079 O Transmissor Mental
079 O Transmissor Mental
079 O Transmissor Mental
CAPÍTULO PRIMEIRO
Uma organização chamada OPE
Temporada de ópera em Viena
Vôo 715
— Senhorita!
Brigitte Montfort, aliás “Baby”, a espiã mais formosa de
todos os tempos, ergueu vivamente a cabeça, deixando o
livro que lia interessada.
— Sim, Peggy?
— O senhor Pitzer quer lhe falar. Disse que é urgente e
importante.
— Pois não o faça esperar mais. Diga-me: as duas dúzias
de rosas vermelhas chegaram hoje?
— Sim, miss Montfort.
— Aposto que tanta amabilidade deve ser de Johnny e
não do antipático tio Charlie. Mande-o entrar, de qualquer
modo. Não está certo deixar o chefe esperando.
— Trago o peignoir?
— Não, não precisa... Tio Charlie está cansado de me
ver de calcinhas. Faça-o entrar.
E ficou ali tranqüila, só de calcinhas e sutiã, aguardando
a entrada de Charles Pitzer no boudoir muito coquete,
íntimo, decorado com fino bom-gosto, confortável, de
paredes à prova de som.
“Cícero”, o pequeno cãozinho Chihuahua deu um
ladrido ridículo e Brigitte ameaçou-o com o dedo.
— Já sei que você não simpatiza com o tio Charlie,
querido, mas é preciso ser bem-educado. Não vá latir mais,
promete?
O cãozinho murchou as orelhas e aconchegou-se,
enrodilhado, junto da espiã, sentada com as belíssimas
pernas nuas cruzadas, o livro sobre os joelhos.
Charles Pitzer, chefe imediato de “Baby” no Setor de
Nova Iorque, logo surgiu, com uma pasta de couro negro
embaixo do braço e bastante afobado.
— Bom-dia, Brigitte. Tenho aqui um filme que vai
despertar o seu interesse. Além disso, a Central ordenou
que...
— Aceita um cafezinho, tio Charlie?
— Não. A Central ordenou que “Baby” parta agora
mesmo...
— Pelo menos, chefinho querido, sente-se um pouco e
respire. Além do mais, foi tão mal-educado que nem ao
menos perguntou como vou passando.
Pitzer suspirou profundamente, sentou-se e perguntou:
— Como vai passando, Brigitte?
— Muito bem. Obrigada.
— O que? O que disse?
— Muito bem. Obrigada.
— Ué! Que língua engraçada é esta? Fale em inglês,
menina. Sabe muito bem que não conheço outra língua.
— Esta língua é português, tio Charlie.
— Mas pra que diabo está estudando português?
— Por que não? E logo que aprender o português, vou
passar a estudar o holandês. Assim, querido tio Charlie,
saberei todas as línguas que se falam na América e na
Europa. Para uma espiã, é essencial saber muitos idiomas. E
não venha me dizer que o português não é importante!
— Sim, sim, está bem, é... muito importante... Claro que
é importante...
Pitzer parecia já se haver acalmado e, agora, dedicava
toda a sua sorridente e maliciosa atenção ao esplendido
corpo seminu da espiã.
— Está impressionado com alguma coisa, tio Charlie?
— continuou ela em português.
— Hem?
— Acho que você é muito impressionável — insistiu
Brigitte, gozando tio Charlie, que não entendia patavina. —
Quero dizer que você está muito impressionado.
— Ah! Impressionado? Bem, é possível. Nada de
estranho que um homem, olhando para você assim, filhinha,
fique com idéias muito especiais na cabeça.
— Como, por exemplo?
— Eu gostaria de... Bolas! Gostaria de passar uma
temporada neste apartamento como... antigo íntimo da
agente “Baby”.
— Ah! Mas essas suas pretensões são muito elevadas,
tio Charlie!
— Já lhe disse para falar em inglês, Brigitte, por favor!
— De acordo, se assim prefere... Quero dizer que está
bem, se é assim que você... quero dizer: você... Oh! Parece
que estou fazendo uma salada de inglês e português. Você
sabia que o português é um idioma muito fácil? O Rafael
tinha razão.
— Quem é Rafael?
—Rafael é... — Brigitte revirou os olhos. — Bem...
Rafael é um rapaz que conheci há algum tempo no Rio de
Janeiro. Ele disse que para quem sabe o espanhol, o
português é muito fácil de aprender. E tinha razão. Eu estou
preparando uma surpresa para o querido Rafael, assim que
tornar a vê-lo. Mas, tio Charlie, por favor, diga-me o que
veio fazer aqui.
— Eu? Nada... vim aqui para vê-la.
— Somente para isto? — riu-se a espiã.
— E para que mais? Quando um homem a contempla...
Oh! Não... não vim para isto! Vim para enviá-la a Viena.
— Viena... cidade maravilhosa, doce, romântica. A CIA
vai me mandar para lá em férias remuneradas?
— Receio que não. Terá que matar um homem, Brigitte.
Talvez mais de um, se as coisas se complicarem. Mas,
primeiro, terá que matar o homem que vou indicar. Se matar
mais alguém, será por sua conta.
— E por que devo matá-lo? — Brigitte acendeu
vagarosamente um cigarro. — Você sabe muito bem que eu
me recuso a...
— Desta vez — disse Pitzer, sorrindo secamente, —
você não sentirá piedade. Tanto a Central como eu estamos
convencidos de que você não encontrará uma desculpa para
poupar a vida de um homem que matou... que assassinou
um agente da CIA.
Pitzer olhou fixamente para Brigitte. Sabia muito bem
que, se alguma coisa podia endurecer o coração daquela
mulher extraordinária, era a notícia do assassinato de um de
seus companheiros. Isto, somado à sua inclinação inata para
eliminar maus elementos, constituía característica das mais
marcantes da agente “Baby”.
Mas, contra toda a expectativa, Brigitte não se alterou.
Continuou fumando tranqüilamente, sem pestanejar, sem
que suas mãos tremessem. Somente os formosos olhos
azuis, cheios de luz, pareceram subitamente congelar-se.
— Como aconteceu? — murmurou ela.
— Foi um assassinato e uma traição — frisou Pitzer.
— Duas coisas muito feias. Quem era a... vítima?
— Stephen Kadman. Era assessor para assuntos
eletrônicos num projeto do governo sobre a possibilidade de
comunicações telepáticas entre pessoas muito distantes.
Você já sabe que o Pentágono está fazendo provas no fundo
do mar com a tripulação de um submarino?
— Sei muito bem. Não é propriamente um segredo bem
guardado.
— Não... não é um segredo especial. Mas segredo
especial eram os trabalhos de Stephen Kadman que, além de
agente da CIA, era técnico eletrônico do Governo.
— Que espécie de trabalho fazia Kadman?
— Estava terminando os últimos detalhes de um
aparelho que detectava e ampliava as ondas cerebrais.
Segundo consta, devia levar ontem o projeto completo ao
Pentágono.
— Espere ai, tio Charlie. Esclareça melhor a história da
ampliação das ondas cerebrais.
— Pois não. Você sabe que o poder telepático, isto é, a
faculdade de duas pessoas se comunicarem exclusivamente
pelo pensamento, é uma realidade. Uma realidade discutida,
mas que está sendo estudada a sério. Suponho que se esta
faculdade da mente humana fosse desenvolvida
devidamente, eu não precisaria estar aqui.
— Não está feliz ao meu lado, tio Charlie?
— Feliz ao seu lado? Claro que sim! — gritou Pitzer.
— Mas você acabou de dizer que não precisava ter
vindo até aqui.
— Não, não. Por mim, eu viria vê-la todos os dias... Oh!
Já está você me gozando de novo! Bem... Como ia dizendo,
o desenvolvimento da faculdade telepática, que parece
existir nos seres humanos, seria algo sensacional, torno a
dizer. Eu poderia estar agora “conversando” com você da
minha loja de flores, enviando-lhe meus pensamentos,
comunicando-me telepaticamente com você...
— Eu já sei o que é telepatia, tio Charlie. O que pedi foi
que explicasse melhor a questão da ampliação das ondas
cerebrais.
— Pois sim. Bem... Stephen Kadman estava terminando,
ou já terminara um aparelho muito especial. Digamos que
era como uma coroa de elétrodos que, colocada sobre a
cabeça de uma pessoa dotada de um mínimo de capacidade
telepática, ampliava esta capacidade mil por cento. Isto faria
com que os telepatas do Pentágono, com o aparelho
colocado nas calças, pudessem entrar em contato com
outras pessoas muito distantes, as quais também munidas do
aparelho, receberiam perfeitamente seus pensamentos.
Numa palavra; transmissão de pensamento seria uma
realidade.
— Entendo. É um invento muito útil, não é?
— Bem. Não sei até que ponto teria aplicação na vida
normal, Brigitte Se o invento fosse fabricado em série, em
poucos anos seriam suprimidos os telefones, as cartas, os
telegramas, os rádios... Quanto ao nosso mundo particular, a
espionagem, imagine a facilidade para os agentes
transmitirem suas mensagens. Bastaria-lhes pensar para
envia-las telepaticamente ao companheiro mais próximo.
Sem rádio ou transmissão de sinais de qualquer espécie.
Sem riscos, sem alarde, sem despertar a atenção.
— Entendo, entendo. E vou alimentando a esperança de
que, em alguns anos, “Baby” poderá espionar tudo quanto
queira sem abandonar este confortável apartamento. Seria
fabuloso, tio Charlie!
— Bem... isto por enquanto não existe, Brigitte.
— Uma pena — suspirou a belíssima espiã. — Não acha
que tudo isto parece ficção científica, como esses livros de
marcianos, de monstros extraterrestres?
— O que me parece é que você não está levando a sério
o problema, Brigitte.
— Muito a sério. Como se chama esse aparelho
prodigioso?
— “Transmissor Mental”.
— Fantástico! Suponho que mais dia menos dia será
uma realidade tão surpreendente como o rádio, o cinema, a
televisão, os transplantes de coração e as viagens à Lua.
Sim... Por que não? Qualquer dia destes o “Transmissor
Mental” se transformará em realidade. Enquanto isto,
vamos nos ocupar deste assassino e traidor. Já sabem algo a
respeito dele?
— Tudo. É um homem chamado Lucius Terrel, que há
bastante tempo era amigo de Stephen Kadman.
— Estão certos de que foi ele?
— Certíssimos. Quer uma demonstração?
— Claro.
Pitzer abriu a pasta, e tirou um pequeno projetor sonoro,
deixando-o sobre o sofá. Depois, um envelope amarelado,
que colocou perto das coxas de Brigitte, aproveitando a
ocasião para lhes dar uma espiada gulosa. Afinal, tirou uma
comprida tira de microfilme, em negativo, pronto para ser
projetado.
Enquanto preparava a máquina de projeção, explicou:
— Como já disse antes, Stephen era um de nossos
agentes. Um agente fixo, você sabe, dos que nunca são
enviados para fora. O que nós vulgarmente chamamos um
informante seguro. Não resta dúvida de que era um homem
previdente... A ponto de, em sua casa de Washington,
precisamente no living, onde costumava trabalhar, ter
sempre pronta para funcionar uma câmara de microfilme e
um pequeno gravador, ambos naturalmente camuflados,
ocultos das vistas dos visitantes. Os aparelhos começaram a
funcionar, aparentemente, a partir do momento em que o
visitante de Kadman puxou uma automática para ameaçá-lo.
E a partir daquele momento, tudo quanto Lucius Terrel fez
ficou gravado e filmado. Veja.
Primeiro, Pitzer pôs em funcionamento um pequeno
gravador. Depois, focalizou o projetor contra o chão, sobre
o branco tapete de lã de vicunha, onde começaram a
aparecer as imagens... De fato, um tapete não era o lugar
mais apropriado para projetar filmes, mas Brigitte não
necessitava mais para acompanhar a cena e compreender os
acontecimentos.
E, assim, pode ver Lucius Terrel e Stephen Kadman,
ouvi-los... Desde o momento em que o primeiro puxara a
automática até sua saída da casa, a câmara e o gravador
haviam registrado tudo.
Quando a projeção terminou, Brigitte apagou o cigarro
no cinzeiro.
— Um filme muito interessante, sem dúvida —
comentou secamente.
— Suponho que observou a habilidade simples e
astuciosa de Lucius Terrel: microfotografou os desenhos de
Kadman, mas deixou-os intactos. Supõe-se que pretendia
simular um assassinato vulgar, um latrocínio, sem relação
com a espionagem.
— Este homem é burro — disse Brigitte, com uma frieza
que fez estremecer Pitzer —, ou está representando a cena
que o filme nos mostrou. O que é exatamente a OPE, ou
seja, “Nossa Espionagem Particular”?
— Não sabemos. Mas é fácil imaginar que se trata de
uma organização particular de espionagem não relacionada
com os serviços oficiais de nenhum país. Não há
informações sobre ela. Evidentemente, imaginamos que
tentará vender a alguém o que roubou de Kadman. Talvez à
Rússia. Poderia ser a mais interessada e a que estaria mais
disposta a pagar bem por um projeto científico deste tipo,
com aplicações inclusive na espionagem.
Brigitte, enquanto ouvia Pitzer, havia aberto o envelope
pardo, dele retirando algumas fotografias, que eram cópias
ampliadas de várias cenas do filme, bem como fotos de
Stephen Kadman e Lucius Terrel.
— Parece um homem simpático — murmurou.
— Terrel? Sim, é isto mesmo.
— Mas é um traidor e um assassino... É norte-
americano?
— É.
“Baby” assentiu com a cabeça. Dentro do envelope
haviam mais papéis, que examinou meticulosamente,
abstraída da presença de Pitzer. Eram informações
detalhadas da CIA sobre os acontecimentos, tudo o que se
pudera reunir em menos de vinte e quatro horas sobre
Stephen Kadman, o que não fora difícil. E sobre Lucius
Terrel. Também todas as conclusões e informações
complementares sobre a ação de Lucius em casa de
Kadman. Eram mais do que suficientes para um agente
secreto entrar em ação com todas as possibilidades de
sucesso.
— Bem... — disse Brigitte, quinze minutos depois. —
Parece que só me falta localizar Lucius Terrel em Viena e
matá-lo...
—Já está localizado. Instalou-se em uma casa da Cidade
Velha, exatamente no 228 de Beckenstrasse. Um de nossos
agentes, dos vários que foram alertados, o viu sair de um
jato que aterrissou no Aeroporto de Viena na mesma noite.
Desde então, não perdeu mais sua pista. Ele está esperando
por você.
— Para que? estranhou Brigitte. — Por acaso esse
agente não sabe matar?
— A coisa é mais sutil do que parece, Brigitte.
Queremos saber o que é a OPE, e com quem estão
negociando. E finalmente, esta organização de espionagem
particular deve ser completamente destruída. É óbvio que
Lucius Terrel não é o único agente que está operando nos
Estados Unidos. Queremos saber o nome de todos eles.
— Entendo. A coisa complicou-se... levemente. Esta é a
minha passagem de avião para Viena?
— Vôo 715. Sai às onze da manhã. E já são quase dez.
Há uma suíte reservada para você no Hotel Prater. Irá para
lá como jornalista em... férias, mas fazendo a cobertura para
seu jornal. Há uma temporada de ópera. Freqüente-a e envie
alguns artigos para o “Morning News”. E, enquanto isto,
como quem não quer nada, destrua Lucius Terrel e a
organização OPE. Evidentemente, esperamos que a agente
“Baby” regresse com os planos roubados do “Transmissor
Mental”.
— Mais alguma coisa? — perguntou ironicamente
Brigitte.
— Por enquanto é só.
— Tudo muito fácil, na verdade... Você me disse que
Johnny estará me esperando em Viena? Um só agente?
— Um só. Se esta OPE for... filial ou algo parecido da
MVD, não queremos que se tornem conhecidos nossos
agentes na Europa.
— Somente a agente “Baby”.
— É suficiente, não? — sorriu Pitzer.
— Bem. Há bastante tempo estava com vontade de ir a
Viena. Espero que o repertório da Ópera seja interessante.
CAPÍTULO SEGUNDO
“Baby” em Viena
Contato na Marie Theresien Platz
Para caçar leões, é preciso ir à África
CAPÍTULO QUARTO
Crime no banheiro
Onde estará Johnny?
Noite de estréia
CAPÍTULO SÉTIMO
Número Um intervém
A chave de comando
“Baby” sempre volta
CAPÍTULO OITAVO
Bonequinha inocente
Um homem rico
Mensagem final