Artigo Sobre A História Do Basquete

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A HISTÓRIA DO BASQUETEBOL VISTA SOB OUTRA ÓTICA

Edson Hirata1; Fernando Augusto Starepravo2

RESUMO
O objetivo deste texto foi apresentar uma abordagem sobre a história do basquetebol
distinta da que usualmente é encontrada no meio acadêmico brasileiro, que em larga
medida desconsidera as principais motivações para a difusão da modalidade em seu
momento inicial. O estudo de cunho exploratório, com uma abordagem estritamente
bibliográfica revelou o contexto e intenções que permeavam a criação do basquetebol nos
Estados Unidos. Assim, parece que, para além da questão climática, os interesses políticos
e religiosos foram fundamentais para a criação e expansão do basquetebol em solo norte-
americano.
PALAVRAS-CHAVE: história do esporte; história do basquetebol; basquetebol.

ABSTRACT
The aim of this paper was to present a different approach to the history of basketball that
is usually found in the Brazilian academic communit, which largely ignores the main
reasons for the success of the sport at an early time. The exploratory nature of the study,
with a strictly bibliographic approach revealed the context and intentions that permeated
the creation of basketball in the United States. So it seems that, apart from the climate
issue, the political and religious interests were central to the creation and expansion of
basketball on American land.
KEYWORDS: sport history; basketball history;basketball

1
Professor da UTFPR – Campus Campo Mourão. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação
Física Associado UEM/UEL.
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Professor Assistente da Universidade Estadual de Maringá. Doutor em Educação Física pela UFPR.
1
ANAIS DO VIII CONGRESSO SULBRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE - Criciúma-SC – 08 a
10 de setembro de 2016
Secretarias do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul)
Disponível em: http://congressos.cbce.org.br/index.php/8csbce/2016sul/schedConf/presentations
ISSN: 2179-8133
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RESUMEN
El objetivo de este trabajo es presentar una aproximación a la historia del baloncesto
diferente que se encuentra generalmente en la comunidad académica brasileña, que
ignora en gran medida las principales razones para el éxito de este deporte en un
momento temprano. La naturaleza exploratoria del estudio, con un enfoque estrictamente
bibliográfico reveló el contexto y las intenciones que impregnaba la creación de
baloncesto en los Estados Unidos. Así que parece que, aparte de la cuestión del clima, los
intereses políticos y religiosos fueron fundamentales para la creación y expansión de
baloncesto en suelo americano.
PALABRAS CLAVES: historia del baloncesto; baloncesto; historia del deporte.

INTRODUÇÃO
O presente estudo é um fragmento de uma pesquisa mais ampla que trata a
espetacularização e mercantilização do basquetebol brasileiro, sobretudo no período de
1990 a 2016, e cujo desenvolvimento encontra-se ainda em estágio inicial. Todavia, diante
da possibilidade efetiva de analisar este objeto sob a luz da teoria dos Campos de Pierre
Bourdieu, consideramos importante iniciar o entendimento de como este subcampo do
basquetebol foi se constituindo e para tanto, encaminhamos este estudo exploratório nesta
perspectiva, a de resgatar a historiografia da gênese do basquetebol.
Assim, ao perspectivar o estudo da história de alguns esportes, percebemos que os
mesmos, em algumas oportunidades, apresentam controvérsias quanto a sua
criação/invenção, pois de um lado, um grupo de pesquisadores enfatiza a busca em
antecedentes longínquos, enquanto outros se satisfazem em focar sua procura em períodos
mais contemporâneos (ESTEVES, 2014).
Uma das modalidades em que existe um consenso temporal e espacial sobre a sua
gênese é o basquetebol e nele focaremos nossos esforços.
No Brasil, a grande maioria das obras relata brevemente como o basquetebol foi
inventado (DAIUTO, 1991; HIRATA, 2005; BENELLI, 2007; FERREIRA JÚNIOR,
2011). Elas geralmente apenas nomeiam o canadense James Naismith como responsável

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pela criação de um jogo com objetivo de entreter jovens em um ambiente fechado no


rigoroso inverno americano. Estes estudos sinalizam a Associação Cristã de Moços, em
Springfield como o local onde a modalidade foi inicialmente jogada, em 1891, apresentam
suas regras iniciais e o uso de um cesto de pêssego como o “alvo” inicial para pontuar no
jogo em questão. Pouco se aprofundam além desses pontos. Essa insuficiência foi admitida
até por pesquisadores norte-americanos que relatam a pobreza da contextualização do
nascimento do basquetebol em estudos acadêmicos (HORGER, 2001, p.14)
Na tentativa e necessidade acadêmica de ampliar esse tipo de abordagem
naturalizada, que pode ser útil como informações primárias sobre a história da modalidade,
mas que é reconhecidamente superficial para um entendimento mais amplo e crítico sobre
a posição que o basquetebol ocupou e ocupa atualmente no campo esportivo, é que
propomos a realização deste estudo, de cunho exploratório, valendo-se de pesquisa
bibliográfica, e que tem como objetivo apresentar o contexto em que a modalidade foi
criada e as possíveis principais motivações e condições para sua difusão.
Na primeira parte do trabalho tentaremos precisar as condições sociais em que o
basquetebol foi inventado e detalhar de forma descritiva o processo de criação utilizado
pelo professor James Naismith para a proposição de um jogo para seus alunos.
Por fim, indicaremos os principais agentes envolvidos na difusão desta modalidade
e as motivações que podem estar camufladas no interesse de alguns agentes e instituições
pelo sucesso do basquete em seus primórdios.

BASQUETEBOL: CONTEXTO E ORIGEM


Conforme já explicitado no introito deste trabalho, a literatura acadêmica mundial
concorda em situar a invenção do basquetebol em solo norte-americano e datar seu início
no final do século XIX. Dessa maneira, nosso propósito inicial é tentar contextualizar o
que a sociedade americana está enfrentando nesse momento.
No final do século XIX e início do XX, os Estados Unidos atravessavam um
período turbulento, em que inúmeras situações conflituosas, simultaneamente, estavam
florescendo em seus territórios. Dentre elas, destacamos os conflitos raciais, a depressão

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econômica, as revoltas trabalhistas, a imigração em massa e a urbanização acelerada,


eventos nos quais nos deteremos com mais profundidade. (HARRIS, 2014, p. 9)
Os conflitos raciais eram tão significativos que, em certa medida, foram
responsáveis por um dos fatos mais marcantes da segunda metade do século XIX para a
sociedade norte-americana, a Guerra da Secessão. A Guerra Civil Americana, como
também ficou conhecida, ocorreu entre os anos de 1860 e 1865 e tinha como principal
contenda a questão da escravidão. De um lado 11 estados escravistas, localizados mais ao
sul do país não concordavam em abrir mão do escravismo, o que era sugerido pelo Estados
Unidos, a ponto de optarem pela secessão, ou seja, pela separação política dos Estados
Unidos para a formação de uma nova unidade política que seria denominada de Estados
Confederados da América. Do outro lado, os Estados Unidos, lutavam pela abolição da
escravatura, que só aconteceu em 1865. (SAMPAIO, 2013)
A guerra dizimou estruturalmente com os estados vencidos do sul dos Estados
Unidos, mas ainda assim, de acordo com Harris (2014, p.10), a questão racial agravou-se
com a retirada das tropas federais do sul dos Estados Unidos, no final dos anos 1870.
Nesse período e nas duas décadas seguintes os negros e seus aliados republicanos sofreram
recorrentes atos de violência e terrorismo, que foram simbolizados pelo caso emblemático
do linchamento, mutilação e execução na fogueira do professor negro David Wyatt.
A instabilidade era agravada pela recessão econômica vivida pelos norte-
americanos, sobretudo pelo aumento de mendigos vagando pelo país, em tal medida que
não era incomum que a legislação impedisse a circulação dos mesmos e tentasse diminuir a
violência controlando o uso de armas de fogo. (HARRIS, 2014, p.11)
O autor destaca além dos problemas sociais, em 1877, que a classe trabalhadora dos
Estados Unidos estava mobilizada em luta pelos seus direitos. Esse movimento chegou a
paralisar dois terços das rodovias nacionais, provocar estado de emergência em nove
estados e desaquecimento na economia do país. Esta rebelião foi reprimida com violência
por força militar, resultando em 117 mortes.
Nessa mesma época, outra situação que incrementava as possibilidades de
ocorrências de violência no interior da sociedade norte-americana era a industrialização e

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imigração. Esta questão, destacada por Harris (2014, p.11-12) tem relação com os jovens
das áreas rurais que vinham morar na cidade para aproveitar as oportunidades de trabalho
nas fábricas e que passam a conviver com imigrantes, que muitas vezes estavam ligados à
prostituição, bebidas, apostas ou outros vícios e dessa forma, disseminavam essas práticas.
Uma das estratégias utilizadas na época para combater esse ambiente conturbado
ficou conhecido como Era Progressiva ou Progressivismo, cujo conceito é um tanto
controverso entre os historiadores que pesquisam a história norte-americana. Horger (2001,
p. 3-4) descreve que originalmente era definido como uma tentativa de minimizar os
efeitos negativos sociais e políticos do capitalismo industrial e com o tempo o termo foi se
redefinindo e assumindo um teor mais abrangente, a ponto de poder ser ligado a: expressão
política e social da classe média; movimento conservador, dirigido à negócios e mais
preocupado com a estabilidade do capitalismo do que com a melhoria das condições
sociais; movimento pela eficiência social, sendo uma tentativa de organizar a “nova” classe
média urbana; exercício de controle social; impulso protestante missionário; ou ainda
como resposta científica para o problema da coesão social.
Todavia, para o autor, a Era Progressiva era um esforço para disseminar uma série
de alterações na consciência dos valores da classe média, sobretudo no sentido da coesão
social em uma sociedade plural. Considerando sua ligação religiosa, a crescente imigração
de não-protestantes, em sua visão, deveria provocar esforços para que os mesmos fossem
educados e americanizados. (HORGER, 2001, p.7)
De acordo com Horger (2001, p.6), o Protestantismo Americano do final do século
XIX também sugeria que a salvação da sociedade era possível através da melhoria do
ambiente social e da noção que o a força física e a coragem eram partes integrais do
completo homem cristão. No tempo certo, tentaremos uma correlação entre a difusão do
basquetebol e essa ideologia vigente no final do século XIX e início do XX.
Ciente desse panorama nos Estados Unidos no período em que o basquetebol foi
criado, passemos a investigar como o basquetebol foi introduzido nesta sociedade. Mas ao
analisar um esporte, Bourdieu nos ensina que é imprescindível situá-lo em relação às
outras modalidades esportivas. Em suas palavras:

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“Para que uma sociologia do esporte possa se constituir, é preciso primeiro


perceber que não se pode analisar um esporte particular independente do
conjunto das práticas esportivas; é preciso pensar o espaço das práticas
esportivas como um sistema no qual cada elemento recebe seu valor
distintivo. Em outros termos, para compreender um esporte, qualquer que
seja ele, é preciso reconhecer a posição que ele ocupa no espaço dos
esportes” (BOURDIEU, 1990, p. 208)

Por isso, antes, torna-se imprescindível mapearmos como o esporte estava se


constituindo naquele período nos Estados Unidos.
Nesta perspectiva, a obra de José Luis Salvador (2004), El deporte em occident:
historia, cultura y política, sobretudo no capítulo 6 em que trata especificamente o esporte
norte-americano, aponta alguns indícios. De acordo com o autor (2004, p. 403-4), em
1779, o golfe já estava devidamente introduzido nos Estados Unidos pela influência dos
imigrantes anglo-saxões. Apesar dele não relatar, pelas suas particularidades podemos
deduzir que era uma prática restrita a elite daquela sociedade.
O autor também reconhece que o hipismo, algumas modalidades de lutas, as
corridas, o boliche já eram conhecidos através do intercâmbio com os imigrantes europeus.
Por sua vez, Beisebol, futebol americano e o críquete também encontravam-se
devidamente regulamentados nessa época (SALVADOR, 2004, p. 407). Percebe-se que a
maioria das modalidades era jogada em lugares abertos e assim a maior justificativa dada
em informações do senso comum atrelando a criação do basquete a uma necessidade de ter
uma atividade para ser praticada em lugares fechados para fugir do rigoroso inverno, em
grande medida, demonstram ter fundamento.
Além dessa perspectiva, outra importante possibilidade de disputa entre as
modalidades esportivas está ligada a questão moral. Os esportes amadores, como o
basquetebol, eram vistos como atividades alternativas aos esportes mais violentos como o
futebol, boxe e rugby, e aos corruptos, como o profissionalizado beisebol. Assim, o
basquetebol ocupa um espaço que interessa aos profissionais da educação física, que
poderia contribuir a divulgar valores cristãos. (HARRIS, 2014, p.4)
Partamos agora para a discussão da invenção do basquete. Para isso, uma obra que
não poderia estar ausente nesta parte do estudo por detalhar minuciosamente como a
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modalidade foi criada é o livro escrito pelo inventor do basquete, o canadense James
Naismith, o qual é intitulado originalmente Basketball: its origins and development, que
nos expôs como se deu o desenvolvimento inicial da Educação Física nos Estados Unidos,
nos elucida porque havia a demanda por uma novidade para os praticantes de atividades
físicas, mas que, sobretudo, descreve pormenores do processo de criação do basquetebol.
Ainda que limite a análise a partir de uma visão única, o fato do autor ser também o
criador do esporte imprime uma relevância ímpar ao seu relato e que por isso a justifica.
Inicialmente importante mostrar as credenciais de James Naismith (1941, p. 25-30).
O canadense Naismith formou-se em Teologia, mas sua primeira atuação profissional foi
como instrutor de atividades físicas no Springfield College (que na época era conhecido
como Escola Internacional de Treinamento da Associação Cristã de Moços).
Nesta instituição, Naismith deparou-se com uma situação problemática. Os
jovens americanos gostavam de jogos que combinassem competição e recreação. Por isso,
durante o verão, período que podiam executar atividades ao ar livre, eles se divertiam
jogando futebol americano e beisebol. Todavia, no rigoroso inverno daquela região, as
atividades físicas tinham que ser realizadas em ambientes fechados. As principais opções
existentes no final do século XIX eram os exercícios calistênicos e a ginástica, com os
métodos suecos, alemão e francês3, e isso, não estimulava os jovens norte-americanos.
(NAISMITH, 1941)
Essa falta de opção era um problema que o diretor da Associação Cristã de Moços,
Luther Gullick, tentava solucionar e em um grupo de estudos que liderava, discutia-se a
necessidade de um jogo interessante, que fosse fácil de aprender, fácil de jogar no inverno
e sob luz artificial.
Neste momento, pensando na lógica bourdiana, a questão ainda está muito ligada à
prática de determinada atividade física/esporte, distintamente do que estamos vivenciando
na sociedade consumista atual, em que a demanda do campo esportivo é mais relacionada

3
Os interessados em ter mais informações sobre estes métodos ginásticos, indicamos a leitura de Carmem
Lúcia Soares, que destina o segundo capítulo de sua obra “Educação Física: raízes europeias” para tratar
estes métodos ginásticos.
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com conquista de potenciais consumidores de produtos ligados à determinada atividade e


não apenas o praticante.
Gullick desafiou duplamente Naismith. Primeiro para que inventasse um novo jogo,
segundo, que conseguisse entreter um grupo de jovens senhores com dificuldade de se
motivar em práticas de atividade física.
Naismith (1941, p. 42-57) relata que passou vários dias buscando ideias para um
novo jogo. Seu pensamento inicial era introduzir algumas alterações em um esporte
existente e adaptá-lo para um espaço reduzido. Tentou fazer isso com o futebol americano
(football), com o futebol (soccer) e com o lacrosse4, contudo, não logrou sucesso. A causa
do fracasso, Naismith (1941, p. 42-57) atribuiu à tradição, pois, modificar regras de
esportes que já eram praticados com frequência durante a temporada de verão, causavam
certa rejeição e dificuldade em adaptação.
Após fracassar em utilizar esportes existentes e adaptá-los, Naismith mudou a
perspectiva para pensar um novo jogo e passou a interrogar as características dos esportes
mais praticados pelos jovens. A primeira conclusão que teve é que todos os esportes
usavam bolas, pequenas ou grandes, sendo que as pequenas geralmente utilizavam um
apetrecho como intermediário entre o praticante e a bola, como o bastão do baseball, a
raquete no tênis, o taco no lacrosse, etc e também considerou que o manuseio destes
acessórios exigiam mais destreza dos jogadores, assim, considerando que a diretriz
pensada por ele privilegiava que o jogo fosse fácil de aprender, fez a primeira opção: uso
de uma bola grande, fácil de manipular, e sem uso de acessórios. (NAISMITH, 1941, p.
44-45)
Definido o tamanho da bola, Naismith (1941, p. 46-47) buscava uma solução para
que o jogo não tivesse tanto contato como o rugby e o futebol americano. Para ele, a
violência desses jogos era causado pelos agarrões necessários para parar os atacantes que
corriam com a bola na mão. Assim, arquitetou uma saída simples para diminuir a
brutalidade do futuro esporte, os jogadores não poderiam correr com a bola nas mãos,
apenas passar a bola para um companheiro ou batê-la no chão. Considerando que o público

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Grosso modo, lacrosse é um esporte de origem canadense, no qual os jogadores fazem uso de um taco com
uma rede na ponta para tentar lançar um artefato de metal em um alvo.
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alvo de sua invenção eram adultos jovens, geralmente empresários, ou seja, de uma classe
social mais ligada a burguesia do que aos operários, essa condição de esportes elitistas
terem a característica de evitar contatos obedece uma lógica apresentada nos escritos de
Bourdieu (1990, p.209).
O criador do basquete também havia constatado que todos os esportes tinham em
comum a necessidade da equipe alcançar um objetivo. No futebol americano intentavam
ultrapassar a linha final, no futebol (soccer), hockey e lacrosse objetivavam colocar a bola
entre as traves, etc. Naismith imaginou que se colocasse um alvo horizontal em um plano
elevado os defensores teriam mais dificuldade para proteger a meta e a velocidade da bola
seria diminuída, contribuindo com o abrandamento das ações motoras.
Motivado com essas suas ideias iniciais, elaborou 13 regras que deveriam nortear as
ações dos alunos e que foram transcritas ao papel. Eram elas:
1. A bola pode ser lançada em qualquer direção com uma ou duas
mãos.
2. A bola pode ser batida em qualquer direção com uma ou ambas as
mãos, mas sem o uso do punho.
3. Um jogador não pode correr com a bola. O jogador deve lançá-la a
partir do ponto em que ele a pega; permitindo-se ser feita por um homem
que pega a bola enquanto corre em boa velocidade.
4. A bola deve ser segura em uma mão ou entre as mãos; os braços ou
corpo não deve ser utilizado para segurá-la.
5. Não é permitido segurar, empurrar, derrubar o oponente; a primeira
violação desta regra por qualquer pessoa contará como uma falta, o
segundo deve desqualificá-lo até a próxima cesta ser feita, ou, se houve a
intenção evidente de ferir, nenhum substituto permitido.
6. Uma falta é marcante na bola com o punho, violação dos artigos 3º,
4º e tal como descrito na Regra 5.
7. Se um dos lados faz três faltas consecutivas, ele contará uma cesta
para os adversários. (Meios consecutivos sem os oponentes, entretanto,
fazer uma falta.)
8. Uma cesta deve ser feito quando a bola é lançada ou golpeada para
dentro da cesta e permanece lá, sendo que aqueles que defendem a cesta
não podem tocá-la.
9. Quando a bola vai para fora dos limites, deve ser lançada para a
quadra pela pessoa primeiro que tocá-la. Em caso de litígio, o árbitro
deve jogá-la diretamente para o campo. O lançador é permitido cinco
segundos. Se ele mantém mais tempo, a bola deve ir para o adversário. Se
qualquer lado persiste em retardar o jogo, o árbitro deve marcar uma falta
sobre eles.
10. O árbitro deve julgar os homens e observar as faltas e notificar o
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árbitro quando três faltas consecutivas foram feitas. Ele terá o poder de
desclassificar os homens de acordo com a Regra 5.
11. O árbitro deve julgar a bola e deverá decidir quando a bola está em
jogo, no limite, para que lado ele pertence, e deve marcar o tempo. Ele
decidirá quando um gol foi feito, e contar as cestas, e outras funções que
normalmente são desempenhadas por um árbitro.
12. Serão dois tempos de quinze minutos, com cinco minutos de
descanso.
13. O lado que fizer mais cestas no tempo deve ser declarado o
vencedor. Em caso de empate, o jogo pode, por acordo entre os capitães,
ser continuado até que outra cesta seja feita. (NAISMITH, 1941, p.53-55)

No dia que Naismith ia aplicar a novidade a seus alunos pediu ao administrador do


ginásio de esportes duas caixas de 45 cm quadrados, mas na sua ausência foi lhe oferecido
dois cestos velhos de pêssego, os quais foram pendurados um em cada lado do ginásio.
Naismith (1941, p.56) relata que seus dezoito alunos foram separados em dois
times de nove jogadores. A princípio, como era esperado, muitas faltas eram feitas e os
jogadores penalizados com exclusão temporária, até a próxima cesta. A despeito desse
desconforto inicial com as punições, a volúpia empregada durante o jogo deu indicadores
que o mesmo foi apreciado pelos alunos.
Como o jogo foi criado no interior de uma ACM, em Massachussets era natural que
a sua prática se espalhasse através desta instituição, até porque a ACM era uma das poucas
organizações que apoiava o desenvolvimento físico. O fato de suas filiais, em sua maioria,
possuírem ginásios esportivos, logicamente distintos dos modelos atuais, foi um fator
primordial na difusão do basquete.
De acordo com Naismith (1941, p. 111-142), além da ACM, os clubes atléticos, as
instituições de ensino superior e colegiais, igrejas, instituições industriais e por pessoas
vinculadas a essas organizações também foram fundamentais para que o basquetebol
alcançasse a dimensão continental em pouco espaço de tempo.
Todavia, a protagonista nesta difusão do basquetebol foi a ACM, especialmente
pela existência de várias filiais espalhadas pelo território norte-americano. As filiais da
ACM, por terem dificuldades similares durante o inverno, também experimentaram o novo
jogo e a aceitação foi considerável. Em pesquisa realizada internamente na organização,

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percebeu-se que o basquetebol contribui a fidelizar os membros mais velhos e atrair os


mais jovens. Naismith (1941, p. 111) credita a difusão rápida e ampla a dois fatores: o
primeiro é o jornal escolar Triângulo5, que imprimiu as regras em janeiro de 1892 e foi
distribuído para todas as filiais da ACM, que por sua vez também anseavam por uma
atividade que atraísse seus membros.
Mas, para além dessa estrutura que a ACM possuía e que facilitava a inserção do
basquetebol em outras regiões do país, quais eram os interesses da instituição?
Inicialmente interessante fazer uma apresentação da Associação Cristã de Moços.
De acordo com o site oficial da Young Men´s Christian Association, o objetivo da entidade
era a melhoria espiritual dos jovens empresários, através de aulas bíblicas, encontros de
oração sociais e familiares, melhoria conjunta e outras atividades espirituais6. O aspecto
religioso explícito no objetivo, também está presente na Revista Triangle, que era editada
pela ACM e cujo nome era inspirado em um conceito desenvolvido por Luther Gulick que
representava a coesão harmônica da alma, mente e corpo (HARRIS, 2014, p. 22;
HORGER, 2001, p.20).
No ano que o basquetebol foi inventado, na mesma revista Triangle, Gulick já
havia apontado o interesse em utilizar o esporte como uma ferramenta para combater a
desordem social. Ele elenca 10 virtudes para o esporte, dentre elas quatro deixam claro
seus intentos: simetria e harmonia do desenvolvimento do corpo, controle muscular,
conhecimento de suas potencialidades e auto-controle, ou seja, estas qualidades podem
contribuir no combate aos tumultos da época (HARRIS, 2014, p.15).
Gulick, aliás, enquanto diretor da ACM, foi peça fundamental neste processo
inicial, em que ele buscava conciliar atividades atléticas e o cristianismo. Ele acreditava
que os esportes coletivos podiam desenvolver valores morais e bons comportamentos
(HORGER, 2001, p.26).

O nome de batismo da revista é baseada em um conceito desenvolvido por Luther Gulick, que ele nominava
de Triângulo. O conceito previa que as três partes do homem: mentais, físicas e espirituais deveriam se
harmonizar. A revista se notabilizava pela conceituada forma de divulgação de conhecimento científico da
Educação Física.
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Disponível em: http://www.ymca.int/who-we-are/history/. Acesso em 25 de jan. 2016
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Naismith (1941, p.184-188) aponta na mesma direção ao elencar os valores que o


basquetebol desenvolve nos seus praticantes. Dentre as virtudes elencada da modalidade
pelo inventor, algumas estão mais ligadas a valores morais: capacidade de iniciativa,
cooperação, auto-confiança, altruísmo, auto-controle e cortesia.
Assim, parece-nos evidente que o basquetebol teve sua difusão facilitada pela sua
ligação com os aspectos religiosos e ideológicos da ACM. Vejamos como Horger (2001, p.
25) trata isso:
“O basquetebol era, ao menos em teoria, a essência da filosofia que Gulick
estava desenvolvendo, um jogo coletivo inventado por experts que
buscavam criar um jogo perfeito. As regras buscavam transmitir valores
associados com uma visão social envolvendo o Protestantismo Gospel, a
elevação do individual ao coletivo/sociedade, o desejo de encorajar um
espírito competitivo viril enquanto restringia a competição dentro de
fronteiras sociais aceitáveis e a noção que os jogos coletivos era uma
metáfora ao sucesso dentro de uma moderna organização social. Era a
visão progressiva do esporte em um microcosmo” (HORGER, 2001, p.25)

A pesquisa de Horger (2001) aprofunda sua análise em direção ao início do


profissionalismo do basquetebol em solo americano, todavia, este assunto, a
profissionalização, merece um estudo em separado, uma vez que novos agentes adentram
ao campo esportivo e as relações de poder são alteradas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das evidências apresentadas na historiografia da criação do basquetebol
analisada parece-nos plausível que a modalidade tenha sido realmente uma ferramenta de
coesão social e higienismo em um momento conturbado da sociedade norte-americana. No
campo esportivo que estava se constituindo, os esportes praticados em ambientes abertos
disputavam entre si a preferência dos praticantes, todavia, ao pensarmos que sua invenção
foi demandada especialmente para suprir a lacuna de atividades físicas em locais fechados,
esta luta por espaços, tem uma relevância significativa, sobretudo em função da
modalidade ter sido rapidamente aceita e difundida pelos Estados Unidos.
A atuação da Associação Cristã de Moços demonstrou ter sido primordial para o
basquetebol, não apenas porque foi em seu interior que o jogo foi inventado, mas
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ANAIS DO VIII CONGRESSO SULBRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE - Criciúma-SC – 08 a
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principalmente porque a difusão e sucesso da modalidade foi facilitada pela adesão da


prática em suas filiais. Apesar deste papel protagonista, a ACM viu o número de
praticantes de basquetebol se disseminar pelas diferentes classes sociais, alterando seu
significado social inicial.
Por isso, sugere-se que estudos aprofundem esta temática com a utilização de um
número maior de fontes da historiografia do basquetebol, bem como importante também
focar o processo de profissionalização do basquetebol norte-americano que ocorreu bem
precocemente em relação ao resto do mundo pelas características inerentes ao esporte
naquele país.

REFERENCIAS
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esporte profissional na estrutura organizacional das categorias de base. 2005. Dissertação
(Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 2007.
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do basquete brasileiro. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2011
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HIRATA, E. A organização administrativa de uma equipe profissional de basquetebol: o
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Aplicadas) – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2005.
HORGER, M. T. Play by the rules: the creation of basketball and the Progressive Era

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SALVADOR, J. L. El deporte em Occident: Historia, Cultura y Política. Madrid:
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dos 1860. 2013. Tese (Doutorado em História) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas – USP, São Paulo, 2013.

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