Maquiavel - Estado Moderno
Maquiavel - Estado Moderno
Maquiavel - Estado Moderno
Terezinha Oliveira*
Sandra Regina Franchi Rubim**
RESUMO: Este texto tem como objetivo analisar algumas formulações de Nicolau
Maquiavel sobre a teoria política, bem como refletir sobre a contribuição de suas ideias,
expostas na obra O Príncipe, para a formação do Estado Moderno Absoluto. Essa obra
foi resultado de suas reflexões sobre os problemas do seu tempo: séculos XV e XVI, na
Itália. O Príncipe expressava o desenvolvimento dos Estados Nacionais, a dessacralização
do político, a independência do poder temporal em relação ao poder religioso e a prima-
zia do Estado frente à religião. Consideramos que a obra de Maquiavel é de suma rele-
vância para a história das ideias, principalmente, no campo da ciência política. Dessa
forma, destacamos a importância do estudo de seu pensamento sob a perspectiva da
Educação, o qual nos possibilita a compreensão dos fundamentos políticos da moderni-
dade e, por conseguinte, o entendimento da formação do homem político-moderno.
Palavras-chave: História da Educação. Governante. Estado Moderno.
* Pós-Doutora em Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e Professora do Departamento de Fundamentos
da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail:
[email protected]
** Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail:
[email protected]
Introdução
[...] como os arqueiros prudentes que, quando desejam acertar uma posição
muito distante, conhecendo o alcance da sua seta, alvejam um ponto muito
mais elevado, não para atingi-lo, mas para alcançar a posição que pretendem
de fato ferir, por meio dessa mira elevada (MAQUIAVEL, 1979, p. 54).
mente inédita, era uma ideia nova, no sentido de ser aceita sem maior con-
trole institucional e sem perda de sua legitimidade.
Saldanha (1987) indica que o Estado, em sua tendência unifica-
dora, toma as rédeas da atividade econômica, fundindo a política e a eco-
nomia no sistema mercantilista. Expandindo-se em direção às terras des-
cobertas no além mar, o recém-Estado absolutista, dinamizou a econo-
mia dos países europeus sob os mais amplos aspectos. À concentração
do poder monárquico pode-se acrescentar o aparecimento de uma justi-
ça do rei. O direito foi unificado na medida em que surgiam cortes de jus-
tiça diretamente ligadas ao poder real, em que se reformulavam compe-
tências, sistematizando-se o processo judicial. Do conjunto de costumes
elaborados desde o início da Idade Média sob a forma do direito consue-
tudinário, a justiça tornou-se, gradativamente, um direito escrito resultan-
te de um trabalho meticuloso dos funcionários da corte sob o jugo do
monarca. O surgimento dessa nova estrutura política implicou uma série
de mudanças em termos de valores, relações, modos de vida, padrões de
atitudes, usos, símbolos, crenças e posições. Nesse contexto, o princípio
de legitimidade do rei sofreu algumas alterações. É verdade que ainda
persistiu a ideia de legitimidade do monarca pela linhagem, mas novos
elementos entravam em cena: a noção de soberania do rei, do Estado e a
concepção de um poder soberano incontrariável. O debate em torno da
legitimação dessa nova forma de poder do governante inquietou e esti-
mulou o pensamento político nesse momento histórico. Era preciso
explicar e, sobretudo, justificar a presença de uma ordem política de
âmbito nacional, bem como a existência de um soberano: o monarca. Os
grandes pensadores políticos ligados ao ideário absolutista têm todos,
cada um em seu contexto e com expressões distintas, relação com o
desenvolvimento do conhecimento racional e da secularização absoluta
do poder.
Na chamada Renascença tardia (por volta de fins do século XV
e inícios do século XVI), tornava-se mais presente o poder absoluto.
Dedicava-se maior atenção ao estudo da política dirigida ao príncipe. Os
textos elegiam o príncipe como alvo, mesmo quando estava evidente que
suas preferências pessoais pendiam para a República. A preocupação des-
ses autores fez com que ficasse centralizada a atenção na figura mais
poderosa do príncipe, em detrimento da consideração do cidadão indivi-
dual (SKINNER, 1996).
[...] far-se-ia necessário que a Itália chegasse aonde se acha neste momento.
Que se visse mais escravizada do que os hebreus, mais oprimida do que os
persas, mais desunida do que os atenienses, sem chefe, sem ordem, batida,
espoliada, lacerada, invadida, e que houvesse, por fim, suportado toda sorte
de calamidades. [...] (MAQUIAVEL, 1998, p. 147).
Verifica-se que roga ela a Deus o envio de alguém para redimi-la das cruelda-
des e insolências dos estrangeiros. Nota-se, igualmente, que está pronta e dis-
posta a seguir uma bandeira, desde que haja quem a levante. [...] (MAQUIAVEL,
1998, p. 148).
Caso vossa ilustre casa deseje seguir o exemplo daqueles grandes homens
redimir suas províncias, mister se faz, por primeiro, como verdadeiro alicerce
de qualquer empresa, prover-se de tropas próprias, uma vez que não há outras
mais leais nem melhores.E, não obstante cada soldado possa ser bom, todos
reunidos serão ainda melhores quando forem comandados pelo seu príncipe,
e por ele honrados e bem tratados. (MAQUIAVEL, 1998, p. 149-150).
[...] Tome, portanto, a vossa ilustre casa tal tarefa, com aquele ânimo e com
aquela fé com que se esposam as boas causas, afim de que, sob o seu brasão,
seja essa pátria enobrecida [...] (MAQUIAVEL, 1998, p. 151).
[...] não ser rapace e usurpador dos bens e das mulheres dos súditos. [...]
Desprezível torna-se o príncipe considerado volúvel, leviano, efeminado,
covarde, indeciso. [...] Deve ele fazer com que de seus súditos se reconheça a
grandeza, a coragem, a gravidade e a fortaleza; [...] deve tornar irrevogável a
sua sentença, comportando-se de maneira a que ninguém cogite enganá-lo ou
fazer com que mude de idéia (MAQUIAVEL, 1998, p. 113).
Conclui-se, então, que um príncipe prudente deve pensar nos modos de ser
necessário aos súditos, sempre, e de estes necessitarem do estado; depois, ser-
lhe-ão sempre leais (MAQUIAVEL, 1998, p. 76).
Considerações finais
Referências
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Companhia das Letras, 1996.
Notas
Segundo Chanceler se deu devido a essas alianças, baseadas na riqueza, família, confra-
rias (MASTERS, 1999).
3 De acordo com Masters (1999), em 11 de março de 1513, após a morte do papa Júlio
II (1445-1513), o cardeal Giovanni de Medici, filho de Florença, torna-se o novo pontí-
fice, assim, em meio ao regozijo dos florentinos, os prisioneiros são anistiados, ficando,
então, livre Maquiavel.
4 Espelhos dos príncipes eram livros de aconselhamento destinados aos príncipes e outros
magistrados para bem governarem. Essas obras enfatizavam as virtudes que deveria pos-
suir um bom governante e indicavam que todas as suas ações deveriam estar em con-
formidade com as quatro virtudes cardeais: a prudência, a magnimidade, a temperança e
a justiça. A temática dessas virtudes tornou-se característica principal dos moralistas
renascentistas. Praticamente não analisam a estrutura administrativa, mas compartilham
da importância da análise das atitudes que os revestidos de poder devem tomar, a fim de
ter sempre o bem comum da cidade. Tendiam a minimizar a relevância do cidadão indi-
vidualmente considerado, centrando sua atenção no personagem bem mais imponente e
influente, o príncipe. Entre muitos outros escritores desse gênero textual, citamos
Francesco Patrizi (1412-94), que endereçou sua obra Do reino e da educação do rei, escrita
na década de 1470, ao papa Sisto; e o mais célebre deles é a obra O Príncipe, de Nicolau
Maquiavel, redigida em 1513, destinada ao príncipe Lourenço de Medici IV, objeto deste
estudo. No final do século XV, os escritos de aconselhamento e elogios ao monarca
alcançaram o apogeu (SKINNER, 1996).
5 Masters (1999) informa-nos que, em uma carta a Lourenço, filho de Piero de Medici,
Maquiavel declarou que estava escrevendo um manual de conselhos para os príncipes,
especialmente para o novo príncipe de Florença, da família Medici, com o intuito de aux-
iliá-lo a manter o poder e o controle no seu Estado.
6 Maquiavel, em 1502-3, acompanhou César Bórgia em uma missão diplomática.
Recebido: 21/10/2010
Aprovado: 18/08/2011
Contato:
Universidade Estadual de Maringá
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes
Departamento de Fundamentos da Educação
Avenida Colombo, 5790
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