0 −→ R2 é diferenciável
em x0 .

Proposição 3.1 Seja X : U ⊂ R2 −→ X(U) uma parametrização de S em p, com X(q) = p,


q ∈ U. Então o subespaço vetorial de dimensão 2

dXq (R2 ) ⊂ R3

é o conjunto de todos os vetores tangentes a S em p.

Prova.
Sejam v um vetor tangente a S em p e α : (−ε, ε) −→ S uma curva parametrizada diferenciável
em 0 tais que α(0) = p e α 0 (0) = v.

Podemos supor que α(−ε, ε) ⊂ X(U) e X−1 = F|X(U) , onde F : V −→ R2 é uma função dife-
renciável definida num aberto V de R3 tal que X(U) ⊂ V.

118 J. Delgado - K. Frensel


Plano Tangente; Diferencial de uma Aplicação

Logo β = X−1 ◦ α : (−ε, ε) −→ U, β(t) = (u(t), v(t)), é uma curva diferenciável e

α(t) = X ◦ β(t) = X(u(t), v(t))

para todo t ∈ (−ε, ε).


Assim, β(0) = q e v = α 0 (0) = dXq (β 0 (0)) = u 0 (0)Xu (q) + v 0 (0)Xv (q) .

Seja agora v = dXq (w), w ∈ R2 , e considere a curva diferenciável β : (−ε, ε) −→ U dada por
β(t) = q + tw. Então β(0) = q e β 0 (0) = w.
Logo α = X ◦ β : (−ε, ε) −→ X(U) ⊂ S é uma curva diferenciável com α(0) = p e α 0 (0) =
dXq (β 0 (0)) = dXq (w) = v. 

Fig. 29: Representação da curva diferenciável α = X ◦ β : (−ε, ε) −→ X(U) ⊂ S

Observação 3.2 Provamos, assim, que o conjunto dos vetores tangentes a S em p é um


espaço vetorial de dimensão dois, e que o subespaço dXq (R2 ) ⊂ R3 independe da parame-
trização X : U −→ X(U), com X(q) = p, ou seja, se Y : V −→ Y(V) é outra parametrização de S
em p com Y(r) = p, r ∈ V, então dYr (R2 ) = dXq (R2 ) = conjunto dos vetores tangentes a S em p .

Definição 3.2 O plano tangente a S em p, designado por Tp S, é o plano que passa por p e é
paralelo ao plano que passa pela origem formado pelos vetores tangentes a S em p.

Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p, com X(q) = p. Fazendo a identificação


Tp S = dXq (R2 ), temos que {Xu (q), Xv (q)} é uma base de Tp S chamada a base de Tp S associada
a X.
Seja v = dXq (w). Então

v = w1 dXq (1, 0) + w2 dXq (0, 1) = w1 Xu (q) + w2 Xv (q) ,

onde w = (w1 , w2 ). Isto é, (w1 , w2 ) são as coordenadas do vetor v em relação à base
{Xu (q), Xv (q)} de Tp S associada à parametrização X.

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Geometria Diferencial

Observação 3.3 Seja Si , i = 1, 2, 3, uma superfı́cie regular ou uma curva regular. Se f :


S1 −→ S2 é uma aplicação diferenciável em p ∈ S1 e g : S2 −→ S3 é uma aplicação diferenciável
em f(p), então g ◦ f : S1 −→ S3 é uma aplicação diferenciável em p.
De fato, existem uma parametrização X1 : U1 −→ X1 (U1 ) de S1 em p, uma parametrização
X2 : U2 −→ X2 (U2 ) de S2 em f(p) e X3 : U3 −→ X3 (U3 ) uma parametrização de S3 em g(f(p))
tais que: f(X1 (U1 )) ⊂ X2 (U2 ), g(X2 (U2 )) ⊂ X3 (U3 ), X−1
2 ◦ f ◦ X1 : U1 −→ U2 é diferenciável em

X−1 −1 −1
1 (p) e X3 ◦ g ◦ X2 : U2 −→ U3 é diferenciável em X2 (f(p)). Logo

X−1 −1 −1
3 ◦ g ◦ f ◦ X1 = X3 ◦ g ◦ X2 ◦ X2 ◦ f ◦ X1 : U1 −→ U3

é diferenciável em X−1
1 (p).

Assim, g ◦ f : S1 −→ S3 é diferenciável em p.

Vamos agora definir a diferencial de uma aplicação diferenciável entre superfı́cies regulares.
Sejam S1 e S2 superfı́cies regulares e seja f : V −→ S2 uma aplicação diferenciável em p ∈ V,
onde V é um aberto de S1 . Sejam v ∈ Tp S e α : (−ε, ε) −→ V uma curva diferenciável em 0
com α(0) = p e α 0 (0) = v. Então, pela observação 3.3, γ = f ◦ α : (−ε, ε) −→ S2 é uma curva
diferenciável em 0 com γ(0) = f(p).
Portanto, γ 0 (0) é um vetor tangente a S2 em f(p)

Fig. 30: Representação da curva diferenciável γ = f ◦ α : (−ε, ε) −→ S2

Proposição 3.2 Dado v ∈ Tp S1 , o vetor γ 0 (0) não depende de α. Além disso, a aplicação
dfp : Tp S1 −→ Tf(p) S2 definida por dfp (v) = γ 0 (0) é linear.

Prova.
Como f : V −→ S2 é diferenciável em p, existem uma parametrização X : U −→ X(U) ⊂ V
de S1 em p, com X(q) = p, e uma parametrização X : U −→ X(U) ⊂ S2 de S2 em f(p), com
X(q) = f(p), tais que f(X(U)) ⊂ X(U).

120 J. Delgado - K. Frensel


Plano Tangente; Diferencial de uma Aplicação

Seja fe = (X)−1 ◦ f ◦ X : U −→ U. Então fe é diferenciável em q e f(q)


e = q.

Podemos supor que α(−ε, ε) ⊂ X(U).

Então X−1 ◦ α(t) = (u(t), v(t)) é diferenciável em t = 0 e v = α 0 (0) = u 0 (0)Xu (q) + v 0 (0)Xv (q).
Como γ(t) = f ◦ α(t), temos que
 
−1 −1
 
γ(t) = X ◦ (X) ◦ f ◦ X ◦ X ◦ α (t) = X ◦ f (u(t), v(t)) = X(f1 (u(t), v(t)), f2 (u(t), v(t))) ,
e

onde f(u,
e v) = (f1 (u, v), f2 (u, v)).

Logo,
 ∂f ∂f1
  ∂f ∂f2

1 2
γ 0 (0) = (q)u 0 (0) + (q)v 0 (0) Xu (q) + (q)u 0 (0) + (q)v 0 (0) Xv (q) (4)
∂u ∂v ∂u ∂v

Então γ 0 (0) só depende das coordenadas (u 0 (0), v 0 (0)) de v = α 0 (0) em relação à base
{Xu (q), Xv (q)}, ou seja, γ 0 (0) independe da curva α : (−ε, ε) −→ V diferenciável em p tal
que α(0) = p e α 0 (0) = v.
Além disso, por (4), a aplicação dfp : Tp S1 −→ Tf(p) S2 é dada por:

dfp (v) = dfp (aXu (q) + bXv (q)) = γ 0 (0)


 ∂f ∂f2
  ∂f ∂f2

1 1
= a (q)Xu (q) + (q)Xv (q) + b (q)Xu (q) + (q)Xv (q) .
∂u ∂u ∂v ∂v

Portanto dfp : Tp S1 −→ Tf(p) S2 é linear e a sua matriz em relação às bases {Xu (q), Xv (q)} de
Tp S1 e {Xu (q), Xv (q)} de Tf(p) S2 é dada por

 
∂f1 ∂f1
 ∂u (q) ∂v
(q)
 
∂f2 ∂f2
(q) (q)
∂u ∂v

Definição 3.3 A aplicação linear dfp : Tp S1 −→ Tf(p) S2 é chamada a diferencial de f em p

De maneira análoga, podemos definir a diferencial em p de uma função f : V ⊂ S −→ R


diferenciável em p ∈ V como sendo uma aplicação linear dfp : Tp S −→ R.

Exemplo 3.1 Seja h : S −→ R, h(p) = hp , vi, a função altura relativa ao vetor unitário
v ∈ R3 .

Instituto de Matemática - UFF 121


Geometria Diferencial

Sejam w ∈ Tp S, p ∈ S, e α : (−ε, ε) −→ S uma curva diferenciável em 0 tal que α(0) = p e


α 0 (0) = w.
Então γ(t) = h ◦ α(t) = hα(t) , vi e, portanto, dhp (w) = γ 0 (0) = hα 0 (0) , vi = hw , vi. 

Exemplo 3.2 Seja S2 ⊂ R3 a esfera unitária


S2 = {(x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 + z2 = 1} ,

e seja Rz,θ : R3 −→ R3 a rotação de um ângulo θ em torno do eixo Oz. Já sabemos que
Rz,θ : S2 −→ S2 é uma função diferenciável. Na realidade, Rz,θ é um difeomorfismo de S2 sobre
S2 , onde R−1
z,θ = Rz,−θ .

Sejam p ∈ S2 , v ∈ Tp S2 , α : (−ε, ε) −→ S2 uma curva diferenciável em 0, com α(0) = p e


α 0 (0) = v, e γ = Rz,θ ◦ α. Então, como Rz,θ é linear,

d(Rz,θ )p (v) = γ 0 (0) = (Rz,θ ◦ α) 0 (0) = Rz,θ (α 0 (0)) = Rz,θ (v) ,

isto é, d(Rz,θ )p : Tp S2 −→ TRz,θ (p) S2 é dada por d(Rz,θ )p (v) = Rz,θ (v).

Como Rz,θ (N) = N, onde N = (0, 0, 1) é o pólo norte de S2 , temos que d(Rz,θ )N : TN S2 −→ TN S2
é a rotação de um ângulo θ em torno do ponto N, no plano TN S2 que é paralelo ao plano xy. 

Definição 3.4 Sejam S1 , S2 superfı́cies regulares e U um aberto de S1 . Dizemos que uma


aplicação f : U −→ S2 é um difeomorfismo local em p ∈ U se existe um aberto V ⊂ U, com
p ∈ V, tal que f : V −→ f(V) é um difeomorfismo sobre o aberto f(V) de S2 .

Assim, a versão do Teorema da Aplicação Inversa para superfı́cies é expressa da seguinte


maneira:

Teorema 3.1 (Teorema da Aplicação Inversa)


Sejam S1 , S2 superfı́cies regulares, U um aberto de S1 com p ∈ U, e f : U −→ S2 uma aplicação
diferenciável tal que dfp : Tp S1 −→ Tf(p) S2 é um isomorfismo. Então existe um aberto V ⊂ U,
com p ∈ V, tal que f : V −→ f(V) é um difeomorfismo sobre o aberto f(V) de S2 , isto é, f é um
difeomorfismo local em p.

Antes de provarmos este teorema, vamos fazer algumas observações.

Observação 3.4 Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p, com X(q) = p. Então


dXq : R2 −→ Tp S

é um isomorfismo, pois dXq é injetora e dXq (R2 ) = Tp S.

122 J. Delgado - K. Frensel


Plano Tangente; Diferencial de uma Aplicação

Observação 3.5 Sejam f : V ⊂ S1 −→ S2 e g : W ⊂ S2 −→ S3 funções diferenciáveis em


p ∈ V e f(p) ∈ W, respectivamente, tais que f(V) ⊂ W, onde V é um aberto de S1 e W é um
aberto de S2 . Então d(g ◦ f)p (v) = dgf(p) (dfp (v)) para todo vetor v ∈ Tp S.

De fato, seja α : (−ε, ε) −→ V uma curva diferenciável em 0 tal que α(0) = p e α 0 (0) = v, onde
v ∈ Tp S.

Então dfp (v) = γ 0 (0), onde λ = f ◦ α : (−ε, ε) −→ W é uma curva diferenciável em 0 com
γ(0) = f(p), e, portanto, dgf(p) (dfp (v)) = λ 0 (0), onde γ = g ◦ γ : (−ε, ε) −→ S3 é uma curva
diferenciável em 0 com λ(0) = g ◦ f(p).
Por outro lado, d(g ◦ f)p (v) = λ 0 (0), pois

(g ◦ f) ◦ α(t) = g ◦ (f ◦ α)(t) = g ◦ γ(t) = λ(t)

para todo t ∈ (−ε, ε).


Logo d(g ◦ f)p = dgf(p) ◦ dfp , isto é, vale a regra da cadeia para a composta de aplicações
diferenciáveis entre superfı́cies.
Em particular, se X : U −→ X(U) é uma parametrização de uma superfı́cie S em p, então
X−1 : X(U) −→ U é diferenciável e X−1 ◦ X = id. Logo,

dX−1
X(q) ◦ dXq = d(X
−1
◦ X)q = id : R2 −→ R3 .

Isto é, dX−1 2 −1 −1


X(q) : TX(q) S −→ R é um isomorfismo e dXX(q) = (dXq ) .

Prova.
(do Teorema da Aplicação Inversa) Sejam X1 : U1 −→ X1 (U1 ) ⊂ U uma parametrização
de S1 em p e X2 : U2 −→ X2 (U2 ) ⊂ S2 uma parametrização de S2 em f(p) tais que f(X1 (U1 )) ⊂
X2 (U2 ).

Então fe = X−1
2 ◦ f ◦ X1 : U1 −→ U2 é diferenciável e, pela observação 3.5,

dfeq = d(X−1 2 2
2 )f(p) ◦ dfp ◦ d(X1 )q : R −→ R .

Portanto, pela observação 3.4, dfeq : R2 −→ R2 é um isomorfismo.

Logo, pelo Teorema da Aplicação Inversa, existem um aberto W1 ⊂ U1 , q ∈ W1 , e um aberto


e = X−1
W2 ⊂ U2 , q 2 (f(p)) ∈ W, tais que

X−1
2 ◦ f ◦ X1 : W1 −→ W2

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Geometria Diferencial

é um difeomorfismo, isto é, X−1 −1


2 ◦ f ◦ X1 : W1 −→ W2 é uma bijeção diferenciável e X1 ◦ f
−1
◦ X2 :
W2 −→ W1 é diferenciável.
Como, pela observação 2.6, X1 : W1 −→ X1 (W1 ) e X2 : W2 −→ X2 (W2 ) são difeomorfismos,
temos, pela observação 3.3, que f : X1 (W1 ) −→ X2 (W2 ) é um difeomorfismo, onde X1 (W1 ) é
um aberto de S1 que contém p e X2 (W2 ) é um aberto de S2 que contém f(p). 

Podemos agora provar a proposição 1.4.

”Sejam S ⊂ R3 uma superfı́cie regular e X : U −→ R3 uma aplicação diferenciável definida num


aberto U de R2 tal que X(U) ⊂ S, X : U −→ X(U) é uma bijeção e dXq : R2 −→ R3 é injetora
para todo q ∈ U. Então X(U) é um aberto de S e X : U −→ X(U) é um homeomorfismo, isto é,
X : U −→ X(U) é uma parametrização de S”
Prova.
Como X(U) ⊂ S, temos, pela observação 3.1, que X : U −→ S é uma aplicação diferenciável
de U em S.
Sejam w ∈ R2 e β : (−ε, ε) −→ U uma curva diferenciável em 0 com β(0) = q ∈ U e β 0 (0) = w.
Então α = X◦β : (−ε, ε) −→ X(U) ⊂ S é diferenciável em 0, α(0) = X(q) e α 0 (0) = v ∈ dXq (R2 ).
Logo, pela definição de plano tangente, v = α 0 (0) ∈ Tp S.

Portanto dXq (R2 ) ⊂ Tp S.Como dim dXq (R2 ) = dim Tp S = 2, temos que dXq (R2 ) = Tp S e

dXq : R2 −→ Tp S

é um isomorfismo para todo q ∈ U, pois dXq : R2 −→ R3 é injetora.

Dado q ∈ U, existem, pelo Teorema da Aplicação inversa, um aberto Uq ⊂ U, q ∈ Uq , e um


aberto Wp ⊂ X(U) ⊂ S de S, onde X(q) = p ∈ Wp , tais que

X : Uq −→ Wp

é um difeomorfismo.
Logo, X(U) = p∈X(U) Wp é um aberto de S. Além disso, X−1 : X(U) −→ U é contı́nua. De fato,
S

seja Y : V −→ Y(V) uma parametrização de S em X(q) = p, q ∈ U, tal que Y(V) ⊂ X(Uq ) = Wp .


Então
X−1 ◦ Y : V −→ Uq

é diferenciável e, portanto, é contı́nua.

Logo, como Y −1 : V −→ Y(V) é contı́nua, temos que

X−1 = X−1 ◦ Y ◦ Y −1 : Y(V) −→ X−1 (Y(U))

124 J. Delgado - K. Frensel


Plano Tangente; Diferencial de uma Aplicação

é contı́nua, onde Y(U) é um aberto de S tal que Y(V) ⊂ X(U) e p = X(q) ∈ Y(V).

Então, como p ∈ X(U) é arbitrário, X−1 : X(U) −→ U é contı́nua, ou seja, X : U −→ X(U) é um


homeomorfismo e, portanto, X : U −→ X(U) é uma parametrização de S. 

Faremos agora algumas observações antes de finalizar esta seção.

Observação 3.6 O plano tangente nos permite falar do ângulo entre duas superfı́cies, que
se intersectam, em um ponto de interseção.

De fato, dado um ponto p em uma superfı́cie regular, existem dois vetores unitários em R3 que
são normais ao plano tangente Tp S. Cada um deles é chamado vetor unitário normal a S em p,
e a reta que passa por p e tem a direção dada por esses vetores normais a S em p é chamada
reta normal a S em p.

O ângulo entre duas superfı́cies que se in-


tersectam em um ponto p é o ângulo entre
os respectivos planos tangentes (ou entre
as retas normais) em p.
Dada uma parametrização X : U −→ X(U)
de S em p, podemos escolher um vetor unitário
normal em cada ponto p ∈ X(U) da se-
guinte maneira:

Xu (q) ∧ Xv (q)
N(p) = ,
kXu (q) ∧ Xv (q)k
Fig. 31: O ângulo entre S1 e S2 é o ângulo entre Tp S1 e Tp S2

onde X(q) = p, q ∈ U. Obtemos, assim,


uma aplicação N : X(U) −→ R3 diferenciável. Veremos na seção 5 que nem sempre é possı́vel
estender essa aplicação, de maneira contı́nua, à superfı́cie S.

Observação 3.7 A definição dada para superfı́cie regular exige que as parametrizações
sejam de classe C∞ , isto é, que possuam derivadas parciais contı́nuas de todas as ordens.
Para questões em Geometria Diferencial, em geral, precisamos da existência e da continuidade
das derivadas parciais até uma certa ordem, que varia com a natureza do problema (raramente
precisamos que as parametrizações sejam de classe Ck , com k ≥ 5).
A hipótese C∞ , na definição, foi adotada para evitarmos o estudo das condições mı́nimas de
diferenciabilidade em cada caso particular, que podem obscurecer a natureza geomética do
problema.

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Geometria Diferencial

Exemplo 3.3 (Exemplo de uma superfı́cie de classe C1 ).


Sejam a curva regular de classe C1


C = (x, y, z) ∈ R3 | x = 0 e z = y4/3

e a superfı́cie S de revolução obtida girando a curva C em torno do eixo Oz.

Fig. 32: A curva C e a superfı́cie S que ela produz pela sua rotação em torno do eixo Oz

Então


S = (x, y, z) ∈ R3 | z = 3 (x2 + y2 )2 ,
p

p
isto é, S é o gráfico da função f : R2 −→ R de classe C1 dada por f(x, y, z) = 3
(x2 + y2 )2 .
Como fx (0, 0) = fy (0, 0) = 0, temos que T0 S = plano xy, pois X(x, y) = (x, y, f(x, y)) é uma
parametrização de S e {Xx (0, 0), Xy (0, 0)} = {(1, 0, 0), (0, 1, 0)} gera o espaço tangente a S em
(0, 0, 0). 

4. Primeira Forma Fundamental; Área

Até aqui, tratamos as superfı́cies sob o ponto de vista da diferenciabilidade. Nesta seção
começaremos o estudo das estruturas geométricas associadas a uma superfı́cie.

O produto interno canônico de R3 induz em cada plano tangente Tp S de uma superfı́cie regular
S um produto interno que denotaremos por h , ip .

126 J. Delgado - K. Frensel


Primeira Forma Fundamental; Área

Assim, se u = (u1 , u2 , u3 ) , v = (v1 , v2 , v3 ) ∈ Tp S ⊂ R3 , então hu , vip é igual ao produto interno


de u e v como vetores em R3 , isto é,

hu , vip = u1 v1 + u2 v2 + u3 v3 .

A esse produto interno, que é uma forma bilinear simétrica (isto é, hu , vip = hv , uip e hu , vip
é linear em u e em v), corresponde uma forma quadrática Ip : Tp S −→ R dada por

Ip (v) = hv , vip = kvk2 ≥ 0 .

Definição 4.1 A forma quadrática Ip : Tp S −→ R, Ip (v) = hv , vip , é chamada a primeira


forma fundamental da superfı́cie regular S em p ∈ S.

A primeira forma fundamental vai nos permitir fazer medidas sobre a superfı́cie (comprimento
de curvas, ângulos de vetores tangentes, áreas de regiões etc.), sem fazer menção ao espaço
euclidiano R3 , onde a superfı́cie S está ”mergulhada”.
Vamos agora expressar a primeira forma fundamental na base {Xu , Xv } associada a uma
parametrização X : U −→ X(U) ⊂ S de S em p.
Seja v ∈ Tp S. Então existe uma curva α : (−ε, ε) −→ X(U) diferenciável em 0 tal que α(t) =
X(u(t), v(t)), com α(0) = p e v = α 0 (0) = u 0 (0) Xu (q) + v 0 (0) Xv (q), onde X(q) = p e q ∈ U.
Então

Ip (v) = hα 0 (0) , α 0 (0)ip

= hu 0 (0)Xu (q) + v 0 (0)Xv (q) , u 0 (0)Xu (q) + v 0 (0)Xv (q)ip

= u 0 (0)2 hXu (q) , Xu (q)ip + 2u 0 (0)v 0 (0)hXu (q) , Xv (q)ip + v 0 (0)2 hXv (q) , Xv (q)ip

= u 0 (0)2 E(q) + 2u 0 (0)v 0 (0)F(q) + v 0 (0)2 G(q) ,

onde

E(u, v) = hXu (u, v) , Xu (u, v)ip ,

F(u, v) = hXu (u, v) , Xv (u, v)ip ,

G(u, v) = hXv (u, v) , Xv (u, v)ip .

são os coeficientes da primeira forma fundamental na base {Xu (u, v), Xv (u, v)} de Tp S, sendo
q = (u, v) e X(u, v) = X(q) = p.

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Geometria Diferencial

Observação 4.1 As funções E, F, G : U −→ R são de classe C∞ , E(u, v) > 0, G(u, v) > 0 e


(EG − F2 )(u, v) > 0 para todo (u, v) ∈ U, pois

kXu ∧ Xv k2 = kXu k2 kXv k2 − hXu , Xv i2 = EG − F2 > 0 ,

já que Xu (u, v) e Xv (u, v) são LI.

Exemplo 4.1 Seja π o plano de R3 que passa pelo ponto p = (x0 , y0 , z0 ) e é paralelo aos
vetores ortonormais w1 = (a1 , a2 , a3 ) e w2 = (b1 , b2 , b3 ).

Então X : R2 −→ π, X(u, v) = p0 + uw1 + vw2 é uma parametrização de π que cobre todo o


plano.

Como Xu (u, v) = w1 e Xv (u, v) = w2 para todo (u, v) ∈ R2 , temos que E ≡ G ≡ 1 e F ≡ 0 em


R2 . Então,
Ip (aXu + bXv ) = a2 + b2 ,

para todo (u, v) ∈ R2 . 

Exemplo 4.2 Seja C o cilindro reto sobre o cı́rculo x2 + y2 = 1, ou seja,

C = { (x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 = 1 } .

Fig. 33: Cilindro reto sobre o cı́rculo x2 + y2 = 1

Então X : (0, 2π) × R −→ C, X(u, v) = (cos u, sen u, v) é uma parametrização do cilindro tal
que X((0, 2π) × R) = C − {(1, 0, z) | z ∈ R}, Xu (u, v) = (− sen u, cos u, 0) e Xv (u, v) = (0, 0, 1).
Portanto, E ≡ G ≡ 1 e F ≡ 0 em (0, 2π) × R. 

128 J. Delgado - K. Frensel


Primeira Forma Fundamental; Área

Exemplo 4.3 Considere a hélice circular α : R −→ R3 dada por:


α(u) = (cos u, sen u, au) , a 6= 0 .

Para cada ponto α(u) pertencente à hélice, trace uma reta paralela ao plano xy que intersecta
o eixo Oz, ou seja, a reta ru = {v(cos u, senu, 0) + (0, 0, au) , v ∈ R . A superfı́cie H gerada
por essas retas é chamada um helicóide.

Fig. 34: Helicóide

A aplicação X : R2 −→ H, dada por X(u, v) = (v cos u, v sen u, au) é uma parametrização que
cobre todo o helicóide, isto é, X é de classe C∞ , X(R2 ) = H, X : R2 −→ H é um homeomorfismo
e dXq : R2 −→ R3 é injetora para todo q ∈ R2 (exercı́cio). Logo H é uma superfı́cie regular.

Como Xu (u, v) = (−v sen u, v cos u, a) e Xv (u, v) = (cos u, sen u, 0), temos que
E(u, v) = a2 + v2 , G ≡ 1 e F ≡ 0 .
Logo, em p = X(u, v),

Ip (AXu + BXv ) = (a2 + v2 )A2 + B2 . 

• Como mencionamos anteriormente, a importância da primeira forma fundamental I vem do


fato de que, conhecendo I, podemos resolver problemas métricos de uma superfı́cie regular
sem fazer referência ao ambiente R3 no qual S está mergulhada.
Assim, o comprimento de arco s de uma curva parametrizada α : I −→ S é dado por
Zt Zt p
0
s(t) = kα (t)k dt = I(α 0 (t)) dt .
t0 t0

Em particular, se α(t) = X(u(t), v(t)) está contida numa vizinhança coordenada de uma

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Geometria Diferencial

parametrização X : U −→ X(U) ⊂ S, temos que

Zt p
s(t) = u 0 (t)2 E(u(t), v(t)) + 2u 0 (t)v 0 (t) F(u(t), v(t)) + v 0 (t)2 G(u(t), v(t)) , dt .
t0

O ângulo θ que duas curvas parametrizadas regulares α, β : I −→ S que se intersectam em


α(t0 ) = β(t0 ) fazem neste ponto é dado por

hα 0 (t0 ) , β 0 (t0 )i
cos θ = .
kα 0 (t0 )k kβ 0 (t0 )k

Em particular, o ângulo ϕ de interseção das curvas coordenadas de uma parametrização X :


U −→ X(U) é:
hXu , Xv i F
cos ϕ = =√ .
kXu k kXv k EG

Fig. 35: Curvas coordenadas

Então, as curvas coordenadas de uma parametrização são ortogonais se, e somente se,
F(u, v) = 0 para todo (u, v) ∈ U. Uma tal parametrização é chamada uma parametrização
ortogonal.

Exemplo 4.4 Seja S2 = {(x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 + z2 = 1} a esfera unitária de centro na origem


e seja
X : (0, 2π) × (0, π) −→ S2 ,

X(θ, ϕ) = (sen θ cos ϕ, sen θ sen ϕ, cos θ), uma parametrização de S2 dada por suas coorde-
nadas esféricas.
Como

Xθ (θ, ϕ) = (cos θ cos ϕ, cos θ sen ϕ, − sen θ)


Xϕ (θ, ϕ) = (− sen θ sen ϕ, sen θ cos ϕ, 0) ,

130 J. Delgado - K. Frensel


Primeira Forma Fundamental; Área

temos que
E ≡ 1, G(θ, ϕ) = sen2 θ e F ≡ 0. (5)

Logo X é uma parametrização ortogonal de S2 e

IX(θ,ϕ) (aXθ + bXϕ ) = a2 E + 2abF + b2 G = a2 + b2 sen2 θ . (6)

• Como aplicação, vamos determinar as curvas nesta vizinhança coordenada da esfera que
fazem um ângulo constante β com os meridianos ϕ = const. que são chamadas curvas
loxodrômicas da esfera.
Podemos supor que a curva procurada α(t) é a imagem por X de uma curva t 7−→ (θ(t), ϕ(t)),
isto é, α(t) = X(θ(t), ϕ(t)).
No ponto X(θ(t), ϕ(t)) a curva intersecta o meridiano ϕ = ϕ(t) = const. Então, por (5) e (6),

hXθ (θ(t), ϕ(t)) , α 0 (t)i θ 0 (t)


cos β = = ,
kXθ (θ(t), ϕ(t))k kα 0 (t)k
q
θ 0 (t)2 + ϕ 0 (t)2 sen2 θ(t)

pois kXθ (θ(t), ϕ(t))k = 1 e α 0 (t) = θ 0 (t) Xθ (θ(t), ϕ(t)) + ϕ 0 (t) Xϕ (θ(t), ϕ(t)).
Logo, para β ∈ [0, π] − {0, π/2, π}:

θ 0 (t) p
= θ 0 (t)2 + ϕ 0 (t)2 sen2 θ(t)
cos β

⇐⇒ θ 0 (t)2 sec2 β − θ 0 (t)2 − ϕ 0 (t)2 sen2 θ(t) = 0


⇐⇒ θ 0 (t)2 tan2 β − ϕ 0 (t)2 sen2 θ(t) = 0
θ 0 (t) ϕ 0 (t)
⇐⇒ =± .
sen θ(t) tan β

Por integração, obtemos que


  
θ(t)
log tan = ± cotg β (ϕ(t) + C) ,
2

onde C é uma constante.


π π π
 
Fazendo θ(t) = − t, t ∈ − , , temos
2 2 2
  π t 
± cotg β (ϕ(t) + C) = log tan − .
4 2

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Geometria Diferencial

Logo,
π
 
± cotg β (ϕ(0) + C) = log tan = 0,
4

isto é, C = −ϕ(0).


Assim, C é determinada pelo meridiano como o qual α se encotra quando ela passa pelo
equador (θ(0) = π/2) .

Fig. 36: Curva loxodrômica α

• Uma outra questão métrica que pode ser tratada com a primeira forma fundamental é o
cálculo da área de uma região limitada de uma superfı́cie regular S.

Definição 4.2 Um domı́nio (regular) em S é um subconjunto aberto e conexo de S tal que sua
fronteira é a imagem de um cı́rculo por uma aplicação que é um homeomorfismo diferenciável
regular (isto é, sua diferencial não se anula) exceto num número finito de pontos.
Uma região de S é a união de um domı́nio com a sua fronteira. Uma região de S é limitada se
está contida em alguma bola de R3 .

Fig. 37: Região limitada


Fig. 38: Regiões ilimitadas

132 J. Delgado - K. Frensel


Primeira Forma Fundamental; Área

Vamos considerar regiões limitadas R que estão contidas em uma vizinhança coordenada X(U)
de uma parametrização X : U −→ X(U) de S. Isto é, R = X(Q), onde Q é uma região limitada
de R2 contida em U.

Definição 4.3 Seja R ⊂ S uma região limitada de uma superfı́cie S contida em uma vizinhança
coordenada X(U) de uma parametrização X : U −→ X(U) ⊂ S. O número positivo
ZZ
A(R) = kXu ∧ Xv k du dv
Q

é chamado área de R, onde Q = X−1 (R).

Observação 4.2 Na seção 6 daremos uma justificativa geométrica para esta definição.

Observação 4.3 A integral


ZZ
kXu ∧ Xv k du dv
Q

independe da parametrização X : U −→ X(U) de S com R ⊂ X(U).

De fato, seja X : U −→ X(U) uma outra parametrização de S tal que R ⊂ X(U) e seja
Q = (X)−1 (R), isto é, X(Q) = R.

Seja h = X−1 ◦X : (X)−1 (W) −→ X−1 (W), h(u, v) = (u(u, v), v(u, v)), a mudança de parâmetros,
onde W = X(U) ∩ X(U). Então h é um difeomorfismo tal que h(Q) = Q, pois R ⊂ W.

Logo, como X(u, v) = X(h(u, v)) = X(u(u, v), v(u, v)), temos que

∂u ∂v
Xu (u, v) = Xu (h(u, v)) (u, v) + Xv (h(u, v)) (u, v) ,
∂u ∂u

e
∂u ∂v
Xv (u, v) = Xu (h(u, v)) (u, v) + Xv (h(u, v)) (u, v) .
∂v ∂v

Portanto,
 ∂u ∂v ∂u ∂v

(Xu ∧ Xv )(u, v) = (Xu ∧ Xv )(h(u, v)) − (u, v)
∂u ∂v ∂v ∂u
∂(u, v)
= (Xu ∧ Xv )(h(u, v))
∂(u, v)

= (Xu ∧ Xv )(h(u, v)) det dh(u,v) .




Instituto de Matemática - UFF 133


Geometria Diferencial

Assim, pelo Teorema de Mudança de Variáveis para integrais múltiplas, temos que
ZZ ZZ
∂(u, v)
kXu ∧ Xv k(u, v) du dv = kXu ∧ Xv k h((u, v)) ·

(u, v) du dv
Q Q ∂(u, v)
ZZ
= kXu ∧ Xv k(u, v) du dv .
Q

Exemplo 4.5 Seja T o toro de revolução obtido girando o cı́rculo

C = {(x, y, z) ∈ R3 | (y − a)2 + z2 = r2 e x = 0} , a > r > 0,

em torno do eixo Oz.


Seja X : (0, 2π) × (0, 2π) −→ T a parametrização de T dada por

X(u, v) = ( (a + r cos u) cos v , (a + r cos u) sen v , r sen u ) ,

que cobre o toro T menos um meridiano (v = 0) e um paralelo (u = 0).


Como
Xu (u, v) = (−r sen u cos v, −r sen u sen v, r cos u)

e
Xv (u, v) = (−(a + r cos u) sen v, (a + r cos u) cos v, 0) ,

temos que:
E(u, v) = r2 , G(u, v) = (a + r cos u)2 e F(u, v) = 0 .

Seja Rε = X(Qε ), onde ε > 0 (e pequeno) e

Qε = { (u, v) ∈ R2 | ε ≤ u ≤ 2π − ε e ε ≤ v ≤ 2π − ε}

Fig. 39: Domı́nio Qε

134 J. Delgado - K. Frensel


Orientação de Superfı́cies

p
Então, como kXu ∧ Xv k = EG − F2 = r(a + r cos u), obtemos:
Z 2π−ε Z 2π−ε Z 2π−ε Z 2π−ε
A(Rε ) = kXu × Xv k(u, v) du dv = r(a + r cos u) du dv
ε ε ε ε

= (2π − 2ε)2 ar + (2π − 2ε)r2 (sen(2π − ε) − sen ε) .

Portanto,

A(T ) = lim A(Rε ) = 4π2 ar . 


ε→0

5. Orientação de Superfı́cies

Sejam S uma superfı́cie regular e X : U −→ X(U), X : U −→ X(U) parametrizações de S em p.

As bases {Xu (q), Xv (q)}, X(q) = p e {Xu (q), Xv (q)}, X(q) = p, determinam orientações do
plano tangente Tp S.
−1
Se W = X(U) ∩ X(U) e h = X−1 ◦ X : X (W) −→ X−1 (W), h(u, v) = (u(u, v), v(u, v)), h(q) = q,
temos que:

∂u ∂v
Xu (q) = Xu (q) (q) + Xv (q) (q)
∂u ∂u
e (7)
∂u ∂v
Xv (q) = Xu (q) (q) + Xv (q) (q) .
∂v ∂v

Então a matriz de mudança de base é


 
∂u ∂u
 (q) (q)
 ∂u ∂v ,
 ∂v ∂v 
(q) (q)
∂u ∂v

que é a matriz Jacobiana de h em q.


Portanto, {Xu (q), Xv (q)} e {Xu (q), Xv (q)} determinam a mesma orientação no plano tangente
Tp S se, e só se,
∂(u, v)
det (dhq ) = (q) > 0 .
∂(u, v)

Definição 5.1 Uma superfı́cie regular S é orientável quando existe uma famı́lia de parametrizações
de S, {Xα : Uα −→ X(Uα ) | α ∈ A}, tal que:

Instituto de Matemática - UFF 135


Geometria Diferencial

S
(1) S = α∈A Xα (Uα ) ;

(2) se Wαβ = Xα (Uα ) ∩ Xβ (Uβ ) 6= ∅ , a aplicação de mudança de coordenadas

hαβ = X−1 −1 −1
α ◦ Xβ : Xβ (Wαβ ) −→ Xα (Wαβ )

tem Jacobiano positivo em todo ponto q ∈ X−1


β (Wαβ ).

A escolha de uma tal famı́lia é chamada uma orientação de S, e a superfı́cie S, neste caso, é
dita orientada.
Se não existir uma famı́lia de parametrizações de S satisfazendo as condições (1) e (2), dize-
mos que S é uma superfı́cie não-orientável.
Se S é orientada, uma parametrização X : U −→ X(U) de S é compatı́vel com a orientação
de S se, juntando X à famı́lia de parametrizações dada pela orientação, obtém-se ainda uma
(portanto, a mesma) orientação de S.

Exemplo 5.1 Uma superfı́cie que é o gráfico de uma função diferenciável é uma superfı́cie
orientável, pois toda superfı́cie que é coberta por uma única vizinhança coordenada é ori-
entável. 

Exemplo 5.2 Se uma superfı́cie S pode ser coberta por duas vizinhanças coordenadas, cuja
interseção é conexa, então S é orientável.
De fato, sejam X : U −→ X(U) e Y : V −→ Y(V) parametrizações de S tais que S = X(U) ∪ Y(V)
e W = X(U) ∩ Y(V) é conexo. Seja h = X−1 ◦ Y : Y −1 (W) −→ X−1 (W) a aplicação de mudança
de coordenadas.
Como Y −1 (W) é conexo e det(dhq ) 6= 0 para todo q ∈ Y −1 (W), temos que det(dhq ) > 0 para
todo q ∈ Y −1 (W) ou det(dhq ) < 0 para todo q ∈ Y −1 (W).

Quando det(dhq ) < 0 para todo q ∈ Y −1 (W), procedemos da seguinte maneira para obter uma
famı́lia de duas parametrizações {X, Y1 } que satisfazem as condições (1) e (2) da definição 5.1.

Seja o difeomorfismo π : V −→ V1 = π(V) dado por π(u, v) = (v, u), onde π−1 = π.

Tomemos Y1 = Y ◦ π−1 = Y ◦ π : V1 −→ Y(V). Então Y1 (V1 ) = Y(V) e Y1 é uma parametrização


de S.
!
0 1
Como dπq = , a aplicação de mudança de parâmetros
1 0

h1 = X−1 ◦ Y1 = X−1 ◦ Y ◦ π = h ◦ π : Y1−1 (W) −→ X−1 (W)

136 J. Delgado - K. Frensel


Orientação de Superfı́cies

tem Jacobiano positivo, pois


d(h1 )q = dhπ(q) ◦ dπq ,
e, portanto,
det(d(h1 )q ) = det(dhπ(q) ) det(dπq ) > 0 ,

para todo q ∈ Y1−1 (W) . 

Exemplo 5.3 A esfera S2 ⊂ R3 pode ser coberta por duas vizinhanças coordenadas (por
exemplo, S2 − {N} e S2 − {−N} dadas pelas projeções estereográficas sobre o pólo norte
N = (0, 0, 1) e sobre o pólo sul −N = (0, 0, −1)) tais que a interseção W dessas vizinhanças
(S2 − {N, −N}) é conexa. Logo, pela observação anterior, S2 é orientável. 

Daremos agora uma interpretação geométrica para a definição de orientabilidade de uma su-
perfı́cie regular em R3 .

Definição 5.2 Um campo de vetores normais unitários diferenciável (resp. contı́nuo) em um


aberto V de uma superfı́cie S é uma aplicação N : V −→ R3 diferenciável (resp. contı́nua) tal
que kN(p)k = 1 e N(p) ⊥ Tp S para todo p ∈ V.

Como vimos na seção 3, dada uma parametrização X : U −→ X(U), existe um campo de


vetores normais unitários diferenciável em X(U), N : X(U) −→ R3 , dado por

Xu ∧ Xv
N(X(u, v)) = (u, v) .
kXu ∧ Xv k

Escolhendo outra parametrização X : U −→ X(U), tal que W = X(U) ∩ X(U) 6= ∅, existe um


campo de vetores normais diferenciável em X(U), N : X(U) −→ R3 , dado por:

Xu ∧ Xv
N(X(u, v)) = (u, v) .
kXu ∧ Xv k

−1
Seja h = X−1 ◦ X : X (W) −→ X−1 (W), h(u, v) = (u(u, v), v(u, v)), a aplicação de mudança de
coordenadas. Então, como, por (7),

∂(u, v)
Xu ∧ Xv (u, v) = (Xu ∧ Xv )(h(u, v)) (u, v) , (8)
∂(u, v)

temos que:
∂(u, v)
(u, v)
∂(u, v)
N(X(u, v)) = N(X(h(u, v))) (9)
∂(u, v) (u, v)

∂(u, v)

Instituto de Matemática - UFF 137


Geometria Diferencial

Logo,


N(X(h(u, v))) , se
∂(u, v)
(u, v) > 0
∂(u, v)
N(X(u, v)) =

−N(X(h(u, v))) , se
∂(u, v)
(u, v) < 0
∂(u, v)

Proposição 5.1 Uma superfı́cie regular S ⊂ R3 é orientável se, e só se, existe um campo de
vetores normais unitários N : S −→ R3 diferenciável em S.

Prova.
(⇒) Suponhamos que S é orientável. Seja {Xα : Uα −→ Xα (Uα ) | α ∈ A} uma famı́lia de
−1
parametrizações de S tal que S = α∈A Xα (Uα ) e hαβ = X−1 −1
S
α ◦ Xβ : Xβ (Wαβ ) −→ Xα (Wαβ )

tem Jacobiano positivo em todos os pontos de X−1


β (Wαβ ) , onde Wαβ = Xα (Uα ) ∩ Xβ (Uβ ) 6= ∅.

Definimos, então,
(Xα )u ∧ (Xα )v
N(p) = (q) ,
k(Xα )u ∧ (Xα )v k

onde Xα (q) = p.

Afirmação: N(p) está bem definido e a aplicação N : S −→ R3 é diferenciável.


De fato, seja Xβ : Uβ −→ Xβ (Uβ ) outra parametrização da famı́lia tal que Xβ (q) = p.
∂(u, v)
Como (q) > 0 , temos, por (8), que
∂(u, v)

∂(u, v)
(q)
(Xα )u ∧ (Xα )v (Xα )u ∧ (Xα )v ∂(u, v) (Xβ )u ∧ (Xβ )v
(q) = (hαβ (q)) · = (q) .
k(Xα )u ∧ (Xα )v k k(Xα )u ∧ (Xα )v k β )u ∧ (Xβ )v k

∂(u, v) k(X
(q)
∂(u, v)

Logo N : S −→ R3 está bem definida e é diferenciável, pois N ◦ Xα : Uα −→ R3 é diferenciável.

(⇐) Seja N : S −→ R3 um campo de vetores normais unitários contı́nuo em S.


Afirmação: Existe uma famı́lia de parametrizações {Xα : Uα −→ Xα (Uα ) | α ∈ A}, com Uα
S
conexo para todo α ∈ A, tal que S = α∈A Xα (Uα ) e

(Xα )u ∧ (Xα )v
N(Xα (u, v)) = (u, v) , (10)
k(Xα )u ∧ (Xα )v k

para todo (u, v) ∈ Uα e para todo α ∈ A.


De fato, sejam p ∈ S e X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p tal que U é conexo.

138 J. Delgado - K. Frensel


Orientação de Superfı́cies

Considere a função contı́nua f : U −→ R dada por:

Xu ∧ Xv
f(u, v) = hN(X(u, v)) , (u, v)i .
kXu ∧ Xv k

Como U é conexo e f(u, v) = ±1, temos que:


Xu ∧ Xv
• f(u, v) = 1 para todo (u, v) ∈ U, isto é, N(X(u, v)) = (u, v) para todo (u, v) ∈ U;
kXu ∧ Xv k
ou
Xu ∧ Xv
• f(u, v) = −1 para todo (u, v) ∈ U, isto é, N(X(u, v)) = − (u, v) para todo (u, v) ∈ U.
kXu ∧ Xv k

No segundo caso, tomemos a parametrização X = X ◦ π : U −→ X(U) = X(U) de S, onde


π : R2 −→ R2 é o difeomorfismo π(u, v) = (v, u) e U = π(U). Observe que U é aberto conexo
e π(U) = U, pois π2 = id.

Como det(dπ(u,v) ) = −1 para todo (u, v) ∈ U, e, por (8),

(Xu ∧ Xv )(u, v) = (Xu ∧ Xv )(π(u, v)) det(dπ(u,v) ) ,

temos que:
X ∧ Xv X ∧ Xv
u (u, v) = − u (π(u, v)) ,
Xu ∧ Xv kXu ∧ Xv k

para todo (u, v) ∈ U.


Logo
Xu ∧ Xv Xu ∧ Xv
N(X(u, v)) = N(X(π(u, v))) = − (π(u, v)) = (u, v) .
kXu ∧ Xv k Xu ∧ Xv

Conseguimos, assim, uma parametrização X : U −→ X(U), tal que U é conexo, X(U) = X(U)
Xu ∧ Xv
e N(X(u, v)) = (u, v) para todo (u, v) ∈ U.
Xu ∧ Xv

Provamos, então, que todo ponto p ∈ S pertence a uma vizinhança coordenada conexa que
satisfaz a relação (10).

Logo N : S −→ R3 é diferenciável e S é orientável, pois se Xα : Uα −→ Xα (Uα ) e Xβ : Uβ −→


Xβ (Uβ ) são duas parametrizações da famı́lia acima, tais que Wαβ = Xα (Uα ) ∩ Xβ (Uβ ) 6= ∅, e
−1
hαβ = X−1 −1
α ◦ Xβ : Xβ (Wαβ −→ Xα (Wαβ ) é a aplicação de mudança de parâmetros, temos, por

(10) e (8), respectivamente, que

(Xβ )u ∧ (Xβ )v (Xα )u ∧ (Xα )v


(u, v) = N(Xβ (u, v)) = N(Xα (hαβ (u, v))) = (hαβ (u, v)) ,
k(Xβ )u ∧ (Xβ )v k k(Xα )u ∧ (Xα )v k

Instituto de Matemática - UFF 139


Geometria Diferencial

∂(u, v)
(Xβ )u ∧ (Xβ )v (Xα )u ∧ (Xα )v ∂(u, v)
e (u, v) = (hαβ (u, v)) (u, v) ;
k(Xβ )u ∧ (Xβ )v k k(Xα )u ∧ (Xα )v k ∂(u, v)

∂(u, v)

∂(u, v)
portanto, > 0 para todo (u, v) ∈ X−1
β (Wαβ ). Assim, S é orientável. 
∂(u, v)

Observação 5.1 A escolha de um campo diferenciável de vetores normais unitários


N : S −→ R3 é chamada uma orientação de S.

Observação 5.2 A demonstração acima mostra que para S ser orientável, precisamos su-
por apenas a existência de um campo de vetores normais unitários contı́nuo em S e que um
tal campo de vetores é de fato diferenciável.

Proposição 5.2 Toda superfı́cie regular S que é a imagem inversa de um valor regular de
uma função diferenciável, definida num aberto de R3 , é orientável.

Prova.
Sejam f : V ⊂ R3 −→ R uma função diferenciável, a ∈ f(V) um valor regular de f e S = f−1 (a).
Como grad f(p) 6= 0 para todo p ∈ S, existe um aberto Wp ⊂ V tal que p ∈ Wp e grad f(q) 6= 0
para todo q ∈ Wp .
grad f
Wp é um aberto de R3 tal que S ⊂ W ⊂ V e : W −→ R3 é uma
S
Logo W = p∈S
k grad fk
aplicação diferenciável.
Sejam p ∈ S, v ∈ Tp S e α : (−ε, ε) −→ S, α(t) = (x(t), y(t), z(t)), uma curva diferenciável em 0
tal que α(0) = p e α 0 (0) = v.
Como α(t) ∈ S,
f(x(t), y(t), z(t)) = a

para todo t ∈ (−ε, ε).


Derivando ambos os membros desta expressão em relação a t, obtemos que em t = 0

fx (p)x 0 (0) + fy (p)y 0 (0) + fz (p)z 0 (0) = 0 ,

grad f(p)
isto é, hgrad f(p) , vi = 0. Como v ∈ Tp S é arbitrário e grad f(p) 6= 0, temos que é
k grad f(p)k
um vetor normal unitário a S em p.

140 J. Delgado - K. Frensel


Orientação de Superfı́cies

Logo N : S ⊂ W −→ R3 ,

grad f(x, y, z) (f , f , f )
N(x, y, z) = = q x y z (x, y, z) ,
k grad f(x, y, z)k f2x + f2y + f2z

é um campo de vetores normais unitários diferenciável em S, e, pela proposição anterior, S é


orientável. 

Exemplo 5.4 Seja S2 = {(x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 + z2 = 1}. Sendo que S2 = f−1 (0), onde
f : R3 −→ R é dada por f(x, y, z) = x2 + y2 + z2 − 1 e 0 é um valor regular de f, temos, pela
proposição 5.2, que S2 é orientável e N : S2 −→ R3 , dado por

grad f
N(x, y, z) = (x, y, z) = (x, y, z) ,
k grad fk

é um campo de vetores normais unitários diferenciável em S2 .

Fig. 40: Campo de vetores normais unitários diferenciável em S2

−−→
Obtemos assim que Tp S2 é o plano que passa pela origem e é ortogonal ao vetor posição Op ,
isto é,

Tp S2 = {v ∈ R3 | hv , pi = 0} .

Temos também que N(x,


e y, z) = (−x, −y, −z) é um campo de vetores normais unitários dife-
renciável em S2 , que determina uma orientação em S2 oposta à orientação dada por N. 

Instituto de Matemática - UFF 141


Geometria Diferencial

Fig. 41: Campo de vetores normais unitários diferenciável em S2

Observação 5.3 Localmente, toda superfı́cie regular é difeomorfa a um conjunto aberto


do plano e é, portanto, orientável. Mas orientação é uma propriedade global no sentido de
envolver toda a superfı́cie.

Observação 5.4 (Exercı́cio 1, pag. 129)


Seja S uma superfı́cie regular que pode ser coberta por duas parametrizações X : U −→ X(U)
e Y : V −→ Y(V), isto é, S = X(U) ∪ Y(V), onde U e V são abertos conexos, tais que W =
X(U) ∩ Y(V) = W1 ∪ W2 possui duas componentes conexas W1 e W2 .

Seja h = Y −1 ◦ X : U1 ∪ U2 −→ V1 ∪ V2 a aplicação de mudança de coordenadas, onde


Ui = X−1 (Wi ) e Vi = Y −1 (Wi ), i = 1, 2.

Fig. 42:

142 J. Delgado - K. Frensel


Orientação de Superfı́cies

Se det(dh) > 0 em U1 e det(dh) < 0 em U2 , então S é não-orientável.


De fato, suponhamos que S é orientável. Então, pela proposição 5.1, existe um campo de
vetores normais diferenciável em S.
Como U é conexo, temos que

Xu ∧ Xv
N(X(u, v) = (u, v) , ∀(u, v) ∈ U ,
kXu ∧ Xv k

ou
Xu ∧ Xv
N(X(u, v) = − (u, v) , ∀(u, v) ∈ U .
kXu ∧ Xv k

E também, como V é conexo,

Yu ∧ Yv
N(Y(u, v)) = (u, v) , ∀(u, v) ∈ V ,
kYu ∧ Yv k

ou
Yu ∧ Yv
N(Y(u, v)) = − (u, v) , ∀(u, v) ∈ V .
kYu ∧ Yv k

Logo,
Xu ∧ Xv Y ∧ Yv
(u, v) = u (h(u, v)) , ∀(u, v) ∈ U1 ∪ U2 ,
kXu ∧ Xv k kYu ∧ Yv k

ou
Xu ∧ Xv Y ∧ Yv
(u, v) = − u (h(u, v)) , ∀(u, v) ∈ U1 ∪ U2 .
kXu ∧ Xv k kYu ∧ Yv k

Então, por (9), det(dh(u,v) ) > 0 para todo (u, v) ∈ U1 ∪ U2 , ou det(dh(u,v) ) < 0 para todo
(u, v) ∈ U1 ∪ U2 , isto é, det(dh) não muda de sinal, uma contradição.

Exemplo 5.5 Daremos agora um exemplo de uma superfı́cie não-orientada chamada faixa
de Möbius.
Seja C = {(x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 = 4 e z = 0} o cı́rculo de raio 2 e centro na origem, contido no
plano z = 0, e AB = {(x, y, z) ∈ R3 | x = 0 , y = 2 e z ∈ (−1, 1)} um segmento aberto centrado
no ponto C = (0, 2, 0) contido no plano x = 0.
A faixa de Möbius é obtida quando deslocamos o centro C de AB ao longo de C ao mesmo
tempo que giramos o segmento AB em torno de C, no plano formado pelo eixo Oz e pelo
ponto C, de tal modo que quando C descreve um ângulo u, AB tenha girado u/2. Quando C
completa uma volta ao longo de C, o segmento AB retorna à sua posição inicial, só que com
os seus extremos A e B invertidos.

Instituto de Matemática - UFF 143


Geometria Diferencial

Fig. 43: Formação da faixa de Möbius

Do ponto de vista topológico, é como se estivéssemos identificando os lados opostos (verticais)


de um retângulo, após dar uma torção no retângulo, de modo a identificar cada ponto do lado
AB com o seu simétrico do outro lado em relação ao ponto médio C.

Fig. 44: Identificação de dois lados de uma faixa retangular para obter a faixa de Möbius

Observação 5.5 É fácil ver geometricamente que a faixa de Móbius M é uma superfı́cie
regular não-orientável.

Fig. 45: Formação da faixa de Möbius

De fato, se M fosse orientável, existiria um campo diferenciável N : M −→ R3 de vetores


normais unitários. Tomando esses vetores ao longo do cı́rculo x2 +y2 = 4, veremos que, depois
de uma volta completa, N voltaria à sua posição inicial como −N, o que é uma contradição.

144 J. Delgado - K. Frensel


Orientação de Superfı́cies

Intuitivamente, não se pode, sobre a faixa de Möbius, fazer uma escolha do que seria um
”lado”, pois, movendo-se sobre a superfı́cie, podemos passar de maneira contı́nua para o
outro ”lado”sem sair da superfı́cie.
• Provaremos agora que M é uma superfı́cie regular que não é orientável.
Afirmação: A aplicação diferenciável X : (0, 2π) × (−1, 1) −→ X(U) ⊂ M dada por

u u u
    
X(u, v) = 2 − v sen sen u, 2 − v sen cos u, v cos ,
2 2 2

é uma parametrização de M tal que

X(U) = M − AB = M ∩ (R3 − {(x, y, z) ∈ R3 | x = 0 e y ≥ 0}) ,

onde U = (0, 2π) × (−1, 1) e V = R3 − {(x, y, z) ∈ R3 | x = 0 e y ≥ 0} é um aberto de R3 .

Fig. 46:

De fato, como
 v u
 u
 v u
 u

Xu (u, v) = − cos sen u + 2 − v sen cos u , − cos cos u − 2 − v sen sen u ,
2 2 2 2 2 2
v u

− sen e
2 2
u u u
 
Xv (u, v) = − sen sen u, − sen cos u, cos ,
2 2 2

temos que:

v2 u u
 2 u
 u

• E(u, v) = cos2 sen2 u + 2 − v sen cos2 u − v cos sen u cos u 2 − v sen
4 2 2 2 2
v2 u u
 2 u
 u

+ cos2 cos2 u + 2 − v sen 2
sen u + v cos cos u sen u 2 − v sen
4 2 2 2 2
v2 v2 v2
u u u
 2 u
+ sen2 = cos2 + 2 − v sen + sen2
4 2 4 2 2 4 2
v2 u 2
 
= + 2 − v sen
4 2
u u u
• G(u, v) = sen2 sen2 u + sen2 cos2 u + cos2 = 1
2 2 2

Instituto de Matemática - UFF 145


Geometria Diferencial

v u u u u
 
• F(u, v) = sen sen2 u cos − sen sen u cos u 2 − v cos
2 2 2 2 2
v u u u u v u u
 
+ sen cos2 u cos + sen cos u sen u 2 − v sen − cos sen
2 2 2 2 2 2 2 2
= 0.

Logo,
v2
 u
2
kXu ∧ Xv k2 (u, v) = (EG − F2 )(u, v) = + 2 − v sen > 0,
4 2

para todo (u, v) ∈ U e, portanto, dX(u,v) : R2 −→ R3 é injetora para todo (u, v) ∈ U.

• Resta ainda provar que X : U −→ X(U) é uma bijeção e que X−1 : X(U) −→ U é contı́nua.
u 2
 
Seja (x, y, z) ∈ R3 tal que (x, y, z) = X(u, v). Então x2 + y2 = 2 − v sen e, portanto,
2

u p x y
2 − v sen = x2 + y2 , sen u = p , e cos u = p .
2 x 2 + y2 x 2 + y2

Como u ∈ (0, 2π), temos que u é determinado de modo único e, portanto, v também.
u
Além disso, como ∈ (0, π),
2

u sp
cos
r
u 2 = 1 + cos u x2 + y2 + y
cotg = u = p ,
2 sen 1 − cos u x2 + y2 − y
2
r sp
u 1 − cos u x 2 + y2 − y
sen = = p
2 2 2 x 2 + y2
u p
e 2 − v sen = x2 + y2 ,
2

temos que u : X(U) −→ R, dada por


sp
x 2 + y2 + y
u(x, y, z) = 2 arc cotg p ,
x 2 + y2 − y

é contı́nua, e v : X(U) −→ R, dada por


 p q p
2
2− x +y 2 2 x2 + y2
v(x, y, z) = qp ,
2 2
x +y −y

é contı́nua. Logo X−1 : X(U) −→ U é contı́nua.

146 J. Delgado - K. Frensel


Uma Caracterização das Superfı́cies Compactas Orientáveis

De modo análogo, podemos provar que a aplicação X : U −→ X(U), dada por


  u π   π
   u π   π
  u π 
X(u, v) = 2 − v sen + sen u + , 2 − v sen + cos u + , v cos + ,
2 4 2 2 4 2 2 4

é uma parametrização de M tal que

X(U) = M ∩ R3 − {(x, y, z) ∈ R3 | y = 0 e x ≥ 0} .


Como essas duas vizinhanças coordenadas cobrem a faixa de Möbius M, isto é,
M = X(U) ∪ X(U), mostramos que M é uma superfı́cie regular.

A interseção das duas vizinhanças coordenadas, W = X(U) ∩ X(U) = W1 ∪ W2 possui duas


componentes conexas W1 e W2 , onde:

 π
W1 = X(u, v) | u ∈ 0, e v ∈ (−1, 1)
2

π 
e W2 = X(u, v) | u ∈ , 2π e v ∈ (−1, 1) .
2

Então

π
  π 
−1 −1
U1 = X (W1 ) = 0, × (−1, 1) , U2 = X (W2 ) = , 2π × (−1, 1) ,
2 2

−1
 3π  −1
 3π

U1 = X (W1 ) = , 2π × (−1, 1) , U2 = X (W2 ) = 0, × (−1, 1) ,
2 2
−1
e a aplicação de mudança de parâmetros, h = X ◦ X : U1 ∪ U2 −→ U1 ∪ U2 , é dada por:

 u+ 3π

, −v , para (u, v) ∈ U1
h(u, v) =  2 
 u− π
,v , para (u, v) ∈ U2 .
2
! !
1 0 1 0
Como det(dh(u,v) ) = det = −1 < 0 em U1 e det(dh(u,v) ) = det = 1 > 0 em
0 −1 0 1
U2 , temos, pela observação 5.4, que M não é orientável. 

6. Uma Caracterização das Superfı́cies Compactas Orientáveis

Nesta seção, provaremos a recı́proca da proposição 5.2, no caso em que S é uma superfı́cie
compacta orientável. Mas ela é válida para qualquer superfı́cie regular orientável, isto é, ”toda

Instituto de Matemática - UFF 147


Geometria Diferencial

superfı́cie regular orientável S em R3 é a imagem inversa de um valor regular de alguma função


diferenciável definida num aberto de R3 que contém S”. Mas a prova quando S é não-compacta
é não-trivial e, portanto, não será feita aqui.

• Seja S ⊂ R3 uma superfı́cie orientável. O ponto crucial da demonstração consiste em provar


que é possı́vel escolher, para cada p ∈ S, um intervalo aberto Ip centrado em p de comprimento
2εp sobre a reta normal a S em p de modo que se p 6= q, p, q ∈ S, então Ip ∩ Iq = ∅ e
V = p∈S Ip é um subconjunto aberto de R3 que contém S.
S

O conjunto aberto V, chamado uma vizinhança tubular de S, tem a propriedade de que por
cada ponto de V passa uma única reta normal a S.

Fig. 47: Vizinhança tubular de S

• Supondo a existência de uma vizinhança tubular V de uma superfı́cie orientável S podemos


definir uma função g : V −→ R da seguinte maneira.

Primeiro escolha um campo normal unitário diferenciável em S, N : S −→ R3 , para fixar uma


orientação para S. Como nenhum par de segmentos Ip e Iq , p 6= q, da vizinhança tubular V
se intersectam, por cada ponto P ∈ V passa uma única reta normal a S que encontra S em um
ponto p.
Por definição, g(P) é a distância de p a P, com um sinal dado pela direção do vetor normal
unitário N(p) em p.

Se provarmos que g é diferenciável e que 0 é um valor regular de g, teremos que S = g−1 (0),
que é o que queremos demonstrar.
• Mostraremos primeiro que cada ponto p de uma superfı́cie regular possui uma vizinhança
que tem uma vizinhança tubular.

148 J. Delgado - K. Frensel


Uma Caracterização das Superfı́cies Compactas Orientáveis

Proposição 6.1 Sejam S uma superfı́cie regular e X : U −→ X(U) uma parametrização de S


em p, com X(u0 , v0 ) = p. Então existem um aberto W ⊂ X(U) de S, com p ∈ W, e um número
ε > 0 tais que os segmentos das retas normais passando pelos pontos q ∈ W, com centro em
q e comprimento 2ε, são disjuntos e V = q∈W Iq é um subconjunto aberto de R3 . Isto é, W
S

tem uma vizinhança tubular.

Prova.
Consideremos a aplicação diferenciável F : U × R −→ R3 dada por:

F(u, v, t) = X(u, v) + t N(u, v) ,

Xu ∧ Xv
onde N(u, v) = (u, v) é um vetor normal unitário a S em X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)).
kXu ∧ Xv k

Geometricamente, F aplica o ponto (u, v, t) do cilindro U × R no ponto da reta normal a S a


uma distância (orientada) t de X(u, v).
O Jacobiano de F em (u0 , v0 , 0) é dado por

∂x ∂x

∂u N1
∂v
∂y ∂y
N2 (u0 , v0 ) = hXu ∧ Xv , Ni(u0 , v0 ) = kXu ∧ Xv k(u0 , v0 ) 6= 0 ,


∂u ∂v

∂z ∂z
N3


∂u ∂v

onde N = (N1 , N2 , N3 ).

Pelo teorema da aplicação inversa, existem δ > 0 e ε > 0 e um aberto V de R3 , tais que

F : (u0 − δ, u0 + δ) × (v0 − δ, v0 + δ) × (−ε, ε) −→ V

é um difeomorfismo C∞ . Isto significa que se p, q ∈ W = X((u0 − δ, u0 + δ) × (v0 − δ, v0 + δ)),


p 6= q, então os segmentos Ip e Iq das retas normais centrados em p e q, respectivamente,
com comprimento 2ε, não se intersectam, e p∈W Ip = V é um aberto de R3 que contém W.
S

Isto é, V é uma vizinhança tubular de W, onde W é um aberto de S que contém p. 

Proposição 6.2 Suponhamos a existência de uma vizinhança tubular V de uma superfı́cie


regular orientável S. Seja N : S −→ R3 um campo de vetores normais unitários diferenciável
em S, que determina uma orientação para S. Então a função g : V −→ R definida como
sendo a distância orientada de um ponto de V ao pé da perpendicular da única reta normal a
S passando por esse ponto, é diferenciável e tem zero como um valor regular em um aberto
V 0 ⊂ V de R3 que contém S .

Instituto de Matemática - UFF 149


Geometria Diferencial

Prova.
Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p = X(u0 , v0 ) compatı́vel com a orientação
escolhida, isto é,
Xu ∧ Xv
N(X(u, v)) = (u, v) ,
kXu ∧ Xv k

para todo u, v ∈ U.
Seja F : (u0 − δ, u0 + δ) × (v0 − δ, v0 + δ) × (−ε, ε) −→ Vp o difeomorfismo C∞ dado pela
proposição anterior, onde F(u, v, t) = X(u, v) + t N(u, v). Podemos escolher ε > 0 e δ > 0 de
modo que Vp ⊂ V.

Como F−1 : Vp −→ R3 , F−1 (x, y, z) = (u(x, y, z), v(x, y, z), t(x, y, z)), é diferenciável e g|Vp = t :
Vp −→ R, temos que g|Vp é diferenciável. Além disso, 0 é um valor regular de g|Vp , pois, caso
contrário, existiria (x0 , y0 , z0 ) ∈ Vp tal que t(x0 , y0 , z0 ) = 0 e

∂t ∂t ∂t
= = = 0,
∂x ∂y ∂z

em (x0 , y0 , z0 ), o que é uma contradição, já que a diferencial de F−1 seria singular em (x0 , y0 , z0 ).

Como p ∈ S é arbitrário, provamos que existe um aberto V 0 = p∈S Vp ⊂ V de R3 tal que


S

S ⊂ V 0 , g : V 0 −→ R é diferenciável e tem zero como valor regular. 

• Para passarmos do local ao global, isto é, para provar a existência de uma vizinhança tubular
de uma superfı́cie orientável inteira, e não apenas de uma vizinhança de um ponto desta
superfı́cie, precisamos rever alguns conceitos e resultados topológicos.

Definição 6.1 Um subconjunto F de R3 é fechado se toda seqüência convergente de pontos


de F tem seu limite pertencente a F.

Definição 6.2 Um subconjunto A de R3 é limitado se está contido em alguma bola de R3 ,


isto é, se existem a ∈ R3 e r > 0 tais que kp − ak ≤ r para todo p ∈ A.

Definição 6.3 Um subconjunto K de R3 é compacto se é fechado e limitado.

Exemplo 6.1 A esfera e o toro são superfı́cies compactas. O parabolóide de revolução z =


x2 + y2 é uma superfı́cie fechada e ilimitada e, portanto, não é uma superfı́cie compacta. O
disco aberto x2 + y2 < 1 e a faixa de Möbius são superfı́cies limitadas, mas não são fechadas
e, portanto, não são compactas. 

150 J. Delgado - K. Frensel


Uma Caracterização das Superfı́cies Compactas Orientáveis

Proposição 6.3 (Bolzano-Weierstrass) Seja K ⊂ R3 um conjunto compacto. Então toda


seqüência de pontos de K possui uma subseqüência convergente cujo limite pertence a K.

Proposição 6.4 (Heine-Borel) Sejam K ⊂ R3 um conjunto compacto e {Uα } uma famı́lia


S
de conjuntos abertos de K tal que K = Uα . Então é possı́vel escolher um número finito
Uα1 , . . . , Uαn de elementos de {Uα } tais que K = Uα1 ∪ . . . ∪ Uαn .

Definição 6.4 Seja B ⊂ R3 um conjunto limitado. O diâmetro de B, denotado diam(B), é o


supremo das distâncias entre dois pontos quaisquer de B, isto é,

diam(B) = sup{kp − qk | p, q ∈ B} .

Proposição 6.5 (Lebesgue) Sejam K um conjunto compacto e {Uα }α∈I uma famı́lia de aber-
S
tos de K tal que Uα = K. Então existe um número δ > 0, chamado o número de Lebesgue
da famı́lia {Uα }, tal que para todo subconjunto A de K com diâmetro menor que δ existe α ∈ I
tal que A ⊂ Uα .

Prova.
Vamos supor que não existe δ > 0 satisfazendo as condições da proposição. Então, dado
1
n ∈ N, existe um subconjunto An de K com diam(An ) < que não está contido em aberto
2n
algum da famı́lia {Uα }.
Tomemos em cada An um ponto pn . Como {pn } é uma seqüência de pontos de K, existe, pela
proposição 6.3, um subconjunto N 0 ⊂ N infinito tal que a subseqüência {pn }n∈N 0 converge para
um ponto p ∈ K.
Seja α0 ∈ I tal que p ∈ Uα0 . Como Uα0 é aberto em K, existe n0 ∈ N tal que
 
1
B p; ∩ K ⊂ Uα0 .
n0

1
Seja n1 ∈ N 0 , n1 ≥ n0 , tal que kpn − pk < para todo n ≥ n1 , n ∈ N 0 .
2n0

Então, para todo n ∈ N 0 , n ≥ n1 , se q ∈ An , temos

1 1 1
kq − pk ≤ kq − pn k + kpn − pk < + < ,
2n 2n0 n0
 
1
isto é, An ⊂ B p; ∩ K ⊂ Uα0 , n ≥ n1 , o que é uma contradição. 
n0

Usando as proposições 6.1, 6.4 e 6.5, provaremos a existência de uma vizinhança tubular de
uma superfı́cie compacta orientável.

Instituto de Matemática - UFF 151


Geometria Diferencial

Proposição 6.6 Seja S ⊂ R3 uma superfı́cie regular, compacta e orientável. Então existe
um número ε > 0 tal que se p, q ∈ S, p 6= q, os segmentos Ip e Iq das retas normais de
S
comprimento 2ε, centrados em p e q, respectivamente, são disjuntos, e V = p∈S Ip é um
aberto de R3 .

Prova.
Pela proposição 6.1, existem, para cada p ∈ S, um aberto Wp de S, com p ∈ Wp , e um
número εp > 0 tais que a proposição vale para os pontos de Wp com ε = εp , e se tomarmos
0 < εp0 < εp , a proposição também continua valendo em Wp com ε = εp0 .

Considerando todos os pontos p ∈ S, obtemos uma famı́lia {Wp } de subconjuntos abertos de


S
S com S = p∈S Wp .

Pela proposição 6.4, é possı́vel escolher um número finito Wp1 , . . . , Wpk de elementos da
famı́lia {Wp } tais que S = Wp1 ∪ . . . ∪ Wpk .

δ

Seja 0 < ε < min εp1 , . . . , εpk , , onde δ > 0 é o número de Lebesgue da famı́lia {Wpi }1≤i≤k .
2
Sejam dois pontos distintos p, q ∈ S. Se ambos pertencerem a algum Wpi , i = 1, . . . , k, os
segmentos das retas normais centrados em p e q com comprimento 2ε não se intersectam,
pois ε < εpi .

Se p e q não pertencem a um mesmo Wpi , temos, pela escolha de δ > 0, que kp − qk ≥ δ.


Neste caso, se os segmentos das retas normais, centrados em p e q com comprimentos 2ε,
se encontrassem em um ponto Q ∈ R3 , terı́amos

δ ≤ d(p, q) ≤ d(p, Q) + d(Q, q) ≤ 2ε ,

contradizendo a escolha de ε.
S
Observe, também, que, para todo i = 1, . . . , k, p∈Wpi Ip , onde Ip é o segmento de reta normal
centrada em p com comprimento 2ε, é, pela proposição 6.1, um aberto de R3 , pois 0 < ε < εpi .
[
Portanto, V = Ip é um aberto de R3 que contém S. 
p∈Wp1 ∪...∪Wpk

Juntando as proposições 6.2 e 6.6, obtemos o seguinte teorema, que é o objetivo central desta
seção.

Teorema 6.1 Seja S ⊂ R3 uma superfı́cie regular, compacta e orientável. Então existe uma
função diferenciável g : V −→ R, definida em um aberto V de R3 , com S ⊂ V (uma vizinhança
tubular de S), que tem zero como valor regular e é tal que S = g−1 (0).

152 J. Delgado - K. Frensel


Uma Definição Geométrica da Área

Observação 6.1 É possı́vel provar a existência de uma vizinhança tubular para uma su-
perfı́cie orientável qualquer, isto é, mesmo se a superfı́cie não é compacta. Portanto, o teo-
rema acima é válido sem a restrição de compacidade. A demonstração, no entanto, é mais
técnica, pois, no caso geral, o εp > 0 não é uma constante como no caso compacto, isto é,
pode variar com p. Uma demonstração deste fato pode ser encontrada no livro de Elon L.
Lima, Variedades Diferenciáveis, Capı́tulo 3.

Observação 6.2 É possı́vel provar que toda superfı́cie regular compacta em R3 é orientável.
Portanto, a hipótese de orientabilidade no teorema acima (caso compacto) é desnecessária.
Uma demonstração simples deste resultado pode ver vista no artigo de Elon L. Lima, Duas
novas demonstrações do Teorema de Jordan-Brouwer no caso diferenciável, Matemática Uni-
versitária, No 4, Sociedade Brasileira de Matemática, 1986, 89-105.

7. Uma Definição Geométrica da Área

Nesta seção daremos uma justificativa geométrica para a definição de área dada na seção 4.
Seja R uma região limitada de uma superfı́cie regular S e considere uma partição P de R por
S
um número finito de regiões Ri , isto é, R = Ri , onde a interseção de duas regiões Ri ou é
vazia ou é constituı́da de pontos da fronteira de ambas.

Fig. 48: Divisão da região R em sub-regiões, Ri , disjuntas dois a dois

O diâmetro de Ri é o supremo das distâncias em R3 de dois pontos quaisquer de Ri , e o maior


dos diâmetros dos Ri de uma partição é chamada a norma da partição e se designa por µ(P).
Considerando uma partição de cada Ri , obtemos outra partição de R, chamada refinamento

Instituto de Matemática - UFF 153


Geometria Diferencial

da partição P.
S
Dada uma partição P, R = Ri , de R, escolhemos, para cada i, um ponto pi ∈ Ri .

Seja Ri a projeção de Ri sobre o plano tangente a S em pi na direção da reta normal a S em pi


e seja A(Ri ) sua área.

Fig. 49: Projeção ortogonal Ri de Ri sobre o plano tangente a S em pi


X
A soma A(Ri ) é uma aproximação do que entendemos intuitivamente por área de R.
i

Se, escolhendo partições P1 , . . . , Pn , . . . cada vez mais refinadas de P tais que a norma µn =
X
µ(Pn ) tende a zero, existir o limite de A(Ri ) e esse limite for independente das escolhas
i

feitas, dizemos que R tem área A(R) dada por

X
A(R) = lim A(Ri ) .
µn →0
i

Mostraremos que toda região limitada de uma superfı́cie regular contida numa vizinhança co-
ordenada possui de fato uma área.

Proposição 7.1 Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de uma superfı́cie regular S e


seja R = X(Q) uma região limitada de S contida em X(U). Então R tem uma área dada por

ZZ
A(R) = kXu ∧ Xv k du dv .
Q

Prova.
S
Seja R = i Ri uma partição de R. Como cada Ri é compacto (isto é, limitado e fechado)
podemos refinar a partição dada de modo que as normais à superfı́cie em dois pontos quais-
S
quer de Rij , onde Ri = j Rij , não sejam ortogonais.

154 J. Delgado - K. Frensel


Uma Definição Geométrica da Área

De fato, como a aplicação F : U × U −→ R, dada por


Xu ∧ Xv X ∧ Xv
F((u, v), (u, v)) = h (u, v) , u (u, v)i ,
kXu ∧ Xv k kXu ∧ Xv k

é contı́nua, dado (u0 , v0 ) ∈ U existe um disco aberto D(u0 , v0 ) de centro (u0 , v0 ) e raio δ(u0 , v0 ) >
0 contido em U, tal que hN ◦ X(u, v) , N ◦ X(u, v)i =
6 0 para todos (u, v), (u, v) ∈ D(u0 , v0 ), pois
F((u0 , v0 ), (u0 , v0 )) = 1 6= 0.
S
Logo R ⊂ (u,v)∈Q X(D(u, v)), onde X(D(u, v)) é um aberto de S para todo (u, v) ∈ Q.

Seja δ > 0 o número de Lebesgue da cobertura aberta {X(D(u, v)) | (u, v) ∈ Q} do compacto R
S
e seja Ri = j Rij , para cada i, uma partição de Ri cuja norma µi seja menor que o número de
Lebesgue δ.
Então, para cada ij , existe (uij , vij ) ∈ Q tal que Rij ⊂ X(D(uij , vij )). Portanto hN(p) , N(q)i =
6 0
para todos p, q ∈ Rij .

Seja R = k Rk um refinamento P 0 da partição P com a propriedade acima. E, para cada k,


S

escolha um ponto pk ∈ Rk = X(Qk ).

Vamos agora calcular a área da projeção ortogonal Rk de Rk sobre o plano tangente a S em


pk .
Xu ∧ Xv
Para isso, seja Nk o vetor unitário normal a S em pk dado por Nk = (uk , vk ), onde
kXu ∧ Xv k
pk = X(uk , vk ) e sejam wk1 , wk2 vetores ortonormais de R3 tais que {wk1 , wk2 , Nk } é uma base
ortonormal positiva de R3 .
Então, para todo (u, v) ∈ U,

X(u, v) = pk + x(u, v) wk1 + y(u, v) wk2 + z(u, v)Nk ,

onde x, y, z : U −→ R, dadas por

x(u, v) = hX(u, v) − pk , wk1 i


y(u, v) = hX(u, v) − pk , wk2 i
z(u, v) = hX(u, v) − pk , Nk i ,

são funções diferenciáveis em U.


∂(x, y)
Afirmação: 6= 0 em Qk .
∂(u, v)

De fato, como
∂x ∂y ∂z
Xu = · wk1 + · wk2 + · Nk e
∂u ∂u ∂u

Instituto de Matemática - UFF 155


Geometria Diferencial

∂x ∂y ∂z
Xv = · wk1 + · wk2 + · Nk ,
∂v ∂v ∂v
temos que:
 ∂x ∂y ∂x ∂y
  ∂x ∂z ∂z ∂x

Xu ∧ Xv = − wk1 ∧ wk2 + − wk1 ∧ Nk
∂u ∂v ∂v ∂u ∂u ∂v ∂u ∂v
 ∂y ∂z ∂z ∂y

+ − wk2 ∧ Nk
∂u ∂v ∂u ∂v
∂(x, y) ∂(x, z) k ∂(y, z) k
= Nk − w2 + w . (11)
∂(u, v) ∂(u, v) ∂(u, v) 1

∂(x, y)
Logo, se (u0 , v0 ) fosse igual a zero para algum (u0 , v0 ) ∈ Qk , terı́amos
∂(u, v)

∂(x, y) ∂(y, z)
Xu ∧ Xv (u0 , v0 ) = − (u0 , v0 ) wk2 + (u0 , v0 ) wk1 ,
∂(u, v) ∂(u, v)

e, portanto, o vetor normal a S em X(u0 , v0 ) seria ortogonal a Nk , contradizendo a hipótese


sobre a direção das normais em Rk . A área de Rk é dada por
ZZ
A(Rk ) = dx dy ,
Rk

onde (x, y, z) são as coordenadas de um ponto com respeito ao sistema de eixos ortogonais
pk x y z em R3 com origem em pk e eixos paralelos e com o mesmo sentido de wk1 , wk2 e Nk ,
respectivamente.

Fig. 50: Sistema pk x y z

∂(x, y)
Como (u, v) > 0 para todo (u, v) ∈ Qk , pois, por (11),
∂(u, v)

∂(x, y)
(uk , vk ) = kXu ∧ Xv k(uk , vk ) > 0 , (12)
∂(u, v)

156 J. Delgado - K. Frensel


Uma Definição Geométrica da Área

podemos considerar a mudança de coordenadas h : Qk −→ Rk , dada por

h(u, v) = pk + x(u, v) wk1 + y(u, v) wk2 ,

e transformar a integral acima em


ZZ
∂(x, y)
A(Rk ) = du dv .
Qk ∂(u, v))

Consideremos a aplicação contı́nua Lk : Qk −→ R dada por

∂(x, y)
Lk (u, v) = h(Xu ∧ Xv )(u, v) , Nk i − kXu ∧ Xv k(u, v) = (u, v) − kXu ∧ Xv k (u, v) , (13)
∂(u, v)

onde Lk (uk , vk ) = 0 por (12).


Sejam Mk e mk o máximo e o mı́nimo da função contı́nua Lk na região compacta Qk . Então,

∂(x, y) ∂X ∂X

mk ≤ (u, v) − ∧ (u, v) ≤ Mk ,
∂(u, v) ∂u ∂v

para todo (u, v) ∈ Qk . Portanto,


ZZ ZZ ZZ
∂X ∂X

mk du dv ≤ A(Rk ) − ∧ du dv ≤ Mk du dv .
∂u ∂v

Qk Qk Qk

Procedendo da mesma maneira para todos os Rk , obtemos


X X ZZ X
∂X ∂X

mk A(Qk ) ≤ A(Rk ) − ∧ du dv ≤ Mk A(Qk ) . (14)
∂u ∂v

k k Q k

Afirmação: Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que se P 0 é um refinamento da partição P com norma
< δ, então
X
ZZ
∂X ∂X

0
A(Rk ) − ∧ du dv < ε ,

Q ∂u ∂v


k

De fato, dados (u0 , v0 ) ∈ Q e ε > 0, existe δ(u0 , v0 ) > 0 tal que

|f((u, v), (u 0 , v 0 ))| < ε 0 , (15)


ε
para todos (u, v), (u 0 , v 0 ) ∈ D(u0 , v0 ), onde ε 0 = , D(u0 , v0 ) é o disco aberto de centro
A(Q)
(u0 , v0 ) e raio δ(u0 , v0 ) e f : Q × Q −→ R é a função contı́nua dada por

Xu ∧ Xv
f((u, v), (u, v)) = hXu ∧ Xv (u, v) , (u, v)i − kXu ∧ Xv k(u, v) ,
kXu ∧ Xv k

Instituto de Matemática - UFF 157


Geometria Diferencial

pois f((u0 , v0 ), (u0 , v0 )) = 0 .


S
Então R ⊂ (u0 ,v0 )∈Q X(D(u0 , v0 )), onde cada X(D(u0 , v0 )) é aberto em S.

Seja δ > 0 o número de Lebesgue da cobertura aberta {X(D(u0 , v0 )) | (u0 , v0 ) ∈ Q} do com-


S
pacto R, e, para cada k, seja Rk = j Rkj uma partição de Rk com norma < δ.

Logo, para cada kj , existe (ukj , vkj ) ∈ Q tal que Rkj ⊂ X(D(ukj , vkj )).

Portanto, se pkj ∈ Rkj , com X(u0kj , v0kj ) = pkj e (u0kj , v0kj ) ∈ D(ukj , vkj ), temos, por (15), que

f((u, v), (ukj , vkj )) < ε 0 ,
0 0

isto é,

hXu ∧ Xv (u, v) , X ∧ X
u v
∧ < ε0 ,
0 0

(u , v )i − kXu Xv k(u, v)
kXu ∧ Xv k k j k j

para todo (u, v) ∈ X−1 (Rkj ) = Qkj .

Assim, para cada região Rkj , temos

−ε 0 < hXu ∧ Xv (u, v) , Nkj i − kXu ∧ Xv k (u, v) < ε 0 ,

Xu ∧ Xv
para todo (u, v) ∈ Qkj , onde Nkj = (u0 , v0 ) e, portanto, por (13),
kXu ∧ Xv k kj kj

−ε 0 < Lkj (u, v) < ε 0 ,

para todo (u, v) ∈ Qkj .

Como Mkj < ε 0 , mkj > −ε 0 , temos, por (13), que


X ZZ
0
−ε A(Q) < A(Rkj ) − kXu ∧ Xv k du dv < ε 0 A(Q) ,
k,j Q

ou seja,
X
ZZ

A(Rkj ) − kXu ∧ Xv k du dv < ε .



k,j Q
X
Logo, existe o limite de A(Ri ), que é dado por
i
ZZ
A(R) = kXu ∧ Xv k du dv ,
Q

e é independente da escolha da partição P inicial e dos pontos pk em cada região de uma


partição que refina P. 

160 J. Delgado - K. Frensel


Capı́tulo 4

A Geometria da Aplicação de Gauss

Como vimos no Capı́tulo 1, a taxa de variação da reta tangente a uma curva plana C nos dá a
curvatura, uma entidade geométrica importante. Neste capı́tulo, estenderemos essa idéia para
superfı́cies regulares, isto é, mediremos o quão rapidamente uma superfı́cie S se afasta do
plano tangente Tp S, numa vizinhança de p ∈ S. Isto é equivalente a medir a taxa de variação
em p de um campo vetorial normal unitário N em uma vizinhança de p. Como veremos na
seção 2 deste capı́tulo, esta taxa de variação é dada por uma aplicação linear em Tp S, que é
auto-adjunta. Mas antes faremos uma breve revisão sobre aplicações lineares auto-adjuntas e
formas quadráticas.

1. Aplicações Lineares Auto-Adjuntas e Formas Quadráticas

Seja V um espaço vetorial de dimensão 2 munido de um produto interno h , i. Dizemos que


uma aplicação linear A : V −→ V é auto-adjunta se

hAv , wi = hv , Awi ,

para todos u, v ∈ V.
Se {e1 , e2 } é uma base ortonormal de V e (aij ), i, j = 1, 2, é a matriz de A relativa a esta base,
então
aij = hAej , ei i = hej , Aei i = hAei , ej i = aji ,

isto é, a matriz (aij ) é simétrica.

A cada aplicação linear auto-adjunta A : V → V associamos uma aplicação B : V × V → R,


Geometria Diferencial

definida por
B(v, w) = hAv , wi ,

que é bilinear, isto é, é linear em v e em w, e é simétrica, isto é,

B(v, w) = B(w, v) ,

pois hAv , wi = hAw , vi.


Reciprocamente, se B : V × V −→ R é uma forma bilinear e simétrica, então existe uma única
aplicação linear A : V −→ V tal que

hAv , wi = B(v, w) ,

para todos u, v ∈ V, que é auto-adjunta, pois

hAv , wi = B(v, w) = B(w, v) = hAw , vi = hv , Awi ,

para todos u, v ∈ V.
De fato, para cada v ∈ V fixo, a função

w 7−→ B(v, w)

é linear. Portanto, existe um único vetor Av ∈ V tal que

hAv , wi = B(v, w) ,

para todo w ∈ V. A aplicação A : V −→ V assim definida é linear, pois

hA(v + λv 0 ) , wi = B(v + λv 0 , w) = B(v, w) + λ B(v 0 , w)


= hAv , wi + λhAv 0 , wi = hAv + λAv 0 , wi ,

para todo w ∈ V e, portanto, A(v + λv 0 ) = Av + λA(v 0 ) para quaisquer v, v 0 ∈ V e λ ∈ R.


Por outro lado, a cada forma bilinear simétrica B : V × V −→ R corresponde uma forma
quadrática Q : V −→ R em V dada por

Q(v) = B(v, v) ,

para todo v ∈ V. O conhecimento de Q determina B, pois

1
B(v, w) = (Q(v + w) − Q(v) − Q(w)) ,
2

para todos v, w ∈ V.

162 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações Lineares Auto-Adjuntas e Formas Quadráticas

Assim, provamos que existe uma bijeção entre as formas quadráticas em V e as aplicações
lineares auto-adjuntas de V.
O nosso objetivo agora é provar que dada uma aplicação linear auto-adjunta A : V −→ V,
existe uma base ortonormal de V tal que a matriz de A relativa a esta base é uma matriz
diagonal e que os elementos da diagonal são o máximo e o mı́nimo da forma quadrática
correspondente restrita ao cı́rculo unitário de V.

Lema 1.1 Se a função Q(x, y) = ax2 + 2bxy + cy2 , restrita ao cı́rculo unitário x2 + y2 = 1,
tem um máximo no ponto (1, 0), então b = 0.

Prova.
Sejam α : (−ε, 2π + ε) −→ S1 , α(t) = (cos t, sen t), uma parametrização do cı́rculo unitário
S1 : x2 + y2 = 1.

Então, como a função Q ◦ α(t) = a cos2 t + 2b cos t sen t + c sen2 t tem um máximo em t = 0,
temos
d
(Q ◦ α(t))|t=0 = 2b = 0 ,
dt
isto é, b = 0. 

Proposição 1.1 Dada uma forma quadrática Q : V −→ R existe uma base ortonormal
{e1 , e2 } de V tal que se v ∈ V é dado por v = xe1 + ye2 , então

Q(v) = λ1 x2 + λ2 y2 ,

onde λ1 e λ2 são o máximo e o mı́nimo, respectivamente, de Q sobre o cı́rculo unitário


S1 = {w ∈ V | kwk = 1} de V.

Prova.
Como S1 é compacto e Q : V −→ R é contı́nua, existem λ1 ∈ R e e1 ∈ S1 tais que

λ1 = Q(e1 ) ≥ Q(v) ,

para todo v ∈ S1 , isto é, λ1 é o máximo de Q restrita a S1 .


Seja e2 um vetor unitário ortogonal a e1 e seja λ2 = Q(e2 ).
Se B : V × V −→ R é a forma bilinear simétrica associada a Q e v = xe1 + ye2 , temos

Q(v) = B(v, v) = B(xe1 + ye2 , xe1 + ye2 )


= B(e1 , e1 )x2 + 2B(e1 , e2 )xy + B(e2 , e2 )y2
= λ1 x2 + 2bxy + λ2 y2 ,

Instituto de Matemática - UFF 163


Geometria Diferencial

onde b = B(e1 , e2 ).

Então, como (1, 0) é um ponto de máximo da função (x, y) 7−→ λ1 x2 + 2bxy + λ2 y2 restrita ao
cı́rculo unitário x2 + y2 = 1, temos, pelo lema 1.1, que b = 0.
Basta agora verificar que λ2 é o mı́nimo de Q sobre o cı́rculo unitário de V. Para isso, tomemos
v = xe1 + ye2 com x2 + y2 = 1. Então

Q(v) = λ1 x2 + λ2 y2 ≥ λ2 (x2 + y2 ) = λ2 ,

já que λ1 ≥ λ2 . 

Dizemos que λ ∈ R é um autovalor de uma aplicação linear A : V −→ V se existe um vetor


v ∈ V − {0} tal que Av = λv. E, no caso em que λ ∈ R é um autovalor de A, todo vetor w ∈ V
tal que Aw = λw é chamado um autovetor de A associado ao autovalor λ.

Teorema 1.1 Seja A : V −→ V uma aplicação linear auto-adjunta. Então existe uma base
ortonormal {e1 , e2 } de V tal que A(e1 ) = λ1 e1 , A(e2 ) = λ2 e2 (isto é, e1 e e2 são autovetores de A
relativos aos autovalores λ1 e λ2 , respectivamente). A matriz de A relativa à base {e1 , e2 } é dia-
gonal e os elementos λ1 e λ2 , λ1 ≥ λ2 , da diagonal são o máximo e o mı́nimo, respectivamente,
da forma quadrática Q(v) = hAv , vi sobre o cı́rculo unitário de V.

Prova.
Pela proposição 1.1, para a forma quadrática Q(v) = hAv , vi, existe uma base ortonormal
{e1 , e2 } de V tal que Q(e1 ) = λ1 , Q(e2 ) = λ2 , λ2 ≤ λ1 , onde λ1 e λ2 são, respectivamente, o
máximo e o mı́nimo de Q sobre o cı́rculo unitário de V.
Resta, então, provar que

A(e1 ) = λ1 e1 e A(e2 ) = λ2 e2 .

Como B(e1 , e2 ) = hAe1 , e2 i = 0, pelo lema 1.1, e {e1 , e2 } é uma base ortonormal de V, temos
que A(e1 ) é um múltiplo de e1 , isto é, existe α ∈ R tal que A(e1 ) = αe1 . Logo,

λ1 = B(e1 , e1 ) = hAe1 , e1 i = hαe1 , e1 i = α ,

isto é, A(e1 ) = λ1 e1 .


De modo análogo, como B(e1 , e2 ) = hAe2 , e1 i = 0 e λ2 = B(e2 , e2 ) = hAe2 , e2 i , podemos
provar que A(e2 ) = λ2 e2 . 

164 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

2. A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades


Fundamentais

Como vimos no Capı́tulo 3, uma superfı́cie regular S é orientável se ela admite um campo
diferenciável de vetores normais unitários definido em toda a superfı́cie, e a escolha de um tal
campo N : S −→ R3 é chamada uma orientação de S.

Observação 2.1 Uma orientação N : S −→ R3 em S induz uma orientação em cada plano


tangente Tp S, p ∈ S, da seguinte maneira.

Definimos uma base {v, w} de Tp S como sendo positiva se hv ∧ w , N(p)i é positivo. Então o
conjunto de todas as bases positivas de Tp S é uma orientação de Tp S.

De fato, seja {v, w} uma base positiva de Tp S e {v 0 , w 0 } uma base de Tp S. Então, se v 0 = av+bw
e w 0 = cv + dw, temos que

hv 0 ∧ w 0 , N(p)i = h(av + bw) ∧ (cv + dw) , N(p)i = (ad − bc)hv ∧ w , N(p)i ,


!
a c
e, portanto, {v 0 , w 0 } é uma base positiva de Tp S se, e só se, det = ad − bc > 0, isto é,
b d
se, e só se, {v 0 , w 0 } tem a mesma orientação de {v, w}.

Ao longo deste capı́tulo, S será uma superfı́cie regular orientável na qual foi escolhida uma
orientação N : S −→ R3 . Diremos simplesmente que S é uma superfı́cie com uma orientação
N.

Fig. 1: Aplicação normal de Gauss N : S −→ S2

Definição 2.1 Seja S ⊂ R3 uma superfı́cie com uma orientação N. A aplicação N : S −→ R3


toma seus valores na esfera unitária

S2 = {(x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 + z2 = 1} .

Instituto de Matemática - UFF 165


Geometria Diferencial

A aplicação N : S −→ S2 , assim definida, é chamada a aplicação de Gauss de S.

Observação 2.2 A aplicação de Gauss N : S −→ S2 é diferenciável.


De fato, a aplicação N : S −→ S2 é contı́nua e se X : U −→ X(U) ⊂ S é uma parametrização
de S em p, p ∈ S, e Y : V −→ Y(V) ⊂ S2 é uma parametrização de S2 em N(p) tais que
N(X(U)) ⊂ Y(V), então a aplicação

Y −1 ◦ N ◦ X : U −→ V

é diferenciável, poir N ◦ X : U −→ R3 é diferenciável, e Y −1 é a restrição de uma aplicação


diferenciável definida num aberto de R3 .

Sejam p ∈ S e dNp : Tp S −→ TN(p) S2 a diferencial de N em p. Como TN(p) S2 = Tp S, pois TN(p) S2


é o plano perpendicular a N(p) pelo exemplo 5.4, do Capı́tulo 3, dNp pode ser vista como uma
aplicação linear em Tp S.

Seja dNp : Tp S −→ Tp S a diferencial da aplicação de Gauss em p e seja α : (−ε, ε) −→ S


uma curva diferenciável com α(0) = p e α 0 (0) = v ∈ Tp S. Então dNp (v) = N 0 (0) ∈ Tp S, onde
N(t) = N ◦ α(t), mede a taxa de variação com que N, restrita à curva α, muda de direção
numa vizinhança de t = 0.
Assim, dNp mede quanto N se afasta de N(p) numa vizinhança de p, isto é, mede quanto S
se afasta de Tp S numa vizinhança de p.

No caso das curvas, esta medida é dada por um número, a curvatura. Já para as superfı́cies,
esta medida é dada por uma aplicação linear, a diferencial dNp : Tp S −→ Tp S de N no ponto
p ∈ S.

Proposição 2.1 A diferencial dNp : Tp S −→ Tp S da aplicação normal de Gauss é uma


aplicação linear auto-adjunta.

Prova.
Como dNp é linear, basta provar que hdNp (w1 ) , w2 i = hw1 , dNp (w2 )i para uma base {w1 , w2 }
de Tp S.

De fato, se v = aw1 + bw2 e w = cw1 + dw2 são vetores tangentes a S em p, então:

hdNp (v) , wi = hdNp (aw1 + bw2 ) , cw1 + dw2 i


= achdNp (w1 ) , w1 i + adhdNp (w1 ) , w2 i + bchdNp (w2 ) , w1 i + bdhdNp (w2 ) , w2 i
= achw1 , dNp (w1 )i + adhw1 , dNp (w2 )i + bchw2 , dNp (w1 )i + bdhw2 , dNp (w2 )i
= haw1 + bw2 , dNp (cw1 + dw2 i .

166 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p, com X(q) = p, e seja {Xu (q), Xv (q)} a
base de Tp S associada a X.

Se α : I −→ X(U), α(t) = X(u(t), v(t)), é uma curva parametrizada diferenciável em S, com


α(0) = p, temos

d
dNp (α 0 (0)) = dNp (u 0 (0)Xu (q) + v 0 (0)Xv (q)) =

(N ◦ X(u(t), v(t))) t=0
dt
d
N(u(t), v(t)) t=0 = Nu (q)u 0 (0) + Nv (q)v 0 (0) ,

=
dt

onde N = N ◦ X.
Logo dNp (Xu (q)) = Nu (q) e dNp (Xv (q)) = Nv (q).

Como hN , Xu i = hN , Xv i ≡ 0 em U temos, derivando essas expressões em ralação a v e u,


respectivamente, que:
hNv , Xu i + hN , Xuv i = 0

e hNu , Xv i + hN , Xvu i = 0 .

Assim, hNv , Xu i = hNu , Xv i , isto é,

hdNp (Xv (q)) , Xu (q)i = hXv (q) , dNp (Xu (q))i ,

como querı́amos provar. 

Exemplo 2.1 Seja o plano P = {(x, y, z) ∈ R3 | ax + by + cz = d}, onde (a, b, c) 6= (0, 0, 0).
(a, b, c)
Então, o campo de vetores normais unitários N(x, y, z) = p é constante e, por-
a2 + b2 + c2
tanto, dN ≡ 0, isto é, todo vetor de Tp S é um autovetor associado ao autovalor zero. 

Fig. 2: Campo de vetores normais unitários ao plano P

Exemplo 2.2 Já vimos, no exemplo 5.4 do Capı́tulo 3, que

N(x, y, z) = (x, y, z) e N(x, y, z) = (−x, −y, −z)

Instituto de Matemática - UFF 167


Geometria Diferencial

são os dois campos diferenciáveis normais unitários da esfera unitária S2 .

Seja α : (−ε, ε) −→ S2 , α(t) = (x(t), y(t), z(t)), uma curva diferenciável com α(0) = p ∈ S2 e
α 0 (0) = v ∈ Tp S2 . Então

d
dp N(v) = dNp (x 0 (0), y 0 (0), z 0 (0)) = N(t) t=0 = (−x 0 (0), −y 0 (0), −z 0 (0)) = −v ,

dt

onde N(t) = N ◦ α(t) = (−x(t), −y(t), −z(t)) , t ∈ (−ε, ε).

Assim, todo vetor de Tp S2 é um autovetor de dNp associado ao autovalor −1.

Para N, temos dNp (v) = v para todo p ∈ S2 e todo v ∈ Tp S2 , isto é, todo vetor de Tp S2 é um
autovetor de dNp associado ao autovalor 1. 

Exemplo 2.3 Consideremos o cilindro C = {(x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 = 1}.


Se α : (−ε, ε) −→ C, α(t) = (x(t), y(t), z(t)), é uma curva diferenciável com α(0) = p e
α 0 (0) = v ∈ Tp C, então

x(t)2 + y(t)2 = 1 ∀t ∈ (−ε, ε) =⇒ 2x(0)x 0 (0) + 2y(0)y 0 (0) = 0 =⇒ h(x(0), y(0), 0) , vi = 0

Logo N(x, y, z) = (x, y, 0) e N(x, y, z) = (−x, −y, 0) são os dois campos diferenciáveis de
vetores normais unitários em C e

T(x,y,z) C = {λ(−y, x, 0) + µ(0, 0, 1) | λ, µ ∈ R} .

Fig. 3: Campos N e N sobre o cilindro

168 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

Assim,

dNp (v) = dNα(0) (α 0 (0)) = dNp (x 0 (0), y 0 (0), z 0 (0))


d d
N(t) t=0 = (−x(t), −y(t), 0) t=0 = (−x 0 (0), −y 0 (0), 0) = (−v1 , −v2 , 0) ,

=
dt dt

onde N(t) = N ◦ α(t) = (−x(t), −y(t), 0) e v = (v1 , v2 , v3 ).


Logo,
• se v é um vetor tangente ao cilindro e paralelo ao eixo Oz, então

dNp (v) = 0 = 0 v ,

isto é, v é um autovetor de dNp associado ao autovalor zero;

• e se w é um vetor tangente ao cilindro e paralelo ao plano xy, então

dNp (w) = −w ,

isto é, w é um autovetor de dNp associado ao autovalor −1.

Fig. 4: Vetores N, v sobre o cilindro

Para N temos dN(v) = (v1 , v2 , 0), para todo p ∈ C e v = (v1 , v2 , v3 ) ∈ Tp C, e, portanto, (0, 0, µ) ,
µ ∈ R, e λ(−y, x, 0) , λ ∈ R , são os auto-vetores de dNp associados aos autovalores 0 e 1,
respectivamente. 

Instituto de Matemática - UFF 169


Geometria Diferencial

Exemplo 2.4 Seja o parabolóide hiperbólico PH = {(x, y, z) ∈ R3 | z = y2 − x2 }.


Então X : R2 −→ PH , X(u, v) = (u, v, v2 −u2 ), é uma parametrização de PH tal que X(R2 ) = PH .
Como
Xu (u, v) = (1, 0, −2u) e Xv (u, v) = (0, 1, 2v) ,
temos que
Xu ∧ Xv u, −v, 12

N(X(u, v)) = (u, v) = q
kXu ∧ Xv k u2 + v2 + 41

é um campo de vetores normais unitários diferenciável em PH .


Em p = (0, 0, 0) = X(0, 0), temos que

N(p) = (0, 0, 1) , Xu (0, 0) = (1, 0, 0) , e Xv (0, 0) = (0, 1, 0)

e, portanto, Tp PH =plano xy.

Seja α(t) = X(u(t), v(t)) = (u(t), v(t), v(t)2 − u(t)2 ) uma curva diferenciável com

α(0) = (0, 0, 0) = p e α 0 (0) = v = (u 0 (0), v 0 (0), 0) .

Então
 
1

d d  u(t), −v(t), 2
dNp (v) = N(t) t=0 = q 
dt dt u(t)2 + v(t)2 + 14

t=0

(u 0 (0), −v 0 (0), 0) 12
= 1
= (2u 0 (0), −2v 0 (0), 0) = 2(a, −b, 0) ,
4

onde v = (a, b, 0). Segue-se que v = (1, 0, 0) e w = (0, 1, 0) são autovetores de dNp associa-
dos aos autovalores 2 e −2, respectivamente. 

Fig. 5: Autovetores v e w de dN(0,0,0)

170 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

Exemplo 2.5 Seja o parabolóide

P = {(x, y, z) ∈ R3 | z = x2 + ky2 } ,

onde k > 0, e seja a função diferenciável F : R3 −→ R dada por

F(x, y, z) = x2 + ky2 − z .

Então
grad F(x, y, z) = (2x, 2ky, −1) 6= (0, 0, 0)

para todo (x, y, z) ∈ R3 . Portanto, 0 é valor regular de F e P = F−1 (0) é uma superfı́cie regular.
Pela proposição 5.2,

grad F (−2x, −2ky, 1)


N(x, y, z) = − (x, y, z) = p
k grad Fk 4x2 + 4k2 y2 + 1

é um campo diferenciável de vetores normais unitários em P.


Logo, em p = (0, 0, 0), N(p) = (0, 0, 1) e Tp P = plano xy.

Se α(t) = (x(t), y(t), z(t)), t ∈ (−ε, ε), é uma curva diferenciável em P, com α(0) = p e
α 0 (0) = (x 0 (0), y 0 (0), 0) = v = (a, b, 0), então

d
dNp (v) = N(t)|t=0 = (−2x 0 (0), −2ky 0 (0), 0) = (−2a, −2kb, 0) .
dt

Assim, (1, 0, 0) e (0, 1, 0) são autovetores de dNp associados aos autovalores −2 e −2k, res-
pectivamente. 

Associada à aplicação linear auto-adjunta dNp : Tp S −→ Tp S, temos a forma bilinear simétrica

B(v, w) = hdNp (v) , wi , ∀v, w ∈ Tp S ,

e a forma quadrática
Q(v) = B(v, v) = hdNp , vi , ∀v ∈ Tp S .

Para obter uma interpretação geométrica desta forma quadrática, precisamos de algumas
definições. Por motivos que se tornarão claros depois, usaremos a forma quadrática −Q.

Definição 2.2 A forma quadrática IIp : Tp S −→ R definida por IIp (v) = −hdNp (v) , vi, é
chamada a segunda forma fundamental de S em p.

Instituto de Matemática - UFF 171


Geometria Diferencial

Definição 2.3 Seja C uma curva regular em S que passa por p, k(p) a curvatura de C em p
e cos θ = hn(p) , N(p)i, onde n(p) é o vetor normal a C em p e N(p) é o vetor normal a S em
p. O número κn (p) = κ(p) cos θ é chamado de curvatura normal de C em p.

Observação 2.3 No caso em que κ(p) = 0, consideramos n(p) = 0.

Observação 2.4 κn (p) = κ(p)hn(p) , N(p)i é o comprimento da projeção do vetor κ(p)n(p)


sobre o vetor N(p) com o sinal dado pela orientação N(p) de S em p.

Fig. 6: κn é a projeção do vetor κ n sobre a normal N da superfı́cie em p

Observação 2.5 A curvatura normal κn (p) de C em p não depende da orientação de C, pois


κ(p) e n(p) não se alteram quando mudamos a orientação de C, mas muda de sinal quando
mudamos a orientação N da supefı́cie para −N.

Observação 2.6 (Interpretação Geométrica da Segunda Forma Fundamental)


Seja C uma curva regular em S, com p ∈ C, e α : I −→ C uma parametrização de C pelo
comprimento de arco tal que α(0) = p e α 0 (0) = v.

Seja N(s) = N ◦ α(s). Como hN(s) , α 0 (s)i = 0 para todo s ∈ I, temos que
0
hN(s) , α 00 (s)i = −hN (s) , α 0 (s)i ,

para todo s ∈ I. Logo,


0
IIp (v) = IIp (α 0 (0)) = −hdNp (α 0 (0)) , α 0 (0)i = −hN (0) , α 0 (0)i
= hN(0) , α 00 (0)i = hN(p) , κ(p)n(p)i = κn (p) .

Assim, o valor de IIp em um vetor unitário v ∈ Tp S é igual à curvatura normal de qualquer


curva regular em S que passa por p e é tangente a v em p.

172 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

Proposição 2.2 (Meusnier) Todas as curvas regulares de uma superfı́cie S que passam por
p ∈ S e têm a mesma reta tangente neste ponto, possuem a mesma curvatura normal em p.

• A proposição acima nos permite definir a curvatura normal de S no ponto p ∈ S segundo uma
dada direção v em Tp S da seguinte maneira:

IIp (v)
κn p (v) = , v ∈ Tp S − {0} .
Ip (v)

Observe que κn p (v) = κn p (λv) para todo v ∈ Tp S − {0} e λ ∈ R.

Definição 2.4 Seja v ∈ Tp S um vetor unitário e seja π(N(p), v) o plano que passa por p e é
paralelo aos vetores v e N(p). A interseção S ∩ π(N(p), v) é chamada seção normal de S em
p ao longo de v.

• Numa vizinhança de p, a seção normal de S em p é


uma curva regular (ver observação 2.8) em S que passa
por p cujo vetor normal n(p) é ±N(p) ou zero, no caso
em que κ(p) = 0. Então κ(p) é o módulo da curvatura
normal ao longo de v em p.
Assim, o valor absoluto da curvatura normal em p de uma
curva regular α é igual à curvatura da seção normal de S
em p ao longo de α 0 (0).

Observação 2.7 Estamos considerando a curva plana Fig. 7: Representação do teorema de Meusnier, as
curvas C e Cn têm a mesma curvatura normal em p
C ∩ π(N(p), v) como uma curva no espaço e, portanto, ao longo de v

κ(p) ≥ 0.

Observação 2.8 Sejam S1 e S2 superfı́cies regulares tais que p0 ∈ S1 ∩ S2 e Tp0 S1 6= Tp0 S2 ,


isto é, S1 e S2 se intersectam transversalmente em p0 . Então S1 ∩ S2 , numa vizinhança de p0 ,
é uma curva regular.
De fato, como toda superfı́cie regular é localmente o gráfico de uma função diferenciável, temos
que toda superfı́cie regular é localmente a imagem inversa de um valor regular de uma função
diferenciável definida num aberto de R3 .
Sejam V1 e V2 abertos de S1 e S2 , respectivamente, tais que p0 ∈ V1 ∩ V2 , e f, g : W −→ R
funções diferenciáveis definidas num aberto W de R3 , tais que 0 é um valor regular de f e g,
f−1 (0) = V1 e g−1 (0) = V2 .

Instituto de Matemática - UFF 173


Geometria Diferencial

Consideremos a aplicação H : W −→ R2 dada por

H(p) = (f(p), g(p)) .

Como grad f(p0 ) e grad g(p0 ) são vetores não-nulos normais a S1 e S2 em p0 , respectivamente,
temos grad f(p0 ) ∧ grad g(p0 ) 6= (0, 0, 0) , pois Tp0 S1 6= Tp S2 .

Logo existe um aberto W 0 ⊂ W tal que p0 ∈ W 0 e grad f(p) ∧ grad g(p) 6= (0, 0, 0) para todo
p ∈ W 0 , isto é,grad f(p) e grad g(p) são LI em W 0 .
Sejam V10 = W 0 ∩ S1 e V20 = W 0 ∩ S2 abertos de S1 e S2 , respectivamente. Então

(H|W 0 )−1 (0, 0) = (f|W 0 )−1 (0) ∩ (g|W 0 )−1 (0)


= (V1 ∩ W 0 ) ∩ (V2 ∩ W 0 )
= V10 ∩ V20 = (S1 ∩ S2 ) ∩ W 0 .

Além disso, (0, 0) é um valor regular de H|W 0 , pois


!
fx (p) fy (p) fz (p)
dHp =
gx (p) gy (p) gz (p)

é uma matriz de posto 2, já que grad f(p) e grad g(p) são LI para todo p ∈ W 0 .
Logo, pelo item (b) do exercı́cio 17 da seção 2.2,

(H|W 0 )−1 (0, 0) = (S1 ∩ S2 ) ∩ W 0

é uma curva regular em R3 .



z = y4
Exemplo 2.6 Consideremos a superfı́cie de revolução S obtida girando a curva C :
x = 0

em torno do eixo Oz.


Vamos mostrar que dNp ≡ 0 em p = (0, 0, 0) ∈ S. Primeiro, observe que a curvatura de C na
origem é zero, pois, para a parametrização regular α(t) = (0, t, t4 ) de C, temos

− y 00 (0) z 0 (0) + y 0 (0) z 00 (0)



κ(0) = 3/2
= 0,
(y 0 (0)2 + z 0 (0)2 )

já que α 0 (0) = (0, 1, 0) e α 00 (0) = (0, 0, 0).

Além disso, como S : z = (x2 + y2 )2 , temos que F−1 (0) = S, onde 0 é valor regular da função
diferenciável F(x, y, z) = z − (x2 + y2 )2 .

174 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

grad F
Logo N(p) = (p) é um campo diferenciável de
k grad Fk
vetores normais unitários em S. Em particular, Tp S =
grad F
plano xy, pois N(0, 0, 0) = (0, 0, 0) = (0, 0, 1).
k grad Fk

Portanto, qualquer seção normal a S em p é obtida gi-


rando a curva C em torno do eixo Oz de um ângulo θ,
sendo, assim, congruente a C.
Fig. 8: Gráfico da função z = y4
Logo, toda seção normal a S em p tem curvatura zero em
p. Portanto, IIp (v) = 0 para todo v ∈ Tp S.

Assim, pelo teorema 1.1, o zero é o único autovalor de dNp , isto é, dNp ≡ 0. 

Exemplo 2.7 Se S é um plano, então todas as seções normais a S são retas. Portanto, todas
as curvaturas normais são nulas. Logo a segunda forma fundamental de S é identicamente
nula em todos os pontos, ou seja, dNp = 0 para todo p ∈ S. 

Exemplo 2.8 Seja a esfera unitária S2 : x2 + y2 + z2 = 1 com a


orientação N : S2 −→ S2 dada por N(p) = −p.

Então toda seção normal C a S2 é um cı́rculo centrado na origem e,


portanto, de raio 1 e curvatura igual a 1 em todos os pontos. Além
disso, como n(p) = N(p) para todo ponto p ∈ C, temos que todas
as curvaturas normais são iguais a 1, isto é, IIp (v) = 1 para todo
p ∈ S2 e todo v ∈ Tp S com kvk = 1.

Assim, −1 é o único autovalor de dNp , ou seja, dNp (v) = −v e


IIp (v) = hv , vi para todo p ∈ S2 e todo v ∈ Tp S2 . 
Fig. 9: A normal no ponto p aponta
para dentro da esfera

Exemplo 2.9 Seja S : x2 + y2 = 1 o cilindro circular com a orientação N : S −→ S2 dada por


N(x, y, z) = (−x, −y, 0).
Se p = (a, b, c) ∈ S, então Tp S é o plano gerado pelos vetores v1 = (−b, a, 0) e v2 = (0, 0, 1)
(ver exemplo 2.3).
A curvatura normal no ponto p = (a, b, c) ∈ S segundo a direção v1 = (−b, a, 0) é igual a 1,
pois a seção normal, C1 , a S em p na direção v1 é um cı́rculo de raio 1 com n(p) = N(p).
A curvatura normal a S em p segundo a direção v2 = (0, 0, 1) é igual a zero, pois a seção
normal, C2 , a S em p na direção v2 é uma reta e, portanto, tem curvatura zero.

Instituto de Matemática - UFF 175


Geometria Diferencial

Como
dNp (x, y, z) = −(x, y, 0) ,

temos que dNp (v1 ) = −v1 e dNp (v2 ) = 0 · v2 .

Então, pelo teorema 1.1, 0 é o mı́nimo e 1 é


o máximo da segunda forma fundamental de
S em p no cı́rculo unitário de Tp S, pois 0 e 1
são os autovalores de −dNp . Assim, as outras
seções normais a S em p, que são elipses, tem
curvatura 0 < κ(p) = κn (w) < 1, onde w é a
direção tangente à elipse em p. Fig. 10: A normal no ponto p aponta para dentro do cilindro

Fig. 11: A normal no ponto p aponta para dentro do cilindro Fig. 12: A normal no ponto p aponta para dentro do cilindro

Exemplo 2.10 Seja o parabolóide hiperbólico PH : z = y2 − x2 com a orientação

N : PH −→ S2
(2x, −2y, 1)
N(x, y, z) = p .
4x2 + 4y2 + 1

Então, em p = (0, 0, 0), N(p) = (0, 0, 1), Tp PH = plano xy e dNp (v) = (2v1 , −2v2 , 0), onde
v = (v1 , v2 , 0).
Logo,
• v1 = (1, 0, 0) é um autovetor de −dNp associado ao autovalor −2, e a seção normal a PH em p

z = −x2
na direção v1 é a parábola α : com curvatura igual a 2 na origem (nα (p) = −N(p));
y = 0

176 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

• v2 = (0, 1, 0) é um autovetor de −dNp associado ao autovalor 2, e a seção normal a PH em



z = y 2
p na direção v2 é a parábola β : com curvatura igual a 2 na origem (nβ = N(p)).
x = 0

Fig. 13: Autovetores de −dNp

Como dNp (v1 ) = 2v1 e dNp (v2 ) = −2v2 , temos que IIp (w) = IIp (xv1 + yv2 ) = −2x2 + 2y2 para
todo w ∈ Tp PH , com kwk = 1.

Portanto, −2 ≤ κn p (w) ≤ 2 para todo w ∈ Tp PH − {0} . 

• Sejam dNp : Tp S −→ R2 a diferencial de N : S −→ S2 em p, e {e1 , e2 } uma base ortonormal


de autovetores de dNp tal que dNp (e1 ) = −κ1 e1 , dNp (e2 ) = −κ2 e2 , com κ1 ≥ κ2 . Então,

IIp (xe1 + ye2 ) = κ1 x2 + κ2 y2 ,


para todo (x, y) ∈ R2 , com x2 + y2 = 1, isto é, κ1 é o máximo e κ2 é o mı́nimo das curvaturas
normais a S em p.

Definição 2.5 A curvatura normal máxima κ1 e a curvatura normal mı́nima κ2 são chamadas
curvaturas principais de S em p, e as direções dadas pelos autovetores e1 e e2 são chamadas
direções principais de S em p.

Exemplo 2.11
• Num plano, todas as direções em todos os pontos são principais, pois κ1 (p) = κ2 (p) = 0, e,
portanto, κn p (v) = 0 para todo p e toda direção v.

• O mesmo ocorre para a esfera S2 , pois κ1 (p) = κ2 (p) = 1 e, portanto, κn p (v) = 1 para todo
p ∈ S2 e todo v ∈ Tp S2 − {0}.

Instituto de Matemática - UFF 177


Geometria Diferencial

• No cilindro, os vetores v1 = (−b, a, 0) e v2 = (0, 0, 1) fornecem as direções principais no


ponto p = (a, b, c), correspondentes às curvaturas principais 1 e 0, respectivamente.
• No parabolóide hiperbólico, os vetores v1 = (1, 0, 0) e v2 = (0, 1, 0) fornecem as direções
principais no ponto p = (0, 0, 0), ocm curvaturas principais −2 e +2, respectivamente. 

Definição 2.6 Dizemos que uma curva regular conexa C ⊂ S é uma linha de curvatura de S
se, para cada ponto p ∈ C, a direção da reta tangente a C em p é uma direção principal de S
em p.

Proposição 2.3 (Olinde Rodrigues)


Uma curva regular conexa C ⊂ S é uma linha de curvatura se, e só se,

0
N (t) = λ(t) α 0 (t) ,

para toda parametrização regular α(t) de C, onde N(t) = N ◦ α(t) e λ(t) é uma função di-
ferenciável de t. Neste caso, −λ(t) é a curvatura normal (principal) de S em α(t) segundo
α 0 (t).

Prova.
A curva C é uma linha de curvatura de S ⇐⇒ α 0 (t) é uma direção principal de S em α(t) ⇐⇒
0
α 0 (t) é um autovetor de dNα(t) ⇐⇒ existe λ(t) ∈ R tal que N (t) = dNα(t) (α 0 (t)) = λ(t)α 0 (t).
0
hN (t) , α 0 (t)i
Além disso, como α 0 (t) 6= 0, a função λ(t) = é diferenciável. 
hα 0 (t) , α 0 (t)i

• O conhecimento das curvaturas principais de S em p, permite calcular a curvatura normal


em p segundo qualquer direção dada de Tp S.

De fato, seja {e1 , e2 } uma base ortonormal positiva de Tp S formada de autovalores de dNp , com
dNp (e1 ) = −κ1 e1 , dNp (e2 ) = −κ2 e2 e κ1 ≥ κ2 .

Então, se v ∈ Tp S é unitário, temos que v = cos θ e1 + sen θ e2 , onde θ é o ângulo de e1 a v na


orientação de Tp S.

Logo, a curvatura normal κn em p na direção v é dada por:

κn = IIp (v) = −hdNp (v) , vi = −hdNp (cos θ e1 + sen θ e2 ) , cos θ e1 + sen θ e2 i


= hκ1 cos θ e1 + κ2 sen θ e2 , cos θ e1 + sen θ e2 i = κ1 cos2 θ + κ2 sen2 θ ,

que é conhecida sob o nome de fórmula de Euler.

178 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

Observação 2.9 Sejam V um espaço vetorial de dimensão dois, B = {v1 , v2 } uma base de
!
a11 a12
V, A : V −→ V uma aplicação linear e [A]B = a matriz da aplicação A na base B,
a21 a22
onde

A(v1 ) = a11 v1 + a21 v2


A(v2 ) = a12 v1 + a22 v2 .

Então
det(A) = a11 a22 − a12 a21 e traço(A) = a11 + a22
são o determinante e o traço da aplicação A, que estão bem definidos, pois det[A]B e traço[A]B
independem da base B tomada em V.

Definição 2.7 Sejam p ∈ S e dNp : Tp S −→ Tp S a diferencial da aplicação normal de Gauss


em p. O determinante de dNp é chamado a curvatura Gaussiana K de S em p, e o negativo
da metade do traço de dNp é chamado a curvatura média H de S em p. Assim,

1
K(p) = det(dNp ) e H(p) = − traço(dNp ) .
2

No caso em que {e1 , e2 } é uma base ortonormal de Tp S formada de autovetores de dNp , com
dNp (e1 ) = −κ1 e1 e dNp (e2 ) = −κ2 e2 ,

κ1 + κ2
K(p) = κ1 κ2 e H(p) = .
2

Observação 2.10 Se mudarmos a orientação de S, a curvatura Gaussiana não muda, mas


a curvatura média muda de sinal.

Definição 2.8 Um ponto p de uma superfı́cie regular S é chamado:


(1) Elı́ptico, se det(dNp ) > 0 ;

(2) Hiperbólico, se det(dNp ) < 0 ;

(3) Elı́ptico, se det(dNp ) = 0, com dNp 6= 0;


(4) Planar, se dNp = 0 .

Observação 2.11 Num ponto elı́ptico, a curvatura Gaussiana é positiva e, portanto, as cur-
vaturas principais têm o mesmo sinal. Assim, todas as curvas passando pelo ponto têm seus
vetores normais apontando para um mesmo lado do plano tangente.

Instituto de Matemática - UFF 179


Geometria Diferencial

Exemplo 2.12 No parabolóide P : z = x2 + ky2 , k > 0 (ver exemplo 2.5), o ponto p = (0, 0, 0)
é elı́ptico, pois se tomarmos a orientação N : P −→ S2 tal que N(p) = (0, 0, 1), temos que
κ1 = 2 e κ2 = 2k e, portanto,

K(p) = 4k > 0 e H(p) = 1 + k .

Exemplo 2.13 Seja SR (A) = {(x, y, z) ∈ R3 | (x − a)2 + (y − b)2 + (z − c)2 = R2 } a esfera de


centro A = (a, b, c) e raio R > 0.

Seja a função diferenciável f : R3 −→ R dada por f(x, y, z) = (x − a)2 + (y − b)2 + (z − c)2 − R2 .

Então SR (A) = f−1 (0), onde 0 é um valor regular de f e, portanto,

grad f 1
N(p) = − (p) = − (p − A)
k grad fk R

é um campo diferenciável de vetores normais unitários em SR (A).


1 1
Logo, dNp (v) = − v para todo v ∈ Tp SR (A). Assim, κ1 = κ1 = para todo p ∈ SR (A) e
R R
1 1
todas as direções em todos os pontos são principais. Além disso, K(p) = 2 e H(p) = . Em
R R
particular, todos os pontos da esfera são elı́pticos. 

Observação 2.12 Em um ponto hiperbólico p, a curvatura Gaussiana é negativa. Assim,


as curvaturas principais têm sinais opostos e, portanto, existem curvas passando pelo ponto p
cujos vetores normais em p apontam para lados diferentes do plano tangente.

Exemplo 2.14 O ponto p = (0, 0, 0) do parabolóide hiperbólico PH : z = y2 − x2 (ver exemplo


2.10) é hiperbólico, pois κ1 = 2 e κ2 = −2 para N(p) = (0, 0, 1) e, portanto, K(p) = −4 < 0 e
H(p) = 0. 

Observação 2.13 Em um ponto parabólico, a curvatura Gaussiana é nula, mas uma das
curvaturas principais é diferente de zero. No cilindro (ver exemplo 2.9), todos os pontos são
1
parabólicos e têm curvatura média constante .
2

Observação 2.14 Em um ponto planar p, todas as curvaturas normais são nulas. Portanto
K(p) = H(p) = 0.

No plano, todos os pontos são planares, e para a superfı́cie S : z = (x2 + y2 )2 , do exemplo 2.6,
o ponto (0, 0, 0) é planar.

180 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

Definição 2.9 Um ponto p ∈ S é chamado umbı́lico se κ1 (p) = κ2 (p).

Observação 2.15 Se p é um ponto umbı́lico, então K(p) ≥ 0. Além disso, K(p) = 0 se, e
só se, p é planar. Ou seja, um ponto umbı́lico é elı́ptico ou planar.

Exemplo 2.15 Na esfera e no plano, todos os pontos são umbı́licos, e a origem é um ponto
umbı́lico do parabolóide S : z = x2 + y2 . 

Proposição 2.4 Se todos os pontos de uma superfı́cie regular conexa S são umbı́licos,
então S está contida em um plano ou em uma esfera.

Prova.
Para todo p ∈ S, existe λ(p) ∈ R tal que dNp (w) = λ(p)w para todo w ∈ Tp S.

Afirmação: λ : S −→ R é diferenciável.
Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p ∈ S, com U conexo. Então

Nu (u, v) = dNX(u,v) (Xu (u, v)) = λ(X(u, v)) Xu (u, v)


e (1)
Nv (u, v) = dNX(u,v) (Xv (u, v)) = λ(X(u, v)) Xv (u, v) ,

para todo (u, v) ∈ U, onde N = N ◦ X.

hNu (u, v) , Xu (u, v)i


Como λ ◦ X(u, v) = é diferenciável, temos que λ : S −→ R é diferenciável.
hXu (u, v) , Xu (u, v)i

Afirmação: λ : S −→ R é constante.
Como λ : S −→ R é contı́nua e S é conexa, basta mostrar que λ é localmente constante.

Por (1), Nu = λXu e Nv = λXv , onde λ = λ ◦ X. Logo,

Nuv = λv Xu + λ Xuv
e
Nvu = λu Xv + λ Xvu ,

e, portanto, λv Xu − λu Xv = 0. Assim, λv = λu ≡ 0 em U, pois Xu e Xv são LI.

Como U é conexo, temos que λ é constante em U, ou seja, λ é constante no aberto X(U).


Caso 1. λ ≡ 0 em S.
Por (1), Nu ≡ 0 e Nv ≡ 0. Portanto, N = N ◦ X é constante em U, ou seja, N é constante em
X(U).

Instituto de Matemática - UFF 181


Geometria Diferencial

Como N é localmente constante em S, N : S −→ S2 é contı́nuo e S é conexo, obtemos que


N ≡ N0 é constante em S.
Afirmação: A função diferenciável f : S −→ R dada por f(p) = hp , N0 i é constante.

Para provar que f : S −→ R é constante, basta observar que f = f ◦ X : U −→ R é constante


em U, para toda parametrização X : U −→ X(U) de S, com U conexo.

De fato, fu = hXu , N0 i = 0 e fv = hXv , N0 i = 0, pois Xu ⊥ N0 e Xv ⊥ N0 . 

• Logo, existe d ∈ R tal que hp , N0 i = d para todo p ∈ S, ou seja, S ⊂ π = {p ∈ R3 | hp , N0 i =


d}, onde π é um plano perpendicular a N0 .
Caso 2. λ(p) = λ0 6= 0 para todo p ∈ S.
N(p)
Consideremos a aplicação diferenciável f : S −→ R3 dada por f(p) = p − .
λ0

Afirmação: f : S −→ R3 é constante.

Novamente, para provar que f é constante, basta observar que f = f ◦ X : U −→ R3 , dada por

N(u, v)
f(u, v) = X(u, v) − ,
λ0

é constante, para toda parametrização X : U −→ X(U) de S com U conexo.


De fato, por (1),
Nu λ X
fu = Xu − = Xu − 0 u = 0
λ0 λ0
e
Nv λ X
fv = Xv − = Xv − 0 v = 0 . 
λ0 λ0

N(p)
• Seja A ∈ R3 tal que p − = A para todo p ∈ S. Então S ⊂ S1/|λ0 | (A), pois
λ0

N(p)
kp − Ak =
= 1 ,
λ0 |λ0 |

1
para todo p ∈ S, onde S1/|λ0 | (A) é a esfera de centro A e raio .
|λ0 | 

Definição 2.10 Seja p ∈ S. Dizemos que uma direção de Tp S é assintótica se a curvatura


normal em p nesta direção é zero.
Uma curva assintótica de S é uma curva regular conexa C ⊂ S tal que, para todo ponto p ∈ C,
a direção tangente a C em p é uma direção assintótica.

182 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

Observação 2.16 v é uma direção assintótica se, e só se, v 6= 0 e IIp (v) = 0.

Observação 2.17 Seja C uma curva assintótica e α : I −→ S uma parametrização de C.


Então,
0
IIα(s) (α 0 (s)) = −hN (s) , α 0 (s)i = 0 ,
para todo s ∈ I, onde N = N ◦ α.

Observação 2.18 Num ponto elı́ptico não existe direção assintótica.

Observação 2.19 Interpretação geométrica das direções assintóticas.


Seja p ∈ S. A indicatriz de Dupin em p é o conjunto

{ w ∈ Tp S | IIp (w) = ±1 } .

Observe que w ∈ Tp S pertence à indicatriz de Dupin em p se, e só se, w 6= 0 e


   
w w 1
κn (w) = κn = IIp =± .
kwk kwk kwk2

Seja {e1 , e2 } uma base ortonormal de Tp S, onde e1 e e2 são autovetores de dNp , com dNp (e1 ) =
−κ1 e1 e dNp (e2 ) = −κ2 e2 , κ1 ≥ κ2 .

Seja w = ξ e1 + η e2 ∈ Tp S. Então w pertence à indicatriz de Dupin em S se, e só se,

IIp (w) = κ1 ξ2 + κ2 η2 = ±1 .

Portanto, se p é um ponto elı́ptico (κ1 e κ2 têm o mesmo sinal), a indicatriz de Dupin em p é


uma elipse, e se p é um ponto umbı́lico e elı́ptico (κ1 = κ2 6= 0), a indicatriz é um cı́rculo.

Fig. 14: p é um ponto elı́ptico

Instituto de Matemática - UFF 183


Geometria Diferencial

Se p é um ponto hiperbólico (κ1 > 0 > κ2 ), então a indicatriz de Dupin em p é um par de


hipérboles conjugadas:
κ1 ξ2 + κ2 η2 = +1
e κ1 ξ2 + κ2 η2 = −1 ,
r
−κ2
que tem o mesmo para de assı́ntotas: ξ = ± η.
κ1
√ √
As direções das assı́ntotas, −κ2 e1 ± κ1 e2 , são as direções assintóticas de S em p. Isto
justifica a terminologia e mostra que um ponto hiperbólico tem exatamente duas direções as-
sintóticas.

Fig. 15: p é um ponto hiperbólico

Se p é um ponto parabólico (κ1 = 0 e κ2 6= 0), a indicatriz de Dupin em p é um par de retas


paralelas ao vetor e1 , pois
r
1
κ1 ξ + κ2 η = ±1 ⇐⇒ κ2 η = ±1 ⇐⇒ η = ±
2 2 2
.
|κ2 |

A direção comum destas retas (e1 ) é a única direção assintótica no ponto p.

Fig. 16: p é um ponto parabólico

• Num ponto planar, a indicatriz de Dupin é o conjunto vazio e todas as direções são as-
sintóticas.

184 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

Definição 2.11 Seja p ∈ S. Dizemos que dois vetores w1 e w2 não-nulos em Tp W são


conjugados se
hdNp (w1 ) , w2 i = hw1 , dNp (w2 )i = 0 .

Duas direções r1 e r2 são conjugadas se um par de vetores não-nulos w1 e w2 paralelos a r1


e r2 , respectivamente, são conjugados.

Observação 2.20
• As direções principais são conjugadas.
• Uma direção assintótica é conjugada a si própria.
• Se p é um ponto umbı́lico não-planar (isto é, dNp (v) = κv ∀v ∈ Tp S, com κ 6= 0), então todo
par de direções ortogonais são conjugadas.
• Num ponto planar, duas direções quaisquer são conjugadas.

Observação 2.21 Seja p ∈ S um ponto não umbı́lico e seja {e1 , e2 } uma base ortonormal
de Tp S formada de autovetores de dNp , com dNp (e1 ) = −κ1 e1 e dNp (e2 ) = −κ2 e2 .

Sejam θ e ϕ os ângulos que um par de direções r1 e r2 fazem com e1 , isto é,

w1 = cos θ e1 + sen θ e2
e
w2 = cos ϕ e1 + sen ϕ e2 ,

onde w1 , w2 ∈ Tp S são vetores unitários paralelos a r1 e r2 , respectivamente.

Então r1 e r2 são direções conjugadas se, e só se,

κ1 cos θ cos ϕ = −κ2 sen θ sen ϕ . (2)

De fato, r1 e r2 são direções conjugadas se, e só se, w1 e w2 são vetores conjugados, isto é,

0 = hdNp (w1 ) , w2 i
= −hκ1 cos θ e1 + κ2 sen θ e2 , cos ϕ e1 + sen ϕ e2 i
= −(κ1 cos θ cos ϕ + κ2 sen θ sen ϕ) .

Observação 2.22 Num ponto parabólico p (κ1 = 0 e κ2 6= 0), r1 e r2 são direções conjuga-
das se, e só se, uma das direções é paralela a e1 e a outra é qualquer, pois (2), neste caso, é
dada por:
κ2 sen θ sen ϕ = 0 ⇐⇒ θ = 0 ou ϕ = 0.

Instituto de Matemática - UFF 185


Geometria Diferencial

Observação 2.23 Construção geométrica das direções conjugadas em termos da indicatriz


de Dupin em p.
• Seja p um ponto elı́ptico de S. Seja r uma reta passando pela origem de Tp S e considere os
pontos de interseção q1 e q2 de r com a indicatriz de Dupin.

Fig. 17: Um ponto elı́ptico p a indicatriz de Dupin e a direção conjugada à reta r

Afirmação: As retas tangentes à indicatriz de Dupin em q1 e q2 são paralelas, e a direção


comum r 0 é a direção conjugada a r.
De fato, suponhamos que κ1 ≥ κ2 > 0 e seja r : η = tan θ ξ, com 0 < θ < π.
Seja γ(t) = (ξ(t), η(t)) uma parametrização da indicatriz de Dupin em p. Então

κ1 ξ(t)2 + κ2 η(t)2 = 1 .

Derivando em relação a t, obtemos que

κ1 ξ(t) ξ 0 (t) + κ2 η(t) η 0 (t) = 1 .

Isto é,
(κ1 ξ(t), κ2 η(t)) ⊥ (ξ 0 (t), η 0 (t)) ,

e, portanto, (−κ2 η(t), κ1 ξ(t)) é a direção da reta tangente à indicatriz de Dupin no ponto
(ξ(t), η(t)) .
Sejam q1 = (ξ1 , η1 ) e q2 = (ξ2 , η2 ) os pontos de r que pertencem à indicatriz de Dupin.
Então as retas tangentes à indicatriz de Dupin em q1 e q2 são paralelas, respectivamente, ao
vetor v1 = (−κ2 η1 , κ1 ξ1 ) e ao vetor v2 = (−κ2 η2 , κ1 ξ2 ).
Como η1 = tan θ ξ1 e η2 = tan θ ξ2 , temos que v1 k (−κ2 tan θ, κ1 ) e v2 k (−κ2 tan θ, κ1 ) .
Logo v1 e v2 são paralelos e a reta r 0 paralela ao vetor (−κ2 tan θ, κ1 ) que passa pela origem é

186 J. Delgado - K. Frensel


A Definição da Aplicação de Gauss e suas Propriedades Fundamentais

dada por
κ1 1 κ 1
r0 : y = ξ=− 1 ξ = tan ϕ ξ .
−κ2 tan θ κ2 tan θ

Então,
κ1
tan ϕ tan θ = − ⇐⇒ κ2 sen ϕ sen θ = −κ1 cos θ cos ϕ ,
κ2

isto é, r 0 é a direção conjugada a r.


• Seja agora um ponto hiperbólico p, κ1 > 0 > κ2 , e r uma direção de Tp S (ver exercı́cio 12,
pag. 179).
Afirmação: Se r é uma direção assintótica, então r 0 = r, onde r 0 é a direção conjugada a r.
De fato, como
r r
κ1 0 κ1 κ1
r : η = tan θ ξ = ξ, r : η = tan ϕ ξ e = tan θ tan ϕ = tan ϕ ,
−κ2 −κ2 −κ2
r
κ1
temos que tan ϕ = e, portanto, ϕ = θ . 
−κ2
r
κ1
• Suponhamos que r : η = tan θ ξ, onde tan θ 6= ± .
−κ2

Sejam q1 e q2 os pontos de interseção de r com a indicatriz de Dupin em p.


Afirmação: As retas tangentes a q1 e q2 são paralelas e a reta r 0 paralela a essas retas que
passa pela origem é a direção conjugada a r.
De fato, neste caso a indicatriz de Dupin é dada por um par de hipérboles conjugadas,

κ1 ξ2 + κ2 η2 = ±1 .

Fig. 18: Um ponto hiperbólico p a indicatriz de Dupin e a direção conjugada à reta r

Instituto de Matemática - UFF 187


Geometria Diferencial

De modo análogo ao caso anterior, podemos provar que as retas tangentes à indicatriz de
Dupin em q1 e q2 são paralelas ao vetor (−κ2 tan θ, κ1 ) e a reta r 0 paralela a esse vetor que
passa pela origem, dada por
κ1 1
r 0 : η = tan ϕ ξ = ξ,
−κ2 tan θ

é a direção conjugada a r, pois


κ1 κ
tan ϕ = − tan ϕ ⇐⇒ tan ϕ tan θ = − 1 ⇐⇒ κ2 sen ϕ sen θ = −κ1 cos ϕ cos θ .
κ2 κ2

3. A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

Nesta seção, obteremos as expressões da segunda forma fundamental e da diferencial da


aplicação de Gauss em um sistema de coordenadas locais.

Seja S uma superfı́cie orientada com orientação N : S −→ S2 . Seja X : U −→ X(U) uma


parametrização de S compatı́vel com a orientação de S, isto é,

Xu ∧ Xv
N(u, v) = N(X(u, v)) = (u, v) ,
kXu ∧ Xv k

para todo (u, v) ∈ U.


Seja w ∈ Tp S, w = λXu (q) + µXv (q), com X(q) = p. Então

dNp (w) = λ dNp (Xu (q)) + µ dNp (Xv (q)) = λ Nu (q) + µ Nv (q) .

Como Nu (q) e Nv (q) pertencem a Tp S, podemos escrever esses vetores na base {Xu (q), Xv (q)}:

Nu (q) = a11 Xu (q) + a21 Xv (q)


e (3)
Nv (q) = a12 Xu (q) + a22 Xv (q) .

Portanto
dNp (w) = (a11 λ + a12 µ) Xu (q) + (a21 λ + a22 µ) Xv (q) ,

isto é,
! ! !
λ a11 a12 λ
dNp = ,
µ a21 a22 µ
!
a11 a12
onde [dNp ]B = é a matriz de dNp na base {Xu (q), Xv (q)}.
a21 a22

188 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

!
a11 a12
Observação 3.1 A matriz [dNp ]B = não é necessariamente simétrica. Mas se
a21 a22
a base {Xu (q), Xv (q)} é ortonormal, a matriz [dNp ]B é simétrica, pois neste caso, por (3),

a21 = ha11 Xu (q) + a21 Xv (q) , Xv (q)i


= hdNp (Xu (q)) , Xv (q)i
= hXu (q) , dNp (Xv (q))i
= hXu (q) , a12 Xu (q) + a22 Xv (q)i = a12 .

A expressão da segunda forma fundamental na base {Xu (q), Xv (q)} é dada por:

IIp (w) = −hdNp (w) , wi = −hλ Nu (q) + µ Nv (q) , λ Xu (q) + µ Xv (q)i


= e(q) λ2 + 2f(q) λµ + g(q) µ2 ,

onde

• e(q) = −hNu (q) , Xu (q)i = hN(q) , Xuu (q)i


• f(q) = −hNu (q) , Xv (q)i = −hNv (q) , Xu (q)i
= hN(q) , Xvu (q)i = hN(q) , Xuv (q)i
• g(q) = −hNv (q) , Xv (q)i = hN(q) , Xvv (q)i

já que hN , Xu i = hN , Xv i = 0 em U.
As funções e, f, g : U −→ R de classe C∞ são os coeficientes da segunda forma fundamental
na base {Xu , Xv }.
Como Nu = a11 Xu + a21 Xv e Nv = a12 Xu + a22 Xv , temos que

−f = hNu , Xv i = a11 F + a21 G ;


−f = hNv , Xu i = a12 E + a22 F ;
−g = hNv , Xv i = a12 F + a22 G ;
−e = hNu , Xu i = a11 E + a21 F ;

onde E, F e G são os coeficientes da primeira forma fundamental na base {Xu , Xv }. Então,


! ! !
e f a11 a21 E F
− = ,
f g a12 a22 F G

Instituto de Matemática - UFF 189


Geometria Diferencial

ou seja,
! ! !−1 ! !
a11 a21 e f E F 1 e f G −F
=− =− . (4)
a12 a22 f g F G EG − F2 f g −F E

Assim,
fF − eG gF − fG
a11 = ; a12 = ;
EG − F2 EG − F2
eF − fE fF − gE
a21 = ; a22 = ;
EG − F2 EG − F2

As equações
Nu = a11 Xu + a21 Xv e Nv = a12 Xu + a22 Xv ,

com a11 , a12 , a21 , a22 obtidos acima, são conhecidas como as equações de Weingarten.
A partir de (4), obtemos que

eg − f2
K(p) = det(dNp ) = det(aij ) = (q)
EG − F2

é a curvatura Gaussiana de S em p, e que

traço(dNp ) a + a22 1 eG − 2fF + gE


H(p) = − = − 11 = (q)
2 2 2 EG − F2

é a curvatura média de S em p, onde X(q) = p.


Sejam κ1 e κ2 as curvaturas principais de S em p, isto é,

dNp (e1 ) = −κ1 e1 e dNp (e2 ) = −κ2 e2 ,

onde {e1 , e2 } é uma base ortonormal de autovetores de dNp .

Como κ1 + κ2 = 2 H e κ1 κ2 = K, temos que κ1 e κ2 são as raı́zes da equação

x2 − 2 H x + K = 0 .

Se considerarmos κ1 ≥ κ2 , temos
p
2H + 4 H2 − 4K p
κ1 = = H + H2 − K
2
p
2 H − 4 H2 − 4K p
e κ2 = = H − H2 − K ,
2

que são funções contı́nuas em S.

190 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

Observação 3.2 p é um ponto umbı́lico se, e só se, H2 (p) = K(p).


De fato,

κ21 + 2κ1 κ2 + κ22 − 4κ1 κ2 (κ − κ2 )2


 κ + κ 2
1 2
H2 (p) − K(p) = − κ1 κ2 = = 1 ≥ 0.
2 4 4

Logo, H2 (p) = K(p) se, e só se, κ1 = κ2 .


p p
Observação 3.3 As funções κ1 = H + H2 − K e κ2 = H − H2 − K são diferenciáveis em
p se p não é um ponto umbı́lico.

Exemplo 3.1 Vamos calcular a curvatura Gaussiana dos pontos do toro (ver exemplo 1.9 do
capı́tulo 3) cobertos pela parametrização
X(u, v) = ((a + r cos u) cos v, (a + r cos u) sen v, r sen u) ,
onde (u, v) ∈ U = (0, 2π) × (0, 2π) .
O calculo dos coeficientes e, f e g depende de N (e, portanto, de Xu e Xv ), Xuv , Xuu e Xvv :

Xu (u, v) = (−r sen u cos v, −r sen u sen v, r cos u) ;


Xv (u, v) = (−(a + r cos u) sen v, (a + r cos u) cos v, 0) ;
Xuu (u, v) = (−r cos u cos v, −r cos u sen v, −r sen u) ;
Xvv (u, v) = (−(a + r cos u) cos v, −(a + r cos u) sen v, 0) ;
Xuv (u, v) = (r sen u sen v, −r sen u cos v, 0) .

Logo,
E = hXu , Xu i = r2 ;
F = hXu , Xv i = 0 ;
G = hXv , Xv i = (a + r cos u)2 ,

são os coeficientes da primeira forma fundamental na base {Xu , Xv }, e

hXu ∧ Xv , Xuu i det(Xu , Xv , Xuu ) r2 sen2 v(a + r cos u) + r2 cos2 v(a + r cos u)
• e = hN , Xuu i = = =
kXu ∧ Xv k
p
EG − F2 r(a + r cos u)
= r;
hXu ∧ Xv , Xuv i det(Xu , Xv , Xuv )
• f = hN , Xuv i = = =0 (Xv e Xuv são LD) ;
kXu ∧ Xv k
p
EG − F2
det(Xu , Xv , Xvv ) r cos u (a + r cos u)2
• g = hN , Xvv i = = = cos u (a + r cos u) ,
(a + r cos u) r r (a + r cos u)

são os coeficientes da segunda forma fundamental de S na base {Xu , Xv }.

Instituto de Matemática - UFF 191


Geometria Diferencial

eg − f2
Finalmente, como K = , temos que
EG − F2
r cos u (a + r cos u) cos u
K= = .
r2 (a + r cos u)2 r (a + r cos u)

Observe que K só depende de u, isto é, K é constante ao longo de um paralelo.


Assim,
π 3π
• K = 0 ao longo dos paralelos u = eu= . Os pontos desses paralelos são parabólicos,
2 2
pois IIp 6= 0, já que e = r 6= 0 .
π
   3π 
• K > 0 ao longo da região do toro dada pela condição u ∈ 0, ∪ , 2π , pois r > 0 e
2 2
a > r; os pontos dessa região são, portanto, elı́pticos.
 π 3π 
• K < 0 ao longo da região do toro dada pela condição u ∈ , ; os pontos dessa região
2 2
são, portanto, hiperbólicos. 

Fig. 19: Curvatura Gaussiana no toro

Observação 3.4 Se olharmos para um ponto elı́ptico do toro, vemos que a superfı́cie situa-
se em um dos lados do plano tangente neste ponto. Por outro lado, se p é um ponto hiperbólico
do toro T e V ⊂ T é uma vizinhança qualquer de p, existem pontos de V nos dois lados de Tp T ,
por menor que seja V. Este exemplo retrata um fato local geral, que é descrito na proposição
abaixo.

• Seja p0 ∈ S. Então
Tp0 S = {p ∈ R3 | hp − p0 , N(p0 )i = 0}

é o plano tangente a S em p0 , e

Hp+0 = {p ∈ R3 | hp − p0 , N(p0 )i > 0} e Hp−0 = {p ∈ R3 | hp − p0 , N(p0 )i < 0} ,

são os dois semi-espaços abertos determinados por Tp0 S.

192 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

Proposição 3.1 Se p0 é um ponto elı́ptico de S, então existe um aberto V ⊂ S, com p0 ∈ S,


tal que V − {p0 } está contido em um dos semi-espaços abertos determinados por Tp0 S.

Se p0 é um ponto hiperbólico de S, então em toda vizinhança de p0 existem pontos de S em


ambos os lados de Tp0 S.

Prova.
Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p0 , com X(0, 0) = p0 , e seja D : U −→ R a
função diferenciável dada por:

D(u, v) = hX(u, v) − X(0, 0) , N(p0 )i ,

que mede a distância, com sinal, de X(u, v) ao plano tangente Tp0 S.

Fig. 20: Distância de X(u, v) ao plano tangente Tp0 S

Pela fórmula de Taylor infinitesimal,

1
Xuu (0, 0)u2 + 2Xuv (0, 0)uv + Xvv (0, 0)v2 + R(u, v) ,

X(u, v) = X(0, 0) + Xu (0, 0)u + Xv (0, 0)v +
2

R(u, v)
onde lim = 0.
(u,v)→(0,0) u2 + v2

Então,

1
hXuu (0, 0) , N(p0 )iu2 + 2hXuv (0, 0) , N(p0 )iuv + hXvv (0, 0) , N(p0 )iv2 + R(u, v) ,

D(u, v) =
2

onde R(u, v) = hR(u, v) , N(p0 )i.


Ou seja,
1
D(u, v) = IIp0 (w) + R(u, v) , (5)
2
onde w = u Xu (0, 0) + v Xv (0, 0).

Instituto de Matemática - UFF 193


Geometria Diferencial

Observação: k(u, v)k20 = u2 + v2 e k(u, v)k21 = E(0, 0)u2 + 2F(0, 0)uv + G(0, 0)v2 são normas em
R2 , pois
! ! !
E(0, 0) F(0, 0) u u
k(u, v)k21 = h , i
F(0, 0) G(0, 0) v v
!
E(0, 0) F(0, 0)
e é uma matriz simétrica positiva definida, já que E(0, 0) > 0 e E(0, 0)G(0, 0)−
F(0, 0) G(0, 0)
F(0, 0)2 > 0 . 

Como duas normas em R2 são equivalentes, existem λ1 , λ2 > 0 tais que

λ2 k(u, v)k0 ≤ k(u, v)k1 ≤ λ1 k(u, v)k0 .

R(u, v) R(u, v)
Assim, como lim = 0, obtemos que lim = 0.
(u,v)→(0,0) k(u, v)k2
0 (u,v)→(0,0) k(u, v)k2
1

Além disso, sendo kwk2 = k(u, v)k21 , temos, por (5), que
  
D(u, v) 1 w
lim 2
− IIp0 = 0.
(u,v)→(0,0) kwk 2 kwk

• Suponhamos que p0 = X(0, 0) é um ponto elı́ptico, com curvaturas principais κ1 (p0 ) ≥


κ2 (p0 ) > 0. Então
 
w
κ2 (p0 ) ≤ IIp0 ≤ κ1 (p0 ) .
kwk

Como
  
D(u, v) 1 w
lim 2
− IIp0 = 0,
(u,v)→(0,0) kwk 2 kwk

κ2 (p0 )
dado ε = > 0 existe U0 ⊂ U aberto, (0, 0) ∈ U0 , tal que
4
 
κ (p ) D(u, v) 1 w κ2 (p0 )
− 2 0 < 2
− IIp0 < ,
4 kwk 2 kwk 4

para todo (u, v) ∈ U0 − {(0, 0)}.


Então,
 
D(u, v) κ (p ) 1 w κ2 (p0 ) κ (p ) κ (p )
> − 2 0 + IIp0 ≥− + 2 0 = 2 0 > 0,
kwk2 4 2 kwk 4 2 4

para todo (u, v) ∈ U0 − {(0, 0)}.

194 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

Ou seja, X(u, v) ∈ Hp+0 para todo (u, v) ∈ U0 −{(0, 0)}. Logo, p ∈ Hp+0 para todo p ∈ X(U0 )−{p0 } .

• Seja agora p0 ∈ S um ponto hiperbólico, com curvaturas principais κ1 (p0 ) > 0 > κ2 (p0 ) e
e1 = u1 Xu (0, 0) + v1 Xv (0, 0) , e2 = u2 Xu (0, 0) + v2 Xv (0, 0) , as direções principais ortonormais.
    
te1 D(tu1 , tv1 ) 1 te1
Como IIp0 = κ1 (p0 ) e lim 2
− IIp0 = 0, temos que
kte1 k t→0 kte1 k 2 kte1 k
 
D(tu1 , tv1 ) 1
lim = κ1 (p0 ) > 0 .
t→0 kte1 k2 2

De modo análogo, como


    
se2 D(su2 , sv2 ) 1 se2
IIp0 = κ2 (p0 ) e lim 2
− IIp0 = 0,
kse2 k t→0 kse2 k 2 kse2 k

temos que
 
D(su2 , sv2 ) 1
lim = κ2 (p0 ) < 0 .
s→0 kse2 k2 2

Seja V = X(U0 ) ⊂ X(U) um aberto que contém p0 . Então existe δ > 0 tal que Dδ (0, 0) ⊂ U0 ,

D(tu1 , tv1 ) D(su2 , sv2 )


>0 e < 0,
kte1 k2 kse2 k2
 
 
δ δ
para todos t, s ∈ (−δ 0 , δ 0 ), onde 0 < δ 0 < min , q e Dδ (0, 0) é o disco
 u2 + v2 2 + v2 
q
1 1 u2 2

aberto de centro na origem e raio δ.


Logo, X(tu1 , tv1 ) ∈ Hp+0 ∩ (V − {p0 }) para todo t ∈ (−δ 0 , δ 0 ) e X(su2 , sv2 ) ∈ Hp−0 ∩ (V − {p0 }) para
q q
todo s ∈ (−δ 0 , δ 0 ), já que k(tu1 , tu2 k = |t| u21 + v21 < δ , k(su2 , sv2 )k = |s| u22 + v22 < δ e
X(Dδ (0, 0) ⊂ V. 

Observação 3.5 Quando p é um ponto parabólico ou planar, nada podemos afirmar.

Exemplo 3.2 Nos pontos parabólicos de um toro T 2 (que são os pontos dos paralelos u =
π/2 e u = 3π/2) o toro fica de um lado do plano tangente e tem em comum com o plano
tangente os pontos do paralelo que contém o ponto parabólico. 

Exemplo 3.3 O cilindro (onde todo os pontos são parabólicos) fica todo de um lado do plano
tangente a qualquer um de seus pontos e tem em comum com o plano tangente a um ponto p
a reta paralela ao eixo Oz que passa por p. 

Instituto de Matemática - UFF 195


Geometria Diferencial

Exemplo 3.4 O ponto p0 = (0, 0, 0) da superfı́cie S : z = (x2 + y2 )2 é planar (ver exemplo


2.6), S está toda de um lado do plano tangente Tp0 S = plano xy e têm em comum com este
plano apenas o ponto p0 . 

Exemplo 3.5 Seja S a superfı́cie regular, denominada sela de macaco, que é o gráfico da
função f : R2 −→ R dada por f(x, y) = x3 − 3y2 x.

Então X : R2 −→ R3 ,
X(u, v) = (u, v, u3 − 3v2 u)

é uma parametrização que cobre toda a superfı́cie S.

Fig. 21: Sela de macaco S

Afirmação: O ponto p0 = X(0, 0) = (0, 0, 0) é um ponto planar e em qualquer vizinhança desse


ponto existem pontos de ambos os lados de seu plano tangente.
De fato, como

Xu (u, v) = (1, 0, 3u2 − 3v2 ) ; Xv (u, v) = (0, 1, −6vu) ;


Xuu (u, v) = (0, 0, 6u) ; Xuv (u, v) = (0, 0, −6v) ;
Xvv (u, v) = (0, 0, −6u) ,

temos que:

Xu (0, 0) = (1, 0, 0) ; Xv (0, 0) = (0, 1, 0) e Xuu (0, 0) = Xuv (0, 0) = Xvv (0, 0) = (0, 0, 0) .

Portanto, Tp0 S = plano xy, e(0, 0) = f(0, 0) = g(0, 0) = 0, isto é, IIp0 ≡ 0.

Logo, p0 é um ponto planar.

196 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

Seja α(t) = X(t, 0) = (t, 0, t3 ), t ∈ R. COmo t3 < 0 se t < 0 e t3 > 0 se t > 0, temos que toda
vizinhança de p0 possui pontos em ambos os lados do plano tangente Tp0 = plano xy. 

z = y3
Exemplo 3.6 Considere a superfı́cie S obtida girando a curva C : , y ∈ (−1, 1), em
x = 0

z = 1
torno da reta r : .
x = 0
p
A superfı́cie S é dada por: y3 = − x2 + (z − 1)2 + 1.

Fig. 23: Superfı́cie de revolução S


Fig. 22: Vista lateral da superfı́cie de revolução S

Afirmação: Todos os pontos do paralelo obtido girando a origem (0, 0, 0) em torno da reta r são
parabólicos.
Mostraremos isso, usando o seguinte fato, que será provado no próximo exemplo: todos os
paralelos e meridianos de uma superfı́cie de revolução S são linhas de curvatura.
Seja p0 um ponto do paralelo que passa pela origem. Como o meridiano que passa por p0 é
obtido girando a curva C em torno de r de um ângulo θ e a curvatura de C na origem é zero,
temos que a curvatura do meridiano em p0 é zero. Então a curvatura normal κn (v) = 0, onde
v é o vetor tangente ao meridiano em p0 . E finalmente, como o meridiano é uma linha de
curvatura, obtemos que uma das curvaturas principais da superfı́cie em p0 é nula.
Afirmação: O paralelo obtido girando a origem em torno da reta r é a seção normal a S em p0
na direção do vetor tangente ao paralelo no ponto p0 .
De fato, primeiro observe que o plano tangente a S na origem é o plano xy, pois o vetor
tangente a C nesse ponto é paralelo ao vetor (0, 1, 0) e o vetor tangente ao paralelo nesse

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Geometria Diferencial

ponto é paralelo ao vetor (1, 0, 0).


Além disso, como o vetor tangente ao meridiano no ponto p0 é obtido girando o vetor (0, 1, 0),
tangente a C em (0, 0, 0), em torno da reta r de um ângulo θ, obtemos que o vetor tangente ao
meridiano em p0 é paralelo ao vetor (0, 1, 0).
Como os paralelos e os meridianos se cortam perpendicularmente, temos que π(w, N(p0 )),
onde w é o vetor tangente ao paralelo em p0 , é um plano paralelo ao plano xz, pois o vetor
normal ao plano π(w, N(p0 )) é o vetor tangente ao meridiano em p0 , que é paralelo ao vetor
(0, 1, 0).
Logo a seção normal à superfı́cie em p0 na direção w é o paralelo que passa por p0 . Além
disso, como esse paralelo é uma linha de curvatura e é um cı́rculo de raio 1, temos que a outra
curvatura principal de S em p0 é diferente de zero, pois |κn (w)| = 1 6= 0.
Provamos assim que todos os pontos do paralelo obtido girando a origem em torno da reta r
são parabólicos.
Em qualquer vizinhança de um desses pontos, a superfı́cie possui pontos em ambos os lados
do plano tangente a esse ponto, pois a curva C possui pontos em ambos os lados do plano xy,
que é o plano tangente à superfı́cie na origem. 

A expressão da segunda forma fundamental em coordenadas locais é útil para estudar as


direções principais e assintóticas. Trataremos primeiro das direções assintóticas.
Sejam X : U −→ X(U) uma parametrização de S, com X(u0 , v0 ) = p0 , e e, f, g : U −→ R os
coeficientes da segunda forma fundamental nesta parametrização.
Seja C ⊂ X(U) uma curva regular conexa. Sabemos que C é uma curva assintótica se, e só
se, para uma parametrização qualquer α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ I, de C temos IIp (α 0 (t)) = 0
para todo t ∈ I, isto é,

u 0 (t)2 e(u(t), v(t)) + 2u 0 (t)v 0 (t) f(u(t), v(t)) + v 0 (t)2 g(u(t), v(t)) = 0 , (6)

para todo t ∈ I.
A equação (6) é chamada de equação diferencial das linhas assintóticas.

Proposição 3.2 As curvas coordenadas de uma parametrização X : U −→ X(U) são curvas


assintóticas se, e só se, e(u, v) = g(u, v) = 0 para todo (u, v) ∈ U.

Prova.
(⇒) Seja (u0 , v0 ) ∈ U. Como α(t) = X(t, v0 ), t ∈ (−ε + u0 , ε + u0 ) é uma curva assintótica, com
u(t) = t e v(t) = v0 , temos, pela equação (6), que e(u0 , v0 ) = 0.

198 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

De modo análogo, como β(s) = X(u0 , s), s ∈ (−ε + v0 , ε + v0 ) é também uma curva assintótica,
com u(s) = u0 e v(s) = s, obtém-se, pela equação (6), que g(u0 , v0 ) = 0.
(⇐) Suponhamos agora que e(u, v) = g(u, v) = 0 para todo (u, v) ∈ U.
Seja α(t) = X(t, v0 ) uma parametrização da curva coordenada v = v0 . Então, como v 0 (t) = 0,

IIα(t) (α 0 (t)) = f(u(t), v(t)) v 0 (t) u 0 (t) = 0 ,

para todo t, isto é, α é uma curva assintótica e, portanto, a curva coordenada v = v0 é uma
curva assintótica.
Seja β(s) = X(u0 , v(s)) uma parametrização da curva coordenada u = u0 . Então, como
u 0 (s) = 0, IIβ(s) (β 0 (s)) = f(u(s), v(s)) u 0 (s) v 0 (s) = 0 para todo s, ou seja, β é uma curva
assintótica e, portanto, a curva coordenada u = u0 é uma curva assintótica.

f2
Observação: Quando e = g = 0 em U, a curvatura Gaussiana K(X(u, v)) = − (u, v) é
EG − F2
≤ 0 em U, isto é, um ponto X(u, v) é hiperbólico ou planar.

Observação: Quando e = g = 0 e f 6= 0 em U, as curvas coordenadas de X são as únicas


curvas assintóticas de S que passam por um ponto de X(U), pois nesse caso todos os pontos
de X(U) são hiperbólicos e, portanto, em cada ponto de X(U), S possui exatamente duas
direções assintóticas, Xu e Xv . Podemos também verificar isso, observando que, quando e =
g = 0 em U, a equação (6) é dada por

f(u(t), v(t)) u 0 (t) v 0 (t) = 0 .

Portanto, u(t) = const. ou v(t) = const. são as únicas soluções da equação se f 6= 0 em U.

Passaremos agora às direções principais. Sabemos que uma curva regular conexa C em uma
vizinhança coordenada X(U) é uma linha de curvatura se, e só se, para uma parametrização
qualquer α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ I, de C, temos (ver proposição 2.3)

dN(α 0 (t)) = λ(t) α 0 (t) .

Ou seja, α(t) = X(u(t), v(t)) é uma linha de curvatura se, e só se,
u (t) Nu (X(u(t), v(t))) + v 0 (t) Nv (X(u(t), v(t))) = λ(t) u 0 (t) Xu (u(t), v(t)) + λ(t) v 0 (t) Xv (u(t), v(t))
0

⇐⇒
u 0 (t)(a11 Xu + a21 Xv )(u(t), v(t)) + v 0 (t)(a12 Xu + a22 Xv )(u(t), v(t)) = λ(t)u 0 (t)Xu (u(t), v(t))
+λ(t)v 0 (t)Xv (u(t), v(t))
⇐⇒

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Geometria Diferencial

a11 u 0 (t) + a12 v 0 (t) = λ(t) u 0 (t) e a21 u 0 (t) + a22 v 0 (t) = λ(t) v 0 (t)
⇐⇒
(fF − eG)u 0 (t) + (gF − fG)v 0 (t) (eF − fE)u 0 (t) + (fF − gE)v 0 (t)
= λ(t)u 0 (t) e = λ(t)v 0 (t)
EG − F2 EG − F2
⇐⇒
( (fF − eG)u 0 (t) + (gF − fG)v 0 (t), (eF − fE)u 0 (t) + (fF − gE)v 0 (t) ) e (u 0 (t), v 0 (t) são múltiplos ,
⇐⇒
( (fF − eG)u 0 (t) + (gF − fG)v 0 (t), (eF − fE)u 0 (t) + (fF − gE)v 0 (t) ) e (−v 0 (t), u 0 (t) são ortogonais ,
⇐⇒
(eF − fE)u 0 (t)2 + (fF − gE)u 0 (t)v 0 (t) − (fF − eG)u 0 (t)v 0 (t) − (gF − fG)v 0 (t)2 = 0 ,
⇐⇒
(eF − fE)u 0 (t)2 + (eG − gE)u 0 (t)v 0 (t) + (fG − gF)v 0 (t)2 = 0 ,
⇐⇒

v 0 (t)2 −u 0 (t)v 0 (t) u 0 (t)2

E F G = 0, (7)


e f g

que é a equação diferencial das linhas de curvatura. 

Proposição 3.3 Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S tal que X(u, v) não é um
ponto umbı́lico para todo (u, v) ∈ U.
Então as curvas coordenadas são linhas de curvatura se, e só se, f = F = 0.

Prova.
(⇒) Como Xu e Xv são direções principais e num ponto umbı́lico as direções principais são
ortogonais, temos F = hXu , Xv i = 0.
Seja α(t) = X(t, v0 ) uma parametrização da curva coordenada v = v0 que passa por (u0 , v0 )
em t = u0 . Como α é uma linha de curvatura, temos, por (7), que


0 0 1

E 0 G (u0 , v0 ) = 0 =⇒ Ef(u0 , v0 ) = 0 =⇒ f(u0 , v0 ) = 0 , pois E(u0 , v0 ) > 0 .


e f g

Como (u0 , v0 ) ∈ U é arbitrário, f ≡ 0 em U.

200 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

(⇐) Suponhamos que f = F = 0 em U. Então α(t) = X(t, v0 ) é uma linha de curvatura, pois

0 0 1

E 0 G (t, v0 ) = 0 , para todo t ,


e 0 g

Ou seja, a curva coordenada v = v0 é uma linha de curvatura. De modo análogo, podemos


verificar que a curva coordenada u = u0 é uma linha de curvatura. 

Observação 3.6 Não usamos a hipótese de que os pontos de X(U) são não-umbı́licos para
provar que as curvas coordenadas são linhas de curvatura. Só usamos que F = f = 0.

Exemplo 3.7 (Superfı́cie de Revolução)


Seja S a superfı́cie de revolução obtida girando a curva regular C, contida no plano xz, em
torno do eixo Oz. Então
X(u, v) = ( ϕ(v) cos u , ϕ(v) sen u , ψ(v) ) ,
v ∈ I, u ∈ (0, 2π), é uma parametrização de S, onde α : I −→ C, α(v) = (ϕ(v), 0, ψ(v)) é uma
parametrização de C pelo comprimento de arco, com ϕ(v) > 0.
Como

Xu = (−ϕ(v) sen u, ϕ(v) cos u, 0) , Xv = (ϕ 0 (v) cos u, ϕ 0 (v) sen u, ψ 0 (v)) e ϕ 0 (v)2 +ψ 0 (v)2 = 1 ,

temos E = ϕ(v)2 , F = 0 e G = 1.
Vamos agora calcular os coeficientes da segunda forma fundamental.
Sendo

Xuu = (−ϕ(v) cos u, −ϕ(v) sen u, 0) ,


Xuv = (−ϕ 0 (v) sen u, ϕ 0 (v) cos u, 0) ,
Xvv = (ϕ 00 (v) cos u, ϕ 00 (v) sen u, ψ 00 (v)) ,

obtemos:

−ϕ(v) sen u ϕ(v) cos u 0
(Xu , Xv , Xuu ) 1

0 0 0
e = = ϕ (v) cos u ϕ (v) sen u ψ (v)

2 1/2
p
(EG − F ) EG − F2
−ϕ(v) cos u −ϕ(v) sen u 0

ϕ(v)2 0
= − ψ (v) = −ϕ(v) ψ 0 (v) ,
ϕ(v)
(Xu , Xv , Xuv )
f = =0 e
(EG − F2 )1/2

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Geometria Diferencial


−ϕ(v) sen u ϕ(v) cos u 0
(Xu , Xv , Xvv ) 1

g = = 0 0 0
−ϕ (v) cos u ϕ (v) sen u ψ (v)

p
(EG − F2 )1/2

2
EG − F 00

ϕ (v) cos u −ϕ 00 (v) sen u ψ 00 (v)
1
= −ϕ(v) sen2 u ( ϕ 0 (v) ψ 00 (v) − ϕ 00 (v) ψ 0 (v))
ϕ(v)

− ϕ(v) cos2 u (ϕ 0 (v) ψ 00 (v) − ϕ 00 (v) ψ 0 (v))




= ψ 0 (v) ϕ 00 (v) − ϕ 0 (v) ψ 00 (v) .

Como F = f = 0, temos, pela proposição 3.3, que as curvas coordenadas são linhas de
curvatura, isto é, os paralelos (v = const.) e os meridianos (u = const.) são linhas de curvatura.
• Provaremos agora que ao longo do paralelo

β(u) = (ϕ(v) cos u, ϕ(v), sen u, ϕ(v))

que passa por α(v) = β(0), o vetor normal unitário à superfı́cie em β(u) = X(u, v) é obtido
girando o vetor normal unitário −nα (v) à curva C em α(v) em torno do eixo Oz de um ângulo
u.

Fig. 24: Superfı́cie de revolução S e vetores normais ao longo de um paralelo

De fato, como α 0 (v) = (ϕ 0 (v), 0, ψ 0 (v)), temos que −nα (v) = (ψ 0 (v), 0, −ϕ 0 (v)). Portanto

Xu ∧ Xv 1
N(X(u, v)) = (u, v) = ( ϕ(v)ψ 0 (v) cos u , ϕ(v)ψ 0 (v) sen u , −ϕ(v) ϕ 0 (v) )
kXu ∧ Xv k ϕ(v)

= ( ψ 0 (v) cos u , ψ 0 (v) sen u , −ϕ 0 (v) )

é o vetor obtido girando o vetor −nα (v) em torno do eixo Oz de um ângulo u.

Observação 3.7 Os meridianos são seções normais de S.


De fato, seja π o plano que contém o meridiano X(u0 , v) e o eixo OZ.

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Então
π : sen u0 x − cos u0 y = 0 ,
pois X(u0 , v) ∈ π para todo v ∈ π e π contém o eixo Oz. Ou seja, π é o plano que passa pela
origem e é normal ao vetor (sen u0 , − cos u0 , 0).
Como
Xv (u0 , v) = (ϕ 0 (v) cos u0 , ϕ 0 (v) sen u0 , ψ 0 (v))

e N(u0 , v) = (ψ 0 (v) cos u0 , ψ 0 (v) sen u0 , −ϕ 0 (v))


são paralelos ao plano π e X(u0 , v) ∈ π, temos que π = πX(u0 ,v) (Xv (u0 , v) , N(u0 , v)) e, portanto,
π ∩ X(U) = {X(u0 , v) | v ∈ I} é a seção normal a X(U) em X(u0 , v) ao longo da direção Xv (u0 , v)
para todo v ∈ I . 

Como os meridianos são seções normais e linhas de curvatura, uma das curvaturas principais
de S em X(u, v) é
 
Xv
IIX(u,v) (u, v) = e(u, v) = ψ 0 (v) ϕ 00 (v) − ψ 00 (v) ϕ 0 (v) = −καu (v) ,
kXv k

onde καu (v) é a curvatura do meridiano αu (v) = X(u, v) em v, considerado como uma curva
plana.

Observação 3.8 O paralelo βv0 (u) = X(u, v0 ) é uma seção normal de S em p = β(u) se, e
só se, o vetor tangente a C em α(v0 ) é paralelo ao eixo Oz.

Fig. 25: Xv é paralelo ao eixo Oz se, e so se, ϕ 0 (v) = 0

Primeiro observe que


Xv (0, v0 ) = (ϕ 0 (v0 ), 0, ψ 0 (v0 ))
é paralelo ao eixo Oz se, e só se, ϕ 0 (v0 ) = 0. Nesse caso,
Xv (u0 , v0 ) = (ϕ 0 (v0 ) cos u , ϕ 0 (v0 ) sen u , ψ 0 (v0 )) = (0, 0, ψ 0 (v0 ))
é paralelo ao eixo Oz para todo u.

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Geometria Diferencial

Como πX(u,v0 ) (Xu (u, v0 ), N(u, v0 )) é o plano que passa por X(u, v0 ) e é normal ao vetor Xv (u, v0 ),
temos que πX(u,v0 ) (Xu (u, v0 ), N(u, v0 )) é paralelo ao plano xy se, e só se, Xv (u, v0 ) é paralelo
ao eixo Oz.
Logo
S ∩ πX(u,v0 ) (Xu (u, v0 ), N(u, v0 )) = {βv0 (u) | u ∈ [0, 2π]}

se, e só se, Xv (u, v0 ) é paralelo ao eixo Oz, ou seja, se, e só se, o vetor tangente a C em α(v0 )
é paralelo ao eixo Oz.

Observação 3.9 Sendo

eg − f2 −ψ 0 (v) (ψ 0 (v) ϕ 00 (v) − ψ 00 (v) ϕ 0 (v))


K(u, v) = (u, v) = (8)
EG − F2 ϕ(v)

a curvatura Gaussiana de S no ponto X(u, v), temos que K(u, v) = 0 se, e só se, ψ 0 (v) = 0 ou
ψ 0 (v) ϕ 00 (v) − ψ 00 (v) ϕ 0 (v) = 0.

Observe que:
• ψ 0 (v) = 0 se, e só se, o vetor tangente a C em α(v) é
perpendicular ao eixo Oz.
• ψ 0 (v)ϕ 00 (v) − ψ 00 (v)ϕ 0 (v) = 0 se, e só se, a curvatura de C
em α(v) é zero.
Se ψ 0 (v) = 0 (⇐⇒ e = 0) e ψ 0 (v)ϕ 00 (v) − ψ 00 (v)ϕ 0 (v) 6= 0
(⇐⇒ g 6= 0), X(u, v) é um ponto parabólico.
Se ψ 0 (v) = 0 e ψ 0 (v)ϕ 00 (v) − ψ 00 (v)ϕ 0 (v) = 0 , X(u, v) é um
ponto planar, pois e = f = g = 0 em (u, v). 
Fig. 26: α 0 (v) é perpendicular ao eixo Oz
Exemplo 3.8 Seja
v v
 
α(v) = 0, a + r cos , r sen , v ∈ [0, 2πr]
r r

uma parametrização pelo comprimento de arco da geratriz do toro.


π   3π 
• Como α 0 r e α0 r são os únicos vetores tangentes a α que são perpendiculares ao
2 2
eixo Oz e a curvatura de α é diferente de zero em todos os pontos, obtemos, pela observação
 π   3π 
acima, que os pontos dos paralelos X u, r e X u, r são os únicos pontos parabólicos
2 2
do toro.

204 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

• Como α 0 (v) é paralelo ao eixo Oz se, e só se, v = 0 e v = πr, temos que X(u, 0) e X(u, πr)
são os únicos paralelos do toro que são seções normais. Nos pontos do paralelo v = 0, que
1 1
é um cı́rculo de raio a + r, as curvaturas principais do toro são − e − , e, portanto,
a+r r
1
K(u, 0) = para todo u ∈ [0, 2π].
(a + r)r

Nos pontos do paralelo v = πr, que é um cı́rculo de raio a − r, as curvaturas principais do toro
1 1 1
são e − . Logo, K(u, πr) = − para todo u ∈ [0, 2π]. 
a−r r (a − r)r

Fig. 27: Normais e tangentes horizontais e verticais no toro

Exemplo 3.9 Seja α(v) = (0, a, v) , v ∈ R, uma parame-


trização pelo comprimento de arco da geratriz do cilindro

S : x 2 + y 2 = a2 .

Como α tem curvatura zero e vetor tangente paralelo ao


eixo Oz em todos os pontos, temos que todos os pontos
do cilindro são parabólicos e todos os paralelos são seções
1 1
normais de curvatura . Logo, 0 e − são as curvaturas
a a
principais de S em qualquer um de seus pontos.  Fig. 28: Geratriz do cilindro S

Exemplo 3.10 Seja S a superfı́cie de revolução (ver exemplo 3.6) obtida girando a curva
 
z = y3 z = 1
C: em torno da reta r :
x = 0 x = 0 .

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Geometria Diferencial

Fig. 29: Geratriz da superfı́cie S

Como o vetor tangente a C em (0, 0, 0) é paralelo à reta r e C tem curvatura zero nesse ponto,
temos que o paralelo que pasa pela origem é uma seção normal e todos os seus pontos são
parabólicos 

Observação 3.10 A curvatura Gaussiana de uma superfı́cie de revolução é dada também


por:
ϕ 00 (v
K(u, v) = − .
ϕ(v)

De fato, como ϕ 0 (v)2 + ψ 0 (v)2 = 1 para todo v, obtemos, derivando esta expressão, que
ϕ 0 (v) ϕ 00 (v) = −ψ 0 (v) ψ 00 (v) .
Logo, por (8),

−ψ 0 (v)2 ϕ 00 (v) + ψ 00 (v) ψ 0 (v) ϕ 0 (v)


K(u, v) =
ϕ(v)

−ψ 0 (v)2 ϕ 00 (v) + ϕ 0 (v) ϕ 00 (v) ϕ 0 (v)


=
ϕ(v)

−(ψ 0 (v) + ϕ 0 (v)2 ) ϕ 00 (v) −ϕ 00 (v)


= = . 
ϕ(v) ϕ(v)

Observação 3.11 Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de uma superfı́cie S tal que
e g
f = F = 0 em U. Então e são as curvaturas principais.
E G
eg eG + gE e g e g
De fato, como K = κ1 κ2 = e 2H = κ1 + κ2 = , isto é, κ1 κ2 = e κ1 + κ2 = + ,
EG EG E G E G
e g
então e são as curvaturas principais.
E G

206 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

Em particular, as curvaturas principais de uma superfı́cie de revolução são dadas por

e −ψ 0 ϕ −ψ 0 g
= = e = ψ 0 ϕ 00 − ψ 00 ϕ 0 .
E ϕ2 ϕ G

Portanto, as curvaturas principais são constantes ao longo de um paralelo e a curvatura média


da superfı́cie é dada por

κ1 + κ2 1 −ψ 0 + ϕ(ψ 0 ϕ 00 − ψ 00 ϕ 0 )
H= = . 
2 2 ϕ

Exemplo 3.11 Seja f : U −→ R uma função diferenciável definida no aberto U de R2 . O


gráfico de f é uma superfı́cie regular S que pode ser coberta por uma única parametrização:

X : U −→ S
(x, y) 7−→ (x, y, f(x, y)) .

Então,
Xx = (1, 0, fx ) , Xy = (0, 1, fy )
Xxx = (0, 0, fxx ) , Xxy = (0, 0, fxy )
Xyy = (0, 0, fyy ) .

Assim,
Xx ∧ Xy (−f , −fy , 1)
N(x, y) = =q x ,
kXx ∧ Xy k 1 + f2x + f2y

é um campo normal unitário a superfı́cie e os coeficientes da primeira forma fundamental e da


segunda forma fundamental nessa parametrização são dados por:

E = 1 + f2x ; G = 1 + f2y ; F = fx fy
fxx fxy fyy
e= ; f= ; g= .
(1 + f2x + f2y )1/2 (1 + f2x + f2y )1/2 (1 + f2x + f2y )1/2

Assim, a curvatura Gaussiana e a curvatura média da superfı́cie são:

fxx fyy − f2xy 1 (1 + f2y ) fxx − 2fx fy fxy + (1 + f2x ) fyy


K= , e H= .
(1 + f2x + f2y )2 2 (1 + f2x + f2y )3/2

Observação 3.12 Para todo ponto p de uma superfı́cie S, existe um aberto V ⊂ S, com
p ∈ V, tal que V é o gráfico sobre o plano tangente a S em p.
De fato, seja {v1 , v2 } uma base ortonormal de Tp S compatı́vel com a orientação de S, isto é,
{v1 , v2 , N(p)} é uma base ortonormal positiva de R3 .

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Geometria Diferencial

Xu ∧ Xv
Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S tal que X(0, 0) = p e N(p) = (0, 0).
kXu ∧ Xv k

Como {e1 , e2 , N(p)} é uma base ortonormal positiva de R3 , existem funções x, y z : U −→ R de


classe C∞ tais que

X(u, v) − X(0, 0) = x(u, v) v1 + y(u, v) v2 + z(u, v) N(p) .

Então
Xu (0, 0) = xu (0, 0) v1 + yu (0, 0) v2 + zu (0, 0) N(p) ,

e
Xv (0, 0) = xv (0, 0) v1 + yv (0, 0) v2 + zv (0, 0) N(p) .

Logo

(Xu ∧ Xv )(0, 0) = (xu (0, 0) yv (0, 0) − xv (0, 0) yu (0, 0)) N(p)


− (xu (0, 0) zv (0, 0) − xv (0, 0) zu (0, 0)) v2
+ (yu (0, 0) zv (0, 0) − yv (0, 0) zu (0, 0)) v1 .

∂(x, y)
Como N(p) é paralelo a (Xu ∧ Xv )(0, 0), obtemos que (0, 0) 6= 0.
∂(u, v)

Sejam X : U −→ R3 , X = (x, y, z), e π : R3 −→ R2 a projeção π(x, y, z) = (x, y).

Então π ◦ X : U −→ R2 é uma aplicação diferenciável tal que

d(π ◦ X)(0,0) : R2 −→ R2

é um isomorfismo.
Pelo Teorema da Aplicação Inversa, existem abertos U0 ⊂ U e U1 de R2 , com (0, 0) ∈ U0 e
(0, 0) ∈ U1 , tais que π ◦ X : U0 −→ U1 é um difeomorfismo.

Seja Y = X ◦ (π ◦ X)−1 : U1 −→ R3 . Então Y é diferenciável e é dada por:

Y(x, y) = p + x v1 + y v2 + z(u(x, y), v(x, y)) N(p) ,

onde
(π ◦ X)−1 (x, y) = (u(x, y), v(x, y)) .

Logo Y(U1 ) é um aberto de S que contém P e é o gráfico sobre Tp S da função

h(x, y) = z(u(x, y), v(x, y)) .

208 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

Fig. 30: Vetor N(p) paralelo a v1 ∧ v2

Na parametrização Y : U1 −→ R3 ,

Y(x, y) = p + x v1 + y v2 + h(x, y) N(p) ,

temos que

Y(0, 0) = p , Yx (0, 0) = v1 + hx (0, 0) N(p) = v1 e Yy (0, 0) = v2 + hy (0, 0) N(p) = v2 ,

pois Yx (0, 0), Yy (0, 0) ∈ Tp S. Logo h(0, 0) = hx (0, 0) = hy (0, 0) = 0 .

Além disso, como N(p) = v1 ∧ v2 ,

Yx x (0, 0) = hx x (0, 0) N(p) , Yx y (0, 0) = hx y (0, 0) N(p) e Yy y (0, 0) = hy y (0, 0) N(p) ,

obtemos:

e(0, 0) = hN(p) , Yx x (0, 0)i = hx x (0, 0) ,


f(0, 0) = hN(p) , Yx y (0, 0)i = hx y (0, 0) ,
g(0, 0) = hN(p) , Yy y (0, 0)i = hy y (0, 0) .

Logo a segunda forma fundamental de S em p com respeito à base ortonormal {v1 , v2 } =


{Yx (0, 0), Yy (0, 0)} de Tp S é:

IIp (x v1 + y v2 ) = hx x (0, 0)x2 + 2hx y (0, 0) x y + hy y (0, 0)y2 ,

que é a Hessiana de h no ponto (0, 0).

Observação 3.13 Vamos utilizar a observação acima para dar uma interpretação geométrica
da indicatriz de Dupin.
Seja p ∈ S um ponto não-planar. Dado ε > 0, seja

Cε = {(x, y) ∈ U1 | h(x, y) = ε} .

Instituto de Matemática - UFF 209


Geometria Diferencial

Podemos supor que Cε 6= ∅, pois caso contrário basta trocar a orientação de S.

Fig. 31: Plano paralelo a Tp S

Mostraremos que Cε é uma aproximação de segunda ordem da indicatriz de Dupin em p.


De fato, sejam κ1 (p) ≥ κ2 (p) as curvaturas principais de S em p e tomemos v1 e v2 , na
observação 3.12, como sendo as direções principais de S em p, isto é, dNp (v1 ) = −κ1 (p) v1 e
dNp (v2 ) = −κ2 (p) v2 .

Então

e(0, 0) = hx x (0, 0) = −hNx (0, 0) , Yx (0, 0)i = κ1 (p) ;


f(0, 0) = hx y (0, 0) = −hNx (0, 0) , Yy (0, 0)i = 0 ;
g(0, 0) = hy y (0, 0) = −hNy (0, 0) , Yy (0, 0)i = κ2 (p) ,

pois Yx (0, 0) = v1 e Yy (0, 0) = v2 .

O desenvolvimento de Taylor de h em torno do ponto (0, 0) nos dá que:

1
h(x, y) = (hx x (0, 0)x2 + 2hx y (0, 0)x y + hy y (0, 0) y2 ) + R(x, y) ,
2

R(x, y)
onde lim = 0, pois h(0, 0) = hx (0, 0) = hy (0, 0) = 0.
(x,y)→(0,0) x2 + y2

Logo
1 1
h(x, y) = κ1 (p) x2 + κ2 (p) y2 + R(x, y) .
2 2
Assim, a curva Cε é dada por

κ1 (p) x2 + κ2 (p) y2 + 2R(x, y) = 2ε .

210 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

Como κ1 (p) 6= 0 ou κ2 (p) 6= 0, temos que κ1 (p)x2 + κ2 (p)y2 = 2ε é uma aproximação de ordem
2 da curva Cε .
√ √
Fazendo x = x 2ε e y = y 2ε, temos que κ1 (p) x2 + κ2 (p) y2 = 2ε é transformada em
κ1 (p)x2 + κ2 (p)y2 = 1, que é a indicatriz de Dupin de S em p.
Provamos, assim, que se p é um ponto não-planar, a interseção de S com um plano paralelo a
Tp S e próximo a p é uma curva que tem a indicatriz de Dupin em p como uma aproximação de
segunda ordem.
Se p é um ponto planar, essa interpretação deixa de ser válida (ver exemplos 2.6 e 3.5).

Observação 3.14 Para concluir esta seção daremos uma interpretação geométrica da cur-
vatura Gaussiana em termos da aplicação de Gauss N : S −→ S2 . Essa foi a maneira em que
Gauss introduziu a curvatura.
Mas antes, daremos uma definição e faremos algumas observações.

Sejam S1 e S2 superfı́cies regulares orientadas e N1 : S1 −→ S2 , N2 : S2 −→ S2 as aplicações


normais de Gauss de S1 e S2 , respectivamente.
Seja ϕ : S1 −→ S2 uma aplicação diferenciável tal que dϕp : Tp S1 −→ Tϕ(p) S2 é um isomorfismo
em um ponto p ∈ S1 .
Dizemos que ϕ preserva (inverte) orientação em p, se dada uma base positiva {v1 , v2 } de Tp S1
(i.e., det(v1 , v2 , N1 (p)) > 0) então {dϕp (v1 ), dϕp (v2 )} é uma base positiva (negativa) de Tϕ(p) S2
(i.e., det(dϕp (v1 ), dϕp (v2 ), N2 (ϕ(p))) > 0 (< 0)).

Afirmação: Seja {v1 , v2 } uma base positiva de Tp S1 . Então {w1 , w2 } é uma base positiva de Tp S1
!
a11 a12
se, e só se, a matriz de mudança de base tem determinante positivo.
a21 a22

De fato:

det(w1 , w2 , N1 (p)) = hw1 ∧ w2 , N1 (p)i = h(a11 v1 + a21 v2 ) ∧ (a12 v1 + a22 v2 ) , N1 (p)i


!
a11 a12
= det hv1 ∧ v2 , N1 (p)i .
a21 a22
!
a11 a12
Logo, {w1 , w2 } é uma base positiva se, e só se, det > 0.
a21 a22

Afirmação: Na definição acima, basta verificar que

hdϕp (v1 ) ∧ dϕp (v2 ) , N2 (ϕ(p))i > 0 (< 0) ,

Instituto de Matemática - UFF 211


Geometria Diferencial

para uma base {v1 , v2 } positiva de Tp S1 , pois se {w1 , w2 } é outra base positiva de Tp S1 , então
!
a11 a12
hdϕp (w1 ) ∧ dϕp (w2 ) , N2 (p)i = det hdϕp (v1 ) ∧ dϕp (v2 ) , N2 (p)i > 0 (< 0) .
a21 a22

Afirmação: Sejam S1 e S2 superfı́cies regulares orientadas e ϕ : S1 −→ S2 um difeomorfismo


local. Se S1 é conexa, então ϕ preserva ou inverte orientação em todos os pontos de S1 .

De fato, seja N1 : S1 −→ S2 a aplicação normal de Gauss de S1 e {Xα : Uα −→ Xα (Uα ) | α ∈ A}


uma famı́lia de parametrizações, com Uα conexo, que cobre S1 compatı́vel com a orientação,
isto é,
(Xα )u ∧ (Xα )v
N1 (Xα (u, v)) = (u, v) ,
k(Xα )u ∧ (Xα )v k

para todo (u, v) ∈ Uα e todo α ∈ A, ou seja,

det( (Xα )u , (Xα )v , N1 ◦ Xα )(u, v) = h(Xα )u ∧ (Xα )v , N1 ◦ Xα i(u, v) > 0 ,

para todo (u, v) ∈ Uα e todo α ∈ A.


Suponhamos que existe p0 ∈ S1 tal que ϕ preserva orientação em p0 = Xα0 (u0 ,v0 ) . Provaremos
que ϕ preserva orientação em todos os pontos de S1 .
Como Yα0 = ϕ ◦ Xα0 : Uα0 −→ ϕ(Xα0 (Uα0 )) é um difeomorfismo local, Uα0 é conexo, e

hdϕXα0 (u0 ,v0 ) ( (Xα0 )u (u0 , v0 ) ) ∧ dϕXα0 (u0 ,v0 ) ( (Xα0 )v (u0 , v0 ) ) , N2 (ϕ(Xα0 (u0 , v0 )))i > 0 ,

isto é,
h(Yα0 )u (u0 , v0 ) ∧ (Yα0 )v (u0 , v0 ) , N2 (Yα0 (u0 , v0 ))i > 0 ,

temos que
h(Yα0 )u ∧ (Yα0 )v , N2 ◦ Yα0 i(u, v) > 0 ,

para todo (u, v) ∈ Uα0 . Logo dϕp preserva orientação para todo p ∈ Xα0 (Uα0 ).

Seja A = { p ∈ S1 | dϕp preserva orientação }.

Por hipótese A 6= ∅ e, pelo argumento anterior, A é um aberto de S1 .


De modo análogo, podemos provar que B = { p ∈ S1 | dϕp inverte orientação } é aberto em S1 .

Como S1 = A ∪ B, A 6= ∅, A e B abertos em S1 e S1 é conexa, temos que B = ∅, ou seja,


S1 = A . 

Voltaremos agora a nossa interpretação geométrica.

212 J. Delgado - K. Frensel


A Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

Seja S uma superfı́cie regular orientada e N : S −→ S2 sua aplicação normal de Gauss.

Seja p ∈ S tal que dNp : Tp S −→ Tp S = TN(p) S2 é um isomorfismo.

Então det(dNp ) = K(p) 6= 0 e, portanto, p é um ponto elı́ptico ou hiperbólico.

Se considerarmos S2 com a orientação N : S2 −→ S2 , N(q) = q, Tp S e TN(p) S2 terão a mesma


orientação.
Seja {w1 , w2 } uma base de Tp S. Como dNp (w1 ), dNp (w2 ) ∈ Tp S, existem números reais aij ∈
R, i, j = 1, 2, tais que dNp (w1 ) = a11 w1 + a21 w2 e dNp (w2 ) = a12 w1 + a22 w2 .
Logo,
!
a11 a12
dNp (w1 ) ∧ dNp (w2 ) = det w1 ∧ w2 = K(p) w1 ∧ w2 . (9)
a21 a22

Seja agora uma base {w1 , w2 } positiva de Tp S. Então N : S −→ S2 preserva orientação em p


se K(p) > 0 e inverte orientação se K(p) < 0, pois

hdNp (w1 ) ∧ dNp (w2 ) , N(p)i = K(p) hw1 ∧ w2 , N(p)i .

Intuitivamente, isto significa o seguinte: uma orientação de Tp S induz uma orientação nas ”pe-
quenas” curvas fechadas em torno de p; a imagem por N dessas curvas terá orientação igual
ou oposta às primeiras curfas conforme o ponto seja elı́ptico ou hiperbólico, respectivamente
(ver Figura 32).

Fig. 32: A aplicação de Gauss preserva a orientação nos pontos elı́pticos e a inverte nos hiperbólicos

Para levar tal fato em consideração, faremos a convenção de que a área de uma região contida
em uma vizinhança conexa V = X(U), onde N : V −→ N(V) é um difeomorfismo (logo K 6= 0
em V), e a área da sua imagem por N tem o mesmo sinal se K > 0 em V e sinais opostos se
K < 0 em V (como V é conexo, K não muda de sinal em V).

Instituto de Matemática - UFF 213


Geometria Diferencial

Ou seja, a área com sinal da imagem por N de uma região R ⊂ V é dada por:
ZZ
A(N(R)) = K kXu ∧ Xv k du dv ,
R0

onde X(R 0 ) = R.

Observação 3.15 Note que N = N ◦ X : U −→ N(X(U)) é uma parametrização de S2 , e que


a área de N(R) (sem sinal) é
ZZ ZZ
kNu ∧ Nv k du dv = |K(u, v)| kXu ∧ Xv k du dv
R0 R0

pois, por (9), Nu ∧ Nv = K (Xu ∧ Xv ) .

Proposição 3.4 Seja p um ponto de uma superfı́cie S com curvatura Gaussiana K(p) 6= 0 e
seja V = X(U) uma vizinhança coordenada conexa de p onde K não muda de sinal. Então

A(N(Bn ))
K(p) = lim .
n→∞ A(Bn )

onde Bn ⊂ V é uma seqüência de regiões que converge para p, isto é, para todo ε > 0 existe
n0 ∈ N, tal que Bn ⊂ Bε (p) para todo n ≥ n0 .

Prova.
Sejam Rn = X−1 (Bn ) e A0 (Rn ) a área de Rn em R2 .
Pelo Teorema do Valor Médio para a integral dupla, existem pn , qn ∈ Rn tais que:
ZZ
kXu ∧ Xv k du dv
A(Bn )
= Rn
= kXu ∧ Xv k(pn ) ,
A0 (Rn ) A0 (Rn )

e
ZZ
KkXu ∧ Xv k du dv
A(N(Bn ))
= Rn
= K(qn ) · kXu ∧ Xv k(qn ) .
A0 (Rn ) A0 (Rn )

Então
A(N(Bn ))/A0 (Rn ) K(qn ) · kXu ∧ Xv k(qn )
lim A(N(Bn ))A(Bn ) = lim = lim
n→∞ n→∞ A(Bn )/A0 (Rn ) n→∞ kXu ∧ Xv k(pn )
K(p) · kXu ∧ Xv k(p)
= = K(p) ,
kXu ∧ Xv k

pois lim pn = lim qn = p . 


n→∞ n→∞

214 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

Observação 3.16 Sejam C uma curva regular plana, α : I −→ C uma parametrização pelo
comprimento de arco de C tal que κ(s) 6= 0 para todo s ∈ I e α(s0 ) = p0 e θ : I −→ R uma
função diferenciável tal que α 0 (s) = (cos θ(s), sen θ(s)) para todo s ∈ I.
Então
θ(s 0 ) − θ(s)
κ(s0 ) = θ 0 (s0 ) = lim ,
s, s → s0
0 s0 − s
s0 > s

onde s 0 − s é o comprimento de α[s, s 0 ] e θ(s 0 ) − θ(s) é o comprimento com sinal de α 0 [s, s 0 ].

Fig. 33: κ < 0 no intervalo [s, s 0 ]

Vemos, assim, que a curvatura Gaussiana K é o análogo, para superfı́cies, da curvatura κ para
curvas planas.

4. Campos de Vetores
Nesta seção, usaremos os teoremas fundamentais das equações
diferenciais ordinárias (existência, unicidade e dependência
das condições iniciais) para provar a existênciua de certos
sistemas de coordenadas em superfı́cies.
Começaremos com uma apresentação geométrica do ma-
terial sobre equações diferenciais que utilizaremos.

Definição 4.1 Um campo de vetores diferenciável em um Fig. 34: Campo de vetores diferenciável w no
aberto U
2 2
aberto U ⊂ R é uma aplicação w : U −→ R , w(x, y) =
(a(x, y), b(x, y)), diferenciável.

Geometricamente, a aplicação w : U −→ R2 associa a cada ponto (x, y) ∈ U um vetor


w(x, y) ∈ R2 de coordenadas a(x, y) e b(x, y).

Instituto de Matemática - UFF 215


Geometria Diferencial

Definição 4.2 Uma trajetória de um campo de vetores diferenciável w : U −→ R2 é uma


curva parametrizada diferenciável α : I −→ U tal que α 0 (t) = w(α(t)) .

Exemplo 4.1 Uma trajetória do campo de vetores w : R2 −→ R2 , w(x, y) = (x, y), que passa
pelo ponto (x0 , y0 ) é a semi-reta α(t) = (x0 et , y0 et ) , t ∈ R, pois α 0 (t) = α(t) = w(α(t)) .

Fig. 35: Campo w(x, y) = (x, y) em R2

Note que a trajetória de w que passa pela origem é α(t) = (0, 0), para todo t. Assim, a origem
é um ponto singular do campo w. 

Exemplo 4.2 Uma trajetória do campo de vetores


w : R2 −→ R2 , w(x, y) = (y, −x), que passa pelo ponto
(x0 , y0 ) 6= (0, 0) é o cı́rculo

α(t) = (r sen(t + θ0 ), r cos(t + θ0 )) ,

onde (r sen θ0 , r cos θ0 ) = (x0 , y0 ) , pois

α 0 (t) = (r cos(t + θ0 ), −r sen(t + θ0 )) = w(α(t)) .

Para (x0 , y0 ) = (0, 0), α(t) = (0, 0), para todo t ∈ R, é Fig. 36: Campo w(x, y) = (y, −x) em R2

a trajetória que passa por (0, 0).


Assim, (0, 0) é uma singularidade do campo w. 

Na linguagem das equações diferenciais ordinárias, diz-se que um campo de vetores w : U −→


R2 determina um sistema de equações diferenciais,

x 0 (t) = a(x(t), y(t))


(10)
y 0 (t) = b(x(t), y(t))

e que uma trajetória é uma solução ou curva integral do sistema (10).

216 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

No que se segue, I e J denotam intervalos abertos da reta R que contém a origem 0 ∈ R.

Teorema 4.1 (Teorema de Existência e Unicidade)


Seja w : U −→ R2 um campo de vetores diferenciável definido num aberto U de R2 . Dado
p ∈ U, existem um intervalo I e uma trajetória α : I −→ U de w (i.e., α 0 (t) = w(α(t)), ∀t ∈ I)
com α(0) = p. Esta trajetória é única, isto é, se β : J −→ U é outra trajetória de w com
β(0) = p, então β(t) = α(t) para todo t ∈ I ∩ J.

Teorema 4.2 (Dependência Diferenciável das


Condições Iniciais)

Seja w : U −→ R2 um campo de vetores diferenciá-


vel definido num aberto de R2 . Para cada p ∈ U,
existem um aberto V ⊂ U, p ∈ V, um intervalo I,
com 0 ∈ I, e uma aplicação α : V × I −→ U tais que:
1. α é diferenciável.
Fig. 37: Vizinhança de fluxo local
2. para todo q ∈ V, a curva α(q, t), t ∈ I, é a
trajetória de w que passa por q, isto é:
∂α
α(q, 0) = q , (q, t) = w(α(q, t)) .
∂t

Definição 4.3 A aplicação α : V × I −→ U é chamada de fluxo (local) de w em p.

Lema 4.1 Sejam w : U −→ R2 um campo de vetores diferenciável definido num aberto U de


R2 e p ∈ U tal que w(p) 6= 0. Então existem um aberto U0 ⊂ U, com p ∈ U0 , e uma função
diferenciável f : U0 −→ R tal que f é constante ao longo de cada trajetória de w e dfq 6= 0 para
todo q ∈ U0 .

Prova.
w(p)
Sejam v1 = , v2 um vetor unitário ortogonal a v1 , a, b : U −→ R funções diferenciáveis
kw(p)k
dadas por
w(ξ, η) = a(ξ, η) v1 + b(ξ, η) v2 .

Considere a aplicação diferenciável A : R2 −→ R2 dada por

A(x, y) = x v1 + y v2 + p ,

e o aberto

A−1 (U) = U
e= (x, y) ∈ R2 | xv1 + yv2 + p ∈ U .

Instituto de Matemática - UFF 217


Geometria Diferencial

Assim (0, 0) ∈ U
e e A(0, 0) = p.

Finalmente, sejam as funções diferenciáveis a


e, b e −→ R dadas por:
e:U

a
e(x, y) = a(xv1 + yv2 + p) = a(A(x, y))

b(x,
e y) = b(xv1 + yv2 + p) = b(A(x, y)) .

Logo,

w(xv1 + yv2 + p) = a(xv1 + yv2 + p)v1 + b(xv1 + yv2 + p)v2 = a


e(x, y)v1 + b(x,
e y)v2 , (11)

Então w e −→ R2 ,
e :U

w(x,
e y) = (e
a(x, y), b(x,
e y))

é um campo de vetores diferenciável tal que


e 0) = (kw(p)k, 0), pois, por (11),
w(0,

w(p)
w(p) = a
e(0, 0)v1 = a
e(0, 0) .
kw(p)k

e = J1 × J2 , J1 e J2 intervalos abertos
Sejam V
com 0 ∈ J1 ∩J2 , V
e ⊂ U,
e I um intervalo aberto,
Fig. 38: Retângulo J2 × I e a função e
t
com 0 ∈ I, αe : V × I −→ Ue o fluxo local de
 
e em (0, 0) e α
w e a restrição de α
e ao retângulo Ve × I ∩ { (x, y, t) | x = 0 } = J2 × I.

Isto é, α
e (y, t) = α
e ((0, y), t).

e (y, 0) = (0, y) e
Logo α
∂e
α ∂e
α
(y, t) = ((0, y), t) = w(e
e α((0, y), t))
∂t ∂t

Como
de
α
de
α(0,0) (e1 ) = ((0, y), 0)|y=0 = (0, 1) ,
dy

e
de
α
de
α(0,0) (e2 ) = ((0, 0), t)|t=0 = w(0,
e 0) = (kwk(p), 0) ,
dt

temos que de
α(0,0) (e1 ) e de
α(0,0) (e2 ) são LI.

218 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

Assim, pelo Teorema da Aplicação Inversa, existem intervalos abertos eJ2 ⊂ J2 , eI ⊂ I, com

0 ∈ eJ2 ∩ eI, e um aberto U


e ⊂ U,
e com (0, 0) ∈ U,
e tais que
e e

e : eJ2 × eI −→ U
α
e
e

é um difeomorfismo.

e −1 : U
Seja α
e e −1 (x, y) = (f(x,
e −→ eJ2 × eI , α e y), et(x, y)). Então

α
e ((0, f(x,
e y)), et(x, y)) = (x, y) .

Seja B e que passa por (x, y) ∈ U.


e a trajetória de w e
e

Então B(t)
e =α e y)), t), pois
e ((0, f(x,

α
e ((0, f(x,
e y)), et(x, y)) = (x, y) .

Portanto, para todo t ∈ eI,


 −1
α
e (B(t))
e = (f(
e B(t)),
e et(B(t)))
e = (f(x,
e y), t) ,

pois B(t)
e =α
e (f(x,
e y), t).
 −1
Além disso, dfeqe 6= 0 para todo q ∈ U,
e pois α é um difeomorfismo.
e
e

e = {xv1 + yv2 + p | (x, y) ∈ U}


Sejam o aberto U0 = A(U)
e e e α : I −→ U0 uma trajetória de
e

w : U0 −→ R2 , isto é,
α 0 (t) = w(α(t)) = w(x(t)v1 + y(t)v2 + p) ,

onde α(t) = p + x(t)v1 + y(t)v2 , t ∈ I.


Então, por (11),
α 0 (t) = a
e(x(t), y(t))v1 + b(x(t),
e y(t))v2 ,

ou seja,
x 0 (t)v1 + y 0 (t)v2 = a
e(x(t), y(t))v1 + b(x(t),
e y(t))v2 ,

para todo t ∈ I.

Logo x 0 (t) = a
e(x(t), y(t)) e y 0 (t) = b(x(t),
e y(t)), isto é, α
e (t) = (x(t), y(t)) é uma trajetória de

w e −→ R2 .
e :U
e

Instituto de Matemática - UFF 219


Geometria Diferencial

e : I −→ U,
A recı́proca também vale, isto é, se α e αe (t) = (x(t), y(t)), é uma trajetória de
e

w e −→ R2 , então α(t) = p + x(t)v1 + y(t)v2 é uma trajetória de w : U0 −→ R2 .


e :U
e

Seja f : U0 −→ R a função diferenciável dada por

e −1 (x, y)) ,
f(x, y) = f(A

onde
A−1 (x, y) = ( h(x, y) − p , v1 i, h(x, y) − p , v2 i ) .

Então, se α(t) = x(t)v1 + y(t)v2 + p, t ∈ eI é uma trajetória de w : U0 −→ R2 , temos que

e (t) = (x(t), y(t)) , t ∈ eI, é uma trajetória de w


α e −→ R2 , e, portanto,
e :U
e

e −1 (α(t))) = f(x(t),
f(α(t)) = f(A e y(t))

é constante.
Além disso, dfq 6= 0 para todo q ∈ U0 , pois dfq = dfeA−1 (q) dA−1 −1 2 2
q , dAq : R −→ R é um

isomorfismo e dfeA−1 (q) 6= 0.

Definição 4.4 A função f : U0 −→ R é chamada de integral primeira de w em uma vizinhança


de p.

Exemplo 4.3 A função f : R2 − {(0, 0)} −→ R, dada por f(x, y) = x2 + y2 , é uma integral
primeira do campo de vetores w : R2 −→ R2 , w(x, y) = (y, −x). 

Definição 4.5 Um campo de direções r em um aberto U ⊂ R2 é uma correspondência que


associa a cada p ∈ U uma reta r(p) em R2 passando por p. Dizemos que r é diferenciável
em p ∈ U se existem um aberto V ⊂ U, com p ∈ V, e um campo de vetores w : V −→ R2
diferenciável tal que w(q) 6= 0 e w(q) k r(q) para todo q ∈ V; r é diferenciável em U se é
diferenciável em todo ponto p ∈ U.

Observação 4.1 A cada campo de vetores diferenciável w : U −→ R2 que não se anula em


ponto algum de U, corresponde um campo de direções diferenciável dado por:
r(p) = reta que passa por p e é paralela a w(p) , ∀p ∈ U.
Pela própria definição, cada campo de direções diferenciável dá origem, localmente, a um
campo de vetores diferenciável que não se anula. Mas, às vezes, isso não é possı́vel global-
mente.

220 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

Exemplo 4.4 Seja o campo de direções em R2 − {(0, 0)} dado pelas


retas tangentes às curvas da Figura 39.
Qualquer tentativa de orientar essas curvas de modo a obter um campo
de vetores diferenciável que não se anula leva a uma contradição.

Definição 4.6 Uma curva regular conexa C ⊂ U é uma curva integral Fig. 39: Exemplo 4.4
de um campo de direções r em U se r(q) é a reta tangente a C em q, para todo q ∈ C.

Observação 4.2 Dado q ∈ U, existe uma curva integral C de r que passa por q.
De fato, dado q ∈ U, existem um aberto V ⊂ U, com q ∈ V, e um campo de vetores dife-
renciável w : V −→ R2 que não se anula tal que w(p) k r(p) para todo p ∈ V.
Seja α : I −→ V a trajetória de w tal que α(0) = q. Como α 0 (0) = w(q) 6= 0, existe I0 ⊂ I,
0 ∈ I0 , tal que α : I0 −→ α(I0 ) é um homeomorfismo. Logo C = α(I0 ) é uma curva integral de r
que passa por q.

Observação 4.3 Seja r um campo de direções diferenciável em U dado localmente pelo


campo de vetores w : V ⊂ U −→ R2 , w(x, y) = (b(x, y), −a(x, y)). Então

dx dy
a(x(t), y(t)) + b(x(t), y(t)) =0
dt dt

é a equação diferencial das curvas integrais do campo de direções r, pois α 0 (t) = (x 0 (t), y 0 (t))
é paralelo a w(x(t), y(t)) = (b(x(t), y(t)), −a(x(t), y(t))) para todo t.

Transportaremos agora as idéias introduzidas acima para uma superfı́cie regular.

Definição 4.7 Um campo de vetores em um conjunto aberto V de uma superfı́cie regular S


é uma correspondência que associa a cada p ∈ V um vetor w(p) ∈ Tp S. O campo de vetores
w é diferenciável em p se, para alguma parametrização X : U −→ X(U) de S em p, as funções
a, b : U −→ R dadas por

w(X(u, v)) = a(u, v) Xu (u, v) + b(u, v) Xv (u, v)

são diferenciáveis em q, onde X(q) = p.

Observação 4.4 A definição dada acima independe da escolha da parametrização


X : U −→ X(U) de S em p.

Instituto de Matemática - UFF 221


Geometria Diferencial

De fato, seja Y : U −→ Y(U), Y(r) = p, outra parametrização de S em p e sejam a, b : U −→ R


funções dadas por
w(Y(u, v)) = a(u, v) Yu (u, v) + b(u, v) Yv (u, v) .

Sejam W = X(U) ∩ Y(U) e h = Y −1 ◦ X : X−1 (W) −→ Y −1 (W), h(u, v) = (u(u, v), v(u, v)), a
aplicação mudança de coordenadas.
Como
∂u ∂v
Xu (u, v) = Yu (h(u, v)) (u, v) + Yv (h(u, v)) (u, v)
∂u ∂u
e
∂u ∂v
Xv (u, v) = Yu (h(u, v)) (u, v) + Yv (h(u, v)) (u, v) ,
∂v ∂v
temos que:

w(Y(u, v)) = w(X(h−1 (u, v))) = a(h−1 (u, v)) Xu (h−1 (u, v)) + b(h−1 (u, v)) Xv (h−1 (u, v))
∂u ∂u
 
= a(h−1 (u, v)) (h−1 (u, v)) + b(h−1 (u, v)) (h−1 (u, v)) Yu (u, v)
∂u ∂v
∂v −1 ∂v
 
+ a(h−1 (u, v)) (h (u, v)) + b(h−1 (u, v)) (h−1 (u, v)) Yv (u, v) .
∂u ∂v

Logo, as funções

∂u ∂u
a(u, v) = a ◦ h−1 (u, v) ◦ h−1 (u, v) + b ◦ h−1 (u, v) ◦ h−1 (u, v) ,
∂u ∂v

e
∂v ∂v
b(u, v) = a ◦ h−1 (u, v) ◦ h−1 (u, v) + b ◦ h−1 (u, v) ◦ h−1 (u, v) ,
∂u ∂v

são diferenciáveis em r.

Definição 4.8 Uma curva parametrizada α : I −→ V é uma trajetória de w se α 0 (t) = w(α(t))


para todo t ∈ I.

Os resultados anteriores provados para campos de vetores em abertos de R2 valem também


para campos de vetores em uma superfı́cie regular S.

Teorema 4.3 Seja w um campo de vetores diferenciável definido em um aberto V de S.


1. Para cada p ∈ V, existem um intervalo aberto I, com 0 ∈ I, e uma curva parametrizada
α : I −→ V tal que α(0) = p e α 0 (t) = w(α(t)) para todo t ∈ I.
2. Se β : J −→ V é outra trajetória de w com β(0) = p, então β(t) = α(t) para todo t ∈ I ∩ J.

222 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

3. Para cada p ∈ V, existem um aberto U ⊂ V, com p ∈ U, um intervalo aberto I ⊂ R com


0 ∈ I, e uma aplicação diferenciável α : U × I −→ V tal que

∂α
α(q, 0) = q e (q, t) = w(α(q, t)) ,
∂t

para todo q ∈ U e todo t ∈ I.


4. Para cada p ∈ V, existem um aberto U0 ⊂ V, com p ∈ U0 , e uma função f : U0 −→ R
diferenciável tal que f é constante ao longo de cada trajetória de w em U0 e dfq 6= 0 para todo
q ∈ U0 .

Prova.
1. Sejam X : U −→ X(U) ⊂ V uma parametrização de S em p = X(q) e sejam a, b : U −→ R
funções diferenciáveis tais que:

w(X(u, v)) = a(u, v) Xu (u, v) + b(u, v) Xv (u, v) .

Considere o campo de vetores diferenciável em R2 , w


e : U −→ R2 , dado por

w(u,
e v) = (a(u, v), b(u, v)) .

e : I −→ U, α
Então existe uma curva parametrizada α e (t) = (x(t), y(t)), tal que

α
e (0) = q e e 0 (t) = w(u(t),
α e v(t)) ,

para todo t ∈ I
Seja α = X ◦ α
e : I −→ X(U) ⊂ V.
Então α é uma curva parametrizada tal que α(0) = X(e
α(0)) = p e

α 0 (t) = u 0 (t) Xu (u(t), v(t)) + v 0 (t) Xv (u(t), v(t))


= a(u(t), v(t)) Xu (u(t), v(t)) + b(u(t), v(t)) Xv (u(t), v(t))
= w(X ◦ α
e (t)) = w(α(t)) ,

para todo t ∈ I.
2. Seja β : J −→ V outra trajetória de w com β(0) = p. Então existem J 0 ⊂ J, com 0 ∈ J 0 , tal
que β(J 0 ) ⊂ X(U) e funções u v : J 0 −→ R tais que β(t) = X(e
e, e u(t), e
v(t)).

Como β(t)
e = (e v(t)) é uma trajetória de w
u(t), e e com β(0)
e = q, temos que β(t)
e e (t) para todo

t ∈ eJ ∩ I.

Portanto, β(t) = X ◦ β(t)


e =X◦α
e (t) = α(t) para todo t ∈ eJ ∩ I.

Instituto de Matemática - UFF 223


Geometria Diferencial

De modo análogo, podemos provar que o conjunto

A = { t ∈ J ∩ I | α(t) = β(t) }

é um conjunto aberto. Como A 6= ∅ (pois α(0) = β(0) = p), A é fechado em I ∩ J (pois α e β


são contı́nuas) e I ∩ J é conexo (pois 0 ∈ I ∩ J), temos que A = I ∩ J, isto é, α(t) = β(t) para
todo t ∈ I ∩ J.
e : U −→ R2 o campo de vetores em R2 dado por w(u,
3. Seja w e v) = (a(u, v), b(u, v)). Então
existem Ue ⊂ U aberto, com q ∈ U, e um intervalo aberto I, 0 ∈ I, e uma aplicação α
e : U×I
e −→ U
diferenciável (fluxo local de w
e em q) tal que

αe (r, 0) = r
 ∂e
α
(r, t) = w(e
e α(r, t))
∂t

Então
e × I −→ V ,
α : X(U) e (X−1 (p), t) ,
α(p, t) = X ◦ α
é o fluxo local de w em p. De fato:
e ◦ (X−1 , id) é diferenciável.
•α=X◦α

e (X−1 (p), 0) = p.
• α(p, 0) = X ◦ α

∂α ∂f   ∂g −1  
• (p, t) = e X−1 (p), t +
X−1 (p), t Xu α e X−1 (p), t
X (p), t Xv α
∂t ∂t ∂t
   
e X−1 (p), t Xu α
= a α e X−1 (p), t Xv α
e X−1 (p), t + b α e X−1 (p), t

e X−1 (p), t
= w X◦α

= w(α(p, t)) ,

onde α
e (r, t) = (f(r, t), g(r, t)) .

e : U −→ R2 , onde U0 ⊂ U é um
4. Seja fe : U0 −→ R a integral primeira do campo de vetores w
aberto de R2 com q ∈ U0 .

Então f(e
e α(t)) = const. ao longo de cada trajetória α
e de w.
e

Seja f = fe ◦ X−1 : X(U0 ) −→ R. Então f é diferenciával e f ◦ X ◦ α


e = fe ◦ α
e é constante ao longo
de toda trajetória α
e de w.
e
Como X ◦ α
e = α são as trajetórias de w em X(U0 ), temos que f é a integral primeira de w em
X(U0 ), onde p ∈ X(U0 ) 

224 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

Definição 4.9 Um campo de direções r em um aberto V de uma superfı́cie regular é uma


correspondência que associa a cada p ∈ V uma reta r(p) de Tp S que passa por p. Dizemos
que r é diferenciável em p ∈ V se existirem um aberto V ⊂ V, com p ∈ V, e um campo de
vetores w diferenciável em V tal que w(q) 6= 0 e w(q) k r(q) para todo q ∈ V.

Definição 4.10 Uma curva regular conexa C ⊂ V ⊂ S é uma curva integral de um campo de
direções r diferenciável em V se r(q) é a reta tangente a C em q para todo q ∈ C.

(y − a)2 + z2 = r2
Exemplo 4.5 Seja T o toro de revolução obtido girando o cı́rculo em
x = 0 ,

torno do eixo Oz. Então o campo de vetores w em T que associa a cada p ∈ T o vetor unitário
tangente ao meridiano, que passa por p, em p é diferenciável.
De fato, seja X : (0, 2π) × (0, 2π) −→ T a parametrização de T dada por

u u u
    
X(u, v) = a + r cos cos v , a + r cos sen v , r sen .
r r r

Então w(X(u, v)) = Xu (u, v), pois Xu (u, v) é o vetor tangente ao meridiano, que passa por
X(u, v), em X(u, v), e

u u u
 
kXu (u, v)k = − sen cos v , − sen sen v , cos = 1.

r r r

Logo w é diferenciável em X((0, 2π) × (0, 2π)) .


De modo análogo, podemos provar que w é diferenciável nos outros pontos do toro. 

Fig. 40: Exemplo 4.5

Instituto de Matemática - UFF 225


Geometria Diferencial

Exemplo 4.6 Sejam



S2 = (x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 + z2 = 1

a esfera unitária em R3 e w o campo de vetores em S2 que associa a cada p ∈ S2 − {pN , pS } o


vetor unitário tangente ao meridiano, que passa por p, em p.

De modo análogo ao exemplo anterior, podemos provar


que w é diferenciável em S2 − {pn , ps }. Considere agora
o campo de vetores v em S2 dado por:


v(p) = 1 − hp , e3 i2 w(p) ,
 
se p ∈ S2 − {pN , pS }
v(p ) = v(p ) = 0 .
N S

Afirmação: v é um campo de vetores diferenciável em S2 .

Se p ∈ S2 − {pN , pS }, tomemos a parametrização de S2


Fig. 41: Exemplo 4.6
dada por
X(u, v) = ( sen u cos v , sen u sen v , cos u ) ,
onde u ∈ (0, π), v ∈ (v0 − π, v0 + π) e X(u0 , v0 ) = p.
Então
 1/2
v(X(u, v)) = 1 − hX(u, v) , e3 i2 Xu (u, v) = sen u Xu (u, v) .

Portanto v ◦ X é diferenciável em (0, 2π) × (v0 − π, v0 + π), ou seja, v é diferenciável em p.

Seja agora p = pN = (0, 0, 1) e a parametrização de S2 dada por:

 p 
Y(x, y) = x, y, 1 − x2 − y2 ,

onde x2 + y2 < 1 e Y(0, 0) = pN .

Fig. 42: Parametrização da esfera no pólo norte

226 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

Seja (x, y) ∈ R2 tal que 0 < x2 + y2 < 1. Como α(t) = Y(tx, ty) é uma parametrização do
 p 
2 2
meridiano que passa por α(1) = x, y, 1 − x − y e
   
0 −x −y
α (1) = x Yx (x, y) + y Yy (x, y) = x 1, 0, p + y 0, 1, p
1 − x 2 − y2 1 − x2 − y2
 
−x2 − y2
= x, y, p
1 − x 2 − y2

é um vetor tangente ao meridiano que passa por α(1) que tem o mesmo sentido de w(α(1)),
temos que:
 1/2 α 0 (1)
2
v(Y(x, y)) = v(α(1)) = 1 − hα(1) , e3 i
kα 0 (1)k

(1 − x2 − y2 )1/2
= (1 − (1 − x2 − y2 ))1/2 (x Yx + y Yy )
(x2 + y2 )1/2

= (1 − x2 − y2 )1/2 (x Yx + y Yy ) ,

pois
 
0 2 2 (x2 + y2 )2
2 2 2 x2 + y2 (x2 + y2 )
kα (1)k = x + y + = (x + y ) 1 + = .
1 − x 2 − y2 1 − x 2 − y2 1 − x2 − y2

Logo, como Y(0, 0) = (0, 0, 1), v(Y(0, 0)) = 0 e v ◦ Y é diferenciável em {(x, y) ∈ R2 | x2 + y2 < 1},
temos que v é diferenciável em pN .
De modo análogo podemos provar que v é diferenciável em pS . 

Exemplo 4.7 Seja S = {(s, y, z) ∈ R3 | z = y2 − x2 } o parabolóide hiperbólico. A interseção de


e = S − {(0, 0, 0)} com os planos paralelos ao plano xy determina uma famı́lia de curvas {Cα }.
S
As retas tangentes a estas curvas determinam um campo de direções diferenciável em S.
e

De fato, seja X : R2 − {(0, 0)} −→ R3 uma parametrização de S


e dada por

X(u, v) = (u, v, v2 − u2 ) .

 v2 − u 2 = c
e ∩ {z = const = c} é a curva
Então S
z = c .

Seja α(t) = X(u(t), v(t)) = (u(t), v(t), c), t ∈ I, uma parametrização desta curva. Como
v2 (t) − u2 (t) = c para todo t ∈ I, temos que

2v(t)v 0 (t) − 2u(t)u 0 (t) = 0 ,

Instituto de Matemática - UFF 227


Geometria Diferencial

ou seja, (u 0 (t), v 0 (t)) k (v(t), u(t)) para todo t ∈ I.


Logo
w(X(u, v)) = v Xu (u, v) + u Xv (u, v)

é um campo de vetores diferenciável que não se anula em S


ee

w(X(u(t), v(t))) = v(t) Xu (u(t), v(t)) + u(t) Xv (u(t), v(t))

é paralelo ao vetor
α 0 (t) = u 0 (t) Xu (u(t), v(t)) + v 0 (t) Xv (u(t), v(t))

para todo t ∈ I. Então w(X(u, v)) k r(X(u, v)) para todo (u, v) ∈ R2 − {(0, 0)}. Assim, r é um
campo de direções diferenciável em S.
e

Fig. 43: Interseção do plano z = c com o parabolóide hiperbólico

Vamos agora determinar um campo de direções r 0 ortogonal a r e suas curvas integrais.


Seja w 0 (X(u, v)) = a(u, v) Xu (u, v) + b(u, v) Xv (u, v) um campo de vetores diferenciável tal que
w 0 (X(u, v)) k r 0 (X(u, v)) para todo (u, v) ∈ R2 − {(0, 0)}.

Como E = hXu , Xu i = 1 + 4u2 , F(u, v) = hXu , Xv i = −4uv e G(u, v) = 1 + 4v2 , temos que r 0 ⊥ r
se, e só se,

hw(X(u, v)) , w 0 (X(u, v))i = hv Xu + u Xv , a Xu + b Xv i = a v E + (bv + au) F + u b G = 0


⇐⇒ a(u, v) v (1 + 4u2 ) − 4(v b(u, v) + u a(u, v)) u v + b(u, v) u (1 + 4v2 ) = 0
⇐⇒ a(u, v) v + b(u, v) u = 0
⇐⇒ (a(u, v), b(u, v)) k (−u, v) ,

para todo (u, v) ∈ R2 − {(0, 0)}.

Ou seja, r 0 (X(u, v)) k −u Xu (u, v) + v Xv (u, v) para todo (u, v) ∈ R2 − {(0, 0)}.
Seja α(t) = X(u(t), v(t)) uma parametrização regular de uma curva integral de r 0 .

228 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

Então

α 0 (t) = u 0 (t) Xu (u(t), v(t)) + v 0 (t) Xv (u(t), v(t)) k −u(t) Xu (u(t), v(t)) + v(t) Xv (u(t), v(t))
⇐⇒ (u 0 (t), v 0 (t)) k (−u(t), v(t))
⇐⇒ (u 0 (t), v 0 (t)) ⊥ (v(t), u(t))
⇐⇒ u 0 (t) v(t) + u(t) v 0 (t) = 0
⇐⇒ u(t) v(t) = const.

Logo a famı́lia de curvas ortogonal à famı́lia {Cα } é dada pela interseção de S


e com os cilindros
hiperbólicos xy = const 6= 0 ou com os planos x = 0 e y = 0. 

O principal resultado desta seção é o seguinte teorema.

Teorema 4.4 Sejam w1 e w2 dois campos de vetores diferenciáveis em um aberto V de uma


superfı́cie regular S que são LI em p ∈ V. Então existe uma parametrização X : U −→ X(U) ⊂
V, com p ∈ X(U), tal que para cada q ∈ X(U) as retas tangentes às curvas coordenadas dessa
parametrização que passam por q são paralelas a w1 (q) e w2 (q).

Prova.
Como w1 (p) e w2 (p) são LI, temos que w1 (p) 6= 0 e w2 (p) 6= 0. Então existem um aberto
W ⊂ V, p ∈ W, e funções diferenciáveis f1 , f2 : W −→ R tais que fi é a integral primeira de wi ,
i = 1, 2, na vizinhança W de p.
Afirmação: d(fi )p (wi (p)) = 0 , i = 1, 2.

De fato, seja α : I −→ W a trajetória de wi que passa por p, isto é, α(0) = p e α 0 (t) = wi (α(t))
para todo t ∈ I.
Como fi (α(t)) é constante, temos

d(fi )α(t) (α 0 (t)) = d(fi )α(t) (wi (α(t))) = 0

para todo t ∈ I. Em particular, em t = 0, d(fi )p (wi (p)) = 0 .

Além disso, como d(fi )p 6= 0, i = 1, 2, e w1 (p), w2 (p) são LI, temos que

d(f1 )p (w2 (p)) = a 6= 0 e d(f2 )p (w1 (p)) = b 6= 0 .

Seja a aplicação diferenciável ϕ : W −→ R2 dada por ϕ(q) = (f1 (q), f2 (q)). Então

dϕp (w1 (p)) = (d(f1 )p (w1 (p)), d(f2 )p (w1 (p))) = (0, b)

Instituto de Matemática - UFF 229


Geometria Diferencial

e
dϕp (w2 (p)) = (d(f1 )p (w2 (p)), d(f2 )p (w2 (p))) = (a, 0) .

Logo, pelo Teorema da Aplicação Inversa, existem um aberto V0 ⊂ W, com p ∈ V0 , e um


aberto U ⊂ R2 tal que ϕ : V0 −→ U é um difeomorfismo. Portanto, X = ϕ−1 : U −→ X(U) = V0
é uma parametrização de S em p.

Sejam (u0 , v0 ) ∈ U e X(u0 , t) = ϕ−1 (u0 , t) uma parametrização da curva coordenada u = u0 .


Então
ϕ(X(u0 , t)) = (f1 (X(u0 , t)), f2 (X(u0 , t))) = (u0 , t) ,

para todo t. Portanto f1 (X(u0 , t)) = u0 = const. Logo d(f1 )X(u0 ,v0 ) (Xv (u0 , v0 )) = 0.

Como d(f1 )X(u0 ,v0 ) 6= 0 e d(f1 )X(u0 ,v0 ) (w1 (X(u0 , v0 ))) = 0, temos que Xv (u0 , v0 ) k w1 (X(u0 , v0 )).

De modo análogo, podemos provar que Xu (u0 , v0 ) k w2 (X(u0 , v0 )).


Sendo (u0 , v0 ) ∈ U arbitrário, o resultado fica provado. 

Observação 4.5 O teorema não implica que as curvas coordenadas podem ser parametri-
zadas de modo que os respectivos vetores velocidade sejam w1 e w2 .

Corolário 4.1 Sejam r e r 0 dois campos de direções diferenciáveis definidos num aberto V
de S, com p ∈ V, tais que r(p) 6= r 0 (p). Então existe uma parametrização X : U −→ X(U) ⊂ V,
p ∈ X(U), tal que as curvas coordenadas de X são as curvas integrais de r e r 0 .

Corolário 4.2 Para cada ponto p ∈ S existe uma parametrização X : U −→ X(U), p ∈ X(U),
tal que as curvas coordenadas são ortogonais (⇐⇒ F ≡ 0).

Prova.
Seja Y : U0 −→ Y(U0 ) = V0 uma parametrização de S em p.

Considere os campos de vetores diferenciáveis w1 , w2 : V0 −→ R3 dados por:

w1 (Y(u, v)) = Yu (u, v)


w2 (Y(u, v)) = −F(u, v) Yu (u, v) + E(u, v) Yv (u, v) .

Como

hw1 (Y(u, v)) , w2 (Y(u, v))i = −F(u, v)hYu (u, v) , Yu (u, v)i + E(u, v)hYu (u, v) , Yv (u, v)i
= −F(u, v) E(u, v) + E(u, v) F(u, v) = 0 ,

230 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

isto é, w1 e w2 são campos de vetores ortogonais que não se anulam, temos, pelo Teorema
4.4, que existe uma parametrização X : U −→ X(U) ⊂ V0 de S em p tal que

Xu (u, v) k w1 (X(u, v)) e Xv (u, v) k w2 (X(u, v))

para todo (u, v) ∈ U. Logo as curvas coordenadas de X são ortogonais. 

Uma segunda aplicação do teorema 4.4 é a existência de coordenadas dadas pelas direções
assintóticas.

Corolário 4.3 Seja p um ponto hiperbólico de S. Então existe uma parametrização Y : U −→


Y(U) de S em p tal que as curvas coordenadas são as curvas assintóticas de S em Y(U).

Prova.
Seja X : U0 −→ X(U0 ) uma parametrização de S em p, com X(u0 , v0 ) = p.

Como (eg − f2 )(u0 , v0 ) < 0, podemos supor que (eg − f2 )(u, v) < 0 para todo (u, v) ∈ U0 .
Podemos também supor que se
• f(u0 , v0 ) 6= 0 =⇒ f(u, v) > 0 , ∀(u, v) ∈ U0 (?).
• f(u0 , v0 ) = 0 (⇐⇒ eg(u0 , v0 ) < 0) =⇒ eg(u, v) < 0 , ∀(u, v) ∈ U0 (??)
A equação diferencial das curvas assintóticas nessa parametrização

e u 0 (t)2 + 2f u 0 (t) v 0 (t) + g v 0 (t)2 = 0

pode, então, ser decomposta em dois fatores lineares da seguinte maneira:

 
p   g

0 0
2
eu (t) + f + f − eg v (t) u 0 (t) + p v 0 (t) = 0,
2
f + f − eg

pois
 p 2
eg + f + f2 − eg
p
eg p eg + f2 + 2f f2 − eg + f2 − eg
p +f+ f2 − eg = p = p = 2f .
f + f2 − eg f + f2 − eg f + f2 − eg

Afirmação: Os campos de vetores diferenciáveis


 p 
w1 (X(u, v)) = − f + f2 − eg Xu (u, v) + eXv (u, v)

e
−g
w2 (X(u, v)) = p Xu (u, v) + Xv (u, v)
f + f2 − eg

Instituto de Matemática - UFF 231


Geometria Diferencial

estão bem definidos, não se anulam e são LI em todos os pontos (u, v) ∈ U0 .


 p 
De fato, se ocorre (?), isto é, f(u, v) > 0 para todo (u, v) ∈ U0 , então f + f2 − eg (u, v) > 0
para todo (u, v) ∈ U0 .
E se ocorre (??), isto é, eg(u, v) < 0 para todo (u, v) ∈ U0 , então
 p   √ 
f + f2 − eg (u, v) > f + f2 (u, v) = (f + |f|) (u, v) ≥ 0

para todo (u, v) ∈ U0 .


Logo w1 e w2 estão bem definidos e não se anulam em X(U0 ).
Alem disso, w1 e w2 são LI em X(U0 ), pois, caso contrário, terı́amos
  −g
p  
− f + f2 − eg p   p  eg

f + f2 − eg  2
det  (q) = − f + f − eg + p (q) = 0
e 1 f + f2 − eg

em algum ponto q ∈ U0 , ou seja,


 p 2
eg(q) = f + f2 − eg (q) .

Uma contradição, quando eg(q) < 0 em U0 . E quando f > 0 em U0 , também chegamos a uma
contradição, já que
 p   p 
eg(q) = f2 + f2 − eg + 2f f2 − eg (q) ⇐⇒ 2(eg − f2 )(q) = 2f f2 − eg (q) ,
 p 
sendo eg − f2 (q) < 0 e f f2 − eg (q) > 0.

Logo, pelo teorema 4.4, existe uma parametrização Y : U −→ Y(U) ⊂ X(U0 ) de S em p


tal que as curvas coordenadas de Y são as curvas integrais de w1 e w2 , isto é, as curvas
coordenadas de Y são as curvas assintóticas de S em Y(U) (⇐⇒ e = g = 0 em U, onde e, g, f
são os coeficientes da segunda forma fundamental da parametrização Y). 

Observação 4.6 Na demonstração, supomos que se f(u0 , v0 ) 6= 0 então f(u, v) > 0 em U0 .


Caso contrário, isto é, se f(u, v) < 0 em U0 , basta decompor a equação diferencial das curvas
assintóticas em dois fatores lineares da seguinte maneira:
  p   g

0 0 0
−eu (t) + −f + f2 − eg v (t) u (t) − p v 0 (t) = 0,
2
−f + f − eg

e proceder de modo análogo ao caso anterior.

232 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

Exemplo 4.8 Um exemplo que ilustra o mecanismo acima é dado pelo parabolóide hiperbólico
S : z = y2 − x2 , que pode ser coberto pela parametrização X : R2 −→ S dada por
X(u, v) = (u, v, v2 − u2 ).
Por um cálculo simples, obtemos
−2 2
e(u, v) = , f(u, v) = 0 e g(u, v) = .
(1 + 4u2 + 4v2 )1/2 (1 + 4u2 + 4v2 )1/2

Portanto,
−2
(u 0 (t)2 − v 0 (t)2 ) = 0
(1 + 4u2 + 4v2 )1/2 (t)

é a equação diferencial das curvas assintóticas, e se fatora em duas equações lineares



u 0 (t) + v 0 (t) = 0 ⇐⇒ (u 0 (t), v 0 (t)) k (1, −1)
(u (t) + v (t))(u (t) − v (t)) = 0 ⇐⇒
0 0 0 0
u 0 (t) − v 0 (t) = 0 ⇐⇒ (u 0 (t), v 0 (t)) k (1, 1) .

Então w1 = Xu − Xv e w2 = Xu + Xv são as direções assintóticas de S em X(u, v) e a imagem


das curvas

u + v = const = c
u − v = const = c

pela parametrização X são as curvas assintóticas de S, isto é,


X(c − t, t) = (c − t, t, 2ct − c2 ) e X(c + t, t) = (c + t, t, −2ct − c2 )
são as curvas (retas) assintóticas de S, onde c ∈ R.

Fig. 44: As duas famı́lias de retas se intersectam ao longo da parábola z = −x2 , y = 0

Sejam w e 2 = (1, 1) campos de vetores em R2 , e


e 1 = (1, −1) e w
fe1 : R2 −→ R , fe1 (u, v) = u + v
fe2 : R2 −→ R , fe2 (u, v) = u − v

as integrais primeiras de w
e1 e w
e 2 , respectivamente.

Instituto de Matemática - UFF 233


Geometria Diferencial

Então
f1 = fe1 ◦ X−1 = fe1 ◦ π : S −→ R , f1 (x, y, z) = x + y ,
e
f2 = fe2 ◦ X−1 = fe2 ◦ π : S −→ R , f2 (x, y, z) = x − y ,
são as integrais primeiras de w1 e w2 , respectivamente, pois
X−1 (x, y, z) = π(x, y, z) = (x, y)
é a projeção sobre o plano xy.

Seja a aplicação diferenciável F : S −→ R2 dada por


F(x, y, z) = (f1 (x, y, z), f2 (x, y, z)) = (x + y, x − y) .
Logo, F é invertı́vel e
u + v u − v 
F−1 (u, v) = , , −u v
2 2

para todo (u, v) ∈ R2 .

Então, pela demonstração do teorema 4.4, Y = F−1 : R2 −→ S é uma parametrização de S


cujas curvas coordenadas são as curvas assintóticas 

Definição 4.11 Dizemos que uma superfı́cie regular S é regrada quando por todo ponto
p ∈ S passa uma reta inteiramente contida em S.

Então, pelo provado acima, o parabolóide hiperbólico é uma superfı́cie regrada gerada por
duas famı́lias de retas.
Outros exemplos de superfı́cies regradas são o cilindro circular e o hiperbolóide de revolução
de uma folha S : x2 + y2 − z2 = 1, que também é gerado por duas famı́lias de retas.

Fig. 45: Cilindro circular e hiperbolóide de revolução

234 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

De fato, seja α(s) = (cos s, sen s, 0) uma parametrização do cı́rculo unitário x2 + y2 = 1 no


plano xy contido em S. Para cada s ∈ [0, 2π), seja w(s) = α 0 (s) + e3 , onde e3 é o vetor unitário
do eixo Oz.
Então a reta rs = {α(s) + v(α 0 (s) + e3 ) | v ∈ R} está contida em S, pois como

α(s) + v(α 0 (s) + e3 ) = (cos s − v sen s , sen s + v cos s , v) ,

temos que:

(cos s − v sen s)2 + (sen s + v cos s)2 − v2 = cos2 s − 2v cos s sen s + v2 sen2 s + sen2 s
+ 2v cos s sen s + v2 cos2 s − v2 = 1 ,

para todos s, v ∈ R.

Fig. 46: O hiperbolóide de revolução S : x2 + y2 − z2 = 1 visto como superfı́cie regrada

Além disso, todo ponto (x0 , y0 , z0 ) ∈ S pertence a uma dessas retas. Basta tomar v = z0 e
s0 ∈ [0, 2π) tal que
 
x0 + z0 y0 −z0 x0 + y0
(cos s0 , sen s0 ) = , ,
1 + z20 1 + z20

que possui solução, pois


 2  2
x 0 + y0 z0 −z0 x0 + y0 1
x20 + 2x0 y0 z0 + y20 z20 + z20 x20 − 2x0 y0 z0 + y20

+ =
1 + z20 1 + z20 (1 + z20 )2
1
x20 + y20 + z20 (x20 + y20 )

= 2 2
(1 + z0 )
1 2 2
 2

= 2
x 0 + y 0 1 + z 0 = 1,
(1 + z0 )2

já que x20 + y20 = 1 + z20 .

Instituto de Matemática - UFF 235


Geometria Diferencial

Assim, temos

(cos s0 − v0 sen s0 , sen s0 + v0 cos s0 , v0 )


 
x0 + z0 y0 − z0 (−z0 x0 + y0 ) −z0 x0 + y0 + z0 (x0 + y0 z0 )
= 2
, 2
, z0
1 + z0 1 + z0
 
x0 + x0 z20 y0 + y0 z20
= , , z0 = (x0 , y0 , z0 )
1 + z20 1 + z20

Se tomarmos w(s) = −α 0 (s) + e3 , podemos provar, de modo análogo ao caso anterior, que a
famı́lia de retas
rs = {α(s) + v(−α 0 (s) + e3 ) | v ∈ R}
também gera o hiperbolóide S.

Portanto, o hiperbolóide de revolução de uma folha S : x2 +y2 −z2 = 1 é uma superfı́cie regrada
gerada por duas famı́lias de retas.
Uma terceira aplicação do teorema 4.4 é a existência de coordenadas dadas pelas direções
principais.

Corolário 4.4 Seja p um ponto não-umbı́lico da superfı́cie S. Então existe uma parametrização
Y : U −→ Y(U) de S em p tal que as curvas coordenadas são as linhas de curvatura de S em
Y(U).

Prova.
Pelo corolário 4.2, existe uma parametrização X : U0 −→ X(U0 ) de S em p = X(u0 , v0 ) tal
que F ≡ 0 em U0 , isto é, as curvas coordenadas são ortogonais.
Se f(u0 , v0 ) 6= 0, podemos supor que f 6= 0 em U0 .
e g
Se f(v0 , v0 ) = 0, temos que (u0 , v0 ) e (u0 , v0 ) são as curvaturas principais de S em p, pois
E G
F(u0 , v0 ) = 0 (ver observação 3.11).
e g
Como (u0 , v0 ) 6= (u0 , v0 ), isto é, (eG − gE)(u0 , v0 ) 6= 0, podemos supor (ver observação 4.7)
E G
que eG − gE > 0 em U0 .
A equação diferencial das linhas de curvatura é

(fE − eF)u 0 (t)2 + (gE − eG)u 0 (t)v 0 (t) + (gF − fG)v 0 (t)2 = 0 ,

Como F ≡ 0 em U0 , a equação acima fica

fE u 0 (t)2 + (gE − eG)u 0 (t)v 0 (t) − fGv 0 (t)2 = 0 . (12)

236 J. Delgado - K. Frensel


Campos de Vetores

(κ1 − κ2 )2
Podemos supor também que H2 − K = > 0 em U0 , isto é, que todos os pontos de
4
X(U0 ) são não-umbı́licos.
Como as duas direções principais num ponto não-umbı́lico são ortogonais e F ≡ 0 (isto é, Xu
e Xv são ortogonais), a equação (12) pode ser decomposta em duas equações lineares:

Au 0 (t) + Bv 0 (t) = 0 (i.e., −BXu + AXv é uma direção principal)
BEu 0 (t) − AGv 0 (t) = 0 (i.e., AGX + BEX é a outra direção principal) ,
u v

onde


 ⇐⇒ AB = f


ABE = fE
B2 E − A2 G = gE − eG (13)



ABG = fG ⇐⇒ AB = f .

f
De fato, se f 6= 0 em U0 , temos que A = e, portanto,
B
−f2 G
−A2 G + B2 E = + B2 E = gE − eG
B2
⇐⇒ −f2 G + B4 E = (gE − eG)B2
q
(gE − eG) + (gE − eG)2 + 4f2 EG
⇐⇒ B2 = (> 0 , pois f2 > 0 , E > 0 , G > 0)
 q2E 1/2
(gE − eG) + (gE − eG)2 + 4f2 EG
=⇒ B =   .
2E

f
Então B e A = são funções diferenciáveis em U0 que satisfazem (13).
B
f
Se gE − eG > 0 em U0 , temos também que B e A = são funções diferenciáveis que
B
satisfazem (13).
Como w1 (X(u, v)) = −B Xu + A Xv e w2 (X(u, v)) = A G Xu + B E Xv são vetores que não se
anulam em X(U0 ), temos que w1 e w2 são as direções principais (ortogonais) de S no ponto
X(u, v).
Logo, pelo teorema 4.4, existe uma parametrização Y : U −→ Y(U) ⊂ X(U0 ) de S em p tal que
as curvas coordenadas são as curvas integrais de w1 e w2 , isto é, as curvas coordenadas são
as linhas de curvatura de S em Y(U) (⇐⇒ f = F = 0 em U, onde e, g, f e E, G e F são os coefi-
cientes da segunda forma fundamental e da primeira forma fundamental, respectivamente, da
parametrização Y). 

Instituto de Matemática - UFF 237


Geometria Diferencial

Observação 4.7 Na demonstração acima, supomos que se f(u0 , v0 ) = 0 então gE − eG > 0


f
em U0 . Se gE − eG < 0 em U0 , basta tomar A = − e
B
 q 1/2
−(gE − eG) + (gE − eG)2 + 4f2 EG
B=  ,
2E

e proceder como no caso anterior.

5. Superfı́cies Mı́nimas

Definição 5.1 Uma superfı́cie parametrizada regular X : U −→ R3 é chamada mı́nima se a


sua curvatura média é identicamente nula. Uma superfı́cie regular S ⊂ R3 é mı́nima se cada
uma de suas parametrizações é mı́nima.
Para explicar a razão à palavra mı́nima para tais su-
perfı́cies precisamos introduzir a noção de variação.

Seja X : U ⊂ R2 −→ R3 uma superfı́cie parametrizada


regular. Escolha um domı́nio limitado D tal que D ⊂ U
e uma função diferenciável h : D −→ R.

A variação normal de X(D), determinada por h, é a


aplicação diferenciável
Fig. 47: A variação normal de X(D)
ϕ : D × (−ε, ε) −→ R3
dada por ϕ(u, v, t) = X(u, v) + t h(u, v) N(u, v). Para cada t ∈ (−ε, ε) fixo, a aplicação
Xt : D −→ R3 dada por Xt (u, v) = ϕ(u, v, t) é uma superfı́cie parametrizada com

∂Xt
= Xu + thNu + thu N ,
∂u
∂Xt
= Xv + thNv + thv N .
∂v
Assim, os coeficientes Et , Ft , Gt da primeira forma fundamental de Xt são:

Et = hXu + thNu + thu N , Xu + thNu + thu Ni = E + 2thhXu , Nu i + t2 h2 hNu , Nu i + t2 h2u ,


Ft = hXu + thNu + thu N , Xv + thNv + thv Ni
= F + th (hXu , Nv i + hNu , Xv i) + t2 h2 hNu , Nv i + t2 hu hv ,
Gt = hXv + thNv + thv N , Xv + thNv + thv Ni = G + 2thhXv , Nv i + t2 h2 hNv , Nv i + t2 h2v .

238 J. Delgado - K. Frensel


Superfı́cies Mı́nimas

Como −e = hXu , Nu i , −2f = hXu , Nv i + hXv , Nu i , −g = hXv , Nv i e a curvatura média é

1 Eg − 2Ff + Ge
H= ,
2 EG − F2

obtemos:

Et Gt − (Ft )2 = E − 2the + t2 h2 hNu , Nu i + t2 h2u G − 2thg + t2 h2 hNv , Nv i + t2 h2v


 

2
− F − 2thf + t2 h2 hNu , Nv i + t2 hu hv

= EG − F2 − 2th (Eg − 2Ff + Ge) + R(t)


= EG − F2 − 4thH(EG − F2 ) + R(t)


= EG − F2 (1 − 4thH) + R(t) ,


R(t)
onde lim = 0.
t→0 t

Como D é compacto e

lim Et Gt − (Ft )2 (u, v) = EG − F2 (u, v) > 0


 
t→0

para todo (u, v) ∈ D, temos que, para ε suficientemente pequeno, Xt é uma superfı́cie para-
metrizada regular.

Além disso, a área A(t) de Xt (D) é


ZZ p ZZ p p
A(t) = t t t 2
E G − (F ) du dv = 1 − 4thH + R EG − F2 du dv ,
D D

R
onde R = .
EG − F2

Assim, se ε é pequeno, A é uma função diferenciável e sua derivada em t = 0 é


ZZ p
0
A (0) = −2hH EG − F2 du dv , (14)
D

pois
q  0
d 1 −4hH + R (t)
1 − 4thH + R(t) t=0 = q
t=0
= −2hH ,
dt 2
1 − 4thH + R(t)

já que R é um polinômio de grau dois em t.

Instituto de Matemática - UFF 239


Geometria Diferencial

Proposição 5.1 Sejam X : U −→ R3 uma superfı́cie parametrizada regular e D um domı́nio


limitado tal que D ⊂ U. Então X é mı́nima em D se, e só se, A 0 (0) = 0 para toda variação
normal de X(D).

Prova.
Se X é mı́nima em D, i.e., H ≡ 0 em D, é claro que a condição é satisfeita.
Suponhamos agora que a condição é satisfeita e que H(q) 6= 0 para algum q ∈ D. Vamos
supor que H(q) > 0.

Seja ε > 0 tal que Bε (q) ⊂ D e H(p) ≥ M > 0 para


todo p ∈ Bε (q), e seja h : R2 −→ R uma função di-
ferenciável tal que h(p) = 1 para todo p ∈ Bε/2 (q),
Fig. 48: Função h
0 ≤ h(p) ≤ 1 para todo p ∈ R2 e h(p) = 0 para todo
p ∈ R2 − Bε (q) (a existência de uma tal função pode
ser vista em Curso de Análise, Vol II de Elon Lima, pag. 431-432). Então
ZZ p ZZ p
0
A (0) = 2
−2hH EG − F du dv ≤ −2M EG − F2 du dv < 0
D Bε/2 (q)

para a variação normal de X(D) determinada por essa função h, o que é uma contradição. 

Assim, qualquer região limitada X(D) de uma superfı́cie mı́nima é um


ponto crı́tico para a função área de qualquer variação normal de X(D).
Deve-se observar, no entanto, que este ponto crı́tico pode não ser um
mı́nimo, o que faz a palavra mı́nima parecer um pouco estranha. Essa
terminologia foi introduzida em 1760 pelo matemático francês Joseph-
Louis Lagrange (1736-1815) ao estudar o seguinte problema: determi-
Joseph-Louis Lagrange
nar, dentre todas as superfı́cies com o mesmo contorno, aquela que
possui a menor área.
Usando a demonstração da recı́proca da proposição acima pode-se provar que se
A 0 (0) = 0 para toda variação normal de X(D) determinada por uma função h tal que h|∂D ≡ 0,
então H ≡ 0 em D. Com isso, toda superfı́cie de área mı́nima dentre todas as superfı́cies com
o mesmo contorno tem, necessariamente, curvatura média zero.
Só muito tempo depois de Lagrange é que ficou claro que a recı́proca não é verdadeira. Devido
a essa razão histórica, as superfı́cies de curvatura média zero ficaram conhecidas, embora
impropriamente, como superfı́cies mı́nimas.

240 J. Delgado - K. Frensel


Superfı́cies Mı́nimas

Observação 5.1 As superfı́cies mı́nimas são geralmente associadas às pelı́culas de sabão,
que podem ser obtidas mergulhando uma moldura formada por um arame em uma solução de
sabão e retirando-a em seguida com cuidado. Se o experimento for bem executado, obtém-se
uma pelı́cula de sabão que tem o arame como contorno. Pode-se mostrar, por considerações
fı́sicas, que a pelı́cula assume a posição onde, em seus pontos regulares, a curvatura média
é zero (para maiores detalhes ver Matemática das pelı́culas de sabão, de Manfredo Perdigão
do Carmo).

Definição 5.2 O vetor curvatura média de uma superfı́cie parametrizada regular é o vetor
H = H N, onde H é a curvatura média e N é o vetor normal à superfı́cie.

Observação 5.2 O vetor curvatura média HN independe da orientação N, pois para a


orientação oposta −N, a curvatura média é −H.

Observação 5.3 O significado geométrico da direção de H pode ser obtido através da


equação (14).
De fato, escolhendo h = H temos que, para essa variação particular,
ZZ p
0
A (0) = − 2hH , Hi EG − F2 du dv < 0 .
D

Isso significa que se deformarmos X(D) na direção do vetor H, a área é inicialmente decres-
cente.

Vamos agora obter uma outra interpretação para o vetor curvatura média H.

Definição 5.3 Seja X : U −→ R3 uma superfı́cie parametrizada regular. Dizemos que X é


isotérmica se hXu , Xu i = hXv , Xv i e hXu , Xv i = 0 em U.

Proposição 5.2 Seja X : U −→ R3 uma superfı́cie parametrizada regular tal que X é isotérmica.
Então
Xuu + Xvv = 2λ2 H ,
onde λ2 = hXu , Xu i = hXv , Xv i .

Prova.
Como X é isotérmica, hXu , Xu i = hXv , Xv i e hXu , Xv i = 0 .
Derivando, obtemos

hXuu , Xu i = hXvu , Xv i e hXuv , Xv i + hXu , Xvv i = 0 .

Instituto de Matemática - UFF 241


Geometria Diferencial

Portanto, hXuu , Xu i = −hXu , Xvv i, isto é, hXuu + Xvv , Xu i = 0.


De modo análogo, temos

hXuv , Xu i = hXvv , Xv i e hXuu , Xv i + hXu , Xvu i = 0 ;

portanto, hXvv , Xv i = −hXuu , Xv i, isto é, hXuu + Xvv , Xv i = 0.


Segue-se que Xuu + Xvv é paralelo a N.
Como X é isotérmica, E = G e F = 0. Logo

1 Eg − 2Ff + Ge 1 Eg + Ee 1 g+e
H= 2
= 2
= ,
2 EG − F 2 E 2 λ2

ou seja, 2λ2 H = g + e = hXuu + Xvv , Ni .

Então Xuu + Xvv = 2λ2 HN = 2λ2 H . 

Definição 5.4 O Laplaciano ∆f de uma função diferenciável f : U ⊂ R2 −→ R é definido por

∂2 f ∂2 f
∆f = + .
∂x2 ∂y2

Dizemos que f é harmônica em U se ∆f = 0.

Corolário 5.1 Seja X : U ⊂ R2 −→ R3 uma superfı́cie parametrizada regular e suponha


que X é isotérmica. Então S é mı́nima se, e só se, as suas funções coordenadas x, y, z são
harmônicas.

Exemplo 5.1 O catenóide é a superfı́cie de revolução


obtida girando a catenária

y = a cosh z
 
a
x = 0

em torno do eixo Oz, a > 0.


Então X : (0, 2π) × R −→ R3 ,
X(u, v) = (a cosh v cos u , a coshv sen u , av) ,
é uma parametrização do catenóide. Fig. 49: Catenóide

Como
Xu = (−a cosh v sen u , a cosh v cos u , 0) e Xv = (a senh v cos u , a senh v sen u , a) ,
temos que

242 J. Delgado - K. Frensel


Superfı́cies Mı́nimas

hXu , Xu i = hXv , Xv i = a2 cosh2 v e hXu , Xv i = 0 ,


portanto X é isotérmica.
Além disso,
Xuu = (−a cosh v cos u , −a cosh v sen u , 0) e Xvv = (a cosh v cos u , a cosh v sen u , 0) ;
logo, Xuu +Xvv = 0. Assim, pelo corolário 5.1, X é mı́nima. 

Observação 5.4 Pode-se mostrar que o catenóide é a única superfı́cie de revolução que é
mı́nima.

Exemplo 5.2 Seja H o helicóide obtido a partir da hélice circular α(u) = (cos u , sen u , au),
u ∈ R.
Como já vimos no exemplo 4.3 do capı́tulo 3, X : R2 −→ H,

X(u, v) = (v cos u , v sen u , au) ,

é uma parametrização de H que cobre todo o helicóide.

Portanto, como h(u, v) = (u , a senh v), (u, v) ∈ R2 , é um difeomorfismo de R2 sobre R2 , temos


que Y = X ◦ h : R2 −→ H,

Y(u, v) = (a senh v cos u , a senh v sen u , au) ,

é uma parametrização de H que cobre todo o helicóide.


Sendo
Yu = (−a senh v sen u , a senh v cos u , a)

e
Yv = (a cosh v cos u , a cosh v sen u , 0) ,

temos
hYu , Yu i = a2 (senh v2 + 1) = a2 cosh2 v = hYv , Yv i

e hYu , Yv i = 0; portanto Y é isotérmica.


Além disso, como
Yuu = (−a senh v cos u , −a senh v sen u , 0)

e
Yvv = (a senh v cos u , a senh v sen u , 0) ,

temos Yuu + Yvv = 0. Logo, pelo corolário 5.1, o helicóide é uma superfı́cie mı́nima. 

Instituto de Matemática - UFF 243


Geometria Diferencial

Observação 5.5 Pode-se mostrar que o helicóide é a única superfı́cie regrada, além do
plano, que é mı́nima.

Observação 5.6 O helicóide e o catenóide foram descobertos em 1776 por Meusnier, que
também demonstrou que a definição de Lagrange para superfı́cies mı́nimas como pontos
crı́ticos de um problema variacional é equivalente à curvatura média ser zero. Durante muito
tempo, esses foram os únicos exemplos conhecidos (além do plano) de superfı́cies mı́nimas.
Só em 1835, Scherk encontrou novos exemplos, um deles descrito no exemplo 5.4.

Exemplo 5.3 A superfı́cie de Enneper é a superfı́cie parametrizada


 
u3 2 v3 2 2 2
X(u, v) = u − + uv , v − + vu , u − v , (u, v) ∈ R2 .
3 3

Como
Xu = (1 − u2 + v2 , 2uv , 2u) e Xv = (2uv , 1 − v2 + u2 , −2v) ,
temos:
hXu , Xu i = (1 − (u2 − v2 ))2 + 4u2 v2 + 4u2
= 1 − 2(u2 − v2 ) + (u2 − v2 )2 + 4u2 v2 + 4u2
= 1 + 2u2 + 2v2 + u4 + v4 + 2u2 v2 ,
hXv , Xv i = 4u2 v2 + (1 − (v2 − u2 ))2 + 4v2
= 4u2 v2 + 1 − 2(v2 − u2 ) + (v2 − u2 )2 + 4v2
= 1 + 2u2 + 2v2 + u4 + v4 + 2u2 v2 ,

e
hXu , Xv i = (1 − u2 + v2 )2uv + (1 − v2 + u2 )2uv − 4uv
= 2uv − (u2 − v2 )2uv + 2uv + (u2 − v2 )2uv − 4uv = 0;

portanto X é isotérmica. Além disso, sendo


Xuu = (−2u, 2v, 2) e Xvv = (2u, −2v, −2) ,
temos Xuu + Xvv = 0. Logo, pelo corolário 5.1, X é uma superfı́cie parametrizada regular
mı́nima.
Note que ao trocarmos (u, v) por (−v, u), trocamos na superfı́cie (x, y, z) por (−y, x, −z), pois
 
u3 2 v3 2 2 2
X(u, v) = u − + uv , v − + vu , u − v
3 3

e
 
v3 2 u3 2 2 2
X(−v, u) = −v + − vu , u − + uv , v − u .
3 3

244 J. Delgado - K. Frensel


Superfı́cies Mı́nimas

π
Assim, ao efetuarmos uma rotação positiva de em torno do eixo Oz seguida de uma reflexão
2
com respeito ao plano xy, a superfı́cie permanece invariante.
Uma caracterı́stica interessante da superfı́cie de Enneper é que ela possui auto-interseções,
e que a interseção da superfı́cie com os planos y = 0 e x = 0 são as únicas curvas de auto-
interseção da superfı́cie. 

π
Fig. 50: Superfı́cie de Enneper Fig. 51: Superfı́cie de Enneper girada de 2
em relação ao eixo Oz

Antes de passarmos ao próximo exemplo, vamos estabelecer uma relação entre superfı́cies
mı́nimas e funções analı́ticas de uma variável complexa ξ = u + iv, (u, v) ∈ R2 .

Definição 5.5 Uma função f : U ⊂ C −→ C, f(ξ) = f1 (u, v) + if2 (u, v), é analı́tica (ou
holomorfa) quando f1 e f2 têm derivadas parciais contı́nuas de primeira ordem que satisfazem
as chamadas equações de Cauchy-Riemann:
∂f1 ∂f ∂f1 ∂f
= 2 e =− 2.
∂u ∂v ∂v ∂u

Seja X : U ⊂ R2 −→ R3 uma superfı́cie parametrizada regular e defina as funções complexas


ϕ1 , ϕ2 e ϕ3 por:
∂x ∂x ∂y ∂y ∂z ∂z
ϕ1 (ξ) = −i , ϕ2 (ξ) = −i , ϕ3 (ξ) = −i ,
∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v
onde x, y, z são as funções coordenadas de X.

Lema 5.1 X é isotérmica se, e só se, ϕ21 + ϕ22 + ϕ23 ≡ 0. Se essa última condição é satisfeita,
X é mı́nima se, e só se, ϕ1 , ϕ2 e ϕ3 são funções analı́ticas.

Instituto de Matemática - UFF 245


Geometria Diferencial

Prova.
Como

ϕ21 + ϕ22 + ϕ23 = (xu − ixv )2 + (yu − iyv )2 + (zu − izv )2


= (x2u + y2y + z2u ) − (x2v + y2v + z2v ) − 2i(xu xv + yu yv + zu zv )
= (E − G) − 2iF ,

temos que ϕ21 + ϕ22 + ϕ23 = 0 se, e só se, E = G e F = 0, isto é, se, e só se, X é isotérmica.

Além disso, Xuu + Xvv = 0 se, e só se,


 ∂x  ∂
 ∂x 
= − ,
∂u ∂u ∂v ∂v

 ∂y  ∂
 ∂y 
= − ,
∂u ∂u ∂v ∂v

 ∂z  ∂
 ∂z 
= − ,
∂u ∂u ∂v ∂v

que são metade das equações de Cauchy-Riemann para ϕ1 , ϕ2 e ϕ3 . Como a outra metade


 ∂x   ∂  ∂x 
= − − ,
∂v ∂u ∂u ∂v
∂ ∂y ∂ ∂y
    
= − − ,
∂v ∂u ∂u ∂v

 ∂z   ∂  ∂z 
= − −
∂v ∂u ∂u ∂v

é sempre satisfeita, concluı́mos que Xuu + Xvv = 0 se, e só se, ϕ1 , ϕ2 e ϕ3 são analı́ticas. 

Exemplo 5.4 A superfı́cie de Scherk é a superfı́cie parametrizada dada por:


 
ξ+i ξ+1 ξ2 + 1
X(u, v) = arg , arg , log 2 ,
ξ−i ξ−1 ξ − 1

ξ 6= ±1 , ξ 6= ±i , onde ξ = u + iv e arg ξ é o ângulo que Oξ faz com o eixo real.


Como para um número complexo z 6= 0 qualquer, z = |z|(cos θ + i sen θ), onde θ = arg z, temos
que
 
z
=
|z| =(z)
tan θ =   = .
z <(z)
<
|z|

246 J. Delgado - K. Frensel


Superfı́cies Mı́nimas

Logo,

ξ + i  
u + i(v + 1) (u + i(v + 1)) (u − i(v − 1))
arg = arg = arg
ξ−i u + i(v − 1) u2 + (v − 1)2

u2 + v2 − 1 − i(u(v − 1) − u(v + 1) u2 + v2 − 1 + 2ui


= arg = arg
u2 + (v − 1)2 u2 + (v − 1)2
2u
= arctan ;
u2 + v2 − 1
ξ + 1    
(u + 1) + iv ((u + 1) + iv) ((u − 1) − iv)
arg = arg = arg
ξ−1 (u − 1) + iv (u − 1)2 + v2

u2 − 1 + v2 + i(v(u − 1) − v(u + 1)) (u2 + v2 − 1) − 2vi


= arg = arg
(u − 1)2 + v2 (u − 1)2 + v2
−2v
= arctan ;
u2 + v2 − 1
 2 
ξ2 + 1 (u2 − v2 + 1) + 2iuv 1 (u − v2 + 1)2 + 4u2 v2
log 2
= log 2
= log .
ξ − 1 (u − v2 − 1) + 2iuv 2 (u2 − v2 − 1)2 + 4u2 v2

Portanto,

  
∂x ∂x 1 2(u2 + v2 − 1) − 4u2 4uv
ϕ1 = −i = 2 +i 2
∂u ∂v (u2 + v2 − 1)2 (u + v2 − 1)2

2u
1+
u + v2 − 1
2

−2(u2 − v2 + 1) + 4uvi −2(1 + u2 − v2 − 2uvi)


= =
(u2 + v2 − 1)2 + 4u2 u4 + v4 + 2u2 v2 + 1 − 2(u2 + v2 ) + 4u2

−2(1 + u2 − v2 − 2uvi) −2(1 + u2 − v2 − 2uvi)


= =
u4 + v4 + 2(u2 − v2 ) + 1 + 2u2 v2 (1 + u2 − v2 )2 + 4u2 v2
−2
= ;
1 + ξ2
 
∂y ∂y 1 4uv (u2 + v2 − 1) − 2v2
ϕ2 = −i = + 2i
∂u ∂v 4v2 (u2 + v2 − 1)2 (u2 + v2 − 1)2
1+ 2
(u + v2 − 1)2

4uv + 2i(u2 − v2 − 1) −2i(−(u2 − v2 − 1) + 2iuv) −2i(1 + v2 − u2 + 2iuv)


= = =
(u2 + v2 − 1)2 + 4v2 (u2 + v2 − 1)2 + 4v2 (1 + v2 − u2 )2 + 4u2 v2
−2i
= ;
1 − ξ2

ϕ3 = ,
1 − ξ4

Instituto de Matemática - UFF 247


Geometria Diferencial

pois, como log z = log |z| eiθ = log |z| + iθ, temos que
   0    
ξ2 + 1 ∂ ξ2 + 1 ∂ ξ2 + 1
log = log 2
−i log 2
= ϕ3 (ξ) ,
ξ2 − 1 ∂u ξ − 1 ∂v ξ − 1

portanto,
 
ξ2 − 1 2ξ(ξ2 − 1) − 2ξ(ξ2 + 1) −4ξ 4ξ
ϕ3 (ξ) = 2 = = .
ξ +1 (ξ2 − 1)2 (ξ2 2
+ 1)(ξ − 1) 1 − ξ4

Então

4 4 16ξ2
ϕ21 + ϕ22 + ϕ23 = − +
(1 + ξ2 )2 (1 − ξ2 )2 (1 − ξ4 )2

4(1 − ξ2 )2 − 4(1 + ξ2 )2 + 16ξ2


=
(1 − ξ4 )2

4(1 − 2ξ2 + ξ4 ) − 4(1 + 2ξ2 + ξ4 ) + 16ξ2


= = 0,
(1 − ξ4 )2

ou seja, X é isotérmica.
Como ϕ1 , ϕ2 e ϕ3 são funções analı́ticas, obtemos, pelo lema 5.1, que X é mı́nima.
Temos também que:

|ξ − i|
  ξ + i  ξ+i
 
cos x = cos arg = <
ξ−i |ξ + i| ξ−i
|ξ − i| 1
= <((ξ + i)(ξ + i))
|ξ + i| |ξ − i|2
1
= <((u + (v + 1)i)(u − (v − 1)i))
|ξ2 + 1|
1
= (u2 + v2 − 1)
|u2 − v2 + 1 + 2uvi|

u2 + v2 − 1
= ;
((u2 − v2 + 1)2 + 4u2 v2 )1/2
  ξ + 1  |ξ − 1|  ξ + 1 
cos y = cos arg = <
ξ−1 |ξ + 1| ξ−1
|ξ − 1| 1
= <((ξ + 1)(ξ − 1))
|ξ + 1| |ξ − 1|2

1 u2 − 1 + v2
= < (((u + 1) + iv)((u − 1) − iv)) =
|ξ2 − 1| |u2 − v2 − 1 + 2iuv|

u2 + v2 − 1
= .
((u2 − v2 − 1)2 + 4u2 v2 )1/2

248 J. Delgado - K. Frensel


Superfı́cies Mı́nimas

Logo

 1/2
(u2 − v2 + 1)2 + 4u2 v2
 cos y 
z = log = log .
(u2 − v2 − 1)2 + 4u2 v2 cos x

Esta representação mostra que a superfı́cie de


Scherk é definida num domı́nio que tem a forma
da união dos quadrados pretos do tabuleiro de
xadrez.
Observe que:

lim z = +∞ ; lim z = +∞ ;
x → (π
2
)− x → (− π
2
)+
y ∈ (− π , π
) y ∈ (− π , π
) Fig. 52: Domı́nio de definição da superfı́cie de Scherk
2 2 2 2

lim z = −∞ ; lim z = −∞ .
y → (π
2
)− y → (− π
2
)+
x ∈ (− π
2
, π
2
) x ∈ (− π
2
, π
2
)

Como ez cos x = cos y, temos que as retas paralelas ao eixo Oz que passam pelos vértices
dos quadrados do tabuleiro também pertencem à superfı́cie. 

Fig. 54: Dupla periodicidade da superfı́cie de Scherk


Fig. 53: Superfı́cie de Heinrich Scherk (circa 1835)

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Superfı́cies Mı́nimas

Exemplo 5.5 A superfı́cie de Costa ou superfı́cie de Costa-Hoffman-Meeks, é uma superfı́cie


mı́nima ”completa” mergulhada em R3 .
Esta superfı́cie foi descoberta ma-
tematicamente por Celso Costa em
1982. Até então os únicos exem-
plos de superfı́cies mı́nimas com-
pletas mergulhadas em R3 eram o
plano, o catenóide (Euler, 1760) e o
helicóide (Meusnier, 1776). O mo-
delo computacional da superfı́cie de
Costa foi feito por James T. Hoff-
man em 1983. Após a visualização
gráfica da superfı́cie David Hoffman
e William Meeks III provaram que
ela é mergulhada no espaço R3 , que Fig. 55: Superfı́cie de Costa
contêm retas e que possui simetrias.
Enquanto o plano e o helicóide são homeomorfos à esfera menos um ponto (superfı́cies de
gênero zero com um fim) e o catenóide é homeomorfo à esfera menos dois pontos (superfı́cie
de gênero zero com dois fins), a superfı́cie de Costa é homeomorfa ao toro menos três pontos
(superfı́cie de gênero um com três fins).
Entretanto, a teoria que desenvolveremos neste curso não basta para descrever matematica-
mente a superfı́cie de Costa. 

Referências na Internet:
1. The Scientific Graphics Project: http://www.msri.org/about/sgp/jim
2. Stewart Dickson Portfolio:
http://emsh.calarts.edu/∼mathart/portfolio/SPD Costa portfolio.html
(Nesta página você pode ver uma animação feita usando o Mathematica que mostra o toro menos 3 pontos sendo
transformado na superfı́cie de Costa: http://emsh.calarts.edu/∼mathart/portfolio/costa1.mpg).

3. Bloomington’s Virtual Minimal Surface Museum: http://www.indiana.edu/∼minimal/


4. Touching Soap Films: http://page.mi.fu-berlin.de/polthier/booklet/intro.html

Instituto de Matemática - UFF 249


Geometria Diferencial

250 J. Delgado - K. Frensel


Capı́tulo 5

Geometria Intrı́nseca das Superfı́cies

No capı́tulo 3 introduzimos a primeira forma fundamental de uma superfı́cie S e mostramos


como ela pode ser usada para calcular conceitos métricos simples sobre S (comprimento,
ângulo, área). O ponto importante é que tais cálculos podem ser feitos, conhecendo-se a
primeira forma fundamental, sem ”sair” da superfı́cie. Por causa disto, dizemos que estes
conceitos são intrı́nsecos à superfı́cie S.
A geometria da primeira forma fundamental não se limita apenas aos conceitos simples menci-
onados acima. Como veremos neste capı́tulo, muitas propriedades locais importantes de uma
superfı́cie podem ser expressas só em termos da primeira forma fundamental. O estudo de
tais propriedades é chamado de geometria intrı́nseca da superfı́cie.
Na seção 2, por exemplo, demonstraremos a fórmula de Gauss que expressa a curvatura
Gaussiana K como uma função dos coeficientes da primeira forma fundamental e de suas
derivadas. Isto significa que K é um conceito intrı́nseco, um fato surpreendente, já que K foi
definida usando-se a segunda forma fundamental.

1. Isometrias; Aplicações Conformes

No que se segue, S1 e S2 denotam superfı́cies regulares.

Definição 1.1 Dizemos que um difeomorfismo ϕ : S1 −→ S2 é uma isometria se


hw1 , w2 ip = hdϕp (w1 ) , dϕp (w2 )iϕ(p)

para todo p ∈ S1 e todos w1 , w2 ∈ Tp S1 , isto é, dϕp : Tp S1 −→ Tp S2 é uma aplicação linear que
preserva produto interno para todo p ∈ S. Diz-se então que S1 e S2 são superfı́cies isométricas.
Geometria Diferencial

Observação 1.1 Um difeomorfismo ϕ : S1 −→ S2 é uma isometria se, e somente se,


Ip (w) = Iϕ(p) (dϕp (w)) para todo p ∈ S1 e todo w ∈ Tp S1 .
De fato, se ϕ é uma isometria, então

Ip (w) = hw , wip = hdϕp (w) , dϕp (w)iϕ(p) = Iϕ(p) (dϕp (w)) .

Suponhamos agora que ϕ preserva a primeira forma fundamental. Então


1
hw1 , w2 ip = (Ip (w1 + w2 ) − Ip (w1 ) − Ip (w2 ))
2
1 
= Iϕ(p) (dϕp (w1 ) + dϕp (w2 )) − Iϕ(p) (dϕp (w1 )) − Iϕ(p) (dϕp (w2 ))
2
= hdϕp (w1 ) , dϕp (w2 )iϕ(p) .

Definição 1.2 Dizemos que S1 é localmente isométrica a S2 se para cada p ∈ S1 existem um


aberto V1 ⊂ S1 , com p ∈ V1 , um aberto V2 ⊂ S2 e uma isometria ϕ : V1 −→ V2 .
Dizemos que S1 e S2 são localmente isométricas se S1 é localmente isométrica a S2 e S2 é
localmente isométrica a S1 .

Observação 1.2 Se existir uma aplicação diferenciável ϕ : S1 −→ S2 sobrejetora tal que


dϕp : Tp S1 −→ Tϕ(p) S2 preserva produto interno para todo p ∈ S1 , então S1 e S2 são localmente
isométricas.
De fato, como dϕp : Tp S1 −→ Tϕ(p) S2 é um isomorfismo, existem, pelo Teorema da Aplicação
Inversa, um aberto V1 ⊂ S1 , com p ∈ V1 e um aberto V2 ⊂ S2 , com ϕ(p) ∈ V2 , tais que
ϕ : V1 −→ V2 é um difeomorfismo e, portanto, é uma isometria.

Observação 1.3 Duas superfı́cies podem ser localmente isométricas sem serem global-
mente isométricas.

Exemplo 1.1 Sejam X : R2 −→ R3 , X(u, v) = (u, v, 0), uma parametrização do plano xy, com
E = G = 1 e F = 0, e X : (0, 2π) × R −→ R3 , X(u, v) = (cos u, sen u, v), uma parametrização do

cilindro C : x2 +y2 = 1, com E = G = 1, F = 0 e X(U) = C− (x, y, z) ∈ R3 | x = 1 , y = 0 e z ∈ R ,
onde U = (0, 2π) × R.
−1
Afirmação: A aplicação ϕ = X ◦ X : X(U) −→ X(U) é uma isometria.

De fato, se p ∈ X(U) e w ∈ Tp C, existe uma curva diferenciável α : I −→ X(U), α(t) =


X(u(t), v(t)), tal que α(0) = p e

α 0 (0) = w = x 0 (0)Xu (u0 , v0 ) + y 0 (0)Xv (u0 , v0 ) ,

252 J. Delgado - K. Frensel


Isometrias; Aplicações Conformes

onde p = X(u0 , v0 ).

Fig. 1: Isometria do cilindro menos uma reta sobre a faixa plana (0, 2π) × R

Então β(t) = ϕ ◦ α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ I, é uma curva diferenciável em X(U) tal que
β(0) = ϕ(p) e
dϕp (w) = β 0 (0) = u 0 (0)Xu (u0 , v0 ) + v 0 (0)Xv (u0 , v0 ) .

Logo
Ip (w) = hα 0 (0) , α 0 (0)i = E(u0 , v0 )u 0 (0)2 + 2F(u0 , v0 )u 0 (0)v 0 (0) + G(u0 , v0 )v 0 (0)2
e
Iϕ(p) (dϕp (w)) = hβ 0 (0) , β 0 (0)i = E(u0 , v0 )u 0 (0)2 + 2F(u0 , v0 )u 0 (0)v 0 (0) + G(u0 , v0 )v 0 (0)2 .
Como E = E, G = G e F = F temos que

Ip (w) = Iϕ(p) (dϕp (w))

para todo p ∈ X(U) e todo w ∈ Tp C, isto é, ϕ é uma isometria. 

Observação 1.4 Logo, o cilindro e o plano são localmente isométricos. Mas o cilindro e o
plano não são globalmente isométricos, pois o cilindro não é nem mesmo homeomorfo a um
plano. Não cabe aqui uma demonstração rigorosa desta última afirmação, mas o argumento
intuitivo dado a seguir pode dar uma idéia da demonstração.
Qualquer curva fechada simples no plano pode ser deformada continuamente em um ponto
sem deixar o plano. Tal propriedade é certamente preservada por um homeomorfismo. Mas
um paralelo do cilindro não possui esta propriedade, e contradiz a existência de um homeo-
morfismo entre o plano e o cilindro.

Instituto de Matemática - UFF 253


Geometria Diferencial

Fig. 2: No plano as curvas fechadas simples são contráteis a um ponto enquanto que no cilindro os paralelos não são contráteis a um ponto

Observação 1.5 Isometrias não preservam necessariamente a curvatura média em pontos


correspondentes. Por exemplo o plano e o cilindro C : x2 + y2 = 1 são localmente isométricos,
mas o plano tem curvatura média constante igual a zero e o cilindro C tem curvatura média
1
constante igual a .
2

Antes de proseguirmos, vamos generalizar o argumento usado acima para obter um critério
para isometria local em termos de coordenadas locais.

Proposição 1.1 Sejam X : U −→ X(U) ⊂ S1 e X : U −→ X(U) ⊂ S2 parametrizações


de S1 e S2 , respectivamente, tais que E = E, F = F e G = G em U. Então a aplicação
ϕ = X ◦ X−1 : X(U) −→ X(U) é uma isometria.

Prova.
Primeiro observe que ϕ é um difeomorfismo, pois X e X−1 são difeomorfismos.
Sejam p ∈ X(U), w ∈ Tp S1 e α : (−ε, ε) −→ X(U), α(t) = X(u(t), v(t)), uma curva diferenciável
em X(U) tal que α(0) = p e

α 0 (0) = w = u 0 (0)Xu (u0 , v0 ) + v 0 (0)Xv (u0 , v0 ) ,

onde X(u0 , v0 ) = p.

Seja β(t) = ϕ(α(t)) = X(u(t), v(t)), t ∈ I. Então β : I −→ X(U) é uma curva diferenciável em
X(U) tal que β(0) = ϕ(p) e

dϕp (w) = β 0 (0) = u 0 (0)Xu (u0 , v0 ) + v 0 (0)Xv (u0 , v0 ) .

254 J. Delgado - K. Frensel


Isometrias; Aplicações Conformes

Logo,

Ip (w) = hα 0 (0) , α 0 (0)i = u 0 (0)2 E(u0 , v0 ) + 2u 0 (0)v 0 (0)F(u0 , v0 ) + v 0 (0)2 G(u0 , v0 )


= u 0 (0)2 E(u0 , v0 ) + 2u 0 (0)v 0 (0)F(u0 , v0 ) + v 0 (0)2 G(u0 , v0 )
= Iϕ(p) (dϕp (w)) .

Portanto, dϕp : Tp S1 −→ Tϕ(p) S2 preserva produto interno. 

Exemplo 1.2 Vimos no exemplo 5.1, do capı́tulo 4, que X : U −→ X(U)


X(u, v) = (a cosh v cos u , a cosh v sen u , av) ,

é uma parametrização do catenóide C tal que

X(U) = C − {(a cosh v, 0, av) | v ∈ R} ,

E = G = a2 cosh2 v e F = 0, onde U = (0, 2π) × R, e no exemplo 5.2, do capı́tulo 4, que a


aplicação X : U −→ X(U) dada por

X(u, v) = (a senh v cos u , a senh v sen u , au) ,

é uma parametrização do helicóide H tal que X(U) é uma ”volta”do helicóide, e que
E = G = a2 cosh2 v e F = 0.
−1
Portanto, pela proposição 1.1, ϕ = X ◦ X : X(U) −→ X(U) é uma isometria.
Variando o domı́nio U, obtemos que o catenóide e o helicóide são localmente isométricos. Mas
não são globalmente isométricos, pois H é homeomorfo ao plano, já que

X : R2 −→ H
(u, v) 7−→ (a senh v cos u , a senh v sen u , au)

z 2
 
é um difeomorfismo e C : x2 + y2 = a2 cosh é homeomorfo ao cilindro S : x2 + y2 = a2 ,
a
já que
ϕ : R3 −→ R 
3

x y
(x, y, z) 7−→ , ,z
cosh az cosh az

é um difeomorfismo tal que ϕ(C) = S (verifique!).


Como o plano e o cilindro não são homeomorfos (ver observação 1.4), H e C também não são
homeomorfos. 

Instituto de Matemática - UFF 255


Geometria Diferencial

Atividade 1.1 (Exercı́cio 14, pag. 254.)


Quando duas funções diferenciáveis f, g : U ⊂ R2 −→ R satisfazem as equações de Cauchy-
Riemann
∂f ∂g ∂f ∂g
= , =− ,
∂u ∂v ∂v ∂u

elas são harmônicas. [De fato, fuu = gvu e fvv = −guv =⇒ fuu + fvv = 0. De modo análogo, verifica-se que
guu + gvv = 0] . Neste caso, diz-se que f e g são harmônicas conjugadas.
Sejam X e Y parametrizações isotérmicas de superfı́cies mı́nimas tais que os pares formados
pelas respectivas funções coordenadas sejam de funções harmônicas conjugadas. Diz-se
então que X e Y são superfı́cies mı́nimas conjugadas.
Prove que:
(a) O helicóide e o catenóide são superfı́cies mı́nimas conjugadas.
Sejam
X : (0, 2π) × R −→ C , X(u, v) = (a cosh v sen u , −a cosh v cos u , −av) ,
uma parametrização isotérmica do Catenóide e
X : (0, 2π) × R −→ H , X(u, v) = (a senh v cos u , a senh v sen u , au) ,
uma parametrização isotérmica do helicóide.
Como
xu = a cosh v cos u = xv ; xv = a senh v sen u = −xu ;
yu = a cosh v sen u = yv ; yv = −a senh v cos u = −yu
zu = 0 = zv ; zv = −a = −zu ,

temos que x e x, y e y, z e z são harmônicas conjugadas. Logo o catenóide e o helicóide são


superfı́cies mı́nimas conjugadas.
(b)+(c) Dadas duas superfı́cies mı́nimas conjugadas, X e Y, a superfı́cie

Zt = (cos t)X + (sen t)Y

é mı́nima para todo t ∈ R. Além disso, todos os membros da famı́lia a 1-parâmetro {Zt } têm a
mesma primeira forma fundamental.
De fato, como

Ztu = cos t Xu + sen t Yu e Ztv = cos t Xv + sen t Yv ,

256 J. Delgado - K. Frensel


Isometrias; Aplicações Conformes

temos que:

• Et = hXu , Xu i cos2 t + 2hXu , Yu i cos t sen t + hYu , Yu i sen2 t


= hXu , Xu i cos2 t − 2hXu , Xv i cos t sen t + hXv , Xv i sen2 t
= hXu , Xu i = hYu , Yu i
• Ft = hXu , Xv i cos2 t + hXu , Yv i cos t sen t + hYu , Xv i cos t sen t + hYu , Yv i sen2 t
= hXu , Xu i cos t sen t − hXv , Xv i cos t sen t
= 0 = hXu , Xv i = hYu , Yv i
• Gt = hXv , Xv i cos2 t + 2hXv , Yv i cos t sen t + hYv , Yv i sen2 t
= hXv , Xv i cos2 t + 2hXv , Xu i cos t sen t + hXu , Xu i sen2 t
= hXv , Xv i cos2 t + hXv , Xv i sen2 t
= hXv , Xv i = hYv , Yv i ,

pois
Xu = Yv , Xv = −Yu , hXu , Xu i = hXv , Xv i = hYu , Yu i = hYv , Yv i e hXu , Xv i = hYu , Yv i = 0 .

Fig. 3: Estágios consecutivos na deformação isométrica do helicóide no catenóide

Instituto de Matemática - UFF 257


Geometria Diferencial

Então Zt é isotérmica para todo t ∈ R e todas as superfı́cies da famı́lia a 1-parâmetro {Zt } têm
a mesma primeira forma fundamental.
Além disso, cada uma das superfı́cies Zt é mı́nima, pois Zt é uma parametrização isotérmica,
e
Ztuu = cos t Xuu + sen t Yuu e Ztvv = cos t Xvv + sen t Yvv ;

portanto,
Ztuu + Ztvv = cos t(Xuu + Xvv ) + sen t(Yuu + Yvv ) = 0 .

Observe também que dois membros quaisquer da famı́lia são isométricos já que têm a mesma
primeira forma fundamental.
Assim, provamos que duas superfı́cies mı́nimas conjugadas podem ser ligadas por uma famı́lia
a 1-parâmetro de superfı́cies mı́nimas isométricas.

Exemplo 1.3 Mostraremos neste exemplo que o cone de revolução de uma folha menos o
vértice,
p
C:z=k x2 + y2 , k > 0 , (x, y) 6= (0, 0) ,

e o plano são localmente isométricos.


Seja α ∈ (0, π/2) tal que k = cotg α e seja (0 , ρ sen α , ρ cos α) , ρ ∈ (0, ∞), uma parametrização

z = ky , y > 0
pelo comprimento de arco da semi-reta que gera o cone.
x = 0

Então Y : (0, ∞) × (0, 2π sen α) −→ R ,

θ θ
 
Y(ρ, θ) = ρ sen α cos , ρ sen α sen , ρ cos α ,
sen α sen α

é uma parametrização do cone, onde

Y( (0, ∞) × (0, 2π sen α) ) = C − {(x, 0, kx) | x > 0} ,

E = hYρ , Yρ i = 1 , G = hYθ , Yθ i = ρ2 e F = hYρ , Yθ i = 0 .

Seja agora Y : (0, ∞) × (0, 2π sen α) −→ R ,


Fig. 4: Reta geratriz do cone

Y(ρ, θ) = (ρ cos θ , ρ sen θ , 0) ,

uma parametrização do plano tal que

E = hY ρ , Y ρ i = 1 ; G = hY θ , Y θ i = ρ2 e F = hY ρ , Y θ i = 0

258 J. Delgado - K. Frensel


Isometrias; Aplicações Conformes

Fig. 5: Parametrização Y

Logo, pela proposição 1.1, temos

−1
Y ◦ Y : Y(U) −→ Y(U)

é uma isometria, onde U = (0, ∞) × (0, 2π sen α).


Variando o domı́nio U, podemos provar que o cone e o plano são localmente isométricos. 

Observação 1.6 O cone e o plano não são globalmente isométricos, pois o cone é homeo-
morfo a R2 − {(0, 0)}, já que

ϕ : R2 − {(0, 0)} −→ C
p
(x, y) 7−→ (x, y, k x2 + y2 )

é um difeomorfismo, e R2 e R2 −{(0, 0)} não são homeomorfos, pois toda curva fechada simples
em R2 pode ser deformada continuamente em um ponto e o cı́rculo S1 : x2 + y2 = 1, por
exemplo, não pode ser deformado continuamente em um ponto em R2 − {(0, 0)}.

Fig. 6: Curvas fechadas simples em R2 e R2 − {(0, 0)}, respectivamente

Instituto de Matemática - UFF 259


Geometria Diferencial

Observação 1.7 [Distância Intrı́nseca em S]


Veremos agora que o fato de podermos calcular comprimentos de curvas sobre uma superfı́cie
utilizando apenas a primeira forma fundamental dá lugar à noção de distância intrı́nseca entre
pontos de S.

Definição 1.3 Dizemos que uma curva α : [a, b] −→ S é diferenciável por partes se existe
uma partição {t0 = a < t1 < . . . < tn = b} do intervalo [a, b] tal que α|[ti−1 ,ti ] é diferenciável
para todo i = 1, . . . , n.

Seja S uma superfı́cie regular conexa (⇐⇒ conexa por caminhos) e sejam p, q ∈ S.
Considere o conjunto:

Cp,q = { α : [a, b] −→ S | α é diferenciável por partes; α(a) = p e α(b) = q} .

Afirmação: Cp,q é não vazio.

De fato, como S é conexa por caminhos, existe uma curva β : [a, b] −→ S contı́nua tal que
β(a) = p e β(b) = q. Mas, como [a, b] é compacto, β é uniformemente contı́nua.
Para cada t ∈ [a, b] existe uma parametrização Xt : Ut −→ Xt (Ut ) de S em β(t) tal que Ut é um
disco aberto de R2 . Como β([a, b]) é compacto, Xt (Ut ) é aberto para todo
S
t ∈ [a, b] e β([a, b]) ⊂ t∈[a,b] Xt (Ut ), temos, pelo Teorema de Borel-Lebesgue, que existem
pontos s1 , . . . , sk ∈ [a, b] tais que

β([a, b]) ⊂ X1 (U1 ) ∪ . . . ∪ Xk (Uk ), (1)

onde Xj (Uj ) = Xsj (Usj ).

Seja δ > 0 o número de Lebesgue da cobertura {Xj (Uj ) | j = 1, . . . , k}. Como β é uniformemente
contı́nua, existe µ > 0 tal que

δ
|t − s| < µ, t, s ∈ [a, b] =⇒ kβ(t) − β(s)k < . (2)
2

Seja P = {t0 = a < t1 < . . . < tn = b} uma partição de [a, b] com norma < µ, isto é,
|ti − ti−1 | < µ para todo i = 1, . . . , n.
δ
Como, por (2), diam(β([ti−1 , ti ])) ≤ < δ e δ é o número de Lebesgue da cobertura (1), existe
2
ji ∈ {1, . . . , k} tal que
β([ti−1 , ti ]) ⊂ Xji (Uji ) .

260 J. Delgado - K. Frensel


Isometrias; Aplicações Conformes

Fig. 7: Cobertura do caminho β

Para cada i = 1, . . . , n, sejam qi−1 , qi ∈ Uji tais que Xji (qi−1 ) = β(ti−1 ) , Xji (qi ) = β(ti ) e
αi : [ti−1 , ti ] −→ Uji uma parametrização diferenciável regular da reta que passa pelos pontos
α(ti−1 ) = qi−1 e α(ti ) = qi .
Então αi = Xji ◦ αi : [ti−1 , ti ] −→ Xji (Uji ) é uma curva diferenciável em S tal que
αi (ti−1 ) = β(ti−1 ) e αi (ti ) = β(ti ) .

Fig. 8:

Logo a curva α : [a, b] −→ S dada por α|[ti−1 ,ti ] = αi , para todo i = 1, . . . , n, é uma curva
diferenciável por partes tal que α(a) = p e α(b) = q.

Definição 1.4 A distância intrı́nseca entre dois pontos p, q ∈ S é definida por:

d(p, q) = inf { comprimento de α | α ∈ Cp,q }

Proposição 1.2 A função d : S × S −→ R satisfaz as seguintes propriedades:


(a) d(p, q) ≥ 0 e d(p, q) = 0 ⇐⇒ p = q ;

Instituto de Matemática - UFF 261


Geometria Diferencial

(b) d(p, q) = d(q, p) ;


(c) d(p, r) ≤ d(p, q) + d(q, r) ,
para quaisquer p, q, r ∈ S, o que torna S um espaço métrico.

Prova.
(a) Seja α : [a, b] −→ S uma curva diferenciável por partes tal que α|[ti−1 ,ti ] é diferenciável,
para todo i = 1, . . . , n, α(a) = p e α(b) = q, onde {t0 = a < t1 < . . . < tn = b} é uma partição
de [a, b].
Então, para todo i = 1, . . . , n,
Z ti
α(ti ) − α(ti−1 ) α(ti ) − α(ti−1 )
h , α(ti ) − α(ti−1 )i = hα 0 (t) , i dt
kα(ti ) − α(ti−1 )k ti−1 kα(ti ) − α(ti−1 )k
Z ti
≤ kα 0 (t)k dt = comprimento (α|[ti−1 , ti ]) ,
ti−1

ou seja,
comprimento (α|[ti−1 , ti ]) ≥ kα(ti ) − α(ti−1 )k .

Portanto,

n Z ti
X X
n
0
comprimento (α) = kα (t)k dt ≥ kα(ti ) − α(ti−1 )k ≥ kp − qk .
i=1 ti−1 i=1

Logo,
d(p, q) = inf {comprimento (α) | α ∈ Cp,q } ≥ kp − qk .

Assim, d(p, q) ≥ 0 e d(p, q) = 0 ⇐⇒ p = q.


(b) Seja α : [a, b] −→ S uma curva diferenciável por partes tal que α(a) = p e α(b) = q.
Então β : [a, b] −→ S, dada por β(t) = α(a+b−t), é diferenciável por partes, β(a) = α(b) = q,
β(b) = α(a) = p e

Zb Za Zb
0 0
kα (t)k dt = kα (a + b − t)k(−1) dt = kβ 0 (t)k dt ,
a b a

isto é, comprimento (β) = comprimento (α) .


Logo d(q, p) ≤ comprimento (β) = comprimento (α) para todo α ∈ Cp,q .

Portanto d(q, p) ≤ d(p, q).

262 J. Delgado - K. Frensel


Isometrias; Aplicações Conformes

De modo análogo, temos que d(p, q) ≤ d(q, p). Assim, d(p, q) = d(q, p).
(c) Sejam α : [a, b] −→ S e γ : [a, b] −→ S curvas diferenciáveis por partes tais que α(a) = p,
α(b) = r = γ(a) e γ(b) = q.
Então a curva β = α ∨ γ : [a, b] −→ S, dada por

α(2t − a) , se t ∈ a, a+b
 
2
β(t) =
γ(2t − b) , se t ∈ a+b

, b

,
2

é diferenciável por partes, β(a) = α(a) = p, β(b) = γ(b) = q e


Z a+b Zb
2
0
comprimento (β) = kβ (t)k dt + kβ 0 (t)k dt
a+b
a 2

Z a+b Zb
2
0
= kα (2t − a)k 2 dt + kγ 0 (2t − b)k 2 dt
a+b
a 2

Zb  Zb 
ξ+a
 2 ξ+b
 2
0
= α 2 − a dξ + γ 0 2 − b dξ

a 2 2 a 2 2
Zb Zb
0
= kα (ξ)k dξ + kγ 0 (ξ)k dξ
a a

= comprimento (α) + comprimento (γ) .

Como {α ∨ γ | α ∈ Cp,r e γ ∈ Cr,q } ⊂ Cp,q , temos que

d(p, q) = inf { comprimento (λ) | λ ∈ Cp,q }


≤ inf { comprimento (α ∨ γ) | α ∈ Cp,r e γ ∈ Cr,q }
= inf { comprimento (α) | α ∈ Cp,r } + inf { comprimento (γ) | γ ∈ Cr,q }
= d(p, r) + d(r, q) ,

concluindo assim a prova da proposição. 

Observação 1.8 A topologia induzida por d em S coincide com a topologia em S induzida


de R3 .
De fato, sejam V um aberto de S com a topologia induzida de R3 e p ∈ V.

Então existe uma bola aberta Brp (p) = { q ∈ R3 | kq − pk < rp } tal que Brp (p) ∩ S ⊂ V.

Como d(p, q) ≥ kp − qk, temos que

e rp (p) = {q ∈ S | d(p, q) < rp } ⊂ Brp (p) ∩ S ⊂ V .


B

Instituto de Matemática - UFF 263


Geometria Diferencial

S
Logo, V = p∈V
e rp (p), ou seja, V é um aberto de (S, d), pois B
B e rp (p) é um aberto de (S, d)
para todo p ∈ V.
Para provar a recı́proca precisamos do seguinte fato, que só será provado mais tarde: para
e ε (p) = {q ∈ S | d(q, p) < ε}, 0 < ε ≤ ε0 , é um aberto
todo ponto p ∈ S, existe ε0 > 0, tal que B
de S com a topologia induzida de R3 .
Logo, dado um aberto V de (S, d), para cada ponto p ∈ V, existe εp > 0 tal que

e εp (p) = {q ∈ S | d(q, p) < εp } ⊂ V .


B

Pelo resultado acima, existe εp0 > 0 tal que B


e ε (p) é um aberto de S com a topologia induzida

de R3 , para todo 0 < ε ≤ εp0 .

εp = min{εp0 , εp }, B
Então, se e eeε (p) é um aberto de S com a topologia induzida de R3 tal que
p

eeε (p) ⊂ V.
B p

Assim, V =
S eeε (p) é um aberto de S com a topologia induzida de R3 .
B
p∈V p

Atividade 1.2 [Exercı́cio 3, pág. 272]


Um difeomorfismo ϕ : S −→ S é uma isometria ⇐⇒ comprimento (ϕ ◦ α) = comprimento (α),
onde α : [a, b] −→ S é uma curva parametrizada diferenciável por partes qualquer em S.
(⇒) Seja α : [a, b] −→ S uma curva parametrizada diferenciável por partes em S.
Então β 0 (t) = dϕα(t) (α 0 (t)), onde β(t) = ϕ ◦ α(t).

Assim, como kβ 0 (t)k = kdϕα(t) (α 0 (t))k = kα 0 (t)k, pois ϕ é uma isometria, temos que

Zb Zb
0
comprimento (β) = kβ (t)k dt = kα 0 (t)k dt = comprimento (α) .
a a

(⇐) Sejam p ∈ S e v ∈ Tp S − {0}. Vamos provar que kdϕp (v)k = kvk.

Suponhamos, por absurdo, que kdϕp (v)k =


6 kvk.

Seja α : (−ε, ε) −→ S uma curva diferenciável tal que α 0 (0) = p e α 0 (0) = v.


• Se kdϕp (v)k > kvk, ou seja, M = kdϕp (v)k − kvk > 0, temos, por continuidade, que existe
δ > 0, δ < ε, tal que
M
kdϕα(t) (α 0 (t))k − kα 0 (t)k ≥ ,
2

para todo t ∈ [−δ, δ].

264 J. Delgado - K. Frensel


Isometrias; Aplicações Conformes

Logo,
Zδ Zδ 
M

0
+ kα 0 (t)k dt

comprimento ϕ ◦ α|[−δ,δ] = kdϕα(t) (α (t))k dt ≥
−δ −δ 2
M  
= 2 δ + comprimento α|[−δ,δ] > comprimento α|[−δ,δ] .
2

uma contradição.
• Se kdϕp (v)k < kvk chegamos, de modo análogo, a uma contradição.

Observação 1.9 Pelo exercı́cio anterior, temos que se ϕ : S −→ S é uma isometria, então
d(ϕ(p), ϕ(q)) = d(p, q) ,

para quaisquer p, q ∈ S.
De fato,
Cϕ(p),ϕ(q) = {ϕ ◦ α | α ∈ Cp,q } ,

pois β : [a, b] −→ S é uma curva diferenciável por partes em S tal que β(a) = ϕ(p) e β(b) =
ϕ(q) se, e só se, ϕ−1 ◦ β = α : [a, b] −→ S é uma curva diferenciável por partes em S tal que
α(a) = p e α(b) = q.
Logo, pelo exercı́cio anterior,

d(ϕ(p), ϕ(q)) = inf{ comprimento (ϕ◦α) | α ∈ Cp,q } = inf{ comprimento (α) | α ∈ Cp,q } = d(p, q) .

Observação 1.10 A recı́proca do resultado acima também é verdadeira, mas ainda não
podemos prová-la.

Se ϕ : S −→ S é uma aplicação diferenciável tal que d(ϕ(p), ϕ(q)) = d(p, q) para quaisquer
p, q ∈ S, então ϕ : S −→ ϕ(S) é uma isometria sobre o aberto ϕ(S) de S. Além disso, se S é
completa e S é conexa, então ϕ(S) = S .

Superfı́cies difeomorfas são equivalentes do ponto de vista da diferenciabilidade, enquanto


superfı́cies isométricas são equivalentes do ponto de vista métrico. Existe ainda outro tipo
de equivalência, a equivalência conforme, que é utilizada quando lidamos com problemas
associados a funções analı́ticas complexas.

Definição 1.5 Um difeomorfismo ϕ : S −→ S é chamado uma aplicação conforme se existe


uma função diferenciável λ2 : S −→ (0, ∞) tal que

hdϕp (v) , dϕp (w)i = λ2 (p)hv , wi ,

Instituto de Matemática - UFF 265


Geometria Diferencial

para todo p ∈ S e todos v, w ∈ Tp S. Neste caso, dizemos que S e S são conformes.

Observação 1.11 A inversa ϕ−1 : S −→ S de uma aplicação conforme é uma aplicação


conforme.
De fato,

1 1
hdϕ−1 −1
q (v) , dϕq (w)i = hdϕϕ−1 (q) (dϕ−1 −1
q (v)) , dϕϕ−1 (q) (dϕq (w))i = hv , wi ,
λ2 (ϕ−1 (q)) λ2 ◦ ϕ−1 (q)

1
para todo q ∈ S e todos v, w ∈ Tq S, onde : S −→ (0, ∞) é uma aplicação diferenciável.
λ2 ◦ ϕ−1

Observação 1.12 A composta de duas aplicações conformes ϕ : S −→ S e ψ : S −→ S é


uma aplicação conforme.

De fato, ψ ◦ ϕ : S −→ S é um difeomorfismo e

hd(ψ ◦ ϕ)p (v) , d(ψ ◦ ϕ)p (w)i = hdψϕ(p) (dϕp (v)) , dψϕ(p) (dϕp (w))i

= µ2 (ϕ(p))hdϕp (v) , dϕp (w)i


= (µ2 ◦ ϕ)(p) · λ2 (p)hv , wi ,

onde hdϕp (v) , dϕp (w)i = λ2 (p)hv , wi e hdψq (v) , dψq (w)i = µ2 (q)hv , wi, sendo
λ2 : S −→ (0, ∞) e µ2 : S −→ (0, ∞) funções diferenciáveis.
Logo
hd(ψ ◦ ϕ)p (v) , d(ψ ◦ ϕ)p (w)i = δ2 (p)hv , wi ,

para todo p ∈ S e todos v, w ∈ Tp S, onde δ2 = (µ2 ◦ ϕ) · λ2 : S −→ (0, ∞) é uma função


diferenciável.

Definição 1.6 Dizemos que S é localmente conforme a S se para todo p ∈ S existem um


aberto V ⊂ S, p ∈ V, um aberto W ⊂ S e uma aplicação conforme ϕ : V −→ W.

Definição 1.7 Dizemos que S e S são localmente conformes se S é localmente conforme a


S e S é localmente conforme a S.

Observação 1.13 É fácil provar, usando a observação 1.12, que a conformidade local é
uma relação de equivalência (exercı́cio).

266 J. Delgado - K. Frensel


Isometrias; Aplicações Conformes

Observação 1.14 Uma aplicação conforme preserva ângulos (mas não necessariamente
comprimentos).
De fato, sejam α, β : I −→ S curvas diferenciáveis em S que se intersectam em t0 ∈ I, isto é,
α(t0 ) = β(t0 ) = p. O ângulo θ entre α e β em t0 é dado por:

hα 0 (t0 ) , β 0 (t0 )i
cos θ = , 0 ≤ θ ≤ π.
kα 0 (t0 )k kβ 0 (t0 )k

Então ϕ ◦ α, ϕ ◦ β : I −→ S são curvas diferenciáveis em S, com ϕ ◦ α(t0 ) = ϕ ◦ β(t0 ) = ϕ(p),


que se intersectam em t0 fazendo um ângulo θ dado por

hdϕα(t0 ) (α 0 (t0 )) , dϕβ(t0 ) (β 0 (t0 ))i λ2 (p)hα 0 (t0 ) , β 0 (t0 )i


cos θ = = = cos θ .
kdϕα(t0 ) (α 0 (t0 ))k kdϕβ(t0 ) (β 0 (t0 ))k λ2 (p) kα 0 (t0 )k kβ 0 (t0 )k

Portanto θ = θ .

Fig. 9:

Atividade 1.3 [Exercı́cio 14, pag. 275]


Seja ϕ : S −→ S uma aplicação diferenciável tal que dϕp (v) 6= 0 e

hdϕp (v) , dϕp (w)i hv , wi


= ,
kdϕp (v)k kdϕp (w)k kvk kwk

para todo p ∈ S e todos v, w ∈ Tp S − {0}.

Então existe uma função diferenciável λ2 : S −→ (0, ∞) tal que

hdϕp (v) , dϕp (w)i = λ2 (p)hv , wi ,

para todo p ∈ S e todos v, w ∈ Tp S. Isto é, se uma aplicação preserva ângulo então ela é
localmente conforme.

Instituto de Matemática - UFF 267


Geometria Diferencial

Antes de resolver esta atividade, faremos uma observação de carater geral.


Seja L : V −→ W uma aplicação linear tal que L(v) 6= 0 para todo v ∈ V − {0} e

hL(v) , L(w)i hv , wi
= (3)
kL(v)k kL(w)k kvk kwk

para todos v, w ∈ V − {0}, onde dim V = dim W = 2 .


Então, por (3), v ⊥ w se, e só se, L(v) ⊥ L(w).
Se {v1 , v2 } é uma base ortonormal de V temos que L(v1 ) ⊥ L(v2 ).
Sejam A = kL(v1 )k > 0 e B = kL(v2 )k > 0.
Afirmação: A = B.
Como v1 + v2 ⊥ v1 − v2 , temos que L(v1 ) + L(v2 ) ⊥ L(v1 ) − L(v2 ), isto é,

hL(v1 ) + L(v2 ) , L(v1 ) − L(v2 )i = 0 ;

mas isto ocorre se, e somente se,

hL(v1 ) , L(v1 )i − hL(v2 ) , L(v2 )i = 0 ⇐⇒ A2 − B2 = 0 ⇐⇒ A = B . 

Sejam λ = A = B, v = rv1 + sv2 e w = δv1 + ξv2 dois vetores quaisquer pertencentes a V.


Então
hL(v) , L(w)i = λ2 hv , wi ,
pois
hL(rv1 + sv2 ) , L(δv1 + ξv2 )i = rδλ2 + sξλ2 = λ2 hrv1 + sv2 , δv1 + ξv2 i ,
já que hv1 , v2 i = hL(v1 ) , L(v2 )i = 0 . 

Voltando à atividade, temos que para cada p ∈ S existe λ2 (p) > 0 tal que

hdϕp (v) , dϕp (w)i = λ2 (p)hv , wi , ∀v, w ∈ Tp S .

Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S. Como

hdϕX(u,v) (Xu (u, v)) , dϕX(u,v) (Xu (u, v))i h(ϕ ◦ X)u (u, v) , (ϕ ◦ X)u (u, v)i
λ2 (X(u, v)) = = ,
hXu (u, v) , Xu (u, v)i hXu (u, v) , Xu (u, v)i

temos que λ2 ◦X : U −→ R é diferenciável. Sendo X uma parametrização arbitrária, concluı́mos


que a função λ2 : S −→ (0, ∞) é diferenciável.

A proposição abaixo é o análogo da proposição 1.1 para aplicações conformes.

268 J. Delgado - K. Frensel


Isometrias; Aplicações Conformes

Proposição 1.3 Sejam X : U −→ X(U) ⊂ S e X : U −→ X(U) ⊂ S parametrizações tais que


E = λ2 E , G = λ2 G e F = λ2 F, onde λ2 : U −→ (0, ∞) é uma função diferenciável.

Então ϕ = X ◦ X−1 : X(U) −→ X(U) é uma aplicação conforme.

Prova.
Primeiro observe que λ2 ◦ X−1 : X(U) −→ (0, ∞) é uma função diferenciável.
Sejam p ∈ X(U), v, w ∈ Tp S. Então existem a, b, c, d ∈ R tais que v = a Xu (q) + b Xv (q) e
w = c Xu (q) + d Xv (q), onde p = X(q).

Logo, como ϕ ◦ X = X,

hdϕp (v) , dϕp (w)i = ha dϕp (Xu (q)) + b dϕp (Xv (q)) , c dϕp (Xu (q)) + d dϕp (Xv (q))i

= ha Xu (q) + b Xv (q) , c Xu (q) + d Xv (q)i


= achXu (q) , Xu (q)i + (ad + bc)hXu (q) , Xv (q)i + bdhXv (q) , Xv (q)i
= ac E(q) + (ad + bc) F(q) + bd G(q)
= λ2 ◦ X−1 (p)(ac E(q) + (ad + bc) F(q) + bd G(q))
= (λ2 ◦ X−1 )(p)ha Xu (q) + b Xv (q) , c Xu (q) + d Xv (q)i
= (λ2 ◦ X−1 )(p)hv , wi .

Ou seja,
hdϕp (v) , dϕp (w)i = (λ2 ◦ X−1 )(p) hv , wi .

para todo p ∈ S e quaisquer v, w ∈ Tp S.

Então ϕ = X ◦ X−1 : X(U) −→ X(U) é uma aplicação conforme. 

Teorema 1.1 Para cada ponto p ∈ S existe uma parametrização isotérmica X : U −→ X(U)
de S em p, isto é,
E(u, v) = G(u, v) = λ2 (u, v) > 0 e F(u, v) = 0 ,

para todo (u, v) ∈ U.

• A prova deste teorema é delicada e não será apresentada aqui (ver Riemann Surfaces, de L.
Bers, New York Univ., Institute of Mathematical Sciences, pp 15-35).

Teorema 1.2 Duas superfı́cies quaisquer são localmente conformes.

Instituto de Matemática - UFF 269


Geometria Diferencial

Prova.
Basta mostrar que toda superfı́cie regular S é localmente conforme ao plano

P = {(x, y, 0) | x, y ∈ R} .

Sejam p ∈ S e X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p que é isotérmica, isto é,

E(u, v) = G(u, v) = λ2 (u, v) > 0 e F(u, v) = 0

para qualquer (u, v) ∈ U.

Seja X : U −→ P, X(u, v) = (u, v, 0), uma parametrização de P. Como E = G = 1 e F = 0,


temos que
E = λ2 E , G = λ2 G e F = λ2 F .

Logo, pela proposição 1.3, X ◦ X−1 : X(U) −→ X(U) é uma aplicação conforme. Portanto, S e
P são localmente conformes.
Se S é outra superfı́cie regular, temos, pelo provado acima, que S e P são localmente confor-
mes. Assim, S e S são localmente conformes. 

Teorema 1.3 Seja S uma superfı́cie regular orientada com orientação N : S −→ S2 . Então S
possui uma famı́lia de parametrizações {Xα : Uα −→ Xα (Uα ) | α ∈ A} tal que S =
S
α∈A Xα (Uα )
e as aplicações de mudança de parâmetro

hαβ = X−1 −1
α ◦ Xβ : Xβ (Wαβ ) −→ Xα (Wαβ )

são holomorfas, onde Wαβ = Xα (Uα ) ∩ Xβ (Uβ ) 6= ∅.

Prova.
Para cada p ∈ S, existe uma parametrização isotérmica Xα : Uα −→ Xα (Uα ) de S em p,
com Uα conexo, tal que
(Xα )u ∧ (Xα )v
N(Xα (u, v)) = (u, v) , (4)
k(Xα )u ∧ (Xα )v k

para todo (u, v) ∈ U.


Sejam Xα : Uα −→ Xα (Uα ) e Xβ : Uβ −→ Xβ (Uβ ) duas parametrizações isotérmicas de S que
satisfazem (4) e Wαβ = Xα (Uα ) ∩ Xβ (Uβ ) 6= ∅, onde Uα e Uβ são conexos.

Então d(hαβ ) > 0 em X−1 −1 −1 −1


β (Wαβ ), onde hαβ = Xα ◦ Xβ : Xβ (Wαβ ) −→ Xα (Wαβ ) é a aplicação

de mudança de parâmetros.

270 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss e as Equações de Compatibilidade

Além disso, hαβ (u, v) = (u(u, v), v(u, v)) é conforme, pois X−1
α e Xβ são conformes. Logo,


u u
u v
dhαβ (e1 ) = (uu , vu ) ⊥ dhαβ (e2 ) = (uv , vv ) , kdhαβ (e1 )k = kdhαβ (e2 )k e > 0.
vu vv

Assim, (uu , vu ) = (vv , −uv ), isto é

∂u ∂v ∂v ∂u
= e =− ,
∂u ∂v ∂u ∂v

que são as equações de Cauchy-Riemann. Portanto, hαβ é uma função holomorfa. 

2. Teorema de Gauss e as Equações de Compatibilidade

Como fizemos no estudo das curvas, vamos associar a cada ponto de uma superfı́cie um
triedro (o análogo do Triedro de Frenet) e estudar as derivadas de seus vetores.
Seja S uma superfı́cie regular orientada pelo campo de vetores normais unitários
N : S −→ S2 . Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S compatı́vel com N, isto é,

Xu ∧ Xv
N(u, v) = N(X(u, v)) = (u, v) , ∀(u, v) ∈ U .
kXu ∧ Xv k

Associamos a cada ponto p = X(u, v), o triedro positivo

{ Xu (u, v) , Xv (u, v) , N(u, v) } .

Expressando as derivadas dos vetores Xu , Xv e N na base {Xu , Xv , N}, obtemos:

1 2 1 2
Xuu = Γ11 Xu + Γ11 Xv + L1 N , Xuv = Γ12 Xu + Γ12 Xv + L2 N ,
1 2 1 2 (5)
Xvu = Γ21 Xu + Γ21 Xv + L2 N , Xvv = Γ22 Xu + Γ22 Xv + L3 N ,
Nu = a11 Xu + a21 Xv , Nv = a12 Xu + a22 Xv ,

onde os aij , i, j = 1, 2 foram obtidos no capı́tulo 4.

Tomando o produto interno das quatro primeiras relações de (5) com N, obtemos que:

L1 = hXuu , Ni = e , L2 = hXuv , Ni = hXvu , Ni = L2 = f , e L3 = hXvv , Ni = g ,

onde e, f e g são os coeficientes da segunda forma fundamental de S.

Instituto de Matemática - UFF 271


Geometria Diferencial

Os coeficientes Γijk , i, j, k = 1, 2, são chamados sı́mbolos de Christoffel de S na parametrização


X. Como Xuv = Xvu , temos que

1 1 2 2
Γ12 = Γ21 e Γ12 = Γ21 ,

isto é, os sı́mbolos de Christoffel são simétricos em relação aos ı́ndices inferiores.
Para determinar os sı́mbolos de Christoffel, tomamos o produto interno das quatro primeiras
relações em (5) com Xu e Xv , obtendo os sistemas:

Γ 1 E + Γ 2 F = hX , Xu i = 1
Eu
11 11 uu 2
(6)
Γ 1 F + Γ 2 G = hX 1
11 11 uu , Xv i = Fu − 2 Ev ,

Γ 1 E + Γ 2 F = hX , Xu i = 1
Ev
12 12 uv 2
(7)
Γ 1 F + Γ 2 G = hX , Xv i = 1
Gu ,
12 12 uv 2

Γ 1 E + Γ 2 F = hX , X i = F − 1 G
22 22 vv u v 2 u
(8)
Γ 1 F + Γ 2 G = hX , X i = 1 G ,
22 22 vv v 2 v

Logo,
! ! ! ! ! !
1 1 1 1
E F Γ11 Eu Γ11 1 G −F Eu
= 2
⇐⇒ = 2
, (9)
F G 2
Γ11 Fu − 12 Ev 2
Γ11 EG − F2 −F E Fu − 21 Ev
! ! ! ! ! !
1 1 1 1
E F Γ12 E
2 v
Γ12 1 G −F E
2 v
= ⇐⇒ = , (10)
F G 2
Γ12 1
Gu 2
Γ12 EG − F2 −F E 1
G u
2 2
! ! ! ! ! !
E F 1
Γ22 Fv − 12 Gu 1
Γ22 1 G −F Fv − 21 Gu
= ⇐⇒ = . (11)
F G 2
Γ22 1
Gv 2
Γ22 EG − F2 −F E 1
Gv
2 2

Assim, os sı́mbolos de Christoffel são dados em termos dos coeficientes da primeira forma
fundamental E, F, G e de suas derivadas.
Como conseqüência, temos que todos os conceitos geométricos e propriedades expressas em
termos dos sı́mbolos de Christoffel são invariantes por isometria .

Exemplo 2.1 Seja S uma superfı́cie de revolução parametrizada por:

X(u, v) = ( f(v) cos u , f(v) sen u , g(v) ) , f(v) 6= 0 .

Como

272 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss e as Equações de Compatibilidade

E = f(v)2 , F = 0 e G = f 0 (v)2 + g 0 (v)2 ,


obtemos
Eu = 0 , Ev = 2 f f 0 , Fu = Fv = 0 , Gu = 0 e Gv = 2(f 0 f 00 + g 0 g 00 ) .
Logo, por (9), (10) e (11),
! ! !  
1
Γ11 1 0 2
f (v) + g (v) 0 2
0 0 0
= =  −f(v)f 0 (v)  ,
2
Γ11 f(v)2 (f 0 (v)2 + g 0 (v)2 ) 0 f(v)2 −f(v)f 0 (v)
f 0 (v)2 + g 0 (v)2

1 2 −f(v)f 0 (v)
i. e., Γ11 = 0, e Γ11 = ;
f 0 (v)2 + g 0 (v)2
f 0 (v)
! ! !  
1 0 2 0 2 0
Γ12 1 f (v) + g (v) 0 f(v)f (v)
= =  f(v)  ,
2
Γ12 f(v)2 (f 0 (v)2 + g 0 (v)2 ) 0 f(v) 2
0 0

1 f 0 (v) 2
i. e., Γ12 = , e Γ12 = 0;
f(v)
! ! !
1
Γ22 1 f 0 (v)2 + g 0 (v)2 0 0
=
2
Γ22 f(v)2 (f 0 (v)2 + g 0 (v)2 ) 0 f(v)2 f 0 (v)f 00 (v) + g 0 (v)g 00 (v)
 
0
=  f 0 (v)f 00 (v) + g 0 (v)g 00 (v)  ,
f 0 (v)2 + g 0 (v)2

1 2 f 0 (v)f 00 (v) + g 0 (v)g 00 (v)


i. e., Γ22 = 0, e Γ22 = ;
f 0 (v)2 + g 0 (v)2

Obteremos agora relações entre os coeficientes da primeira e da segunda formas fundamen-


tais, considerando as expressões:

(Xuu )v − (Xuv )u = 0 , (12)


(Xvv )u − (Xvu )v = 0 , (13)
Nuv − Nvu = 0 . (14)

Usando (5) podemos reescrever as relações acima na forma

A1 Xu + B1 Xv + C1 N = 0 , (15)
A2 Xu + B2 Xv + C2 N = 0 , (16)
A3 Xu + B3 Xv + C3 N = 0 , (17)

onde Ai , Bi , Ci , i = 1, 2, 3 , são funções de E, F, G, e, f, g e de suas derivadas.

Instituto de Matemática - UFF 273


Geometria Diferencial

Como os vetores Xu , Xv , N são LI, temos que Ai = Bi = Ci = 0, i = 1, 2, 3, o que nos dá novas
relações.
Utilizando (5), a primeira relação (Xuu )v − (Xuv )u = 0, pode ser escrita:

1
(Γ11 2
Xu + Γ11 1
Xv + eN)v − (Γ12 2
Xu + Γ12 Xv + fN)u = 0 ⇐⇒
1 2 1 1 2 2 1 2
(Γ11 )v Xu + (Γ11 )v Xv + ev N + Γ11 (Γ12 Xu + Γ12 Xv + fN) + Γ11 (Γ22 Xu + Γ22 Xv + gN) + e(a12 Xu + a22 Xv )
1 2 1 1 2 2 1 2
= (Γ12 )u Xu + (Γ12 )u Xv + fu N + Γ12 (Γ11 Xu + Γ11 Xv + eN) + Γ12 (Γ12 Xu + Γ12 Xv + fN) + f(a11 Xu + a21 Xv )
(18)
Portanto, igualando os coeficientes de Xv , obtemos:

2 2 1 2 1 2 2 2 2 2
(Γ12 )u − (Γ11 )v + Γ12 Γ11 − Γ11 Γ12 + Γ12 Γ12 − Γ11 Γ22 = ea22 − fa21
eg − f2
 fF − gE   eF − fE 
= e 2
− f 2
= − 2
E = −K E ,
EG − F EG − F EG − F

onde K é a curvatura Gaussiana.


A expressão
2 2 1 2 1 2 2 2 2 2
(Γ12 )u − (Γ11 )v + Γ12 Γ11 − Γ11 Γ12 + Γ12 Γ12 − Γ11 Γ22 = −K E (19)

que nos fornece o valor de K em termos dos coeficientes da primeira forma fundamental e de
suas derivadas, é conhecida como fórmula de Gauss.

Teorema 2.1 (Teorema Egregium de Gauss)


A curvatura Gaussiana K de uma superfı́cie é invariante por isometria.

Prova.
Seja ϕ : S −→ S uma isometria. Vamos provar que K(p) = K(ϕ(p)) para todo p ∈ S.
Sejam p ∈ S e X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p, com X(q) = p.

Então, X = ϕ ◦ X : U −→ X(U) = ϕ(X(U)) é uma parametrização da superfı́cie S em ϕ(p), com


X(q) = ϕ ◦ X(q) = ϕ(p).
Como

E(u, v) = hXu , Xu i(u, v) = hdϕX(u,v) (Xu (u, v)) , dϕX(u,v) (Xu (u, v))i = hXu , Xu i(u, v) = E(u, v) ;

G(u, v) = hXv , Xv i(u, v) = hdϕX(u,v) (Xv (u, v)) , dϕX(u,v) (Xv (u, v))i = hXv , Xv i(u, v) = G(u, v) ;

F(u, v) = hXu , Xv i(u, v) = hdϕX(u,v) (Xu (u, v)) , dϕX(u,v) (Xv (u, v))i = hXu , Xv i(u, v) = F(u, v) ,

274 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss e as Equações de Compatibilidade

k
temos que Γijk (u, v) = Γ ij (u, v) para todo (u, v) ∈ U. Logo, pela fórmula de Gauss (19),

K(X(u, v)) = K(X(u, v)) = K(ϕ(X(u, v))) ,

para todo (u, v) ∈ U. Portanto, K(p) = K(ϕ(p)) para todo p ∈ S. 

O teorema de Gauss é considerado, pela extensão de suas conseqüências, um dos fatos


mais importantes da geometria diferencial. Por exemplo, como o catenóide e o helicóide são
localmente isométricos (ver exemplo 1.2), concluı́mos, pelo teorema de Gauss, que estas su-
perfı́cies possuem curvaturas Gaussianas iguais em pontos correspondentes, um fato que não
é geometricamente trivial.
Em verdade, é um fato extraordinário que um conceito como a curvatura Gaussiana, cuja
definição usa de maneira essencial a posição da superfı́cie no espaço, não dependa desta
posição, mas apenas da estrutura métrica (primeira forma fundamental) da superfı́cie.
Veremos na próxima seção que muitos outros conceitos da geometria diferencial possuem
esta caracterı́stica observada na curvatura Gaussiana, isto é, eles dependem apenas da pri-
meira forma fundamental da superfı́cie. Faz sentido então falar sobre a geometria da primeira
forma fundamental, a qual chamamos geometria intrı́nseca, já que ela pode ser desenvolvida
sem qualquer referência ao espaço que contém a superfı́cie, uma vez dada a primeira forma
fundamental.
Voltando aos nossos cálculos, obtemos, igualando os coeficientes de Xu em (18), que:

1 1 2 1 2 1
(Γ12 )u − (Γ11 )v + Γ12 Γ12 − Γ11 Γ22 = ea12 − fa11
eg − f2
 gF − fG   fF − eG 
= e 2
− f 2
= 2
F = KF.
EG − F EG − F EG − F

Quando F 6= 0, essa equação nos dá outra maneira de expressar a curvatura Gaussiana K em
função dos sı́mbolos de Christoffel.
Igualando também em (18) os coeficientes de N, obtemos C1 = 0 na forma

1 2 1 2
ev − fu = eΓ12 + f(Γ12 − Γ11 ) − gΓ11 . (20)

Aplicando o mesmo método à expressão (Xvv )u − (Xvu )v = 0, obtemos:

1 2 1 1 2 2 1 2
(Γ22 )u Xu + (Γ22 )u Xv + gu N + Γ22 (Γ11 Xu + Γ11 Xv + eN) + Γ22 (Γ21 Xu + Γ21 Xv + fN) + g(a11 Xu + a21 Xv )
1 2 1 1 2 2 1 2
= (Γ21 )v Xu + (Γ21 )v Xv + fv N + Γ21 (Γ21 Xu + Γ21 Xv + fN) + Γ21 (Γ22 Xu + Γ22 Xv + gN) + f(a12 Xu + a22 Xv ) .

Instituto de Matemática - UFF 275


Geometria Diferencial

Então as equações A2 = 0 e B2 = 0 nos dão, respectivamente,


1 1 1 2 1 1 1 1 2 1
(Γ22 )u + Γ22 Γ11 + Γ22 Γ21 − (Γ21 )v − Γ21 Γ21 − Γ21 Γ22 = fa12 − ga11
 gF − fG   fF − eG 
= f 2
− g 2
EG − F EG − F
eg − f2
= G = KG,
EG − F2
e
2 1 2 2 2 2 1 2 2 2
(Γ22 )u + Γ22 Γ11 + Γ22 Γ21 − (Γ21 )v − Γ21 Γ21 − Γ21 Γ22 = fa22 − ga21
 fF − gE   eF − fE 
= f 2
−g 2
EG − F EG − F
eg − f2
= − F = −K F ,
EG − F2

que são outras formas da fórmula de Gauss.


E a equação C2 = 0 nos dá:
1 2 1 2
gu − fv = Γ21 f + Γ21 g − Γ22 e − Γ22 f,
ou seja:
1 2 1 2
fv − gu = eΓ22 + f(Γ22 − Γ12 ) − gΓ12 . (21)
As equações (20) e (21) são chamadas equações de Mainardi-Codazzi
Finalmente, aplicando o mesmo processo à última expressão Nuv − Nvu = 0, obtemos:

1 2 1 2
(a11 )v Xu + (a21 )v Xv + a11 (Γ12 Xu + Γ12 Xv + fN) + a21 (Γ22 Xu + Γ22 Xv + gN)
1 2 1 2
= (a12 )u Xu + (a22 )u Xv + a12 (Γ11 Xu + Γ11 Xv + eN) + a22 (Γ12 Xu + Γ12 Xv + fN)

Logo, as equações A3 = 0, B3 = 0, C3 = 0 nos dão, respectivamente:


1 1 1 1
(a11 )v + a11 Γ12 + a21 Γ22 = (a12 )u + a12 Γ11 + a22 Γ12 ;
2 2 2 2
(a21 )v + a11 Γ12 + a21 Γ22 = (a22 )u + a12 Γ11 + a22 Γ12 ;
a11 f + a21 g = a12 e + a22 f .
Pode-se verificar que a expressão A3 = 0 e B3 = 0 são, respectivamente, iguais às equações
(20) e (21) (Exercı́cio), e que C3 = 0 é uma identidade, pois:
a11 f + a21 g = a12 e + a22 f
fF − eG eF − fE gF − fG fF − gE
⇐⇒ f+ g = e+ f
EG − F2 EG − F2 EG − F2 EG − F2
⇐⇒ f2 F − eGf + eFg − fEg = gFe − fGe + f2 F − gEf .

276 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss e as Equações de Compatibilidade

A fórmula de Gauss e as equações de Mainardi-Codazzi são conhecidas como as equações


de compatibilidade da teoria das superfı́cies.

Exemplo 2.2 Seja X : U −→ X(U) uma parametrização de uma superfı́cie S tal que f = F = 0
(=⇒ as curvas coordenadas são linhas de curvatura).
Neste caso, as equações de Mainardi-Codazzi (20) e (21) são escritas, respectivamente, na
forma:
1 2 2 1
ev = eΓ12 − gΓ11 e gu = gΓ12 − eΓ22 .

Como F = 0, temos, por (9), (10) e (11), que:

2 Ev 1 Ev 2 Gu 1 Gu
Γ11 =− , Γ12 = , Γ12 = e Γ22 =− .
2G 2E 2G 2E

Logo, as equações de Mainardi-Codazzi assumem a seguinte forma:

Ev
e g

ev = + , (22)
2 E G

e
G
e g

gu = u + . (23)
2 E G
e g
Além disso, como e são as curvaturas principais (ver observação 3.11 do capı́tulo 4),
E G
temos que:
κ1 + κ2
ev = Ev = H Ev ,
2
e
κ1 + κ2
gu = Gu = H Gu ,
2

onde H é a curvatura média de S em X(u, v). 

É natural questionar se existem outras relações de compatibilidade entre os coeficientes da


primeira e da segunda formas fundamentais além das descritas acima. O teorema abaixo
mostra que a resposta é negativa.
Em outras palavras, por derivações sucessivas ou por qualquer outro processo não se obtém
novas relações entre os coeficientes E, F, G, e, f, g e suas derivadas.
Na verdade, o teorema afirma que o conhecimento da primeira e da segunda formas funda-
mentais determina a superfı́cie localmente.

Instituto de Matemática - UFF 277


Geometria Diferencial

Teorema 2.2 (Bonnet)


Sejam E, F, G, e, f, g : V −→ R funções diferenciáveis definidas num aberto V ⊂ R2 tais que
E > 0, G > 0 e EG − F2 > 0. Suponha que estas funções satisfazem formalmente as equações
de Gauss e de Mainardi-Codazzi. Então, para todo q ∈ V, existem um aberto U ⊂ V, q ∈ U, e
um difeomorfismo X : U −→ X(U) ⊂ R3 tais que a superfı́cie regular X(U) tem E, F, G e e, f, g
como coeficientes da primeira e da segunda formas fundamentais, respectivamente.

Além disso, se U é conexo e X : U −→ X(U) ⊂ R3 é outro difeomorfismo satisfazendo as


mesmas condições, então existem uma translação T : R3 −→ R3 e uma transformação linear
ortogonal R : R3 −→ R3 tais que X = T ◦ R ◦ X.
(Uma demonstração deste teorema pode ser encontrada no apêndice do capı́tulo 4 do Livro Curvas e Superfı́cies
de Manfredo P. Do Carmo).

Exemplo 2.3 (Exercı́cio 1, pag 283)


Mostre que se X : U −→ X(U) é uma parametrização ortogonal, i.e., F = 0, então
    
1 E G
K=− √ √v + √u .
2 EG EG v EG u

De fato, pela fórmula de Gauss (19),

2 2 1 2 1 2 2 2 2 2
−K E = (Γ12 )u − (Γ11 )v + Γ12 Γ11 − Γ11 Γ12 + Γ12 Γ12 − Γ11 Γ22 .

Sendo F = 0 temos, por (9), (10) e (11), que:

1 Eu 2 Ev 1 Ev 2 Gu 1 Gu 2 Gv
Γ11 = , Γ11 =− , Γ12 = , Γ12 = , Γ22 =− , e Γ22 = .
2E 2G 2E 2G 2E 2G

Logo,

E2v G2
G  E  E G E G
u v
−KE = + − − u u + u2 + v 2v
2G u 2G v 4EG 4EG 4G 4G
 
1 G Guu − G2u G Evv − Ev Gv E2v Eu Gu G2u E G
= + − − + + v 2v
2 G2 G2 2EG 2EG 2G2 2G
 
1 2 GE2v GEu Gu EG2u EEv Gv
= EGGuu − EGu + EGEvv − EEv Gv − − + + .
2EG2 2 2 2 2

Então
1 2 2

K=− 2EG(Evv + Guu ) − EGu − EEv G v − GEv − GE u G u . (24)
4E2 G2

278 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Vamos agora desenvolver a expressão:


    
1 E G
− √ √v + √u
2 EG EG v EG u
√ √ √ √ 
1 EGEvv − Ev (Ev G + Gv E)/2 EG EGGuu − Gu (Eu G + EGu )/2 EG
= − √ +
2 EG EG EG
1 1 2 2

= − √ 2EGEvv − E v G − EEv G v + 2EGG uu − GEu Gu − EGu
2 EG 2(EG)3/2
1 2 2

= − 2EG(E vv + G uu ) − EGu − EEv G v − GEv − GEu Gu . (25)
4E2 G2

Assim, por (24) e (25),


    
1 E G
K=− √ √v + √u .
2 EG EG v EG u

3. Transporte Paralelo; Geodésicas

Começamos esta seção com a definição de derivada covariante de um campo de vetores, que
é o análogo, para superfı́cies, da derivação usual de vetores no plano.
Lembramos que um campo de vetores (tangentes) em um aberto V ⊂ S de uma superfı́cie
regular S é uma correspondência ω que associa a cada p ∈ V um vetor ω(p) ∈ Tp S. O campo
de vetores ω é diferenciável em p se para alguma parametrização X : U −→ X(U) ⊂ V de S
em p, as componentes a e b de ω ◦ X = aXu + bXv na base {Xu , Xv } são funções diferenciáveis
em q, onde X(q) = p. O campo de vetores ω é diferenciável em V se é diferenciável em todo
ponto p ∈ V.

Definição 3.1 Seja ω um campo de vetores dife-


renciável em um aberto V de uma superfı́cie regular
S. Sejam p ∈ V e y ∈ Tp S. Considere uma curva
diferenciável α : (−ε, ε) −→ V tal que α(0) = p e
α 0 (0) = y. Seja ω = ω ◦ α : (−ε, ε) −→ R3 a restrição

de ω à curva α. A projeção ortogonal de (0) sobre
dt
o plano tangente Tp S é chamada a derivada covariante
em p do campo ω em relação ao vetor y. Esta deri-
Dω Fig. 10: Derivada covariante de w
vada covariante é denotada por (0) ou Dy ω(p) .
dt

Instituto de Matemática - UFF 279


Geometria Diferencial

Observação 3.1 A derivada covariante Dy ω(p) não depende da curva α e é um conceito


da geometria intrı́nseca, i.e., só depende da primeira forma fundamental.
De fato, seja X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p, com X(u0 , v0 ) = p. Sejam

α(t) = X(u(t), v(t)) ,

com u(0) = u0 , v(0) = v0 , e

ω ◦ X(u, v) = a(u, v)Xu (u, v) + b(u, v)Xv (u, v)

as expressões de α e ω na parametrização X.
Então

ω(t) = ω ◦ α(t) = ω ◦ X(u(t), v(t))


= a(u(t), v(t))Xu (u(t), v(t)) + b(u(t), v(t))Xv (u(t), v(t)) .

Portanto,


(0) = a(u0 , v0 ) (Xuu (u0 , v0 )u 0 (0) + Xuv (u0 , v0 )v 0 (0))
dt
+ b(u0 , v0 ) (Xvu (u0 , v0 )u 0 (0) + Xvv (u0 , v0 )v 0 (0))
0
+ a 0 (0)Xu (u0 , v0 ) + b (0)Xv (u0 , v0 ) ,

onde
a 0 (0) = u 0 (0)au (u0 , v0 ) + v 0 (0)av (u0 , v0 )
e
0
b (0) = u 0 (0)bu (u0 , v0 ) + v 0 (0)bv (u0 , v0 ) .

Assim, sendo q = (u0 , v0 ),


a 0 (0) + a(q)u 0 (0)Γ11
1
(q) + a(q)v 0 (0)Γ12
1
(q) + b(q)u 0 (0)Γ12
1
(q) + b(q)v 0 (0)Γ22
1

(0) = (q) Xu (q)
dt
 0 
+ b (0) + a(q)u 0 (0)Γ11 2
(q) + a(q)v 0 (0)Γ12
2
(q) + b(q)u 0 (0)Γ12
2
(q) + b(q)v 0 (0)Γ22
2
(q) Xv (q) . (26)

Como
y = α 0 (0) = u 0 (0)Xu (q) + v 0 (0)Xv (q) ,

a expressão (26) mostra que (0) depende apenas do vetor y e não da curva α.
dt

Além disso, a expressão (26) mostra que (0) só depende dos coeficientes da primeira
dt
forma fundamental, sendo, portanto, um conceito intrı́nseco.

280 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Observação 3.2 Seja P = plano xy e considere a parametrização X : R2 −→ P de P, dada


por X(u, v) = (u, v, 0). Como E = G = 1 e F = 0, temos por (9), (10) e (11) da seção anterior,
que Γijk = 0, i, j, k = 1, 2, 3.

Seja ω um campo de vetores diferenciável definido num aberto V de P. Então

ω ◦ X(u, v) = a(u, v)Xu (u, v) + b(u, v)Xv (u, v) ,

ou seja,
ω(u, v, 0) = (a(u, v) , b(u, v) , 0) .

Portanto, por (26), sendo ω(u, v) = ω(u, v, 0), y = y1 Xu (u0 , v0 ) + y2 Xv (u0 , v0 ) = (y1 , y2 , 0) e
p = (u0 , v0 , 0), temos:

0
Dy ω(p) = a 0 (0)Xu (u0 , v0 ) + b (0)Xv (u0 , v0 )
= (y1 au (u0 , v0 ) + y2 av (u0 , v0 ), y1 bu (u0 , v0 ) + y2 bv (u0 , v0 ), 0)
= (da(u0 ,v0 ) (y1 , y2 ) , db(u0 ,v0 ) (y1 , y2 ) , 0)
= dω(u0 ,v0 ) (y1 , y2 ) .

Assim, a derivada covariante coincide com a derivada usual de vetores no plano. Isto também
pode ser visto diretamente a partir da definição 3.1. A derivada covariante é, portanto, uma
generalização da derivada usual de vetores no plano.

Uma outra conseqüência da equação (26) é que a definição de derivada covariante pode ser
estendida a um campo de vetores que esteja definido apenas ao longo de uma curva. Mas
antes de tornar clara esta afirmação, precisamos de algumas definições.

Definição 3.2 Uma curva parametrizada α : [0, `] −→ S é a restrição a [0, `] de uma aplicação
diferenciável de (−ε, ` + ε), ε > 0, em S. Se α(0) = p e α(`) = q, dizemos que α liga o ponto p
ao ponto q. E α é regular se α 0 (t) 6= 0 para todo t ∈ [0, `].

Definição 3.3 Seja α : I −→ S uma curva parametrizada em S, onde I = [0, `]. Um campo de
vetores ao longo de α é uma correspondência que associa a cada t ∈ I, um vetor ω(t) ∈ Tα(t) S.
O campo de vetores é diferenciável em t0 ∈ I, se para alguma parametrização X : U −→ X(U),
com α(t0 ) ∈ X(U), as componentes a e b de

ω(t) = a(t)Xu (u(t), v(t)) + b(t)Xv (u(t), v(t)) ,

são diferenciáveis em t0 , onde α(t) = X(u(t), v(t)). O campo ω é diferenciável em I se é


diferenciável em todo t ∈ I.

Instituto de Matemática - UFF 281


Geometria Diferencial

Atividade 3.1 Mostrar que a definição acima independe da parametrização X : U −→ X(U),


com α(t0 ) ∈ X(U).

Exemplo 3.1 Seja α : I −→ S uma curva parametrizada. O campo de vetores tangen-


tes ω(t) = α 0 (t) é diferenciável, pois se X : U −→ X(U) é uma parametrização e α(t) =
X(u(t)), v(t)), então ω(t) = u 0 (t)Xu (u(t), v(t)) + v 0 (t)Xv (u(t), v(t)). 

Atividade 3.2 Se ω é um campo de vetores diferenciável ao longo de uma curva parametri-


zada α : I −→ S, então a aplicação ω : I −→ R3 é diferenciável.

Definição 3.4 Seja ω um campo de vetores diferenciável ao longo da curva parametrizada


Dω(t) dω(t)
α : I −→ S. A derivada covariante, , de ω em t é a projeção ortogonal do vetor
dt dt
sobre o plano tangente Tα(t) S.

Portanto, se X : U −→ X(U) é uma parametrização de S, α(t) = X(u(t), v(t)) e


ω(t) = a(t)Xu (u(t), v(t)) + b(t)Xv (u(t), v(t)) , obtemos, de modo análogo ao que fizemos
anteriormente, que:


(t) = a 0 (t) + a(t)u 0 (t)Γ11
1
(u(t), v(t)) + a(t)v 0 (t)Γ12
1

(u(t), v(t))
dt
+ b(t)u 0 (t)Γ12
1
(u(t), v(t)) + b(t)v 0 (t)Γ22
1

(u(t), v(t)) Xu (u(t), v(t))

+ b 0 (t) + a(t)u 0 (t)Γ11


2
(u(t), v(t)) + a(t)v 0 (t)Γ12
2

(u(t), v(t))

+ b(t)u 0 (t)Γ12
2
(u(t), v(t)) + b(t)v 0 (t)Γ22
2

(u(t), v(t)) Xv (u(t), v(t)) (27)

Observação 3.3 Se duas superfı́cies S1 e S2 são tangentes ao longo de uma curva parame-
trizada α : I −→ S1 ∩ S2 , isto é, Tα(t) S1 = Tα(t) S2 para todo t ∈ I, então a derivada covariante
de um campo ω ao longo de α é a mesma para ambas as superfı́cies.

Observação 3.4 Se α(t) é uma curva parametrizada em S, podemos imaginá-la como a


trajetória de um ponto que se move sobre a superfı́cie. O vetor α 0 (t) é a velocidade e α 00 (t) é
Dα 0
a aceleração de α. A derivada covariante (t) do campo α 0 (t) é a componente tangencial
dt
Dα 0
da aceleração α 00 (t). Intuitivamente, (t) é a aceleração do ponto α(t) vista da superfı́cie S.
dt

Definição 3.5 Um campo de vetores diferenciável ω ao longo de uma curva parametrizada



α : I −→ S é paralelo se (t) = 0 para todo t ∈ I.
dt

282 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Observação 3.5 Quando S é um plano, ω é um


campo de vetores paralelo ao longo de uma curva
parametrizada se, e só se,

Dω dω
(t) = = 0,
dt dt
Fig. 11: Campo ω paralelo ao longo de α
para todo t ∈ I, ou seja, se, e só se, ω é constante
em I, ou ainda, o comprimento do vetor ω(t) e o
ângulo que ele faz com uma direção fixa são constantes.

Proposição 3.1 Sejam ν e ω campos de vetores paralelos ao longo de uma curva para-
metrizada α : I −→ S. Então hν(t) , ω(t)i é constante. Em particular, kν(t)k e kω(t)k são
constantes e o ângulo entre ν(t) e ω(t) é constante.

Prova.
dω dν
Como ν e ω são campos paralelos, (t) e (t) são vetores normais ao plano tangente
dt dt
a S em α(t).
dω dν
Portanto, h (t) , ν(t)i = hω(t) , (t)i = 0 , pois ν(t), ω(t) ∈ Tα(t) S. Logo,
dt dt

d dν dω
hν(t) , ω(t)i = h (t) , ω(t)i + hν(t) , (t)i = 0 ,
dt dt dt

para todo t ∈ I, isto é, hν(t) , ω(t)i é constante em I. 

Exemplo 3.2 Sejam S2 a esfera unitária centrada na origem, p ∈ S2 e v ∈ Tp S, kvk = 1. Seja


π o plano que passa por p e é paralelo aos vetores p e v.

Então π = q ∈ R3 | hq , v ∧ pi = 0 é um plano que passa pelo centro (0, 0, 0) da esfera.
Assim π ∩ S2 é um grande cı́rculo em S2 e α(s) = (cos s) p + (sen s) v, s ∈ [0, 2π], é uma
parametrização deste grande cı́rculo, pois, α(s) ∈ π e kα(s)k = 1 para todo s ∈ [0, 2π], já que
v ⊥ p e kpk = kvk = 1.
Como α 00 (s) = −(cos s) p − (sen s) v = −α(s), temos que α 00 (s) não tem componente tangen-
Dα 0
cial, isto é, (s) = 0. Então α 0 é um campo paralelo ao longo de α.
ds
Este exemplo mostra que sobre uma superfı́cie arbitrária, campos paralelos podem parecer
estranhos à nossa intuição euclidiana. 

Instituto de Matemática - UFF 283


Geometria Diferencial

Fig. 12: Campo paralelo ao longo de um grande cı́rculo de S2

A proposição abaixo mostra que existem campos paralelos ao longo de uma curva parametri-
zada α e que eles são completamente determinados por seus valores em um ponto t0 .

Proposição 3.2 Seja α : I −→ S uma curva parametrizada em S e seja w0 ∈ Tα(t) S, t ∈ I.


Então existe um único campo de vetores paralelo ω ao longo de α tal que ω(t) = w0 .

Prova.
Como foi provado na observação 1.7, existe uma partição P = {t0 = 0 < t1 < . . . < tk = `} do
intervalo [0, `] tal que, para cada i = 1, . . . , k, existe uma parametrização Xi : Ui −→ Xi (Ui ) de
S tal que α([ti−1 , ti ]) ⊂ Xi (Ui ).

Seja i0 ∈ {1, . . . , k} tal que t ∈ [ti0 −1 , ti0 ].

Sendo α(t) = Xi0 (u(t), v(t)) , t ∈ [ti0 −1 , ti0 ], temos que um campo

ω(t) = a(t)Xiu0 (u(t), v(t)) + b(t)Xiv0 (u(t), v(t))

é paralelo ao longo de α|[ti0 −1 ,ti0 ] e


ω(t) = w0 = a0 Xiu0 (u0 , v0 ) + b0 Xiv0 (u0 , v0 ) ,

onde X(u0 , v0 ) = α(t) (⇐⇒ u(t) = u0 e v(t) = v0 ), se, e só se, pela equação (28),

a 0 (t) = − a(t)u 0 (t)Γ11 (u(t), v(t)) + a(t)v 0 (t)Γ12


 1 1
(u(t), v(t))

+b(t)u 0 (t)Γ12 (u(t), v(t)) + b(t)v 0 (t)Γ22


1 1

(u(t), v(t))
(28)
b 0 (t) = − a(t)u 0 (t)Γ11 (u(t), v(t)) + a(t)v 0 (t)Γ12
 2 2
(u(t), v(t))

+b(t)u 0 (t)Γ12 (u(t), v(t)) + b(t)v 0 (t)Γ22


2 2

(u(t), v(t))

e (a(t), b(t)) = (a0 , b0 ).

284 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Como, pelo teorema de existência e unicidade de soluções de equações diferenciais ordinárias


lineares, existe uma única solução (a, b) : [ti0 −1 , ti0 ] −→ R2 de (28) com condição inicial
(a(t), b(t)) = (a0 , b0 ) temos que existe um único campo de vetores diferenciável ωi0 para-
lelo ao longo de α|[ti0 −1 ,ti0 ] tal que ωi0 (t) = w0 .

Partindo dos valores ωi0 (ti0 −1 ) e ωi0 (ti0 ), podemos provar, de modo análogo, que, para cada
i = 1, . . . , k, existe um campo de vetores diferenciável ωi paralelo ao longo de α|[ti−1 ,ti ] tal que
ωi (ti ) = ωi+1 (ti ) para todo i = 1, . . . , k − 1.

Precisamos provar ainda que o campo de vetores ω definido por ω|[ti−1 ,ti ] = ωi , i = 1, . . . , k, é
diferenciável em [0, `].
Seja i ∈ {1, . . . , k − 1}. Pelo teorema de existência e unicidade de soluções de equações
diferenciais ordinárias, existe um único campo diferenciável

ν(t) = c(t)Xiu (u(t), v(t)) + d(t)Xiv (u(t), v(t)) ,

onde α(t) = Xi (u(t), v(t)), para todo t ∈ [ti − ε, ti + ε] ⊂ (0, `), paralelo ao longo de α|[ti −ε,ti +ε]
tal que ν(ti ) = ωi (ti ) = ωi+1 (ti ).
Logo, pela unicidade da solução em [ti − ε, ti ] e em [ti , ti + ε], respectivamente, temos que
ωi = ν em [ti − ε, ti ] e ωi+1 = ν em [ti , ti + ε].

Assim, o campo ω é diferenciável em [0, `], paralelo ao longo de α e ω(t) = w0 , e é o único


campo que satisfaz essas três propriedades. 

Observação 3.6 Daremos outra demonstração deste resultado mais adiante nesta seção.

A proposição 3.2 nos permite falar de transporte paralelo de um vetor ao longo de uma curva
parametrizada.

Definição 3.6 Sejam α : I −→ S uma curva parametrizada e w0 ∈ Tα(t0 ) S, t0 ∈ I. Seja ω


o campo de vetores paralelo ao longo de α com ω(t0 ) = w0 . O vetor ω(t), t ∈ I, é chamado
transporte paralelo de w0 ao longo de α no ponto t.

Observação 3.7 Se α : I −→ S é uma curva regular, então o transporte paralelo não de-
pende da parametrização regular de α(I).
De fato, seja β = α ◦ h : J −→ S uma reparametrização de α com h 0 (s) 6= 0 para todo s ∈ J.
d(ω ◦ h) dω D(ω ◦ h) Dω
Como (s) = (h(s)) h 0 (s), temos que (s) = (h(s))h 0 (s).
ds dt ds dt

Instituto de Matemática - UFF 285


Geometria Diferencial

D(ω ◦ h) Dω
Logo, (s) = 0 se, e só se, (h(s)) = 0, já que h 0 (s) 6= 0. Assim, ω é paralelo ao
ds dt
longo de α se, e só se, ω ◦ h é paralelo ao longo de β = α ◦ h.

Observação 3.8 Sejam p, q ∈ S e α : [0, `] −→ S uma curva parametrizada tal que α(0) = p
e α(`) = q.
Considere a aplicação Pα : Tp S −→ Tq S que associa a cada v ∈ Tp S o seu transporte paralelo
ao longo de α em q. Então Pα é uma isometria.
De fato, sejam v0 , w0 ∈ Tp S e ν, ω os campos paralelos ao longo de α tais que ν(0) = v0 e
ω(0) = w0 .
Então, pela proposição 3.1, hν(t) , ω(t)i é constante em I. Em particular,

hv0 , w0 i = hν(0) , ω(0)i = hν(`) , ω(`)i = hPα (v0 ) , Pα (w0 )i .

Observação 3.9 Se duas superfı́cies S1 e S2 são tangentes ao longo de uma curva parame-
trizada α e w0 ∈ Tα(t0 ) S1 = Tα(t0 ) S2 , então, ω é o transporte paralelo de w0 relativo à superfı́cie
S1 se, e só se, ω é o transporte paralelo de w0 relativo à superfı́cie S2 .

De fato, como a derivada covariante de ω é a mesma para ambas as superfı́cies, a afir-
dt
mativa segue da unicidade do transporte paralelo.

Observação 3.10 Sejam S e S superfı́cies regulares, α : I −→ S uma curva parametrizada


e ω o campo paralelo ao longo de α tal que ω(t0 ) = w0 , t0 ∈ I. Se F : S −→ S é uma
isometria, então ω(t) = dFα(t) (ω(t)) é o transporte paralelo ao longo de β = F ◦ α tal que
ω(t0 ) = dFα(t0 ) (w0 ).

De fato, ω(t) = dFα(t) (ω(t)) ∈ TF ◦α(t) S = Tβ(t) S, para todo t ∈ I, e


 Dω 
(t) = dFα(t) (t) ,
dt dt

pois se X : U −→ X(U) é uma parametrização de S,

α(t) = X(u(t), v(t)) , e ω(t) = a(t)Xu (u(t), v(t)) + b(t)Xv (u(t), v(t)) ,

então X = F ◦ X : U −→ F(X(U)) é uma parametrização de S, β(t) = F ◦ α(t) = X(u(t), v(t)),


E = E, F = F, G = G e

ω(t) = dFα(t) (ω(t))


= a(t)dFα(t) (Xu (u(t), v(t))) + b(t)dFα(t) (Xv (u(t), v(t)))

= a(t)Xu (u(t), v(t)) + b(t)Xv (u(t), v(t)) .

286 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Portanto, pela expressão (26),


 Dω 
dFα(t) (t) = a 0 (t) + a(t)u 0 (t)Γ11
1
(u(t), v(t)) + a(t)v 0 (t)Γ12
1
(u(t), v(t))
dt
+ b(t)u 0 (t)Γ12
1
(u(t), v(t)) + b(t)v 0 (t)Γ22
1

(u(t), v(t)) dFα(t) (Xu (u(t), v(t)))

+ b 0 (t) + a(t)u 0 (t)Γ11


2
(u(t), v(t)) + a(t)v 0 (t)Γ12
2
(u(t), v(t))

+ b(t)u 0 (t)Γ12
2
(u(t), v(t)) + b(t)v 0 (t)Γ22
2

(u(t), v(t)) dFα(t) (Xv (u(t), v(t)))

= (t) ,
dt
pois

Xu (u(t), v(t)) = dFα(t) (Xu (u(t), v(t))) , Xv (u(t), v(t)) = dFα(t) (Xv (u(t), v(t)))
k
e Γ ij = Γijk em U, para todos i, j, k = 1, 2, 3 .

Dω Dω
Assim, = 0 em I se, e só se, = 0 em I.
dt dt

Observação 3.11 (Envoltória de uma famı́lia de planos tangentes ao longo de uma curva
de uma superfı́cie)

Sejam S uma superfı́cie regular orientada com orientação N : S −→ S2 e α : I −→ S uma curva


regular em S.
Suponha que α 0 (s) não é uma direção assintótica de S em α(s), para todo s ∈ I.
0
Se N(s) = N ◦ α(s), temos que N (s) = dNα(s) (α 0 (s)) 6= 0, para todo s ∈ I, pois α 0 (s) não é
uma direção assintótica para todo s.

Considere a superfı́cie regrada X : I × R −→ R3 , dada por


0
N(s) ∧ N (s)
X(s, v) = α(s) + v 0 .
kN (s)k

Afirmação: X é regular em uma vizinhança de v = 0, é tangente a S ao longo de v = 0 e tem


curvatura Gaussiana zero.
De fato, como
0
0 N(s) ∧ N (s)
Xs (s, 0) = α (s) e Xv (s, 0) = 0 ,
kN (s)k
temos que
0 0
N(s) ∧ N (s)
 
hα 0 (s) , N (s)i N(s)
(Xs ∧ Xv )(s, 0) = α (s) ∧
0
0 = 0 N(s) = − IIα(s) (α 0 (s)) 0 6= 0 ,
kN (s)k kN (s)k kN (s)k

Instituto de Matemática - UFF 287


Geometria Diferencial

para todo s ∈ I (lembre que (u ∧ v) ∧ w = hu , wi v − hv , wiu).


Então X é regular numa vizinhança V de v = 0.
Além disso, como (Xs ∧ Xv )(s, 0) k N(α(s)), X é tangente a S ao longo de α.
Vamos mostrar agora que K(s, v) = 0 para todo (s, v) ∈ V.
Como Xvv (s, v) = 0, temos que

g(s, v) = hXvv (s, v) , N(s,


e v)i = 0 ,

Xs ∧ Xv
onde N(s,
e v) = (s, v) é o vetor normal unitário à superfı́cie parametrizada X em
kXs ∧ Xv k
X(u, v).
0 0
N(s) ∧ N (s)

Sendo Xsv (s, v) = 0 e
kN (s)k
"
0  0# 0
!
N(s) ∧ N (s) N(s) ∧ N (s)

1
N(s,
e v) = α 0 (s) + v ∧ ,
kXs ∧ Xv k 0
kN (s)k kN (s)k
0

temos que:

f(s, v) = hXsv (u, v) , N(s,


e v)i
0 0 0
N(s) ∧ N (s) N(s) ∧ N (s)

1
= hα 0 (s) ∧ , i
kXs ∧ Xv k 0
kN (s)k
0
kN (s)k
0 0 0
N(s) ∧ N (s)

1 hα 0 (s) , N (s)i
= h N(s) , i
kXs ∧ Xv k 0
kN (s)k
0
kN (s)k
0 0 0
N(s) ∧ N (s)

1 hα 0 (s) , N (s)i
= − h N(s) , i
kXs ∧ Xv k 0
kN (s)k kN (s)k
0

"
0 0 0
1 hα 0 (s) , N (s)i N(s) ∧ N (s)
= − h N(s) , i
kXs ∧ Xv k 0
kN (s)k kN (s)k
0

0 0
N(s) ∧ N (s)

hα 0 (s) , N (s)i 0
+h 0 N (s) , 0 i = 0,
kN (s)k kN (s)k

pois
0
hα 0 (s) , N(s)i 0 N(s) ∧ N (s)
h 0 N (s) , 0 i = 0.
kN (s)k kN (s)k

eg − f2
Logo, K(s, v) = (u, v) = 0 para todo (u, v) ∈ V.
EG − F2

288 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Para finalizar, daremos uma interpretação geométrica da superfı́cie X.


Considere a famı́lia {Tα(s) S} de planos tangentes à superfı́cie S ao longo da curva α(s). Se ∆s
é pequeno, os dois planos Tα(s) S e Tα(s+∆s) S da famı́lia intersectam-se ao longo de uma reta
N(s) ∧ N(s + ∆s)
paralela ao vetor .
∆s
Fazendo ∆s −→ 0, esta reta se aproxima de uma posição limite paralela ao vetor

N(s) ∧ N(s + ∆s) N(s + ∆s) − N(s) 0


lim = lim N(s) ∧ = N(s) ∧ N (s) .
∆s→0 ∆s ∆s→0 ∆s

Isto significa que as geratrizes de X são as posições limites da intersecção de planos vizinhos
da famı́lia {Tα(s) }. A superfı́cie X é chamada a envoltória da famı́lia de planos tangentes de S
ao longo de α(s).

Exemplo 3.3 Seja α : I −→ S2 um paralelo da esfera unitária S2 centrada na origem.


Afirmação: Se α(s) = (cos s, sen s, 0) é um equador de S2 , então
a envoltória de planos tangentes de S2 ao longo de α é um cilin-
dro.
0
De fato, como N(s) = α(s), temos que N (s) = (− sen s, cos s, 0).
0
Logo, N(s) ∧ N (s) = (0, 0, 1). Portanto,

0
N(s) ∧ N (s)
X(s, v) = α(s) + v 0 = (cos s, sen s, v)
kN (s)k

que é uma parametrização do cilindro x2 + y2 = 1.


Fig. 13: A envoltória de α é um cilindro
Afirmação: Se

q q 
2 2
α(s) = 1 − z0 cos s , 1 − z0 sen s , z0 , 0 < z0 < 1 ,

é um paralelo contido no plano z = z0 , então a envoltória de planos tangentes de S2 ao longo


de α é um cone.
De fato, como N(s) = α(s), temos que

 q q 
0 2 2
N (s) = − 1 − z0 sen s , 1 − z0 cos s , 0 .

Instituto de Matemática - UFF 289


Geometria Diferencial

Então
 q q 
2 2 2
0 −z0 1 − z0 cos s , −z0 1 − z0 sen s , 1 − z0
N(s) ∧ N (s)
 q 
2
0 = q = −z0 cos s , −z0 sen s , 1 − z0 .
kN (s)k 1 − z20

Portanto
0
N(s) ∧ N (s)
X(s, v) = α(s) + v 0
kN (s)k
q q   q 
= 1− z20 2 2
cos s , 1 − z0 sen s , z0 + v −z0 cos s , −z0 sen s , 1 − z0
q  q  q 
2 2 2
= 1 − z0 − vz0 cos s , 1 − z0 − vz0 sen s , z0 + v 1 − z0 .

Assim, X é uma parametrização do cone de revolução obtido


girando a reta
 q q 
0 , 1 − z0 − vz0 , z0 + v 1 − z0 | v ∈ R
2 2

em torno do eixo Oz. Como a reta corta o eixo Oz no ponto


 
1 z
0, 0, e faz um ângulo ϕ, tal que tan ϕ = q 0 e
z0
1 − z20
 
π 1
0 < ϕ < , com este eixo, temos que 0, 0, é o vértice
2 z0 Fig. 14: A envoltória de α é um cone
e
 2  2
2 2 1 2 z20 1
x + y = (tan ϕ) z − = z−
z0 1 − z20 z0

é a equação do cone. 

Exemplo 3.4 Seja C um paralelo de colatitude ψ (0 < ψ < π/2) da esfera unitária S2 ori-
entada com a orientação N(p) = p, e seja w0 um vetor unitário tangente a C em um ponto
p0 ∈ C.

Seja α : I −→ S2 ,
s + s0 s + s0
 
α(s) = cos ϕ cos , cos ϕ sen , sen ϕ ,
cos ϕ cos ϕ

uma parametrização pelo comprimento de arco de C com α(0) = p0 e α 0 (0) = w0 , onde


s0 s0
 
p0 = cos ϕ cos , cos ϕ sen , sen ϕ .
cos ϕ cos ϕ

290 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Vamos determinar o transporte paralelo de w0 ao longo de C.

Considere o cone S que é tangente à esfera ao longo de C


 
1
(ver observação 3.11 e exemplo 3.3). Então 0, 0, é
cos ψ
o vértice, pois C está contido no plano z = cos ψ = sen ϕ, e
π
ϕ= − ψ é o ângulo no vértice do cone.
2

Como S é tangente à esfera ao longo de C, basta determinar


(ver observação 3.9) o transporte paralelo de w0 ao longo de Fig. 15: Cone tangente a S2 ao longo de C

C no cone S.
Por outro lado, o cone menos uma geratriz é isométrico ao
aberto
U = { (ρ cos θ , ρ sen θ , 0) | ρ ∈ (0, ∞) e θ ∈ (0, 2π sen ϕ) }
do plano xy.

Sejam G a isometria entre o cone menos uma geratriz e o aberto U, onde G = F−1 e

θ θ 1
     
F(ρ cos θ, ρ sen θ, 0) = ρ sen ϕ cos , ρ sen ϕ sen , −ρ cos ϕ + ,
sen ϕ sen ϕ sen ϕ

e 0 = dGp0 (w0 ) = β 0 (0). Observe que


β=G◦αew

β(s) = ( cotg ϕ cos(tan ϕ(s + s0 )) , cot ϕ sen(tan ϕ (s + s0 )) , 0 ) .

Fig. 16: Transporte paralelo de w


e 0 ao longo de β

Como no plano o transporte paralelo de w e 0 ao longo de β é constante, temos que o ângulo


0
orientado formado pelo vetor tangente β (s) e o transporte paralelo w
e 0 é 2π − θ, onde β(s) é
obtido girando o ponto β(0) em torno da origem de um ângulo θ no sentido anti-horário.

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Geometria Diferencial

Sendo que a isometria preserva ângulo e transporte paralelo (ver observação 3.10), temos que
o transporte paralelo de w0 ao longo de α em s é o vetor unitário que faz um ângulo orientado
2π − θ com α 0 (s).

Fig. 17: Transporte paralelo de w0 ao longo de α

θ
Então, ao girarmos o ponto p0 ao longo de α de um ângulo ξ = ∈ [0, 2π], o ângulo
sen ϕ
formado por α 0 (s) e o transporte paralelo ω(s) é 2π − θ = 2π − ξ sen ϕ (Figura 17).
Portanto, após completar uma volta, o ângulo entre α 0 (0) = w0 e o transporte paralelo ω(2π)
é 2π − 2π sen ϕ = 2π(1 − cos ψ). 

Observação 3.12 Se α é um equador da esfera, então ω(s) = α 0 (s), pois, neste caso, α 0 é
um campo paralelo ao longo de α (ver exemplo 3.2).

Definição 3.7 Uma aplicação α : [0, `] −→ S é uma curva parametrizada regular por partes
se α é contı́nua e se existe uma partição {t0 = 0 < t1 < . . . < tk < tk−1 = `} do intervalo [0, `]
tal que a restrição α|[ti ,ti+1 ] , i = 0, . . . , k, é uma curva parametrizada regular. Cada α|[ti ,ti+1 ] é
chamada um arco regular de α.

Observação 3.13 A noção de transporte paralelo pode ser estendida a uma curva parame-
trizada regular por partes.
De fato, se w0 ∈ Tα(t 0 ) S e t 0 ∈ [ti , ti+1 ], realizamos o transporte paralelo de w0 ao longo do
arco regular α|[ti ,ti+1 ] . Se ti+1 6= `, tomamos ω(ti+1 ) como o valor inicial para o transporte
paralelo ao longo do arco α|[ti+1 ,ti+2 ] ; e se ti 6= 0, tomamos o transporte paralelo de ω(ti ) ao
longo do arco α|[ti−1 ,ti ] .

292 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Prosseguindo desta maneira, obtemos um campo de vetores ω contı́nuo em [0, `] tal que
Dω|[ti ,ti+1 ]
ω|[ti ,ti+1 ] é diferenciável e = 0 para todo i = 0, . . . , k.
dt

Observação 3.14 As curvas parametrizadas não-constantes γ : I −→ R2 do plano ao longo


das quais o campo de vetores tangentes γ 0 (t) é paralelo são as retas deste plano.
De fato, o campo ω(t) = α 0 (t), t ∈ I, é paralelo ao longo de α se, e só se,


(t) = ω 0 (t) = α 00 (t) = 0 .
dt

Ou seja, se, e só se, α(t) = vt + A, t ∈ I, onde α 0 (t) = v 6= 0.

Definição 3.8 Uma curva parametrizada não-constante γ : I −→ S é uma geodésica em


t0 ∈ I se o campo de vetores tangentes γ 0 (t) é paralelo ao longo de α em t0 , isto é,

Dγ 0
(t0 ) = 0 .
dt

γ é uma geodésica se é geodésica em todo t ∈ I.

Portanto, pela proposição 3.1, kα 0 (t)k = c 6= 0 para todo t ∈ I. Assim, o parâmetro t de uma
geodésica parametrizada γ é proporcional ao comprimento de arco, s(t) = ct, de γ.

Observação 3.15 Uma geodésica parametrizada pode ter auto-intersecções, mas é sem-
pre regular.

Definição 3.9 Uma curva regular conexa C ⊂ S é uma geodésica se, para todo p ∈ C, uma
parametrização pelo comprimento de arco γ : I −→ γ(I) ⊂ C de C em p é uma geodésica
parametrizada, isto é, γ 0 (s) é um campo de vetores paralelo ao longo de α.

Observação 3.16 De um ponto de vista exterior à superfı́cie, a definição 3.8 é equivalente


a dizer que γ 00 (s) = κ(s) n(s) é normal ao plano tangente, isto é, paralela à normal à superfı́cie
em α(s).
Então, uma curva regular conexa C ⊂ S, com κ(p) 6= 0 para todo p ∈ C, é uma geodésica se,
e só se, seu vetor normal n(p) em cada ponto p é paralelo ao vetor normal N(p) a S em p.

Observação 3.17 Toda reta r contida em uma superfı́cie S é uma geodésica de S, pois
γ 00 (s) = 0 para todo s ∈ I, onde γ : I −→ S é uma parametrização pelo comprimento de arco
de r.

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Geometria Diferencial

Exemplo 3.5 Os grandes cı́rculos são as únicas geodésicas da esfera SR (A) de centro A e
raio R > 0.
De fato, os grandes cı́rculos C de SR (A) são obtidos intersectando a esfera com um plano que
passa pelo centro A da esfera.
A normal n(p) a C em p está na direção da reta que liga o ponto p ao centro A, pois C é
um cı́rculo de centro A. Como SR (A) é uma esfera, a normal N(p) à esfera em p está nesta
mesma direção, o que prova que C é uma geodésica.
Temos também que para cada p ∈ SR (A) e cada v ∈ Tp SR (A), existe um grande cı́rculo que
passa por p e é tangente a v neste ponto.
Para verificar esta afirmação, basta tomar o grande cı́rculo C = SR (A) ∩ π, onde

π = { X ∈ R3 | hX − A , v ∧ (p − A)i = 0 }

é o plano que passa por A (e por p) e é paralelo aos vetores v e p − A.


Com efeito, neste caso C é um grande cı́rculo que passa por p e é tangente a v em p, pois v é
a única direção que é paralela ao plano π e ao plano tangente a SR (A) em p ao mesmo tempo,
já que p − A é normal à esfera em p.

Fig. 18: Cı́rculo C = SR (A) ∩ π

Provaremos mais adiante nesta seção o fato geral de que para cada ponto p ∈ S e cada direção
em Tp S existe exatamente uma geodésica C ⊂ S passando por p e tangente a esta direção.

Portanto, pelo visto acima, os grandes cı́rculos são as únicas geodésicas de uma esfera. 

Exemplo 3.6 Vamos determinar as geodésicas do cilindro C : x2 + y2 = 1.


Todo meridiano do cilindro (reta paralela ao eixo Oz) é uma geodésica, pois, pela observação
3.17, toda reta contida numa superfı́cie é uma geodésica.

294 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Por outro lado, todo paralelo do cilindro é uma geodésica.


De fato, como α(s) = (cos s, sen s, z0 ) é uma parametrização pelo comprimento de arco do
paralelo C ∩ {z = z0 }, temos que α 00 (s) = (− cos s, − sen s, 0) é paralelo ao vetor normal ao
cilindro em α(s), pois N(x, y, z) = (x, y, 0). é um vetor normal unitário a C em (x, y, z).
Antes de determinar as outras geodésicas do cilindro precisamos do seguinte resultado:
Se F : S1 −→ S2 é uma isometria e α : I −→ S1 é uma geodésica de S1 , então β = F ◦ α é uma
geodésica de S2 .
De fato, como β 0 (s) = dFα(s) (α 0 (s)), temos, pela observação 3.17, que
 
Dβ 0 Dα 0
(s) = dFα(s) (s) = 0,
ds ds

para todo s ∈ I.
Para verificar a existência de outras geodésicas C no cilindro que passam por um ponto
p = (cos u0 , sen u0 , v0 ) ∈ C, consideremos a parametrização

X : (u0 − π, u0 + π) × R −→ C − {meridiano u = u0 − π}

dada por
X(u, v) = (cos u, senu, v) ,

onde X(u0 , v0 ) = p. Nesta parametrização, uma vizinhança de p em C é expressa por


α(s) = X(u(s), v(s)), onde s é o comprimento de arco e α(0) = X(u(0), v(0)) = X(u0 , v0 ) = p.

Fig. 19: Hélice α

Como X é uma isometria (E = G = 1 e F = 0), temos, pela observação feita acima, que α é
uma geodésica do cilindro parametrizada pelo comprimento de arco com α(0) = p se, e só se,
β(s) = (u(s), v(s)) é uma geodésica do plano parametrizada pelo comprimento de arco que
passa pelo ponto β(0) = (u0 , v0 ).

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Geometria Diferencial

Portanto, β(s) = (as + u0 , bs + v0 ), com a2 + b2 = 1, isto é, β(I) é um segmento de reta que
passa por (u0 , v0 ).
• Se a = 0, β(s) = (u0 , ±s + v0 ), portanto, α(s) = (cos u0 , sen u0 , ±s + v0 ) é um meridiano.
• Se b = 0, β(s) = (±s+u0 , v0 ), portanto, α(s) = (cos(±s+u0 ), sen(±s+u0 ), v0 ) é um paralelo.
2πb
• Se a 6= 0 e b 6= 0, α(s) = (cos(as + u0 ), sen(as + u0 ), bs + v0 ) é uma hélice de passo .
a 

Observação 3.18 Se dois pontos p e q pertencem a um mesmo paralelo, então os dois


arcos deste paralelo são as únicas geodésicas do cilindro que ligam p e q.

Observação 3.19 Se dois pontos p e q não pertencem a um mesmo paralelo, então eles
podem ser ligados por um número infinito de geodésicas, em contraste com o que o corre no
plano, onde dois pontos quaisquer são ligados por uma única geodésica (isto é, por uma única
reta).
De fato, sejam p = X(u0 , v0 ) = (cos u0 , sen u0 , v0 ) e q = X(u1 , v1 ) = (cos u1 , sen u1 , v1 ),
onde u1 ∈ (u0 − π, u0 + π) e v0 6= v1 .
 π π
2 2
Sejam a, b ∈ R, com a + b = 1, e s1 ∈ − , , tais que (as1 + u0 , bs1 + v0 ) = (u1 , v1 ). Isto
a a
é, (a, b) é o vetor unitário paralelo à única reta no plano que liga os pontos (u0 , v0 ) e (u1 , v1 ).
Portanto, se p e q não estão no mesmo meridiano, existe uma única hélice que liga os pontos
p e q antes de completar uma volta.
Sejam
2πn + s1 a bs1
An = q e Bn = q ,
(2πn + s1 a)2 + b2 s21 (2πn + s1 a)2 + b2 s21

onde n = 0, 1, 2, . . . , e seja a hélice αn : R −→ C dada por:

αn (s) = (cos(An s + u0 ) , sen(An s + u0 ) , Bn s + v0 ) .

Então αn (0) = p e αn (sn ) = q, onde

 
bs 2πn + as1 2πn as as1 π π
sn = 1 = = + 1 e ∈ − , .
Bn An An An An An An

Logo, a hélice αn só passa pelo ponto q após completar n voltas.

296 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Fig. 20: Hélices α1 e α2

Observação 3.20 No plano, as geodésicas (isto é, as retas) são também caracterizadas
como sendo as curvas regulares de curvatura zero.
No plano, associamos a uma curva α(s) = (x(s), y(s), 0) parametrizada pelo comprimento de
arco, uma curvatura com sinal
κ(s) = hα 00 (s) , n(s)i ,

onde n(s) = (−y 0 (s), x 0 (s), 0) é o vetor normal a α em s tal que { α 0 (s), n(s), (0, 0, 1) } é uma
base positiva de R3 . O sinal de κ depende da orientação da curva e do plano (N = (0, 0, 1)).

Por analogia com o plano, definiremos a seguir a curvatura geodésica de uma curva regular
numa superfı́cie S cujo sinal depende da orientação da curva e da superfı́cie, e caracterizare-
mos as geodésicas como sendo as curvas que possuem curvatura geodésica nula em todos
os seus pontos.

Definição 3.10 Seja ω um campo diferenciável de vetores unitários ao longo de uma curva
parametrizada α : I −→ S sobre uma superfı́cie orientada S.
Como kω(t)k = 1 para todo t ∈ I, temos que hω 0 (t) , ω(t)i = 0 para todo t ∈ I. Portanto,

(t) é paralelo ao vetor N(t) ∧ ω(t), isto é, existe λ(t) ∈ R, tal que
dt


(t) = λ(t) (N(t) ∧ ω(t)) ,
dt

onde N(t) = N ◦ α(t).


h Dω i
O número real λ(t) denotado por (t) , é chamado valor algébrico da derivada covariante
dt
de ω em t.

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Geometria Diferencial

h Dω i dω Dω
Observação 3.21 λ(t) = (t) (t) = h (t) , N(t) ∧ ω(t)i, pois (t) é a componente
dt dt dt

tangente de (t) e N(t) ∧ ω(t) é um vetor tangente a S em α(t).
dt


Observação 3.22 ω(t) , N(t) ∧ ω(t) , N(t) é uma base positiva de R3 , isto é,

det ω(t) , N(t) ∧ ω(t) , N(t) = 1 .




h Dω i
Observação 3.23 O valor algébrico depende da orientação de S e de α.
dt

Observação 3.24 As definições de derivada covariante, transporte paralelo e geodésica


não dependem da orientação de S.

Definição 3.11 Seja C uma curva regular orientada contida em uma superfı́cie orientada S,
e seja α : I −→ C uma parametrização de C, numa vizinhança de p ∈ C, pelo comprimento de
 
Dα 0
arco positivamente orientada. O valor algébrico (s) = κg (s) da derivada covariante de
ds
0
α em s é chamada curvatura geodésica de C em p, onde α(s) = p.

Observação 3.25 As geodésicas são as curvas regulares em S que têm curvatura geodésica
nula em todos os seus pontos.

Observação 3.26 A curvatura geodésica de C muda de sinal se mudarmos a orientação de


S ou de C.

Observação 3.27 Pela observação 3.22, κg (s) = hα 00 (s) , N(s) ∧ α 0 (s)i. Portanto, como a
curvatura normal de α em s é κn (s) = hα 00 (s) , N(s)i, temos que

α 00 (s) = κg (s) N(s) ∧ α 0 (s) + κn (s)N(s) .

Então
κ(s)2 = kα 00 (s)k2 = κg (s)2 + κn (s)2 .

Assim, de um ponto de vista externo à superfı́cie, o valor absoluto da curvatura geodésica κg (s)
de C em p = α(s) é o valor absoluto da componente tangencial do vetor α 00 (s) = κ(s) n(s), e o
valor absoluto da curvatura normal κn (s) de C em p é o valor absoluto da componente normal
do vetor α 00 (s) = κ(s)n(s), onde κ é a curvatura de C em p e n é o vetor normal a C em p.

298 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

Fig. 21: |κg | é o valor absoluto da componente tangencial de α 00

Exemplo 3.7 Seja C o paralelo de colatitude ϕ, 0 < ϕ < π, na


1
esfera unitária centrada na origem S2 . Como κ = e |κn | = 1
sen ϕ
(pois κ1 = κ2 = 1 para a orientação N(p) = −p em S2 ), temos que:
1
)2 = 1 + κ2g .
(sen ϕ

Ou seja,
Fig. 22:
1 1 − sen2 ϕ cos2 ϕ
κ2g = −1 + = = = cotg2 ϕ .
(sen ϕ)2 sen2 ϕ sen2 ϕ

Portanto, os paralelos têm curvaturas geodésicas constantes.

Tomando S2 com a orientação N(p) = p, p ∈ S2 , e o paralelo C


com a orientação dada na figura ao lado, temos que

κg (s) = cotg ϕ .

π
Em particular, se ϕ = , isto é, se C é um grande cı́rculo, κg ≡ 0,
2
ou seja, C é uma geodésica. 
Fig. 23:

Vamos agora obter uma expressão para o valor algébrico da deri-


vada covariante. Para isto, precisamos de alguns preliminares.
Seja α : I −→ S uma curva parametrizada, e sejam v, w dois campos diferenciáveis de vetores
unitários ao longo de α.

Seja v(t) = N(t) ∧ v(t). Então { v(t), v(t) } é uma base ortonormal positiva de Tα(t) S para todo
t ∈ I. Assim, ω(t) pode ser expresso como
ω(t) = a(t)v(t) + b(t)v(t) .

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Geometria Diferencial

onde a, b : I −→ R são funções diferenciáveis com a2 + b2 = 1.

Então, fixada uma determinação ϕ0 do ângulo de v(t0 )


a ω(t0 ) (i.e., cos ϕ0 = a(t0 ) e sen(ϕ0 ) = b(t0 )), existe
uma única função ângulo ϕ : I −→ R diferenciável tal que
ϕ(t0 ) = ϕ0 e a(t) = cos ϕ(t), b(t) = sen ϕ(t) para todo
t ∈ I.
Podemos agora relacionar a derivada covariante de dois
campos de vetores unitários ao longo de uma curva com Fig. 24:

a variação do ângulo formado por eles.

Lema 3.1 Sejam ν e ω dois campos diferenciáveis de vetores unitários ao longo da curva
α : I −→ S. Então
h Dω i h Dν i dϕ
− = ,
dt dt dt
onde ϕ(t) é uma determinação diferenciável do ângulo de ν(t) a ω(t), na orientação de S.

Prova.
Sejam N = N ◦ α(t), ν(t) = N(t) ∧ ν(t), ω(t) = N(t) ∧ ω(t) e ϕ : I −→ R uma determinação
diferenciável do ângulo de ν(t) a ω(t) na orientação de S, isto é,
ω(t) = cos ϕ(t) ν(t) + sen ϕ(t) ν(t) .
Portanto,
ω(t) = N(t) ∧ ω(t) = cos ϕ(t) N(t) ∧ ν(t) + sen ϕ(t)N(t) ∧ ν(t) = cos ϕ(t)ν(t) − sen ϕ(t)ν(t) ,
e
ω 0 (t) = −(sen ϕ(t))ϕ 0 (t)ν(t) + (cos ϕ(t))ϕ 0 (t)ν(t) + cos ϕ(t)ν 0 (t) + sen ϕ(t)ν 0 (t) .
h Dω i
Como (t) = hω 0 (t) , ω(t)i, temos que:
dt
h Dω i
(t) = h −ϕ 0 (t)ν(t) sen ϕ(t) + ϕ 0 (t)ν(t) cos ϕ(t) + ν 0 (t) cos ϕ(t) + ν 0 (t) sen ϕ(t) ,
dt
ν(t) cos ϕ(t) − ν(t) sen ϕ(t) i

= (sen ϕ(t))2 ϕ 0 (t) + (cos ϕ(t))2 ϕ 0 (t) + (cos ϕ(t))2 hν 0 (t) , ν(t)i
− (sen ϕ(t))2 hν 0 (t) , ν(t)i
= ϕ 0 (t) + hν 0 (t) , ν(t)i
h Dν i
= ϕ 0 (t) + (t) ,
dt

300 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

pois
hν(t) , ν 0 (t)i = hν(t) , ν 0 (t)i = 0 e hν 0 (t) , ν(t)i = −hν 0 (t) , ν(t)i ,
já que
hν(t) , ν(t)i = hν(t) , ν(t)i = 1 e hν(t) , ν(t)i = 0 ,
para todo t ∈ I.
Assim,
h Dω i h Dν i
(t) − (t) = ϕ 0 (t) .
dt dt


Observação 3.28 Sejam C uma curva regular orientada em S, α : I −→ C uma parametri-


zação pelo comprimento de arco de C em p positivamente orientada e ν um campo paralelo
de vetores unitários ao longo de α. Então, tomando ω(s) = α 0 (s), obtemos, pelo lema acima,
que
 
Dα 0 dϕ
κg (s) = (s) = (s) .
ds ds

Ou seja, a curvatura geodésica é a taxa de variação do ângulo que a tangente à curva faz
com uma direção paralela ao longo da curva. No caso do plano (α 0 (s) = cos ϕ(s)(1, 0, 0) +
sen ϕ(s)(0, 1, 0)), a direção paralela é fixa ((1, 0, 0)) e a curvatura geodésica reduz-se à curva-
tura κ(s) usual.

Proposição 3.3 Sejam S uma superfı́cie orientada e X : U −→ X(U) ⊂ S uma parametrização


ortogonal compatı́vel com a orientação de S. Seja ω(t) um campo diferenciável de vetores
unitários ao longo da curva α(t) = X(u(t), v(t)). Então
h Dω i 1 dv
 du
 dϕ
= √ Gu − Ev + ,
dt 2 EG dt dt dt

onde ϕ(t) é uma determinação do ângulo de Xu a ω(t) na orientação de S.

Prova.

X X X ∧ Xv
Como √u , √ v , N = u
√ é uma base ortonormal positiva de R3 , temos que se
E G EG

X (u(t), v(t))
e1 (t) = pu ,
E(u(t), v(t))

então
X (u(t), v(t))
e1 (t) = N(t) ∧ e1 (t) = pv .
G(u(t), v(t))

Instituto de Matemática - UFF 301


Geometria Diferencial

Portanto, sendo
ω(t) = cos ϕ(t) e1 (t) + sen ϕ(t) e1 (t) ,
temos, pelo lema anterior, que
h Dω i h De i dϕ
1
= + .
dt dt dt
Além disso, como
h De  0
1 1 X
i
1
(t) = he10 (t) , e1 (t)i = h √ (u 0 (t)Xuu + v 0 (t)Xuv ) + p Xu , √ v i
dt E E(u(t), v(t)) G
1
= √ (u 0 (t)hXuu , Xv i + v 0 (t)hXuv , Xv i)
EG
1
= √ (−u 0 (t)hXu , Xvu i + v 0 (t)hXuv , Xv i)
EG
1
= √ (Gu v 0 (t) − Ev u 0 (t)) ,
2 EG

(pois hXu , Xv i = 0, Ev = 2hXu , Xuv i e Gu = 2hXv , Xvu i), obtemos:


h Dω i 1
 dv du
 dϕ
= √ Gu − Ev + .
dt 2 EG dt dt dt 

Como conseqüência da proposição 3.3, provaremos novamente a existência e unicidade do


transporte paralelo (proposição 3.2).
Seja α : I −→ S uma curva parametrizada e w0 ∈ Tα(t0 ) S, t0 ∈ I = [0, `]. Então existe um único
campo de vetores paralelo ao longo de α tal que ω(t0 ) = w0 .
Prova.
Suponhamos que α(t) ∈ X(U) para todo t ∈ I, onde X : U −→ X(U) ⊂ S é uma parametrização
ortogonal de S. Sejam α(t) = X(u(t), v(t)),

X X
ω(t) = cos ϕ(t) √u (u(t), v(t)) + sen ϕ(t) √ v (u(t), v(t)) ,
E G

X
e ϕ0 uma determinação do ângulo de √u (u(t0 ), v(t0 )) a w0 na orientação dada.
E
Então, pela proposição 3.3, ω é um campo paralelo se, e só se,

1
ϕ 0 (t) = − √ (Gu v 0 (t) − Ev u 0 (t)) = B(t) .
2 EG

Logo,
Zt
ϕ(t) = ϕ0 + B(ξ) dξ ,
t0

302 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

o que demonstra a existência e a unicidade de ω neste caso.


Caso α(I) não esteja contido em uma única vizinhança coordenada, utilizamos a compacidade
de I para dividı́-lo em um número finito de subintervalos t0 = 0 < t1 < . . . < tk = ` de
modo que, para cada i = 1, . . . , k, α([ti−1 , ti ]) esteja contido numa vizinhança coordenada
Xi (Ui ), onde Xi : Ui −→ Xi (Ui ) é uma parametrização ortogonal de S. Utilizando a existência
e a unicidade obtida na primeira parte da demonstração, podemos provar a existência e a
unicidade de um campo de vetores ω paralelo ao longo de α, com ω(t0 ) = w0 , da mesma
maneira como foi feita na demonstração anterior. 

Uma outra aplicação da proposição 3.3 é a seguinte expressão para a curvatura geodésica,
conhecida como fórmula de Liouville.

Proposição 3.4 (Fórmula de Liouville)


Seja C uma curva regular orientada sobre uma superfı́cie regular orientada S, e seja
α : I −→ C uma parametrização pelo comprimento de arco positivamente orientada de uma
vizinhança de um ponto p ∈ C. Suponha que α(I) ⊂ X(U), onde X : U −→ X(U) é uma
parametrização ortogonal de S compatı́vel com a orientação. Se ϕ(s) é uma determinação do
ângulo de Xu a α 0 (s) na orientação dada, então


κg = (κg )1 cos ϕ + (κg )2 sen ϕ + ,
ds

onde (κg )1 e (κg )2 são as curvaturas geodésicas das curvas coordenadas v = const. e u = const.,
respectivamente.

Prova.
Tomando ω(s) = α 0 (s) na proposição 3.3, obtemos

1 dv du dϕ
 
κg = √ Gu − Ev + , (29)
EG ds ds ds

X X
onde α 0 (s) = cos ϕ(s) √u + sen ϕ(s) √ v .
E G
Sejam α(s) = X(u(s), v(s)) = X(β(s)), s0 ∈ I, γ1 (t) = X(u1 (t), v(s0 )) uma parametrização
pelo comprimento de arco da curva coordenada v = v(s0 ) tal que γ1 (t1 ) = X(u1 (t1 ), v(s0 )) =
X(u(s0 ), v(s0 )) e γ2 (ξ) = X(u(s0 ), v2 (ξ)) uma parametrização pelo comprimento de arco da
curva coordenada u = u(s0 ) tal que γ2 (ξ2 ) = X(u(s0 ), v2 (ξ2 )) = X(u(s0 ), v(s0 )).

Instituto de Matemática - UFF 303


Geometria Diferencial

Fig. 25:

Então, como kγ10 (t)k = ku10 (t) Xu (u1 (t), v(s0 ))k = 1 e kγ20 (ξ)k = kv20 (ξ)Xv (u(s0 ), v2 (ξ))k = 1 ,
1 1
podemos supor que u10 (t) = p e v20 (ξ) = p .
E(u1 (t), v(s0 )) G(u(s0 ), v2 (ξ))

Pela proposição 3.3, obtemos, fazendo ω(t) = γ10 (t), que

E du1 dϕ1
(κg )1 (t1 ) = − √ v (u(s0 ), v(s0 )) (t1 ) + ,
2 EG dt dt

X
onde ϕ1 (t) é o ângulo de √u (u1 (t), v(s0 )) a γ10 (t).
E
X
Como γ10 (t) = √u (u1 (t), v(s0 )), temos que ϕ1 = 0 e, portanto,
E

E du1 E
(κg )1 (t1 ) = − √ v (u(s0 ), v(s0 )) (t1 ) = − √v (u(s0 ), v(s0 )) . (30)
2 EG dt 2E G

De modo análogo, podemos provar que

Gu
(κg )2 (ξ2 ) = √ (u(s0 ), v(s0 )) . (31)
2G E

Logo, por (29), (30) e (31),


√ √
κg (s0 ) = (κg )1 (t1 ) E(u(s0 ), v(s0 ))u 0 (s0 ) + (κg )2 (ξ2 ) G(u(s0 ), v(s0 ))v 0 (s0 ) + ϕ 0 (s0 ) .

Além disso, como

X X
u 0 (s)Xu (u(s), v(s))+v 0 (s)Xv (u(s), v(s)) = α 0 (s) = cos ϕ(s) √u (u(s), v(s))+sen ϕ(s) √ v (u(s), v(s)) ,
E G

temos que
X √
cos ϕ(s) = hα 0 (s) , √u i = u 0 (s) E(u(s), v(s)) ,
E

304 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

e
X √
sen ϕ(s) = hα 0 (s) , √ v i = v 0 (s) G(u(s), v(s)) .
G

Logo,
κg (s0 ) = (κg )1 (t1 ) cos ϕ(s0 ) + (κg )2 (ξ2 ) sen ϕ(s0 ) + ϕ 0 (s0 ) .

Como s0 ∈ I é arbitrário, a fórmula de Liouville vale para todo s ∈ I. 

Determinaremos agora as equações de uma geodésica em uma vizinhança coordenada. Para


isto, seja α : I −→ S uma curva parametrizada de S e seja X : U −→ X(U) uma parametrização
de S em α(t0 ), t0 ∈ I. Sejam J ⊂ I um intervalo aberto contendo t0 tal que α(J) ⊂ X(U), e
α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ J, a expressão de α na parametrização X.
Como o campo de vetores tangentes α 0 (t) é dado por

α 0 (t) = u 0 (t)Xu + v 0 (t)Xv ,

o fato de α 0 ser paralelo é equivalente ao sistema de equações diferenciais (não-linear):



u 00 (t) + Γ11
1
(u 0 (t))2 + 2Γ12
1
u 0 (t)v 0 (t) + Γ22
1
(v 0 (t))2 = 0
(32)
v 00 (t) + Γ11
2
(u 0 (t))2 + 2Γ12
2
u 0 (t)v 0 (t) + Γ22
2
(v 0 (t))2 = 0 ,

obtido da equação (26) fazendo a(t) = u 0 (t) e b(t) = v 0 (t), e igualando a zero os coeficientes
de Xu e Xv .
Em outras palavras, α : I −→ S é uma geodésica se, e só se, o sistema (32) é satisfeito para
todo intervalo aberto J ⊂ I tal que α(J) esteja contido em uma vizinhança coordenada.
O sistema (32) é conhecido como as equações diferenciais das geodésicas de S.

Proposição 3.5 Dados um ponto p ∈ S e um vetor w ∈ Tp S, w 6= 0, existem um ε > 0 e uma


única geodésica α : (−ε, ε) −→ S tal que γ(0) = p e γ 0 (0) = w.

Prova.
Sejam X : U −→ X(U) uma parametrização de S em p = X(u0 , v0 ) e a, b ∈ R tais que
w = a Xu (u0 , v0 ) + b Xv (u0 , v0 ).
Pelo teorema de existência e unicidade de equações diferenciais ordinárias, existem ε > 0 e
uma única solução β(t) = (u(t), v(t)) , t ∈ (−ε, ε) do sistema (32) tal que β(0) = (u0 , v0 ) e
β 0 (0) = (a, b).
Logo, α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ (−ε, ε), é a única geodésica de S tal que α(0) = p e α 0 (0) =
a Xu + b Xv = w. 

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Geometria Diferencial

Observação 3.29 A razão para tomarmos w 6= 0 na proposição acima vem do fato de


termos excluı́do as curvas constantes na definição 3.8 de geodésicas parametrizadas.

Daremos agora algumas aplicações geométricas do sistema de equações diferenciais (32) no


caso em que S é uma superfı́cie de revolução.

Exemplo 3.8 Seja S a superfı́cie de revolução parametrizada por X : (0, 2π) × (a, b) −→ S,
X(u, v) = ( f(v) cos u , f(v) sen u , g(v) ) ,

com f(v) > 0, v ∈ (a, b).


Como vimos no exemplo 2.1 da seção 4.2, os sı́mbolos de Christoffel são dados por

1 2 −f(v)f 0 (v) 1 f(v)f 0 (v)


Γ11 = 0, Γ11 = , Γ12 = ,
f 0 (v)2 + g 0 (v)2 f(v)2
2 1 2 f 0 (v)f 00 (v) + g 0 (v)g 00 (v)
Γ12 = 0, Γ22 = 0, Γ22 = .
f 0 (v)2 + g 0 (v)2

Com os valores acima, o sistema (32) fica:

2ff 0 0 0
u 00 + uv = 0
f2
(33)
ff 0 f 0 f 00 + g 0 g 00 0 2
v 00 − 0 2 (u 0 2
) + (v ) = 0 .
(f ) + (g 0 )2 (f 0 )2 + (g 0 )2

Vamos obter alguns resultados a partir destas equações:


1. Os meridianos, α(s) = X(u0 , v(s)), parametrizados pelo comprimento de arco são geodésicas.
De fato, a primeira das equações de (33) é trivialmente satisfeita, pois u(s) = u0 = const.
A segunda equação para u(s) = u0 = const. fica:

f 0 f 00 + g 0 g 00
v 00 (s) + (v(s)) (v 0 (s))2 = 0 .
(f 0 )2 + (g 0 )2

Como o meridiano α(s) = X(u0 , v(s)) está parametrizado pelo comprimento de arco, temos

kv 0 (s) Xv (u0 , v(s))k = 1 ⇐⇒ v 0 (s)2 (f 0 (v(s))2 + g 0 (v(s))2 ) = 1 ,

para todo s.
Derivando a expressão acima, obtemos:

2v 0 (s)v 00 (s)(f 0 (v(s))2 + g 0 (v(s))2 ) + (2f 0 (v(s))f 00 (v(s)) + 2g 0 (v(s))g 00 (v(s)))v 0 (s)3 = 0 ,

306 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

ou seja,
f 0 (v(s))f 00 (v(s)) + g 0 (v(s))g 00 (v(s)) 0 3
v 0 (s)v 00 (s) = − v (s) .
(f 0 (v(s)))2 + (g 0 (v(s)))2

Como v 0 (s) 6= 0, temos

f 0 (v(s))f 00 (v(s)) + g 0 (v(s))g 00 (v(s)) 0 2


v 00 (s) = − v (s) .
(f 0 (v(s)))2 + (g 0 (v(s)))2

Portanto, ao longo do meridiano a segunda equação de (33) também é satisfeita, o que mostra
que de fato os meridianos são geodésicas.
Uma outra maneira de verificar que os meridianos parametrizados pelo comprimento de arco
são geodésicas consiste em observar que sua curvatura geodésica é nula, pois κ = |κn |, já
que os meridianos são seções normais de S, e, portanto, pela relação κ2 = κ2n + κ2g , obtemos
que κ2g ≡ 0 ao longo de um meridiano. Ou simplesmente observando que o vetor aceleração
de um meridiano é paralelo ao vetor normal à superfı́cie, já que ele é uma seção normal de S
e, portanto, a derivada covariante do vetor tangente ao meridiano é nula.

2. Um paralelo é uma geodésica se, e só se, é uma seção normal, ou seja, se, e só se, o vetor
tangente à geratriz da superfı́cie de revolução no ponto que dá origem ao paralelo é paralelo
ao eixo de revolução (⇐⇒ f 0 (v) = 0).

Fig. 26: Geodésicas na superfı́cie de revolução

De fato, se um paralelo é uma seção normal, então seu vetor aceleração é paralelo ao vetor
normal à superfı́cie e, portanto, a derivada covariante do vetor tangente ao paralelo é nula.
Reciprocamente, se um paralelo é uma geodésica, a derivada covariante do vetor tangente ao
paralelo é nula, isto é, o vetor aceleração do paralelo é paralelo ao vetor normal à superfı́cie
e, portanto, o paralelo é gerado pela rotação de um ponto da curva geratriz onde a tangente é
paralela ao eixo de revolução.
Podemos obter o mesmo resultado utilizando o sistema (33).

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Geometria Diferencial

De fato, se X(u(t), v0 ) é uma parametrização pelo comprimento de arco de um paralelo que é


uma geodésica, obtemos, da primeira equação, que u 00 (t) = 0 (=⇒ u 0 (t) = const. 6= 0), e da
segunda equação que
−f(v0 )f 0 (v0 )
(u 0 (t))2 = 0 .
(f 0 (v0 ))2 + (g 0 (v0 ))2

Logo f 0 (v0 ) = 0, já que u 0 (t) 6= 0 e f(v0 ) > 0.

3. (Relação de Clairaut)
A primeira equação do sistema (33) pode ser escrita como

(f2 u 0 ) 0 = f2 u 00 + 2ff 0 u 0 v 0 = 0 .

Portanto,
f2 (v(t)) u 0 (t) = const. = c .
π
Por outro lado, o ângulo θ, 0 ≤ θ ≤ , de uma geodésica X(u(t), v(t)) parametrizada pelo
2
comprimento de arco com um paralelo que a intersecta é dado por

|hXu , u 0 Xu + v 0 Xv i|
cos θ = = |u 0 f| ,
kXu k

pois hXu , Xu i = f2 .
Como f(v(t)) = r é o raio do paralelo no ponto de intersecção, obtemos a relação de Clairaut:

r cos θ = const. = |c| .

No exemplo 3.9 mostraremos como esta relação pode ser útil.

4. O sistema (33) pode ser integrado por meio de primitivas.


Seja X(u(s), v(s)) uma geodésica parametrizada pelo comprimento de arco, que não é um
meridiano nem um paralelo. A primeira equação de (33) é escrita como

(f(v(s)))2 u 0 (s) = const. = c ,

com c 6= 0, pois, caso contrário, u 0 (s) ≡ 0, e portanto, u(s) = const., ou seja, a geodésica seria
um meridiano.
Como X(u(s), v(s)) está parametrizada pelo comprimento de arco, temos que

ku 0 (s)Xu + v 0 (s)Xv k2 = u 0 (s)2 hXu , Xu i + 2u 0 (s)v 0 (s)hXu , Xv i + v 0 (s)2 hXv , Xv i


= (f(v(s)))2 u 0 (s)2 + ((f 0 (v(s)))2 + (g 0 (v(s)))2 ) v 0 (s)2 = 1 ,

308 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

pois E = hXu , Xu i = f(v)2 , F = hXu , Xv i = 0 , e G = hXv , Xv i = (f 0 (v))2 + (g 0 (v))2 .


Afirmação: A equação

(f(v(s)))2 u 0 (s)2 + ((f 0 (v(s)))2 + (g 0 (v(s)))2 ) v 0 (s)2 = 1 , (34)

junto com a primeira equação de (33), (f(v(s)))2 u 0 (s) = c 6= 0, é equivalente à segunda


equação de (33).

De fato, substituindo (f(v(s)))2 u 0 (s) = c em (34), obtemos

c2
((f 0 (v(s)))2 + (g 0 (v(s)))2 )v 0 (s)2 = 1 − . (35)
(f(v(s)))2

Derivando a identidade (35) com relação a s,

2v 0 (s)v 00 (s)((f 0 (v(s)))2 + (g 0 (v(s)))2 ) + (v 0 (s))3 (2f 0 (v(s))f 00 (v(s)) + 2g 0 (v(s))g 00 (v(s)))
f(v(s))f 0 (v(s))v 0 (s)
= 2c2
(f(v(s)))4

= 2f(v(s))f 0 (v(s))(u 0 (s))2 v 0 (s) ,

c2
pois = u 0 (s)2 .
(f(v(s)))4

Dividindo a equação acima por 2v 0 (s)((f 0 (v(s)))2 + (g 0 (v(s))2 )), obtemos a segunda equação
de (33):

f 0 (v(s))f 00 (v(s)) + g 0 (v(s))g 00 (v(s)) 0 2 f(v(s))f 0 (v(s))


v 00 (s) + v (s) = u 0 (s)2 . (36)
((f 0 (v(s)))2 + (g 0 (v(s)))2 ) (f 0 (v(s)))2 + (g 0 (v(s)))2

Observação 3.30 Se v 0 (s0 ) = 0, a geodésica é tangente no ponto X(u(s0 ), v(s0 )) ao para-


lelo v = v(s0 ). Então este paralelo não pode ser uma geodésica, pois, caso contrário, pela
unicidade das geodésicas, a geodésica seria o próprio paralelo, uma contradição, já que esta-
mos supondo que a geodésica não é um paralelo.
Mas uma geodésica pode ser tangente a um paralelo que não é uma geodésica. Se isto ocorre
em s0 , isto é, v 0 (s0 ) = 0, então existe uma seqüência sn −→ s0 tal que v 0 (sn ) 6= 0. De fato, caso
contrario, existiria um intervalo aberto I, s0 ∈ I, tal que v 0 (s) = 0 para todo s ∈ I, ou seja, a
geodésica restrita ao intervalo I estaria contida no paralelo v = v(s0 ) e, portanto, este paralelo
seria uma geodésica, uma contradição.

Como a equação (36) pode ser obtida da equação (34) e da equação (f(v(s)))2 u 0 (s) = c nos
pontos sn , obtemos, por continuidade, que o mesmo vale em s0 .

Instituto de Matemática - UFF 309


Geometria Diferencial

Por outro lado, como u 0 (s) 6= 0 para todo s, a função u(s) possui uma inversa s(u). Seja
v(u) = v(s(u)).
 ds 2
Multiplicando (34) por , obtemos:
du

 ds 2  du 2  ds 2
2
(u) = f(v(s(u))) (s(u)) (u)
du ds du
  dv 2  ds 2
+ (f 0 (v(s(u))))2 + (g 0 (v(s(u))))2 (s(u)) (u) ,
ds du

ou seja,
 ds 2   dv 2
(u) = (f(v(u)))2 + (f 0 (v(u)))2 + (g 0 (v(u)))2 (u) . (37)
du du

Como
 du 2 c2
(s) = ,
ds (f(v(s)))4

obtemos que
 ds 2 (f(v(u)))4
(u) = .
du c2

Logo, (37) fica


 2 
4 2 2 0 2 0 2
  dv
(f(v(u))) = c (f(v(u))) + (f (v(u))) + (g (v(u))) (u) ,
du

ou seja,
0 (v(u)))2 + (g 0 (v(u)))2
2
2 (f
 dv
2 2
(f(v(u))) = c + c (u)
(f(v(u)))2 du
s
dv f(v(u)) (f(v(u)))2 − c2
=⇒ (u) = ± .
du c (f 0 (v(u)))2 + (g 0 (v(u)))2

Logo, como
du 1
(v) = ,
dv dv
(u(v))
du

temos que
s
du c (f 0 (v))2 + (g 0 (v))2
(v) = ± ,
dv f(v) (f(v))2 − c2

310 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

ou seja,
Z s
c (f 0 (v))2 + (g 0 (v))2
u(v) = ± dv + const. , (38)
f(v) (f(v))2 − c2

que é a equação de um segmento de geodésica de uma superfı́cie de revolução que não é um


meridiano nem um paralelo.

Observação 3.31 Como v(u) = v(s(u)) e s 0 (u) > 0 para todo u, temos que o sinal ”+”
ocorre quando v 0 (s(u)) > 0 e o sinal ”−” , quando v 0 (s(u)) < 0.

Exemplo 3.9 Vamos mostrar neste exemplo que qualquer geodésica do parabolóide de
revolução z = x2 + y2 , que não é um meridiano, se auto-intersecta uma infinidade de vezes.
Primeiro observe que nenhum paralelo do parabolóide é uma geodésica, pois o vetor tangente

z = y2
à geratriz C : do parabolóide não é paralelo ao eixo Oz em ponto algum da curva C.
x = 0

Fig. 27: Os meridianos são as únicas geodésicas no parabolóide que passam pela origem

E, pela unicidade das geodésicas, temos que os meridianos são as únicas geodésicas que
passam pela origem (0, 0, 0).

Sejam γ(s) = (v(s) cos u(s) , v(s) sen u(s) , v(s)2 ) uma geodésica que passa por p0 6= (0, 0, 0),
π
P0 o paralelo que contém p0 , r0 o raio deste paralelo e θ0 , 0 ≤ θ0 ≤ , o ângulo que γ faz com
2
P0 em p0 .
Pela relação de Clairaut,

r cos θ = r0 cos θ0 = |c| .

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Geometria Diferencial

Fig. 28: γ é uma geodésica no parabolóide que passa pelo ponto p0 6= (0, 0, 0)

Como γ não é um meridiano, temos que θ ∈ 0, π2 e |c| 6= 0.


 

Observe, pela relação de Clairaut, que quando r cresce, então cos θ decresce, portanto θ
cresce.
Além disso, como (v(s))2 u 0 (s) = c 6= 0, podemos supor u 0 (s) > 0 e, portanto, c > 0.
Pela relação de Clairaut temos que v(s) = r ≥ c para todo s ∈ R, e v(s) = c se, e só se, θ = 0,
ou seja, a geodésica γ é tangente ao paralelo de raio c no ponto de intersecção.
Afirmação: Existe um único s1 ∈ R tal que v(s1 ) = c.
Para provar esta afirmação precisamos do seguinte fato (ver §4.7 do livro de Manfredo do
Carmo): nenhuma geodésica de uma superfı́cie de revolução pode ser assintótica a um para-
lelo a não ser que este paralelo seja uma geodésica .

Como nenhum paralelo do parabolóide é uma geodésica, a geodé-


sica γ não pode assintotar paralelo algum.
Seja c 0 = infs∈R v(s). Se existe s1 ∈ R tal que v(s1 ) = c 0 e c 0 > c,
temos, pela relação de Clairaut, que o ângulo θ 0 que γ faz com
o paralelo v = c 0 no ponto de intersecção é diferente de zero, ou
seja, γ corta o paralelo transversalmente (v 0 (s1 ) 6= 0); portanto,
existiriam pontos de γ em paralelos com raios menores do que c,
uma contradição, já que c 0 = infs∈R v(s).
Fig. 29: γ é geodésica que passa por
Logo, se existe s1 ∈ R tal que v(s1 ) = c 0 , devemos ter c 0 = c e, p0 6= (0, 0, 0)
neste caso, a geodésica γ é tangente ao paralelo de raio c no
ponto de intersecção γ(s1 ).
Suponhamos agora que não existe s1 ∈ R tal que v(s1 ) = c 0 = infs∈R v(s). Então existe uma
seqüência (sn ) de números reais tais que a seqüência (v(sn )) é decrescente, v(sn ) −→ c 0 e

312 J. Delgado - K. Frensel


Transporte Paralelo; Geodésicas

v(sn ) > c 0 para todo n ∈ N. Logo, pela hipótese (6 ∃ s1 ∈ R ; v(s1 ) = c 0 ), (sn ) não possui uma
subseqüência limitada. Portanto, |sn | −→ +∞.
Podemos supor que sn −→ ∞ e (sn ) é crescente.
Então v(s) ∈ (v(sn+1 ), v(sn )) para todo s ∈ (sn , sn+1 ), pois, caso contrário, existiria e
s ∈ (sn , sn+1 )
tal que v 0 (e
s) = 0, e, pela relação de Clairaut, terı́amos v(e
s) = c; neste caso, infs∈R v(s) seria
s ∈ R tal que v(e
igual a c e existiria e s) = c, contradizendo a hipótese.
Logo v(s) −→ c 0 quando s −→ ∞ e v(s) > c 0 para todo s ∈ R, ou seja, a geodésica γ é
assintótica ao paralelo Pc 0 de raio c 0 , uma contradição.
Assim, existe s1 ∈ R tal que v(s1 ) = c e a geodésica γ é tangente ao paralelo Pc no ponto
γ(s1 ).
Suponhamos que existe s2 6= s1 tal que v(s2 ) = c. Então, sendo s2 < s1 , ou v(s) = c para todo
s ∈ [s2 , s1 ] ou existe um ponto de máximo s3 ∈ (s2 , s1 ), onde v(s3 ) > c e v 0 (s3 ) = 0. No primeiro
caso chegamos a uma contradição, pois o paralelo v = c não é uma geodésica, e no segundo
caso também chegamos a uma contradição, pois r cos θ seria maior que c em s3 , uma vez que
r = v(s3 ) > c e θ(s3 ) = 0.
Logo existe um único ponto s1 ∈ R tal que v(s1 ) = c e, portanto, pela relação de Clairaut, existe
um único ponto s1 ∈ R tal que v 0 (s1 ) = 0.
Temos, então, v 0 (s) > 0 em (s1 , ∞) e v 0 (s) < 0 em (−∞, s1 ).
Afirmação: Se s −→ ±∞ então v(s) −→ +∞ (=⇒ θ −→ π2 ) .

6 ∞ quando s −→ +∞.
De fato, suponhamos que v(s) −→
Então existe uma seqüência crescente (sn ) tal que sn −→ +∞ e (v(sn )) converge para um
ponto c 0 . Como a seqüência (sn ) é crescente, sn −→ +∞ e v 0 > 0 em (s1 , +∞), temos que
v(s) −→ c 0 quando s −→ +∞ e c 0 = sups∈[s1 ,∞) v(s), ou seja, a geodésica γ é assintótica ao
paralelo Pc 0 de raio c 0 .
Logo v(s) −→ ∞ quando s −→ ∞. De modo análogo, podemos provar que v(s) −→ ∞ quando
s −→ −∞.
Afirmação: Se s −→ ±∞ então u(s) −→ ±∞.

De fato, sendo f(v) = v e g(v) = v2 , temos, pela expressão (38), que

Zv r
1 1 + 4v2
u(v) − u(c1 ) = ±c dv ,
c1 v v2 − c2

onde c1 > c.

Instituto de Matemática - UFF 313


Geometria Diferencial

Para s > s1 , onde v 0 > 0, temos, pela observação 3.32, que:

Zv r
1 1 + 4v2
u(v) − u(c1 ) = c dv
c1 v v2 − c2
Zv
1
> c dv = c(log v − log c1 ) ,
c1 v

1 + 4v2
pois > 1 e c > 0.
v2 − c2

Logo u(v) −→ +∞ quando v −→ +∞, ou seja, u(s) −→ +∞ quando s −→ +∞, já que
lim v(s) = +∞.
s→∞

Para s < s1 , onde v 0 < 0, temos, pela observação 3.32, que:

Zv r
1 1 + 4v2
u(v) − u(c1 ) = −c dv
c1 v v2 − c2
Zv
1
< −c dv = −c(log v − log c1 ) .
c1 v

Assim, lim u(v) = −∞ , ou seja, lim u(s) = −∞, pois v(s) −→ +∞ quando s −→ −∞.
v→∞ s→∞

Podemos, então, concluir que a geodésica γ intersecta todos os meridianos um número infinito
de vezes e, portanto, se auto-intersecta uma infinidade de vezes, já que os dois segmentos de
geodésica γ|[s1 ,∞) e γ|(−∞,s1 ] dão uma infinidade de voltas em torno do parabolóide. 

Fig. 30: γ se auto-intersecta infinitas vezes, pois é uma geodésica no parabolóide que não é um meridiano.

No exemplo acima, usamos o fato de que qualquer geodésica γ do parabolóide está definida
para todo s ∈ R, isto é, γ : R −→ S está definida em toda a reta. Isto resulta do fato de o
parabolóide ser uma superfı́cie fechada em R3 .

314 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

4. Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Nesta seção, apresentaremos o Teorema de Gauss-Bonnet e algumas de suas aplicações.


A dificuldade em prová-lo provém de certos fatos topológicos, que serão apresentados sem
demonstrações.
O Teorema de Gauss-Bonnet é, provavelmente, o teorema mais pro-
fundo da Geometria Diferencial das Superfı́cies. Uma primeira versão
deste teorema foi apresentada por Gauss no seu célebre trabalho Ge-
neral Investigations of Curved Surfaces (re-editado pela Raven Press,
New York, 1965) e trata de triângulos geodésicos em superfı́cies (isto
é, triângulos cujos lados são arcos de geodésicas). A grosso modo, ele
afirma que o ”excesso” sobre π da soma dos ângulos internos ϕ1 , ϕ2 e Fig. 31: Triângulo geodésico
ϕ3 de um triângulo geodésico T é igual à integral da curvatura Gaussi-
ana K sobre T , isto é,

X
3 ZZ
ϕi − π = K dσ .
i=1 T

Então, se:

X
3
• K ≡ 0, obtemos que ϕi = π, uma extensão do teorema de Tales para superfı́cies com
i=1

curvatura nula.
X
3
• K ≡ 1, obtemos que ϕi − π = área (T ) > 0, ou seja, sobre uma esfera unitária a soma
i=1

dos ângulos internos de qualquer triângulo geodésico é maior que π e o excesso sobre π é
exatamente a área de T .

Fig. 32: Triângulos geodésicos em superfı́cies com Curvatura Gaussiana −1 e 1

Instituto de Matemática - UFF 315


Geometria Diferencial

• K ≡ −1, a soma dos ângulos internos de qualquer triângulo geodésico é menor que π (por
exemplo, na pseudo-esfera — exercı́cio 6 da §3.3. do livro de Manfredo P. Do Carmo).
A extensão do teorema a uma região limitada por uma curva simples deve-se a Bonnet. Para
estendê-lo a superfı́cies compactas, algumas considerações topológicas serão necessárias.
Uma das mais importantes caracterı́sticas do Teorema de Gauss-Bonnet é a de estabelecer
uma surpreendente relação entre a topologia de uma superfı́cie compacta e a integral de sua
curvatura (ver corolário 4.2).
Para provar a versão local do teorema de Gauss-Bonnet, precisamos de algumas definições.

Definição 4.1 Seja α : [0, `] −→ S uma aplicação contı́nua de um intervalo fechado [0, `]
sobre uma superfı́cie regular S.
Dizemos que α é uma curva parametrizada simples, fechada e regular por partes se:
(1) α(0) = α(`) .
(2) α(t1 ) 6= α(t2 ), se t1 , t2 ∈ [0, `) e t1 6= t2 .
(3) existe uma partição 0 = t0 < t1 < . . . < tk < tk+1 = ` do intervalo [0, `] tal que α é
diferenciável e regular em cada subintervalo [ti , ti+1 ], i = 0, 1, . . . , k.

Intuitivamente, α é uma curva fechada (condição 1) sem auto-intersecções (condição 2) que


deixa de ter uma reta tangente bem definida apenas em um número finito de pontos (condição
3).
Os pontos α(ti ), i = 0, 1, . . . , k, são chamados vértices de α, e os traços α[ti , ti+1 ] são chama-
dos arcos regulares de α.
Sejam
α 0 (t+
i ) = lim α 0 (t) e α 0 (t−
i ) = lim α 0 (t)
t → ti t → ti
t > ti t < ti

Seja N : S −→ S2 a orientação de S e seja |θi |, 0 < |θi | ≤ π, a menor determinação do ângulo


de α 0 (t− 0 +
i ) a α (ti ).

Se |θi | 6= π (i.e. α(ti ) não é uma cúspide), o sinal de αi é positivo se


{ α 0 (t−
i ) , α (ti ) , N(α(ti )) , }
0 +

é uma base positiva (⇐⇒ det( α 0 (t− 0 +


i ) , α (ti ) , N(α(ti )) , ) > 0); e é negativo se

{ α 0 (t−
i ) , α (ti ) , N(α(ti )) , }
0 +

é uma base negativa (⇐⇒ det( α 0 (t− 0 +


i ) , α (ti ) , N(α(ti )) , ) < 0) .

O ângulo θi ∈ (−π, 0) ∪ (0, π) é chamado ângulo externo do vértice α(ti ).

316 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

No caso em que o vértice é uma cúspide, isto é, |θi | = π, escolhemos o sinal de θi do seguinte
modo.

Fig. 33: Ângulos externos nos vértices α(ti ) e α(tj )

α 0 (t+
i )
Sejam v1 = 0 + e v2 um vetor unitário ortogonal a v1 , de modo que {v1 , v2 , N(α(ti ))} é uma
kα (ti )k
base ortonormal positiva de Tα(ti ) S.

Seja X : U −→ X(U) uma parametrização ortogonal de S compatı́vel com a orientação tal que
X(0, 0) = α(ti ) e Xu (0, 0) = v1 . Logo Xv (0, 0) = v2 .
Seja β : (ti − δ, ti + δ) −→ U a curva diferenciável por partes tal que X(β(t)) = α(t). Então,
como β(ti ) = (0, 0), dXβ(ti ) (β 0 (t− 0 − 0 + 0 + 0 −
i )) = α (ti ) e dXβ(ti ) (β (ti )) = α (ti ), temos que β (ti ) =

(−kα 0 (t+ 0 + 0 +
i )k, 0) e β (ti ) = (kα (ti )k, 0).

Assim, existem δ 0 > 0, ε > 0 e funções f, g : [0, ε) −→ R diferenciáveis tais que β([ti , ti + δ 0 )) =
{(x, g(x)) | x ∈ [0, ε)} é o gráfico da função g, e β((ti − δ 0 , ti ]) = {(x, f(x)) | x ∈ [0, ε)} é o gráfico
da função f .
Como α não tem auto-intersecções, ou f(x) > g(x) ou f(x) < g(x) para todo x ∈ (0, ε). No
primeiro caso, definimos θi = π e, no segundo caso, definimos θi = −π.

Fig. 34: θi = π Fig. 35: θi = π

Seja S uma superfı́cie regular orientada. Dizemos que uma região R ⊂ S (união de um conjunto

Instituto de Matemática - UFF 317


Geometria Diferencial

aberto conexo com a sua fronteira) é uma região simples se R é homeomorfo a um disco e a
fronteira ∂R de R é o traço de uma curva parametrizada simples, fechada e regular por partes
α : I −→ S.

Fig. 36: R é simples Fig. 37: R não é simples

Dizemos então que α é orientada positivamente se para cada α(t) pertencente a um arco
regular, a base ortonormal positiva {α 0 (t), h(t)} satisfaz a condição de que h(t) aponta para
dentro de R, ou seja, para qualquer curva β : I −→ R com β(0) = α(t) e β 0 (0) 6= α 0 (t), temos
que hβ 0 (0) , h(t)i > 0.

Fig. 38: h(t) aponta para dentro de R

Intuitivamente, isto significa que ao andarmos pela curva α na direção positiva com a cabeça
apontada para N, a região R estará à nossa esquerda.
Pode-se mostrar que uma das orientações possı́veis de α faz com que ela fique positivamente
orientada.
Seja X : U −→ X(U) uma parametrização isotérmica compatı́vel com a orientação de S tal que
U é homeomorfo a um disco aberto do plano.
Seja α : [0, `] −→ X(U) ⊂ S uma curva parametrizada simples, fechada e regular por partes,
com vértices α(ti ) e ângulos externos θi , i = 0, 1, . . . , k.
Sejam ϕi : [ti , ti+1 ] −→ R funções diferenciáveis que medem em cada t ∈ [ti , ti+1 ] o ângulo
positivo de Xu a α 0 (t).
O primeiro fato topológico que apresentaremos sem demonstração é o seguinte.

318 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Teorema 4.1 (Teorema do ı́ndice de rotação)


Com a notação acima,
X
k X
k
(ϕ(ti+1 ) − ϕ(ti )) + θi = ±2π ,
i=0 i=0

sendo +2π se α está orientada positivamente, e −2π se α está orientada negativamente.

Fig. 39: Índice de rotação

O teorema acima diz que a variação total do ângulo do vetor tangente a α com uma direção
dada mais os ”saltos” nos vértices é igual a ±2π.
Uma demonstração do teorema do ı́ndice de rotação pode ser vista em H. Hopf, Comp. Math.
No. 2 (1935), pag. 50-62.
Para o caso em que α é uma curva simples, fechada e regular (isto é, sem vértices) contida

Instituto de Matemática - UFF 319


Geometria Diferencial

num plano, a demonstração de H. Hopf pode ser encontrada no livro de Manfredo Do Carmo
(teorema 2, §5.7).

Observação 4.1 Sejam agora X : U −→ X(U) ⊂ S uma parametrização compatı́vel com


a orientação de S e R ⊂ X(U) uma região limitada de S. Se f : S −→ R é uma função
diferenciável, então a integral
ZZ p
f◦X EG − F2 du dv ,
X−1 (R)

não depende da parametrização X compatı́vel com a orientação de S.

De fato, seja Y : U −→ Y(U) outra parametrização de S compatı́vel com a orientação de S tal


que R ⊂ Y(U).

Então R ⊂ W = X(U) ∩ Y(U) . Seja h = X−1 ◦ Y : Y −1 (W) −→ X−1 (W) a aplicação de mudança
de coordenadas.
Como
∂(u, v) ∂(u, v)
Yu ∧ Yv (u, v) = (u, v)(Xu ∧ Xv )(h(u, v)) e > 0 em Y −1 (W),
∂(u, v) ∂(u, v)

temos, pelo teorema de mudança de variáveis em integrais duplas, que:


ZZ p
f(X(u, v)) EG − F2 (u, v) du dv
X−1 (R)
ZZ p ∂(u, v)
= f(X(h(u, v))) EG − F2 (h(u, v)) (u, v) du dv
h−1 (X−1 (R)) ∂(u, v)
ZZ q
2
= f(Y(u, v)) E G − F (u, v) du dv ,
Y −1 (R)

já que
q
2
E G − F (u, v) = kYu ∧ Yv k(u, v)
∂(u, v)
= kXu ∧ Xv k (h(u, v)) (u, v)
∂(u, v)
p ∂(u, v)
= EG − F2 (h(u, v)) (u, v) .
∂(u, v)
ZZ
Esta integral é chamada integral de f sobre a região R e é denotada por f dσ .
R

320 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Teorema 4.2 (Teorema Local de Gauss-Bonnet)


Seja X : U −→ X(U) uma parametrização isotérmica da superfı́cie S compatı́vel com a orientação,
onde U ⊂ R2 é homeomorfo a um disco aberto. Seja R ⊂ X(U) uma região simples de S e seja
α : I −→ S tal que ∂R = α(I). Suponha que α é orientada positivamente, parametrizada pelo
comprimento de arco s, e sejam α(s0 ), . . . , α(sk ) e θ0 , . . . , θk , respectivamente, os vértices e
os ângulos externos de α. Então,

k Z si+1
X ZZ X
k
κg (s) ds + K dσ + θi = 2π , (39)
i=0 si R i=0

onde κg é a curvatura geodésica dos arcos regulares de α e K é a curvatura Gaussiana de S.

Observação 4.2 Veremos no corolário 4.2, que o resultado acima é válido para qualquer
região simples de uma superfı́cie regular. Isto é plausı́vel, pois a equação (39) não envolve de
maneira alguma uma parametrização particular.

Prova.
Seja α(s) = X(u(s), v(s)) a expressão de α na parametrização X. Pela proposição 3.3 da
seção 4.3, temos:
1 dv du dϕi
 
κg (s) = √ Gu − Ev + ,
2 EG ds ds ds

onde ϕi (s) é uma função diferenciável que mede o ângulo positivo de Xu a α 0 (s) em [si , si+1 ].
Integrando a expressão acima em todos os intervalos [si , si+1 ] e somando os resultados, obte-
mos:
k Z si+1
X k Z si+1
X k Z si+1
X
1 dv du dϕi
 
κg (s) ds = √ Gu − Ev ds + ds . (40)
si si 2 EG ds ds si ds
i=0 i=0 i=0

Utilizaremos, agora, o Teorema de Gauss-Green no plano: se P(u, v) e Q(u, v) são funções


diferenciáveis em uma região simples A ⊂ R2 , cuja fronteira é dada por β(s) = (u(s), v(s)),
então:
k Z si+1 
X ZZ 
du dv ∂Q ∂P
 
P +Q ds = − du dv .
si ds ds A ∂u ∂v
i=0

Logo, a expressão (40) fica:


Xk Z si+1 ZZ      k Z si+1
X
E G dϕi
κg (s) ds = √v + √u du dv + ds .
si X−1 (R) 2 EG v 2 EG u si ds
i=0 i=0

Como F ≡ 0, temos, pelo exemplo 2.3 da seção 4.2, que

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Geometria Diferencial

    
1 E G
K=− √ √v + √u .
2 EG EG v EG u

Portanto,
ZZ      ZZ √ ZZ
E G
√v + √u du dv = − K EG du dv = − K dσ .
X−1 (R) 2 EG v 2 EG u X−1 (R) R

Por outro lado, pelo teorema do ı́ndice de rotação,

k Z si+1
X X
k X
k
dϕi
ds = (ϕi (si+1 ) − ϕi (si )) = 2π − θi ,
si ds
i=0 i=0 i=0

pois α é orientada positivamente.


Utilizando os fatos acima, obtemos
k Z si+1
X ZZ X
k
κg (s) ds + K dσ + θi = 2π . 
i=0 si R i=0

Observação 4.3 Antes de passarmos à versão global do teorema de Gauss-Bonnet, vamos


mostrar como as técnicas utilizadas na demonstração do teorema acima podem ser usadas
para obter uma interpretação da curvatura Gaussiana em termos de paralelismo.
Sejam X : U −→ X(U) ⊂ S uma parametrização ortogonal compatı́vel com a orientação,
R ⊂ X(U) uma região simples sem vértices e p ∈ int(R).
Seja α : [0, `] −→ X(U) uma curva parametrizada regular tal que α([0, `]) = ∂R.
Seja w0 um vetor unitário tangente a S em α(0) e seja ω(s), s ∈ [0, `], o transporte paralelo de
w0 ao longo de α.
Então, pela proposição 3.3 da seção 4.3 e pelo teorema de Gauss-Green no plano, obtemos:

Z` h Z` Z`
Dω 1 dv du dϕ
i  
0 = ds = √ Gu − Ev ds + ds
0 ds 0 2 EG ds ds 0 ds
ZZ ZZ
= − K dσ + ϕ(`) − ϕ(0) = − K dσ + ∆ϕ ,
R R

onde ϕ(s) é uma determinação diferenciável do ângulo positivo de Xu a ω(s) e X(u(s), v(s)) =
α(s) .
Então, como
ZZ
∆ϕ = K dσ ,
R

322 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

temos que ∆ϕ não depende da parametrização ortogonal X, não depende da escolha de w0 e


também não depende da escolha de α(0).

Fig. 40:

Tomando o limite, como na proposição 3.4 do capı́tulo 4, temos:

∆ϕ
lim = K(p) ,
R→p A(R)

onde A(R) é a área da região R.


ZZ
• A expressão K dσ = ∆ϕ também é válida quando ∂R é uma curva simples, fechada e
R

regular por partes, i.e., quando R é uma região simples com vértices.

Observação 4.4 Sejam C um paralelo da esfera unitária S2 de colatitude ϕ e w0 um vetor


unitário tangente a C em um ponto p ∈ C. Então o ângulo orientado entre w0 e seu transporte
paralelo após completar uma volta é dado por
ZZ ZZ Z 2π Z ϕ p Z 2π Z ϕ
∆ϕ = K dσ = dσ = EG − F2 dϕ dθ = sen ϕ dϕ dθ = 2π(1 − cos ϕ) ,
R R 0 0 0 0

como havı́amos obtido anteriormente no exemplo 3.4 da seção 3 deste capı́tulo, onde E = 1,
G = (sen ϕ)2 , F = 0 são os coeficientes da primeira forma fundamental da parametrização

X(ϕ, θ) = (sen ϕ cos θ , sen ϕ sen θ , cos ϕ)

da esfera unitária. 

Para demonstrarmos a versão global do teorema de Gauss-Bonnet, precisamos de alguns


preliminares topológicos.

Instituto de Matemática - UFF 323


Geometria Diferencial

Definição 4.2 Seja S uma superfı́cie regular. Dizemos que uma região R ⊂ S é regular se R
é compacta e a sua fronteira ∂R é uma união finita de curvas fechadas, simples, regulares por
partes que não se intersectam.

Fig. 41: Regular


Fig. 42: Não é regular

Observação 4.5 Vamos considerar uma superfı́cie compacta como uma região regular, cuja
fronteira é o conjunto vazio.

Definição 4.3 Dizemos que uma região simples que tem apenas três vértices é um triângulo.

Definição 4.4 Uma triangulação de uma região regular R ⊂ S é uma famı́lia finita T de
triângulos Ti , i = 1, . . . , n, tal que

(1) ni=1 Ti = R ,
S

(2) Se Ti ∩ Tj 6= ∅, i 6= j, então Ti ∩ Tj é uma aresta comum de Ti e Tj ou é um vértice comum


de Ti e Tj .

Fig. 44: Não são triangulações


Fig. 43: Triangulação

Definição 4.5 Dada uma triangulação T de uma região regular R ⊂ S de uma superfı́cie S,
denotamos por F o número de triângulos (faces), por E o número de lados (arestas) e por V o
número de vértices da triangulação. O número

Ξ(R) = F − E + V

é chamado a caracterı́stica de Euler-Poincaré da triangulação T .

324 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Exemplo 4.1 Para a triangulação do disco D dada pela figura abaixo temos: F = 4, E = 8 e
V = 5. Portanto, Ξ(D) = 4 − 8 + 5 = 1. 

Fig. 45: Triangulação do disco D

As proposições abaixo serão apresentadas sem demonstração. Uma exposição destes fa-
tos pode ser encontrada, por exemplo, no livro de L. Ahlfors e L. Sario, Riemann Surfaces,
Princeton Univ. Press, NJ. 1960, cap. 1.

Proposição 4.1 Toda região regular de uma superfı́cie regular admite uma triangulação.

Proposição 4.2 A caracterı́stica de Euler-Poincaré de uma região regular R de uma su-


perfı́cie S não depende da triangulação de R.

Proposição 4.3 Sejam S1 e S2 superfı́cies regulares. Então duas regiões regulares R1 ⊂ S1


e R2 ⊂ S2 são homeomorfas se, e só se, ∂R1 e ∂R2 têm o mesmo número de componentes
conexas e Ξ(R1 ) = Ξ(R2 ).

A proposição acima mostra que a caracterı́stica de Euler-Poincaré é um invariante topológico


de uma região regular R.
Tendo em vista as aplicações do teorema de Gauss-Bonnet, mencionaremos o importante fato
de que este invariante topológico possibilita uma classificação das superfı́cies compactas em
R3 (=⇒ orientáveis).
Observemos primeiro que a caracterı́stica de Euler-Poincaré da esfera é 2, a do toro (esfera
com uma alça) é zero, a do bitoro (esfera com duas alças)é −2 e, em geral, a de um g−toro
(esfera com g alças) é 2 − 2g.
De fato, demonstra-se em Topologia Combinatória (ver o livro de Seifert e Threlfall,
Lecciones de Topologia) que toda superfı́cie compacta orientável é o espaço quociente de
um polı́gono por uma relação de equivalência segundo a qual os lados que constituem o bordo
do polı́gono são identificados dois a dois, de acordo com os esquemas que são ilustrados nas
figuras abaixo.

Instituto de Matemática - UFF 325


Geometria Diferencial

Se π : P −→ S é a aplicação quociente do polı́gono P de 4n lados sobre a superfı́cie S, o


contorno de P é transformado por π numa reunião de 2g cı́rculos com um ponto em comum.
O número

2 − Ξ(S)
g=
2

é chamado o gênero de S.

Fig. 47:
Fig. 46: Esfera F = 4, E = 6, V = 4 =⇒ χ(S2 ) = 4 − 6 + 4 = 2
F = 8, E = 12, V = 6 =⇒ χ(S2 ) = 8 − 12 + 6 = 2

Fig. 49: Polı́gono de 4 lados

F = 12, E = 18, V = 6 =⇒ χ(T ) = 12 − 18 + 6 = 0


Fig. 48: Toro

Fig. 51: Polı́gono de 8 lados


Fig. 50: Bitoro
F = 8, E = 12, V = 2 =⇒ χ(bitoro) = 8 − 12 + 2 = −2

326 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Em geral: g−toro∼ esfera com g alças

Fig. 52: Polı́gono de 4g lados

=⇒ χ(g−toro) = 4g − 6g + 2 = 2 − 2g

Teorema 4.3 (Teorema de classificação das superfı́cies compactas regulares em R3 )


Toda superfı́cie regular compacta S ⊂ R3 é homeomorfa à esfera ou a um g−toro. Então
Ξ(S) = 2 − 2g, g = 0, 1, . . . , sendo g = 0 no caso da esfera.

Corolário 4.1 Sejam S1 e S2 duas superfı́cies regulares compactas em R3 . Então S1 é ho-


meomorfa a S2 se, e só se, Ξ(S1 ) = Ξ(S2 ).

Proposição 4.4 Sejam S uma superfı́cie regular orientada e seja {xα : Uα −→ Xα (Uα ) | α ∈
A} uma famı́lia de parametrizações compatı́veis com a orientação de S que cobre toda a su-
perfı́cie S. Seja R uma região regular de S. Então existe uma triangulação T de R tal que
cada triângulo T ∈ T está contido em alguma vizinhança coordenada Xα (Uα ) da famı́lia {Xα }.
Além disso, se a fronteira de cada triângulo está orientado positivamente, triângulos adjacentes
determinam orientações opostas no lado em comum.

Fig. 53: Triangulação da região R

Finalmente, seja R ⊂ S uma região regular de uma superfı́cie orientada S e seja T uma
triangulação de R tal que todo triângulo Tj ∈ T , j = 1, . . . , k, está contido em uma vizinhança
coordenada Xj (Uj ) de uma famı́lia de parametrizações {Xα : Uα −→ Xα (Uα ) | α ∈ A} com-
patı́veis com a orientação de S. Seja f : S −→ R uma função diferenciável. A proposição
abaixo mostra que faz sentido falar da a integral de f sobre a região S.

Instituto de Matemática - UFF 327


Geometria Diferencial

Proposição 4.5 Com a notação acima, a soma

k ZZ
X q
f ◦ Xj (uj , vj ) Ej Gj − F2j (uj , vj ) duj dvj
j=1 X−1
j (Tj )

não depende da triangulação T nem da famı́lia {Xα } de parametrizações de S.


Esta soma é chamada a integral de f sobre a região regular R e será denotada por
ZZ
f dσ .
R

Teorema 4.4 (Teorema de Gauss-Bonnet Global)


Seja R uma região regular de uma superfı́cie orientada S e sejam C1 , . . . , Cn as curvas fe-
chadas, simples e regulares por partes que formam a fronteira ∂R de R. Suponha que cada
Ci é orientada positivamente e que {θ1 , . . . , θp } é o conjunto de todos os ângulos externos de
C1 , . . . , Cn . Então
n Z
X ZZ X
p
κg (s) ds + K dσ + θi = 2πΞ(R) ,
i=1 Ci R i=1

onde s denota o comprimento de arco de Ci , e a integral sobre Ci é a soma das integrais em


cada arco regular de Ci .

Prova.
Seja {Xα : Uα −→ Xα (Uα ) ⊂ S | α ∈ A} uma famı́lia de parametrizações isotérmicas com-
patı́veis com a orientação de S que cobre toda a superfı́cie. Pela proposição 4.4, existe uma
triangulação T tal que cada triângulo T ∈ T está contido em uma vizinhança coordenada
Xα (Uα ) da famı́lia {Xα }. Além disso, se a fronteira de cada triângulo é orientada positivamente,
triângulos adjacentes determinam orientações opostas no lado em comum.

Fig. 54:

328 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Aplicando o teorema de Gauss-Bonnet local a cada triângulo e somando os resultados obte-


mos, utilizando a proposição 4.5 e o fato de que cada aresta ”interior” é contada duas vezes
com orientações opostas, que
X n Z ZZ X
F,3
κg (s) ds + K dσ + θj,k = 2πF ,
i=1 Ci R j,k=1

onde F é o número de triângulos de T e θj,1 , θj,2 , θj,3 são os ângulos externos do triângulo Tj .

Definimos ϕi = π − θi como sendo o ângulo interno a uma curva fechada, simples e regular
por partes num de seus vértices que tem ângulo externo θi .

Fig. 55:

Então
X
F,3 X
F,3 X
F,3 X
F,3
θj,k = π− ϕj,k = 3πF − ϕj,k .
j,k=1 j,k=1 j,k=1 j,k=1

Utilizaremos a notação:
• Ee = número de arestas externas de T ;
• Ei = número de arestas internas de T ;
• Ve = número de vértices externos de T ;
• Vi = número de vértices internos de T .
Como as curvas C1 , . . . , Cn do bordo de R são fechadas, temos que Ve = Ee .
Além disso, como 3F é a soma do número de lados dos triângulos de T , temos que
3F = 2Ei + Ee .
Portanto,

Instituto de Matemática - UFF 329


Geometria Diferencial

X
F,3 X
F,3
θj,k = 2πEi + πEe − ϕj,k .
j,k=1 j,k=1

Os vértices externos podem ser vértices de alguma curva Ci ou vértices introduzidos pela
triangulação. Então
Ve = Vec + Vet ,
onde Vec é o número de vértices das curvas Ci e Vet é o número de vértices externos da
triangulação que não são vértices de alguma das curvas Ci .
Como a soma dos ângulos internos ao redor de um vértice interno é 2π, e a soma dos ângulos
internos em torno de um vértice externo que não é um dos vértices das curvas Ci é π, obtemos:
X
F,3 X
p
θj,k = 2πEi + πEe − 2πVi − πVet − (π − θ` ) .
j,k=1 `=1

Fig. 56:

Somando e subtraindo πEe na expressão acima e sendo Ee = Ve = Vec + Vet , concluı́mos que:

X
F,3 X
p
θj,k = 2πEi + 2πEe − πEe − 2πVi − πVet − πVec + θ`
j,k=1 `=1

X
p
= 2π(Ei + Ee ) − π(Vet + Vec ) − 2πVi − πVet − πVec + θ`
`=1

X
j
= 2πE − 2π(Vi + Vet + Vec ) + θ`
`=1

X
p
= 2πE − 2πV + θ` .
`=1

Juntando os resultados acima, obtemos


Xn Z ZZ X
p
κg (s) ds + K dσ + θi = 2π(F − E + V) = 2πΞ(R) . 
i=1 Ci R i=1

330 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Como a caracterı́stica de Euler-Poincaré de uma região simples R é 1 (ver exemplo 4.1 e


proposição 4.2) , obtemos (ver observação 4.2):

Corolário 4.2 Se R é uma região simples de S, então


k Z si+1
X ZZ X
k
κg (s) ds + K dσ + θi = 2π .
i=1 si R i=1

Levando em conta o fato de que uma superfı́cie compacta pode ser considerada como uma
região com fronteira vazia, obtemos:

Corolário 4.3 Seja S uma superfı́cie regular compacta em R3 . Então


ZZ
K dσ = 2πΞ(S) .
S

Faremos agora algumas aplicações do teorema de Gauss-Bonnet. Para estas aplicações e


para os exercı́cios no final desta seção, precisaremos do seguinte resultado da topologia do
plano.

Teorema 4.5 (Teorema da curva de Jordan)


Seja C ⊂ R2 uma curva fechada, simples e regular por partes. Então R2 − C tem duas compo-
nentes conexas, uma limitada D e outra ilimitada A, tais que ∂D = ∂A = C. Além disso, D é
homeomorfo a um disco, isto é, C é o bordo de uma região simples.

(1) Uma superfı́cie compacta com curvatura positiva é homeomorfa a uma esfera.
Pelo corolário 4.3, a caracterı́stica de Euler-Poincaré de uma tal superfı́cie é positiva. Portanto,
pelo teorema 4.3 S é homeomorfa a uma esfera.

(2) Seja S uma superfı́cie orientável com curvatura Gaussiana não-positiva


(i.e. K ≤ 0). Então duas geodésicas γ1 e γ2 que partem de um ponto p ∈ S
não podem se encontrar novamente em um ponto q ∈ S de tal forma que os
traços de γ1 e γ2 constituam a fronteira de uma região simples R de S.
Suponhamos que o contrário seja verdade. Como Ξ(R) = 1 e as curvas do
bordo de R são geodésicas, temos pelo teorema de Gauss-Bonnet, que
ZZ
K dσ + θ1 + θ2 = 2π ,
Fig. 57:
R

onde θ1 e θ2 são os ângulos externos do bordo de R no pontos p e q.

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Geometria Diferencial

Temos |θi | 6= π, isto é, |θi | < π, i = 1, 2, pois, caso contrário, as geodésicas seriam tangentes e,
portanto, iguais, pela unicidade das geodésicas; não seriam, então, bordo de região alguma.

Logo, como K ≤ 0, terı́amos


ZZ
2π > θ1 + θ2 = 2π − K dσ ≥ 2π ,
R

uma contradição.
Quando θ1 = θ2 = 0, a união dos traços das geodésicas γ1 e γ2 consti-
tuem uma geodésica simples e fechada de S (isto é, uma curva regular, Fig. 58:
simples e fechada que é uma geodésica).
Então sobre uma superfı́cie de curvatura Gaussiana K ≤ 0, não existe uma geodésica simples
e fechada que seja fronteira de uma região simples.

Fig. 59:

(3) Seja S uma superfı́cie homeomorfa a um cilindro com curvatura Gaussiana K < 0. Então S
tem no máximo uma geodésica fechada simples.

Sendo S homeomorfa a um cilindro, existe um homeomorfismo ϕ : S −→ R2 − {p} entre S e o


plano menos um ponto p.

Suponhamos que S contém uma geodésica


fechada simples Γ . Então ϕ(Γ ) é o
bordo de uma região simples em R2
que contém p em seu interior.
De fato, como K < 0, pela aplicação
(2), Γ não pode ser o bordo de uma
Fig. 60:
região simples; portanto, ϕ(Γ ) tem que
ser o bordo de uma região do plano que contém o ponto p em seu interior.

Suponhamos agora que S contenha outra geodésica simples fechada e


Γ.

É um fato conhecido que se duas superfı́cies regulares em R3 são homeomorfas então elas

332 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

são difeomorfas. Podemos, então, supor que ϕ : S −→ R2 − {p} é um difeomorfismo.

Afirmação: Γ ∩ e
Γ = ∅.

(1o ) Γ e e
Γ não podem se intersectar em apenas um ponto.

Fig. 61:

Suponhamos, por absurdo, que ϕ(Γ ) e ϕ(e


Γ ) se intersectam só no ponto q. Então ϕ(Γ ) e ϕ(e
Γ)
são tangentes em q. De fato, sejam r uma reta que passa por q e não é ortogonal às retas
tangentes a ϕ(Γ ) e ϕ(e
Γ ) em q.

e : (−ε, ε) −→ S parametrizações pelo comprimento de arco de ϕ(Γ ) e ϕ(e


Sejam γ , γ Γ ), respec-
tivamente, tais que γ(0) = γ
e(0) = q.
Seja ainda v1 um vetor unitário paralelo à reta r e v2 um vetor unitário ortogonal a v1 . Então
existem funções diferenciáveis x , y , x , y : (−ε, ε) −→ R tais que
γ(s) = q + x(s) v1 + y(s) v2 ,
γ
e(s) = q + e
x(s) v1 + y
e(s) v2 ,

com x(0) = y(0) = e e(0) = 0 .


x(0) = y
Logo, sendo x(s) = hγ(s) − q , v1 i e e
x(s) = he
γ(s) − q , v1 i, temos que:
x 0 (0) = hγ 0 (0) , v1 i =
6 0
e x 0 (0) = he
e γ 0 (0) , v1 i =6 0.

x|(−ε 0 ,ε 0 ) são invertı́veis.


Portanto, existe ε 0 > 0, ε 0 < ε, tal que x|(−ε 0 ,ε 0 ) e e

x|(−ε 0 ,ε 0 ) , respectivamente.
s(x), x ∈ (−δ, δ), as inversas de x|(−ε 0 ,ε 0 ) e e
Sejam s(x) e e

Logo,
β(x) = γ(s(x)) = q + x v1 + y(s(x)) v2
e β(x)
e = γ
e(e
s(x)) = q + x v1 + y
e(e
s(x)) v2 .

Ou seja, ϕ(Γ ) e ϕ(e


Γ ) podem ser escritas como gráficos sobre a reta r numa vizinhança do
ponto q.

Instituto de Matemática - UFF 333


Geometria Diferencial

Fig. 62:

Sejam f(x) = y(s(x)) e f(x)


e =y s(x)) .
e(e

Γ ) está contida na região limitada por ϕ(Γ ), temos que f(x) ≤ f(x)
Então, como ϕ(e e para todo x.

Logo f 0 (0) = fe0 (0), pois 0 é um ponto de mı́nimo de fe − f, já que (fe − f)(0) = 0 e (fe − f)(x) ≥ 0
para todo x ∈ (−δ, δ).
Portanto, como
β 0 (0) = v1 + f 0 (0) v2
e e 0 (0) = v1 + fe0 (0) v2 ,
β

ϕ(Γ ) e ϕ(e
Γ ) são tangentes no ponto q.

Sendo ϕ(Γ ) e ϕ(e Γ também seriam tangentes no ponto ϕ−1 (q);


Γ ) tangentes no ponto q, Γ e e
uma contradição, pois, pela unicidade das geodésicas, terı́amos Γ = e
Γ.

(2o ) Suponhamos que ϕ(Γ ) ∩ ϕ(e


Γ ) 6= ∅. Então, pelo provado acima, ϕ(Γ ) ∩ ϕ(e
Γ ) consiste de
pelo menos dois pontos.

Sejam r1 e r2 dois pontos consecutivos da intersecção ϕ(Γ ) ∩ ϕ(e


Γ ).

Fig. 63:

Então a união de um dos arcos de ϕ(Γ ) com um dos arcos de ϕ(e


Γ ) entre r1 e r2 formaria a
fronteira de uma região simples em R2 − {p}.

334 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Assim, na superfı́cie S, existiria uma região simples limitada por dois arcos de geodésicas, uma
contradição, pela aplicação (2), pois K < 0.

Fig. 64:

Logo Γ ∩ e
Γ = ∅, como foi afirmado.

(3o ) Suponhamos agora que existam duas geodésicas fechadas e simples Γ e e


Γ em S que não
se intersectam.

Fig. 65:

Seja R a região limitada por Γ e e


Γ . Como R é homeomorfa a um anel, temos que Ξ(R) = 0 (ver
triangulação abaixo).

Fig. 66: F = 8 , E = 16 , V = 8 =⇒ χ(R) = 8 − 16 + 8 = 0

Instituto de Matemática - UFF 335


Geometria Diferencial

Por outro lado, pelo teorema de Gauss-Bonnet,


ZZ
K dσ = 2πΞ(R) = 0 ,
R

o que é uma contradição, já que K < 0.


(4) Se existem duas geodésicas fechadas e simples Γ1 e Γ2 numa superfı́cie S compacta, co-
nexa e com curvatura Gaussiana K > 0, então Γ1 e Γ2 se intersectam.
Para provar este resultado precisamos do teorema da curva de Jordan na esfera: Seja C ⊂ S2
uma curva fechada, simples e regular por partes. Então S2 −C tem duas componentes conexas
D1 e D2 limitadas homeomorfas a um disco, tais que ∂D1 = ∂D2 = C .

Pela aplicação (1), S é homeomorfa a uma esfera S2 e, portanto, difeomorfa.

Seja ϕ : S −→ S2 um difeomorfismo. Suponhamos que S possui duas geodésicas fechadas


e simples Γ1 e Γ2 que não se intersectam. Então ϕ(Γ1 ) e ϕ(Γ2 ) são duas curvas regulares,
fechadas e simples na esfera que não se intersectam.
Seja D a região limitada por ϕ(Γ1 ) que contém ϕ(Γ2 ). Como D é homeomorfa a um disco,
temos que a região R delimitada por ϕ(Γ1 ) e ϕ(Γ2 ) é homeomorfa a um anel. Logo, Ξ(R) = 0.

Fig. 67:

Pelo teorema de Gauss-Bonnet,


ZZ
K dσ = 2πΞ(R) = 0 ,
R

uma contradição, já que K > 0.


(5) Provaremos agora o seguinte resultado, devido a Jacobi: Seja α : [0, `] −→ S uma curva
parametrizada regular fechada (i.e. α(0) = α(`) e α(i) (0) = α(i) (`) para i = 1, 2, . . . , n, . . .)
com curvatura diferente de zero em todos os pontos. Suponha que a curva descrita pelo vetor
normal à curva η : I −→ S2 é simples. Então η(I) divide S2 em duas regiões com áreas iguais.
Podemos supor que α está parametrizada pelo comprimento de arco.

336 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Seja
Zs
s(s) = kη 0 (ξ)k dξ ,
0

a função comprimento de arco da curva η : I −→ S2 . Então s 0 (s) = kη 0 (s)k e

ds 1
(s) = 0 ,
ds kη (s(s))k

onde s(s) é a inversa de s(s).


A curvatura geodésica κg de η ◦ s em s é:

d2 (η ◦ s) d(η ◦ s)
κg (s) = h 2
(s) , (η ◦ s)(s) ∧ (s)i ,
ds ds

onde estamos considerando a esfera S2 com a orientação N(p) = p, para todo p ∈ S2 .


Como

d(η ◦ s) ds ds
• (s) = η 0 (s(s)) · (s) = (−κ(s(s))α 0 (s(s)) − τ(s(s)) · b(s(s))) (s)
ds ds ds
d2 (η ◦ s) d2 s
 ds 2
0
• 2
(s) = (−κα − τb)(s(s)) 2
(s) − (κ 0 α 0 + τ 0 b)(s(s)) (s)
ds ds ds
 ds 2
−(κ2 + τ2 )(s(s)) η(s(s)) (s) ,
ds
ds 1 1
• (s) = 0 = 2 ,
ds kη (s(s))k (κ + τ )1/2 (s(s))
2

obtemos:

1 d2 (η ◦ s)
κg (s) = h((κα 0
+ τb) ∧ η)(s(s)) , (s(s))i
(κ2 + τ2 )1/2 (s(s)) ds2
1
= − h(κb − τα 0 )(s(s)) , (κ 0 α 0 + τ 0 b)(s(s))i
(κ2 + τ2 )3/2 (s(s))
 
κ 0τ − τ 0κ κ 0τ − τ 0κ ds
= (s(s)) = (s(s)) (s)
(κ2 + τ2 )3/2 κ2 + τ2 ds
d τ ds
 
= − arctan (s(s)) (s).
ds κ ds

Então, sendo s([0, `]) = [0, `], temos

Z` Z`
d τ
 
κg (s) ds = − arctan (s) ds = 0 ,
0 0 ds κ

Instituto de Matemática - UFF 337


Geometria Diferencial

pois τ(0) = τ(`) e κ(0) = κ(`), já que α(0) = α(`), α 0 (0) = α 0 (`), α 00 (0) = α 00 (`) e α 000 (0) =
α 000 (`).

Observe também que η(0) = η(`) (=⇒ b(0) = b(`)) e η 0 (0) = η 0 (`), isto é, η : I −→ S2 é uma
curva fechada e regular.
Seja R uma das regiões limitadas por η(I) na esfera. Como η é uma curva simples, fechada e
regular, pelo teorema da curva de Jordan na esfera, R é uma região simples. Logo Ξ(R) = 1 e,
pelo teorema de Gauss-Bonnet,
ZZ
área(R) = K dσ = 2πΞ(R) = 2π ,
R

já que K ≡ 1. Assim, área(S2 − A) = 4π − 2π = 2π, pois área(S2 ) = 4π.


(6) Seja T um triângulo geodésico (i.e. os lados de T são geodésicas) em uma superfı́cie
orientada S. Sejam θ1 , θ2 e θ3 os ângulos externos de T e ϕ1 = π − θ1 , ϕ2 = π − θ2 , ϕ3 = π − θ3
os ângulos internos.
Pelo teorema de Gauss-Bonnet,
ZZ X
3
K dσ + θi = 2π .
T i=1

Assim,
ZZ X
3 X
3
K dσ = 2π − (π − ϕi ) = −π + ϕi .
T i=1 i=1

X
3
Então a soma dos ângulos internos ϕi de um triângulo geodésico é:
i=1

1. Igual a π se K = 0;
2. Maior que π se K > 0;
3. Menor que π se K < 0.

X
3 ZZ
Além disso, ϕi − π (o excesso de T ) é dado por K dσ. Se K 6= 0 em T e a restrição de
i=1 T
ZZ
N a T é injetora, K dσ é a área (com sinal) da imagem N(T ) de T pela aplicação de Gauss
T

N : S −→ S2 (ver final da observação 3.14 do capı́tulo 4).


Esta foi a forma como o próprio Gauss enunciou seu teorema: O excesso de um triângulo
geodésico T é igual à área de sua imagem esférica N(T ).

338 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

O fato acima está relacionado com uma controvérsia histórica sobre a possibilidade de provar
(a partir dos quatro primeiros axiomas) o quinto axioma de Euclides (o axioma das paralelas),
do qual decorre que a soma dos ângulos internos de qualquer triângulo é igual a π.
Considerando as geodésicas como retas, é possı́vel mostrar que as superfı́cies com curvatura
negativa constante constituem um modelo (local) de uma geometria onde valem os axiomas
de Euclides, exceto o quinto e o axioma que garante a possibilidade de estender retas indefi-
nidamente.
Em verdade, Hilbert mostrou que não existe em R3 uma superfı́cie com curvatura nega-
tiva constante cujas geodésicas possam ser estendidas indefinidamente (a pseudo-esfera do
exercı́cio 6, seção 3.3 do livro de Manfredo Do Carmo, tem uma aresta circular de pontos
singulares). Portanto, as superfı́cies em R3 com curvatura Gaussiana negativa constante não
fornecem um modelo para testar a independência do quinto axioma de Euclides.
No entanto, utilizando a noção de superfı́cie abstrata, é possı́vel contornar este problema e
construir um modelo de geometria onde todos os axiomas de Euclides, menos o quinto, são
válidos. Este axioma é, portanto, independente dos demais.

Fig. 68: Semi-plano de Poincaré

O Semi-plano de Poincaré (figura acima) é o semi-plano H = {(x, y) ∈ R2 | y > 0} com a métrica


1
hhv , wii(x,y) = y2
hv , wi ,

onde h , i é o produto interno usual de R2 . Com esta métrica, a superfı́cie (abstrata) H tem curvatura Gaussiana
constante igual a −1 e suas geodésicas são as semi-retas e os semi-cı́rculos perpendiculares ao eixo Ox.

(7) Campos de vetores sobre superfı́cies


Seja ν um campo diferenciável de vetores em uma superfı́cie orientada S.
Dizemos que p ∈ S é um ponto singular de ν se ν(p) = 0. O ponto singular é dito isolado se
existe uma vizinhança V de p em S tal que ν não tem pontos singulares em V além de p.
A cada ponto singular isolado p de um campo de vetores ν vamos associar um número inteiro,

Instituto de Matemática - UFF 339


Geometria Diferencial

o ı́ndice de ν em p, da seguinte maneira:


Seja X : U −→ X(U) ⊂ S uma parametrização ortogonal em p = X(u0 , v0 ), (u0 , v0 ) ∈ U,
compatı́vel com a orientação de S, tal que ν(p) 6= 0 para todo p ∈ X(U)−{p}, e seja α : [0, `] −→
S uma curva parametrizada simples, fechada, regular por partes e orientada positivamente tal
que α([0, `]) ⊂ X(U) é a fronteira de uma região simples R contendo p em seu interior.
Seja v(t) = ν(α(t)), t ∈ [0, `], a restrição de ν ao longo de α, e seja ϕ : [0, `] −→ R uma
determinação diferenciável por partes do ângulo positivo de Xu a v(t), isto é,

v(t) X X
= cos ϕ(t) u (β(t)) + sen ϕ(t) v (β(t)) ,
kv(t)k kXu k kXv k

onde α(t) = X(β(t)) (o lema 5.1 do capı́tulo 1 pode ser estendido a curvas regulares por
partes).
Como α é fechada (α(0) = α(`)) existe um inteiro I definido por
Z`
2πI = ϕ(`) − ϕ(0) = ϕ 0 (t) dt , (41)
0

pois cos ϕ(`) = cos ϕ(0) e sen ϕ(`) = sen ϕ(0), já que v(0) = v(`), Xu (β(0)) = Xu (β(`)) e
Xv (β(0)) = Xv (β(`). O inteiro I é chamado o ı́ndice de v em p .
Precisamos mostrar que I está bem definido, isto é, que I independe da parametrização X e
da curva α escolhidas.
1o I independe da parametrização X.
Seja w0 ∈ Tα(0) S um vetor unitário e seja ω(t) o transporte paralelo de w0 ao longo de α. Seja
ψ(t) uma determinação diferenciável por partes do ângulo positivo de Xu (β(t)) a ω(t).
Então, pela observação 4.3,
ZZ
ψ(`) − ψ(0) = K dσ , (42)
R

que independe da parametrização X.


Subtraindo as relações (41) e (42), obtemos:
ZZ
K dσ − 2πI = (ψ − ϕ)(`) − (ψ − ϕ)(0) , (43)
R

Xu X v(t)
Sejam e1 (t) = (β(t)) , e2 (t) = v (β(t)) , v1 (t) = = cos ϕ(t) e1 (t) + sen ϕ(t) e2 (t)
kXu k kXv k kv(t)k
e w(t) = cos ψ(t) e1 (t) + sen ψ(t) e2 (t).

340 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Sejam v2 (t) = N(α(t)) ∧ v1 (t) e ξ(t) uma determinação diferenciável por partes do ângulo
positivo de v1 (t) a w(t), isto é,

w(t) = cos ξ(t) v1 (t) + sen ξ(t) v2 (t) .

Então, sendo N(t) = N ◦ α(t), temos:

w(t) = cos ξ(t) (cos ϕ(t) e1 (t) + sen ϕ(t) e2 (t))


+ sen ξ(t)(cos ϕ(t) N(t) ∧ e1 (t) + sen ϕ(t) N(t) ∧ e2 (t))
= cos ξ(t) (cos ϕ(t) e1 (t) + sen ϕ(t) e2 (t)) + sen ξ(t)(cos ϕ(t) e2 (t) − sen ϕ(t) e1 (t))
= cos(ξ(t) + ϕ(t)) e1 (t) + sen(ξ(t) + ϕ(t)) e2 (t) .

Logo, existe k ∈ Z, tal que


ψ(t) = ξ(t) + ϕ(t) + 2πk ,
para todo t ∈ [0, `]. Assim,

(ψ − ϕ)(`) − (ψ − ϕ)(0) = ξ(`) − ξ(0)

independe da parametrização X.
Portanto, I independe da parametrização X.
2o I independe da curva α.
Sejam α0 e α1 duas curvas como na definição do ı́ndice. Suponhamos primeiro que os traços
de α0 e α1 não se intersectam. Suponhamos também que α0 e α1 estão definidas no mesmo
intervalo I = [0, `] e que α0 está contida na região simples R limitada pelo traço de α1 .

Fig. 69:

Sejam ϕ, ψ : [0, `] −→ R determinações diferenciáveis por partes do ângulo positivo de Xu a v


ao longo de α0 e α1 , respectivamente.

Sejam a, b : [0, `] −→ S1 as funções contı́nuas dadas por:

a(t) = (cos ϕ(t) , sen ϕ(t)) e b(t) = (cos ψ(t) , sen ψ(t)) .

Instituto de Matemática - UFF 341


Geometria Diferencial

• Consideremos primeiro o caso particular em que vale |a(t) − b(t)| < 2 para todo t ∈ [0, `],
isto é, os pontos a(t) e b(t) nunca são antı́podas.
Então podemos tomar ϕ(0) = ϕ0 e ψ(0) = ψ0 de modo que |ϕ0 − ψ0 | < π.
Como a(t) e b(t) nunca são antı́podas, temos que |ϕ(t) − ψ(t)| 6= π para todo t ∈ [0, `]. Este
fato, junto com |ϕ(0) − ψ(0)| < π nos dá |ϕ(t) − ψ(t)| < π para todo t ∈ [0, `].
Sendo

2π(I(α1 ) − I(α0 )) = (ψ(`) − ψ(0)) − (ϕ(`) − ϕ(0)) = (ψ(`) − ϕ(`)) − (ψ(0) − ϕ(0)) ,

temos que
|2π(I(α1 ) − I(α0 )| ≤ |ψ(`) − ψ(`)| + |ψ(0) − ϕ(0)| < 2π ,
ou seja, |I(α1 ) − I(α0 )| < 1. Logo, I(α1 ) = I(α0 ).
• Como R é homeomorfa a um disco, α0 e α1 são livremente homotópicas, isto é, existe uma
aplicação contı́nua
H : [0, `] × [0, 1] −→ R ,
tal que H(t, 0) = α0 (t) , H(t, 1) = α1 (t) e H(0, s) = H(1, s) para todo s ∈ [0, 1], isto é, para
todo s ∈ [0, 1], a curva Hs : [0, `] −→ R, Hs (t) = H(t, s), é fechada.
Sejam as funções contı́nuas f, g : [0, `] × [0, 1] −→ R dadas por:

v(H(t, s)) X (β(t, s)) X (β(t, s))


= f(t, s) u + g(t, s) v ,
|v(H(t, s))| kXu (β(t, s))k kXv (β(t, s))k

onde X(β(t, s)) = H(t, s).


e : [0, `] × [0, 1] −→ S1 , H(t,
Logo H e s) = (f(t, s), g(t, s)), é uma função contı́nua (uma homotopia)

tal que H(t,


e 0) = a(t) , H(t,
e 1) = b(t) e H(0,
e s) = H(`,
e s).

e : [0, `] × [0, 1] −→ S1 é uniformemente contı́nua, existe δ > 0 tal que


Como H

|s − s 0 | < δ =⇒ |H(t, e s 0 )| < 2 ,


e s) − H(t,

para todo t ∈ [0, `].


Sejam 0 = s0 < s1 < . . . < sk = 1 tais que si+1 − si < δ e definamos os caminhos fechados
a0 = a, a1 , . . . , ak = b em S1 , pondo ai (t) = H(t,
e si ). Então

|ai (t) − ai+1 (t)| < 2 ,

para todo t ∈ [0, `].


Logo, pelo provado acima, I(α0 ) = I(Hs1 ) = I(Hs2 ) = . . . = I(Hsk−1 ) = I(α1 ) .

342 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Observação 4.6 O lema 5.1 do capı́tulo 1 também vale para caminhos β : [0, `] −→ S1
contı́nuos, isto é, se β(0) = (cos θ0 , sen θ0 ), existe uma única função θ : [0, `] −→ R contı́nua
tal que θ(0) = θ0 e
β(t) = (cos θ(t) , sen θ(t)) ,

para todo t ∈ [0, `]. Fato que usamos acima, já que os caminhos a1 , . . . , ak−1 são apenas
contı́nuos.

• Se os traços de α0 e α1 se intersectam, escolhemos uma curva suficientemente pequena


cujo traço não intersecta os traços de α0 e α1 e aplicamos o resultado anterior.

Fig. 70:

Observação 4.7 A definição de ı́ndice também pode ser aplicada quando p não é um ponto
singular de v (isto é, v(p) 6= 0). Neste caso o ı́ndice é nulo.
De fato, sendo v 6= 0 numa vizinhança de p, existe, pela observação abaixo, uma parametrização
X : U −→ X(U) ortogonal, com p ∈ X(U), compatı́vel com a orientação de S, tal que v k Xu .
ϕ(`) − ϕ(0)
Assim, ϕ(t) ≡ 0 ou ϕ(t) ≡ π. Em qualquer caso, I = = 0.

Observação 4.8 Seja Y : V −→ Y(V) uma parametrização ortogonal de S em p. Sejam as


funções diferenciáveis a, b : V −→ R dadas por

w(Y(u, v)) = a(u, v)Yu (u, v) + b(u, v)Yv (u, v) .

Considere agora o campo de vetores diferenciável w ortogonal ao campo w dado por:

w(Y(u, v)) = (bG)(u, v)Yu (u, v) − (aE)(u, v)Yv (u, v) ,

onde E = hYu , Yu i e G = hYv , Yv i.

Instituto de Matemática - UFF 343


Geometria Diferencial

Como w(p) e w(p) são LI, existe, pelo teorema 4.4 do capı́tulo 4, uma parametrização
X : U0 −→ X(U0 ) de S em p, tal que Xu (u, v) k w(X(u, v)) e Xv (u, v) k w(X(u, v)) para todo
(u, v) ∈ U0 . Então X é uma parametrização ortogonal.
Xu ∧ Xv
Caso X não seja compatı́vel com a orientação de S, isto é, N(X(u, v)) = − (u, v),
kXu ∧ Xv k
basta considerar a parametrização X = X ◦ h : U −→ X(U), onde h(u, v) = (u, −v) e h(U0 ) = U
(=⇒ h(U) = h2 (U0 ) = U0 ).

De fato, Xu (u, v) = Xu (u, −v) k w(X(u, v)), Xv (u, v) = −Xv (u, −v) e, portanto,

Xu ∧ Xv X ∧ Xv
(u, v) = − u (u, −v) = N(X(u, −v)) = N(X(u, v)) .
kXu ∧ Xv k kXu ∧ Xv k

Exemplo 4.2 Calcularemos os ı́ndices de alguns campos de vetores no plano que têm (0, 0)
como ponto singular. As curvas que aparecem no desenho são as trajetórias dos campos de
vetores.
(1) w(x, y) = (−x, −y).

Fig. 71:

Restringindo w à curva fechada α(t) = (cos t, sen t), t ∈ [0, 2π], obtemos

w(t) = w(α(t)) = (− cos t, − sen t) = (cos(t + π), sen(t + π)) ,

isto é, o ângulo positivo de (1, 0) a w(t) é t + π. Logo, o ı́ndice do ponto singular (0, 0) é

ϕ(2π) − ϕ(0) 3π − π
I= = = 1.
2π 2π

(2) w(x, y) = (−x, y).

344 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Fig. 72:

Tomando a curva fechada α(t) = (cos t, sen t), t ∈ [0, 2π], obtemos que:

w(t) = w(α(t)) = (− cos t, sen t) = (cos(−t + π), sen(−t + π)) ,

isto é, ϕ(t) = −t + π é o ângulo positivo de (1, 0) a w(t). Logo o ı́ndice do ponto singular (0, 0)

ϕ(2π) − ϕ(0) −π − π
I= = = −1 .
2π 2π

(3) w(x, y) = (x3 − 3xy2 , y3 − 3x2 y).

Fig. 73:

Restringindo w à curva fechada α(t) = (cos t, sen t), t ∈ [0, 2π], obtemos:

w(t) = w(α(t)) = (cos3 t − 3 cos t sen2 t, sen3 t − 3 cos2 t sen t) = (cos(−3t), sen(−3t)) ,

pois:

cos 3t = cos(2t + t) = cos 2t cos t − sen 2t sen t = (cos2 t − sen2 t) cos t − 2 sen2 t cos t
= cos3 t − 3 sen2 t cos t ,

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Geometria Diferencial

sen 3t = sen(2t + t) = sen 2t cos t + cos 2t sen t = 2 sen t cos2 t + cos2 t sen t − sen3 t
= − sen3 t + 3 sen t cos2 t .

Logo ϕ(t) = −3t é o ângulo positivo de (1, 0) a w(t).


Portanto, o ı́ndice do ponto singular (0, 0) é
ϕ(2π) − ϕ(0) 6π
I= = − = −3 . 
2π 2π

Sejam S ⊂ R3 uma superfı́cie compacta orientada e v um campo de vetores diferenciável em


S cujos pontos singulares são isolados.
Então v tem um número finito de singularidades, pois, caso contrário, o conjunto dos pontos
singulares teria, por compacidade, um ponto de acumulação que seria uma singularidade não
isolada.
Seja {Xα : Uα −→ Xα (Uα ) | α ∈ A} uma famı́lia de parametrizações ortogonais compatı́veis
com a orientação de S que cobre toda a superfı́cie. Seja T uma triangulação de S tal que:
(1) Cada triângulo T ∈ T está contido em alguma vizinhança coordenada da famı́lia {Xα }.
(2) Cada triângulo T ∈ T contém no máximo um ponto singular e se existir, está no seu interior.
(3) A fronteira de qualquer triângulo T ∈ T está orientada positivamente.
Aplicando a equação (43) a um dos triângulos Ti ∈ T , obtemos

ZZ
K dσ − 2πIi = ξi (`i ) − ξi (0) (44)
Ti

v(αi (t))
onde ξi (t) é uma determinação diferenciável por partes do ângulo positivo de vi1 (t) =
kv(αi (t))k
a wi (t), sendo wi (t) o transporte paralelo de um vetor unitário w0 ∈ Tα(0) S ao longo da
parametrização αi : [0, `i ] −→ S regular por partes do bordo ∂Ti , isto é, wi (t) = cos ξi (t)vi1 (t) +
sen ξ1 (t)(N(t) ∧ vi1 (t)).

Seja Tj ∈ T um triângulo que tem uma aresta, αi : [ti , ti+1 ] −→ S, em comum com o triângulo
Ti .

346 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

Fig. 74:

Seja βj : I −→ S uma parametrização regular por partes do bordo ∂Tj orientada positivamente,
tal que βj |[sj ,sj+1 ] é a parametrização regular do lado em comum com Ti .

Então existe uma função diferenciável decrescente hij : [sj , sj+1 ] −→ [ti , ti+1 ]

Fig. 75:

tal que βj (s) = αi (hij (s)) para todo s ∈ [sj , sj+1 ].

Seja wj (s) o transporte paralelo do vetor unitário wi (ti+1 ) ∈ Tαi (ti+1 ) S = Tβj (sj ) S ao longo de
βj : [sj , sj+1 ] −→ S.

Seja wj (s) = wi (hij (s)). Como

Dwj Dwi
(s) = (hij (s)) hij (s) = 0 ,
ds dt

e wj (sj ) = wi (hij (sj )) = wi (ti+1 ), segue-se da unicidade do transporte paralelo, que wj (s) =
wj (s), para todo s ∈ [sj , sj+1 ].
Logo
wj (s) = wi (hij (s)) = cos(ξi (hij (s)))vi1 (hij (s)) + sen(ξi (hij (s)))vi2 (hij (s)) ,

onde vi2 (t) = N(t) ∧ v1 (t).


v(βj (s))
Ou seja, ξi ◦ hij é uma determinação diferenciável do ângulo positivo de a wj (s).
kv(βj (s))k

Então
(ξi ◦ hij )(sj+1 ) − (ξi ◦ hij )(sj ) = ξi (ti ) − ξi (ti+1 ) = −(ξi (ti+1 ) − ξi (ti )) .

Instituto de Matemática - UFF 347


Geometria Diferencial

Observação 4.9 A diferença ξ(ti+1 ) − ξ(ti ) não depende do campo paralelo de vetores
unitários ao longo da curva parametrizada regular α : [ti , ti+1 ] −→ S.
De fato, sejam w1 e w2 campos de vetores unitários paralelos ao longo de α, e

w1 (t) = cos ξ1 (t) v1 (t) + sen ξ1 (t) v2 (t) ,


w2 (t) = cos ξ2 (t) v1 (t) + sen ξ2 (t) v2 (t) ,

onde ξi (t) é uma determinação diferenciável do ângulo positivo de v1 (t) a wi (t), i = 1, 2.


Como

hw1 (t) , w2 (t)i = cos ξ1 (t) cos ξ2 (t) + sen ξ1 (t) sen ξ2 (t) = cos(ξ1 (t) − ξ2 (t)) = const. ,

d Dw1 Dw2
pois hw1 , w2 i(t) = h (t) , w2 (t)i + hw1 (t) , (t)i = 0 para todo t, temos que existem
dt dt dt
θ0 ∈ R e k0 ∈ Z tais que
ξ1 (t) − ξ2 (t) = θ0 + 2πk0
para todo t.
Logo
ξ1 (ti+1 ) − ξ1 (ti ) = ξ2 (ti+1 ) − ξ2 (ti ) ,
como havı́amos afirmado.

Aplicando a equação (44) a todos os triângulos T ∈ T , somando os resultados e levando em


conta que a aresta de cada T ∈ T aparece duas vezes com orientações opostas, obtemos,
pelo provado acima, que
ZZ X
k
K dσ − 2π Ii = 0 ,
S i=1

onde Ii é o ı́ndice do ponto singular pi , i = 1, . . . , k.


Então, pelo teorema de Gauss-Bonnet (corolário 4.3), chegamos finalmente a

X
k ZZ
1
Ii = K dσ = Ξ(S) .
2π S
i=1

Provamos, assim, o seguinte resultado:

Teorema 4.6 (Teorema de Poincaré)


A soma dos ı́ndices de um campo de vetores diferenciável v com singularidades isoladas em
uma superfı́cie compacta S é igual à caracterı́stica de Euler-Poincaré de S.

348 J. Delgado - K. Frensel


Teorema de Gauss-Bonnet e suas Aplicações

X
Este resultado implica que Ii não depende de v mas apenas da topologia de S.

Por exemplo, em qualquer superfı́cie homeomorfa a uma esfera, todos os campos de vetores
diferenciáveis com singularidades isoladas devem ter a soma de seus ı́ndices igual a 2. Em
particular, nenhuma destas superfı́cies pode ter um campo de vetores diferenciável sem pontos
singulares, ou seja, uma esfera cabeluda não pode ser penteada.

Instituto de Matemática - UFF 349

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