Branqueamento de Capitais

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Branqueamento de capitais e compliance

Em especial, os deveres dos advogados na prevenção e no combate ao


branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo
Trabalho de investigação realizado no âmbito da cadeira de Direito dos Mercados Financeiros
Regência: Professora Doutora Rute Saraiva

Trabalho de investigação realizado por alunos da subturma 11 e 17:


Daniela Filipa da Silva n.º 61158
David Silva Campos n.º 61169
Diogo Saúde Guerreiro nº 61081
Diogo Pereira de Oliveira n.º 61376
João Silva Ceia n.º 61212
Marta Mendes Bento n.º 61231

Ano Letivo 2020/2021


Índice
Introdução 3
1. Evolução histórica no combate ao branqueamento de capitais, na perspetiva dos advogados. 5
1.1. A entrada em vigor da Lei n.º 11/2004 5
1.2. As alterações introduzidas pela Lei n.º 25/2008 5
1.3. O regime sancionatório do DL n.º 125/2008 6
1.4. A Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto 6
1.5. A Deliberação n.º 822/2020 (DOA) 7
2. Das instituições envolvidas na prevenção e combate ao branqueamento de capitais 8
2.1. Ordem dos Advogados (OA) 8
2.2. Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) 8
2.3. Unidade de Informação Financeira (UIF) 9
3. Os deveres dos advogados na prevenção e no combate ao branqueamento de capitais 10
3.1. Dever de controlo 10
3.2. Deveres de identificação e de diligência 11
3.3. Dever de comunicação 14
3.4. Dever de abstenção 15
3.5 Dever de recusa 17
3.6. Dever de conservação 18
3.7. Dever de exame 18
3.8. Dever de colaboração 19
3.9. Dever de não divulgação 20
3.10. Dever de formação 21
4.. O segredo profissional e a prevenção ao branqueamento de capitais: um conflito
insuperável? 22
4.1. Tentativa de compatibilização entre o segredo profissional e a prevenção ao
branqueamento de capitais 22
4.2. Jurisprudência relevante em matéria de prevenção de branqueamento de capitais na
ótica dos deveres de prevenção dos advogados 26
4.2.1. Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) 26 de Junho de 2007 26
4.2.2. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28/10/2019, Relatora: Teresa
Coimbra, Processo 2360/13.4TABRG-G. G1 30
Conclusão 33
Bibliografia 34
Webgrafia 35
Introdução

Na sociedade hodierna, o branqueamento de capitais é um dos assuntos mais debatidos


na ordem do dia. Temos assistido a uma constante evolução da legislação euro comunitária e
nacional, no sentido de prevenir a prática de branqueamento de capitais e de financiamento do
terrorismo. A prova disso é que no final da elaboração deste trabalho, a Autoridade Tributária
e Aduaneira e o Instituto da Segurança Social iniciaram a chamada Operação Lava-Tudo1, na
qual se fazem buscas no âmbito da investigação de crimes relacionados com o setor das
limpezas, entre os quais o crime de branqueamento de capitais (previsto e punido no artigo
368.º-A do Código Penal, doravante CP. No âmbito desta operação, entre os 27 mandados de
busca emitidos, um deles está a ser cumprido em relação a um escritório de advogados. Torna-
se relevante então perceber qual o papel dos advogados na prevenção ao branqueamento de
capitais.

De forma sucinta, podemos definir o branqueamento de capitais2 como o processo


segundo o qual autores de atividades criminosas encobrem a origem dos bens e rendimentos
alcançados ilicitamente, transformando a liquidez decorrente dessas atividades em capitais
reutilizáveis legalmente, por ocultação da procedência ou do real proprietário dos fundos.
Pretende-se assim a “legitimação social e jurídica do “dinheiro sujo” (notas de banco, moedas
ou moeda escritural) ou outras vantagens patrimoniais, mercê da realização de expedientes,
operações ou negócios que impossibilitem, a final, a identificação da sua origem malsã e,
correlativamente, proporcionem uma aparência de legalidade, atribuindo um título jurídico (à
primeira vista) válido a determinado património ilegitimamente adquirido3”.

Importa também referir a noção de compliance, importada da língua inglesa, com


origem no verbo “to comply”, consubstanciando de acordo com a PWC como o “modelo

1
Cfr. https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/destaques/Paginas/Operacao_Lava_Tudo.aspx;
2
Como resulta do sítio internet do Portal de Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, o
branqueamento de capitais pode englobar 3 fases: i) a fase da colocação, em que os bens e os rendimentos são
colocados nos circuitos financeiros e não financeiros, através, por exemplo, de depósitos em instituições
financeiras ou de investimenetos em atividades lucrativas e em bens de valor elevado; ii) a fase da circulação, em
que os bens e os rendimentos são objeto de múltiplas e repetidas operações, v.g. uma transferência de fundos, com
o propósito de os distanciar da sua origem criminosa, eliminando qualquer vestígio sobre a sua proveniência e
propriedade; iii) a fase da integração na economia, em que os bens e os rendimentos já estão reciclados, são
reintroduzidos nos circuitos económicos legítimos, mediante a utlização, por exemplo, na aquisição de bens e
serviços. Cfr.https://www.portalbcft.pt/pt-pt/content/branqueamento-de-capitais;
3
Cfr. JORGE BACELAR GOUVEIA, JÚLIO ELVAS PINHEIRO, Branqueamento de capitais e Beneficiário
Efetivo – Introdução e Legislação, Forte da Casa, PETRONY EDITORA, 2019, p. 13.

3
organizacional, processos e sistemas usados para garantir a adesão às leis e regulamentos, às
políticas e normas internas e expectativas dos intervenientes importantes considerando, por
exemplos, os seus clientes, empregados, fornecedores, investidores, auditores, e reguladores
de forma a que a empresa possa proteger e aumentar o seu modelo de negócio, reputação e
condição financeira”4. No fundo, o compliance prende-se com a conduta que a empresa deve
adotar de acordo com os padrões de comportamento exigidos legalmente e normalmente
associados a uma atividade profissional. Tem assim toda a relevância perceber quais os padrões
obrigatórios que devem ser cumpridos pelos advogados na prevenção e no combate ao
branqueamento de capitais.

Para podermos compreender tais padrões, começaremos por abordar uma evolução
histórica da legislação em matéria de branqueamento de capitais em Portugal, tendo logo de
seguida especial atenção às instituições que estão envolvidas na prevenção e no combate ao
branqueamento de capitais. Depois, analisaremos os deveres aos quais estão adstritos os
advogados no seu dia-a-dia profissional para evitar esta atividade. Por fim, teremos especial
atenção à correlação entre o segredo profissional dos advogados e o cumprimento desses
deveres.

4
HERBERT BUFF, Compliance – Furrungskontrolle durch den Vernaltungsrat, Peter Forstmoser, Schweiser zum
Handels, Zurich, 2000 apud SEBASTIÃO NÓBREGA PIZARRO “Manual De Compliance”, Nova Causa
Edições Jurídicas, 2016 apud ANA LÚCIA VICENTE, O branqueamento e o financiamento do terrorismo e da
proliferação: uma perspetiva de compliance bancário, Dissertação de Mestrado Forense, Universidade Católica
Portuguesa, Abril de 2018, disponível em:
https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/26761/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado%20-
%20Ana%20Vicente%20.pdf;

4
1. Evolução histórica no combate ao branqueamento de capitais, na perspetiva dos
advogados.

1.1. A entrada em vigor da Lei n.º 11/20045

Uma das primeiras leis quanto à temática do branqueamento de capitais é datada de


2004. A Lei n.º11/2004 (revogada pela Lei n.º 25/2008) foi uma das primeiras a estabelecer
um regime de prevenção e repressão do branqueamento de capitais e consubstanciou uma
alteração ao artigo 16.º do CP. Como é visível, a lei em causa teve uma importante e decisiva
abordagem sobre a temática em questão, na medida em que se ocupou em clarificar os deveres
inerentes às transações possivelmente inseridas em casos de branqueamento de capitais bem
como o âmbito e os limites de aplicação desses mesmos deveres. Estes deveres, exaustivamente
explanados nesta lei, ainda hoje são mencionados na legislação em vigor e são basilares para o
controlo do branqueamento de capitais.

1.2. As alterações introduzidas pela Lei n.º 25/20086

Ainda que bastante importante a Lei n.º 11/2004, a professora Catarina Abegão Alves
entende que a Lei n.º 25/2008, que revoga a lei mencionada supra, é um marco legislativo, na
medida em que consagra um amplo catálogo de deveres quanto à prevenção do branqueamento
de capitais onerando as mais diversas entidades (“entidades sujeitas”), nas quais se incluíam os
advogados7. Não obstante a referência aos advogados já existir em legislação anterior sobre a
mesma temática, nomeadamente na Lei n.º 11/2004, é, no nosso entender, dado um maior
enfoque às instituições não financeiras, e que se pode justificar pelo facto de que cada vez mais
as operações de branqueamento de capitais recorrerem a instituições não financeiras, como por
exemplo os advogados. A Lei n.º 25/2008 é também muito importante no processo de combate
ao branqueamento de capitais pelo tratamento mais individualizado que dá à temática do
financiamento de terrorismo, atividade muitas das vezes interligada ao branqueamento de
capitais e que, através do disposto pelo aditamento (à Lei n.º 52/2003) levado a cabo pela Lei
n.º 25/2008 passou a ser crime punível com pena de 8 a 15 anos. Foi, com certeza, um passo
importante para a prevenção do branqueamento de capitais e de uma das suas vertentes pela

5
Disponível em: https://dre.pt/home/-/dre/210422/details/maximized
6
Disponível em: https://data.dre.pt/eli/lei/25/2008/06/05/p/dre/pt/html
7
Cfr. C.ABEGÃO ALVES, “O segredo profissional e o papel dos advogados na prevenção do branqueamento
de capitais” in Anatomia do Crime - Revista de Ciências Jurídico-Criminais, n.º 10, Julho.Dezembro/2019, pp.71
e ss.

5
criminalização da mesma com penas consideravelmente altas, funcionando mais que não seja
com caráter dissuasor.

1.3. O regime sancionatório do DL n.º 125/20088

O governo português (de José Sócrates) em 2008, introduziu um regime sancionatório


para controlar e punir contra-ordenações aos deveres previstos no regulamento europeu n.º
1781/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho. Este regime sancionatório deveria ser visto
como uma ferramenta de apoio na luta contra o branqueamento de capitais e nunca como
alternativa9 e por essa mesma razão é nos dito no artigo 2.º, n.º 2, que o disposto neste diploma
não prejudica a aplicação da Lei n.º 25/2008. Este regime sancionatório tem como objeto as
transferências de fundos, qualquer que seja a moeda em que sejam efectuadas, recebidas ou
enviadas por prestadores de serviços de pagamento estabelecidos em Portugal, excetuados os
vales postais compreendidos na concessão do serviço postal universal. Não foi incluído este
regime na lei já mencionada por ter um número/círculo de destinatário bastante mais restrito,
ainda que a rastreabilidade de transferências seja uma ferramenta muito importante para o
combate e prevenção de branqueamento de capitais. O presente regime (revogado pela Lei n.º
83/2017) residia essencialmente na regulamentação de coimas para contra-ordenações
relacionadas com deveres de informação e transparência em transferências de fundos
monetários. Afigurou-se como um instrumento importante para o combate ao branqueamento
capitais, muito devido ao artigo 11º na medida em que sempre que as informações prestadas
fossem insuficientes ou suspeitas estas deviam ser relatadas às autoridades competentes quanto
ao branqueamento de capitais.

1.4. A Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto

Mais concretamente quanto aos advogados, importa referir o artigo 4.º que apesar de
não introduzir nenhum elemento novo a nível legislativo é importante para a contextualização
do nosso trabalho. Nos termos do art 4.º, n.º 1, al. f) da Lei n.º 83/2017, os advogados, entre
outros profissionais independentes da área jurídica, constituídos em sociedade ou em prática
individual, estão sujeitos às medidas de prevenção de branqueamento de capitais, quando
exerçam a sua atividade em território nacional, sendo que os advogados apenas estão sujeitas
às disposições desta lei, quando intervenham ou assistam, por conta de um cliente ou noutras

8
Disponível em: https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/456777/details/normal?l=1
9
Cfr. Prefácio do Decreto-Lei n.º 125/2008, de 21 de julho de 2008, disponível em:
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/456777/details/normal?l=1

6
circunstâncias nos termos do art 4.º, n.º 2 em: a) Operações de compra e venda de bens imóveis,
estabelecimentos comerciais ou participações sociais; b) Operações de gestão de fundos,
valores mobiliários ou outros ativos pertencentes a clientes; c) Operações de abertura e gestão
de contas bancárias, de poupança ou de valores mobiliários; d) Operações de criação,
constituição, exploração ou gestão de empresas, sociedades, outras pessoas coletivas ou centros
de interesses coletivos sem personalidade jurídica, que envolvam: i) A realização das
contribuições e entradas de qualquer tipo para o efeito necessárias; ii) Qualquer dos serviços
referidos nas alíneas a) a f) do número seguinte; e) Operações de alienação e aquisição de
direitos sobre praticantes de atividades desportivas profissionais; f) Outras operações
financeiras ou imobiliárias, em representação ou em assistência do cliente.

1.5. A Deliberação n.º 822/2020 (DOA)

Em 2020, três anos após a entrada em vigor da Lei n.º 83/2017, a Ordem dos
Advogados, doravante OA, toma uma posição concreta e bastante pormenorizada na prevenção
ao branqueamento de capitais, com base na possibilidade que lhe é conferida nos termos do
artigo 90.º da Lei n.º 83/2017.
O seu objetivo é claro e simples, isto é, “conferir certeza e segurança na atuação
profissional dos advogados, em absoluto cumprimento dos deveres a que se encontram
legalmente adstrito ao nível da prevenção de branqueamento de capitais”.
As disposições do Regulamento são aplicáveis aos advogados sempre que intervenham
ou assistam, por conta de um cliente ou outras circunstâncias nas operações mencionadas no
artigo 3.º, n.º 1, estando expressamente excluído os atos do artigo 4.º, n.º1, não integrando o
âmbito da previsão da lei os atos de consulta jurídica ou de emissão de pareceres (al. a)) nem
os atos de patrocínio forense e de representação judiciária (al. b)) nem tão pouco a informação
obtida do cliente ou de terceiro visando a prática dos atos referidos nas alínea antecedentes (al.
c)).
A principal novidade desta deliberação é a concretização dos deveres dos advogados à
luz dos artigo 6.º e seguintes, que analisaremos infra, concretização essa que vinha sendo
reclamada por alguma doutrina portuguesa10.

10
ABEGÃO ALVES, Anatomia do Crime - Revista de Ciências Jurídico-Criminais, pp.74 e ss.

7
2. Das instituições envolvidas na prevenção e combate ao branqueamento de
capitais

No combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, tendo em


especial atenção a garantia do cumprimento por parte dos advogados de deveres preventivos,
algumas entidades trabalham em estreita cooperação11. Passamos a analisar de forma breve a
função de cada uma dessas entidades no combate ao branqueamento de capitais, sempre
prejuízo de retornarmos a sua análise infra12.

2.1. Ordem dos Advogados (OA)

Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro, doravante EOA,
a OA, enquanto ordem profissional13, consiste numa associação pública representativa dos
profissionais que exercem a advocacia. Como consta ainda do artigo 1.º, n.º 2, estamos perante
uma pessoa colectiva de direito público que, no exercício dos seus poderes públicos,
desempenha as suas funções de forma independente dos órgãos do Estado, sendo livre e
autónoma na sua actividade.
Como consta do artigo 2.º, n.º 1, do Regualmento da DOA, a OA é uma das entidades
adstritas ao dever de garantir o cumprimento e a fiscalização das determinações legais em
matéria de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, cabendo
ao Bastonário da OA, sem prejuízo da competência legal de outros órgãos, cumprir os deveres
que incidem sobre esta última, nos termos do artigo 2.º, n.º 2. A OA assume assim um papel
fulcral no combate ao branqueamento de capitais.

2.2. Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP)14

Nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, doravante EMJ,
o DCIAP é “um órgão de coordenação e de direção da investigação e da prevenção da
criminalidade violenta, económica-financeira, altamente organizada ou de especial
complexidade”, sendo da sua competência coordenar a direção da investigação dos crimes de
branqueamento de capitais (artigo 358.º-A do CP) e financiamento do terrorismo (artigo 57.º,
n.º 2).

11
Sobre o dever de colaboração, vide ponto 3.8;
12
Sobre os deveres dos advogados em geral, vide ponto 3.
13
De forma bastante pormenorizada, cfr. D. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo I, 4ª ed.,
Coimbra, Almedina, 2016, pp.458. e ss.;
14
Cfr. o disponivel em https://dciap.ministeriopublico.pt/pagina/prevencao-do-branqueamento;

8
2.3. Unidade de Informação Financeira (UIF)

Se à DCIAP cabe a coordenação e direção da investigação dos crimes de


branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, a UIF, com sede na Polícia Judiciária
de Lisboa, “tem competências a recolha, a centralização, o tratamento e a difusão, no plano
nacional, da informação respeitante à prevenção e investigação dos crimes de branqueamento
de vantagens de proveniência ilícita, financiamento do terrorismo e dos crimes tributários,
assegunrando, no plano interno, a cooperação e a articulação coma autoridade judiciária,
com as autoridades de supervisão e de fiscalização e com as entidades financeiras e não
financeiras, previstas na Lei n.º83/2017, de 18 de agosto e, no plano internacional, a
cooperação com as unidades de informação financeira ou estruturas congéneres” 15. Na UIF,
podem integrar trabalhadores de qualquer autoridade de supervisão ou serviços e estruturas
governamentais, em modalidade a definir pelos respectivos ministros e de acordo com o regime
que lhes seja aplicável.

15
Cfr. o disponível em: https://www.policiajudiciaria.pt/uif/

9
3. Os deveres dos advogados na prevenção e no combate ao branqueamento de
capitais

Com base na Lei n.º 83/2017, identificamos uma série de deveres a que as entidades
obrigadas - onde se incluem os advogados, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. r) conjugado com
o artigo 4.º, n.º 1, al. f), e quando estes intervenham ou assistam, por conta de um cliente ou
noutras circunstâncias, nas obrigações previstas no artigo 4.º, n.º 2 - estão adstritas para a
prevenção do fenómeno de branqueamento de capitais. Esses deveres genérico-preventivos
encontram-se enumerados no artigo 11.º, n.º 1, sendo, a saber: (a) dever de controlo; (b) dever
de identificação e de diligência; (c) dever de comunicação; (d) dever de abstenção; (e) dever
de recusa; (f) dever de conservação; (g) dever de exame; (h) dever de colaboração; (i) dever de
não divulgação; (j) dever de formação.
A questão é que, face ao elevado número e diferente natureza das entidades obrigadas,
o legislador sentiu a necessidade de concretizar certos deveres consoante a entidade em causa.
Para o presente trabalho assume especial importância a especificação dos deveres que vinculam
os advogados, pelo que se destaca o artigo 79.º da Lei n.º 83/2017, que deve ainda ser
conjugado com a DOA16.
Passamos, de seguida, à análise desenvolvida de cada um dos deveres, genérico-
preventivos ou específicos, a que os advogados se encontram vinculados17.

3.1. Dever de controlo

Antes de mais, partindo da hierarquização dos deveres em matéria de prevenção de


branqueamento de capitais, proposta pelo Professor Miguel da Câmara Machado, e que
seguiremos, o dever de controlo é um dever secundário por consistir num “meio de apoio às
estruturas internas e externas envolvidas na prevenção do branqueamento de capitais”18.
O dever de controlo, primeiro dos deveres genérico-preventivos previstos na Lei n.º
83/2017, é estipulado no artigo 11.º, n.º 1, al. a), e regulado nos artigos 12.º e seguintes.

16
Atentos os objetivos de tal DOA apresentados supra, vide ponto 1.5.;
17
Percebe-se a importância destes deveres, e, daí a pertinência de os analisarmos, pelo facto de o seu
incumprimento ser sancionado. Nos termos do artigo 58.º da anterior Lei n.º 25/2008, os advogados podiam ser
sancionados disciplinarmente se incumprissem os seus e estavam ainda sujeitos à responsabilidade
contraordenacional nos termos do artigo 53.º da mesma Lei. No entanto, a atual Lei excluiu a responsabilidade
contraordenacional dos advogados, mantendo apenas a responsabilidade disciplinar, de acordo com os artigos
183º e 184º;
18
M. CÂMARA MACHADO, “Problemas, paradoxos e principais deveres na prevenção do branqueamento de
capitais”, C&R - Revista de Concorrência e Regulação 7, n.º 31, 2017, p. 75.

10
Procedendo a uma análise crítica de tais preceitos, estes colocam dois problemas, sendo
um deles de âmbito geral e outro que se revela quando as disposições legais são aplicadas aos
advogados como entidades obrigadas.
O artigo 12.º, n.º 1 começa por estabelecer que as entidades obrigadas “definem e
asseguram a aplicação efetiva da políticas e dos procedimentos e controlos que se mostrem
adequados à gestão eficaz dos riscos de branqueamento de capitais e de financiamento do
terrorismo a que entidade obrigada esteja ou venha a estar exposta (al. a)) e ao cumprimento,
pela entidade obrigada, das normas legais e regulamentares em matéria de prevenção do
branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo” (al. b)). Ora, ainda que o n.º 2
do artigo 12.º determine que as políticas e os procedimentos e controlos a que se refere o n.º 1
devam ser proporcionais à natureza, dimensão e complexidade da entidade obrigada e da
atividade por esta prosseguida e que tenham de compreender pelo menos um dos pontos
previstos nas várias alíneas desse preceito, a “adequação” exigida às políticas e procedimentos
e controlos que as entidades obrigadas têm de definir e de assegurar não deixa de ser um critério
que não é claro. Um conceito indeterminado como este permite uma margem de apreciação
pelo intérprete que pode colocar em causa o que poderia de facto ser a intenção legislativa,
além de tornar mais difícil a aplicação de sanções uma vez que não se concretiza o que serão
políticas adequadas à gestão eficaz dos riscos de branqueamento de capitais e de financiamento
do terrorismo a que entidade obrigada esteja ou venha a estar exposta, e, consequentemente,
não é percetível, em termos claros, o que pode ser um incumprimento deste dever de controlo.
Notado o primeiro problema, cabe agora realçar a dificuldade de efetividade do dever
de controlo no caso dos advogados, principalmente em prática singular. Pela interpretação do
artigo 12.º o controlo a que obriga a Lei n.º 83/2017 é um controlo que faz sentido ser exercido
sob e na organização interna das entidades com alguma complexidade (a que se junta o facto
de o artigo 13.º, n.º 1, determinar que é o órgão de administração das entidades obrigadas o
responsável pela aplicação das políticas e dos procedimentos e controlos em matéria de
prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo), pelo que se denota
que será dificilmente exigido ou, pelo menos, cumprido, um dever de um advogado de se
controlar a si mesmo nestas áreas.

3.2. Deveres de identificação e de diligência

Na enumeração prevista no artigo 11.º, n.º 1, os deveres de identificação e de diligência


surgem em segundo lugar (al.b)).

11
Contudo, no âmbito dos deveres a que estão sujeitos os advogados em matéria de
prevenção ao branqueamento de capitais, entendemos que tanto o dever de identificação como
o dever de diligência devem ser tidos em conta num primeiro momento. Aliás, seguindo a
sistematização do Professor Miguel Câmara Machado, estes são deveres principais.
Para que o advogado possa ter um papel útil e preventivo face ao fenómeno de que nos
ocupamos no presente trabalho, pressupõe-se, desde logo, que aquele tenha acesso a
informações, mesmo que mínimas, relativas ao seu cliente ou possível cliente.
De acordo com o artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento aprovado pela DOA19, o advogado
obtém tais informações consoante formulários aprovados pelo Conselho Geral dos quais
conste: a) no caso de pessoas singulares (i) todos os elementos constantes do documento de
identificação que contenha fotografia, incluindo data de validade ou emissão (ii) nacionalidade
ou nacionalidades no caso de plurinacionalidade (iii) profissão e entidade patronal (iv)
endereço ou domicílio (v) naturalidade (vi) número de identificação fiscal ou equivalente (vii)
assinatura (viii) identificação do beneficiário efetivo do negócio ou da transação ocasional
quando as circunstâncias do caso evidenciarem que a pessoa singular não atue por conta
própria; b) no caso de pessoas coletivas ou centros de interesse coletivo sem personalidade
jurídica (i) denominação social (ii) objeto social (iii) sede da sociedade ou da sucursal ou do
estabelecimento estável ou outra morada dos principais locais de exercício da atividade (iv)
número de identificação de pessoa coletiva ou equivalente (v) identidade dos titulares de
participação no capital e nos direitos de voto de valor igual ou superior a cinco por cento (vi)
identificação do beneficiário efetivo (vii) identidade dos titulares dos órgãos de administração
ou equivalentes, bem como de quaisquer quadros superiores relevantes com poderes de gestão
(viii) país da constituição (ix) código CAE ou equivalente; c) No caso de relação de negócio
ou transação ocasional (i) finalidade e natureza do negócio ou transação ocasional (ii) origem
dos fundos neles envolvidos, exceto no caso de o Advogado avaliar e demonstrar o baixo risco,
em concreto, da operação solicitada pelo cliente.
Como previsto no ponto (viii) do artigo 7.º, n.º 1, al. a), e no ponto (vi) do artigo 7.º, n.º
1, al. b), o advogado tem também de conhecer os beneficiários efetivos do cliente, sendo que
nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento aprovado pela DOA, consideram-se
beneficiários efetivos as pessoas e entidades referidas no artigo 30.º da Lei n.º 83/2017.

19
Notando-se que o dever de identificação foi um dos deveres que a DOA sentiu necessidade de adaptar, face aos
artigos 23.º e seguintes da Lei, à conduta dos advogados.

12
O conhecimento dos beneficiários efetivos do cliente assume especial importância
quando estamos perante uma pessoa coletiva. A pessoa coletiva não deixa de ser constituída e
representada por pessoas singulares e físicas que podem ser responsabilizadas pelos atos da
sociedade e que têm de ser identificadas (com destaque para aquelas pessoas que exercem um
maior controlo sob as decisões da pessoa coletiva).
Assim, o conhecimento do advogado de todas estas informações começa por ser
pressuposto essencial a que este consiga identificar eventuais situações de risco de
branqueamento de capitais. Contudo, note-se que esse conhecimento tem de ser real, o que
pode ser prejudicado tendo em conta que atualmente a prestação de informações é feita
essencialmente por meios eletrónicos, e, como nota o Professor Miguel Câmara Machado não
é difícil que alguém preste informações que não são suas ou utilize dados pessoais de outra
pessoa20.
Para além do procedimento de identificação que notámos, o advogado deve ainda, e
com base no disposto no artigo 27.º da Lei que concretiza um pouco do que é o dever de
diligência, proceder à obtenção de informação sobre a finalidade e a natureza pretendida numa
relação de negócio (al. a)) bem como sobre a origem e o destino dos fundos movimentados no
âmbito de uma relação de negócio ou na realização de uma transação ocasional, quando o perfil
de risco do cliente ou as características da operação o justifique (al. b)), e à manutenção de um
acompanhamento contínuo de uma relação de negócio, a fim de assegurar que as operações
realizadas no decurso dessa relação são consentâneas com o conhecimento que a entidade tem
das atividades e do perfil de risco do cliente e, sempre que necessário, da origem e do destino
dos fundos movimentados (al. c)).
Importa salientar a preocupação do legislador de que, para o que nos importa, o
advogado observe uma conduta diligente e esteja a par de uma relação de negócio não só na
sua constituição mas também na sua vida. Há que se exigir o mesmo grau de diligência do
advogado ao longo do tempo uma vez se assim não fosse os clientes poderiam, com base numa
relação de confiança com o advogado e no pressuposto de que esse já não estaria tão atento à
sua conduta, praticar atos de branqueamento de capitais, que é o que se pretende evitar21.

20
CÂMARA MACHADO, C&R - Revista de Concorrência e Regulação, p. 75;
21
CÂMARA MACHADO, C&R - Revista de Concorrência e Regulação, p. 77;

13
3.3. Dever de comunicação

O dever de comunicação, a par com os deveres de identificação e diligência,


consubstancia o núcleo dos deveres de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e
financiamento do terrorismo, e tem de ser a prioridade de todos os sujeitos passivos, incluindo
os advogados. Encontramos este dever na al. c) do artigo 11.º e artigos 43.º e seguintes da Lei
n.º 83/2017. O legislador estabelece que o advogado deve comunicar à respetiva OA em que
se encontra inscrito, todas as operações suspeitas de branqueamento de capitais e financiamento
do terrorismo.
Estabelece o n.º 1 do artigo 43.º que, havendo suspeita ou razões suficientes para
suspeitar que certos bens ou fundos, independentemente do montante envolvido, provêm de
atividade criminosa ou se relacionam com financiamento ao terrorismo, devem as entidades
obrigadas informar imediatamente o DCIAP e a UIF. Esta comunicação abrange operações
tentadas, em curso ou já executadas (n.º 2).
Chama-se à colação o dever de conservação (artigo 51.º), dado que as entidades devem
conservar cópias da comunicação e mantê-las à disposição das autoridades setoriais (n.º 3). O
artigo 43.º estabelece ainda um dever geral de comunicação.
A comunicação segue os trâmites do artigo 44.º. Verifica-se, ainda, uma comunicação
sistemática de operações de certa tipologia, definida pelo ministro responsável pela área da
justiça, dirigida ao DCIAP e à UIF, conforme o disposto no artigo 45.º.
É importante ressalvar que alguns dos deveres aqui plasmados decorrem do EOA22, ao
qual os advogados estão deontologicamente adstritos, quer em prol do exercício da profissão,
quer dos interesses do cidadão, que se apoia nos seus conhecimentos técnicos para a resolução
de litígios ou outras questões que àquele confia. Porém, este dever de comunicação não se
encontra previsto no EOA.
No artigo 79.º da Lei n.º 83/2017, encontramos um dever específico de comunicação
por parte dos advogados. O n.º 1 deste artigo refere que os advogados não se encontram
obrigados, no período de representação e defesa do cliente, às comunicações previstas nos
artigos 43.º e 47.º, n.º 2 e 3. Não obstante, refere o n.º 2 que fora das situações do n.º 1, devem
os advogados remeter as informações ao bastonário da OA e este, posteriormente, trasmitirá as
mesmas ao DCIAP e à UIF
A DOA refere, também, este dever no seu artigo 9.º.

22
Alguns dos deveres previstos no artigo 11.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, já se encontravam plasmados
no artigo 90.º do Estatuto da Ordem dos Advogados;

14
São vários os autores que apontam no sentido de que o dever de comunicação é “letra
morta”, na medida em que os advogados nunca comunicarão as atividades suspeitas, até mesmo
porque o conceito de “operação suspeita” é indeterminado.36

3.4. Dever de abstenção

O dever de abstenção surge primeiramente no artigo 11.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 83/2017,
no que diz respeito ao cumprimento dos deveres preventivos pelas entidades obrigadas. Em
maior profundidade, os advogados (e entidades obrigadas) encontram-se sujeitos pela Secção
V do Capítulo IV (artigos 47.º e seguintes) da Lei n.º 83/2017 que determina, no artigo 47.º,
n.º 1, uma obrigação de non facere face a uma operação ou conjunto de operações, presentes
ou futuras suspeitas de associação “a fundos ou outros bens provenientes ou relacionadas com
a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo 23”.

Este dever é aliado do dever de comunicação pois sempre que os advogados detetem
operações suspeitas devem denunciá-las de imediato, nos termos dos artigos 43.º e 44.º da Lei
n.º 83/2017 ao DCIAP e UIF a abstenção na execução de uma operação ou de um conjunto de
operações a que se refere o n.º 1.

Corresponde, segundo o Professor Miguel Câmara Machado, a um dever acessório aos


deveres principais (deveres de identificação, diligência, exame e comunicação), que surgem “a
partir do momento em que se deteta uma operação suspeita ou “perigosa”. Nas palavras do
Professor, “a partir desse momento não podemos dar seguimento à operação e devemos
colaborar com as autoridades24”.

O dever de abstenção pressupõe-se como um dever a efetivar de forma eventual, pois


os advogados podem não verificar nenhuma suspeita e não se impor assim esse dever, ou, “ter
consultado a UIF e o DCIAP e estes terem entendido ser mais proveitoso para a investigação
criminal a concretização da operação, apesar de criminosa (art. 47.º, n.º 3) 25”.

23
ABEGÃO ALVES, Anatomia do Crime - Revista de Ciências Jurídico-Criminais
24
CÂMARA MACHADO, C&R - Revista de Concorrência e Regulação, pp. 39-91;
25
J. B. GOUVEIA, J. E. PINHEIRO, Branqueamento de capitais e Beneficiário Efetivo – Introdução e
Legislação, p. 35;

15
Nos termos do n.º 1 do artigo 48.º, poder-se-á dar a suspensão temporária da execução
das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, notificando
para o efeito a entidade sujeita por ordem do DCIAP, “sem prejuízo da sua caducidade ou,
alternativamente, da sua confirmação inicial e eventuais sucessivas renovações, dentro do
prazo do inquérito, através de decisão do juiz de instrução criminal (art. 49.º da Lei n.º
83/2017)26 ”.

Segundo a Professora Catarina Abegão Alves, este dever de abstenção pelos advogados
não sofreu relevantes alterações face à lei anterior, mudando só o facto de que o Bastonário da
OA deve agora remeter as informações suspeitas ao DCIP e não ao Procurador-Geral da
República.

Cabe então relacionar este dever geral de abstenção com o dever de abstenção
específico dos advogados, previsto no artigo 10.º da DOA.

Nos termos do artigo 10.º da Deliberação o dever de abstenção surge como aliado ao
dever de comunicação ao Bastonário, fixando no n.º 1 que os advogados estão sujeitos ao dever
de abstenção de agir profissionalmente quanto a qualquer operação ou conjunto de operações,
presentes ou previstas, que saibam ou que fundamentadamente suspeitem poder estar
associadas a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades
criminosas ou com o financiamento do terrorismo.

O n. º 3 do mesmo artigo determina este dever mesmo tendo havido notificação por
parte do DCIAP a determinar, nos termos da lei, a suspensão da operação caso em que o
advogado comunica o facto, em ofício confidencial, ao Bastonário. Na eventualidade do
advogado exercer a sua atividade “no quadro de uma relação hierárquica ou no âmbito de uma
sociedade de advogados” há ainda lugar ao dever de abstenção, sem penalização.

26
J. B. GOUVEIA, J. E. PINHEIRO, Branqueamento de capitais e Beneficiário Efetivo – Introdução e
Legislação, p. 35;

16
3.5 Dever de recusa

O dever de recusa encontra-se preliminarmente previsto na alínea e), do n.º 1 do artigo


11.º da Lei 83/2017 e de forma mais desenvolvida no artigo 50.º do mesmo diploma.

Assim, este dever impõe no n.º 1 que os advogados e as entidades obrigadas não iniciem
ou efetuem relações de negócio, transações com os clientes caso não obtenham “os elementos
e meios comprovativos da respetiva identificação, ou a informação devida acerca do negócio
em causa 27” do artigo 27.º.

Trata-se, tal como o dever de abstenção, de um dever acessório aos deveres principais.

O seu n.º 2 determina que nas situações já apresentadas os advogados têm de encerrar
a relação de negócio, examinar porque não se deu a obtenção dos elementos, dos meios ou da
informação e, verificando os pressupostos encontram-se sobre o dever de comunicação do
artigo 43.º.

Já o n.º 3 do mesmo artigo apresenta procedimentos que os advogados devem adotar


complementarmente às situações presentes no n.º 1.

Seguidamente, o n.º 4 indica quais as matérias a declarar pelos advogados em


documento ou em registo, conservando tais documentos e registos, nos termos do artigo 51.º,
dispondo-os às autoridades setoriais, segundo o n.º 5.

Quanto ao n.º 6, cabe às autoridades decidir os moldes da restituição dos fundos ou


outros bens que estejam confiados às entidades obrigadas à data do fim da relação de negócio
a que se dirige o n.º 2 e a alínea b) do n.º 3, caso essa restituição não seja frustrada por medida
judiciária ou outra legalmente prevista.

Por fim há que indicar que, segundo o n.º 7, o exercício deste dever de recusa ou a
cessação da relação de negócio não acata nenhuma responsabilidade para a entidade obrigada
que as exerça de boa-fé.

27
J. B. GOUVEIA, J. E. PINHEIRO, Branqueamento de capitais e Beneficiário Efetivo – Introdução e
Legislação, p. 35;

17
3.6. Dever de conservação

O dever de conservação é, segundo o Professor Miguel Câmara Machado, um dever


secundário visto ser um elemento auxiliar e um meio de apoio às estruturas internas e externas
envolvidas na prevenção do branqueamento de capitais. O dever de conservação encontra-se
previsto no artigo 11.º, n.º 1, al. f), da Lei n.º 83/2017, sendo o seu regime aprofundado no
artigo 51.º da mesma Lei.
O artigo 51.º, n.º 1, estabelece os documentos que os advogados estão obrigados a
guardar por um período de sete anos após o momento em que a identificação do cliente se
processou ou, no caso das relações de negócio, após o termo das mesmas, estabelecendo ainda
no n.º 3 os moldes em que os documentos devem ser conservados.
O dever de conservação impõe que todas as comunicações e correspondência
respeitantes ao cumprimento da Lei em matéria de branqueamento de capitais e financiamento
do terrorismo, assim como a documentação respetiva, têm natureza confidencial, estando
adstritos ao dever respetivo todos os que tomarem contacto com a mesma, incluindo outros
advogados, sócios de sociedades de advogados, colaboradores e trabalhadores,
independentemente da natureza do vínculo social ou laboral, sem prejuízo dos números 1, 5 e
6 do artigo 54.º (dever de não divulgação) da Lei 83/2017, em conjugação com o artigo 12.º/1
da DOA. O n.º 3 deste artigo estabelece ainda que os advogados organizarão arquivo separado
e confidencial dos elementos de informação recolhidos para o efeito do cumprimento da lei e
do presente regulamento e bem assim das comunicações a que houver lugar sobre a matéria, e
da correspondência respetiva.

3.7. Dever de exame

O dever de exame, por sua vez, é, na hierarquização proposta por Miguel Câmara
Machado, um dever principal, uma vez que constitui o tronco essencial da prevenção do
branqueamento de capitais e constitui um dever que tem de ser prioridade de todas as
instituições e tem de ser controlado diariamente. Este dever está consagrado no artigo 11.º, n.º
1, al. g), bem como no artigo 52.º, ambos da Lei n.º 83/2017.
Segundo o artigo 8.º da DOA, o dever de exame pressupõe que o advogado que tenha
suspeita de que certa operação é apta a servir situação de branqueamento de capitais ou
financiamento de terrorismo, deve reforçar, com diligência, os meios de análise da situação,
relevando nomeadamente e obtendo esclarecimentos complementares sobre o que se encontra
também estatuído nas alíneas do n.º 2 do artigo 52.º da Lei nº 83/2017. Neste caso estamos

18
perante um dever de exame e diligência nos termos do qual o advogado deve atuar de forma
diligente no reforço dos meios de análise (dever reforçado de análise) da situação de forma a
apurar a verificação, ou não, das suspeitas suscitadas. O legislador exige um minucioso exame
de todas as práticas que podem consubstanciar uma operação de branqueamento de capitais ou
financiamento do terrorismo.
Segundo o artigo 52.º, n.º 1, os advogados, entre outras entidades obrigadas a tal, devem
examinar com especial cuidado e atenção condutas, atividades ou operações que possam estar
relacionadas com atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo, devendo ter em
especial atenção determinados elementos caracterizadores que são enumerados no n.º 2 do
artigo, de entre os quais a natureza, a finalidade, a frequência, a complexidade, a invulgaridade
e a atipicidade da conduta (al. a)); o local de origem e de destino das operações (al. d)); os
meios de pagamentos utilizados (al. e)); etc.
De referir que caso não procedam à comunicação prevista no artigo 43.º da Lei n.º
83/2017 dos resultados do exame, devem constar tal em documento ou registo, de acordo com
o n.º 4 do artigo.

3.8. Dever de colaboração

O dever de colaboração é tido como um dever acessório, uma vez que se encontra
relacionado com deveres principais e emerge a partir do momento em que se verifica uma
operação suspeita ou perigosa.
Vem previsto na alínea h) do artigo 11.º e no artigo 53.º da Lei n.º 83/2017.
Os advogados ficam obrigados a prestar a necessária colaboração, quer à OA em que o
mesmo se encontre inscrito, quer ao DCIAP ou à UIF, relativamente à operação suspeita. Este
dever passa pelo fornecimento, às referidas entidades, de informação e apresentação de todos
os documentos que essas autoridades solicitarem, bem como esclarecimentos que possam ser
igualmente solicitados.
À semelhança do que vimos com o dever de comunicação, também este dever é
mitigado pelo artigo 79.º, nomeadamente na al. b) do n.º 1 da Lei n.º 83/2017. Fora das
situações previstas no n.º 1, devem os advogados, no âmbito deste dever, fazer as comunicações
ao Bastonário da OA (1.º inciso), ou diretamente à entidade requerente (2.º inciso), nos casos
que não se enquadrem na alínea anterior (n.º 2).
Na DOA, este dever vem concretizado sob a epígrafe ‘’Dever de cooperação’’, no artigo
11.º.

19
É indiscutível que o combate ao branqueamento de capitais e financiamento do
terrorismo é mais eficiente e eficaz se lograr uma colaboração interinstitucional.

3.9. Dever de não divulgação

O artigo 11.º, n.º 1, al. i), prevê como dever do advogado na prevenção ao
branqueamento de capitais e ao combate ao financiamento do terrorismo o dever geral de não
divulgação que é aprofundado no artigo 54.º da Lei n.º 83/2017. O dever de não divulgação é,
também ele, um dever secundário, visto ser um apoio às estruturas de prevenção do
branqueamento de capitais e um apoio ao funcionamento destas. Na anterior Lei n.º 25/2008 o
dever de não divulgação estava sob a epígrafe “dever de segredo”.

Este dever estabelece que os advogados, advogados-estagiários e, ainda, todos os


colaboradores do advogado (no caso específico dos advogados, para além de todas a entidades
obrigadas a tal) não podem divulgar ao cliente que este é suspeito pela prática do crime de
branqueamento de capitais e/ou financiamento ao terrorismo.

De acordo com o artigo 54.º, n.º 1, da Lei n.º 83/2017, todos os membros das entidades
obrigadas, desde pessoas que exerçam funções de direção/gerência/chefia, os seus empregados,
os mandatários até a quem lhes preste serviço a título permanente, temporário ou ocasional não
podem revelar ao cliente ou a terceiros, entre outros, que foram, estão a ser ou irão ser
transmitidas as comunicações legalmente devidas, nos termos do disposto nos artigos 43.º, 45.º,
47.º e 53.º da Lei n.º 83/2017 (al. a)), que se encontra ou possa vir a encontrar-se em curso uma
investigação ou inquérito criminal, bem como quaisquer outras investigações, inquéritos,
averiguações, análises ou procedimentos legais a conduzir pelas autoridades referidas na al. b)
do artigo 54.º, n.º 1 (al. d)), etc.

Relativamente às informações que o advogado não deve revelar no âmbito deste dever,
o artigo 80.º da Lei n.º 83/2017 refere que a tentativa de dissuadir um cliente de realizar um ato
ou uma atividade ilegal não configura divulgação de informação proibida pelo artigo 54.º, n.º
1, tal como o n.º 2 deste artigo refere mais situações em que a divulgação de informações não
constitui uma violação deste dever, como a divulgação de informações às autoridades setoriais,
no âmbito das respetivas atribuições legais (al. a)), a divulgação de informações às autoridades
judiciárias e policiais, no âmbito de procedimentos criminais ou de quaisquer outras

20
competências legais (al. b)) e ainda a divulgação de informações à autoridade tributária e
aduaneira, no âmbito de procedimento de inspeção tributária e aduaneira (al.c)).

3.10. Dever de formação

Na hierarquização dos deveres proposta pelo Professor Câmara Machado, o dever de


formação é um dever secundário, uma vez que constitui um meio de apoio às estruturas internas
e externas envolvidas na prevenção do branqueamento de capitais.

O dever de formação encontra-se em primeiro lugar previsto como direito preventivo


na alínea j), do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 83/2017.

No entanto, no artigo 55.º da Lei n.º 83/2017 está sujeito a um maior desenvolvimento,
prevendo aí, o n.º 1 desse artigo, a necessidade de medidas (proporcionais aos respetivos riscos
e à natureza e dimensao da atuação da atividade das entidades), obrigações preventivas e
formações a prestar pelas entidades obrigadas (de entre os quais os advogados) aos seus
colaboradores para que haja um razoável conhecimento das obrigações impostas no que diz
respeito ao combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento ao Terrorismo, face aos
riscos inerentes e à feição da atividade que realiza, podendo assim auxiliar no combate ao
branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Assim, os advogados “devem
manter registos atualizados e completos das ações de formação internas ou externas
realizadas28”.
O n.º 4 do artigo 55.º estatui na al. a) quem deve assegurar a formação dada aos
dirigentes, trabalhadores e demais colaborados das entidades obrigadas, que devem ser pessoas
ou entidades com reconhecida competência e experiencia no domínio da prevenção e combate
ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

Por fim, é de acrescentar que Bheatriz Barbosa refere, na sua dissertação de mestrado,
que este dever não é adequado à realidade portuguesa, visto que apenas as grandes sociedades
de advogados têm os recursos humanos e económicos para dar formação aos colaboradores29.

28
Cfr. o disponivel em: https://uacs.pt/media/139/File/Inf%20Branqueamento%20de%20Capitais%202018.pdf;
29
Cfr. BHEATRIZ BARBOSA, “A nova Lei de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do
terrorismo- os deveres específicos do Advogado”, Dissertação de mestrado forense, Universidade Católica
Portuguesa, maio 2018;

21
4.. O segredo profissional e a prevenção ao branqueamento de capitais: um
conflito insuperável?

4.1. Tentativa de compatibilização entre o segredo profissional e a prevenção ao


branqueamento de capitais

De acordo com o Grupo de Ação Financeira Internacional30, doravante GAFI, os


advogados estão sujeitos aos riscos do branqueamento de capitais e financiamento do
terrorismo, devendo estar munidos de ferramentas para identificar e compreender o tais práticas
ilícitas31. Efetivamente, os advogados, no seu dia-a-dia, estão confrontados a um dilema: a
conciliação entre o deveres de prevenção ao branqueamento de capitais e o segredo
profissional.
O segredo profissional constitui a “pedra angular livre do exercício da Advocacia”32.
Os advogados, no exercício das suas funções, enquanto garantes dos direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos33, estão adstritos ao dever de segredo profissional. Como resulta da
Deliberação n.º 2511/2007 OA, que traduz para a língua portuguesa o Código de Deontologia
dos Advogados Europeus, nos termos do ponto 2.3-1, o segredo profissional resulta de um
vínculo de confiança estabelecido entre o advogado e o cliente, possibilitando o cliente de
revelar informações que não confiaria a mais ninguém, de forma sigilosa, ao advogado. O
advogado deve assim, como resulta do ponto 2.3-2 do mesmo diploma, por razões de interesse
público34, respeitar a obrigação de guardar segredo relativamente a toda a informação
confidencial de que tome conhecimento no âmbito do exercício da sua atividade profissional.
Esta obrigação constitui uma verdadeira garantia do princípio do acesso à justiça - artigo 20.º
da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP - e do próprio direito fundamental à
defesa - artigo 32.º da CRP35.

30
Sobre o GAFI, cfr. https://www.bportugal.pt/page/grupo-de-accao-financeira-gafi;
31
Cfr. GAFI, Guidance for a Risk-Based Approach for Legal Professionals, FATF/OECD, Paris, 2019, disponível
em:www.fatf-gafi.org/publications/documents/Guidance-RBA-legal-professionals.html
32
P. MARINHO FALCÃO, “Os deveres impostos ao Advogado pela nova “Lei Antibranqueamento” - violação
da deontologia da profissão?”, Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 4, 2017, pp. 1-4, cfr. http://historico-
ordemadvogados.impresa.pt/oa-04/opiniao_pedro-marinho-falcao
33
J.COSTA PINTO, “Combater o branqueamento de capitais, defender o segredo profissional dos advogados”,
Vida Judiciária, n.º 205, 2018, pp. 42-43, cfr.
https://www.costapinto.pt/xms/files/2018_Updates/Artigo_Combater_o_branqueamento_de_capitais_Jan-
Fev._2018.pdf
34
Cfr. G.MARQUES DA SILVA, Branqueamento e segredo profissional do Advogado, Boletim da Ordem dos
Advogados, 04, Outubro 2017
35
Cfr. ABEGÃO ALVES, Anatomia do Crime - Revista de Ciências Jurídico-Criminais, p.76;

22
A lei portuguesa consagra a previsão normativa do dever de segredo no artigo 92.º do
EOA, estabelecendo o n.º 1 um elenco exaustivo de factos cujos os quais o advogado é obrigado
a guardar segredo profissional no exercício das suas funções, abrangendo este segredo
profissional documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os
factos sujeitos a sigilo - n.º 3 do artigo 92.º do EOA. Importante ainda é o n.º 2 que estabelece
que esta obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao
advogado envolva ou não representação judicial e extrajudicial, quer seja efetuado a título
gratuito ou oneroso, quer o advogado tenha aceitado ou não prestar o serviço e o mesmo
acontece para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção
no serviço. Daqui decorre que a partir do momento em que o advogado se reúne com um cliente,
independentemente de o vir mais tarde representar ou não em juízo, ele estará sempre adstrito
a este dever de segredo profissional.

Como nenhum direito é absoluto36, também o segredo profissional sofre restrições, de


forma a salvaguardar outros direitos ou interesses que se encontrem constitucionalmente
protegidos - art 18.º, n.º 2 da CRP. E o artigo 92.º, n.º 4 prevê expressamente que o advogado
pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente
necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do advogado ou do cliente
ou dos seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional da
OA. Desta norma, infere-se que o segredo profissional não pode ser “instrumento nem para a
comparticipação [criminosa] nem para para o encobrimento de factos ilícitos projetados ou
perpetrados pelo clientes37”, não sendo sequer lícito ao advogado prestar serviços quando
suspeitar seriamente que a operação ou atuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados
ilícitos e que o interessado não pretende abster-se de tal operação - artigo 90.º, n.º 2, alínea d)
do EOA.

Cabe agora perceber como é que se articulam estas disposições legais com os deveres
de prevenção ao branqueamento de capitais. Concordamos com Catarina Abegão Alves quando
afirma que a “prevenção ao branqueamento de capitais será mais eficaz tanto mais quanto se
focar nas fontes de risco que transformam as entidades financeiras e não financeiras

36
Cfr. MARQUES DA SILVA, Branqueamento e segredo profissional do Advogado, Boletim da Ordem dos
Advogados, 04, Outubro 2017, disponível em: http://ordemdosadvogados.impresa.pt/oa-04/opiniao_germano-
marques-da-silva
37
Cfr. idem.

23
vulneráveis às operações de branqueamento de capitais”38. Logo, para a prevenção do
branqueamento de capitais, não basta admitirmos que o advogado não pode auxiliar o cliente
numa operação de branqueamento de capitais, sendo mesmo necessário o advogado estar
adstrito a uma obrigação de comunicar e denunciar à OA este crime de natureza penal, tal como
previsto no artigo 368.º-A do CP.

Sem prejuízo do que já foi por nós abordado supra39 no que diz respeito ao dever de
comunicação e colaboração, cabe relembrar que o artigo 79.º, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 83/2017,
estabelece que os advogados, no cumprimento do dever de comunicação, deverão remeter a
informação acerca das operações suspeitas ao Bastonário da OA, transmitindo este último a
informação ao DCIAP e à UIF, sem efetuar qualquer tipo de filtragem.. No que diz respeito ao
cumprimento do dever de colaboração - artigo 53.º - a alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º estabelece
que os advogados devem comunicar, no prazo fixado, as informações solicitadas ao Bastonário,
quando os pedidos estejam relacionados com as comunicações referidas na alínea a) do n.º 2
do artigo 79.º.

O principal problema que podemos apontar na redação do artigo 79.º é o facto de ele
utilizar um conceito indeterminado: o conceito de “operação suspeita”. De acordo com Miguel
Câmara Machado40, se o legislador pronunciar-se sobre aquilo que considera consubstanciar
uma prática suspeita, de certa forma, o legislador estaria a dar certas “pistas” aos branqueadores
de capitais para contornar as “regras do jogo”. Já Catarina Abegão Alves41 entende que, apesar
da informação de Miguel Câmara Machado ser pertinente, o texto legal não deixa de ser
indeterminado, pelo que, a OA portuguesa deveria seguir o exemplo da OA alemã, que emitiu
algumas recomendações no que diz respeito ao comportamento para os advogados na ótica das
disposições da lei ao combate do branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
A verdade é que, ao tempo da elaboração do artigo por parte de Catarina Abegão Alves, ainda
não tinha entrado em vigor a DOA que vem prever o Regulamento da OA sobre a prevenção e
combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, densifincado os deveres
aos quais os advogados estão adstritos no desempenho da sua função, estando os advogados

38
Cfr. ABEGÃO ALVES, Anatomia do Crime - Revista de Ciências Jurídico-Criminais, p.93;
39
Cfr. vide ponto 3.3. e 3.8;
40
CÂMARA MACHADO, C&R - Revista de Concorrência e Regulação, p.54;
41
Cfr. ABEGÃO ALVES, O segredo profissional e o papel dos advogados na prevenção do branqueamento de
capitais in Anatomia do Crime - Revista de Ciências Jurídico-Criminais, p.84;

24
sujeitos às disposições do regulamento sempre que intervenham em alguma das atividades
previstas no n.º 3 da respetiva Deliberação.

Parece-nos acertada a posição de Miguel Câmara Machado. Atendendo ao facto de que


o branqueamento de capitais consubstancia um fenómeno complexo se o legislador optasse por
enunciar, ainda que um elenco não taxativo, de “operações suspeitas”, então o branqueador
poderia encontrar maneiras mais efetivas de contornar as proibições legais colocando o bem
no mercado, e posteriormente, fazendo esse mesmo bem circular até ao ponto de o integrar na
economia, como um “bem reciclado”. No entanto, parece-nos acertada a consagração taxativa
no artigo 3.º da DOA das concretas operações a cujos deveres os advogados estariam
vinculados, de forma a harmonizar o ordenamento jurídico portuguesa com o artigo 2.º, n.º 1,
alínea 3) b) da Diretiva n.º 2015/849.

Cabe agora perceber se o advogado deve denunciar, sem mais, qualquer operação que
considere suspeita à OA. Concordamos com André Lamas Leite42 e Catarina Abegão Alves43
quando afirmam que a consulta jurídica não se encontra englobada neste dever de comunicação,
exceto se o profissional participar nas atividades ilícitas. Como se retira do ponto 9 da Diretiva
(UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à
prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de
financiamento do terrorismo, os advogados estão isentos da obrigação de comunicar as
informações obtidas antes, durante ou após o processo judicial, ou durante a apreciação de a
situação jurídica de um cliente, salvo se o advogado participar nessas mesmas atividades. Só é
assim é que se garante o direito ao acesso à justiça - artigo 20.º CRP - e se garante o direito à
defesa - artigo 32.º do CRP -. Já nas restantes atividades desempenhadas pelos advogados,
atendendo aos dois direitos fundamentais acabados de enunciar, devemos ter em conta
nomeadamente o princípio da proporcionalidade e à aferição do interesse preponderante no
caso concreto, sem prejuízo de o próprio legislador, ao transpor diretivas europeias, ter já
efetuado essa mesma ponderação44.

42
Cfr. A.LAMAS LEITE, “Os Advogados-detergentes”, in Ordem dos Advogados Impresa 04, Outubro 2017,
disponível em: http://historico-ordemadvogados.impresa.pt/oa-04/opiniao_andre-lamas-leite
43
Cfr. ABEGÃO ALVES, Anatomia do Crime - Revista de Ciências Jurídico-Criminais, p.84
44
Cfr. ABEGÃO ALVES, Anatomia do Crime - Revista de Ciências Jurídico-Criminais, p.95;

25
Como vimos, o artigo 79.º n.º 2, alínea a) da Lei n.º 83/2017 prevê as situações em que
os advogados devem comunicar as chamadas operações suspeitas, sendo que essa comunicação
deve ser feita ao Bastonário da OA e o Bastonário deve comunicar sem qualquer filtro à DCIF
ou à UIF.
Já no ordenamento jurídico francês, tal como demonstrado por Catarina Abegão
Alves45, no art L561-1746 do Code Monétaire et Financier, estabelece que os advogados
devem, em primeira linha, comunicar esse dever ao Bastonário ou ao Presidente do Conselho
Regional da OA, e caberá a estes apreciar se se deve transmitir ou não se esta “operação
suspeita” deve ser comunicada ou não à Cellule de renseignement financier nationale, entidade
que desempenha funções semelhantes à UIF. Desta forma, como demonstrado e bem pela
autora, o segredo profissional seria sempre alvo de ponderação à luz do princípio do acesso à
justiça - artigo 20.º CRP - do direito de defesa - artigo 32.º CRP - e ainda por respeito dos
princípios deontológicos da profissão. Assim, o segredo profissional só seria derrogado nos
casos estritamente necessários, assegurando a subsistência do segredo profissional enquanto
pedra-angular do exercício da advocacia.

4.2. Jurisprudência relevante em matéria de prevenção de branqueamento de


capitais na ótica dos deveres de prevenção dos advogados

A jurisprudência euro comunitária assim como a jurisprudência nacional têm


concretizado estes deveres de prevenção ao branqueamento dos capitais em relação aos
advogados. Analisaremos de forma sucinta uma decisão eurocomunitária e outra nacional.

4.2.1. Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) 26 de Junho de 200747

Este acórdão tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo
234.° CE, apresentado pela Cour d'arbitrage, atual Cour constitutionnelle (Bélgica), por

45
Idem, p.86;
46
“Par dérogation aux articles L. 561-15 et L. 561-16, l'avocat au Conseil d'Etat et à la Cour de cassation ou
l'avocat ou la caisse des règlements pécuniaires des avocats communique la déclaration, selon le cas, au président
de l'ordre des avocats au Conseil d'Etat et à la Cour de cassation ou au bâtonnier de l'ordre auprès duquel
l'avocat est inscrit ou au bâtonnier de l'ordre auprès duquel est inscrit l'avocat ayant déposé les fonds, effets ou
valeurs faisant l'objet de cette déclaration. Dès lors que les conditions fixées à l'article L. 561-3 sont remplies,
ces autorités transmettent la déclaration au service mentionné à l'article L. 561-23, dans les délais et selon les
modalités définis par décret en Conseil d'Etat.
Lorsqu'une déclaration a été transmise en méconnaissance de ces dispositions, le service mentionné à l'article L.
561-23 en refuse la communication et informe dans les meilleurs délais, selon le cas, le président de l'ordre des
avocats au Conseil d'Etat et à la Cour de cassation ou le bâtonnier de l'ordre auprès duquel l'avocat déclarant
est inscrit. Cette dérogation ne s'applique pas à l'avocat agissant en qualité de fiduciaire”
47
Cfr. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62005CJ0305&from=EN;

26
decisão de 13 de julho de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de julho de 2005, no
processo.
O Processo tem por base o artigo 2.ºA, n.º 5 da Diretiva 2001/97/CE48 do Parlamento Europeu
e do Conselho. De notar que este acórdão remonta a 2007 e como tal, ao tempo do mesmo,
ainda vigorava a diretiva em questão apesar de que, a nova diretiva em vigor (Diretiva (UE)
2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015 , com pequenos ajustes
em 2018)49 tem um conteúdo praticamente idêntico, apesar de algumas alterações de escrita ou
de formulação dos próprios artigos. Por essa razão, continua a ser pertinente a análise do
acórdão, na medida em que o fundamento para o mesmo ainda se mantém em vigor nos nossos
dias, sendo que como veremos, está em causa uma possível violação do princípio de processo
judicial equitativo, consagrado no artigo sexto da CEDH50.
Como é possível verificar na última formulação do artigo, o artigo 2.ºA, n.º 5 vem agora
estender o dever de informação e cooperação com autoridades comunitárias competentes no
combate ao branqueamento de capitais (incluindo-se consequentemente o financiamento a
atividades ilegais e perigosas) aos notários e outros profissionais liberais, onde se incluem os
advogados. Algumas das razões que foram explicitadas pelo conselho e parlamento europeu
(justificando esta extensão aos advogados/notários) prendem-se com o facto de que o
branqueamento de capitais é cada vez mais uma realidade e que está longe de afetar/recorrer
só as instituições bancárias. Assim, entendem que as diretivas em causa tinham como objetivo
combater o branquamento de capitais, terrorismo e financiamento para as demais atividades
ilegais, não sendo por isso suficiente introduzir estes deveres e o respetivo controlo apenas nas
instituições bancárias, fazendo igualmente uma ressalva (n.º 17)51 importante clarificando os
limites desta extensão da norma aos advogados e aos demais profissionais liberais na área do
direito: “17 - Todavia, sempre que membros independentes de profissões que prestam consulta
jurídica, legalmente reconhecidas e controladas, tais como os advogados, determinem a
situação jurídica de um cliente ou representem um cliente no âmbito de um processo judicial,
não seria adequado, ao abrigo da directiva, impor a esses profissionais forenses, a respeito
dessas actividades, uma obrigação de notificarem as suas suspeitas relativas a operações de
branqueamento de capitais. Há que exonerar de qualquer obrigação de declaração as
informações obtidas antes, durante ou depois do processo judicial, ou no processo de

48
Cfr. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32001L0097;
49
Cfr. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32015L0849;
50
Cfr. https://www.echr.coe.int/documents/convention_por.pdf;
51
Cfr. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32001L0097

27
determinação da situação jurídica por conta do cliente. Por conseguinte, a consulta jurídica
permanece sujeita à obrigação de segredo profissional, excepto se o consultor jurídico
participar em actividades de branqueamento de capitais, se a consulta jurídica for prestada
para efeitos de branqueamento de capitais ou se o advogado souber que o cliente pede
aconselhamento jurídico para efeitos de branqueamento de capitais.”
Algumas países decidiram acrescentar no seu direito nacional, em consonância com a
diretiva, um artigo formulado desta forma: “As pessoas visadas no artigo 2.° ter que, no
exercício das actividades enumeradas nesse artigo, tomem conhecimento de factos que saibam
ou suspeitem estarem ligados ao branqueamento de capitais ou ao financiamento do
terrorismo devem informar imediatamente o bastonário da Ordem a que pertençam. Todavia,
as pessoas visadas no artigo 2.° ter não transmitirão essas informações se estas tiverem sido
fornecidas por um dos seus clientes ou obtidas a respeito de um dos seus clientes no momento
da avaliação da situação jurídica desse cliente ou no exercício da sua missão de defesa ou de
representação desse cliente num processo judicial, ou a respeito de um processo desta
natureza, incluindo no âmbito de conselhos relativos à forma de dar início ou de evitar um
processo, independente- mente de as referidas informações serem obtidas antes, durante ou
após tal processo”. 52

As ordens dos advogados ou autoridades com competência semelhante de vários países


(França, Bélgica e Alemanha), pedem a anulação de vários artigos mas com especial enfoque
no artigo 2.5 – A. Entendem igualmente que os artigos 4.°, 25.° e 27.° da Lei de 12 de Janeiro
de 2004 devem ser revistos na medida em que, ao alargarem aos advogados a obrigação de
informar as autoridades competentes sempre que tomem conhecimento de factos que saibam
ou suspeitem estar ligados ao branqueamento de capitais e a de transmitir às referidas
autoridades as informações complementares que estas julguem úteis, lesam de forma
injustificada os princípios do segredo profissional e da independência do advogado, elementos
constitutivos do direito fundamental de todos os particulares a um processo equitativo e ao
respeito dos direitos de defesa. Os referidos artigos violam, pois, os artigos 10.° e 11.° da
constituição belga e o artigo 6º da CEDH.

Consideram de igual forma, que pelo facto de as diretivas terem por base o critério da
natureza das funções/atividades dos advogados (acessórias ou essencial) cria-se uma situação
grave de insegurança jurídica e que as obrigações de denúncia e investigação/incriminação do

52
Cfr. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62005CJ0305&from=EN I-5346

28
próprio cliente ultrapassam claramente uma mera violação do dever de segredo dos advogados,
podendo ser vistos como um rompimento claro e absoluto da confiança entre advogado e
cliente, sendo que a confiança é um das características base na atividade profissional em causa.
Acrescentam ainda que a extensão dos deveres em causa aos advogados iria desvirtuar por
completo a profissão de advogado tradicional bem como a opinião pública sobre os mesmos.

Quanto a esta questão o tribunal proferiu o seguinte:

Processo equitativo CEDH - “O artigo 6.° da CEDH reconhece a todos, quer no âmbito
da determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil quer no âmbito de um
processo penal, o direito a que a sua causa seja examinada equitativamente”.

Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o conceito de


“processo equitativo” a que se refere o artigo 6.° da CEDH é constituído por diversos
elementos, que compreendem designadamente os direitos de defesa, o princípio da igualdade
das armas, o direito de acesso aos tribunais e o direito de acesso a um advogado tanto em causas
cíveis como penais.

O Tribunal entende que a obrigação de informação e incriminação dos seus clientes


apenas se aplica quando os profissionais prestam assistência jurídica em transações financeiras
e imobiliárias ou agem em nome ou por conta dos seus clientes em transações da mesma
matéria, e que por essa razão, o direito a um processo equitativo não estará a ser colocado em
causa na medida em que a matéria que obriga aos deveres de informação e investigação, não
têm ligação a processos judiciais. Acrescenta ainda - “Além disso, a partir do momento em que
a assistência do advogado prestada no âmbito de uma transacção referida no artigo 2.°-A, n.°
5, da Directiva 91/308 é solicitada para o exercício de uma missão de defesa ou representação
em juízo ou para obter conselhos relativos à forma de instaurar ou evitar um processo judicial,
o referido advogado é exonerado, por força do artigo 6.°, n.° 3, segundo parágrafo, da referida
directiva, das obrigações enunciadas no n.° 1 do referido artigo, pouco importando que as
informações tenham sido recebidas ou obtidas antes, durante ou depois do processo. Essa
exoneração é susceptível de preservar o direito do cliente a um processo equitativo.”

Conclui assim o tribunal, que as obrigações de informação e de colaboração com as


autoridades responsáveis pela luta contra o branqueamento de capitais, previstas no artigo 6,°,
n.° 1, da Directiva 91/308/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1991, relativa à prevenção da
utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais, na redacção dada

29
pela Directiva 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Dezembro de 2001,
e impostas aos advogados pelo artigo 2.°-A, n.° 5, desta directiva, atendendo ao artigo 6.°, n.°
3, segundo parágrafo, da mesma, não violam o direito a um processo equitativo garantido pelos
artigos 6.° da CEDH e 6.°, n.° 2, UE.

4.2.2. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28/10/2019, Relatora:


Teresa Coimbra, Processo 2360/13.4TABRG-G. G153

Este acórdão tem por objeto um pedido de levantamento do sigilo profissional de J. L.


advogado, apresentado pelo Ministério Público (MP) perante decisão do Juízo Central Criminal
de Braga de considerar legítima a escusa do advogado em questão de responder a perguntas
acerca de conversas que manteve com as testemunhas E. C. e J.J., isto relativamente à acusação
deduzida contra X Sociedade de Investimentos Comerciais e Industriais, AS, A.R. e D.G. pelos
crimes de fraude fiscal qualificada (previsto e punido no artigo 103.º e 104.º, alíneas a) e b) do
RGIT) em concurso real com um crime de branqueamento de capitais (previsto e punido no
artigo 368.º-A, n.º 1, 3 e 6 do CP).
O pedido de levantamento do sigilo profissional de J. L. pelo MP foi então remetido
para o Tribunal da Relação de Guimarães, que determinou a sua baixa de novo à 1ª instância
por falta de parecer da Ordem dos Advogados. Posteriormente, depois do pronunciamento da
Ordem dos Advogados pelo indeferimento do pedido, os autos são remetidos de novo para a
Relação.
Colocados os factos, a questão que se discute é a de saber se o dever de sigilo
profissional que cabe aos advogados (segundo o artigo 135.º, n.º 1 do CPP) prevalece sempre.
Pode este dever, que pretende proteger os clientes, ser derrogado e preterido em alguma
circunstância? Pode, no caso em análise, a necessidade ou interesse no depoimento do
advogado J. L. ser suficiente para o sigilo profissional do advogado em questão ser levantado
como pede o Ministério Público?
Sucintamente, a Relação de Guimarães pronunciou-se pelo indeferimento do pedido do
MP “porque não há certificação da imprescindibilidade do depoimento do Exmo. Advogado
para a descoberta da verdade em face da gravidade do crime em causa e da necessidade de
proteção dos bens jurídicos titulados pelo tipo legal de crime, porque não estão reunidos os
requisitos para que seja levantado o dever de sigilo por parte daquela, deve o presente

53
Cfr. Acórdão do TRLG de 28.10.2019, proferido no processo n.º 2360/13, pesquisável em
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/0bac365257faccb4802584b30039b07e?Open
Document

30
incidente ser indeferido”. Cabe agora referir, de forma mais detalhada, os argumentos da
Relação que sustentam a sua posição.

Ora, o tribunal invoca o artigo 135.º, n.º 3 do CPP segundo o qual a quebra do segredo
profissional é justificada sempre que se verifique a imprescindibilidade do depoimento do
advogado para a descoberta da verdade, segundo a gravidade do crime e a necessidade de
proteção de bens jurídicos (princípio da prevalência do interesse preponderante. Refere
também o artigo 92.º do EOA que designa os factos em que o advogado é obrigado a guardar
segredo profissional, nomeadamente aqueles cujo conhecimento advenha do exercício das suas
funções. O ponto 2.3 do Código de Deontologia dos Advogados Europeus (Deliberação n.º
2511/2007), invocado também ele pelo tribunal, refere a essencialidade do sigilo profissional
enquanto requisito para o exercício da advocacia e para a confiança do cliente no seu advogado.

Destas disposições, o tribunal conclui que o dever de guardar segredo se funda no


interesse público e que se baseia no princípio da confiança e, por isso, terá de se aferir, neste
caso, se o princípio da prevalência do interesse preponderante (que se desconstrói, segundo o
Professor Costa Andrade, na elevada gravidade do crime em conjugação com a
imprescindibilidade do depoimento e a necessidade de proteção de bens jurídicos54) se encontra
preenchido para que o sigilo profissional possa ser levantado.

Visto que os crimes pelos quais a X Sociedade de Investimentos Comerciais e


Industriais, AS, A.R. e D.G. (crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais) eram de
facto graves e que houve de facto a violação de bens jurídicos, iremos focar a nossa análise na
argumentação do tribunal relativa à imprescindibilidade (ou não) do depoimento do J. L.
advogado. Com efeito, o tribunal faz uso da conceção de imprescindibilidade do depoimento
de Paulo Pinto de Albuquerque que refere que “a imprescindibilidade do depoimento para a
descoberta da verdade significa duas coisas: a descoberta da verdade é irreversivelmente
prejudicada se a testemunha não depuser ou, depondo, o depoimento não incidir sobre os
factos abrangidos pelo segredo profissional e, portanto, o esclarecimento da verdade não pode

54
Cfr. M. COSTA ANDRADE, Comentário Conimbricense ao Código Penal, I, 1ª ed., Coimbra, Coimbra
Editora, 1999, pp. 794-79536

31
ser obtido de outro modo, isto é, não há meios alternativos à quebra do segredo profissional
que permitam apurar a verdade”55.

Perante isto, o tribunal da Relação de Guimarães argumenta que o depoimento não é


imprescindível para a descoberta da verdade, uma vez que tendo em conta a natureza dos
crimes, a prova será feita maioritariamente de forma documental e, portanto, o depoimento não
é o único meio para provar o crime. Assim sendo, decide pelo indeferimento do pedido de
quebra de sigilo profissional com vista à prestação de depoimento nos termos pretendidos pelo
MP por parte da testemunha J. L. advogado.

Desta forma, parece-nos acertada a decisão do tribunal da Relação de Lisboa. O dever


profissional de guardar segredo que impende sobre os advogados é dominado pela boa-fé e
pela relação de confiança que deve existir entre advogado e cliente para que este possa revelar
informações ao seu advogado fundamentais para a sua defesa sem que isso lhe acabe por ser
prejudicial. É, portanto, uma regra ética de conduta e corresponde a uma concretização da tutela
da confiança. O sigilo profissional do advogado não só tem como função proteger a relação
que se procura estabelecer entre advogado e cliente, onde se tenta garantir uma zona protegida
para o cliente, como procura afiançar o interesse público fundado na função social da
advocacia. Por estas razões, consideramos que o sigilo profissional apenas deve ser levantado
apenas em situações em que tal é inevitável, tal como quando o depoimento é imprescindível
para descobrir a verdade, tal como Paulo Pinto de Albuquerque refere. Para ser imprescindível
deve ser o único meio possível para fazer a prova e sem o depoimento deve ser impossível
alcançar a verdade e, como, muito bem refere o tribunal, a prova pode ser feita de forma
documental (aliás assim o é na maioria dos casos de crimes desta natureza), o depoimento não
é imprescindível. Assim, não é justificável quebrar a confiança do cliente e um dos principais
deveres do advogado (é um dever fundamental e primordial dos advogados) na situação em
concreto, colocando em causa direitos do cliente do advogado J. L.

55
Cfr. P. PINTO DE ALBUQUERQUE, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., Lisboa,
Universidade Católica Editora, 2011, pp. 379 e ss.

32
Conclusão
Apesar da forte evolução da legislação em matéria de prevenção e combate ao
branqueamento de capitais, a verdade é que, apesar de um rol exaustivo de deveres dos
advogados, muitos destes estão marcados por conceitos indeterminados. Tais conceitos, por
vezes, revelam-se um entrave ao princípio da segurança jurídica - artigo 2.º CRP - na medida
em que cabe ao intérprete e ao julgador densificar a sua previsão normativa. Assim, a
aplicabilidade das respetivas sanções fica comprometida, devido à grande margem de
apreciação que é conferida ao intérprete, maxime, levando à não punição dos branqueadores de
capitais. Não obstante, a regulação de tais deveres a que os advogados ficam adstritos
demonstra-se um mecanismo importante à prevenção e combate ao branqueamento de capitais.
A questão é que, no exercício destes deveres, devemos ter sempre em conta, ainda, a
relevância do segredo profissional, “regra de ouro” na advocacia, enquanto característica
individualizadora da prática profissional, em que existe uma relação de confiança que se
estabelece entre o advogado e o cliente. Tal segredo permite assegurar o direito ao acesso à
justiça - artigo 20.º CRP - e o direito à defesa - art 32.º. CRP - mas nem sempre será fácil
compatibilizá-lo com os deveres decorrentes da prevenção ao crime de branqueamento de
capitais e ao financiamento do terrorismo. Na medida em que nenhum direito é absoluto, com
exceção do princípio da dignidade da pessoa humana56 - artigo 1.º da CRP - o segredo
profissional deve limitar-se ao necessário para salvaguardar esses direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos - artigo 18.º, n.º 2 CRP. Será necessário fazer um juízo de
proporcionalidade caso a caso, com exceção dos casos de consulta jurídica e representação
judicial ou extrajudicial, para perceber quando é que o segredo profissional deve ceder perante
a prevenção ao branqueamento de capitais.
Depois de realizada esta investigação, percebemos que o fenómeno complexo do
branqueamento de capitais abrange não apenas as entidades financeiras, como também as
próprias entidades não financeiras, que "atuam" de forma ativa na prática destes crimes. A
Operação Lava-Tudo é a prova disso mesmo. Torna-se, então, necessário regular os deveres
destas entidades na prevenção a este tipo legal de crime.

56
GERMANO MARQUES DA SILVA, Branqueamento e segredo profissional do Advogado, Boletim da
Ordem dos Advogados, 04, Outubro 2017

33
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