Uma Flor para o Meu Amor

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© 1970 – LOU CARRIGAN

FLORES QUE MATAM


400901/410216
INTRÓITO

O homem estava empapado de suor, especialmente no


rosto, onde se misturava com sangue. Tinha a boca
tumefacta, lábios fendidos. Suas pálpebras, de tão inchadas,
mal lhe deixavam ver os olhos. Atado a uma cadeira,
defrontava uma lâmpada de luz intensíssima, ofuscante.
Com a roupa aos pedaços, aquele rosto desfigurado, a
luz fazendo-o destacar-se contra o fundo do pequeno quarto,
parecia estar sozinho no mundo... Num mundo de pesadelo.
— Vai obrigar-nos a maltratá-lo mais, Sterevenko? —
ouviu-se uma voz em inglês.
O ensangüentado indivíduo ergueu a cabeça e
murmurou:
— Não sei... nada...
— Deixe de teimosia. Isso de espancamento já passou á
história, de modo que se não falar francamente
recorreremos a outros processos.
— Não direi nada.
A voz insistiu, impaciente:
— O que você está pretendendo provar? Que é um
homem duro? Isso nós lá sabemos. Por que sofrer mais
torturas? Até agora só lhe aplicamos alguns golpes, pois
temos esperança de que não nos obrigará a usar outros
métodos...
— Para que falar tanto? — ouviu-se outra voz, também
em inglês. — Creio que com algumas descargas elétricas o
nosso bom amigo Sterevenko nos dirá tudo.
O homem amarrado à cadeira estremeceu visivelmente.
Fechou os olhos, como se fosse desmaiar sob a luz intensa.
Outra vez ouviu-se a primeira voz:
— Não sela insensato, .Sterevenko. Sabemos tudo a seu
respeito. Há alguns anos foi expulso do MVD soviético, por
certas irregularidades no serviço. A partir de então, parece
que você não esteve muito bem, mas ultimamente as coisas
lhe iam melhor. Dedicamo-nos a vigiá-lo e, afinal,
resolvemos detê-lo. Você tinha em seu poder um
microfilme cujo conteúdo, como bem sabe, é altamente
comprometedor. E agora, diga-me: sua expulsão do MVD
foi um ardil para enganar-nos? Ou foi tudo verdade e agora
você está trabalhando para outro serviço secreto que não o
russo? Quem devia receber o microfilme que encontramos
com você? Quais são os planos com relação a este
microfilme, Sterevenko?
— Não sei... de que microfilme estão... falando...
— Vamos, vamos, não seja estúpido — tornou a
impacientar-se a primeira voz. — Isto aqui não é um
tribunal onde todas as coisas têm que ser provadas com
fatos. Estamos num dos porões da Central da CIA e não
temos nada que explicar a ninguém. Você é Anatoli
Sterevenko, foi um agente secreto russo, expulsaram-no do
MVD e, não obstante, foi encontrado em seu poder um
microfilme sobre o qual queremos uma explicação. Se não a
der, prosseguiremos com nossos métodos, que afinal de
contas são iguais aos empregados por vocês, soviéticos,
quando capturam um espião americano. Que está
pretendendo? Deixar a vida em nossas mãos?
— Não sei nada... nada...
Houve uns segundos de silêncio. Um silêncio claramente
ameaçador. Depois alguns cochichos, ruído de pés...
Segundos mais tarde, apareceu no espaço iluminado um
homem alto, atlético, em mangas de camisa. Aproximou-se
de Sterevenko trazendo nas mãos vários fios elétricos, com
pequenos discos metálicos nas pontas. Colocou os discos
em contato com várias partes do corpo do russo e voltou-se.
— Pronto.
No fundo do pequeno quarto houve uma crepitação
azulada e, simultaneamente, Sterevenko soltou um grito
espantoso, retesando-se, crispando-se; seu rosto
ensangüentado retorceu-se numa careta de dor. Em seguida,
a corrente elétrica interrompeu-se e ele pareceu desabar na
cadeira à qual estava bem amarrado.
— Quer outra descarga, Sterevenko? Ou prefere falar?
Se tem alguma esperança a respeito de aluda externa, perca-
a. Ninguém sal,e que o mantemos prisioneiro. Ninguém o
reclamará, ninguém se interessará por você. Compreende?
Não temos que dar explicações a ninguém. Farei a pergunta
de outro modo: que espécie de trabalho estava realizando e
para quem?
Anatoli Sterevenko não respondeu. Era, certamente, um
homem. duro. Mas aqueles que o rodeavam na sombra não
o eram menos e, estava claro, não tinham nenhuma piedade.
— Outra descarga... — ordenou aquela voz. — Mais
longa.
Esta vez, o grito do russo pareceu que fosse rebentar as
paredes. Ele ficou tão tenso que as cordas rangeram antes de
cravar-se em seus braços e torso.
Quando a descarga. terminou, ele relaxou-se outra vez,
bruscamente. Sua cabeça pendeu sobre o peito. O homem
que lhe tinha colocado os pequenos elétrodos agarrou-o
pelos cabelos e puxou-os, mostrando-lhe o rosto em pleno
jato de luz.
— Perdeu os sentidos — disse.
— Talvez estejamos apertando demasiado — ouviu-se
outra voz.
— Acordem-no — falou o que evidentemente estava no
comando. — Será ele mesmo quem deve decidir se estamos
apertando demais ou não.
Uma jarra de água foi derramada na cabeça do russo,
que se agitou, estremeceu e conseguiu endireitar-se. Seus
olhos se abriram, mas logo tornaram a fechar-se ao receber
a luz.
— Agora você está molhado, Sterevenko: uma descarga
elétrica nestas condições será muitíssimo pior.
Continuamos?
O prisioneiro moveu negativamente a cabeça.
— Não... — articulou roucamente. — Eu direi... o que
querem saber... Chega... Chega!
— Okay.
***
Iluminou-se a tela do monitor de televisão e apareceu
Anatoli Sterevenko. Estava ainda amarrado à cadeira, mas
seu rosto já não estava ensangüentado; ostentava, sim, umas
tiras de esparadrapo. Tinham-no penteado também e
coberto com uma camisa nova, limpa. Seu aspecto,
portanto, melhorara notavelmente. Embora tivesse ainda
uma expressão de fadiga e sofrimento.
Mr. Cavanagh, chefe direto dos espiões de ação da CIA,
fez um gesto para a tela.
— Aí o tem... — disse. — Não foi fácil convencê-lo a
dizer-nos o que queríamos saber.
— Sim, parece que resistiu bastante, o senhor participou
do interrogatório?
— Eu o dirigi. Como certamente compreenderá, o
conteúdo do microfilme era tão importante que não
podíamos ter contemplações. Quer ver pessoalmente o
prisioneiro?
— Não. Para quê? O microfilme, sim, gostaria de ver.
— De acordo.
Cavanagh apagou o monitor. Depois de breves
preparativos, utilizando agora um projetor, lançou sobre
uma pequena tela branca as novas imagens. Apareceram
planos, números, fotografias aéreas de uma série de
construções, mais planos, grandes recintos fechados, painéis
de controle, detalhes de aparelhagem elétrica, passadiços
subterrâneos...
— Já foi identificado este lugar? — perguntou a
belíssima visitante de Mr. Cavanagh.
— Naturalmente. Trata-se da instalação para
armazenamento de bombas atômicas de Lake Mead. Na
verdade, Sterevenko só faltou foto grafar as próprias cargas
atômicas. Todo o resto conseguiu.
— Admitamos que realizou um bom trabalho.
— Sem dúvida. E o conteúdo deste microfilme nos
alarmou a todos. Não só pelo fato de que Sterevenko o
tenha conseguido, mas por seu significado, que não
compreendemos.
— Nem eu tampouco. Ele não o sabe?
— Não. Diz que aceitou o trabalho que lhe foi proposto
por um desconhecido, Fui seis ou sete semanas, em Las
Vegas. Tinha que conseguir todos os dados possíveis sobre
as instalações de Lake Mead. Depois, levar o microfilme a
certo local, onde lhe pagariam cinqüenta mil dólares.
— Quantia muito conveniente para um espião que estava
sem trabalho. Ignora ele para que o seu desconhecido amigo
quer estes informes sobre um dos nossos depósitos de
bombas atômicas?
— Ignora.
— Procuraram convencê-lo de que...?
— Asseguro-lhe que não sabe, “Baby”. Antes de chamá-
la, nós o apertamos o máximo possível. Tudo quanto ele
sabia já nos disse. Não é grande coisa, mas é tudo de quanto
dispomos para que você entre em ação. Deverá descobrir o
homem que contratou Sterevenko e averiguar para que quer
conhecer tão bem as instalações de Lake Mead.
— Isto tem todo o aspecto de uma intenção de
sabotagem, não lhe parece, chefe?
— Poderia ser — admitiu Cavanagh.
Ficou a olhá-la, como se estivesse cada vez mais
admirado por sua beleza. Ela entrecerrara as pálpebras,
quase ocultando os mundialmente famosos olhos azuis.
Estava pensativa. Seu vestido de noite, generosamente
decotado, deixava-lhe a descoberto os braços esculturais, os
ombros e uma alucinante porção do busto. A pele, tersa e
dourada, parecia estar sempre recebendo a luz do sol.
Realmente Mr. Cavanagh tinha toda a razão para
contemplá-la com renovado enlevo. O encanto pessoal de
Brigitte Montfort, conhecida e temida por todos os serviços
secretos internacionais como a agente “Baby”, era cada vez
mais perfeito.
— Quantos lugares como esse temos aproximadamente
em nosso país? — perguntou ela, de súbito.
— Refere-se aos nossos depósitos de cargas atômicas?
— Sim.
— Bem... Seria idiota de minha parte tentar esconder
isso de você. Segundo calculo, temos umas cem instalações
semelhantes em todo o país, nas quais estão armazenadas
cerca de quarenta mil cargas atômicas, ao todo. Fala-se
agora em reduzir o número desses depósitos... Mas por que
pergunta?
— Não sei — sorriu Brigitte.
Ele a olhou fixamente. Por fim, um pouco pálido, passou
a língua pelos lábios antes de perguntar.
— Você acha que não tenha sido Lake Mead a única
instalação fotografada e estudada?
— Não sei — repetiu Brigitte.
— Que o diabo me carregue... Isso seria espantoso!
— Depende do objetivo visando. Bom, já vi o conteúdo
do microfilme. Pode apagar o projetor. Onde exatamente
Anatoli Sterevenko devia ir entregar o micro filme?
Cavanagh foi até a parede e baixou um mapa dos
Estados Unidos. Resmungou algo, soltou o mapa para que
voltasse a seu esconderijo e puxou outra anilha, baixando
agora o do México. Indicou com o dedo o extremo sul da
Baixa Califórnia.
— Existe aqui uma pequena cidade chamada La Paz,
que tem uns quinze ou dezesseis mil habitantes. Parece que
é um bonito lugar e não creio que lá costume fazer frio... —
olhou risonho para Brigitte. — isso quer dizer que deve ir
bem munida de biquínis e nem sequer pensar em capas de
pele.
— Tanto melhor. É aí que Sterevenko devia ir?
— É. A um hotel chamado “Gran Hotel Las Lagunas”.
— Quando teria que se apresentar?
— Não havia data lixa. Quando tivesse concluído seu
trabalho, simplesmente. Uma vez no hotel, deveria pedir o
apartamento 555. Apenas isso.
— Ou seja: continuamos sem a menor idéia quanto à
pessoa que o contratou.
— Lamentavelmente certo.
— E pensamos que seria multo conveniente conhecer
essa pessoa para perguntar-lhe que pretendia lazer com o
microfilme que Sterevenko lhe entregaria.
— Exato.
— Mas, claro, já que conhecem pessoalmente
Sterevenko, seria absurdo que alguém lá se apresentasse
fazendo-se passar por ele.
— Aí está... — sorriu Cavanagh. — Portanto, pensei que
seria uma boa idéia mandar Irina Cherkova. Compreende?
Brigitte acendeu um cigarro e fixou no mapa o lugar
denominado La Paz.
— Compreendo muito bem. E posso garantir-lhe que se
vir minha queridíssima amiga, a russa Irina Cherkova, lhe
direi que procure estar em La Paz, digamos... depois de
amanhã. Está bem assim?
— Está ótimo. Naturalmente, sua queridíssima amiga
contará com auxilio discreto, à margem do assunto, até que
seja necessário. Em caso de apuro, um simples chamado
pelo rádio de bolso, com a onda que você conhece,
mobilizaria Johnnies suficientes.
— Irina ficará muito alegre ao saber-se bem respaldada.
Cavanagh pareceu inquietar-se.
— Tenha muito cuidado, Brigitte — murmurou.
— Sempre tenho cuidado... Se não fosse assim, há muito
tempo que me teriam cortado a cabeça. E, francamente,
creio que onde ela está melhor é sobre meus bonitos
ombros. Não concorda comigo, chefe?

CAPÍTULO PRIMEIRO

Havia um pequeno aeroporto em La Paz. Após uma feliz


aterrissagem, a avioneta. parqueou até deter-se bem perto
do edifício do controle de vôos, que era ao mesmo tempo de
serviços para o público. O corpulento mexicano que a havia
pilotado voltou-se para sua única passageira e piscou um
olho.
— Pronto. Muita honra em servi-la, hermosa.
— Obrigada — sorriu ela, estendendo-lhe um maço de
notas — Foi o que combinamos, não?
O mexicano guardou o dinheiro sem olhar. Não era
nenhum bobo para interessar-se por simples cédulas,
desviando seus ardentes olhos negros da maravilhosa figura
que tinha diante de si. Uma mulher como nunca vira na
vida: magníficos olhos verdes e longos cabelos de um louro
acinzentado. Era algo sensacional. E tão belo como o rosto,
seu corpo parecia encerrar todas as delicias com que sempre
sonhara.
— Não o conta? — perguntou a passageira.
— Há tempo para isso... — suspirou o mexicano. — Se
quiser que a espere, não lhe cobrarei nada por isso, nem...
— Agradeço-lhe, Anselmo. Deverei ficar alguns dias em
La Paz. Não seria bom negócio para você esperar-me sem
cobrar nada.
— Não sou homem de negócios... — riu ele.
— Com meu velho caranguinho ganho bem a vida;
assim, quando me dá a gana, deixo de trabalhar. Se quer
que...
— Não, não. Muito obrigada.
— Pergunte por mim quando queira voltar. Combinado?
— Não esquecerei. Adeus.
Saltaram os dois da avioneta. Anselmo entregou a
bagagem da passageira a um empregado do pequeno
aeroporto e, pensativo, ficou olhando as mais formidáveis
pernas que já, tinha visto se afastarem. Quando sua dona
desapareceu dentro do edifício, suspirou fundamente e só
então se lembrou de que precisava abastecer-se de
combustível.
Enquanto isso, levando sua maletinha vermelha com
flores azuis, a passageira atravessava a sala de espera, saia
do edifício e aceitava o táxi que o empregado chamara com
um aceno. Só vinte minutos mais tarde, o carro entrava em
La Paz e logo se detinha diante de um antigo edifício
situado bem perto do mar.
— “Las Lagunas”, señorita — disse o chofer — Ela
olhava incredulamente o edifício. Esteve a ponto de
perguntar se não havia engano, mas viu então a tabuleta:
“Gran Hotel Las Lagunas”. Velho, desmantelado,
empoeirado, desbotado... Podia ser qualquer coisa, menos
um “grande hotel”. Seria, certamente, o pior de La Paz. O
chofer devia ter percebido sua hesitação, pois perguntou
sorrindo:
— Quer que a leve a outro lugar?
— Não. Aqui está bem. Obrigada.
Entregou-lhe uma cédula e desceu. O homem foi atrás
dela, levando a maleta maior. Entraram no vestíbulo e o
chofer após deixar a maleta junto ao balcão bateu no
tímpano de chamada; depois, com um gesto de despedida,
retirou-se, deixando a linda jovem a olhar em torno de si,
testa franzida. Velhas poltronas de vime, grandes vasos de
plantas ao longo das paredes, dois. ventiladores no teto... À
esquerda, uma porta levava ao terraço-mirante, cheio de
flores, coisa que desfranziu a testa da recém-chegada.
Aproximou-se, olhou através da porta e sorriu ao ver à
sombra de uma árvore um mexicano velho, barrigudo, de
branco bigode pendente. HavIa, uma grande paz, um
silêncio muito agradável. Via-se o mar a menos de trinta
metros. Azul, transparente.
Sorriu mais uma vez ao ver passar três gaivotas, voando
mansamente sob o sol radioso. Sentou-se perto do barrigudo
adormecido, acendeu um cigarro e fumou-o placidamente
durante uns minutos, contemplando o mar, o céu, as
gaivotas... E sorrindo cada vez que o dorminhoco emitia um
de seus formidáveis roncos.
Por fim, regressou ao vestíbulo, apanhou o tímpano
sobre o balcão e levou-o para o ensolarado terraço cheio de
flores. Colocou-o numa mesinha de mármore e fê-lo tocar,
aplicando-lhe ainda um golpe com a palma da mão. O
barrigudo se agitou. Ela fez novamente soar o tímpano e,
afinal, o homem abriu os olhos. Olhou-a com expressão
sonolenta e, pouco a pouco, foi-se endireitando.
— Desejo um apartamento — sorriu ela.
— Um apartamento? — repetiu o velho, como se não
estivesse muito certo do que ouvira.
— Sim. E, se possível, o 555.
O sono desapareceu velozmente dos olhos do barrigudo
personagem, sendo substituído por uma clara expressão de
incredulidade. Levantou-se e passou ao vestíbulo, fazendo-
lhe sinais para que o seguisse. Colocou-se atrás do balcão,
abriu um livro de registro e disse, mão estendida:
— Documentos, por favor.
Ela lhe entregou o passaporte.
— Irina Cherkova... — murmurou o gorducho,
examinando-o. — Cidadã russa... Desculpe, mas no hotel
não existe nenhum apartamento com esse número. Talvez
lhe agrade o número 5, señorita.
— Se lhe parece conveniente, por mim está bem.
— Subirei com sua maleta.
— Não anota meu nome no registro?
O velho sorriu e moveu negativamente a cabeça.
Apanhou a chave no compartimento 5, saiu de trás do
balcão e Indicou a escada. O calar era intenso. Ambos
subiram devagar e detiveram-se diante de uma porta do
corredor. Aberta esta, ela entrou precedendo o porteiro, que
deixou a maleta sobre a cama e olhou-a com um sorriso
interrogativo.
— Posso servi-la em mais alguma coisa?
— Não, que eu saiba... Tem certeza de que não existe
um apartamento número 555?
— Absoluta. Mas este lhe servirá bem.
— Espero que sim.
Deu-lhe a cédula que o fez sorrir e dar um grande
cumprimento antes de retirar-se. Havia ali uma cama de
ferro, um ventilador no teto cujo zumbido parecia
adormecedor e um diminuto quarto de banho com chuveiro.
Não tardou a encontrar um microfone e a objetiva de uma
câmara de televisão, no teto, em cima do ventilador. Não
tocou em nada. Olhou uns segundos, com expressão
astuciosa, a objetiva encravada no teto. Encolheu os
ombros, abriu a maleta e dedicou-se a guardar suas coisas
no armário. Depois entrou no quarto de banho, levando a
maletinha vermelha de flores azuis. Despiu-se e meteu-se
sob o chuveiro. Enquanto a água caia sobre suas costas,
tirou o radinho da maleta e acionou-o. A resposta chegou de
imediato, assim que foi emitido o “bip” de chamada:
— Ouvindo — murmurou uma voz de homem.
— Sem novidade. Estão me vigiando no apartamento 5
com um microfone e uma câmara de televisão.
— Precisa de ajuda?
— Nenhuma. Fiquem na expectativa, apenas isto.
Guardou o radinho, acabou de banhar-se, enxugou-se e
vestiu-se ali mesmo. Não havia motivo para que
proporcionasse a seus vigias a satisfação de vê-la despida.
Pouco depois, saía do apartamento disposta a almoçar em
qualquer parte... contanto que não fosse o “Gran Hotel Las
Lagunas”. Quando chegava diante do balcão, o velho
barrigudo fez-lhe sinal para que se aproximasse, o que ela já
estava fazendo, para entregar-lhe a chave do apartamento.
Ele estendeu-lhe um papel.
— Chegou há pouco.
Irina Cherkova entregou-lhe a chave, recebeu o papel e
desdobrou-o. Estava escrito em russo e dizia:
As nove no terraço do “MIRAMAR”

Tranqüilamente, incendiou o papel e deixou-o consumir-


se no cinzeiro, ante o olhar imperturbável do homem da
portaria.
— Sabe onde fica o “Miramar”? — perguntou-lhe.
— Mais para o centro da cidade, na avenida litorânea. É
o nosso melhor hotel. Qualquer pessoa o indicará
— Obrigada. Até logo.

CAPÍTULO SEGUNDO

Às nove em ponto, Irina Cherkova sentava-se diante de


uma das mesinhas, no terraço do “Hotel Miramar”, cujo
ambiente era muito diverso daquele do “Gran Hotel Las
Lagunas”. O terraço estava cheio de flores e mais embaixo,
no jardim, havia mais flores e palmeiras. À frente, o mar,
cheio de reflexos prateados produzidos pela lua.
Bastante animação ali, talvez devido à música nativa
tocada por um quarteto. La Paz era uma cidade tranqüila e
amável, procurada por pessoas pouco apreciadoras do
excesso de movimento. Havia mexicanos e, do outro lado
do terraço, dois casais tipicamente estadunidenses, que
olhavam com curiosidade para Irina, a qual pensou que
seriam os proprietários do iate que tinha visto àquela mesma
tarde no pequeno embarcadouro.
— Que deseja tomar, señorita?
Olhou o garçom e sorriu.
— Tequila com limão... e soda.
— Muy bien.
Acendeu um cigarro e olhou com expressão risonha o
grupo de jovens mexicanos que dançavam o corrido.
Quando terminaram, foram aplaudidos pelos casais ianques.
Depois o quarteto, desembaraçadamente, atacou um surf e
os jovens o dançaram com a mesma penda que tinham
revelado no corrido.
O garçom voltou com a bebida encomendada pela russa
e, quando esta saboreava o primeiro gole, viu aparecer o
homem. Alto, ombros muito largos, cabeça de águia, olhar
vivo, estava bastante queimado pelo sol e movia-se como se
fosse um puma num galinheiro. Devia ter cerca de quarenta
anos e era tão atraente, que por um momento os olhares de
todas as mulheres coincidiram sobre ele. Usava um traje
claro, elegante. Sem dúvida, a julgar por suas feições, devia
ter bastante sangue asteca.
Irina deu-se conta de que o homem acabava de localizá-
la e, então, fingiu que olhava para o mar. Segundos depois,
ouvia a voz, em espanhol, com o clássico sotaque
mexicano.
— Señorita Cherkova?
Ela virou a cabeça e assentiu.
— Sim. Queira sentar.
O homem sorriu e sentou-se à sua frente. Fez um sinal
ao garçom, que pareceu compreender.
Depois tornou a cravar nela seus olhos de águia.
— Entendo que chegou ao “Las Lagunas” pedindo o
apartamento 555.
— Exato.
— Por quê? Por que esse apartamento, que obviamente
não poderia existir num hotel tão pequeno?
— Foi-me recomendado por um amigo.
— Ah... Que amigo?
— Anatoli Sterevenko.
— Compreendo... Pode dizer-me onde ele está agora?
— No Canadá.
— No Canadá... Fazendo o quê?
Uma centelha de ironia brilhou nos olhos de Irina.
— Em gozo de férias. Tinha que escolher entre isso e
passar as férias num local menos agradável.
— Refere-se a La Paz, ao dizer um local menos
agradável?
— Refiro-me aos cárceres da CIA.
O garçom chegou, colocou um copo diante do alinhado
mexicano e retirou-se. Ele tomou um gole do que parecia
uísque, depois sua expressão foi de contrariedade.
— Pelo que me diz, presumo que Sterevenko tenha tido
dificuldades — murmurou.
— Não tantas que o impedissem de escapar... de dar-me
instruções que suponho tenha tendido bem.
— Você é russa?
— Sou.
— Que instruções ele lhe deu?
— Disse-me aonde devia vir para cobrar cinqüenta mil
dólares.
— Bastante dinheiro, não é verdade? — sorriu o
mexicano. — Em troca de quê?
— De um microfilme que ele me entregou.
— Tem esse microfilme?
— Tenho.
— Aqui?
— Talvez.
O mexicano olhou-a fixamente. Súbito, sorriu,
mostrando uns dentes branquíssimos, perfeitos. Tirou um
envelope do bolso e estendeu-o a Irina, que o recebeu,
abriu-o e olhou um instante o maço de cédulas de mil
dólares que continha. Guardou-o na bolsa e sorriu.
— Agora me lembro. Sim, tenho aqui o microfilme.
— Ótimo. Creio que, desfazendo-se dele, deixará de
sentir preocupações e poderá ir reunir-se ao seu amigo.
— Foi justamente isso o que combinamos, Anatoli e eu.
Estendeu-lhe uma pequena cápsula de plástico, que ele
apertou entre os dedos, abrindo-a. Do interior saiu a
diminuta tira de negativo, desenrolando-se bruscamente. O
mexicano tornou a enrolá-la, guardou-a na cápsula e
comentou:
— Vocês são bastante inteligentes para não brincar com
estas coisas, creio, Sugiro-lhe que não tente abandonar La
Paz até amanhã
— Terão verificado então a legitimidade do microfilme?
— Sem dúvida. Enquanto isso, seria conveniente que
voltasse logo ao seu hotel e de lã não saísse até partir, rumo
ao Canadá. Entendo que já não tem o que fazer aqui.
— Não me interessa absolutamente permanecer em La
Paz. Por mim, partiria agora mesmo.
— Melhor amanhã. E quando abandonar La Paz, sugiro-
lhe que esqueça todo este assunto.
— Com o maior prazer. Diga-me uma coisa: que
objetivo têm o microfilme e a câmara de televisão em meu
apartamento?
— Precauções insignificantes — sorriu o mexicano. —
Sempre é bom saber quem chega ao apartamento 5.
Surpreendeu-nos multo sua presença nele, já que
esperávamos Sterevenko... De qualquer modo, não uma
mulher.
— Parece-me que esta noite cobrirei a objetiva da sua
câmara, pois tenho o costume de dormir nua e descoberta,
em climas como este. Algum inconveniente?
— Não, não... — riu o, mexicano. — Tudo está bem
agora e pode fazer o que quiser.
— Então, anularei também o microfone.
— De acordo. Mas não o inutilize. Dispomos de poucos.
Bem... Creio que é só, señorita Cherkova.
— Falta ainda alguma coisa. Quem é você?
— Maximiliano... Mas não sou nenhum imperador,
naturalmente. Evelio Maximiliano, as suas ordens. Desejo-
lhe uma boa viagem de regresso.
— Muito obrigada.
Evelio Maximiliano levantou-se, saudou com uma
inclinação de cabeça e se foi. Irina Cherkova apanhou o
maço de cigarros e, enquanto tirava um, puxou outro até a
metade, apertando em seguida o maço. A voz fez-se ouvir,
tênue, no mesmo instante, como se brotasse daquele cigarro
que sobressaia do maço.
— Diga, “Baby”.
— Sigam-no — murmurou ela.
— Bem. Algo mais?
— Nada.
Cortou a comunicação, acendeu o cigarro verdadeiro e
decidiu permanecer ali mais algum tempo, O lugar era
agradável, o calor não incomodava e a vista do mar era
belíssima.
Por que desdenhar coisas tão simpáticas?
CAPÍTULO TERCEIRO

Regressou ao “Gran Hotel Las Lagunas” pelas dez e


meia. A primeira coisa que fez foi tapar a objetiva da
câmara de televisão e anular o microfone, envolvendo-o
num pedaço de plástico e enterrando-o num dos vasos que
ornavam a sacada. Em seguida, certificou-se de que não
restava nenhum outro microfone e, finalmente, depois de
colocar na mesinha de cabeceira a pequena pistola de
coronha de madrepérola e o radinho camuflado, deitou-se
completamente nua. Apagou a luz e ficou imóvel, relaxada,
olhar fixo na réstia de luar que entrava pela janela.
Meia hora mais tarde, moveu apenas o braço direito;
apanhou o radinho e fez a chamada.
— Alô — atenderam no mesmo instante.
— Aonde foi?
— A uma fazenda, para o sul. Uns cinco quilômetros de
distância. Tem um velho carro muito próprio para esses
caminhos. Não foi cômodo segui-lo.
— Que espécie de fazenda?
— Não sei... Uma dessas que saem nos filmes
mexicanos, com uma grande entrada em arco, um pátio com
um poço no centro, a casa branca coberta de telhas de
barro... Parece que há um cercado com alguns cavalos.
Calculamos que lá existam vinte e cinco ou trinta pessoas.
— Há mulheres e crianças?
— Algumas mulheres. Não vimos crianças.
— O que se faz lá?
— Aparentemente, nada. O terreno é seco, árido. As
montanhas não têm vegetação. Juraria que há muito pouca
água. Gado nenhum. Não podemos imaginar o que lá exista
para manter ocupadas duas dúzias e meia de pessoas. Perto
há uma mina, mas está fechada.
— Uma mina? De quê?
— De cobre. É uma zona rica em cobre. Pelo menos,
mais para o norte da península. Ao que parece, abriu-se uma
mina com vistas à exploração, mas a mesma deve ter
decepcionado e logo foi fechada... Não é a única em
condições idênticas por estas terras.
—Ah... Você conhece bem o território, Johnny?
— Claro. Por isso fui enviado para apoiá-la. Os outros
companheiros também o conhecem.
— Explique-me isso das minas.
— É fácil: como mais para o norte havia cobre, aqui
quiseram procurá-lo também e abriram-se várias minas. Em
pouco tempo, todas estavam abandonadas e fechadas. A que
fica perto da fazenda é uma delas. O terreno é tão mau que
nem sequer há cobre.
— Que entende você por “fechada” quando se refere a
uma mina?
— Bom... Ninguém trabalha nela, e isso logo se vê. Não
há máquinas, nem minério removido, nem vagonetes... Quer
dizer que foi abandonada a exploração. Quanto à mina
“fechada”, é ainda mais fácil de ver: há umas grossas tábuas
tapando a entrada. Bem como um aviso em que se indica a
proibição de entrar por perigo de desmoronamento.
— A fazenda tem algum nome ou algo que sirva para
que seja facilmente encontrada?
— Não tem nome. Mas é fácil encontrá-la, viajando-se
cinco quilômetros pelo caminho do sul, dobrando à
esquerda quando se avistam as montanhas peladas e
prosseguindo-se até encontrar um muro branco. A parte
mais alta da casa sobressai, ostentando um cata-vento
encimado por um galo de latão. O vento é uma ilusão que
essa gente se faz.
— Terá falado com alguém, antes de chegar, o nosso
atlético mexicano?
— Não. Ele saiu do “Miramar”, tomou o carro e partiu.
Não esteve em contato com ninguém.
— Algum de vocês ficou vigiando a fazenda?
— Não. Esperávamos seu chamado com instruções. Um
de nós deve ir lá?
Irina Cherkova ficou pensativa uns segundos.
— Acho que isso não servirá de nada — disse por fim.
— Talvez alguém visite o mexicano esta noite, para
receber o microfilme.
— Duvido. Primeiro, ele deverá certificar-se de que o
microfilme não é falso, pois não lhe convém facilitar com
semelhante assunto. Além disso, como saberiam que o
microfilme chegaria hoje mesmo? Menos ainda quando
viram que não era Sterevenko quem chegava... Esta noite
não acontecerá nada. É melhor descansarmos, Johnny.
— Como queira. Mas algo terá que ser feito amanhã.
— Claro. Pensarei em alguma coisa. Ah: esse mexicano
que levou o microfilme chama-se Evelio Maximiliano.
Seria conveniente que algum de vocês se informasse a seu
respeito, com a máxima discrição. Deve ser conhecido em
La Paz, imagino. Vejam o que podem apurar.
— Certo. Você nos chamará ou nós a chamamos
amanhã?
— Exceto se tiverem algo decisivo sobre o assunto, não
chamem. Eu o farei, cedo. É tudo.
— Boa-noite, “Baby”.
Ela deixou o radinho sobre a mesa de cabeceira,
acomodou-se na cama, fechou os olhos e adormeceu em
poucos segundos.
No teto, o ventilador continuava girando com leve
zumbido e enviando para baixo uma corrente de ar que dava
uma enganosa sensação de frescor...
***
Abriu os olhos, de súbito, e fixou-se no ventilador, cujas
aspas brilhavam ao passar pela zona iluminada pela lua.. O
zumbido prosseguia, monótono, inalterável.
E que mais?
Algo mais ela ouvira.
Seus olhos desviaram-se para a porta do quarto. Somente
os olhos. A porta estava fechada e...
Não pode conter uma exclamação vendo o brilho do aço
sobre sua. cabeça; ao mesmo tempo, por instinto, ergueu
ambos os braços... justamente quando o punhal descia
velozmente sobre seu peito. Com as mãos abertas,
crispadas, deteve o pulso do homem que empunhava o
punhal. Ouviu-o resmungar e, ao mesmo tempo, por trás
dele, a voz que murmurava, tensa:
— Está acordada... Mate-a de uma vez!
Mas uma coisa era dizer e outra muito diferente
conseguir. Irina Cherkova puxou com toda sua força o pulso
do homem, fazendo-o cair sobre a cama, enquanto ela se
afastava. O punhal cravou-se no colchão e seu dono de
bruços sobre ele. Com a rapidez de uma pantera, Irina
tornou a puxar-lhe o pulso, obrigando-o a dar meia volta, de
modo a ficar de costas sobre a. cama, ainda com o punhal
fortemente empunhado. Ela forçou-lhe a mão, dobrando-o
para seu próprio peito e deixando-se cair em cima, com todo
o peso... Ouviu-se o arrepiante rasgar da carne e o trêmulo
gemido do agressor. Ele agitava-se ainda, quando Irina
saltou da cama, esquivando-se ao ataque do segundo
homem, que até então estivera Indeciso, empunhando
também um punhal, à espera do momento de intervir.
Quando o fez, já era tarde. Pelo menos para seu
companheiro, sobre o qual caiu enquanto a linda pantera de
pele dourada se afastava, ficando de pé do outro lado da
cama. Ela estendeu a mão, agarrou o segundo agressor pela
gola e literalmente arrancou-o da cama, fazendo-o cair de
joelhos à sua frente. E aproveitando sua posição. aplicou-
lhe uma violenta joelhada no rosto, atirando-o outra vez na
cama, agora de costas, sobre as pernas já imóveis do outro.
O punhal tinha caído no chão e ela o apanhou.
Justamente quando se endireitava, seu inimigo saltou da
cama com grande ímpeto, braços abertos. tentando agarrá-
la. Irina limitou-se a virar a ponta do punhal para ele,
apoiando o cabo no próprio ventre, O homem abraçou-a,
soltou um grito que inicialmente foi de triunfo e que em
seguida foi de pura dor. Picou Imóvel um instante, mas logo
começou a tremer convulsivamente, com os braços ainda
em torno de sua inimiga.
Esta achou que o abraço já durara seu tempo útil e,
desvencilhando-se, desferiu outra punhalada. O homem foi
lançado para trás e pela terceira vez tombou sobre a cama,
de costas, olhos muito abertos, imobilizados pela morte.
Arquei ante, Irina. Cherkova deixou cair o punhal e foi
ao quarto de banho, onde rapidamente libertou-se do sangue
que manchava suas mãos. Procurava fazer o menor ruído
possível com a água. Saiu, vestiu uma saia e uma blusa
escuras, calçou cômodos sapatos pretos e, sempre sem
acender a luz, tirou os cinqüenta mil dólares de onde os
havia escondido, meteu-os na maletinha, guardou também
nesta a pistola e o rádio, e com ela na mão esquerda
aproximou-se da janela, olhando para fora.
Não viu nada. Somente o mar.
Após curta hesitação, resolveu não sair por ali. O que fez
foi colocar-se junto à porta, após acender a luz do quarto.
Sorriu friamente ao ver, decorridos poucos segundos, a
maçaneta girar... A porta abriu-se e o velho e bigodudo
encarregado da portaria entrou, empurrando um grande
cesto.
— Vocês demoraram muito a...
Ficou petrificado de espanto ao ver o quadro de morte na
cama da perigosa hóspede. Quando quis reagir, Irina, às
suas costas, lançou-lhe uma terrível machadada na nuca,
com a mão direita. Ele caiu a seus pés, como fulminado.
Tornando a fechar a porta, ela arrastou o velho até a cama e
desta tirou o lençol, que começou a rasgar ao comprido, em
largas tiras. Menos de dois minutos depois, o barrigudo
estava tão bem atado aos barrotes de ferro que certamente
ali passaria toda a vida que lhe restava se alguém não o
ajudasse a soltar-se. Para complicar-lhe ainda mais a
situação, tapou-lhe a boca com um pedaço de. esparadrapo
cor de carne, que tirou da maletinha.
Depois, com um olhar tranqüilo para os três fulanos, que
deviam ter considerado seu assassinato a coisa mais fácil do
mundo, apagou a luz e saiu. Segundos mais tarde,
abandonava o hotel, sigilosamente, direta para a praia. De
lá, rodeou o velho casarão, até a parte de trás. E novamente
sorriu ao ver o carro estacionado. Junto a ele estava um
homem, de pé, fumando. Aproximou-se o quanto pode, sem
se deixar ver. Depois, compreendendo que não podia cobrir
a distância que restava sem ser vista, fez o que parecia mais
insensato: aprumou bem o corpo e pôs-se a caminhar
decididamente para o homem.
Este se virou, atônito. Deixou cair o cigarro e pareceu
Indeciso vendo aproximar-se aquela esplêndida silhueta
feminina. Meteu a mão direita no bolso da calça e seus
dedos seguraram a navalha de mola. Uma arma eficaz e
absolutamente silenciosa.
Sua perplexidade dissipou-se quando ele reconheceu
aquela mulher. Era a que estivera seguindo durante o dia,
desde que Julian lhes informara que ela havia chegado
pedindo o apartamento 555. Que acontecera lá? Como era
possível que não estivesse morta se...?
— Ouça — perguntou ela, chegando diante dele: — é
você o Martínez?
Ele tornou a ficar perplexo. Não era inteligente. Apenas
um assassino a soldo.
— Não... Não sou o Martínez... — balbuciou.
— Pois pior para você.
Quando ele quis sacar a navalha, a jovem apenas
levantou um pouco a perna direita, esticando-a bruscamente
como se fosse um êmbolo. O pé afundou no ventre do que
não era o Martínez e que lançou um gemido, bateu com as
costas no carro e caiu de joelhos. Imediatamente, a mão de
Irina abateu-se sobre sua nuca, com um força tremenda, que
o derrubou de bruços, sem sentidos.
Sem se alterar um só momento, ela abriu a porta traseira
do carro e meteu-o dentro, como se em vez de uma delicada
garota de formas esculturais tivesse a musculatura de um
halterofilista. Fechou a porta, passou ao volante e afastou-se
dali, sorrindo como um anjo.

CAPÍTULO QUARTO

Quando o homem abriu os olhos, encontrou-se atado


como um fardo, estendido no chão, entre umas pedras, O
céu estava cheio de estrelas e a lua deixava cair uma luz
arrepiante. Arrepiante porque iluminava a própria navalha
dele, brilhando à frente de seus olhos.
— Muito bem, mocinho — disse aquela voz doce. —
Você foi mandado por Maximiliano?
— Não.
— Primeira mentira. A qual vai lhe custar uma orelha.
Não será a primeira que corto... Acha que estou brincando?
Ele não respondeu. Olhava fixamente aquela mulher
que, se estava ali, era porque seus companheiros deviam ter
sofrido um... contratempo. Disso não havia dúvida.
Entretanto, sua ameaça de cortar-lhe uma orelha já era algo
mais complicado. Algo que exigia uma certa maldade, coisa
que não se podia esperar de uma tão bela jovem. De modo
que, sorrindo desdenhosamente, o mexicano apertou os
lábios.
Logo após sentir uma coisa fria e pungente a um lado da
cabeça, viu o que ela lhe mostrava em sua mão esquerda,
enquanto com a direita continuava empunhando a navalha.
— Aqui a tem, mocinho: primeira orelha. Se
continuarmos assim, cortarei a outra, o nariz... e por fim a
cabeça. Você foi mandado por Maximiliano?
O homem, finalmente, soltou um grito, quando a dor
chegou ao centro de seu sistema nervoso, ao mesmo tempo
que sentia o calor do sangue escorrendo abundante por seu
pescoço. Gritando, apavorado, olhava para sua orelha... que
já não era sua. Ela colocou a ponta da navalha em sua
garganta, cravando-a alguns milímetros.
— Silêncio — pediu —, ou eu lhe corto a língua, além
das orelhas e do nariz. Foi Maximiliano quem o mandou?
— Foi... Foi! — arquejou o coitado. — Foi
Maximiliano!
— Para matar-me?
— Sim!
— E para recuperarem o dinheiro?
— Sim, sim, sim...
— Como ele é esperto, não? O contrário de você, que
me deixou tolamente lhe cortar uma orelha. Diga-me: onde
posso encontrar Maximiliano?
— Na... na fazenda... Para o sul, a uns cinco quilômetros
da cidade... É a única que existe, à esquerda do caminho...
— Mas, homem, que necessidade tinha você de ficar
sem uma de suas feias orelhas? Pode dizer-me o que faço
agora com ela?
Atirou-a para um lado e, extraindo um pedaço de gaze
da maletinha, colocou-o sobre o ferimento, depois fez com
que o próprio homem o segurasse, para impedir que
perdesse mais sangue.
— Você não vai morrer desta, amigo, mas recordará
sempre este momento. Agora lhe direi algo importante: se
mudar de profissão, virei procurá-lo e tudo será pior. Está
entendendo?
Ele moveu afirmativamente a cabeça. Via indistinta a
imagem da jovem e mal podia ouvi-la, mas sabia que lhe
convinha concordar. Nem sequer se deu conta de que por
fim desmaiava.
Irina ergueu-se e, deixando o mexicano abandonado fora
do caminho, voltou a este. Entrou no carro e chamou pelo
radinho camuflado.
— Diga! — responderam de imediato.
— Estão esperando onde lhes disse antes?
— Claro. Você está atrasada e pensávamos que...
— Tive que dialogar com um amigo. Se devo ir à
fazenda de Evelio Maximiliano, precisarei talvez de uma
justificativa para o fato de ter sabido encontrá-la. E já a
tenho. Podem sair ao meu encontro: estarei ai em dois
minutos.
Fechou o rádio, pos o carro em marcha e seguiu em
frente. Dois minutos depois, parou, mas não desceu até ver
surgir três homens atléticos, que saltaram de umas pedras
para o caminho. Apeou e foi estendendo a mão, sorridente,
para cada um deles.
— Olá, Johnny... Olá, Johnny... Olá, Johnny... Como
estão?
— Bem — riu um dos três.
— Que aconteceu? — perguntou outro. — Onde está o
homem que trazia...?
— Devo tê-lo perdido pelo caminho. Esqueçam-no.
Prepararam o plano? Podemos vê-lo agora.
Um Johnny sacou do bolso um papel, que desdobrou
sobre o capo do carro. Outro acendeu uma lanterna e o
primeiro assinalou diversos pontos do desenho.
— Aqui está a fazenda. Esta linha é o muro. Não é
difícil saltá-lo... para um homem, se precisar...
— Não preciso — sorriu ela. — De quantos
companheiros dispomos?
— Somos dez, ao todo. Sete estão rondando a fazenda.
Indiquei com cruzes suas posições. Veja... É pouco
provável que alguém possa escapar sem que vejamos.
— Ótimo, Johnny. Apuraram alguma coisa sobre
Maximiliano?
— Sim. É proprietário de todos estes terrenos. Há três ou
quatro anos, quis vender a fazenda, mas pensou melhor e
optou por explorar a mina. Em pouco tempo convenceu-se
de que não era um empreendimento rentável. Assim, deixou
tudo como estava, sob pena de arruinar-se. Pensou
novamente em abandonar a fazenda, até que teve uma idéia
feliz...
— Dedicar-se a espionagem?
— Não — sorriu Johnny. — Dedicar-se à cerâmica. Tem
empregados na fazenda, incumbidos de fabricar jarros,
vasilhas, pratos e o mais que segue. Parece que vende bem
essas coisas, não só no México, mas sobretudo nos Estados
Unidos. Também são produzidos sarapes e confeccionadas
a mão selas de montaria, muito apreciadas... Digamos que
soube encontrar uma solução para seus problemas
econômicos, sem precisar desfazer-se da fazenda.
— Um homem dotado de iniciativa... — admitiu Irina.
— Em que conceito o têm na cidade?
— É bastante simpatizado, ao que parece. Todos o
estimam, sempre o convidam para festas. Tem alguns
amigos americanos.
— Bem. Mas foi ele quem ordenou meu assassinato;
portanto, se somamos isto a ter-se encarregado do
microfilme que eu trouxe a La Paz, não creio que se possa
por em dúvida o fato de ser ele o homem que procuramos.
Irei vê-lo.
— Irá vê-lo? Ouça, somos dez homens e esperamos...
— Esperam ajudar-me? Obrigada, Johnny. Vocês só
intervirão quando eu disser.
— Mas...
— Assim trabalho sempre e não vejo razão para mudar
de método agora.
— Ouça “Baby” há trinta pessoas naquela fazenda: você
sozinha não vai poder...
— Johnny, eu não vou travar nenhuma luta. Quero
apenas dar uma volta por lá.
— Mas por quê? Para quê? Estão todos na fazenda. Só
temos que ir lá e detê-los.
— Não se precipite. Quero algo mais que capturar
Evelio Maximiliano. Não será ele quem possa fazer uso do
microfilme que eu trouxe: deve haver alguém por trás.
Alguém que receberá esse microfilme, terá que avaliá-lo e
encaminhá-lo a um destino onde possa proporcionar
rendimento a quem por ele pague. Ai é aonde quero chegar,
não apenas a um bonito e simpático mexicano que não
passa de um intermediário. Estamos de acordo?
— Bem... — hesitou Johnny. — Mas se vai entrar na
fazenda, será melhor que um ou dois de nós a acompanhem.
— Sou uma gatinha solitária. Não serei vista nem
ouvida. Agora, voltem aos seus postos, mantenham-se
atentos ao rádio e, vou insistir pela última vez, só
intervenham se eu mandar... ou se decorrerem dois dias.
Está claro?
— Isso é uma loucura...
Ela tornou a estender a mão aos três agentes, sorrindo.
— Adeus, Johnny... Adeus, Johnny... Adeus, Johnny...

CAPÍTULO QUINTO

Saltou agilmente do alto do muro, caindo em completo


silêncio dentro da fazenda. Ato continuo, deslizou até atrás
do tronco de um carvalho e ficou olhando para a casa.
Havia luz em quatro janelas, por uma das quais chegava um
riso de mulher. Ao que parecia, divertiam-se até tarde
naquele lugar.
A casa era muito grande, em estilo clássico, com
acomodações para numerosos empregados, sendo que estas
se diferenciavam bastante do corpo central de linhas mais
formosas. Havia um grande pórtico, com arcos brancos,
multo florido, pára onde abrira a porta principal, de vidro,
protegida por cortinas multicores. À esquerda, grandes
galpões de teto baixo, com dois automóveis na frente,
expostos ao tempo. No centro do pátio via-se um poço. Não
devia haver muita água por ali, mas sabia-se obter dela um
alto rendimento demonstrado pelo abundante cultivo de
flores. Um lugar agradável. Mais cinco carvalhos, todos
enormes, e ainda outras árvores, O conj unto da ampla
construção dava a idéia de um quartel, com o comando no
corpo central. Neste via-se a luz, na planta-baixa, e
ocasionalmente passavam algumas sombras por três das
cortinas.
A mulher que ocupava o aposento cuja janela estava
iluminada continuava rindo. Irina resolveu esperar. Sabia
que escalar aquela arcada não lhe seria difícil, com o que
chegaria à sacada central da casa, sacada que devia
corresponder ao quarto de Evelio Maximiliano. Quando ele
estivesse no melhor do sono, seria surpreendido por uma
certa visita...
A porta principal abriu-se subitamente, deixando escapar
um feixe de luz para o pátio, pelo que, embora bastante
afastada, Irina encolheu-se rapidamente, escondendo-se
atrás do tronco. No silêncio da noite, chegou a seus ouvidos
uma voz conhecida. Espiou. Distinguiu a silhueta
inconfundível de Maximiliano, no pórtico, dizendo qualquer
coisa a dois homens que caminhavam para o centro do
pátio. Um deles, que levava uma cesta, voltou-se, respondeu
a Maximiliano e este riu. Saudou com a mão, entrou na casa
e fechou a porta. O olhar de Irina estava fixo nos dois que
caminhavam decididamente para o centro do pátio, já em
silêncio.
Que iriam fazer? Beber água do poço? Se iam deixar a
fazenda, porque não utilizavam a grande porta existente
num ponto alto do muro?
Quando chegaram diante do poço, um deles comentou
alguma coisa e o tom de sua voz fez a espiã franzir a testa,
entre surpreendida e incrédula. Mas a surpresa seguinte foi
maior ainda: o que havia falado subiu à borda do poço e
desapareceu dentro deste. Sacou apenas os braços e o outro
lhe entregou a cesta, depois do que meteu-se também no
paço.
Foi tudo.
Irina esperou nada menos de quinze minutos, tempo que
foi suficiente para que cessasse o riso da mulher num dos
quartos, duas janelas mais escurecessem e se apagasse
também a luz na planta-baixa. Suficiente para que, dois ou
três minutos antes, pudesse ver acender-se a luz da sacada,
que sem dúvida correspondia ao quarto de Evelio
Maximiliano.
Por fim, só uma das janelas ficou iluminada, mas não
considerou isso uma razão para que esperasse mais tempo.
Deslizou até o poço e, sem hesitar, subiu à sua borda. Viu a
escadinha formada por barras de ferro recurvas, que se
cravavam na parede circular. Desceu em silêncio, com
movimentos seguros, levando na canhota a maletinha.
vermelha. Embaixo via brilhar a água, mas isso não a
enganava: se dois homens tinham descido por ali,
certamente não fora com a idéia de tomar um banho no
fundo do poço...
Chegou ao fim dos degraus de ferro, acendeu a pequena
lanterna e lançou o jato de luz para frente, para o lugar mais
lógico. Viu apenas tijolos. Tijolos por toda parte, quase até
o nível da água, que estava menos de um metro abaixo de
seus pés.
Precisou de dois minutos apenas para encontrar o tijolo
que, comprimido, punha em funcionamento o mecanismo
que abria a parede. Um grupo de tijolos, formando uma
porta, girou para dentro e a luz da pequena lanterna para lá
se dirigiu, iluminando uma galeria de teto muito baixo e
estreita a ponto de só permitir a passagem de um homem
por vez.
Entrou, calculou a extensão daquele túnel, fechou a
porta atrás de ai e apagou a lanterna. Depois, na escuridão
compacta, avançou, tocando com ambas as mãos na parede.
A estreita galeria dobrava bruscamente para a direita. E
ao fundo viu o resplendor de uma luz. Teve ainda que
percorrer outro trecho idêntico ao primeiro, até chegar a um
corredor consideravelmente mais amplo. A um lado, uma
pequena lâmpada acesa, produzindo a luz que a guiara até
ali. As paredes já não eram recobertas de tijolos, mas eram
naturais, de terra cortada verticalmente. A conclusão parecia
fácil: estava numa mina.
Na mina da fazenda de Evelio Maximiliano. Dobrou o
cotovelo seguinte e já não viu nenhuma luz... exceto a da
lua, que entrava por uma abertura retangular do teto, a cinco
metros de altura. Mais adiante, tornou a encontrar outro
respiradouro como aquele, muito mais baixo, de modo que
conseguiu subir até ele pela parede desigual da mina. Pode
ver que tinha uma cobertura corrediça, coberta de terra.
Compreendeu que durante o dia, se alguém se aproximasse
por aquelas montanhas, podiam tapar os respiradores.
Saltou de novo à galeria e seguiu em frente. Súbito, tudo
começou a mudar. E de um modo que a fez recordar-se dó
tom de voz daqueles dois homens que tinham entrado antes
dela: a mina começou a apresentar um aspecto muito mais
limpo e ordenado a partir de onde havia um gongo de
bronze, com uma pesada massa ao lado. No gongo estava
pintado um horrendo sapo vermelho, cujos olhos verdes
reluziam sinistramente. Mais além, viu um pequeno tanque,
com flores aquáticas, que apresentavam uma estranha cor
rosada à luz de sua lanterna. Na água, nadavam alguns
peixes vermelhos e dourados. Ainda mais além, aos lados
do largo corredor da mina, viam-se canas de bambu
formando uma decoração artificial. Era como ir entrando
num exótico jardim chinês. Tudo artificial, mas bem
arranjado, com gosto, privando a mina de sua aparência
inóspita.
Apagou subitamente a lanterna e meteu-se entre os
bambus. Os passos soavam cada vez mais perto, precedidos
pela luz de uma lanterna possante. Um homem apareceu no
corredor, empunhando a lanterna. Passou a menos de três
passos de onde estava Irina, contendo a respiração. Quando
a deixou atrás, viu-o recortado na luz. Em seu ombro direito
sobressaia uma espécie de tubo inclinado... Uma
metralhadora, que pendia de suas costas.
Mas isto não a assustou, O que a deixou inquieta foi o
conhecimento, do lugar para onde se dirigia aquele homem.
Ele caminhava em direção do gongo. Aquela devia ser a
entrada oficial e havia sempre um guarda, que não tinha
visto porque naturalmente acompanhara os dois recém-
chegados e agora. retornava para ocupar seu posto. Com o
que, ela compreendeu que para sair dali pelo mesmo
caminho teria, necessariamente, que matar aquele homem.
Já nada podia fazer ali, pelo que resolveu seguir adiante.
Em alguns pontos, viam-se as vigas curvando-se sob o peso
da terra e escoras por toda parte, algumas novas. Era pouco
provável que ocorresse um desmoronamento.
Deteve-se em seco ao ver outra luz à sua frente. Depois,
pistola na mão, prosseguiu. Chegou a um corredor ainda
mais largo, a cujos lados viam-se grandes vãos... De um
deles vinham roncos.
E no fundo, uma ‘vasta esplanada, em cujo centro havia
um. bonito conjunto de plantas e pedras, dispostas
artisticamente, como um pequeno jardim. Também havia
canas de bambu; em cada uma, um pequeno gongo, com o
sapo vermelho. E de cada lado, um chinês, impassível, de
pé, com uma metralhadora nas mãos.
Havia acertado: aquele tom de voz recordara-lhe o
inconfundível sotaque chinês. Já tratara com multo deles e a
simples lembrança fê-la estremecer. Absorta, esteve uns
minutos olhando para a esplanada, contemplando o jardim
artificial e os dois guardas... Os roncos continuavam.
Súbito, uma voz os fez parar. Depois houve uma breve
conversa em chinês e, em seguida, de uma das grutas
laterais saiu um chinês, em mangas de camisa, com um
revólver na cintura. Atrás dele vinham outros dois, armados
de metralhadoras. Foram até onde estavam os dois, efetuou-
se o revezamento e o do revólver voltou à gruta com os que
tinham estado de guarda diante da formosa porta de bambu..
Que haveria ali dentro? Algo importantíssimo, sem
dúvida. E enquanto imaginava o que podia ser, Irina
Cherkova surpreendeu-se a si mesma sorrindo ironicamente.
Ao que parecia, aqueles chineses estavam levando a coisa
muito a sério, com substituições de guarda, vigilância na
esplanada e no acesso às galerias. Seu sorriso se extinguiu
quando se lembrou do conteúdo do microfilme que Anatoli
Sterevenko tinha conseguido para aquela gente: um
depósito de bombas atômicas americanas, bem detalhado
em todas as suas partes e construções. Microfilme agora em
poder de Maximiliano, já que lhe entregara o autêntico, pois
do contrário se exporia a fracassar logo de inicio numa
missão que se estava revelando de grande envergadura.
Por um instante, pensou em ir até aquela porta de
bambu, matar os dois chineses que a vigiavam e olhar lá
dentro. Mas isso não seria tão fácil de fazer como de pensar.
E embora, com muita sorte, talvez pudesse escapar dali, o
alarma estaria dado... E o mesmo sucederia se, para sair da
mina, matasse o vigia junto ao grande gongo.
Portanto, após uns segundos de reflexão, resolveu
procurar outra saída..
Existia.
Encontrou-a quase meia hora mais tarde, já impaciente,
após considerar-se perdida naquele labirinto de corredores.
Ainda se viam picaretas e pás em alguns lugares, lanternas
de cabeça, os trilhos para transporte de minério e até os
vagonetes cobertos do fino pó que, invisível, devia cair
continuamente do teto.
Viu a luz da lua ao fundo da galeria onde estava, correu
até lã e deparou com várias tábuas cruzadas, tapando a
saída.. Deslizou por entre duas delas e encontrou-se em
campa aberto. Bem: ali estava a entrada oficial da mina que
tempos atrás fora fechada por improdutividade.
Com seu apurado instinto de orientação, tardou apenas
um minuto para novamente localizar a fazenda, fora de
cujos muros tornava a encontrar-se.
Entretanto, não era isto o que queria agora. Seu plano
era bem diverso. Assim, pouco depois, escalava mais uma
vez o alto muro de tijolos. Não era a primeira vez, também,
que se propunha conseguir melhores resultados com audácia
e inteligência, mais que com simples coragem.

CAPÍTULO SEXTO

No momento, não soube por que tinha acordado.


Pestanejou, cheio de sono. Na sacada via-se uma réstia de
luar, que chegava até dentro do quarto. Nenhum ruído...
súbito, sentiu o mesmo contato no pescoço... Sim, fora isso
que o acordara.
— É uma pistola — disse uma voz.
Evelio Maximiliano soltou uma exclamação e quis
sentar-se na cama, porém o cano da pistola cravou-se em
sua garganta, forçando-o para baixo.
— Calma... — respondeu a mesma voz. — Do contrário
eu o acalmarei... para sempre. De acordo?
Ele ficou imóvel. Estava de acordo, ao que parecia.
Ouviu um risinho irônico e novamente soou a voz da
mulher:
— Lembra-se de mim, Maximiliano?
— Você é Irina Cherkova...
— Exato. E estou aqui a seu lado, em vez de morta e
enterrada. Isso lhe diz alguma coisa?
— Não...
— Eu creio que sim, amigo Evelio; mas, de qualquer
modo, vou explicar-lhe: não sou fácil de assassinar e tenho
uma natureza tão rancorosa que julguei oportuno vir dizer-
lhe. Você é um insensato, Evelio. Pensou mesmo que
poderia jogar sujo com ex-agentes do MVD soviético? Isso
até dá vontade de rir. Só que nunca acho graça quando
tentam matar-me. E você? Acha engraçado que o matem?
— Espere... Espere, Irina. Podemos chegar a um acordo.
Houve um mal-entendido...
— Claro que sim: Evelio: foi você quem não entendeu.
É curioso isto. Eu pensava trair Anatoli e partir sozinha para
o Havaí, com os cinqüenta mil dólares. Acontece que você
também tinha seus projetos a respeito desse dinheiro e de
minha pessoa. Eu estava disposta a trair, mas não gosto de
ser traída... É um pouco injusto de minha parte, mas
bastante lógico, não?
— Escute, afaste a pistola e falemos tranqüilamente...
— Já estamos falando tranqüilamente. Não quer saber o
que aconteceu com seus homens? O pobre velho está
transformado num fardo no meu quarto, com os cadáveres
dos dois que foram matar-me. Quanto ao do carro, está
sangrando por aí, com uma orelha de menos. Antes de
desmaiar, informou gentilmente onde eu podia encontrá-lo,
Evelio. E... sabe para que estou aqui?
— Para quê? — arquejou Maximiliano.
— Para aplicar-lhe uma... multa. Quanto dinheiro você
tem em casa?
— Veio cá em busca de dinheiro? — exclamou ele,
incrédulo.
— Entre outras coisas. Iremos agora ver esse dinheiro e,
quando ele for entregue, eu farei uma pequena revelação
sobre que outra coisa vim buscar aqui. Vamos, saia da
cama.
Ela levantou-se e acendeu a luz da mesinha de cabeceira,
com gesto rápido. Olhou para Maximiliano, que piscava
ofuscado. Mas logo em seguida ele saiu da cama. Tinha o
torso nu e exibia toda a sua poderosa musculatura.
— Vamos buscar o dinheiro... — sussurrou Irina. —
Onde está?
— Lá embaixo. Há um cofre escondido no salão.
— Pois desçamos. E se houver algum pequeno acidente
que me incomode, meterei uma bala em sua nuca, Evelio.
Contratou um espião russo, prometeu-me dinheiro em troca
de um trabalho e depois enviou assassinos para liquidar-me
e recuperar o dinheiro... Pois bem: agora vou levar todo o
que você tiver em casa, querido amigo.
— E quando eu lhe der dinheiro, você me matará?
— Eis uma idéia que já me ocorreu.
— Seria um erro... Tenho lá embaixo mais de duzentos
mil dólares, mas você não chegaria muito longe com eles.
— Eu acho que sim, querido. Só tenho que matá-lo, sair
daqui e partir por via marítima, sem chamar atenção. E
gostaria de saber de alguém capaz de encontrar-me mais
adiante.
— Anatoli Sterevenko poderá encontrá-la.
— Anatoli? Oh, é possível... Sim, talvez pudesse
encontrar-me. Eu lhe diria que não pudera reunir-me a ele
no Canadá, que precisara escapar e depois perdera sua
pista... Ele me creria.
— Você bem sabe que não. Se deixar de levar-lhe o
dinheiro, ele a procurará para matá-la.
— Está bem, mas isso é comigo. Duzentos mil dólares
me permitirão encontrar onde me esconder.
— Mas por que se esconder? Eu posso lhe oferecer coisa
melhor.
Os lábios da espiã arquearam-se num sorriso
desdenhoso.
— Melhor que isso? Olhe, Evelio, você só tem duas
coisas que me possam interessar: seu dinheiro e sua própria
pessoa. Seu dinheiro logo será meu. Quanto à sua pessoa,
embora seu tipo me agrade, infelizmente terei que matá-lo.
É uma pena, mas não vejo outra solução. Vamos lá
embaixo.
— Há outra solução... — murmurou o mexicano, pálido.
— Fique aqui, comigo, conosco. Sterevenko virá depois
buscá-la, certamente, e então eu a ajudarei a livrar-se do
perigo que ele significa. Deste modo, poderá desfrutar o
dinheiro... e minha companhia.
— Não está mal... — riu Irina. — Você me oferece a
solução melhor, Evelio! Ando farta de ir de um lugar para
outro em busca de algum dinheiro. E você me livraria de
Anatoli... Perfeito. A solução definitiva. É uma lástima que
eu não possa confiar em suas promessas. Seria maravilhoso,
mas...
— Você pode confiar, Irina! Estou lhe fazendo uma
oferta que...
— Desçamos, Evelio — cortou ela. — Sou uma gata já
multo vivida para ser enganada por um gatinho
inexperiente. Você está fazendo o que pode para sobreviver
e isso é um direito seu. Mas já chega. Agora não fale mais e
leve-me até o cofre.
Maximiliano dirigiu-se para a porta do quarto, ainda
insistindo em sua jogada para salvar a vida:
— Que ganhará você matando-me? Entretanto, se...
Irina Cherkova aproximou-se dele e golpeou-o com a
pistola nos rins, com tanta força que ele foi impelido para a
frente, lançando um grito. Caiu de joelhos, esteve uns
segundos sem poder respirar e, por fim, virou-se para ela,
que o olhava duramente.
— Disse-lhe que não falasse mais, Evelio. Portanto,
vamos descer em silêncio.
Ele assentiu com a cabeça e levantou-se, mordendo os
lábios para não gemer de dor. Segurando os rins com ambas
as mãos, saiu do quarto, seguido por Irina. A luz que
passava ao interior era suficiente para verem onde punham
os pés, pelo que ela não se preocupou mais e ele pensou que
o melhor que podia fazer era conservar a boca fechada.
Chegaram embaixo, onde Maximiliano indicou uma porta.
— Abra e entre — disse ela —, sem sair de meu campo
visual, e acenda a luz. Tudo muito lentamente, com muita
cautela.
Foi obedecida. Entraram no salão e ele indicou uma
panóplia em que se viam sabres cruzados, dos tempestuosos
tempos de Pancho Villa. Olhou para Irina e foi até lá.
Afastou a panóplia, deixando a descoberto o cofre. Tornou a
voltar-se para olhar a falsa russa, cujos olhos verdes
reluziam... diabolicamente. Sim diabolicamente.
Maximiliano sentiu um intenso frio nas costas e dedicou-se
a abrir o cofre.
Feito isto, introduziu a mão em seu Interior. Então Irina
aproximou-se mais, sussurrando:
— Cuidado com o que faz, Evelio. Tire o dinheiro com
as mãos juntas, depois as levante acima da cabeça.
Ele assentiu e tirou o primeiro maço de cédulas
americanas, seguindo as instruções que recebera. Virou-se,
deixou-o sobre uma mesa e tornou a virar-se para tirar mais.
Quando já retirara quatro maços, Irina Cherkova emitiu um
assobio de admiração.
— Francamente, não acreditei que você tivesse aqui
tanto dinheiro... De onde vem? E não me diga que é graças
à exploração de alguma mina de ouro.
Evelio olhou-a fixamente.
— De cobre — murmurou.
— Como?
— Estou explorando uma mina de cobre.
— Ah, sim — sorriu ela. — Não sabia que o cobre fosse
tão caro. Continue tirando o dinheiro, por favor.
— Se quisesse ouvir-me, Irina, inda poderíamos resolver
tudo a contento de ambos.
— Gostaria de poder confiar em você, que tanto me
agrada como homem. Mas...
— Também você me agrada como mulher. Embora
supondo que não vai me acreditar, estive a ponto de dar
contra-ordem a respeito de seu assassinato. Se não o fiz foi
porque compreendi... ou pensei que você estivesse
desejando voltar para junto de Sterevenko.
— Já me cansei de Anatoli e de seu estúpido modo de
encarar a vida. Quero algo mais... Oh, não é o momento de
lhe expor minhas ambições a respeito do futuro, Evelio.
Acabemos com isto. Tem uma bolsa para ir guardando o
dinheiro?
— Nessa gaveta — indicou ele. Um momento...
— Não, querido, não... Eu a apanharei. Vire-se e
continue tirando o dinheiro.
Maximiliano mais uma vez obedeceu e ela abriu a
gaveta da mesa. Tirou uns quantos papéis e vários
envelopes de tamanhos diferentes. Escolheu o maior, deixou
a pis.tola no canto da mesa e começou a guardar no
envelope os maços de cédulas. Quando Maximiliano virou-
se, deixou de fazê-lo para apanhar a pistola e tornou a
apontá-la para ele. O mexicano deixou o novo maço junto
aos outros e voltou-se outra vez.
— Será melhor que você mesmo vá guardando o
dinheiro no envelope — disse ela. Não me fio nem um
pouquinho em você, Evelio.
Ele tornou a virar-se com mais um maço, que juntou aos
outros, e ergueu a mão direita, na qual brilhava uma
imponente automática. A espiã sobressaltou-se, levantando
o olhar para aqueles mexicanos olhos negros, que também
brilhavam.
Ficaram os dois encarando-se, apontando-se
mutuamente; ela séria, crispada, ele sorrindo, mostrando
seus dentes branquíssimos e perfeitos.
— Bem... — disse por fim Maximiliano. — A situação
mudou ligeiramente, não é verdade, gatinha?
— Deixe essa pistola — ordenou Irina. — Não seja
estúpido, Evelio: posso matá-lo sem que tenha tempo de
fazer nada contra mim.
— Experimente... — disse ele. — Já não se trata de
dinheiro, boneca, mas de uma vida por outra. Aperte o
gatilho de sua pistola e veremos se não posso fazer o
mesmo com o da minha automática. Experimente.
Ela hesitou visivelmente.
— É uma situação absurda... Um de nós dois tem que
ceder, Evelio.
— Não serei eu. Uma, vida por outra... Pense bem, Irina.
Vale a pena?
Novamente ficaram encarando-se durante uns segundos.
Por fim, ela suspirou e sorriu.
— Bom... Talvez seja conveniente eu escutar com mais
atenção suas propostas, Evelio. Parece-me que antes não as
entendi bem.
— Posso repeti-las, se quiser — sorriu ele.
— Sua oferta continua de pé? Poderei ficar aqui até que
Anatoli chegue e você me ajudará a desembaraçar-me dele?
— Sem dúvida. E vejo que se recorda muito bem de
minhas propostas. — Irina Cherkova tornou a sorrir.
— Não sei se -cometo uma tolice, mas, morrer por
morrer, vou tentar. Não ganharia nada o matando se
também morresse, portanto... azar meu.
Deixou a pistolinha sobre a mesa e recuou um passo.
Maximiliano apoderou-se rapidamente daquela arma e
dirigiu-lhe uma olhadela cheia de curiosidade. Era uma
bonita pistolinha, com coronha de madrepérola, bastante
achatada, fácil de ocultar e já tendo acoplado o silenciador.
Quando olhou para espiã, sorria secamente.
— Uma pistola muito apropriada a pessoas de sua
profissão, Irina. Profissão em que naturalmente você é
exímia.
— Não tanto quanto imaginava, ao que parece... —
suspirou ela. — Devia ter previsto o velho truque da pistola
dentro do cofre. Temo. estar perdendo minhas faculdades.
— Como espiã, talvez. Mas eu encontrarei para você
uma ocupação melhor que andar por a,i arriscando a vida.
— Então... não vai me matar?
— Você é bonita demais para morrer, Irina. Minha
oferta continua de pé.
— Não se arrependerá disso — murmurou ela, voz cheia
de promessas.
— Assim espero. Agora, torne a colocar o dinheiro no
cofre. Onde estão os cinqüenta mil dólares que lhe entreguei
no terraço do “Miramar”?
— Lá fora, dentro de uma pequena maleta que deixei
escondida junto ao muro. Pensava apanhá-la ao retirar-me
com mais dinheiro.
— Por enquanto, você não vai precisar de dinheiro —
sorriu novamente ele. — Ficará aqui com todas as despesas
pagas. Faça o que lhe disse.
Irina Cherkova assentiu. Acabou de meter os maços de
cédulas no grande envelope e colocou-o no cofre, que
fechou, ao mesmo tempo que Maximiliano aplicava-lhe
com a automática um golpe nos rins, tão forte que lhe
pareceu incrustar-se na parede. Depois caiu de joelhos e
assim ficou, sem fôlego, rosto crispado pela dor.
— Levante-se — disse o mexicano, amavelmente.
Ela obedeceu, devagar, ainda sem fôlego, como se lhe
faltassem totalmente as forças.
— Você prometeu... — arquejou. — Prometeu ficar
comigo e...
— E assim farei, meu amor... Mas sempre pago o que
devo. E lhe devia este golpe. Não está de acordo?
— Evelio... não me mate... Posso fazer de você o
homem mais feliz do mundo...
Ele afastou-a rudemente do cofre, tornou a abri-lo,
meteu dentro as pistolas, fechou-o, repôs a panóplia no
lugar e olhou-a sorridente, segurando-a pela cintura, ajudou-
a a caminhar até a porta.
— A dor logo passará... — murmurou. — E veremos se
é verdade que você pode me tornar o homem mais feliz do
mundo. Vamos para cima.
Pouco depois, ambos na cama, Evelio Maximiliano
chegava à conclusão de que, até agora, não tinha realmente
sabido o que era uma mulher.

CAPÍTULO SÉTIMO

Na manhã seguinte, os homens e mulheres que


trabalhavam no pátio tecendo sarapes emudeceram de
surpresa ao ver surgir a desconhecida jovem de olhos verdes
e cabelos louro-cinza. A estupefação foi geral durante
segundos. Depois correu a voz e de toda parte vieram mais
homens para contemplar aquela beldade. Alguns deles
tinham as mãos manchadas de barro vermelho.
Durante alguns segundos, houve uma espécie de
indecisão. Depois alguém sacou um revólver, que reluziu ao
sol. As mulheres, em número de oito ou dez, tinham torcido
o nariz e olhavam Irina com muito mais animosidade que os
homens.
Quando já parecia que a tensão tornava-se Insuportável,
Evelio Maximiliano mostrou-se no pórtico e levantou os
braços, sorridente, dizendo em voz alta:
— Continuem com seu trabalho.
Sumiu o revólver que reluzia ao sol e as mãos voltaram a
ocupar-se dos sarapes. Os que trabalhavam o barro
deixaram o pátio.
— Não sabia que houvesse tanta gente aqui — comentou
Irina.
— Imagino. Você meteu-se num vespeiro sem saber
absolutamente o que estava fazendo. Espere um momento.
Deixou-a no pórtico e dirigiu-se é um dos homens que,
perto das mulheres que confeccionavam sarapes, estava
cortando couro para uma sela de montaria. Irina viu-o
conversar brevemente com aquele homem, que, com os
olhos muito abertos, assentiu, levantou-se e correu para um
dos carros estacionados diante dos galpões. Segundos
depois, afastava-se com ele. Maximiliano regressou ao
pórtico.
— Mandarei fazer um sarape especial para você —
sorriu. — Gostaria de ver como são tecidos?
— Bem, na falta de coisa melhor...
— Ou prefere que tomemos café; primeiro?
— Prefiro. Estou com muito apetite.
— Compreendo — sorriu ele. — O amor dá fome. A
propósito, você proporcionou-me uma experiência
inesquecível, Irina.
— Gosto de ouvi-lo falar assim, querido. Que bom se
você estivesse sendo sincero e tudo Isto fosse uma realidade
para sempre.
— Pode ser, se você não estragar tudo — murmurou ele.
— Eu? Por mim, o tempo pararia agora! Fui sincera com
você em tudo, Evelio. Quis matá-lo, é verdade, mas meu
coração estava pequenino. Agora, em sua companhia, já não
quero mais nada. Só descansar a seu lado de tantos anos de
uma vida terrível...
Ele passou-lhe um braço pelos ombros, num gesto
protetor.
— Tranqüilize-se, Irina. Você já não tem com que se
preocupar. Para mim foi maravilhoso encontrá-la. Ainda
teremos que permanecer aqui algum tempo... Meses, talvez.
Mas... você gostaria de viver em Paris, ou em Roma, ou em
Veneza, mais tarde?
— Com você? — olhou-o anelante.
— Comigo.
— Então, tanto se me dá Paris, Roma ou Veneza.
Evelio Maximiliano sentiu-se envolvido por uma onda
de ternura, prelibando a satisfação de uma felicidade
imensa, eterna...
Uma hora depois, Irina já vira como as mulheres e
homens teciam sarapes, como confeccionavam selas de
montaria que seriam vendidas a alto preço. Na estrebaria, os
tratadores cuidavam de dez magníficos cavalos. Nos
galpões abertos era modelado o barro para a fabricação de
objetos diversos, que em seguida eram levados a um grande
forno.
Os trabalhadores mexicanos olhavam para Irina com um
sorriso malicioso e amistoso. Se Maximiliano a mantinha
ali, por algo seria.
— Quer experimentar, señorita? — propôs um dos
ceramistas, afastando-se do torno.
— Oh, sim! — exclamou ela. — Obrigada.
Ocupou o lugar dele, movendo com o pé a alavanca que
fazia girar o futuro jarro em seu suporte. Meteu as mãos no
barro, disposta a modelar a. peça, mas seu desconhecimento
daquele trabalho provocou uma pequena catástrofe: o jarro
pareceu explodir e o barro foi lançado em mil direções,
salpicando a todos. Quando ela ergueu a cabeça, mostrou
um rosto cheio de sardas vermelhas. Maximiliano foi o
primeiro a rir, passando-lhe as mãos pelas faces, com o que
só conseguiu espalhar o barro, ante a hilaridade dos
presentes.
Fora se ouviu a chegada de um veículo e, enquanto todos
riam, apareceu pressurosamente o homem que antes tinha
saído com ele. Olhou de longe para Maximiliano, erguendo
as sobrancelhas em muda pergunta. Sem deixar de rir, seu
patrão assentiu com a cabeça.
Poucos segundos após, dois homens entravam no galpão
trazendo algo envolto num lençol. Atrás deles, outros dois,
que traziam algo idêntico. Fechando a marcha, o velho
porteiro do hotel “Las Lagunas”, cujos olhos arregalados
estavam fixos em Irina.
Os homens depositaram no chão o que tinham trazido,
olhando expectantes para Maximiliano.
— Quer vê-los, patrão? — perguntou um deles.
— Para quê? Levem-nos daqui.
— Ela os matou! — disse o bigodudo porteiro. Matou os
dois, quase fez o mesmo comigo e cortou uma orelha de
Robles...!
— Cale-se! — ordenou secamente Maximiliano. — Que
queria que fizesse? Deixar-se matar? Se alguém tem a culpa
da morte de Orozsco e Alvarez são eles mesmos... Disse-
lhes bem claramente que ela era, ou tinha sido, uma espiã
russa, e não souberam colocar-se à altura do trabalho. Tanto
pior para eles!
À entrada do galpão amontoavam-se as mulheres e, em
seu interior, todos os homens olhavam com hostilidade para
Irina Cherkova, que segurou a mão de Maximiliano,
visivelmente assustada. O silêncio prolongava-se
angustiosamente. Por fim, o gordo porteiro falou:
— Seja como for, ela os matou. E cortou a orelha de
Robles. Essa mulher é um demônio!
— E o que você queria que fosse? Um anjo?
Todos começaram a entreolhar-se, indecisos. Mas o
velho tinha idéias bem claras a respeito da decisão que
devia ser tomada.
— É melhor que a matemos também, don Evelio. É uma
espiã russa, não? Para que pode servir-nos? Os outros que
vieram...
— Cale a boca, Julián! — cortou friamente
Maximiliano. — Ou será você quem eu mandarei para o
inferno. Metam os dois aí!
Os dois cadáveres, ainda envoltos nos lençóis, foram
lançados dentro do grande forno que rugia no fundo do
galpão, entre um silêncio sepulcral.
— Dentro de uns minutos — disse ainda Maximiliano,
que pessoalmente fechou a porta do forno —, não restará
nada deles... Portanto, vamos esquecê-los. Que cada um
volta ao seu trabalho.
— E ela? — perguntou o velho Julián.
— Ela continua aqui, comigo, por enquanto. Volte ao
hotel e ocupe-se de seus assuntos. Para hoje ou amanhã
esperamos outra visita: pense apenas nisso. Tem mais
alguma coisa a dizer?
— Não, don Evelio.
— E Robles?
— Foi levado para a casa. Está muito mal. Passou a
noite na montanha, amarrado de pés e mãos, esvaindo-se em
sangue. Talvez não consiga sobreviver.
— Robles é outro estúpido... Todos eles foram avisados
de que a coisa não seria fácil. Que há com vocês? Deixei de
cumprir alguma das promessas que fiz? Que culpa tenho eu
se os homens incumbidos de um trabalho... especial não
sabem cuidar-se? Voltem às suas ocupações, todos! E você,
Julián, tanto quanto Robles, devia estar agradecido a Irina:
ela podia ter liquidado os dois e não o fez. Certo?
— Mas, mas...
— Mas nada! Volte para La Paz! Ruiz, leve Julián outra
vez ao hotel!
Cada qual tratou de ocupar-se com seu trabalho,
enquanto Maximiliano e Irina, de mãos dadas, ficavam
ambos pensativos junto aos ceramistas. Por fim, um deles
aproximou-se do patrão, alegando:
— Temos que por no forno algumas vasilhas...
— Por que não põem?
O forno foi outra vez aberto. De fato, nada restava nele
além das rubras chamas. Nem vestígio dos cadáveres.
Maximiliano apertou a mão de Irina.
— Vamos para casa, ver como você deixou. o Robles.
Devia ter mandado procurá-lo quando você me contou o
ocorrido, mas... Não me arrependo de minha decisão de
conservá-la aqui. Eles mereceram sua má sorte.
— Você não vai... se vingar de mim?
— Por quê? Tampouco eu deixaria que me tirassem a
vida.
***
O chinês acabou de colocar a bandagem em torno da
cabeça de Rabies é afastou-se da cama. Um mexicano
apresentou-lhe uma bacia, na qual ele pôs-se a lavar as
mãos, meticulosa-mente. Por fim, olhou para Maximiliano e
assentiu com um aceno.
— Não morrerá — disse em inglês aceitável.
— Mas perdeu muito sangue. Pei Ho não vai gostar
deste contratempo, Mr. Maximiliano.
— Que tem Pei Ho a ver com meus homens?
— Seus homens pouco lhe importam. Nem sequer o
senhor mesmo. Nem eu. Mas prefere as coisas bem feitas.
— Até agora, Pei Ho não pode se queixar de meu
trabalho.
— Até agora, não. Mas já teve que recorrer a nós, em
pleno dia. Isto não lhe agradará. Eu sou médico de Pei Ho e
de nosso grupo, não do senhor ou dos seus homens.
— Acho um exagero que me lancem em face esta
pequena ajuda. Não estou lhes proporcionando os
microfilmes? Hoje mesmo chegará outro espião, com
certeza. Creio que estou trabalhando bem.
— Sem dúvida. Mas é pago para isso, lembre-se. E não
está recebendo seu pagamento em centavos.
— Bem... — sorriu Maximiliano. — Onde iriam
encontrar outro local como este para por em prática seus
planos?
O chinês olhou-o fixamente, com uma centelha maligna
nos olhos oblíquos.
— Há muitos lugares coma este no mundo, Mr.
Maximiliano. É melhor que não torne as coisas
desagradáveis.
— De acordo. Diga a Pei Ho que o incidente não se
repetirá.
O chinês acabou de enxugar as mãos e apanhou sua
valise. Só então se voltou para olhar diretamente Irina. Um
olhar imperturbável para qualquer ocidental, mas muito
significativo para uma espiã que várias vezes já havia dado
a volta ao mundo conhecendo os mais recônditos e exóticos
lugares. Não pode evitar um leve estremecimento.
— E ela? — perguntou o chinês.
— É coisa minha.
Ele pestanejou, olhando novamente para Maximiliano.
Já não disse mais nada. Moveu a cabeça e saiu do quarto
onde Robles fora instalado. O pobre homem recuperara os
sentidos um instante, mas vira Irina. Uma expressão de
espanto aparecera em seus olhos... e ele tornara a desmaiar,
O curativo feito pelo médico chinês fora excelente, de
qualquer modo. Já não perderia mais sangue. Com um
pouco de sorte se recuperaria. Duas mulheres tinham sido
designadas para cuidar dele, abandonando para isso seu
trabalho de tecer sarapes.
— Quem é Pei Ho? — perguntou Irina. — Alguém
relacionado com o microfilme que Anatoli conseguiu nos
Estados Unidos?
— Esqueça isso — murmurou Maximiliano — Não faça
perguntas.
— Está bem.
Maximiliano afastou-se para falar com as duas mulheres
e Irina chegou à janela do quarto, situado no primeiro andar.
Ficou olhando para o poço, com expressão Indiferente... que
não mudou quando viu aparecer o chinês no pátio. Ele
dirigia-se diretamente para o poço. Conteve uni sorriso. Só
quando chegou o momento oportuno, exclamou:
— Esse chinês está louco, Evelio. Meteu-se dentro do
poço!
— Afaste-se daí — ordenou o mexicano.
— Mas... ele se meteu no poço...
— Disse-lhe para se afastar dai, Irina!
— Pronto, já me afastei...
Maximiliano acabou de dar instruções às duas mulheres
e virou-se para a espiã.
— Vamos embora. Estou farto de gente estúpida ao meu
redor. Gostaria de dar um passeio a cavalo?
— Faz muito sol... — sorriu ela. — Mas eu adoro o sol.
Em Siktivkar, de onde sou, não tive multas oportunidades
de passear ao sol. E quando fui transferida para Moscou, a
coisa não melhorou muito.
***
— Acha que ela esteja prisioneira? — perguntou
Johnny.
O outro Johnny moveu negativamente a cabeça, desviou
o olhar dos dois cavaleiros e sacou do bolso o radinho,
fazendo uma chamada.
— Atenção todos... — murmurou. — Fala Johnny 1.
Que ninguém faça nada. Continuem escondidos entre as
pedras e cuidado: que nenhuma arma brilhe ao sol. Vamos
ter que continuar esperando. É só.
Fechou o radinho, guardou-o e tornou a olhar os dois
cavaleiros.
— Espero que não estejamos enganados — disse o
outro.
— Você conhece as ordens: “Baby” é quem tem toda a
iniciativa. Nós só interviremos quando ela disser.
— Ou quando tenham decorrido dois dias sem que nos
diga nada pelo rádio...
— Não — Johnny 1 moveu negativamente a cabeça. —
As coisas mudaram. Não sei como, mas agora ela faz parte
do grupo de Evelio Maximiliano. Esperaremos suas
instruções, mesmo que decorram vinte anos.
O outro Johnny tornou a olhar para os dois cavaleiros.
— Parecem muito amigos... Mas talvez ela esteja em
dificuldades e nós deveríamos...
— Nada disso — riu Johnny 1. — Se alguém está em
dificuldades ou vai estar, garanto-me que não será ela.
Ficaremos aqui, bem quietos, na sombra, vigiando estes
lugares. Apenas isso. Se ela precisar, chamará.

CAPÍTULO OITAVO

— Está acordado?
— Sim... — sorriu Maximiliano. — Foi uma longa e
gostosa sesta, Irina.
— Sinto um calor terrível — sorriu também ela. —
Posso meter-me debaixo do chuveiro?
— Claro. Por que pergunta semelhante coisa?
— Pareceu-me que neste lugar não deve haver muita
água.
— Ah... Bom, temos um poço e uma ótima instalação na
fazenda. Não poderíamos regar plantações de milho — riu
—, mas não falta água para se viver com comodidade. Creio
que também eu tomarei um chuveiro. Você se importa?
— Pelo contrário — murmurou ela —, ficarei encantada.
Pouco depois, com um vestidinho leve cor de malva,
graças à boa idéia de Julián, que trouxera sua maleta para a
fazenda, Irina acendia um cigarro, sentada numa cadeira de
balanço, perto da sacada.
— Sinto-me bem aqui... — suspirou. — Não me
importaria de ficar toda a vida.
— Não prefere Paris?
— Conheço bem Paris — disse ela, ar entediado. — E
Roma. E Londres. Também Hong Kong e Buenos Aires...
conheço praticamente todo o mundo. E estou farta dele.
Acha que Anatoli demorará muito a vir ver o que
aconteceu?
— Você, que o conhece melhor, deve saber.
— Não... Não demorará.
— Será recebido adequadamente, não se preocupe... Que
é?
Tinham soado umas batidas na parta e Maximiliano, ao
mesmo tempo que vestia a camisa, foi abrir. Um de seus
homens apareceu no limiar, visivelmente inquieto.
— Que há, Luis?
O homem aproximou-se dele e murmurou umas palavras
a seu ouvido. Maximiliano assentiu e bateu-lhe no ombro.
— Está bem, pode ir — virou-se para Irina. Pei Ho quer
nos ver.
***
Finalmente, chegaram à grande esplanada, onde a
“assombradíssima” Irina Cherkova ficou olhando para todos
os lados, ainda como fascinada, sob o olhar sorridente de
Maximiliano. Nem sequer o chinês da entrada, onde estava
o grande gongo com o sapo vermelho, tinha mostrado
interesse por eles ao vê-los aparecer no corredor
subterrâneo. Por toda parte viam-se chineses, num total de
trinta, aproximadamente. Iam de um lado para outro,
estendendo cabos, colocando caixas metálicas nos lugares
que lhes indicava o que parecia dirigir o grupo. Todos
portavam armas e, pendente do pescoço, uma máscara anti-
gás. Todos usavam roupas cor de palha e sapatos da mesma
cor. Moviam-se em silêncio, como fazendo algo que já
tivessem feito muitas vezes. De quando em quando, um
deles virava-se rapidamente e disparava para trás, com o
revólver ou a metralhadora, atirando-se no chão. Os
disparos apenas produziam estalidos, muito abafados.
Depois, ordens em chinês, que eram instantaneamente
obedecidas, como se aqueles homens tossem robôs.
— Mas... que é tudo isto? — perguntou finalmente Irina.
— Psit... Pei Ho está nos esperando.
Indicou a porta dupla de canas de bambu, junto à qual
havia mais dois chineses Impassíveis, com as metralhadoras
nas mãos. Maximiliano fez sinal a um deles, que tomando
uma pequena massa recoberta de pele golpeou suavemente
um dos gongos, cujo som pareceu expandir-se por todas as
galerias da mina.
— Agora já sabe que estamos aqui... — sussurrou
Maximiliano. — Temos que esperar.
Não precisaram esperar muito. Apenas cinco minutos
mais tarde, as duas folhas da porta moviam-se para dentro,
permitindo ver o outro lado, que era nada mais que uma
gruta, de tamanho regular. Dois chineses hercúleos, de torso
nu, puxavam as folhas da porta, acabando de abri-la. Ao
fundo, havia mais quatro chineses, armados de
metralhadora, protegendo o personagem do centro, que
estava acomodado numa poltrona de vime. A sua frente,
uma mesinha de laca, com flores e um pequeno aquário. Ao
redor havia pequenas esteiras de palha e mais motivos de
decoração chinesa.
Maximiliano tomou Irina pelo braço e levou-a até diante
da mulher que ocupava a poltrona. Era corpulenta, de
grandes selos, cabeça redonda, cabelo liso e cortado em
linha reta. Tinha uma boca enorme e seus diminutos olhos,
sem brilho, careciam completamente de expressão. Devia
ter entre cinqüenta anos e sessenta. Ficaram os dois a
defrontá-la, em silêncio, esperando. A mulher alongou o
braço para uma garrafa de uísque pousada sobre a mesinha
e bebeu um gole, diretamente. Depois estalou a língua com
evidente prazer e seus olhos fixaram o mexicano.
— Muito lhe agradeço ter proporcionado a meus homens
o uísque que lhe pedi, Maximiliano — disse em perfeito
inglês.
— Tive muito prazer em satisfazê-la, Pei Ho.
— Queria dizer-lhe que o microfilme que me enviou
ontem à noite parece autêntico. Deve ser, suponho.
— Estou convencido de que é — murmurou
Maximiliano.
— Fica assim classificado. Bem... Entendo que hoje ou
amanhã chegará outro, não?
— Chegou hoje ao meio-dia. Meu homem do hotel
avisou-me. É o de Killen, no Texas.
— Ótimo. Espero que ele tenha feito tão bom trabalho
como Anatoli Sterevenko. Conto com o microfilme para
esta noite?
— Certamente.
— Bem, bem... É de supor que não haverá mais falhas.
Naturalmente — olhou de súbito para a espiã —, esta, é
Irina Cherkova, a mulher que devia ter morrido a noite
passada.
— Sim.
— Que vamos fazer com ela, Maximiliano?
— É minha... convidada. Chegamos a um acordo pessoal
e respondo por ela em todos os sentidos.
Um sorriso estranho, levíssimo, apareceu nos grossos
lábios de Pei Ho. Naquele momento Irina lembrou-se do
sapo vermelho pintado nos gongos, de modo que precisou
de esforço para dominar um estremecimento de asco.
— Pelo que ouvi — deslizou Pei Ho —, ela é uma
mulher muito perigosa. A tal ponto, que você ficou sem
seus do.... executores principais.
— Realmente.
— O fato de ter cortado a orelha de outro demonstra
uma imaginação digna de ser tomada em conta. E uma
índole satisfatoriamente cruel. Gosto de sua convidada,
Maximiliano. Entretanto, acho que não devemos confiar
nela tão facilmente.
— Era amiga de Sterevenko. Ele teve que escapar para o
Canadá, mas entregou-lhe o microfilme para que o
trouxesse e recebesse os cinqüenta mil dólares. Irina
tencionava escapar de nós e de Sterevenko com o dinheiro...
— Ah, tem iniciativa... Mas vou permitir-me insistir,
Maximiliano, porque não sei se você se deu conta da
importância de meu trabalho aqui: podemos confiar
plenamente em Irina Cherkova? Não seria melhor
experimentá-la?
— Que quer dizer? — empalideceu o mexicano.
— Não se assuste... — riu novamente Pei Ho. — Só
queria assegurar-me de que ela, par motivos que vocês
saberão, passa a fazer parte de seu grupo. Não tenho nada
contra as espiãs, evidentemente. Sou uma delas. E não lhe
estou fazendo mal, parece-me. Ter uma mulher a meu lado,
ainda que tão formosa, seria satisfatório para mim.
— Que classe de experiência quer fazer com ela?
— Você disse que hoje chegou outro de nossos espiões
contratados, não é verdade? Pois bem: que Irina Cherkova
seja encarregada de assassiná-lo.
— Não vejo necessidade de que ela...
— Eu o farei, Evelio — disse secamente a espiã.
— Ela é inteligente — observou Pei Ho: — sabe que
matou os seus executores e é justo que ocupe o lugar deles.
Duvido que uma mulher tão eficiente falhe em algo tão
simples como eliminar um homem desprevenido.
— Não falharei — afirmou Irina.
— Pois está dito. — Súbito, Pei Ho começou a falar em
russo, rapidamente: — Os homens não compreendem
algumas coisas que as espiãs como nós pensamos, Irina
Cherkova. Mas estou certa de que, você me compreende
perfeitamente.
— Compreendo-a muito bem — disse Irina, igualmente
em russo — que não é necessária nenhuma explicação, Pei
Ho. Não sei o que você e seus acólitos estão fazendo aqui,
nem isso me importa.
— O que lhe importa, então?
— Que tudo isto termine, que Evelio receba seu dinheiro
e possamos partir os dois para bem longe de tudo que cheire
a espionagem. Estou farta.
Pei Ho tornou a sorrir e olhou Maximiliano, que estava
tenso, inquieto, sem compreender uma só palavra do que
elas diziam.
— É só, Maximiliano. Podem retirar-se. Mais uma vez
obrigada pelo uísque... Poderia me conseguir mais?
— Sem dúvida. Mando-lhe duas caixas logo que seja
possível.
— Agradeço infinitamente — Pei Ho tornou a levantar a
garrafa, tomando outro longo trago, que transbordou de sua
enorme boca de sapo; depois deu um arroto, olhou
sorridente para seus visitantes e indicou a porta. — Adeus.
Depois que ambos saíram, os hercúleos chineses
fecharam a porta e, então, Pei Ho fez sinal a um dos que a
protegiam, arma na mão. O chinês apressou-se a atender,
inclinando-se para ela.
— Esta noite trarão outro microfilme. Poderemos reunir
nossas poucas coisas e abandonar este posto.
— Abandoná-lo? Por quê?
— Sabe o que se faz quando a máquina começa a falhar,
Luang?
— Conserta-se... Não?
— Isso faz quem não dispõe de meios para adquirir uma
nova. Em nosso trabalho, o melhor que se pode fazer
quando algo começa a falhar é por de lado a máquina velha.
Evelio Maximiliano começou a falhar, portanto não me
parece inteligente permanecermos por mais tempo aqui.
Não me agrada essa russa... Desconfio dela. Sei demasiado
de espionagem para confiar numa mulher de seu tipo. É
demasiado esperta e perigosa. Talvez eu me engane, mas
creio que devemos partir.
— Não continuaremos conseguindo microfilmes dos
depósitos nucleares americanos?
— Sim, mas de outro lugar. Embora, na verdade,
tenhamos já conhecimentos suficientes para voltar a Pequim
com todo o material. Não obstante, tentaremos conseguir
mais ainda, sempre que não haja perigo demasiado. O grupo
protótipo de homens está pronto, bem treinado. Foram
estudados todos os detalhes. Sim, podemos prosseguir com
nosso trabalho. Se não, creio que trinta e oito depósitos de
bombas atômicas americanas formam um número
suficiente. Não lhe parece?
— Suponho que sim. Está bem, esperaremos até obter o
último microfilme, depois partiremos todos. Eu me
encarregarei dos detalhes. Que acontecerá com esses
mexicanos de Maximiliano?
— É uma pergunta idiota, Luang. Esperaremos que
todos eles estejam dormindo, inclusive Maximiliano e a
russa.
— E então...
— Vocês os liquidarão todos, naturalmente.
***
— Vocês mataram todos? — perguntou Irina.
— Todos. Assim o quis Pei Ho e não vejo que razões em
contrário lhe poderíamos apresentar — sorriu Maximiliano.
— Afinal de contas, eram espiões e sabiam que neste jogo
sempre surge a morte.
— De fato... Entendo que você vai de quando em
quando aos Estados Unidos, ou a outro lugar onde haja
espiões, aventureiros, qualquer espécie de gente capaz de
fazer esse trabalho de conseguir o maior número de dados
possíveis sobre determinado depósito nuclear americano,
faz sua proposta, o espião ou aventureiro aceita, obtém os
dados, vem a La Paz...
— Entrega-me o microfilme, pago-lhe e trago-o aqui.
então, um pouco mais tarde, meus homens matam esse
espião, metem-no numa cesta levam-no para o incinerador.
De preferência, esses homens foram espiões de todas as
nacionalidades.
— E como pode você entrar em contato com eles?
— Nunca tinha conhecido nenhum. É Pei Ho quem
fornece seus nomes e indica onde podem ser encontrados.
— Compreendo... Sim, é natural. O serviço secreto
chinês deve mantê-la bem informada, por meio de rádio ou
qualquer outro sistema de comunicação. E, obviamente, não
convém que esse serviço seja feito por agentes chineses.
Mas prossigamos: Pei Ho paga bem por esses microfilmes,
de modo que você e seus amigos estão ganhando muito
dinheiro. Quantos microfilmes já chegaram até agora?
— Hoje chegou o que perfaz o número trinta e nove.
— Não está mal. E para que quer Pei Ho esses dados
sobre trinta e nove depósitos nucleares dos Estados Unidos?
— Isto não sei. Nem me interessa saber.
Irina Cherkova ficou pensativa. Maximiliano ergueu a
garrafa de tequila, oferecendo-a. Ela assentiu. Enquanto ele
servia a tequila com limão e gelo, a ex-agente russa
continuava a refletir.
— Quer dizer que vocês incineraram, até agora, trinta e
oito agentes secretos... — murmurou.
— Trinta e sete. Você teria sido a trigésima oitava.
Riram os dois. Entrechocaram seus copos, alegremente,
e beberam à sua mútua saúde.
— Todos esses chineses que parecem estar treinando...
por que o fazem?
— Não sei. Quem lhe Importa Isso, Irina?
— Curiosidade. Não esqueça que sempre pratiquei a
espionagem. Sabe o que penso?
— O quê?
— Esse grupo parece que está treinando para um
ataque... a um lugar que devem fazer explodir. Todos usam
máscaras antigás para entrar depois de encher de gás o
lugar, e armas de fogo, que manejam a qualquer momento,
pois desenvolveram ao máximo seus reflexos. E atiram
muito bem, rapidamente... Eu diria que estão ensaiando
como fazer explodir um depósito de armas nucleares.
Evelio Maximiliano ficou com a boca aberta uns
segundos.
— Bem... — admitiu par fim. — É possível que você
tenha razão. Mas esses chineses estão loucos se pensam que
podem explodir trinta e nove depósitos. Talvez consigam
mandar pelos ares o primeiro, mas...
— Você não entende? Eles são o grupo que dará o
exemplo, que serviria para que quantos se formem saibam
como fazer as coisas. Tomando este grupo como protótipo,
muitos outros poderão ser formados para atacar trinta e oito
ou até cem depósitos de armas nucleares, destruindo-os
completamente... e simultaneamente. Tais grupos
conhecerão o terreno, aproveitarão os conhecimentos
adquiridos pelo grupo-base, que suponho esteja treinando
aqui há bastante tempo.
— Quase dois anos.
— Quase dois anos...! Sim, isso é o que está planejado:
preparar tudo para dentro de algum tempo, ou
imediatamente talvez realizar o ataque simultâneo do maior
número possível de depósitos nucleares americanos.
— Com que objetivo?
— Se for conseguida essa fabulosa sabotagem, os
Estados Unidos ficarão praticamente desarmados, sem
poderio atômico. Ainda que só fossem explodidos cinqüenta
depósitos, o poderio atômico americano tornar-se-ia inferior
ao russo.
— E com que intenção Pei Ho faria isso?
— Pei Ho? Ela é apenas um instrumento, uma agente
que está cumprindo ordens. Que ganharia a China com essa
grande vantagem russa? Não sei. Talvez espere que a
Rússia esmague os Estados Unidos. Quando isso
acontecesse, a China se estenderia por toda a Ásia. Já
ninguém estaria lã para detê-la. Quem a impediria de
apoderar-se do Vietnã, do Laos, do Camboja, da
Tailândia...? Isso, de inicio. Depois, toda a Ásia.
— E os americanos não fariam nada?
— Bastante trabalho teriam defendendo-se. É fabuloso...
Um golpe incrível, certamente!
— Se for como você diz — sorriu o mexicano.
— Como poderia ser de outro modo?
— Bom... Eu não entendo tanto como você desses
truques, querida. Só de pequenas coisas. De qualquer modo,
se isso vai acontecer, você não deve preocupar-se: a Rússia
dominaria todo o continente americano. E quanto a nós,
com nosso dinheiro, nada nos importaria nada.
— É verdade — riu alegremente Irina. — Que nos
importa a América? Bem... e quanto ao que deve ser feito
esta noite?
— Saímos dentro de uns minutos e separamo-nos ao
chegar a La Paz. Você irá ao hotel, enquanto eu compareço
ao encontro com o novo espião que estão esperando.
Quando de posse do microfilme, voltarei para cá com o
carro no qual um de meus homens ficará à espera. Você
mata o espião, toma o carro que nos levará à cidade e o traz
para cá, na cesta que lhe será facilitada por Julián. É só.
— De acordo. Vou precisar de minha maleta vermelha.
Quero fazer bem as coisas.

CAPÍTULO NONO

O velho Julian entrou em seu quarto, na planta-baixa do


“Gran Hotel Las Lagunas”, e indicou excitadamente o
televisor.
— Acabo de dar-lhe a chave — informou: — vai entrar
de um momento para outro em seu apartamento.
Irina Cherkova assentiu. Estava contemplando
tranqüilamente um dos programas da Televisão Mexicana.
Para mudar a imagem, seguiu as instruções que lhe dera
Julián. Isto é, colocou-se atrás do aparelho e apertou o que,
a simples vista, parecia um parafuso de sujeição da tampa.
Quando tornou a sentar-se na ensebada poltrona, o
programa havia mudado. Agora se via o apartamento 5,
exclusivamente destinado aos espiões que vinham entregar
sua mercadoria. O sistema era simples: o apartamento 5
estava sempre reservado, apesar de quase nunca haver
hóspedes no decrépito hotel. O espião chegava, era vigiado
ao se julgar sozinho, pois poderia dedicar-se a atividades
estranhas, e, depois de haver entregado o microfilme, o
assassinavam. Como nem sequer ficava registrado no hotel,
nunca seria preciso dar explicações. Um cliente que
chegava, não gostava do apartamento e no dia seguinte
partia.
Isso além de que os espiões, certamente, não são pessoas
que costumem deixar pistas.
O desta vez era um homem alto, louro, de boa presença,
com um fino bigode. Devia ter quarenta anos.
— Parece muito contente — comentou Irina,
observando-o.
— Claro! — riu Julian. — Acaba de receber cinqüenta
mil dólares! Mas logo os perderá, não é verdade?
— Sim — sorriu Irina. — Devo admitir que Evelio tem
tudo muito bem preparado. Imagino que a asquerosa
chinesa que lhe paga deve tê-lo assessorado na montagem
de toda esta trama.
— Não sei.
— Creio que deve ser assim. Evelio é um grande tipo,
dos mais interessantes. Acho também que é inteligente, mas
talvez lhe falte um pouco de imaginação. Na verdade, não
passa de simples marionete manejada por Pei Ho, de seu
esconderijo na mina. Você não está de acordo, Julian?
— Eu não entendo dessas coisas. Mas você, que é uma
espiã importante, deve ter razão, quando se atreve a falar
assim. Evelio não gostaria de saber que o chamou de
marionete.
— Pessoas mais inteligentes que ele foram utilizadas
como marionetes — tornou a sorrir Irina. — Muito bem
utilizadas. Mas não lhe diga que lhe falei assim a seu
respeito.
— Não direi. Quando o matará?
Indicou com o queixo a tela do televisor. Irina encolheu
os ombros.
— Sem demora. Estou muito cansada e quero ir dormir
cedo. A noite de ontem foi... bem, muito fatigante. De onde
é o nosso cliente?
— Chama-se Andrew Parker. Diz que é canadense.
— Que importa? Está realizando um trabalho contra os
Estados Unidos — olhou ironicamente para o velho. —
Parece que eu deveria agradecer-lhe, não é mesmo?
— Por que teima em complicar minha vida com suas
perguntas? Eu não sei nada de nada. Faço o que me dizem...
e pronto.
— Parece-me suficiente, Julián. Bem... Telefone para
Mr. Parker dizendo-lhe que subirá para levar um bilhete que
acaba de chegar. Quer dizer, se o telefone interno funciona.
— Costuma funcionar... — a caminho do telefone,
deteve-se. — Você se importaria se eu visse como faz seu
trabalho pelo televisor?
— Ao contrário — sorriu a espiã. — E espero que o
programa seja do seu agrado. Até já. Não demore com a
cesta, Julian.
— Não, não... Vou avisá-lo do bilhete.
Saíram os dois e dirigiram-se ao telefone, na portaria.
Enquanto chamava o apartamento 5, Julián viu Irina abrir a
maletinha e tirar aquela pequena pistola de coronha de
madrepérola. Olhou seus olhos verdes e o que viu neles fê-
lo estremecer.
Chamou o apartamento 5.
***
Andrew Parker deixou de arrumar suas coisas, para tê-
las prontas à primeira hora da manhã seguinte, e levantou o
poeirento fone.
— Alô.
— ...
— Um bilhete? De quem?
— ...
— Oh... Talvez tenha esquecido de dar-me alguma
instrução a respeito de meu regresso... Sim, sim: pode trazê-
lo. Obrigado.
Continuou arrumando suas roupas. Meio minuto depois
soou a batida na porta e ele foi abrir, sem se dar ao trabalho
de perguntar quem era, pois já sabia. Ou julgava saber...
Ficou olhando atônito a formosíssima jovem de olhos
verdes.
— Boa-noite, mister Parker.
— Mmm... Boa-noite... Desculpe, mas não a conheço...
— Digamos — sorriu ela — que sou o bilhete que está
esperando.
— Oh, bem... Tenha a bondade de entrar.
— Obrigada.
Irina Cherkova entrou e o canadense, após contemplar
enlevado suas magníficas pernas, fechou a porta e olhou-a,
sorridente.
— O señor Maximiliano esqueceu algum detalhe? —
perguntou.
— Somente um.
— Qual? Gostarei de falar com você.
— Duvido.
Dizendo isto, ela mostrou a mão armada com a
pistolinha. Sua expressão era fria como gelo e o espião,
apos empalidecer, olhou instintivamente para onde tinha
deixado seu paletó, com a pistola num bolso interno.
Pareceu dar-se conta da situação com uma velocidade
admirável. E era dotado de grande sangue-frio, pois, ao
compreender que não chegaria vivo até onde deixara o
paletó sorriu e disse:
— É alguma brincadeira?
— Refere-se à minha pistola? — sorriu também, embora
gelidamente, Irina.
— Claro... À pistolinha.
— Não: não é nenhuma brincadeira.
— Nesse caso, não compreendo...
— Posso explicar-lhe em poucas palavras, mister Parker:
foi contratado, como outros trinta e tantos agentes, para
realizar um trabalho. Findo este, recebeu o devido
pagamento. Agora será morto, o pagamento recuperado e
dará com os costados num forno de cozinhar cerâmica. Vai
ser exatamente o cadáver número trinta e oito.
O canadense estava branco como leite:
— Não acredito no que diz — tremeu sua voz.
— Ora, vamos... Que esperam vocês, os agentes secretos
que um dia foram expulsos de seus serviços respectivos?
Não interessam mais a ninguém. Você foi expulso e
demonstrou ser isso o que merecia.
— Vai me julgar?
— Não. Apenas vim matá-lo, Parker.
— Absurdo — riu ele, crispadamente. — Não se
atreverá a disparar contra mim.
— Pensa isso?
— Claro. Vamos, dê-me essa pistola e não seja...
Plop. Plop. Plop.
Ele se deteve na metade do caminho até Irina, com a
mão direita estendida. A expressão de seus olhos ao receber
os três balaços em menos de um segundo não estava de
acordo com este gesto. Um terror infinito apareceu neles... e
continuou quando já estava caldo de costas no chão.
A chegar Julián empurrando a cesta, Irina havia
encontrado os cinqüenta mil dólares que o espião pouco
antes recebera de Maximiliano.
O velho porteiro olhou-a com indisfarçável espanto. Ela
riu.
— Ao que parece, você acha que apenas os homens
podem matar, Julián. Não é verdade?
— Era... Já vi que também as mulheres são capazes
disso.
— Ótimo. Agora, vamos levar mister Parker para o
carro, bem guardadinho na cesta. Ajude-me.
Pouco depois, ambos colocavam a cesta na parte traseira
do carro. Em seguida, Irina sentou-se ao volante, passou a
cabeça por cima da porta e despediu-se:
— Até a vista, velho barrigudo.
***
Johnny viu perfeitamente os sinais de luz, formando
letras pelos sistema morse. Junto a ele, outro Johnny,
olhando para o caminho, também os viu, lá onde sabiam
que um veículo se detivera segundos antes. O mesmo
aconteceu com o terceiro, e os três decifraram com toda a
facilidade as letras emitidas pelos faróis do carro:
CIABABY
— É ela... — murmurou Johnny 1. — Vamos.
— Mas se tem um rádio, por que utilizaria sinais
luminosos?
— É ela, sim. Ninguém pode imaginar que “Baby”
esteja por aqui. De qualquer modo, iremos com precaução.
Os sinais não se repetiram. Mas, quando muito
cautelosamente os agentes da CM espiaram por entre as
pedras junto ao caminho, distinguiram junto ao carro uma
figura feminina inconfundível.
— “Baby”... — chamou um deles. — Está tudo bem?
— Venham aqui de uma vez! — replicou ela. — Não
viram meus sinais? Ou será que não conhecem o alfabeto
morse?
— Bom... Pensamos que podia não ser você, já que tem
seu rádio de bolso...
— Tive que esconder o rádio antes de entregar minha
maletinha a Maximiliano, pois não queria que ele o visse. E
ainda não pude apanhá-lo. Espero que tal seja possível
agora, ao meu regresso. Todos estão em seus postos?
— Estão. A fazenda acha-se completamente cercada.
Nenhum desses mexicanos poderá escapar.
— Ainda bem! — riu ela. — Não sabem que há uns
quarenta chineses dentro da mina? E todos eles dispondo de
pistolas, metralhadoras, gases... Não estranharia que
tivessem granadas de mão, ou coisas desse gênero...
— Quarenta chineses! — assombrou-se Johnny II. — De
onde terão saído tantos?
— Não terá sido da China?
— Ahah...! — riu Johnny 1.
— Não acho graça nenhuma — disse Johnny II. — Que
vamos fazer dez homens, armados de revólveres e rifles
automáticos com mira telescópica, contra quarenta chineses
que dispõem de todo um arsenal e trinta mexicanos...?
— Estes não possuem muito armamento — atalhou
“Baby”. — Algumas pistolas, pode ser que algum rifle...
Pouca coisa. Mas eu tenho uma idéia para dominar todos
eles que pode ser muito boa.
— Bem! — exclamou Johnny III. — Finalmente vamos
ver se merece mesmo tomar sempre a iniciativa! Qual é
essa... fenomenal idéia “Baby”?
— Ouçam com atenção tudo quanto vou dizer-lhes, pois
não poderei repetir. Maximiliano está me esperando...
***
O carro parou diante dos galpões e Evelio Maximiliano
aproximou-se rapidamente.
— Algum contratempo? — perguntou.
— Nenhum... — respondeu Irina. — Por que pergunta?
— Não sei... Pareceu-me que você demorava muito
desde que recebemos o aviso de Julián de que tudo estava
terminado.
— Pois não aconteceu nada. Aí dentro está o canadense.
E aqui estão os cinqüenta mil dólares... que suponho já
tenham passado por muitas mãos.
— Sim por muitas... — riu o mexicano. — Teve alguma
dificuldade?
— Claro que não. Julian lhe contará como foram as
coisas. O pobre velho ficou muito assustado comigo. Creio
que me considera uma espécie de... bruxa, ou demônio, ou
algo parecido. Tenho que fazer o que mais?
— Nada, ora essa... Vocês, tirem a cesta do carro e
metam o morto no forno — ordenou a alguns de seus
homens. — Depois você o apaga, Ruiz. Vamos, movam-se.
E retirem-se em seguida. O trabalho terminou por hoje.
Ele e Irina dirigiram-se para a casa, entrando no salão,
que estava com as luzes acesas. A um canto via-se a mesa
preparada para o jantar, com duas velas vermelhas sobre a
toalha muito branca. Belos copos de cristal e talheres de
prata brilhavam intensamente sob a luz elétrica. Irina virou-
se para olhar surpreendida seu anfitrião, que sorriu
galantemente.
— Tudo é pouco para meu amor... Acha bonita a mesa?
— Está linda de morrer. Também haverá alguma coisa
para se jantar?
O mexicano pôs-se a rir, muito feliz.
— A mulheres prepararam algo sob minha direção,
enquanto a esperávamos. Vou buscar na cozinha. Você
pode apagar as luzes e acender as velas.
Ele encaminhou-se para os fundos da casa. Irina saiu
rapidamente ao jardim e deslizou pelas sombras até onde
deixara enterrado seu radinho, envolto num pedaço de
plástico. Regressou em poucos segundos, escondendo-o sob
suas roupas. Apagou as luzes do salão, acendeu as velas e,
quando Maximiliano apareceu com uma bandeja, olhou-o
carinhosamente.
— Temos champanha? — perguntou-lhe.
— Champanha? — quase tartamudeou ele. — Bom...
Posso mandar...
— Não, tanto faz, Evelio.
— Posso mandar Luís à cidade...
— Para quê? Jantaremos sem champanha. Você se
importa que eu suba um pouco para arrumar-me?
— Oh, não tinha pensado nisso... Mas volte logo, senão
a comida esfria.
— Dentro de alguns minutos.
— Está bem. Fumarei um cigarro.
Irina sorriu e dirigiu-se rapidamente ao primeiro andar.
Demorou apenas os minutos prometidos. Maximiliano a viu
chegar como uma sombra inquieta à luz das velas e seus
olhos se entrecerraram numa expressão de surpresa e
desconfiança. Parecia não saber o que estava acontecendo,
mas tinha certeza de que algo acontecia...
Quando ela se colocou diante dele, em plena luz das
velas, lançou uma exclamação de infinito assombro.
— Seu cabelo mudou de...!
— Sente-se, Evelio.
A automática do mexicano apareceu em sua mão,
apontando diretamente para o seio esquerdo da espiã, que
encolheu os ombros e sentou-se à mesa. Maximiliano pode
ver seus cabelos agora negros, brilhantes, suavemente
ondulados... Quando ela virou a cabeça para ele, pareceu-
lhe que. inclusive seus olhos tinham mudado de cor...
— Agora são azuis — murmurou ela. — Sente-se. Quer
servir-me um pouco de vinho, por favor?
— Eu sabia que você estava tramando alguma coisa... A
caminho da cozinha, voltei para fazer-lhe uma pergunta e
você não se encontrava aqui... Pude vê-la no pátio,
agachada, cavando na terra e então achei mais conveniente
armar-me. Quis esperar, porém, para saber se ia ser sincera
comigo...
— É justamente do que se trata: de sinceridade. Peço-
lhe, Evelio: sente-se.
Ele sentou-se, mas não fez o menor gesto para servir
vinho a Irina, pelo que esta, com um sorriso indulgente,
serviu-se ela mesma. Tomou um pequeno gole e sacudiu a
cabeça aprovando. Olhou a pistola de Maximiliano e sorriu
mais ainda.
— Não sou russa — disse. — Nem me chamo Irina
Cherkova, naturalmente. Meu verdadeiro nome importa
bem pouco, Evelio, mas posso dizer-lhe que os de minha
profissão conhecem-me pelo apelido de “Baby”. Da CIA,
claro.
Pelo sobressalto do mexicano e por sua palidez súbita,
compreendeu que ele já teria ouvido este nome. Sua mão
tremeu um instante, como agitando a pistola.
— Você não diz nada?
— É você quem está falando.
— De acordo. Cheguei à conclusão definitiva de que a
repugnante Pei Ho está tramando o que já lhe disse contra
os depósitos de armamento nuclear dos Estados Unidos...
De meu país, Evelio. E quero que compreenda que meu
dever é evitá-lo.
— Você não evitará nada se antes não me matar.
— Ouça, não sei quanto exatamente você está ganhando
para isto, mas não importa. Fui... boa com você, não é
verdade? Ainda tenho esperança de conquistá-lo para minha
causa. Compreende, Evelio?
— Compreendo. Você quer que eu a ajude contra Fel Ho
e os seus.
— Com efeito.
— E esteve me enganando... Conseguiu enganar-me.
Mulher nenhuma pode jamais fazer isso.
— Em compensação, você não é o primeiro homem que
consigo enganar com bastante facilidade. Está metido em
sério apuro, Evelio, mas pode sair dele se resolver ajudar-
me. Tenho dez homens da CIA aguardando um chamado
por este rádio — sacou-o do decote, sorrindo ao ver o
alarma do mexicano. — Tenho apenas que apertar aqui para
estabelecer contato com eles. A uma palavra minha
invadirão a mina.
— Você está louca! Dez homens contra quarenta bem
armados e treinados...
— Por isso peço sua ajuda. Que responde? Se juntarmos
nossas forças e atacarmos de surpresa, poderemos dominar
facilmente a situação. Você e eu juntos, Evelio, no mesmo
grupo. A mim só interessa eliminar Pei Ho e esses chineses.
O resto, para você. Todo o dinheiro que teriam, o que lhe
terão deixado em depósito, tudo o que tiver valor ficará para
você e os seus. Depois eu partirei com os trinta e nove
microfilmes e impedirei a CIA de agir contra você. Tem
minha palavra de honra. Aceita?
— Não.
— Pense bem. Posso fazer as coisas sem seu auxilio. Só
que, nesse caso, não terei por você nenhuma consideração.
— Insisto em que você está louca, Irina. Sou eu quem
tem uma pistola na mão!
— Oh, Evelio, Evelio... — riu ela, docemente. — Não
está compreendendo? Sou “Baby”, da CIA, não uma idiota
que ande arriscando a vida estupidamente. Bel cuidar
muitíssimo bem da minha segurança e faz muito tempo que
não cometo erros de principiante.
— A que se refere?
— Sua pistola, querido, está... avariada. Por muito que
você aperte o gatilho, nenhuma bala sairá dela.
— Isso é o que você diz.
— Experimente — ela tornou a erguer o copo de vinho.
— Vamos, dispare contra mim. Que está esperando?
Maximiliano olhou-a fixamente. Súbito, apertou o
gatilho de sua automática. Ouviu-se um “clic” metálico... e
foi tudo. Tornou a apertar o gatilho uma, outra vez...
— É inútil, Evelio. Já lhe disse que não arrisco
tolamente minha vida. Quando subi ao seu quarto, ontem à
noite, já tinha aberto o cofre, visto o dinheiro, a pistola...
Tudo. Inutilizei a pistola, deixei tudo tal como estava e fui à
sua procura. Como você compreenderá, sabia que ia
recorrer a essa arma e era justamente o que eu queria, que
você dominasse a situação, para ver se me aceitava a seu
lado em caráter de vencedor. Caso não aceitasse conviver
comigo e pretendesse dar-me um tiro, a pistola não
funcionaria... e a estas horas você não estaria vivo.
— Está bancando a esperta comigo...
— Não “estou bancando”: sou. Há quatorze anos dedico-
me à espionagem. Vamos, tenha juízo. Eu queria estar com
você para que me levasse lá embaixo. Consegui isto muito
antes do que esperava. Agora, vou atacar. E pergunto: você
está do meu lado ou contra mim?
— Que acontecerá se estiver contra você?
— Eu o matarei agora mesmo.
— E se estiver do seu lado?
— Bem... Você deve ter-se convencido de que ao meu
lado tudo se torna maravilhoso. Ou não?
— Nada mudaria entre nós?
— Praticamente nada. Poderíamos ver-nos amiúde,
Evelio.
Ele a olhou com atenção. “Baby” usava um vestido
preto, leve, decotado. Estava fascinante. Sobre o seio
esquerdo tinha uma rosa vermelha, artificial, que formava
um contraste vigoroso e belo com o dourado de sua pele e o
negro do tecido. Só um louco diria o contrário do que disse
Evelio Maximiliano:
— De acordo... Conte comigo. Direi a meus homens...
— Não, não. Agora, não. Jantemos em paz e deixemos
que eles descansem.
— Mas conviria avisar-lhes que...
— Não, Evelio. Isso de nada serviria, no momento. E
além disso correríamos o risco de que um deles resolvesse
trair-nos.
— Você pensa em tudo, não é?
— É — riu ela.— Você permite?
Pôs-se em contato com Johnny por meio do rádio.
— Johnny? Tudo bem. Esperem meu aviso.
— Maximiliano aceitou?
— Claro. Já sabem o que devem fazer. Se não puder
comunicar-me com você pelo rádio, tenho minha maletinha
comigo, de modo que esperem qualquer espécie de sinal
luminoso. Okay?
— Okay!
— É só — fechou o radinho, tornou a erguer seu copo e
disse, com um maravilhoso sorriso:
— Tchim-tchim, meu amor!
O mexicano, atônito, acabou por rir, levantando também
seu copo.
— Tchim-tchim! Por nossa felicidade!
— E por nosso sucesso...
CAPÍTULO DÉCIMO

Fazia muito tempo que estavam sentados, esperando, às


escuras. Já meia hora antes cessara todo ruído de risos e
canções, acompanhadas de guitarra, na fazenda.
— Ainda teremos que esperar muito? — sussurrou
Maximiliano.
“Baby” moveu o braço esquerdo para ver as horas no
mostrador luminoso de seu relógio.
— Dez minutos apenas. Cinco de meus companheiros
entraram há pouco na mina.
— E os outros cinco...?
— Psit! Não fale, Evelio.
— Que há?
Ela aproximou-se.da sacada, olhou para o pátio e soltou
uma exclamação. Rapidamente, recorreu ao radinho, que
acionou.
— A todos os Johnnies! — disse com voz tensa. — Não
esperem mais. Ataquem agora!
O mexicano, que também se aproximara disposto a
perguntar o que acontecia, soltou também uma exclamação
ao olhar para o pátio. “Baby” não lhe deu tempo para mais.
— Isto tinha que acontecer, cedo ou tarde... — disse
friamente. — Dispare sua pistola sem silenciador, Evelio,
Já!
Dizendo isto, afastou-se da janela, encolhendo-se,
pistolinha na mão. Embaixo, um grupo de chineses já tinha
saído pelo poço. E continuavam saindo mais Havia já uns
quinze no pátio, aproximando-se da casa dos peões, bem
armados, sigilosos...
Plop.
Ela foi a primeira a atirar e um dos chineses deu um
grito, levou as mãos à cabeça e caiu de bruços.
Imediatamente, rompeu o silêncio da noite o disparo
fortíssimo da automática de Maximiliano, já em perfeitas
condições.
Pac!
Foi como um canhonaço. Outro chinês caiu, de modo
muito mais espetacular, dando um salto para trás. No
segundo imediato, acendia-se uma luz numa janela, ouvia-
se um grito... Maximiliano avançou até a borda da sacada,
gritando:
— Luis! Os chineses! Peguem às ar...!
— Saia dai — gritou “Baby”, ao mesmo tempo que o
tomava pela mão, puxando-o para trás e para baixo.
O mexicano caiu sentado, um tanto ridiculamente, mas
com muita oportunidade. Embaixo, no pátio, começou a
ouvir-se o crepitar de algumas metralhadoras e a escuridão
encheu-se de pontos luminosos. As balas ricocheteavam no
gradil da sacada. As que não encontraram o obstáculo desta,
seguiram adiante, espatifando os vidros, arrancando lascas
do portal, cravando-se nas paredes do quarto.
Tinham-se acendido mais luzes nas janelas da parte
ocupada pelos homens de Maximiliano e já soavam lá
alguns tiros. Mas as luzes se apagaram em seguida, com o
que “Baby” deixou de pensar que os mexicanos estavam
loucos, Os chineses se espalhavam pelo pátio, mas, súbito,
do alto do muro da fazenda começaram a vir tiros, que os
derrubavam violentamente. Eram rifles automáticos de
grosso calibre, manejados por atiradores invisíveis.
— Ai tem os meus outros cinco companheiros... — disse
“Baby”. — Saiamos daqui!
Avançou pelo quarto, de gatinhas. Os tiros contra a
sacada tinham decrescido e agora ouviam-se ricochetes de
balas contra o muro e a tachada da casa dos peões. Não saia
mais nenhum chinês do poço e já não se via nenhum no
pátio.
No centro do quarto, “Baby” levantou-se e correu para a
porta.
— Depressa, Evelio!
Saiu ao corredor antes dele, ouviu forte respirar diante
dela e disparou. A luz do primeiro tiro, avistou dois
chineses; um deles tombava para trás, com uma bala na
garganta, o outro apontava uma metralhadora... Tornou a
disparar, ouviu o grito do segundo chinês e depois a queda
de seu corpo escada abaixo.
— Patrão! — chamava o desorelhado Robles, de seu
quarto, com voz aflita. — Patrão!
Ela acendeu a luz, afastando-se de um salto do
interruptor, e viu na metade da escada outro chinês, que
subia já prevenido e lançou uma rajada para cima. A espiã
era demasiado rápida e esperta em semelhantes questões,
mas Maximiliano, que parecia disposta a levar tudo de
roldão, lançou um grito e caiu para trás.
Plop.
O terceiro chinês rolou a escada, juntando-se lá embaixo
a seu companheiro. Robles continuava gritando e Brigitte
ajoelhou-se ao lado de Evelio. De um ferimento que tinha
na têmpora, o sangue escorria por sua face esquerda e ele
parecia aturdido, pelo que a espiã sacudiu-o sem
contemplações.
— Evelio! É apenas um arranhão... Você tem que se
recuperar, vamos!
Ajudou-o a levantar, apanhou a automática e colocou-a
em sua mão. Depois recolheu a metralhadora do primeiro
dos chineses que abatera e abriu a porta do quarto de
Robles, acendendo a luz. Sorriu friamente quando ele, ao
vê-Ia com a pistolinha numa das mãos e a metralhadora na
outra, soltou um grito de terror. Jogou-lhe a metralhadora,
com tal força que Robles caiu novamente contra o
travesseiro.
— De pé! — ordenou-lhe. — Você não precisa de duas
orelhas para matar chineses. Levante-se!
Maximiliano apareceu junto a ela, cambaleando ainda,
mas recuperando-se, rapidamente.
— Vá ajudar os outros! — disse ele a Robles. —
Depressa.
O desorelhado começou a sair da cama e “Baby” lançou-
se escada abaixo, seguida por Maximiliano, que ia emitindo
imprecações contra os “porcos de filhos-da-mãe de
amarelos”...
— Você já não precisa avisar seus homens — disse-lhe
“Baby”. — Vamos sair pelos fundos. Entraremos na mina
pela porta grande.
— Mas não podemos deixar meus homens e as
mulheres...
— Há cinco agentes da CIA aí fora, Evelio. Não se
preocupe por seus amigos: estão bem protegidos. Além
disso, os chineses se acham encurralados, pois que os
dominam das janelas e do alto do muro. Vamos!
Saíram pela parte de trás e Brigitte soltou um grito ao
encontrar-se praticamente entre os braços de um chinês.
Agora o mexicano foi muito mais rápido. Agarrou o oriental
pela garganta, afastou-o e nem sequer deu-se ao trabalho de
atirar contra ele: aplicou-lhe um golpe na cabeça com a
pistola, quase partindo-a ao meio. Atirou-o para um lado e
pôs-se a correr junto de “Baby”, rumo às pedras que
formavam um grupo perto dali. Já atrás das pedras, ela
recorreu novamente ao radinho.
— Atenção, Johnny VI: você está bem?
— Perfeitamente. E você?
— Idem. Assuma o comando no pátio. Maximiliano e eu
vamos para a entrada principal da mina. Uma vez dominada
a situação, já sabem por onde devem entrar para reunir-se a
nós.
— Muito bem. Mais alguma coisa?
— Sim: não quero que se deixem matar por nenhum
motivo.
— Diga isso aos chineses — riu Johnny.
— É só.
Guardou o rádio e, fazendo sinal a Maximiliano, ambos
reencetaram a marcha para a entrada da mina. Lê.
chegaram, correndo, em menos de três minutos. Sem
hesitar, “Baby” entrou. Um delgado feixe de luz apareceu
em sua mão esquerda. Era suficiente para verem aonde iam.
Pouco depois, ouviram passos que se aproximavam pelos
corredores e ela, adivinhando o que faria Maximiliano,
segurou-lhe a mão armada.
— Quieto: esse é um dos meus.
Os passes detiveram-se perto deles, mas ainda não lhes
foi possível ver ninguém. Uma voz chegou a seus ouvidos:
— “Baby”?
— Adiante, Johnny.
Reuniram-se com um dos agentes da CIA, que tinha uma
grande mochila nas costas.
— Tudo vai bem por aqui — disse ele. — Ainda não
ouvi disparos pelos corredores... Mas ouço muitas vozes e
correrias...
— São os chineses que voltam pelo poço — esclareceu
Brigitte. — Já começou com seu trabalho, Johnny?
— Não — ele ergueu o braço esquerdo, mostrando o
relógio de pulso. — Combinamos que começaria ....
— Está bem, não precisa esperar mais. Comece. Precisa
de alguma coisa?
— Vim bem equipado — sorriu o espião.
— Perfeito. Comece a agir. Até logo, Johnny.
— Até logo.
“Baby” e Maximiliano continuaram deslizando pelos
corredores da mina, recorrendo com freqüência à luz da
pequena lanterna. Ouviam a seu redor, como se chegassem
de todas as direções, vozes guturais, ruído de pés
apressados, exclamações...
— Você conhece bem estas galerias, Evelio. Vamos para
onde está Pei Ho: para a grande esplanada.
— Não creio que a encontremos lá. Deve estar correndo
para a outra saída.
— A do poço? — perguntou ela, incredulamente.
— Não. Há uma terceira saída, que dá para as
montanhas. Eu a mostrei a Pei Ho quando ela instalou-se
aqui.
— Devia ter-me dito isso antes! Vamos para lá!
— Isso é muito arriscado. Restam-lhe chineses em
quantidade...
— Você é mesmo um principiante — sorriu “Baby” na
escuridão: — essa chinesa não levará ninguém com ela. Já
deve ter compreendido que as coisas vão mal, de modo que
deixará seus ratos na ratoeira e dará um jeito de fugir
sozinha. Vamos depressa.
— Teremos que passar pela esplanada...
— Está bem, passaremos por lá.
Apertaram o passo de vez em quando tropeçando nas
desigualdades do terreno. Maximiliano reteve Brigitte por
um braço e disse:
— Suba. Iremos mais depressa e mais comodamente.
Subiram a um dos vagonetes abandonados, depois de
ter-lhe o mexicano empurrado o suficiente para que
começasse a rodar. Rangendo, o veículo deslizou pelas
linhas poeirentas, cada vez mais rapidamente.. e cada vez
com mais ruído. A luz da lanterna da espiã ia iluminando o
caminho, deslocando-se continuamente para todos os lados.
Súbito, viram duas sombras correndo por entre a linha
dupla, de costas para eles. Tão só pela estatura, ela
compreendeu que eram chineses e não hesitou nem um
segundo.
Plop... Plop...
Os dois chineses saltaram para frente, de um modo
grotesco, gritando. Ficaram atravessado no caminho, pelo
que o vagonete se deteve maciamente quando suas rodas se
chocaram com um deles. Brigitte e Evelio saltaram e
prosseguiram a pé.
Ela se deteve de chofre e o mexicano quase caiu de
bruços.
— Que é? — perguntou.
— O silêncio... Já não se ouve nada, Evelio.
— É verdade. Deixaram de correr, de gritar...
— Todo mundo já tomou posições — murmurou ela. —
Está armada uma ratoeira geral. Avancemos, mas em
silêncio.
Pouco depois chegavam à parte da mina onde as galerias
tinham sido arranjadas tão exoticamente. Restavam algumas
lâmpadas acesas, outras estavam quebradas... O silêncio era
de mausoléu. Viraram-se de súbito para um corredor, ambos
erguendo suas armas, porém os passos que tinham ouvido
cessaram em seguida e tudo tornou a ficar no silêncio mais
completo, mais lúgubre. Brigitte utilizou uma vez mais seu
radinho.
— Chamo Johnny 1... — sussurrou. — Onde vocês
estão?
— Numa esplanada grande e muito curiosa, com uma
porta de bambu na qual há...
— Já sei. Os quatro estão bem?
— Estão. Que fazemos? Não se vê ninguém, não se ouve
nada...
— Fiquem onde estão. E tomem cuidado: todos nos
encontramos dentro de uma ratoeira. Troco agora para
Johnny VI: está me ouvindo, Johnny VI?
— Estou, “Baby”.
— Onde vocês se encontram?
— Entrando no poço, com os mexicanos. Os chineses
conseguiram evacuar o pátio e vamos...
— Contra-ordem: não entrem no poço. Sigam para a
parte traseira da montanha onde está a mina, deixando o
poço aos mexicanos. Mas que não entre ninguém. Está
claro?
— Muito claro. De acordo, “Baby”.
— Você está nas ouvindo, Johnny-Especial?
— Claro que sim,. “Baby”.
— Como vai seu trabalho?
— Bem. Já esvaziei meia mochila.
— Pois acabe de esvaziá-la esteja onde estiver e saia da
mina imediatamente.
— Okay. Deixarei tudo pronto.
— Certo — disse Brigitte.
Continuaram para a esplanada, à qual não demoraram a
chegar. Sem contratempos, reuniram-se aos quatro espiões,
que olhavam para todos os lados.
— Eles se espalharam por toda a mina informou Johnny
1. — Não seria fácil ir caçando-os um a um, “Baby”.
— Isso já não importa. Pei Ho escapou por um corredor
que Evelio conhece... E não creio que tenha levado seus
amigos com ela.
— Certamente que não — sorriu Johnny. — Mas deve
ter levado os microfilmes.
— Sem dúvida. Bem, Evelio, vamos lá imediatamente.
Pelo caminho mais curto. E que ninguém se descuide.
— Não haverá chineses por onde iremos — assegurou
Maximiliano. — Isso, se é verdade que Pei Ho pretende
deixar seus amigos na entaladela.
— Isto é mais que certo, pois não pode fazer outra coisa,
Evelio. Vamos. E, de qualquer modo, tomem cuidado com
os chineses nessa galeria.
Mas não houve dificuldades de nenhuma espécie. E
depois de percorrerem vários corredores estreitíssimos, em
fila indiana, saíram pela parte traseira da montanha. O ar
livre foi bem acolhido por todos, que olharam com
satisfação para a lua, as estrelas...
Maximiliano, ainda ofegante, deu uma risada.
— Pergunto-me como pode Pei Ho passar por essas
galerias tão estreitas... A leitoa!
— Não se vê ninguém — disse Johnny.
— Devem estar correndo como coelhos — afirmou o
mexicano.
— Não... — opinou Brigitte. — Isso seria uma
estupidez, Evelio. Ela quebraria a cabeça se tentasse correr
por estas montanhas.
— Pois não creio que possa ir de outro modo. A menos
que o faça voando, claro.
Tornou a rir, mas emudeceu ao ver a, expressão de
“Baby”, cujo belo rosto parecia de prata à luz da lua.
— Você o disse — murmurou ela: — voando. É o único
modo de fugir precipitadamente por estas montanhas.

CAPÍTULO DÉCIMO PRIMEIRO

O rumor do helicóptero chegou ao silencioso grupo


apenas três minutos mais tarde. Evelio Maximiliano olhou
para Brigitte, mas já não riu, nem fez o menor comentário.
Poucos segundos depois, o aparelho aparecia à vista de
todos, como um grande pássaro brilhante, e começou a
descrever uma volta por cima daquela parte da montanha,
bastante baixa.
— Atenção ao sinal... — murmurou “Baby”. — Ela tem
que fazê-lo, forçosamente... Aí está!
Tinha olhado a seu redor e foi a primeira que viu um
feixe de luz a uns cem metros de onde se encontravam,
entre umas rochas. Todos olharam para lá, justamente
quando o sinal se repetia. Depois foi respondido do
helicóptero, que começou a baixar para aquele ponto.
Sem necessidade de que Brigitte lhes desse instruções,
os agentes da CIA espalharam-se rapidamente, formando
um semicírculo que avançaria para as rochas de onde tinha
brotado a luz.
Ela segurou um braço do mexicano.
— Você virá comigo, Evelio.
— Bem... Sarapes coloridos! — exclamou ele. — Você
é demasiado esperta, querida!
— Psit! — sorriu ela. — Vamos dar um desgosto a Pei
Ho.
— Sim... Terá um grande desgosto: esqueci as caixas de
uísque prometidas.
Brigitte riu em silêncio, beijou um dedo que colocou
sobre os lábios do mexicano.
— Vamos lá.
Já não se viam os agentes da CIA. Mas via-se
perfeitamente o helicóptero e a nuvem de pó que estava
levantando ainda a dez ou doze metros do solo. “Baby” e
Maximiliano começaram a deslizar velozmente para aquelas
rochas, até que ela considerou impossível de se melhorar
sua posição. Agachou-se e ergueu a pistolinha.
O helicóptero deteve-se por fim e, ato continuo, de entre
as rochas surgiu um homem, fazendo gestos frenéticos com
os braços.
— Esse é Luang — sussurrou Evelio, — o lugar-tenente
de Pei Ho.
— Está ocorrendo algo inesperado — disse Brigitte,
num murmúrio.
A hélice do helicóptero parou de girar e um homem
saltou de sua cabina, aproximando-se a toda a pressa do
lugar de onde Luang lhe fazia sinais. Meteu-se com ele
entre as rochas. Saíram em seguida, ambos transportando
um enorme volume...
— Pei Ho — murmurou Brigitte. — Deve ter-se
machucado ao correr pela mina. Era de esperar. E muito
conveniente para nós — endireitou-se, pistola em riste, e
gritou: — Não se movam! Estão cercados!
Ouviu-se claramente o grito de um dos chineses e ambos
soltaram Pei Ho, que emitiu um gemido de dor. Luang quis
sacar sua arma, enquanto o outro corria de volta ao
helicóptero... Vão intento. Ecoou o primeiro tiro de rifle e
ele pareceu correr mais ainda... Na verdade, voou uns
quantos metros, até cair de bruços no chão e ficar imóvel,
enquanto Luang, que também não parecia disposto a
entregar-se e, multo pelo contrário, acabava de disparar, era
lançado ao solo por três balaços, caindo por cima de Pei Ho,
que começou a soltar gritos agudos, histéricos.
— Ótimo — sorriu Brigitte: — vamos pegá-la viva.
Poderá explicar-nos muitas coisas... Embora nem seja
preciso que explique nada. Está bastante claro o que ela
pretendia.
Os Johnnies já saíam de seus esconderijos, rifle nas
mãos. Brigitte e Maximiliano reuniram-se a eles, até que
todos ficaram rodeando a gemebunda Pei Ho, estendida no
chão, monstruosamente gorda, incapaz de levantar-se.
Tinha-se desvencilhado do corpo de Luang e suplicava,
soluçava, gemia...
— Meu pé... Está quebrado... Ajudem-me, ajudem-me...
Johnny aproximou-se, sem deixar de apontar-lhe o rifle e
chutou para longe a pistola de Luang. Depois passou as
mãos pela chinesa, que soltou um grito de raiva, resistindo,
levando ambas as mãos aos seios enormes. Outro agente da
CIA, reuniu-se ao primeiro, sujeitando-a, para que Johnny,
após rasgar a roupa de Pei Ho sem nenhuma contemplação,
retirasse de entre seus seios a pistola que ela teria utilizado
quando menos esperassem. Feito isto, os dois espiões
terminaram de revistar aquela mulher imensa. Levantaram-
se e um deles declarou:
— Pronta para ser sentenciada.
“Baby” agachou-se ao lado de Pei Ho, olhando-a
friamente. Viu-lhe o rosto gorduroso coberto de suor, os
diminutos olhos quase invisíveis sob os pômulos. Arquejava
fortemente, choramingava...
— Só algumas palavras, Pei Ho — disse “Baby”: —
estavam preparando a sabotagem dos depósitos nucleares
americanos?
— Meu pé... meu pé...
— Eu lhe arrebentarei o outro a coronhadas se não
responder.
— Sim. sim... Estávamos preparando isso. Queríamos
destruir a maior quantidade possível de armamento atômico
americano. E que a Rússia viesse a saber, para por em
xeque os Estados Unidos e... e dominar primeiro a Ásia,
depois...
— Oh, sim: todo o mundo, não é isso? Bem: foi um
formoso sonho chinês... enquanto durou. É você a chefe
absoluta desta operação, aqui no continente americano?
— Sou sim.... sim... Meu pé...
— Sossegue: veremos se nos será possível socorrê-la.
— Deixem-me partir... no helicóptero... Você é russa...
Afinal de contas, nosso plano favorecia a Rússia...
— Realmente: favorecia a Rússia. Por isso, Pei Ho, não
será posto em prática. Onde estão os microfilmes e todos os
planos táticos de sabotagem que estiveram preparando?
— Devem estar nesta maleta — disse Johnny. —
Encontrei-a no chão.
Brigitte tomou-a, colocando-a diante dos olhos da
chinesa.
— Estão aqui, Pei Ho?
— Estão... Você tem que me ajudar, Irina Cherkova.
Estes microfilmes valem milhões de dólares nas mãos dos
russos... Também estão os planos definitivos para uma
sabotagem definitiva de...
— Já sei tudo isso. Em compensação, você ignora uma
coisa. De fato, sou a mulher que conheceu como Irina
Cherkova e não é muito mérito para você ter-me
identificado, já que só mudei meus cabelos e meus olhos...
por fora. Por dentro, houve outras mudanças. Por exemplo,
já não sou a espiã russa, ambiciosa, capaz de trair qualquer
um. Agora sou “Baby”, da CIA. Espero que tenha
compreendido...
Pei Ho lançou um espantoso grito de raiva e suas gordas
mãos se ergueram, rodeando o pescoço de Brigitte e
puxando-a para seu peito, como se quisesse sepultá-la nele.
A força de suas mãos era tal, a pressão que exerciam tão
formidável, que a espiã internacional começou a sentir
zumbido nas têmporas e teve a sensação angustiosa que sua
cabeça dava voltas... Tudo isto durou poucos segundos.
Enquanto forcejava por libertar-se, ouviu um tiro a seu lado.
Pei Ho soltou um berro e imobilizou-se; seu último
movimento foi afastar as mãos do pescoço de Brigitte,
deixando-as cair ao longo de seu corpo inerte.
Quando “Baby” ergueu a cabeça, Johnny tinha ainda
apoiada a ponta do rifle no seio esquerdo da chinesa, como
indicando o caminho que o projétil havia tomado, direto ao
seu coração.
— Obrigado, Johnny... Mas não era necessário: eu teria
podido... Johnny!
O agente caiu de súbito sobre ela, que precisou empregar
toda a sua força para impedir que ele fosse ao chão.
Imediatamente, os outros Johnnies a ajudaram, estendendo
com cuidado o companheiro no solo.
— Mas... que aconteceu? — balbuciou Brigitte,
inclinando-se sobre Johnny.
— Creio que foi esse chinês, antes que o matássemos...
A bala que disparou me atingiu...
— Por Deus! Você devia me dito! Que loucura!
— Não creio que tenha... importância... Gostaria de ter
agüentado até que...
— Não fale! — ela olhou para outro Johnny, vivamente.
— Vá á fazenda, Johnny, e traga minha maleta; está no
quarto grande, de cima. E antes de voltar diga a todos os
mexicanos que se afastem. Que sigam imediatamente para
La Paz e esqueçam tudo isto se não quiserem que lhe suceda
o pior. Mas não perca muito tempo com eles. Corra!
O agente pôs-se a correr, montanha acima, enquanto
apareciam os outros cinco homens da CIA, obedecendo
assim às instruções que lhes dera “Baby”. Todos se
aproximaram do companheiro ferido e permaneceram
silenciosos, enquanto Brigitte, usando sua lanterna,
examinava o ferimento. Quando ergueu a cabeça, suspirou
aliviada.
— A bala está no ombro... Não é grave, mas seria
conveniente que o colocássemos aos cuidados de um
médico. Temos algum em La Paz, ou em Cullacãn, ou em...
— O mais próximo está em Chihuahua — informou um
dos Johnnies.
— Pois procuraremos qualquer médico em La Paz e será
melhor que ele concorde em atender Johnny sem formular
perguntas. Para ir a Chihuahua, antes iria com o helicóptero
a San Diego, na Califórnia, onde...
— Eu conheço um bom médico em Cullacãn — disse
Maximiliano. — Chama-se Olmedo e, a meu pedido, será
discreto. Somos velhos amigos.
— Podemos estar lá em uma hora, com o helicóptero —
disse Brigitte. — Bem. É isso o que vamos fazer!

CAPÍTULO DÉCIMO SEGUNDO

Dez minutos mais tarde, o ferido, agora com umas gazes


envolvendo-lhe o ombro e evitando a hemorragia, estava
acomodado no helicóptero, um tanto precariamente, por trás
dos dois assentos contíguos.
E “Baby” dava as últimas instruções:
— Depois, regressem a La Paz e desapareçam. Tudo
entendido?
— Tudo.
— Você, Johnny-Especial... — olhou-o. — Alguma
dúvida?
— Nenhuma, “Baby”. Quer dizer, a respeito do que farei
com as coisas que levava em minha mochila. Mas... tenho
uma dúvida.
— Qual?
— Não seria conveniente que um de nós, pelo menos,
fosse com você?
— Para quê? Aqui nos despedimos, pois já está pronto o
trabalho. Além disso, o helicóptero é muito pequeno. E
Evelio vem comigo. Compreenderão que prefiro que venha
ele, para que procure esse Dr. Olmedo... Rapazes — sorriu
docemente, estendendo a mão, — foi uni prazer trabalhar
com vocês. Adeus, Johnny... Adeus, Johnny... Adeus...
Um minuto mais tarde, sob o olhar sorridente de nove
espiões, a mais sensacional de todas as agentes secretas do
mundo empreendia o vôo, pilotando o helicóptero.
— Agora, você — disse Johnny 1 a Johnny-Especial.
— Com todo o prazer.
Do helicóptero, poucos segundos mais tarde, “Baby” e
Evelio Maximiliano viam a grande explosão providenciada
por Johnny-Especial, fazendo detonar a distância as cargas
que tinha colocado em diversos pontos da mina. Brotaram
clarões vermelhos por alguns dos orifícios de ventilação,
elevou-se uma nuvem de fumaça e pó, depois grandes
chamas... Lá onde estava sua fazenda, Maximiliano viu
também o grande afundamento, entre a poeira em
suspensão. Todas as construções desmoronaram ao cederem
as paredes das galerias, umas devido diretamente à
explosão, outras ao formidável abalo.
Sombrio, o mexicano comentou:
— Se restava algum chinês lá dentro — e deviam restar
muitos — não creio que tenha passado bem.
— Pelo menos, seus amigos mexicanos se salvaram.
— Você foi camarada com eles. Diga-me: nunca deixa
nada ao azar? Nunca lhe escapa nenhum detalhe?
— Nunca — sorriu friamente “Baby”.
***
Por fim, apareceu o litoral, perfeitamente visível à luz da
lua. Em alguns pontos, manchas luminosas de pequenas
povoações. A maior e mais próximas era Cullacãn,
naturalmente, e Brigitte, que não havia perdido o rumo um
só instante, indicou-a com a mão.
— Espero que logo encontremos o Dr. Olmedo.
— Não creio — disse secamente Maximiliano: — pela
simples razão de que tal doutor não existe.
Ela virou a cabeça, devagar, e olhou-o. Não se havia
alterado em absoluto, nem se alterou ao ver a pistola na mão
do mexicano, que a moveu ameaçadoramente.
— E esta vez — sussurrou ele — não está com defeito,
querida. Você vai descer onde eu disser. De acordo?
— Oh... Você também aprendeu a fazer jogo duplo,
hem? Que está pretendendo?
— Vou lhe dizer: fiquei sem minha fazenda e sem
dinheiro, pois todo ele estava no cofre. E pensei que bem
podia ficar com os microfilmes que você leva nessa maleta,
para vendê-los aos chineses, com o que eles não terão
perdido tudo.
— Não seja infantil, Evelio: eles o degolariam quando
estivessem de posse dos microfilmes. Você não sabe tratar
com espiões.
— Pois eu penso que sim. Enganei-a quando disse que
estaria a seu lado. Na verdade, compreendendo que algo
aconteceria, achei que deveria aceitar a situação e, depois,
tirar o máximo proveito do vencedor. Vai dizer que fiz isso
mal?
— Pessimamente, querido.
— Essa é sua opinião. O que você quer é impressionar-
me. Mas não o conseguirá. Posso obter vários milhões de
dólares com esses microfilmes. Foi o que pensei, era o que
queria conseguir e a própria Pei Ho se referiu a seu alto
preço antes de morrer.
— Você vai complicar sua vida, Evelio: será degolado.
Insisto em que não tem nenhum talento para lidar com
espiões.
— Pois eu insisto em que demonstrei o contrário. Se
pretende impressionar-me, repito-lhe que perde seu tempo.
Mais ainda: quando fizer algum gesto que não me agrade,
farei sua linda cabeça voar a balaços. Agora desça.
Pousaremos naquela praia.
Brigitte Montfort suspirou profundamente e dirigiu o
helicóptero para o lugar indicado. Quando o aparelho já se
detivera sobre a areia, olhou para o mexicano.
— E agora?
— Vou saltar e você fará o mesmo depois de mim. Em
seguida, tirará seu amigo do helicóptero. Ele sofrerá menos
que você, já que perdeu os sentidos. Desça atrás de mim, de
costas e com multo cuidado, querida.
— Como você quiser, querido.
Maximiliano saltou em primeiro, sorrindo torvamente.
“Baby” virou-se de costas para ele e deslocou-se pelos
assentos. Depois, sempre de costas, saltou para a areia e
ficou imóvel.
— Vamos tire esse espião dai. Não vejo motivo para
embaraçar-me com semelhante carga.
— Não poderei tirá-lo sozinha, Evelio.
— Tem que poder, pois não pretendo perdê-la de vista
nem um só instante. Faça o que eu digo.
Ela assentiu com a cabeça e, durante mais de um minuto,
esteve tentando retirar o ferido de dentro do helicóptero...
Mas tal tarefa, evidentemente, era superior às suas forças,
dada a exigüidade da parte traseira do aparelho.
— Que há? — resmungou Maximiliano. — Vamos
passar aqui o resto da vida?
Ela virou-se, muito lentamente, levando o braço direito à
testa, onde brilhava o suor.
— É muito peso para mim, Evelio; eu sozinha...
Sua mão caiu como acidentalmente sobre a rosa artificial
que tinha ao peito. E, após um sobressalto, retirou-a
vivamente.
— Que há agora? Acabe de uma vez! — impacientou-se
o mexicano.
— Espetei-me com esta flor... Vou tirá-la.
Segurou pelas pétalas e atirou-a... não sobre a areia, mas,
com toda a força, sobre Maximiliano, que nem sequer teve
tempo de sobressaltar-se ante o brusco gesto da espiã mais
mortífera de todos os tempos. Enquanto ela, prevenindo um
possível disparo, saltava para um lado e em seguida rolava
para debaixo do helicóptero, Maximiliano ficou de pé...
com a rosa vermelha como que incrustada na garganta. A
haste da flor não era outra coisa que um finíssimo estilete
do mais puro aço e cravara-se toda na garganta do
mexicano, onde a bonita carola ficou parecendo um
estranho adorno.
Depois do que pareceu uma eternidade mas consistiu
apenas de dois ou três segundos, ele soltou a pistola. Em
seguida, sem um gesto, sem um gemido, com os olhos
terrivelmente abertos, caiu para trás.
Quando “Baby” se ajoelhou junto a ele, seus olhos
vidrados já não a podiam ver.
— Ah, Evelio... — murmurou ela. — Você nunca
poderá aprender a tratar com espiões. Enfim, aqui fica esta
flor... com meu carinho, naturalmente.

UMA ROSA VERMELHA

— Bom — disse Pitzer —, já lhe dei a feliz noticia de


que seu querido Johnny está fora de perigo, portanto, retiro-
me....
— Eu posso ficar? — perguntou o seu assistente.
Brigitte riu. O que mais lhe agradava no Johnny da
floricultura que camuflava o comando do Setor Nova Iorque
da CIA era seu senso de humor. Tinha-o muito mais
desenvolvido que Pitzer, o qual olhou-o torvamente.
— Você vem comigo. É meu ajudante, não o... gigolô de
uma espiã.
— Por infelicidade minha — sorriu Johnny.
Charles Pitzer resmungou qualquer coisa e pôs-se de pé,
sendo rapidamente imitado por seu ajudante. Brigitte
também se levantou, dizendo:
— Acompanho-os até a porta. Perguntou na Central se
meu relatório está completo, tio Charlie?
— Desde quando você envia relatórios incompletos? Há
anos que não pergunto tolices. Além disso, sempre que vou
à Central, uma das coisas que mais me agradam é escutar
seu relatório gravado em fita magnética. E não creio que
falte nada. Já lhe transmiti os cumprimentos dos altos
chefes, não? Os coitados ainda sentem arrepios
Pena que não se possa interpelar diretamente a China por
tudo isto. Enfim, paciência. O importante foi evitar que essa
diabólica Pei Ho levasse a termo seus planos. Era tão
repugnante como você a descreveu?
— Mais... Muito mais, tio Charlie. Posso saber por que
está me olhando assim a noite toda?
Pitzer enrubesceu.
— Por que você sempre nos recebe em roupas intimas e
estou farto de vê-la cada vez mais formosa, enquanto eu
envelheço inapelavelmente!
— Tranqüilize-se — riu “Baby”. — Você e Miky
Grogan qualquer dia terão um ataque apopléctico se não
refrearem seu mau gênio. Olhe, para que saia contente
daqui, vou lhe fazer um grande obséquio.
Virou-se de costas para ele, defrontando um jarrão.
Quando tornou a voltar-se, tinha nas mãos uma rosa
vermelha, que prendeu à lapela de Pitzer. Este soltou um
grito e deu um salto para trás, quase perdendo o equilíbrio.
Tinha ficado pálido como um morto.
— Que foi? — surpreendeu-se ela.
— Na... Nada... Nada.
— Bem sei que, sendo florista, não necessita de flores,
mas não creio que todos os dias possa usar uma colocada
por mim.
— É que, por um momento, ao ver esta rosa vermelha,
lembrei-me do seu relatório e... e...
— Pensou que eu fosse matá-lo? — Brigitte arregalou os
olhos.
— Bem... Não sei... Parece que me lembrei do tal
Maximiliano...
— Ah, foi isso então? — ela arrebatou-lhe a rosa. —
Pois vou dá-la a Johnny, como representante de todos os
Johnnies do mundo. Você aceita querido?
— Se aceito? — exclamou o espião-ajudante. — Acaso
tenho cara de idiota? Claro que sim!
Brigitte colocou-lhe a flor na lapela, depois o beijou
docemente nos lábios.
— Isto também é para todos os Johnnies do mundo.
— E para mim? — reclamou Pitzer.
— Você é um dos meus Johnnies?
— Eu? Acho que não!
— E acaso eu o amo?
— Isto quisera eu!
— Pois se não é um Johnny e eu não o amo, por que
tenho que dar-lhe alguma coisa? E fique prevenido,
resmungão chefe de espiões, indivíduo desconfiado e ruim:
se não sair daqui dentro de três segundos, chamarei o
“Cícero” para que lhe morda as canelas.
Quando ela fechou a porta de seu luxuoso apartamento,
ainda ouvia, no corredor, as estrondosas gargalhadas de
Johnny. Sorrindo, tirou outra rosa do jarrão, aspirou-a e
disse para si mesma:
— Que tal se eu tomasse um avião e fosse levar esta rosa
ao meu verdadeiro amor...?

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