FOLHETO V - Pedra - Reino2
FOLHETO V - Pedra - Reino2
FOLHETO V - Pedra - Reino2
A PEDRA DO REINO situa-se numa serra áspera e pedregosa do Sertão do Pajeú, fronteira da
Paraíba com Pernambuco;
serra que, depois dos terríveis acontecimentos de 18 de Maio de 1838, passou a ser conhecida
como “Serra do Reino”. Dela descem águas que, através dos rios Pajeú, Piancó e Piranhas,
são ligadas a três dos sete Rios sagrados e três dos sete Reinos [lugar de construção do
sagrado] do meu Império. Hoje, a Serra está menos áspera e impenetrável do que no tempo
do meu bisavô Dom João Ferreira-Quaderna. Ainda assim, permanece de acesso difícil e
penoso. É coberta de espinheiros entrançados de unhas-de-gato,malícia, favela, alastrados,
urtigas, mororós e marmeleiros. Catolezeiros e cactos espinhosos completam a vegetação, e
contase que o sangue que embebeu a terra e as pedras, durante o reinado dos Quadernas, foi
tanto que, na Sexta-Feira da Paixão de cada ano, [data santa] os catolezeiros começam a
gemer, as pedras a refulgir no castanho e nas incrustações de prata ou malacacheta, e as
coroas-de-frade começam a minar sangue, vermelho e vivo como se tivesse sido há pouco
derramado.[ fenômenos sobrenaturais]
Não é isso, porém, o elemento mais importante, ali, como fundamento de glória e sangue da
minha realeza: são as duas enormes Pedras castanhas a que já me referi, meio cilíndricas,
meio retangulares, altas, compridas, estreitas, paralelas e mais ou menos iguais, que, saindo
da terra para o céu esbraseado, numa altura de mais de vinte metros, formam as torres do meu
Castelo, da Catedral encantada [formação de imaginário] que os Reis meus antepassados
[ancestralidade] revelaram como pedras-angulares do nosso Império do Brasil.
O genial Acadêmico sertanejo Antônio Áttico de Souza Leite, nascido ali por perto, fala delas
assim, na Crônica-epopeica intitulada Memória sobre a Pedra Bonita, ou Reino Encantado, na
comarca de Vila-Bela, província de Pernambuco , escrita em 1874 e apresentada em
memorável sessão do “Instituto Arqueológico de Pernambuco”: “A Pedra Bonita, ou Pedra do
Reino, como lhe chamam hoje, são duas pirâmides imensas de pedra maciça, de cor férrea e
de forma meio quadrangular, que, surgindo do seio da terra defronte uma da outra, elevam-se
sempre à mesma distância, guardando grande semelhança com as torres de uma vasta
Matriz,[atribuição de significado] a uma altura de 150 palmos (ou seja, 33 metros). A que fica
para o lado do Nascente, em consequência de uma espécie de chuvisco prateado de que está
coberta, de meia altura para cima, e que parece infiltração de malacacheta, adquiriu o nome de
Pedra Bonita, em completo prejuízo da companheira. Ao Poente, e logo na extremidade da
segunda pirâmide, ou Torre, há uma pequena sala meio subterrânea, a que chamavam
Santuário [lugar sagrado], não só por ser o lugar onde primeiro entravam os noivos, depois de
casados pelo falso Sacerdote da seita, o intitulado Frei Simão [sacerdote], como porque era ali
que o Vaticinador, o execrável Rei João Ferreira-Quaderna, afirmava, em suas práticas, que
ressuscitariam gloriosamente, com El-Rei Dom Sebastião, todas as vítimas que lhe fossem
oferecidas [mito criado]. Ao Sul desta sala, porém próximas dela, elevam-se várias pedras
grandes, sobrepostas umas às outras, as quais formam uma espécie de caramanchão
abobadado. Este lugar tinha o nome de Trono, ou Púlpito, por ser dele que El-Rei Dom João
Ferreira-Quaderna, inculcado Profeta, pregava a seus sectários. Cerca de 200 braças ao Norte
das duas Torres, existe um Penedo colossal, cuja concavidade natural, na parte inferior,
formava um grande esconderijo que, aumentado por uma profunda escavação que ali fizeram
os Sebastianistas, adquiriu proporções para comportar o número de 200 pessoas
[interferências culturais]. Este lugar é conhecido pelo nome de Casa-Santa, por ser ali que o
perverso e execrável Rei João Ferreira- Quaderna recolhia e embriagava os seus associados,
ministrando-lhes beberagens, todas as vezes que pretendia vítimas voluntárias para o Reino.”
***
Este, nobres Senhores e belas Damas, foi um dos trechos de Crônica-epopeica que mais
influência exerceram na minha formação político-literária. Foi ele que me convenceu, de uma
vez por todas, que havia alguma coisa de sagrado, escondida e aprisionada nas grades de
granito de tudo quanto é pedra sertaneja por aí afora. Foi ele que tornou para sempre sagradas
em meu sangue as palavras torre, pedra, prata, chuvisco prateado, Profeta, trono,
sebastianismo, penedo, pedras de cor férrea, brilho de malacacheta, Catedral, Reino e
Vaticinador. [o mito trouxe significado ao modo de se relacionar com o ambiente ao
redor]
Ocorre, ainda, que eu tinha lido, no jornal do Governo da Paraíba, A União, um artigo,
publicado em 1924, pelo extraordinário Ademar Vidal, escritor paraibano tão importante que
chegou, até, a ser Delegado de Polícia. Nesse artigo, contava ele uma viagem que tinha feito
pelo Sertão, e dizia que as pedras e lajedos do nosso sagrado Cariri encontram-se, às vezes,
em aglomerados que parecem Fortalezas ou Castelos arruinados. [imaginário influenciado
pela colonização europeia]
A partir daí, toda vez que eu me lembrava dos dois rochedos gêmeos da Pedra do Reino era
como se eles fossem, além da Catedral Soterranha que os Reis, meus antepassados, tinham
revelado, a Fortaleza e o Castelo onde se fundamenta a realeza do nosso sangue.
Em 1838, o Padre Francisco José Corrêa de Albuquerque fez um desenho representando as
duas Pedras Encantadas do nosso Reino, desenho que Pereira da Costa e Souza Leite
publicaram. Levei meu irmão Taparica à nossa Biblioteca e pedi-lhe que copiasse a estampa
do Padre, cortando-a, depois, na madeira, para ser impressa num “folheto” que eu pensava
publicar, tendo como assunto o nosso Reino. Taparica, a princípio, fez cara feia. Dizia que, no
desenho do Padre, tudo era miúdo demais, e que, daquele jeito, dava muito trabalho para
cortar. Retruquei que ele podia modificar o desenho a seu modo. Entãoconcordou, e fez a
gravura que vai anexada, também, aos Autos desta Apelação, para proporcionar a Vossas
Excelências todos os elementos necessários ao estudo da questão.