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ANLISE COMPORTAMENTAL DO DIREITO:

UMA ABORDAGEM DO DIREITO COMO CINCIA
DO...

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Julio Cesar de Aguiar

Universidade Catlica de Braslia
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 ANLISE COMPORTAMENTAL DO DIREITO:
UMA ABORDAGEM DO DIREITO COMO
CINCIA DO COMPORTAMENTO HUMANO APLICADA
Julio Cesar de Aguiar

Resumo
O artigo prope uma nova abordagem para a cincia do direito intitulada anlise com-
portamental do direito. A referida abordagem parte da redefinio do fato do dever-ser como
sendo o que os analistas comportamentais chamam de regras, ou seja, conjuntos de padres
comportamentais complexos, os quais auxiliam os indivduos a adaptarem seu comportamento
s contingncias ambientais humanas e no humanas, sem terem de se expor diretamente a tais
contingncias. O artigo continua explicando os fundamentos epistemolgicos das referidas
regras, com base nos quais proposta uma estrutura formal para descrev-las. Em seguida, o
artigo analisa detalhadamente a estrutura das normas jurdicas em termos de suas regras consti-
tutivas, classificadas em trs grupos, a saber, premissas comportamentais relevantes, metas
sociais e contingncias jurdicas.

Palavras-chave
Anlise Comportamental do Direito. Regras. Contingncias Comportamentais. Premis-
sas Comportamentais Relevantes. Metas Sociais. Contingncias Jurdicas.

Abstract
The article puts forth a new approach to legal studies named behavioral analysis of law.
It begins by redefining the fact of the ought as what behavior analysts call rules, that is, sets of
complex behavioral patterns which help individuals to adapt their behavior to human and non-
human environmental contingencies without having to expose themselves directly to such
contingencies. It continues by explaining the epistemological foundation of such rules on the
basis of which a formal structure to describe them is proposed. Then the article analyses in detail
the structure of legal norms in terms of their component rules, which are classified in three
groups, namely relevant behavioral premises, social goals, and legal contingencies.

Keywords
Behavioral Analysis of Law. Rules. Environmental Contingencies. Relevant Behavioral
Premises. Social Goals. Legal Contingencies.

Mestre em Filosofia, Doutor e PhD em Direito, Professor do Mestrado da Universidade Catli-

ca de Braslia, Procurador da Fazenda Nacional.
Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC
245
 1. INTRODUO
O horizonte epistemolgico da maioria dos que intentam estudar cien-
tificamente o direito tem sido dominado por uma viso dualista que se carac-
teriza por distinguir entre, de um lado, uma abordagem dita externa ao direi-
to, representada por disciplinas como a sociologia e a antropologia jurdicas;
e, de outro, uma abordagem dita interna ao direito, a qual gira em torno da
dogmtica jurdica, mas tende a incluir tambm disciplinas como a herme-
nutica e a lgica jurdicas. Essa viso dicotmica tem como fundamento
principal a chamada doutrina do abismo lgico entre ser e dever-ser, caben-
do ento, grosso modo, s disciplinas jurdicas externas estudar o ser e s
internas, o dever-ser do direito.
Tal estado de coisas tem prejudicado sobremaneira o desenvolvimento
da cincia jurdica, especialmente em uma poca em que cada vez mais
importante para os tericos e profissionais do direito entender de forma cien-
tfica as consequncias sociais mais amplas da instituio, modificao e apli-
cao diferencial das normas jurdicas, as quais no mais so vistas como
preceitos normativos absolutos, mas como instrumentos contingentes na
busca por solues para os problemas da sociedade humana em escala global.
O presente artigo expe os fundamentos de uma abordagem cientfica
unificada do direito intitulada anlise comportamental do direito. Tal abor-
dagem se baseia em uma epistemologia naturalista inspirada no behavioris-
mo radical de Skinner, de acordo com a qual o que chamamos de conheci-
mento inclusive sua manifestao mais avanada, a cincia moderna
nada mais do que um modo de adaptao dos grupos humanos aos seus
ambientes fsicos e sociais; sendo, portanto, o resultado coletivo emergente
de aes individuais, tornado possvel pela linguagem, a qual permite aos
indivduos transmitir uns aos outros os padres comportamentais percebidos
como mais adaptativos em um dado contexto. O chamado dever-ser, por
conseguinte, to somente uma forma abstrata de descrever o modo como o
conhecimento humano disseminado com o auxlio da linguagem. Mais
especificamente, ele uma forma sinttica de se referir ao que os analistas
comportamentais skinnerianos chamam de regras, isto , conjuntos de pa-
dres comportamentais complexos os quais auxiliam os indivduos a adapta-
rem seus comportamentos s contingncias ambientais humanas e no hu-
manas, sem terem de se expor diretamente a tais contingncias.
No caso especfico das normas jurdicas, o artigo tenta demonstrar que
o dever-ser nelas contido basicamente um modo lingustico de descrever a
relao causal entre a imposio de uma contingncia comportamental
normalmente uma punio contingente a um comportamento omissivo ou
comissivo descrito na norma e a obteno de um resultado determinado,
definido politicamente como sendo do interesse da comunidade em nome da
qual se instituiu a referida norma. Assim, no caso do furto, por exemplo, o

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dever-ser de tal norma penal seria basicamente, segundo a viso resumida
acima, uma descrio lingustica da relao causal entre a punio da condu-
ta subtrair coisa alheia mvel e a obteno de um estado de coisas percebido
como socialmente desejvel, a saber, a segurana da propriedade privada
individual.
A estrutura do artigo a seguinte. Aps esta introduo, discute-se,
numa segunda seo, a questo do substrato ftico do dever-ser como consti-
tudo por regras, entendidas como mecanismos de transmisso social de pa-
dres comportamentais considerados mais adaptativos em determinados
contextos. A terceira seo ento dedicada discusso do papel do que
estamos chamando de regras de controle comportamental, entre as quais se
incluem as normas jurdicas, na evoluo sociocultural humana, finalizando
com uma anlise lgica de tais regras. Na quarta seo, a estrutura das nor-
mas jurdicas enquanto regras de controle comportamental discutida em
detalhes. Uma seo final, conclusiva, resume ento os principais pontos do
artigo e suas implicaes para a teoria e prtica do direito.

2. EM BUSCA DO FATO DO DEVER-SER

A noo de dever-ser tem uma extensa carreira na filosofia ocidental
(ABBAGNANO, 1998). Um marco fundamental nesse debate filosfico a
contribuio do filsofo escocs setecentista David Hume (1711-1776), o qual
formulou as bases do que veio a ser conhecido como a doutrina do abismo
lgico entre ser e dever-ser (BRECHT, 1965), a partir da qual a questo do ser
versus dever-ser passou da ontologia para a epistemologia. Em resumo, Hu-
me argumenta que no se pode deduzir de um estado de coisas factual, isto
, de um ser, um estado de coisas normativo, ou seja, uma prescrio ou de-
ver-ser (HUME, 1989). Como, para ele, apenas os estados de coisas factuais
so passveis de raciocnio lgico-dedutivo, isto , racional, segue-se que os
estados de coisas normativos, chamados por Hume de distines morais, no
so acessveis ao pensamento racional, em outras palavras, no derivam da
razo humana.
Tributrias dessa longa tradio filosfica, as verses dos juristas para
essa questo fundamental so vrias, a mais conhecida das quais prova-
velmente a formulao proposta por Hans Kelsen (1881-1973), segundo o
qual o dever-ser simplesmente expressa o sentido especfico em que a con-
duta humana determinada por uma norma (KELSEN, 1991, p. 41). No
faltaram tambm tentativas de superar a dicotomia humeana, destacando-se
no mbito do direito o movimento conhecido como realismo jurdico norte-
americano (DUXBURY, 1995). Entretanto, como observa Luhmann, os realis-
tas jurdicos estavam muito mais preocupados em discutir as motivaes dos
juristas enquanto indivduos ou grupo social do que em esclarecer a natureza
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sociopsicolgica do direito em geral e das normas jurdicas em particular
(LUHMANN, 1985).
No meu propsito neste artigo me alongar no comentrio discus-
so filosfica ou terico-jurdica sobre a distino epistemolgica entre ser e
dever-ser. Ao contrrio, vou propor um caminho, por assim dizer, paralelo, o
qual no passa pela filosofia nem pela teoria do direito tradicional, porm,
pela cincia do comportamento humano, mais particularmente, pela verso
dessa cincia proposta pelo psiclogo norte-americano B. F. Skinner (1904-
1990) e desenvolvida pelos seus inmeros seguidores ao redor do mundo,
conhecida pelos apelidos sinnimos de behaviorismo radical ou anlise com-
portamental (SKINNER, 1953; BAUM, 2005; MOORE, 2008; SCHNEIDER,
2012).
Conforme iremos explicar detalhadamente ao longo deste artigo, do
ponto de vista da anlise comportamental, o dever-ser do direito nada mais
do que uma descrio lingustica de uma circunstncia comum da vida social
humana, a saber: o fato de a instituio de uma determinada norma jurdica
por exemplo, o crime de furto ser geralmente percebida pelos institui-
dores da mesma como um modo de garantir, em ltima instncia, a sobrevi-
vncia e reproduo do respectivo grupo social. Ou seja, a normatividade do
direito, segundo esse ponto de vista, seria um modo de descrever a relao
instrumental entre a instituio de determinadas normas jurdicas e a garan-
tia do bem-estar da respectiva comunidade social instituidora das mesmas.
Na base dessa concepo do dever-ser jurdico est o conceito analtico-
comportamental de regra (SKINNER, 1969; BAUM, 2005). Para entender
melhor tal conceito, entretanto, faz-se necessria uma discusso mais deta-
lhada de um aspecto fundamental do behaviorismo radical de Skinner, ou
seja, o conceito de seleo pelas consequncias como modelo de explicao
causal, passando, em seguida, explicao o mais sucinta possvel dos trs
nveis de seleo comportamental, para, s ento, nas prximas sees, discu-
tir em profundidade a ideia do dever-ser como constitudo por regras.

2.1. A seleo pelas consequncias como modelo de explicao causal

Diferentemente do chamado behaviorismo metodolgico, personifica-
do na obra do tambm psiclogo norte-americano John B. Watson (1878-
1958), o behaviorismo radical de Skinner no nega a possibilidade de se estu-
dar cientificamente os fenmenos ditos mentais, como pensamentos, crenas,
desejos e lembranas. Recusa-se, porm, a reconhecer nesses fenmenos
duas qualidades que, direta ou indiretamente, lhes so atribudas pelas cor-
rentes psicolgicas rivais, apelidadas de mentalistas pelos skinnerianos, a
saber: a) que os fenmenos mentais ocorrem em um plano fenomenolgico
distinto e no fsico denominado mente; b) que tais fenmenos so a causa

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eficiente ou mecnica dos comportamentos humanos observveis (SKIN-
NER, 1953, 1976; BAUM, 2005).
De fato, para os analistas comportamentais, comportamentos ditos
mentais como, por exemplo, pensar, imaginar, sentir, perceber e crer se do
no mesmo domnio fenomnico que outros comportamentos, no considera-
dos mentais, tais como correr, nadar, comer e dormir. O fato de que esses
ltimos comportamentos sejam publicamente observveis e os primeiros, em
geral, no o sejam no os faz diferentes do ponto de vista das variveis res-
ponsveis pela sua ocorrncia. Assim, se eu estou a caminho da pizzaria e
imagino uma marguerita com muita mussarela, tomate e manjerico e ao che-
gar l devoro uma dessas pizzas, tamanho gigante, em poucos minutos, no
h, segundo os analistas comportamentais, fundamento cientfico para dis-
tinguir entre as variveis responsveis pela ocorrncia dos dois comporta-
mentos e muito menos para dizer que o ato de imaginar ocorreu na minha
mente e o de comer, na pizzaria. Ao contrrio, em termos de explicao cau-
sal, fatores como minha experincia prazerosa anterior com o sabor de pizzas
semelhantes, a privao de alimento nas horas que antecederam a ida ao
restaurante e o panfleto da pizzaria colocado na minha caixa de correio esta
manh foram igualmente importantes tanto na determinao do ato de ima-
ginar quanto no de comer a pizza. Em termos mais tcnicos, dir-se-ia que
tanto o imaginar quanto o comer formam um nico padro comportamental
complexo (BAUM, 2005; RACHLIN, 2000), cuja probabilidade de ocorrncia
o resultado da conjugao de trs tipos de variveis comportamentais, a mo-
tivao (privao de alimento), o contexto (o ambiente urbano que inclui a
disponibilidade de transporte e de restaurantes que vendem pizzas e fazem
propaganda de porta em porta do seu negcio) e a histria comportamental
individual (a minha experincia anterior com o sabor de pizzas marguerita).
Da mesma forma, se eu estou no trabalho, comeo a pensar na minha
esposa e, logo em seguida, telefono para ela, o pensamento, do ponto de
vista analtico-comportamental, no a causa do telefonema. Na verdade,
ambos, pensamento e telefonema, so partes de um padro comportamental
mais amplo cujas variveis causais incluem um estado motivacional (priva-
o da presena da minha esposa), um contexto (por exemplo, o ponteiro do
relgio do escritrio indicando que em alguns minutos estarei indo para ca-
sa) e uma histria comportamental (em outras ocasies, quando liguei do
trabalho para minha esposa, ela me disse palavras carinhosas e alusivas aos
bons momentos que logo estaramos passando juntos).
Ora, aceitando o argumento behaviorista radical resumido acima, ca-
beria perguntar: por que razo a maioria das pessoas, incluindo filsofos,
psiclogos e leigos, compartilha tanto a ideia de mente como um plano dis-
tinto do fsico em que fenmenos como pensamentos, imagens, e desejos

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ocorrem quanto a de que tais fenmenos so a causa dos comportamentos
relacionados que se seguem a eles? Para responder a essa questo, necess-
rio entender o conceito de seleo pelas consequncias, proposto por Skinner
como um novo modelo causal, distinto da causalidade mecnica, tambm
chamada de causalidade eficiente.
Segundo autores como Baum, Moore e Skinner, do ponto de vista
epistemolgico, o cerne da divergncia entre os behavioristas radicais e os
adeptos das correntes psicolgicas rivais, em especial, a chamada corrente
cognitivista, est em que, contrariamente a esses ltimos, para os analistas
comportamentais, a explicao cientfica do comportamento humano depen-
de de um tipo diferente de causalidade, caracterstico da biologia evolucion-
ria, da psicologia e da sociologia evolutiva, o qual distinto da causalidade
mecnica que tem caracterizado as explicaes da fsica, da qumica e da bio-
logia molecular. Skinner chama este novo tipo de explicao causal de sele-
o pelas consequncias (SKINNER, 1981, 1990; BAUM, 2005; MOORE, 2008).
Como observa Baum, as explicaes baseadas no modelo causal meca-
nicista se baseiam em eventos que se do no momento mesmo em que o
fenmeno a ser explicado ocorre. Por exemplo, a explicao astronmica para
o fato de o sol nascer toda manh faz referncia apenas posio da Terra
relativamente ao Sol no momento da alvorada. J as explicaes baseadas no
modelo causal da seleo pelas consequncias tambm chamadas explica-
es selecionistas (DONAHOE, 2003) fazem referncia a uma srie histri-
ca de eventos ocorridos em um perodo relativamente longo de tempo. As-
sim, a explicao selecionista da biologia evolucionria para, por exemplo, o
pescoo comprido das girafas requires reference to the births, lives, and
deaths of countless giraffes and giraffe ancestors over many millions of ye-
ars (BAUM, 2005, p. 64).
A explicao baseada na seleo pelas consequncias foi descoberta
apenas no sculo XIX por Charles Darwin (1809-1882) e aplicada por ele
explicao da evoluo das espcies, no que ficou conhecido como a teoria da
evoluo das espcies pela seleo natural (DARWIN, 1999; MAYR, 1998). O
behaviorismo radical se caracteriza por aplicar um modelo causal anlogo ao
de Darwin para explicar a aquisio, modificao e extino de padres com-
portamentais em organismos animais individuais, inclusive seres humanos,
durante o tempo de vida dos mesmos (SKINNER, 1953), assim como para
descrever a evoluo sociocultural humana (SKINNER, 1971, 1976, 1981,
1984; GLENN, 1991, 2004; BAUM, 2001, 2005; SCHNEIDER, 2012). Segundo
os behavioristas radicais, pela mesma razo que, na ausncia da explicao
evolucionria de Darwin, a noo de um criador ou demiurgo funcionou
durante sculos como explicao causal eficiente da diversidade das espcies,
na ausncia da teoria skinneriana da seleo comportamental ontogentica, a
mente funcionou (para muitos, ainda funciona) como explicao causal efici-

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ente do comportamento observado dos animais; enquanto que, na ausncia
de uma teoria selecionista satisfatria da evoluo sociocultural, o surgimen-
to e disseminao das instituies sociais, as normas jurdicas includas, so
explicados por uma causa eficiente imaginria, que tanto pode ser uma men-
te coletiva, como em Comte (ARON, 1987), quanto um agente providencial,
seja ele indivduo ou grupo atuando como tal, como no maquiavelismo e no
marxismo-leninismo, respectivamente (MAQUIAVEL, 2010; GRAMSCI,
1978).
Para o behaviorismo radical, ento, a razo epistemolgica da predo-
minncia do mentalismo na psicologia e do voluntarismo na sociologia e na
cincia histrica a mesma da supremacia do criacionismo na biologia evolu-
tiva pr-darwiniana, qual seja, a dificuldade de se abdicar do modelo causal
eficiente, que tantos avanos trouxe para cincias como a fsica e a qumica,
aliada emergncia relativamente tardia do novo modelo causal selecionista
descoberto por Darwin na biologia e aplicado por Skinner, primeiramente,
na psicologia e, posteriormente, na sociologia (SKINNER, 1971, 1990).

2.2. Os trs nveis de seleo comportamental

Segundo o behaviorismo radical, os padres comportamentais de um
dado indivduo so o resultado da conjugao de trs processos seletivos
combinados, o filogentico, o ontogentico e o sociocultural (SKINNER, 1966,
1971, 1976, 1981). Como adiantado acima, por intermdio desses trs pro-
cessos seletivos que as consequncias de um dado comportamento individu-
al influenciam decisivamente a preservao ou extino desse padro com-
portamental ao longo do tempo. Vale lembrar que, no caso da seleo filoge-
ntica, outros aspectos da biologia do animal distintos do seu comportamen-
to por exemplo, a colorao da plumagem ou a espessura da pele so
tambm afetados, ao contrrio da seleo ontogentica e da sociocultural que
afetam apenas o comportamento. No obstante, estaremos nesse artigo inte-
ressados apenas na seleo filogentica de padres comportamentais.
Entre os autores que, dentro e fora do campo behaviorista radical, ad-
vogam a extenso da explicao pelas consequncias introduzida por Darwin
para alm da seleo natural, especialmente para os mbitos psicolgico (on-
togentico) e sociocultural, comum se descrever a lgica subjacente aos trs
processos seletivos por meio da frmula variao, seleo e reteno, ou,
mais sucintamente, variao mais reteno seletiva (CAMPBELL, 1974;
DAWKINS, 1989; BAUM, 2001; HULL, LANGMAN, GLENN, 2001). Tal fr-
mula chama a ateno para o fato de que, em todo processo seletivo, varia-
es de uma dada caracterstica (um padro comportamental, por exemplo)
em uma dada populao so seletivamente transmitidas ou no ao longo do
tempo, em razo de serem, respectivamente, mais ou menos adaptativas, isto
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, de satisfazerem ou no as contingncias de seleo correspondentes ao
processo seletivo em questo. Segundo Skinner, tais contingncias sero
chamadas filogenticas, quando pertinentes sobrevivncia e reproduo
das espcies; ontogenticas, quando se referirem modelagem, manuteno
ou extino de padres comportamentais durante o tempo de vida de um
indivduo; e socioculturais, quando relativas sobrevivncia e reproduo de
um determinado grupo social como um todo (SKINNER, 1981). Para melhor
explicar as analogias e desanalogias desses trs processos, farei uma compa-
rao entre eles no restante desta subseo, em termos de trs caractersticas
que mais de perto interessam ao tema desse artigo, a saber: a) a entidade que
evolui como resultado da seleo comportamental; b) o tipo de consequncia
responsvel pela seleo comportamental; c) o mecanismo por meio do qual
a seleo comportamental atua.

2.2.1. Seleo comportamental filogentica

No mbito da seleo comportamental filogentica, a entidade que
evolui denominada espcie. O conceito de espcie ainda bastante contro-
verso, principalmente entre os filsofos da biologia (STERELNY, GRIFFITHS,
1999). No obstante, para os propsitos deste artigo, adotaremos o chamado
conceito biolgico de espcie, o mais aceito entre os bilogos, como exempli-
ficado na seguinte formulao de Mayr (2002, p. 183), segundo o qual,
[s]pecies are groups of interbreeding natural populations that are
reproductively isolated from other such groups. Quanto ao tipo de conse-
quncia responsvel pela seleo comportamental chamada por Skinner
de contingncia de seleo (SKINNER, 1981) temos, no caso da seleo
filogentica, a sobrevivncia e reproduo da espcie. Isto significa que a
preservao ou no de uma espcie, conforme definido acima, depende da
produo de descendentes por parte daqueles indivduos cujas caractersti-
cas hereditrias os tornam melhor adaptados s demandas do ambiente na-
tural, ao longo do tempo evolucionrio, ou seja, ao longo de vrias geraes
de indivduos pertencentes quela espcie determinada (WILLIAMS, 1992).
No tocante, por fim, ao mecanismo por meio do qual a seleo comporta-
mental filogentica atua, trata-se da hereditariedade gentica. Ou seja, den-
tre todas as variaes individuais potencialmente adaptativas, apenas aque-
las capazes de serem transmitidas por meio dos genes aos respectivos des-
cendentes so relevantes para o processo de seleo comportamental filoge-
ntica (MAYR, 2002).
O tipo mais bem estudado de padro comportamental filogenetica-
mente selecionado o reflexo. Segundo Catania, a reflex is the reliable pro-
duction of a response by a stimulus (CATANIA, 1998, p. 415). Como desta-
cado na definio, o reflexo se caracteriza por uma relao fixa entre um de-
terminado estmulo e uma determinada resposta (padro comportamental),

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relao essa que comum aos membros de uma mesma espcie, podendo,
claro, estar presente em vrias espcies. Os reflexos so particularmente im-
portantes para a sobrevivncia dos recm-nascidos, pois possibilitam a eles
reagir eficazmente ao ambiente, antes mesmo que tenham tido tempo e ex-
perincia para aprender novos comportamentos. o caso, por exemplo, do
chamado reflexo prensil (grasp reflex) nos bebs humanos, em que a estimu-
lao da palma da mo de um recm-nascido ocasiona o fechamento dos
dedos com fora suficiente para sustentar o peso do beb durante alguns
breves momentos (DONAHOE, PALMER, 2004). A explicao selecionista
para a existncia dos reflexos a vantagem adaptativa que os mesmos trou-
xeram aos indivduos que apresentaram tais caractersticas no passado, pri-
meiramente de forma embrionria, acentuando-se gradativamente aps v-
rias e sucessivas geraes.
Apesar de sua importncia, os reflexos so bastante limitados, j que
no permitem ao indivduo alterar seu comportamento conforme as varia-
es ambientais ocorridas ao longo de sua vida. De fato, como ressalta Skin-
ner, para que um padro comportamental possa ser filogeneticamente seleci-
onado, necessrio, entre outros fatores, que a contingncia ambiental sele-
cionadora permanea estvel ao longo de muitas geraes de indivduos
(SKINNER, 1984).

2.2.2. Seleo comportamental ontogentica

Na esfera da seleo comportamental ontogentica tambm conhe-
cida como aprendizagem operante , a entidade que evolui , segundo os
behavioristas radicais, o repertrio comportamental de um organismo animal
um ser humano, por exemplo. Na definio de Catania, repertrio com-
portamental de um organismo significa the behavior an organism can emit,
in the sense that the behavior exists at a nonzero level, has been shaped or, if
extinguished, may be rapidly reinstated (CATANIA, 1998, p. 407). O aumen-
to da frequncia de um padro comportamental no repertrio de um indiv-
duo como resultado da aprendizagem operante pode ser considerado um
processo de seleo anlogo ao da seleo natural em razo de haver uma
competio entre os diversos padres comportamentais pelos recursos escas-
sos do indivduo, em particular, o esforo e o tempo despendidos por este na
realizao de um comportamento em um dado contexto (BAUM, RACHLIN,
1969; BAUM, 1997, 2001, 2005). A mesma ideia pode ser expressa com base no
conceito de populao (BAUM, 2001, 2005). Assim, o repertrio comporta-
mental individual pode ser concebido como uma populao de padres
comportamentais consumindo recursos escassos do indivduo como energia
e tempo. A frequncia relativa e, consequentemente, a quantidade de recur-
sos escassos do indivduo gasta com cada padro comportamental ser, en-

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to, determinada com base na respectiva taxa de reforamento (MCDO-
WELL, 1982, 1988).
O tipo de consequncia que atua como contingncia selecionadora na
aprendizagem operante a adaptao do indivduo s circunstncias mut-
veis do ambiente durante o seu tempo de vida (SKINNER, 1966, 1981, 1984).
Um animal selvagem aprende a distinguir em qual dentre dois stios o forra-
geio tende a ser mais frutfero. Da mesma forma, todos ns aprendemos que
tipo de roupa, conversa e gestos so ou no apropriados a diferentes contex-
tos, por exemplo, uma reunio de trabalho ou uma festa em famlia. Tanto a
escolha do local de forrageio quanto a da conversa mais adequada a cada
contexto so frutos da aprendizagem individual e no poderiam ser adquiri-
dos no houvesse evoludo em praticamente todas as espcies animais, inclu-
sive o Homo sapiens, a capacidade de alterar o comportamento conforme as
circunstncias mutveis do ambiente, durante o tempo de vida do indivduo.
De fato, como enfatizam, entre outros, Campbell e Skinner, a capacidade de
aprendizagem operante no s um produto da seleo natural como a
substitui em certo sentido, na medida em que permite aos indivduos adap-
tarem-se s transformaes do ambiente, sem dependerem do incerto e de-
morado processo de transmisso seletiva das caractersticas hereditrias mais
adaptativas (CAMPBELL, 1974; SKINNER, 1984).
O mecanismo bsico da seleo comportamental ontogentica o
condicionamento operante, descoberto por Skinner, na dcada de 1930. Em
termos bastante resumidos, o condicionamento operante pode ser descrito
com base em quatro variveis, a saber, a probabilidade de ocorrncia de um
padro comportamental, o contexto, a motivao e as consequncias, funcio-
nando a primeira como varivel dependente e as outras trs como variveis
independentes. Os princpios fundamentais do condicionamento operante
foram estabelecidos em laboratrio, utilizando-se principalmente sujeitos no
humanos, como pombos e ratos, mas tm sido testados tambm com sucesso
em sujeitos humanos, tanto em ambientes laboratoriais, quanto em situaes
aplicadas, como clnicas de doentes mentais, hospitais, escolas, empresas e
consultrios para atendimento psicoteraputico (SKINNER, 1938, 1953, 1957;
FESTER, SKINNER, 1957; DONAHOE, PALMER, 2004; MICHAEL, 2004;
MALOTT, 2009; PIERCE, CHENEY, 2013).
Um exemplo deve bastar para ilustrar o modelo skinneriano de seleo
comportamental baseada no condicionamento operante. Digamos que um
homem esteja em seu ambiente de trabalho e, observando que o relgio de
pulso marca 13 horas, diga a si mesmo Nossa! J passa da hora de almoo! ,
dirigindo-se, ento, ao restaurante em frente ao escritrio, onde come um
saboroso fil de peixe belle meunire. Aplicando o modelo selecionista de
Skinner ao padro comportamental em questo, isto , dirigir-se ao restau-
rante e pedir ao garom um fil de peixe belle meunire, temos o ambiente

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de trabalho e a hora marcada no relgio funcionando como contexto; a pri-
vao de comida, digamos, desde o caf da manh, como motivao; e a
oportunidade de comer a refeio como consequncia, chamada, no caso, de
consequncia reforadora ou reforo, tendo em vista que ela tende a tornar
mais provvel no futuro o comportamento de ir ao restaurante e repetir o
prato em questo, dados o contexto e a motivao adequados. Digamos, po-
rm, que o homem encontre um inseto repugnante no meio da comida. Ele,
muito provavelmente, deixar de se dirigir quele restaurante, ou mesmo a
quaisquer restaurantes, ao menos por algum tempo. Nesses casos, em que a
consequncia de um comportamento torna-o menos provvel, ela chamada
de consequncia punitiva ou, simplesmente, punio.
Alm da privao, mencionada no exemplo acima, um tipo de motiva-
o muito comum a estimulao aversiva. Por exemplo, se estou em minha
sala, comea a soprar um vento gelado, e eu, ento, me levanto e fecho a
janela; o vento (estmulo aversivo) funciona nesse caso como elemento moti-
vador, j que tornou a consequncia trmino da sensao de frio causada
pelo vento uma consequncia reforadora para mim, ou seja, que torna o
comportamento levantar e fechar a janela mais provvel no futuro, sempre
que presentes a motivao e o contexto relevantes.

2.2.3. Seleo comportamental sociocultural

No mbito da seleo comportamental sociocultural, a entidade que
evolui, segundo Skinner, o ambiente social ou cultura (SKINNER, 1971,
1976, 1981, 1988). Tal ambiente social constitudo por padres comporta-
mentais que funcionam como contexto, motivao ou consequncias refora-
doras ou punitivas para outros comportamentos humanos. Formulado dessa
forma, entretanto, esse conceito demasiado genrico, porquanto no enfa-
tiza o elemento fundamental de todo processo evolutivo, inclusive o socio-
cultural, que a transmissibilidade seletiva, conforme explicado acima. De
fato, em qualquer espcie de animal social, o entrelaamento dos comporta-
mentos dos indivduos pertencentes ao grupo constitui um ambiente social
para os respectivos membros. No entanto, em princpio, apenas na espcie
humana observamos o fenmeno da evoluo sociocultural em seu sentido
pleno, embora se possa falar em protoculturas ou culturas embrionrias em
diversas outras espcies (AVITAL, JABLONKA, 2000; BAUM, 2001; SCHNEI-
DER, 2012). Isto porque, apenas na espcie humana, em razo da emergncia
da linguagem, foi possvel se transmitir seletivamente no tempo e no espao
o que Skinner chama de prticas culturais, ou seja, padres comportamentais
que punem ou recompensam outros padres comportamentais (SKINNER,
1981). importante destacar que, para o behaviorismo radical, o conceito de
prtica cultural se refere no transmisso de um indivduo para outro dos

Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC

255
modos de realizar determinados comportamentos, mas ao fato de tal trans-
misso ocorrer por intermdio do comportamento de recompensar ou punir
determinados comportamentos (SKINNER, 1971, 1976; BAUM, 2005). Assim,
em termos de evoluo sociocultural, no o fato de um nmero qualquer de
pessoas comerem com as mos que conta, mas sim o fato de ser ou no tal
comportamento punido pelo grupo social, por exemplo, como falta de mo-
dos, educao ou higiene. Em outras palavras, no a oscilao do nmero
de pessoas que comem com as mos que indicar se a cultura mudou ou no
em relao a esse comportamento, mas o fato de ele ser ou no punido pelo
grupo social. Como diz Baum, conhecer uma cultura, na viso de Skinner,
conhecer as respectivas prticas de reforar ou punir determinados compor-
tamentos. Destarte, do ponto de vista da seleo sociocultural, [w]hether
cousins marry or not would be secondary; whether proposals of marriages
between cousins were reinforced or punished would be primary (BAUM,
2005, p. 270). Voltarei a esse ponto nas sees seguintes.
Quanto ao tipo de contingncias selecionadoras responsveis pela se-
leo sociocultural, temos o que Skinner denomina contingncias de repro-
duo e sobrevivncia do grupo social como um todo. Nas palavras daquele
autor, em termos de seleo sociocultural, [i]t is the effect on the group, not
the reinforcing consequences for individual members, which is responsible
for the evolution of the culture (SKINNER, 1981, p. 502). Infelizmente, Skin-
ner no desenvolveu esse ponto em seus escritos. No obstante, na subseo
3.1, eu irei combinar as anlises sociolgicas de Skinner, desenvolvidas prin-
cipalmente nos onze captulos que compem as sees IV a VI do seu livro
clssico Science and Human Behavior (SKINNER, 1953), com a teoria dos siste-
mas sociais funcionalmente especializados (LUHMANN, 1990; TEUBNER,
1993), para tratar desse aspecto da seleo sociocultural de um ponto de vista
analtico-comportamental.
Finalmente, em relao ao mecanismo por meio do qual a seleo soci-
ocultural atua, o conceito analtico-comportamental relevante o de regras,
entendidas como padres comportamentais complexos os quais auxiliam os
indivduos a adaptarem seus comportamentos s contingncias ambientais
humanas e no humanas, sem terem de se expor diretamente a tais contin-
gncias (SKINNER, 1969). Exemplos de regras so ordens, conselhos, mxi-
mas, leis jurdicas ou cientficas (SKINNER, 1953, 1976). Por exemplo, se al-
gum diz a outro Se eu fosse voc, no faltaria tanto ao servio, pois voc pode
perder o emprego! , podemos interpretar o dito como um conselho (o falante
e o ouvinte so casados, por exemplo) ou uma ameaa (o falante gerente da
firma em que o ouvinte trabalha). De qualquer modo, trata-se de uma regra
do ponto de vista analtico-comportamental, porquanto, ao descrever um
contexto (relao de emprego), um comportamento (faltar ao servio) e uma
consequncia (ser demitido), o referido padro verbal permite ao ouvinte
tomar contato com uma contingncia comportamental no caso, a contin-

256 v. 34.2, jul./dez. 2014

gncia entre o comportamento de faltar demasiado ao servio e a consequn-
cia punitiva de ser demitido , sem necessariamente ter sido exposto a ela
anteriormente (digamos que aquele o primeiro emprego do ouvinte). Cabe
ressaltar que, por outro lado, a regra permite ao falante (a pessoa que enun-
cia a regra) controlar o comportamento do ouvinte. No caso do exemplo aci-
ma, tanto o gerente pode diminuir a frequncia das faltas, sem precisar demi-
tir efetivamente o empregado, quanto o cnjuge sensato pode obter o mesmo
resultado, evitando assim a consequncia danosa para o cnjuge relapso e,
presumidamente, para si mesmo. Como veremos em seguida, essa funo
auxiliar no controle do comportamento do ouvinte por parte do enunciador
da regra que mais interessa ao tema desse artigo.
Pode parecer inadequado considerar as regras como um mecanismo.
Entretanto, para o behaviorismo radical, regras no so objetos (por exemplo,
os textos em que leis jurdicas e cientficas esto escritas), mas padres com-
portamentais. Por conseguinte, quando falamos em regras, tal apenas um
meio cmodo e usual de nos referirmos ao comportamento de Ego de contro-
lar (ou tentar controlar) o comportamento de Alter com base nesse tipo espe-
cial de contingncia social verbalmente instituda. Por exemplo, digamos que
a advertncia do gerente tenha sido feita formalmente mediante um memo-
rando endereado ao empregado faltoso. Do ponto de vista analtico-
comportamental, a regra em questo no o papel e os smbolos lingusticos
nela inscritos, mas o comportamento de controlar (ou tentar controlar) o
comportamento de empregados faltosos mediante advertncias formais,
antes de finalmente demiti-los, em caso de desobedincia.
Temos assim uma aproximao entre o conceito de regras e o de prti-
cas culturais, conforme a definio dessas ltimas proposta acima. De fato,
do que foi dito at agora, podemos concluir que as regras so o elemento ou
componente lingustico das prticas culturais. Embora se possa elaborar teo-
ricamente em quais situaes mais adequado se falar em regras e em quais
outras melhor se falar em prticas culturais, tal elaborao terica extrapo-
laria os limites deste artigo. Por outro lado, como veremos logo adiante, as
prticas culturais, para serem seletivamente transmissveis, tm de ser lin-
guisticamente formalizadas em regras, de sorte que, para os fins do presente
trabalho, mais conveniente falar em regras quando quisermos nos referir ao
mecanismo responsvel pela seleo sociocultural.
Enquanto padres comportamentais, as regras so submetidas s
mesmas variveis que controlam o comportamento dos indivduos por meio
do processo de seleo ontogentica. Assim, o comportamento do gerente no
exemplo dado acima se explica porque, em ocasies anteriores, advertir em-
pregados faltosos resultou em uma consequncia reforadora, isto , menos
faltas e menos demisses por justa causa. Da mesma forma, o empregado

Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC

257
que, ao ser advertido, reduz significativamente o comportamento de faltar ao
servio, o faz porque, em ocasies anteriores, no obedecer a advertncias
formais de pessoas em posio de autoridade (professores, por exemplo)
resultou em punio. Em suma, assim como o processo de seleo compor-
tamental operante est baseado em uma capacidade filogeneticamente sele-
cionada por meio da qual os animais, inclusive humanos, modificam seu
comportamento ao longo da vida com base nas recompensas e punies ad-
vindas de tais comportamentos, o processo de seleo sociocultural est ba-
seado na seleo comportamental operante. Como diz Skinner, [u]ltimately,
of course, it is all a matter of natural selection, since operant conditioning is
an evolved process, of which cultural practices are special applications
(SKINNER, 1981, p. 502).
Conforme explicado acima, o conceito de seleo sociocultural no se
aplica a qualquer modificao comportamental resultante da imposio de
regras, mas to somente alterao no grupo social do repertrio de compor-
tamentos de recompensar ou punir determinados comportamentos. Em ou-
tras palavras, a seleo sociocultural no uma seleo de comportamentos
quaisquer com base em regras, mas a seleo dessas prprias regras que
poderamos chamar de primrias com base em outras regras que pode-
ramos denominar secundrias. Isso implica dizer que o mecanismo da sele-
o sociocultural no qualquer tipo de regra, mas um tipo especial que visa
a controlar o prprio comportamento dos membros do grupo social de con-
trolar os comportamentos de outros por meio de regras. Eu denomino regras
de controle comportamental a esse tipo especial de regras que regulam a
imposio de regras, entre as quais, como veremos, se incluem as normas
jurdicas e que constituem o tema da prxima seo.

3. REGRAS DE CONTROLE COMPORTAMENTAL

Nesta seo discutiremos o que eu denomino regras de controle com-
portamental, as quais so responsveis pela seleo sociocultural. Para en-
tender a razo por que tais regras emergiram, preciso, primeiramente, en-
tender a necessidade da internalizao da seleo sociocultural (TEUBNER,
1988, 1993), a qual, por sua vez, passa pelo processo de especializao funci-
onal dos sistemas sociais humanos (LUHMANN, 1990). Vou comear pela
internalizao.
Nos trs processos de seleo comportamental estudados na seo an-
terior, o elemento comum a adaptao do comportamento dos indivduos a
um ambiente que, na terminologia behaviorista radical, estabelece as contin-
gncias selecionadoras que determinam a preservao ou extino do referi-
do padro comportamental. Como vimos, tais contingncias selecionadoras
so: no caso da seleo filogentica, as contingncias de sobrevivncia e re-
produo incidentes sobre vrias geraes de indivduos da mesma espcie;

258 v. 34.2, jul./dez. 2014

no da seleo ontogentica, as contingncias de reforo ou punio inciden-
tes sobre o comportamento de um indivduo durante o seu tempo de vida;
finalmente, no caso da seleo sociocultural, as contingncias de sobrevivn-
cia e reproduo incidentes sobre um dado grupo social como um todo ao
longo da sua histria.
Conforme tambm j mencionado, inerente a esse modelo geral, est a
ideia de que, cada nvel de seleo, comeando pelo filogentico, passando
pelo ontogentico, at o sociocultural, no apenas emerge a partir do nvel
mais bsico, como, de certa forma, o substitui. Assim, enquanto que, na sele-
o filogentica, a evoluo de um padro comportamental depende da pro-
duo de descendentes por parte daqueles indivduos que possuam o referi-
do padro em detrimento dos que no possuam; na seleo ontogentica, tal
dependncia para com a produo de descendentes ao longo de vrias gera-
es , por assim dizer, substituda pela capacidade de modificao do com-
portamento em razo das consequncias reforadoras ou punitivas inciden-
tes sobre ele, durante o tempo de vida de um nico indivduo. Analogamen-
te, na seleo sociocultural, a seleo de comportamentos considerados como
benficos para a sobrevivncia e reproduo do grupo social como um todo,
por meio de regras de controle comportamental, substitui a seleo filogen-
tica em nvel grupal (CAMPBELL, 1974; DAWKINS, 1989). Na verdade, con-
forme argumenta Teubner (1988, 1993), qualquer que seja a importncia da
seleo grupal para a evoluo das espcies (WILSON, 2006), no caso da sele-
o sociocultural, inexistem evidncias de que a relao entre os grupos soci-
ais e o ambiente no social externo seja capaz de produzir o tipo de modifi-
cao cumulativa e direcional que caracteriza qualquer processo evolutivo
(MAYR, 1976). Ou seja, tem-se transmisso cultural, mas sem seletividade. E
mais, quando observamos a histria humana, vemos que o processo de evo-
luo sociocultural se intensifica exatamente naquela parcela da humanidade
que alcanou um nvel de desenvolvimento tal que possibilita a seleo de
prticas culturais por processos internos ao prprio grupo, isto , sem que a
existncia do grupo enquanto tal esteja ameaada de desaparecimento
(ACEMOGLU, ROBINSON, 2012). Teubner denomina esse fenmeno de
internalizao da evoluo sociocultural (TEUBNER, 1988, 1993). A questo,
ento, : como se d tal internalizao?
Minha tese que a internalizao possvel por meio da especializa-
o funcional dos sistemas sociais (LUHMANN, 1990), a qual, por sua vez,
tem como mecanismo fundamental as regras de controle comportamental.
Resumidamente, a ideia que tais regras permitem aos grupos sociais inter-
nalizar, para usar a expresso de Teubner, as respectivas contingncias de
sobrevivncia e reproduo, de modo a permitir a seleo de prticas cultuais
que, como vimos, so regras de primeiro grau , conforme a sua maior ou

Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC

259
menor contribuio para a sobrevivncia e reproduo em uma palavra o
bem-estar do grupo social.
No restante dessa seo, eu irei explicar o melhor possvel dentro dos
limites do artigo, o que so esses sistemas sociais funcionalmente especializa-
dos e, em seguida, a estrutura e a funo das regras de controle comporta-
mental. Na seo seguinte, eu irei aplicar o modelo anlise comportamental
das normas jurdicas.

3.1. Sistemas sociais funcionalmente especializados

Podemos definir sistema social como uma rede de padres comporta-
mentais entrelaados (interlocking behavioral patterns), em que cada padro
comportamental serve de contexto e fonte de reforo ou punio para o ou-
tro e vice-versa; ou seja, um sistema social um tipo de ambiente social, con-
forme definido acima. O sistema social mais simples a interao social, a
qual tem por caracterstica a dependncia da copresena dos respectivos
participantes para a reproduo do sistema (LUHMANN, 1990). Os exemplos
mais comuns de interao social so dades, como a conversa casual entre
duas pessoas denominada evento verbal por Skinner (1957).
Um tipo de sistema social fundamental na evoluo da sociedade mo-
derna a organizao. Uma organizao ou sistema social organizado surge
quando um fundador ou lder controla, com vistas a um fim de seu interesse,
o comportamento de outros indivduos, por meio de reforadores ou puni-
dores sociais como, respectivamente, o dinheiro e as sanes penais (SKIN-
NER, 1953). O exemplo tpico so as organizaes econmicas ou firmas.
Nas organizaes, as contingncias que controlam o comportamento
do fundador ou lder so normalmente distintas das que controlam o com-
portamento dos demais membros. Isto ocorre porque, uma vez formada, a
organizao adquire o controle sobre um novo reforador ou punidor, a sa-
ber, o produto do comportamento organizado dos seus membros; o qual
capaz ento de respectivamente reforar ou punir o comportamento de pes-
soas externas organizao, cujo comportamento, por sua vez, refora ou
pune o comportamento do lder ou fundador da organizao (GLENN, MA-
LOTT, 2004). Por exemplo, nas firmas, tais produtos so bens ou servios, por
sua vez reforados com dinheiro; nos rgos governamentais, bens pblicos,
como segurana e justia, reforados pelos cidados-contribuintes com votos;
e assim por diante.
A sobrevivncia das organizaes depende, ento, em ltima instncia,
da manuteno dessa capacidade de reforar ou punir o comportamento de
pessoas externas a elas. Por exemplo, as rotinas e procedimentos de uma
firma prestadora de servios alimentcios, que nada mais so que padres
comportamentais entrelaados, dependem para sua sobrevivncia da manu-

260 v. 34.2, jul./dez. 2014

teno do comportamento dos clientes de consumirem (e pagarem por) os
servios da firma, reforando assim o comportamento do proprietrio da
firma de pagar os empregados para prestarem tais servios aos clientes.
A manuteno dos padres comportamentais entrelaados que com-
pem o ambiente social tanto interno quanto externo das organizaes pode
ser em muito facilitada pela utilizao de regras. Como vimos anteriormente,
as regras descrevem uma contingncia comportamental basicamente, se
voc fizer tal coisa em tal contexto, seguir-se- tal reforador ou punidor ;
razo pela qual so muito teis ao aprendizado mais rpido de comporta-
mentos por parte de seus destinatrios, ao mesmo tempo em que proporcio-
nam um maior controle sobre o comportamento desses destinatrios por
parte dos formuladores de regras (BAUM, 1995, 2005; GLENN, 1987; SKIN-
NER, 1969, 1976, 1989).
O fato de as organizaes se especializarem na produo de determi-
nado tipo de reforador ou punidor (mercadorias e servios, por exemplo)
faz delas o fator fundamental para a emergncia de um terceiro tipo de sis-
tema social, a saber, os sistemas sociais funcionalmente especializados, ou
simplesmente, sistemas funcionais, entre os quais figura o direito.
Um sistema social funcionalmente especializado emerge quando os
padres relativamente estveis de influncia comportamental recproca entre
determinadas organizaes e os indivduos que compem o seu pblico-alvo
se especializam no cumprimento de uma importante funo para a sobrevi-
vncia e reproduo do grupo social como um todo, em um dado contexto
espao-temporal. O exemplo clssico a economia. Segundo a descrio
simplificada dos economistas, o sistema econmico composto basicamente
pelos padres comportamentais entrelaados de famlias (indivduos) e fir-
mas (organizaes) mediados pelo reforador dinheiro (MANKIW, 2008).
As sociedades contemporneas so compostas predominantemente
pelos sistemas sociais funcionais especializados (LUHMANN, 1995), com
destaque para os sistemas econmico, poltico, jurdico, cientfico e educacio-
nal (RODRGUEZ, ARNOLD, 2007). No se trata, porm, de vrios processos
isolados que culminaram nas sociedades funcionalmente diferenciadas que
temos hoje, mas de um processo historicamente integrado de diferenciao
das sociedades em sistemas, ao mesmo tempo, funcionalmente distintos,
porm, interligados e dependentes uns dos outros (LUHMANN, 1982; MO-
ELLER, 2006).

3.2. Estrutura e funo das regras de controle comportamental

Vimos na seo anterior que, na verso humeana, a dicotomia entre
ser e dever-ser se torna uma questo epistemolgica, no sentido de que, se-
Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC
261
gundo Hume, o conhecimento factual ou do ser no se confunde com o co-
nhecimento intuitivo e irracional, segundo ele que temos das distines
morais ou dever-ser. De um ponto de vista behaviorista radical, entretanto,
tal distino entre conhecimento factual e intuio moral se torna relativa
seno inadequada, porquanto, o conhecimento, qualquer que seja o seu obje-
to, deixa de ser visto como contemplao para se tornar ao, ou ainda, com-
portamento (SKINNER, 1969, 1971). Em particular, o conhecimento cientfico,
segundo os analistas comportamentais, nada mais que um modo de trans-
misso entre os indivduos de comportamentos mais adequados s contin-
gncias ambientais, sejam elas compostas de fenmenos fsico-qumicos ou
biolgicos, incluindo-se entre esses ltimos, as contingncias oriundas do
comportamento de outros seres humanos (SKINNER, 1953, 1969; BAUM,
2005; MOORE, 2008).
Do ponto de vista lgico, que nos interessa nessa subseo, a concep-
o epistemolgica skinneriana tem como consequncia que todo conheci-
mento descritivo pode ser formulado como regra de ao. Seno vejamos.
Tomemos a seguinte formulao do conhecido princpio da dilatao
dos corpos pelo calor, tambm chamado princpio da dilatao trmica, apli-
cado, no caso, dilatao linear de um metal:
Sempre que a temperatura do metal M for elevada em g graus centgrados, o
mesmo sofrer uma dilatao linear de x unidades de medida do comprimento.
Tal formulao pode ser reescrita de modo a enfatizar o fato de que se
trata de uma regra para controlar o comportamento daqueles para os quais,
em um dado momento, a dilatao linear de um metal qualquer seja deseja-
da. Teramos, ento:
Se quiseres dilatar linearmente o metal M em x unidades de medida do
comprimento, deves elevar a temperatura do mesmo em g graus centgrados.
Nessa segunda formulao, fica mais explcito o fato de que a descrio
do princpio da dilatao trmica no uma regra (isto , uma lei cientfica)
que os corpos fsicos seguem, mas uma regra que pessoas interessadas em
dilatar, por exemplo, metais seguem.
Podemos explicitar ainda mais a natureza comportamental do princ-
pio em questo, se substituirmos a expresso se quiseres, por outra que
torne explcito o fato de que o verbo querer, em termos analtico-
comportamentais, significa estar em um estado de motivao tal que a coisa
querida se torna momentaneamente um reforador. Teramos, ento:
Se a dilatao do metal M em x unidades de medida do comprimento for um
evento reforador, em um dado momento, para o indivduo E, o comportamento
elevar a temperatura do metal em g graus centgrados ser reforado, isto , passar
a ser mais forte no repertrio de E em contextos semelhantes, sob condies de priva-

262 v. 34.2, jul./dez. 2014

o semelhantes (ou seja, que estabeleam a dilatao do metal como evento refora-
dor).
A formulao acima acrescentou outra relao causal quela descrita
nas duas primeiras, qual seja, a relao entre o comportamento de aquecer o
metal tendo como resultado a dilatao linear do mesmo e o aumento da
frequncia de tal comportamento, sempre que a dilatao linear de metais for
um evento momentaneamente reforador, ou seja, sempre que o indivduo
esteja motivado a dilatar metais. Ora, se a primeira relao causal, entre o
acrscimo de calor e a dilatao do metal, deve ser descrita como regra para
enfatizar que se trata de um modo de transmitir tal comportamento de um
indivduo para outro, segue-se que o mesmo deve ser verdadeiro com rela-
o segunda relao causal, qual seja, a do aumento da frequncia do com-
portamento aquecer metais, quando se est motivado a dilat-los. Chegamos,
ento, seguinte frmula:
Para aumentar a frequncia do comportamento elevar em g graus centgra-
dos a temperatura do metal M no repertrio do indivduo E, em um dado contexto,
o indivduo A dever comportar-se de tal modo a providenciar para que a dilatao
linear do metal M em x unidades de medida do comprimento seja um evento refor-
ador para o indivduo E, no contexto dado.
O leitor atento dever ter percebido que a regra acima um exemplo de
regra de controle comportamental, j que tem claramente como objetivo
transmitir de um indivduo para outro o comportamento de alterar o com-
portamento de outros indivduos. Em termos coloquiais, o indivduo formu-
lador da regra est ensinando o indivduo A como alterar o comportamento
do indivduo E. Um exemplo de concretizao da referida regra em um
contexto educacional seria tornar a nota de qumica do semestre condiciona-
da execuo bem sucedida em classe por parte dos alunos de um experi-
mento de dilatao linear de metais. Observe-se que, nesse caso, no se trata
apenas de alterar o comportamento dos estudantes. A regra em questo visa,
ao contrrio, alterar o comportamento do professor para ajud-lo a alterar
mais efetivamente o comportamento dos estudantes. Em suma, trata-se de
uma regra de segundo grau, conforme explicado acima.
Agora, se aplicarmos ao exemplo dado o raciocnio exposto na subse-
o anterior, veremos que os estudantes so o pblico alvo da organizao
escola que faz parte do sistema social especializado educao. O princpio da
dilatao trmica uma regra de primeiro grau, no sentido de que ajuda os
que precisam dilatar metais a faz-lo por meio do calor. J a regra acima,
quando adaptada ao contexto educacional, uma regra que ajuda o profes-
sor a alterar o comportamento dos estudantes no sentido de modelar nos
respectivos repertrios comportamentais o comportamento de dilatar metais
por meio do calor. Razo pela qual, chamamo-la regra de segundo grau.
Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC
263
fcil constatar que, na verdade, tal regra est na base do sistema de ensino
contemporneo, o qual se baseia em estabelecer contingncias reforadoras
com base no reforador nota ou grau, de sorte que os comportamentos que
se quer ensinar se tornem parte do repertrio dos alunos, a fim de prepar-
los para as contingncias da vida profissional (SKINNER, 1968). Tais regras
educacionais de segundo grau emergiram, de acordo com a nossa tese, a
partir da especializao do sistema educacional, fruto da reiterada experin-
cia dos membros das organizaes educacionais (escolas) com o seu pblico-
alvo, os alunos.
Evidentemente, as regras de segundo grau, nos diversos sistemas es-
pecializados, inclusive o educacional, so muito mais complexas do que a
frmula descrita acima, a qual, entretanto, serve de ilustrao para o ponto
que eu estou querendo explicar. Na prxima seo, eu irei aplicar esse mode-
lo lgico de regra de controle comportamental s normas jurdicas.

4. AS NORMAS JURDICAS COMO REGRAS DE CONTROLE COMPORTAMENTAL

Nesta seo, eu aplico o conceito de regra de controle comportamental
anlise comportamental das normas jurdicas. Cabe ressaltar que minha
anlise parte do pressuposto de que estamos falando do direito positivo mo-
derno, ou seja, do direito enquanto meio de controle social do comportamen-
to dos indivduos submetidos a uma dada ordem social com poder de impor
coercitivamente normas de conduta (SKINNER, 1953; LUHMANN, 1985;
KELSEN, 1991). Isto significa que o sistema social especializado direito con-
cebido como composto essencialmente pelas organizaes jurdicas estatais
(os tribunais de todas as instncias) e seu pblico alvo, ou seja, todos os indi-
vduos submetidos jurisdio brasileira, nos termos da Constituio Federal
e das leis infraconstitucionais.
No obstante, a concepo de norma jurdica que estou propondo nes-
te artigo difere daquela tradicionalmente esposada pelo positivismo jurdico
em, pelo menos, dois pontos essenciais. Primeiro, por no conceber as nor-
mas jurdicas como objetos lingusticos dotados de significado, os quais os
juristas devem interpretar; mas sim como redes de padres comportamentais
complexos, para os quais os objetos lingusticos estudados pelos juristas tra-
dicionais servem to somente de contexto para a emisso dos comportamen-
tos que compem tais padres comportamentais complexos; comportamen-
tos esses que podem ser verbais uma sentena, por exemplo ou no
verbais por exemplo, a conduo do sentenciado ao presdio para cum-
primento da pena. Segundo, por entender que os preceitos normativos
constituies, leis, decretos, precedentes judiciais estudados pelos juristas
tradicionais, que eu chamo de contingncias jurdicas, so apenas um dos
componentes das normas jurdicas enquanto regras de controle comporta-
mental, as quais incluem tambm ainda que de forma implcita e no sis-

264 v. 34.2, jul./dez. 2014

tematizada dois outros tipos de regras, que eu chamo de metas sociais e
premissas comportamentais relevantes. O entrelaamento desses trs tipos
de regras forma ento a regra de controle comportamental jurdico ou, sim-
plesmente, norma jurdica.

4.1. A estrutura das normas jurdicas como regras de controle

comportamental
Como j ressaltado, as regras de primeiro e segundo grau formam o
componente lingustico das prticas culturais. Uma discusso mais profunda
sobre a relao entre os componentes lingusticos e no lingusticos das prti-
cas culturais est alm do escopo deste artigo. No obstante, importante
frisar novamente que, sem a formulao verbal das regras, torna-se muito
mais difcil ou, em muitos casos, impossvel transmitir uma prtica cultural
de um indivduo para outro. Isto implica que as variaes na formulao
verbal de uma prtica cultural so um elemento decisivo na seleo dessas
mesmas prticas, no sentido de que a verso formulada de modo linguisti-
camente mais eficaz tender a ter uma vantagem seletiva em relao s de-
mais formulaes da mesma prtica ou de outra funcionalmente equivalente.
Tal fato, em minha opinio, est na base, por exemplo, dos conceitos episte-
molgicos de elegncia e parcimnia aplicados s teorias cientficas.
Nesse sentido, a frmula lingustica que eu vou propor abaixo para as
normas jurdicas enquanto regras de controle comportamental no pressu-
pe que outros estudiosos da teoria do direito ou mesmo os juristas prticos
j se utilizem dessa frmula de maneira implcita, mas sim que a utilizao da
mesma pode auxiliar no processo de seleo das normas jurdicas. Trata-se,
pois, de um exemplo do que Skinner chamou de planejamento cultural, o
qual no , de forma alguma, incompatvel com a viso selecionista defendi-
da neste artigo (SKINNER, 1971, 1976, 1981).
A frmula da estrutura das normas jurdicas como regras de controle
comportamental a seguinte.
{DADO QUE [as seguintes premissas comportamentais relevantes so vli-
das segundo o estado atual da cincia comportamental humana], SE [tal con-
sequncia mediata ou imediata da imposio da contingncia jurdica abaixo
uma meta social, ou seja, um estado de coisas que presumidamente favorece o
bem-estar do grupo social como um todo], ENTO [a seguinte contingncia
jurdica deve ser imposta pelo sistema jurdico (SE tal conduta, ENTO, tal san-
o)]}.
Depreende-se da frmula apresentada acima que, enquanto regra de
controle comportamental, as normas jurdicas so concebidas como uma

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regra mais abrangente na qual o comportamento de impor a contingncia
jurdica ou seja, imputar uma sano a uma determinada conduta omissi-
va ou comissiva descrita na lei causalmente vinculado obteno de um
estado de coisas definido politicamente pela sociedade como desejvel, ou
seja, a meta social. A base para a pressuposio do vnculo causal entre a
imposio da contingncia jurdica e a obteno da meta social so as premis-
sas comportamentais relevantes. No restante dessa subseo, eu discutirei
com algum detalhe cada um desses elementos fundamentais da norma jur-
dica como regra de controle comportamental.

4.2. Meta social

O direito positivo moderno um direito politicamente definido, no
sentido de que as leis so decididas por organizaes pertencentes ao sistema
social especializado poltica (LUHMANN, 1985, 1990). Em relao a essa su-
bordinao do direito poltica, a teoria do direito tradicional tende a enfati-
zar o texto da lei como garantia de que o juiz no ir atuar como legislador,
extrapolando o seu papel de aplicador da lei positiva. O caminho da anlise
comportamental do direito diferente, em lugar da letra da lei, a nfase recai
sobre a obteno de uma meta social. Seno vejamos.
No caso do crime de furto, por exemplo. Podemos descrever a norma
jurdica correspondente nos seguintes termos.
{DADO QUE [as seguintes premissas comportamentais relevantes so vli-
das segundo o estado atual da cincia comportamental humana], SE [a prote-
o da propriedade privada de bens definveis como coisas mveis uma
meta social, ou seja, um estado de coisas que presumidamente favorece o
bem-estar do grupo social como um todo], ENTO [a seguinte contingncia
jurdico-penal deve ser imposta pelo sistema jurdico (Art. 155 Subtrair, para
si ou para outrem, coisa alheia mvel: recluso, de um a quatro anos, e mul-
ta)]}.
A discusso sobre os fins sociais das leis de modo algum nova, j
sendo encontrada, por exemplo, nas obras clssicas de Plato A Repblica e As
Leis (PLATO, 1996, 1999). No obstante, como observa Luhmann, foi so-
mente com o advento do Estado moderno que a subordinao do direito
poltica atingiu seu auge, em razo, principalmente, da acelerao prodigiosa
da mudana social, primeiramente, na Europa e, posteriormente, em todo o
mundo (LUHMANN, 1985). De fato, com a mudana social acelerada, imps-
se a mudana jurdica, principalmente via legislao, com o resultado de que
o direito deixou de ser considerado imutvel para se tornar um instrumento
contingente das polticas estatais.
No h espao aqui para discorrer sobre por que as contingncias do
sistema poltico favorecem a vinculao do direito a metas de bem-estar soci-

266 v. 34.2, jul./dez. 2014

al. No obstante, possvel apontar algumas questes bsicas. Primeiro,
medida que o sistema poltico passou a ser identificado como fonte principal
das normas jurdicas, a justificativa para as mesmas tornou-se, cada vez mais,
dependente de resultados em termos de metas sociais, j que da natureza
das contingncias polticas modernas que toda e qualquer iniciativa dos de-
tentores do poder seja vinculada a resultados em termos de bem-estar social
(LUHMAN, 1993; KING, THORNHILL, 2003). Segundo, essa mesma lgica
do sistema poltico tende a favorecer aquelas metas sociais que tenham mais
visibilidade para o pblico, especialmente para a parcela politicamente mais
influente deste, como o caso das metas de natureza econmica (POSNER,
1998). Por fim, as diferenas em termos de capacidade de mobilizao e de
percepo pelo pblico das ligaes entre a imposio de contingncias jur-
dicas e as alteraes no bem-estar da sociedade levam crescente fragmenta-
o do direito e ao surgimento de metas conflitantes, tornando ainda mais
utpica a ideia de um direito unitrio, baseado em uns poucos princpios
gerais (TEUBNER, 1993).

4.3. Premissas comportamentais relevantes

Uma consequncia indireta da subordinao do direito poltica e, por
implicao, da vinculao entre contingncias jurdicas e metas sociais a
dependncia crescente do direito para com as cincias sociais, em razo da
necessidade de as normas jurdicas se mostrarem eficazes na obteno de tais
metas. Isto a despeito das conhecidas dificuldades metodolgicas e tericas
para se identificar a contribuio de fatores isolados, como a introduo e
aplicao sistemtica de uma lei, na produo de determinado fenmeno
social.
Na grande maioria dos casos, os conhecimentos cientficos que emba-
sam as decises legislativas so de natureza agregada. Porm, como observa
Skinner, embora tais dados agregados possam ser teis e at mais convenien-
tes para certos propsitos, deve-se ter como axiomtico que os fenmenos
coletivos so o efeito composto de comportamentos individuais; razo pela
qual o conhecimento dos princpios bsicos do comportamento individual
que, em ltima instncia, poder informar melhores polticas pblicas, inclu-
sive legislativas (SKINNER, 1953). De fato, no caso do direito, a prpria estru-
tura dos preceitos normativos focada no controle do comportamento indi-
vidual mediante a imposio de sanes. Ou seja, o direito, pela sua prpria
estrutura, uma cincia do comportamento individual aplicada.
Evidentemente, cada norma jurdica tem premissas comportamentais
especficas, que so relevantes para o comportamento comissivo ou omissivo
que ela visa a controlar mediante a imposio da respectiva sano. No obs-
tante, a grande maioria, seno a totalidade, dessas premissas relevantes espe-
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267
cficas pode ser subsumida a duas premissas comportamentais gerais. A pri-
meira e mais bvia delas a da eficcia da imposio da sano seja ela
punitiva ou recompensadora no controle da conduta visada pela norma.
Assim, segundo esse ponto de vista, uma premissa geral necessria de toda
sano penal a de que a imposio de penas, em geral, e da pena especfica
para cada crime, em particular, um meio eficaz de reduzir a frequncia do
comportamento criminoso na comunidade. A segunda premissa geral a da
relevncia e necessidade da imposio da sano. Ou seja, o pressuposto de
que, na ausncia da imposio da respectiva sano, a conduta visada pela
norma ser frequente em tal magnitude a ponto de comprometer o bem-
estar da comunidade. O aspecto relevncia se refere ligao entre o come-
timento ou omisso, conforme o caso, da conduta e o prejuzo resultante
para o bem-estar social. J o aspecto necessidade se refere alta probabilida-
de de ocorrncia da conduta comissiva ou omissiva visada pela norma, na
ausncia da imposio da sano. Por exemplo, no caso do crime de furto, a
premissa em questo pressupe que a conduta subtrair coisa alheia mvel,
na ausncia da imputao penal respectiva, seria frequente em tal magnitude
que prejudicaria o bem-estar da comunidade.
Acrescida, ento, das duas premissas comportamentais gerais acima, a
frmula da norma jurdica do crime de furto teria a seguinte redao:
{DADO QUE [as seguintes premissas comportamentais relevantes so vli-
das segundo o estado atual da cincia comportamental humana: a) o com-
portamento subtrair coisa alheia mvel, na ausncia de sano penal priva-
tiva de liberdade e multa, tende a ser frequente em tal magnitude a ponto de
prejudicar o bem-estar social; b) a sano penal recluso, de um a quatro
anos, e multa em geral eficaz para reduzir a ocorrncia do comportamento
subtrair coisa alheia mvel a nveis socialmente tolerveis], SE [a proteo
da propriedade privada de bens definveis como coisas mveis uma meta
social, ou seja, um estado de coisas que presumidamente favorece o bem-estar
do grupo social como um todo], ENTO [a seguinte contingncia jurdico-penal
deve ser imposta pelo sistema jurdico (Art. 155 Subtrair, para si ou para
outrem, coisa alheia mvel: recluso, de um a quatro anos, e multa)]}.

4.5. Contingncia jurdica

Na viso do behaviorismo radical, a norma jurdica tradicional por
exemplo, o art. 155 do Cdigo Penal Brasileiro uma contingncia com-
portamental (behavioral contingency), isto , uma ligao contingente entre um
comportamento a conduta comissiva ou omissiva descrita na norma e
uma consequncia a sano. Na sua grande maioria, tais contingncias so
punitivas, isto , visam a tornar a conduta sancionada menos frequente. Po-
dendo, porm, ser tambm reforadoras, no sentido de visar a tornar a con-
duta sancionada mais frequente, como nos casos da chamada delao premi-

268 v. 34.2, jul./dez. 2014

ada e de programas de incentivo requisio da nota fiscal pelo consumidor
no ato da compra. Eu chamo tais contingncias comportamentais de contin-
gncias jurdicas.
Cabe observar que a expresso deve ser, inserida na frmula da norma
jurdica discutida nesta subseo, denota a relao causal entre a imposio
da contingncia jurdica no caso, o art. 155 do Cdigo Penal Brasileiro e
a obteno da meta social, pressuposta a validade das respectivas premissas
comportamentais relevantes. Ou seja, conforme explicado antes, trata-se de
uma regra que visa a auxiliar a autoridade jurdica (em ltima instncia, o
juiz) a controlar o comportamento dos indivduos da comunidade, de modo
a obter a meta social correspondente.

5. CONCLUSO
O presente artigo exps uma nova abordagem terica denominada
anlise comportamental do direito, baseada principalmente no behaviorismo
radical de Skinner. Segundo tal abordagem, as normas jurdicas enquanto
regras de controle comportamental incluem, alm dos preceitos jurdicos
estudados pelos juristas tradicionais, como leis e decretos, rebatizados de
contingncias jurdicas, outros dois tipos de regras, a saber, metas sociais e
premissas comportamentais relevantes.
Tal anlise permite que a anlise do direito enquanto fenmeno socio-
cultural deixe de ser uma viso apenas externa ao direito e passe a compor o
ferramental analtico do jurista terico e prtico. Isto porque possibilita ao
jurista, em especial ao aplicador do direito, analisar os fins sociais das normas
e as premissas comportamentais que governam a obteno ou no de tais
fins, mediante a imputao de sanes a determinados comportamentos
humanos.
Em suma, mediante a anlise comportamental do direito possvel en-
fim se fazer do direito uma cincia do comportamento humano aplicada.

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