Maquiavel - Estado Moderno

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REFLEXÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DE MAQUIAVEL


NA EDUCAÇÃO E NA FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO

Terezinha Oliveira*
Sandra Regina Franchi Rubim**

RESUMO: Este texto tem como objetivo analisar algumas formulações de Nicolau
Maquiavel sobre a teoria política, bem como refletir sobre a contribuição de suas ideias,
expostas na obra O Príncipe, para a formação do Estado Moderno Absoluto. Essa obra
foi resultado de suas reflexões sobre os problemas do seu tempo: séculos XV e XVI, na
Itália. O Príncipe expressava o desenvolvimento dos Estados Nacionais, a dessacralização
do político, a independência do poder temporal em relação ao poder religioso e a prima-
zia do Estado frente à religião. Consideramos que a obra de Maquiavel é de suma rele-
vância para a história das ideias, principalmente, no campo da ciência política. Dessa
forma, destacamos a importância do estudo de seu pensamento sob a perspectiva da
Educação, o qual nos possibilita a compreensão dos fundamentos políticos da moderni-
dade e, por conseguinte, o entendimento da formação do homem político-moderno.
Palavras-chave: História da Educação. Governante. Estado Moderno.

REFLECTIONS ON MACHIAVELLI’S INFLUENCE IN EDUCATION


AND IN THE FORMATION OF THE MODERN STATE
ABSTRACT: This work aims to analyze some of Nicolas Machiavelli's formulations on
political theory, as well as to reflect on the contribution of his ideas to the formation of
the Absolute Modern State, in his work The Prince. The Prince was the result of his
reflections on the problems of his time: the fifteenth and sixteenth centuries in Italy. His
work expressed the development of Nation States, the removal of the sacred dimension
from the political one, the independence of temporal power from religious power and
the primacy of the state over religion. Machiavelli’s work is considered to be highly
important for the history of ideas, especially in the field of political science. Therefore,
the importance of studying his thinking within an educational perspective is highlighted,
enabling us to understand these political principles, so formative of modern society, and
hence, understand the formation of the modern political man.
Keywords: History of Education. Ruler. Modern State.

* Pós-Doutora em Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e Professora do Departamento de Fundamentos
da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail:
[email protected]
** Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail:
[email protected]

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Introdução

É perceptível, na contemporaneidade, a permanência da ativida-


de política e o fortalecimento do Estado, tornando premente analisar o
sentido da política, sua natureza, seus objetivos, suas finalidades e exigên-
cias e suas limitações. Em face disso, analisar as formulações de Maquiavel
(1469-1527) é importante, pois podemos dizer que, em se tratando de
reflexões sobre a política, sua tese é ainda muito atual. De acordo com
Bath (1981), ele foi o primeiro a dedicar sua capacidade intelectiva na prá-
tica política do passado e do seu tempo histórico, trazendo à tona e defi-
nindo a real atividade política, diferente da debatida, até então, pelos teó-
ricos e utopistas do seu tempo.
Hoje, procura-se verificar a contribuição específica que
Maquiavel propiciou à história das ideias, especialmente aquelas concer-
nentes à ciência política. Segundo Bignotto (2007, p. 53), Maquiavel “[...]
teria transformado o panorama da filosofia política do Ocidente, desco-
brindo novos objetos, novos métodos, novos interesses. De sua paixão
pela política nasceu uma nova compreensão da vida em comum dos
homens”. Podemos assinalar, portanto, que a revolução nos estudos polí-
ticos deu-se na Itália, no início do século XVI, com Maquiavel. Ao defen-
der a unidade italiana, esse intelectual propôs a construção de um Estado
laico, independente da Igreja e dirigido, de modo absoluto, por um prín-
cipe dotado de inteligência e de inflexibilidade na direção dos negócios
públicos.
Analisaremos o pensamento inovador de Maquiavel, no limiar
do Renascimento italiano, que percebe o Estado como um fato social, ou
seja, considera a história e a sociedade como fenômenos humanos e natu-
rais, distanciando-se de julgamentos ou de condenações religiosas e
morais. Maquiavel declara que o saber político assenta em um entendi-
mento adequado do passado. Ele recorreu a seus conhecimentos da his-
tória antiga para refletir as temáticas centrais de sua tese política. Para ele,
o passado nos serve de exemplo, nos possibilitando prever o futuro,
fazendo uso das soluções aplicadas em outros tempos ou, na ausência
deles, criar novos, em consonância com a similaridade de circunstâncias
entre o passado e o presente. No capítulo VI de sua obra O Príncipe, assi-
nala ser prudente imitar os grandes homens que se destacaram por sua
excelência. E, assim, aquele que os imitarem deve agir

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[...] como os arqueiros prudentes que, quando desejam acertar uma posição
muito distante, conhecendo o alcance da sua seta, alvejam um ponto muito
mais elevado, não para atingi-lo, mas para alcançar a posição que pretendem
de fato ferir, por meio dessa mira elevada (MAQUIAVEL, 1979, p. 54).

Esse excerto nos permite entender que, para Maquiavel, ensinar


aos homens a prudência é de suma relevância. Podemos dizer que até para
solucionar as coisas pequenas precisamos ter atitudes grandes. O floren-
tino compartilhava da confiança dos humanistas, em geral, no valor do
estudo do passado, enquanto guia para a vida moderna. Ao conhecer a
História aprendemos com o comportamento dos homens, podendo,
assim, ter a possibilidade de não cometer os mesmos erros. É necessário
olharmos para a História com a posição de partícipes do processo de
construção do conhecimento, nos conscientizando da história e de nosso
lugar no mundo. Faz-se necessário, portanto, conhecermos as formula-
ções de Maquiavel como exemplos para que, no presente, nos posicione-
mos com autonomia intelectual diante dos problemas cotidianos.
Assim, partindo da premissa de que o processo educativo ocor-
re no seio das relações humanas, o princípio da História da Educação é
construir fundamentos para a educação, por meio dos caminhos da
História. Torna-se relevante compreender como o pensamento de autores
clássicos, como Maquiavel, influenciou as ideias de educação, de conheci-
mento, de cultura, no início do século XVI.
Examinaremos, pois, em O Príncipe (1513), a contribuição do
pensamento de Maquiavel, no seu tempo e em sua ambiência, para o
desenvolvimento do ser humano e da sociedade, bem como a sua impor-
tância para a contemporaneidade, vista como subsídio para abordarmos
as questões atuais com mais propriedade. Frisamos, também, que este
estudo pode orientar o pesquisador da área de Educação na abordagem
da formação do homem moderno, em face da nova organização social
que se configurava.

A importância do estudo de Maquiavel na contemporaneidade

Assistimos, hoje, à expansão e à consolidação de estudos dos


clássicos, focados na compreensão da sociedade, dos homens e do pro-
cesso educativo. Constatamos a relevância de olharmos para o passado,
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querer e reconhecer, nas primeiras civilizações, as nossas raízes. É inques-


tionável o entendimento de que somos história, partimos de algo e que,
portanto, esse algo precisa ser conhecido. Como questionou Duby (1999,
p. 9), “[...] Para que escrever a história se não for para ajudar seus contem-
porâneos a ter confiança em seu futuro e a abordar com mais recursos as
dificuldades que eles encontram cotidianamente?” Consideramos que a
História se apresenta como fonte de conhecimento e exemplo de ações
dos homens em outros tempos. Percebe-se, assim, a possibilidade de
aprendermos com as experiências do outro, acumular vivências que nos
munem e nos capacitem no presente. Não como imitação, mas, sim, vis-
tas como subsídios para abordarmos as questões atuais com mais discer-
nimento.
Assim, reconhecemos o caráter educativo da História no que
concerne à formação do homem contemporâneo na sua totalidade, por-
que ela nos dá um leque de possibilidades que amplia o nosso olhar para
a realidade. Dessa forma, destacamos a importância da leitura dos clássi-
cos, como Maquiavel, foco de nossas reflexões. Os clássicos, segundo
Calvino (1993), se constituem como os grandes escritos de formação, que
transcendem o aspecto de informação, que transmitem ensinamentos pre-
ciosos. Deles emanam conhecimentos para qualquer momento da existên-
cia humana. As ideias de diferentes autores, de épocas distintas, resistiram
ao tempo na medida em que trataram da essência constitutiva do homem.
Ainda, sob essa perspectiva da história, relembremos a afirmati-
va de Bloch (1965) de que há um fundo permanente de reserva de conhe-
cimento que a auxilia a vida no presente.

Já não pensamos hoje, realmente, como o escrevia Maquiavel, como o pensa-


va Hume ou Bonald, que há no tempo “uma coisa, pelo menos, que é imutá-
vel: o homem”. Aprendemos que também o homem mudou muito: no seu
espírito e, provavelmente, até nos mais delicados mecanismos do corpo.
Como poderia ser de outro modo? Transformou-se profundamente a sua
atmosfera mental; e também a sua higiene, sua alimentação. Convimos, toda-
via, em que existe na natureza humana e nas sociedades humanas um fundo
permanente. Se assim não fosse, os próprios vocábulos de “homem” e de
“sociedade” não significariam coisa nenhuma (BLOCH, 1965, p. 42).

Nesse excerto, o autor se refere aos fundamentos de nossa


humanidade, da similaridade de nossos receios, de nossos desejos, nossas
imprecisões, nossas indagações. Os clássicos nos dão acessibilidade a
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exemplos, como já mencionamos, de como os homens viveram, educa-


ram, enfrentaram as vicissitudes cotidianas.
Com efeito, estudar a história de várias gerações é estudar nos-
sas próprias ideias e ver como chegamos a adquiri-las. Ao compreender-
mos como os grandes filósofos, como Tomás de Aquino (1225-1274),
Maquiavel, Montesquieu (1689-1755), Guizot (1787-1874) e outros trata-
ram seus problemas, buscando pelo pensamento a melhor maneira de
ordenar as relações humanas, poderemos, então, pensar nossa sociedade e
intervir nela. Torna-se relevante compreender como o pensamento dessas
autoridades influenciou a construção do conceito de educação, de conhe-
cimento, de cultura.
Importa, pois, pelo viés dos clássicos, em especial Maquiavel,
nos apropriarmos de seu legado como homem que foi capaz de olhar para
além de si, percebendo qual poderia ser sua contribuição para o seu
momento, o seu tempo, ou seja, ver sua Itália unificada e forte. De acor-
do com Bignotto (2007), humanistas como Coluccio Salutati (1331-1406),
Matteo Palmieri (1406-1475), Leon Battista Alberti (1404-1472),
Maquiavel, influenciados por Petrarca (1304-1374), descobriram o quanto
era valioso refletir sobre a organização das cidades, suas constituições e
suas construções como matérias nobres.

Tempo histórico e ambiência de Maquiavel

O estudo em tela será desenvolvido no sentido de vincular a filo-


sofia política do autor com o momento histórico em que ele viveu, den-
tro do quadro de sua vida pessoal e das condições sociais da Europa dos
séculos XV e XVI, em especial, a situação das cidades-estados italianas.
De acordo com Masters (1999), foi em meio à invasão da Itália1
que Maquiavel desempenhou, durante 14 anos, a função de Segundo
Secretário da Chancelaria de Florença (1498-1512), eleito pelo Conselho
dos Oitenta2, órgão maior da estrutura de governo da cidade. Tornou-se
uma figura importante no cenário político.
Esses cargos propiciaram a Maquiavel um extenso conhecimen-
to da política, conscientizando-o da complexidade dos acontecimentos
correntes e das deficiências do governo florentino. Suas viagens permiti-
ram-lhe, sem dúvida, se distanciar da Itália e com isso ver melhor os seus

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problemas. Teve oportunidades de observar ações de papas, reis e líderes


militares, aprendendo, assim, a respeito da sutileza política e do uso da
força. Pode visualizar a Itália de fora, presenciar as lutas partidárias da
península na esfera política internacional, avaliar todas as forças envolvi-
das que remodelavam os destinos dos Estados Italianos. Sua obra literária
fora marcada tanto por precedentes clássicos quanto pela experiência
moderna. Afirmamos que o envolvimento de Maquiavel em assuntos
políticos, diplomáticos e militares foi decisivo para a formação de seu
pensamento. Como secretário, Maquiavel usufruía de grande confiança do
gonfaloneiro, cargo vitalício da república, Piero Soderini (1498-1512). No
entanto, em 31 de agosto de 1512, quando exércitos espanhóis derrota-
ram a república, Soderini se rendeu para evitar os saques. Os partidários
dos Medici se apoderam dos postos-chave da administração. Em 16 de
setembro, destituiu-se o governo republicano. Nesse cenário, Maquiavel
foi deposto de suas funções e ficou sem o cargo e impedido de se envol-
ver em ações políticas. No início, acalentava esperanças de ser útil ao novo
governo, pois fora um funcionário fiel e competente. Todavia, em 19 de
fevereiro de 1513, seu sonho evanesceu, sendo aprisionado e torturado
como um conspirador contra os Medici3. Refugiou-se em sua proprieda-
de de Saint’Andrea, valendo-se de sua formação como poeta e literato.
Nesse período, escreveu suas obras mais importantes: O Príncipe (1513); os
Comentários (1515-17); A Arte da Guerra (1519-20) e A História de Florença
(1520/25). Maquiavel morreu em 1527, ano em que Roma foi saqueada
pelas forças do imperador Carlos V (1500-1558), do Sacro Império
Germânico (BIGNOTTO, 2007).
Nesse contexto de crise, os florentinos, entre eles Maquiavel, se
encontravam unidos por uma preocupação comum: o receio de perderem
a independência. A perda de Pisa, em 1494, local de suma importância
para a atividade comercial de Florença, foi um golpe para os florentinos,
levando-os a não mais recobrarem sua autoconfiança. Ameaçados por
guerras e outros perigos, difundiu-se a ideia em favor de um governo per-
sonificado em uma única família e, depois, em um só homem: o príncipe.
Maquiavel, aos 27 anos, viu Florença iniciar sua longa, dispen-
diosa e apaixonada luta pela reconquista de Pisa. Os interesses florentinos,
após a saída dos franceses, se dividiam entre a guerra com Pisa e o declí-
nio do poder de Savonarola. Ele escreveu O Príncipe em momentos em que
Florença alternava entre a forma de administração republicana ou a prin-

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cipesca. Via de forma prática o projeto de todas as personalidades e gru-


pos. A França e a Espanha passaram a ser vistas como inimigas impiedo-
sas, com recursos humanos e financeiros significativos, em constantes
guerras para dominar as províncias italianas, como Milão, Veneza,
Florença, Nápoles. Havia um jogo de poder entre as Dinastias Valois e
Habsburgo. Os Estados, na Itália, viviam uma inconstância.
Internamente, nesses Estados, ocorriam inúmeras crises, algumas supera-
das e outras se convertiam em revoluções. O perigo era iminente: a ambi-
ção de Veneza, os papas dispostos a fazer uso de armas para restabelecer
a glória e a segurança temporais da Igreja, o crescente poderio dos suíços,
a curta experiência de César Bórgia que reuniu várias senhorias semi-inde-
pendentes em uma província administrativa centralizada em Romagna,
criou um quadro de profunda crise política e social (HALE, 1963).
Assim, O Príncipe constitui uma tentativa de restituir, aos floren-
tinos e ao seu governo, o sentimento de autodeterminação. Maquiavel
parte do desejo e da possibilidade de ver a Itália unida e forte. A teoria de
Maquiavel sobre a decadência dos Estados e a passagem da República à
monarquia advém da observação atenta da história, sobre a forma como
os Estados se formam, decaem e ressurgem. Sua preferência é pela repú-
blica, pois acredita que o principado é mais fraco, no entanto, Maquiavel
reflete sobre as distintas formas de organização política, sobre a fisiono-
mia específica de cada uma, sem definir sobre qual forma de governo seria
superior.

O Príncipe de Nicolau Maquiavel


e sua contribuição para a formação do Absolutismo

Na sociedade italiana de fins do século XV e início do XVI, mar-


cada pela fome generalizada, pelas doenças endêmicas, pelas guerras per-
manentes, a figura de um monarca que pudesse trazer a unidade política e
a paz tornou-se parte do imaginário político da população e dos políticos
de modo geral. No momento em que um conjunto de mudanças sociais
caracterizava o alvorecer do mundo moderno, a crença de que o absolu-
tismo e o direito dos monarcas para governar eram divinos tornou-se, na
teoria e na prática, uma possibilidade de assegurar a paz e a ordem social.
A atribuição de um poder ilimitado ao Estado, embora não fosse exata-

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mente inédita, era uma ideia nova, no sentido de ser aceita sem maior con-
trole institucional e sem perda de sua legitimidade.
Saldanha (1987) indica que o Estado, em sua tendência unifica-
dora, toma as rédeas da atividade econômica, fundindo a política e a eco-
nomia no sistema mercantilista. Expandindo-se em direção às terras des-
cobertas no além mar, o recém-Estado absolutista, dinamizou a econo-
mia dos países europeus sob os mais amplos aspectos. À concentração
do poder monárquico pode-se acrescentar o aparecimento de uma justi-
ça do rei. O direito foi unificado na medida em que surgiam cortes de jus-
tiça diretamente ligadas ao poder real, em que se reformulavam compe-
tências, sistematizando-se o processo judicial. Do conjunto de costumes
elaborados desde o início da Idade Média sob a forma do direito consue-
tudinário, a justiça tornou-se, gradativamente, um direito escrito resultan-
te de um trabalho meticuloso dos funcionários da corte sob o jugo do
monarca. O surgimento dessa nova estrutura política implicou uma série
de mudanças em termos de valores, relações, modos de vida, padrões de
atitudes, usos, símbolos, crenças e posições. Nesse contexto, o princípio
de legitimidade do rei sofreu algumas alterações. É verdade que ainda
persistiu a ideia de legitimidade do monarca pela linhagem, mas novos
elementos entravam em cena: a noção de soberania do rei, do Estado e a
concepção de um poder soberano incontrariável. O debate em torno da
legitimação dessa nova forma de poder do governante inquietou e esti-
mulou o pensamento político nesse momento histórico. Era preciso
explicar e, sobretudo, justificar a presença de uma ordem política de
âmbito nacional, bem como a existência de um soberano: o monarca. Os
grandes pensadores políticos ligados ao ideário absolutista têm todos,
cada um em seu contexto e com expressões distintas, relação com o
desenvolvimento do conhecimento racional e da secularização absoluta
do poder.
Na chamada Renascença tardia (por volta de fins do século XV
e inícios do século XVI), tornava-se mais presente o poder absoluto.
Dedicava-se maior atenção ao estudo da política dirigida ao príncipe. Os
textos elegiam o príncipe como alvo, mesmo quando estava evidente que
suas preferências pessoais pendiam para a República. A preocupação des-
ses autores fez com que ficasse centralizada a atenção na figura mais
poderosa do príncipe, em detrimento da consideração do cidadão indivi-
dual (SKINNER, 1996).

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Uma possível explicação para esse tratamento dado ao poder


centralizado relaciona-se ao fato de que os elementos necessários para
estabelecer uma república tinham desaparecido. Como argumenta
Burckhardt (1973, p. 55), “[...] certamente, no seu foro íntimo, todos pro-
testavam contra o poder de um só, mas procuravam mais acomodar-se ao
regime ou até a beneficiar dele do que a reunir-se a outros para o atacar”.
Nesses termos, podemos destacar que Maquiavel, com sua perspicácia,
soube perceber o elo que se organizou entre a cultura literária e a vida
política, e os problemas de Florença nortearam suas reflexões.
No início do século XVI, a Itália, com Maquiavel, foi palco de
grandes mudanças nos estudos políticos. O autor foi homem de ação,
capaz de pensar a política com realismo. Apesar de sua predileção pela
república em sua cidade de Florença, desolada pela impetuosidade dos
Medici, desenvolveu sua teoria sobre o principado (BIGNOTTO, 1991).
Ao defender a unidade italiana, esse intelectual pregou a construção de
um Estado laico, dirigido por um príncipe único, dotado de inteligência e
inflexível na direção dos negócios públicos. Na esfera dos atos humanos,
ele atribuiu à conquista um lugar importante no movimento que constitui
a política. Em O Príncipe, Maquiavel (1979, p. 51) afirma que: “O desejo
de conquista é algo natural e comum; aqueles que obtêm êxito na conquis-
ta são sempre louvados, [...]”. Há, pois, a possibilidade de certas ações
recriarem as condições imperiosas para o aparecimento de sociedades for-
tes. Lembremos que Maquiavel escrevia para uma geração que, tendo
assistido à derrota da República Florentina, passara a acreditar mais na
força como elemento constitutivo da política. Em Maquiavel percebemos,
assim, o rompimento do pensamento de modelo ideal de política. Nele
abre-se espaço para a crítica do regime ideal. Sua atenção volta-se ao estu-
do da regulação das relações do indivíduo com o Estado, bem como des-
vendar com objetividade aos leitores a origem das leis e a inevitável rup-
tura do corpo social (BIGNOTTO, 1991).
Salientamos que, no contexto de crise do século XVI, todos os
florentinos, entre eles Maquiavel, encontravam-se unidos por uma preo-
cupação comum: o receio de perder sua tão estimada independência. O
monarca, por seu turno, seria o único capaz de governar a sociedade; de
assegurar a paz, a justiça, condições indispensáveis para o desenvolvimen-
to do indivíduo e do intelecto. Ao Estado atribui-se a função de se opor,
pela força das leis, à ação avassaladora das aspirações pessoais; sua postu-

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ra não é de mediador neutro e nem de juiz impessoal. Os homens são


incapazes de atos espontâneos de cooperação para a constituição da
sociedade política.
Nesse sentido, segundo Ames (2002), Maquiavel elabora uma
teoria do desejo que leva os homens a agirem mediante determinadas con-
junturas. O homem é insaciável, é um ser carregado de desejo, inclinado
ao egoísmo. Saltam de uma ambição para a outra, como riquezas, honra,
posses, poder político, segurança. Não há ação humana sem interesse. Ele
considera que a ambição não é nem boa e nem má. O príncipe prudente
deve refrear sua natureza humana e a de seus súditos, pois “[...] os bons
exemplos nascem da boa educação; a boa educação, das boas leis [...]”
(MAQUIAVEL, 2007, p. 22). Essa mesma questão do exemplo do prínci-
pe como elemento educativo é retomada no Príncipe quando ao autor diz
que a Fortuna “[...] decide a metade dos nossos atos, mas que nos permi-
te o controle sobre a outra metade [...]” (MAQUIAVEL, 1979, p. 90).
Depreende-se das reflexões de Maquiavel que ele concebe o homem
como agente de seus atos, portanto capaz de escolher seu caminho, pelo
fato de possuir livre arbítrio, mas precisa de um direcionamento que o
ajude a fazer as escolhas corretas. Esse direcionamento pode ser realiza-
do por meio do exemplo do governante, pela educação e de boas leis.
Segundo Gramsci (1991), nessas condições, O Príncipe de
Maquiavel apresentava a possibilidade de um governante atuar sobre um
povo sem unidade, despertando e organizando sua vontade coletiva. O
condottiero representava a vontade coletiva na direção de um fim político
determinado. Consideremos suas palavras:

O caráter utópico do Príncipe consiste em que o Príncipe não existia na real-


idade histórica, não se apresentava ao povo italiano com características do
imediatismo objetivo, mas era uma pura abstração doutrinária, o símbolo do
chefe, do condottiero ideal; [...] este é convocado para vir existir. [...] Em todo o
livro Maquiavel mostra como deve ser o Príncipe para levar um povo à fun-
dação do novo Estado, e o desenvolvimento é conduzido com rigor lógico,
com relevo científico; [...] (GRAMSCI, 1991, p. 4).

De acordo com o autor, o moderno príncipe deveria ser o divul-


gador e o patrocinador de uma reforma intelectual, moral e econômica
que possibilitasse o desenvolvimento dessa vontade de fundar um novo
Estado. O governante deveria ser a expressão ativa e atuante desse obje-

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tivo, bem como, o idealizador e dirigente das relações tecidas nesse


Estado único.
Maquiavel concebeu O Príncipe (1513) nos parâmetros de um
gênero literário chamado espelho dos príncipes4, que continuava a ser usado
no início do século XVI. Os temas escolhidos por Maquiavel em relação
às virtudes principescas e à conservação de seu reino são os mesmos. No
entanto, as respostas dadas por ele diferem das dos que o precederam,
neste gênero. O novo príncipe era aliado do perigo, de riscos. Na
Florença, que há muito tempo deixara de ser uma república e que vivia
somente de aparências, exigia-se uma escrita política peculiar. Assim,
Maquiavel fez uma associação entre o movimento de seu discurso, que
contrariava muitos de seu tempo, ao conhecimento da época e ao público
ao qual a obra se destinava (BIGNOTTO, 2007).
Segundo Maquiavel, a obra5 era resultado de sua própria apreci-
ação da estratégia e da tática, do estudo meticuloso e do registro preciso
tanto da ação política do passado quanto da contemporânea. Ao estabele-
cer regras de comportamento para o governante, instruindo-o na arte de
conquistar o poder e de conservá-lo, O Príncipe tornou-se um instrumen-
to educativo para a formação do monarca e um modelo para a sociedade.
Enfatizamos a ideia de que a obra constitui-se em modelo edu-
cativo para a sociedade não porque Maquiavel explicitasse esse objetivo de
educar o povo, mas porque, ao evidenciar o modelo de príncipe, ele esta-
ria encaminhamento um projeto para a sociedade, posto que a figura do
governante absolutista fosse o modelo e o exemplo para seus súditos.
As reflexões de Maquiavel em O Príncipe, como um instrumento
de formação do homem moderno, não se reduziam à transmissão de uma
ideia, mas tinham a função de construir uma interpretação de aconteci-
mento, ou seja, ele contrariou a política da Idade Média, trazendo uma
nova maneira de entendê-la e uma formação de Estado que não se cen-
trava em ideias, mas, sim, em um Estado possível de ser realizado.
Podemos afirmar que o olhar dos que são conquistados é guiado, em pri-
meiro lugar, pelo simples desejo de mudança, que não precisa identificar
seu objeto para existir. Com o correr dos acontecimentos, o desejo de
mudança se incorpora em algo tangível: o poder do príncipe. Uma vez ini-
ciado o processo de inovação, um combate entre duas posições, o agente
de poder e o povo, se instala e dele dependerá o sucesso ou não da
empreitada do conquistador. Desse modo, concomitantemente, era preci-

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so projetar a intencionalidade daquele que fazia o discurso, ou seja, legiti-


mar o poder do governante. Os homens deveriam estar convictos de que
a autoridade do governante único era indispensável para assegurar a segu-
rança individual e coletiva. O Estado, por meio de seu dirigente modelar,
teria a função de ensinar o indivíduo a atuar na sociedade de forma que
possibilitasse que os súditos conseguissem aliar seus interesses privados e
singulares com os da comunidade/Estado.
É, pois, sob esse aspecto que percebemos em O Príncipe caracte-
rísticas educativas. Salientamos que o que destacamos como conteúdo
educativo não se vincula à ideia de educação formal, mas diz respeito a
um princípio de sentimento de pertença que pode ser identificado em
uma educação social que permite a construção de identidades políticas
nacionais, em consonância ao governante absolutista. O autor via na figu-
ra do governante a possibilidade de ordenar a sociedade, objetivando um
governo que buscasse a unificação da Itália e capaz de dar a ela um senti-
do de público.
Maquiavel, no limiar do Renascimento italiano, percebeu o
Estado como um fato social, ou seja, considerou a história e a sociedade
como fenômenos humanos e que as relações humanas são modificadas de
acordo com as relações sociais de cada tempo histórico. Essa percepção
foi possível a Maquiavel em virtude de seu conhecimento da história, e é
sob esse aspecto que ele se torna, para nós, um exemplo da história. Ao
tê-lo como nesse sentido, afiançamos que o conhecimento de diferentes
realidades pode levar o homem a atos intencionais que pressupõem boas
escolhas. Segundo o autor, a sabedoria política assenta-se em um entendi-
mento adequado do passado.
De acordo com Maquiavel, o príncipe deveria ter como modelo
um personagem histórico que tivesse sido alvo de glória e honra. Ao
seguir o modelo de um príncipe do passado, o governante atual poderia
saber como manter a submissão daqueles que colaboraram para a sua
ascensão e, ao mesmo tempo, diminuir o apetite destes pelo poder.
Deveria acabar com a oposição, submeter os conquistados à sua autori-
dade, defender seu território de ataques estrangeiros e ser capaz de gov-
ernar na condição que fosse exigida. O governante não poderia fazer algo
pautado no voluntarismo porque julgasse ser certo, justo e racional, mas,
sim, na concepção da unidade do Estado e no que seria o mais racional e
necessário aos seus súditos. Em suma, o príncipe precisaria ser a

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expressão da prudência e do equilíbrio. O florentino assinalava ser impor-


tante imitar os grandes homens que se destacaram por sua excelência,
porque seus exemplos de combates e glórias contribuíram para o desen-
volvimento do poder no seu tempo e com isso possibilitaria o desenvol-
vimento da sociedade:

Caminham os homens, em geral, por estradas já trilhadas. Aquele que é pru-


dente, desse modo, deve escolher os caminhos já percorridos pelos grandes
homens, e copiá-los; sempre muito é aproveitado, ainda que não se possa
seguir fielmente esse caminho, nem alcançar inteiramente, pela imitação [...]
(MAQUIAVEL, 1998, p. 55).

Para o autor, quem é capaz de observar, com diligência, os fatos


do passado, poderá adquirir uma percepção daquilo que convém seguir e
daquilo que deve ser evitado. Seu conceito de imitação se constitui como
um conhecimento prático, uma lição extraída do passado, que, mantidas
as devidas proporções, permite ao homem do poder aplicar com sensa-
tez, no presente ou no futuro, medidas adequadas que permitam um con-
trole mais efetivo da ordem política. Do ponto de vista da intencionali-
dade, a relação entre o conhecimento da situação concreta e a atitude rea-
lizada aponta, para o governante, a necessidade do conhecimento ante-
rior para as escolhas corretas no âmbito da ação. O governante, como
legislador único, deverá dedicar-se à manutenção do poder e à conserva-
ção do Estado, possibilitando, assim, o desenvolvimento do homem e da
sociedade.
Ao abordar a política de forma realista e confrontar com o
conhecimento que tinha dela por meio do testemunho da história,
Maquiavel direcionava a conduta política em um mundo real. O cerne de
seu interesse não foi estudar o modelo ideal de Estado, mas o fenômeno
do poder, formalizado na instituição do Estado, buscando compreender
como as organizações políticas se fundam, se desenvolvem, perseveram e
decaem, especialmente, por meio de seu (s) governante (s).
Como Maquiavel estava envolvido com o poder de sua região,
pensa e constrói seu discurso no sentido de consolidar o poder do prín-
cipe e com ele o poder dos Medici que poderiam granjear a posição de
líderes da própria Itália.

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[...] far-se-ia necessário que a Itália chegasse aonde se acha neste momento.
Que se visse mais escravizada do que os hebreus, mais oprimida do que os
persas, mais desunida do que os atenienses, sem chefe, sem ordem, batida,
espoliada, lacerada, invadida, e que houvesse, por fim, suportado toda sorte
de calamidades. [...] (MAQUIAVEL, 1998, p. 147).
Verifica-se que roga ela a Deus o envio de alguém para redimi-la das cruelda-
des e insolências dos estrangeiros. Nota-se, igualmente, que está pronta e dis-
posta a seguir uma bandeira, desde que haja quem a levante. [...] (MAQUIAVEL,
1998, p. 148).
Caso vossa ilustre casa deseje seguir o exemplo daqueles grandes homens
redimir suas províncias, mister se faz, por primeiro, como verdadeiro alicerce
de qualquer empresa, prover-se de tropas próprias, uma vez que não há outras
mais leais nem melhores.E, não obstante cada soldado possa ser bom, todos
reunidos serão ainda melhores quando forem comandados pelo seu príncipe,
e por ele honrados e bem tratados. (MAQUIAVEL, 1998, p. 149-150).
[...] Tome, portanto, a vossa ilustre casa tal tarefa, com aquele ânimo e com
aquela fé com que se esposam as boas causas, afim de que, sob o seu brasão,
seja essa pátria enobrecida [...] (MAQUIAVEL, 1998, p. 151).

O apoio que Maquiavel forneceu aos Medici estava vinculado a


um projeto maior, que era o de unificar a Itália e esta família, a seu ver,
reunia condições para efetivar essa unificação porque poderia promover a
estabilidade política e vencer seus conquistadores.
De acordo com Skinner (1996), Maquiavel, ao buscar inspiração
nas ações e nos valores definidos pelos humanistas do alvorecer do sécu-
lo XV, discorre como um príncipe deve agir para conquistar a honra. O
seu herói ainda é o vir virtutis, ou seja, o homem verdadeiramente viril.
Este seria capaz de alcançar o nível de excelência, por meio de uma esme-
rada educação, proporcionada pelo olhar ao passado, para o legado que os
homens tinham construído.
Para ele, segundo Bignotto (2007), assim como para os teóricos
dos espelhos dos príncipes, a ação política é um confronto entre a virtú (o
empenho) e a fortuna (o acaso). A deusa romana Fortuna seria responsá-
vel pela ruína dos mais bem-elaborados de nossos planos, porém ressalta
que é possível cortejá-la, e o homem de legítima virtus pode até subjugá-
la, atraindo dela favores. Ele admite que a fortuna possa levar o homem a
adquirir um estado, um reino, homens para governar, assim como pela
prática da virtú: “Os principados ou são hereditários, e têm como um
senhor um príncipe pelo sangue, por longa data, ou são novos. [...] domí-
nios assim [...] adquiridos com tropas alheias ou próprias, pela fortuna ou

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pelo mérito” (MAQUIAVEL, 1998, p. 37). No capítulo VII, cita o exem-


plo de César Borgia6 (1475-1507), que conquistou o poder em decorrên-
cia da influência do pai, o papa Alexandre VI (1492-1503). Todavia, o per-
deu quando este lhe faltou, ainda que tivesse sido prudente e capaz, o
autor o apresenta como modelo a ser imitado, pois César Borgia soube
combater seus inimigos, conquistar novos territórios, acalentar seus
subordinados. Entretanto, entre os poucos erros que cometeu, um foi o
maior causador de sua ruína política: não impediu a eleição do papa Júlio
II, o inimigo mais voraz de seu pai.
Todavia, consoante à relação entre virtú e fortuna, é importante
salientar que, para Maquiavel, embora a fortuna, o acaso, proporcione cha-
ves para o sucesso da ação política e possa constituir a parte da vida que
independe da vontade do indivíduo, ele não compactua com a atitude pas-
siva de fatalismos. Logo, o príncipe deve ser guiado pela prudência e, se
possível, aproveitar-se da sorte. Assim, observa Maquiavel:

[...] quando um príncipe se apóia apenas na fortuna, arruína-se de acordo com


as variações daquela. Julgo feliz, também, o que harmoniza sua maneira de
agir com as características de cada época, e infeliz aquele cujo modo de pro-
ceder discorda dos tempos (MAQUIAVEL, 1998, p. 144).
[...] mudando-se a sorte, e conservando os homens, obstinadamente, o seu
modo de proceder, são felizes enquanto esse modo de proceder e as caracte-
rísticas da época estiverem de acordo. [...] é melhor ser impetuoso do que pru-
dente, [...] a fortuna como mulher, é sempre amiga dos jovens, pois são menos
circunspectos, mais impetuosos e com maior audácia a dominam (MAQUIA-
VEL, 1998, p. 146).

As circunstâncias e a adaptação às circunstâncias são, porém,


definidoras para o governante, por isso a flexibilidade é a chave do suces-
so. De acordo com Ames (2002), para Maquiavel existiriam leis gerais,
como “[...] a natureza das coisas e do homem comportam constantes que
produzem necessariamente o retorno dos mesmos efeitos que, sendo ade-
quados ou inadequados, exigem necessariamente meios análogos para os
assumir ou evitar” (AMES, 2002, p. 84). Os fatos políticos não ocorrem
de forma aleatória, obedecem condições de surgimento identificáveis.
Interpretações fatalistas dos acontecimentos paralisam a ação, que por
conseguinte provocam uma autoanulação da subjetividade prática. Para
responder de forma eficaz às agruras da realidade diversa, contraditória e
conflitual, requer-se do homem de poder ações novas e distintas diante
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das especificidades do momento. A ação política está condicionada pelo


resultado, pela necessidade de obter certo fim, há uma lógica da ação. Os
legisladores das repúblicas ou dos reinos, de acordo com Maquiavel,
devem refrear os apetites humanos, retirando toda a esperança da impu-
nidade. É a coerção que faz os homens desejarem viver coletivamente.
O autor dá uma nova interpretação para virtú e fortuna. Não acei-
ta a posição de inércia, impotência e resignação diante da fortuna. É
necessário, sempre, agir racionalmente, reconhecer e controlar situações
políticas práticas. A influência da fortuna é proporcional ao seu conheci-
mento prático dos homens e da história, somados à sua capacidade de
análise das situações e avaliação das consequências da ação. O homem
comedido, dotado de prudência e habituado a esse exercício terá possibi-
lidades de encontrar a justa medida em seus atos. “Desse modo, o prínci-
pe não deve ser crédulo nem precipitado, nem atemorizar-se, e sim pro-
ceder com equilíbrio, prudência e humanidade, para que o excesso de con-
fiança não o torne incauto, nem a desconfiança excessiva o faça intolerá-
vel” (MAQUIAVEL, 1998, p. 106). Nesse excerto, o autor recomenda
astúcia e prudência ao Príncipe, pois ele deve estar de prontidão diante
dos momentos adversos. A justa via na ação política implica a alternância
do uso do vício e da virtude. Desse modo, a interação entre virtú e fortuna
tudo decide. Sendo a primeira a energia, o empenho, a vontade dirigida
para um objetivo e a segunda, o acaso, a oportunidade, juntas vão tecer a
rede em que se desenvolve o desejo do Estado unificado.
Enfatizamos, até então, o papel da fortuna e a importância do
conhecimento da história, agora, de acordo com O Príncipe, destacaremos
como deve ser o comportamento dos governantes diante das adversida-
des, para manter o poder e o controle no seu Estado. De acordo com
Skinner (1996), por várias vezes Maquiavel sustentou que o principal
dever do Príncipe era proteger sua própria segurança e força, para tanto,
a virtú do governante é a chave para que ele mantenha seu estado. No
entanto, aos seus súditos deve assegurar a estabilidade, a segurança e a
liberdade, criando ordenações e leis que contemplem tanto o poder do
príncipe quanto a segurança de todos, pois o “[...] povo não quer ser
governado nem oprimido pelos poderosos, [...]” (MAQUIAVEL, 1998, p.
73). Para desviar o desprezo e o ódio e conservar o vulgo satisfeito é
necessário:

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[...] não ser rapace e usurpador dos bens e das mulheres dos súditos. [...]
Desprezível torna-se o príncipe considerado volúvel, leviano, efeminado,
covarde, indeciso. [...] Deve ele fazer com que de seus súditos se reconheça a
grandeza, a coragem, a gravidade e a fortaleza; [...] deve tornar irrevogável a
sua sentença, comportando-se de maneira a que ninguém cogite enganá-lo ou
fazer com que mude de idéia (MAQUIAVEL, 1998, p. 113).
Conclui-se, então, que um príncipe prudente deve pensar nos modos de ser
necessário aos súditos, sempre, e de estes necessitarem do estado; depois, ser-
lhe-ão sempre leais (MAQUIAVEL, 1998, p. 76).

Para Maquiavel, um dos aspectos que assegura a conservação do


Estado está relacionado ao fato de o príncipe não ser alvo do ódio do
povo. Nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, ele declarou: “[...] os
povos, como diz Túlio, mesmo sendo ignorantes, são capazes de entender
a verdade e facilmente cedem, quando a verdade lhes é dita por homem
digno de fé” (MAQUIAVEL, 2007, p. 23). A crise que se abatia sobre sua
pátria exigia clareza, objetividade, determinação e sabedoria de todos.
Destacamos aqui que, para o autor, há “[...] em toda república
dois humores diferentes: o do povo e dos grandes, e que todas as leis que
se fazem em favor da liberdade nascem da desunião entre deles”
(MAQUIAVEL, 2007, p. 22). Entre as distintas constituições de poder, a
congruência é que em todos os casos o governo se divide entre o povo e
os nobres e as leis resultam do conflito entre ambos. O Príncipe seria o
representante de um dos lados em luta, o qual deveria assegurar o desejo
do povo de não-opressão. Esse desejo faz do povo um aliado perfeito
para o agente de poder. Nessas condições, a formação do Príncipe é fun-
damental, por isso, era premente ao Príncipe aprimorar sua educação,
para, assim, ser possível o desenvolvimento do ideal da grandeza humana.
Assim, recomendava Maquiavel:

Agora, no que diz respeito ao exercício do pensamento, deve o príncipe ler


histórias de países e avaliar as ações dos grandes homens, verificar como se
conduziram nas guerras, analisar os porquês de suas vitórias e derrotas [...]
Um príncipe sábio deve prestar atenção a essas coisas e jamais permanecer
ocioso nos tempos de paz; ao contrário, deve, com astúcia, ir juntando cabe-
dal de que se possa servir nas adversidades, para sempre estar pronto a opor-
lhes resistência (MAQUIAVEL, 1998, p. 97).

Diante disso, podemos assinalar que, para Maquiavel, quanto


mais acesso ao mundo da cultura o Príncipe tivesse, mais sábio ele se faria,
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mais teria condições de desenvolver e de aprimorar sua humanidade. O


momento exigia do Príncipe sentimentos, conhecimento e sensibilidade
que o auxiliassem a pensar e agir diante de situações novas. Esses requisi-
tos poderiam ser desenvolvidos pela capacidade reflexiva dos homens, ou
seja, pela autonomia intelectual. Essa formação, por sua vez, poderia ser
refletida em toda a sociedade, pois, dependendo da compreensão que o
Príncipe teria de educação, como modelo, os homens que ele dirige seriam
formados e educados, ou não.
Maquiavel considerava necessário educar o povo no sentido de
convencê-lo de que poderia existir apenas uma política, a realista, para
alcançar o objetivo desejado e, portanto, seria preciso unir-se e obedecer
àquele príncipe que empregasse esses métodos para alcançar o objetivo,
pois só quem almeja um fim procura os meios adequados para alcançá-lo.
Para tanto, o Príncipe deveria conquistar a confiança do povo, pois
somente quando este, como um todo, responde pelo governo é que o bem
comum é considerado de forma efetiva. Nesses termos, necessitava-se
buscar ações que visassem à concretização do bem comum.
Em continuidade ao pensamento de como devem ser as ações
do príncipe, segundo os conselhos de Maquiavel, adentramos em um
ponto muito polêmico de sua teoria política: a ética. Indo na contramão
de seus predecessores, Maquiavel sustenta que nem sempre podemos agir
como gostaríamos no campo da política. A política real se ordena de
maneira peculiar. Segundo Moraes (1981), Maquiavel declara que todos os
atos ou procedimentos necessários à defesa do Estado ou ao bem da
Pátria, úteis à comunidade ou ao príncipe que a encarna, serão morais. Ao
contrário, os atos que objetivam a satisfação de interesses próprios e
egoísticos são imorais. Para Maquiavel, a corrupção incapacita as pessoas
de se dedicarem ao bem comum, levando-as a colocar em evidência seus
próprios interesses em detrimento aos da comunidade.
Todavia, esse pensador argumenta que, em certas circunstâncias,
são necessárias atitudes contrárias às virtudes cristãs (a Fé, a Caridade e a
Esperança) e morais (a Prudência, a Temperança, a Fortaleza e a Justiça)
recomendadas na literatura dos espelhos de príncipe.
Paradoxalmente, esse filósofo, indica, seguidas vezes, que é louvá-
vel o príncipe praticar as virtudes. No entanto, se ele não puder ser virtuo-
so, já que lida com homens perversos, deverá manter as aparências, para,
com prudência, escapar da má reputação. Reportemo-nos às suas palavras:

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No entanto, não é preciso que o príncipe tenha todas as qualidades mencio-


nadas; basta que aparente possuí-las. [...] um príncipe, em especial quando
novo, não pode observar todas as coisas a que são obrigados os homens tidos
como bons, pois é muitas vezes forçado, para manter o governo, a agir con-
tra a caridade, a fé, a humanidade, a religião. [...] Deve o príncipe, contudo,
cuidar para não deixar escapar dos lábios expressões que não revelem as cinco
qualidades [...] devendo aparentar, à vista e ao ouvido, ser todo piedade, fé,
integridade, humanidade, religião. [...] Procure, pois, um príncipe vencer e
preservar o Estado. Os meios empregados sempre serão considerados hon-
rosos e louvados por todos, porque o vulgo se deixa conduzir por aparências
e por aquilo que resulta dos fatos consumados, [...] (MAQUIAVEL, 1998, p.
110-111).

Após analisar as relações da ética com a política, observando o


abismo entre o modo como se vive e como se deveria viver, Maquiavel
afirmou que ao príncipe não convém desviar-se do que é bom, se assim
for possível. Todavia, quando for necessário, ele deve praticar o mal com
sabedoria. Muitas vezes uma atitude franca e varonil, como um legítimo
vir virtutis, revelava-se inadequada. Assim, no c. XVIII de O Príncipe, o
secretário florentino aconselha o Príncipe a agir meio como animal e meio
como homem para sobreviver em um contexto de corrupção. Ao definir
o que seria uma boa finalidade, ele expressava sua visão da política e da
humanidade. Ele via a humanidade de uma perspectiva muito pessimista:
o homem era depravado, ingrato, egoísta. Prevenia o príncipe de que
deveria ficar preparado para agir contra as convenções da fé, caso alme-
jasse manter-se seguro. Deveria, também, afastar-se das veredas indicadas
pela tradição sem medo e sem arrependimentos.
Maquiavel empreendeu uma revolução no gênero dos manuais
de aconselhamento aos príncipes. Ele redefiniu o conceito de virtú. O
Príncipe virtuoso não deve hesitar diante das necessidades, seja uma ação
má ou virtuosa, para alcançar seus fins mais altos. A virtú passa a ter uma
nova significação, ou seja, a qualidade de flexibilidade moral, indispensá-
vel para o Príncipe perceber e reconhecer o que se deve alterar em sua
conduta quando os ventos da Fortuna assopram somadas as variações cir-
cunstanciais (SKINNER, 2010).
Em consonância com as formulações tecidas, podemos concluir
que o legislador pode ser interpretado sob a perspectiva do conjunto de
crenças, sentimentos, interesses e argumentos do seu período histórico e
de sua essência humana. Como pondera Ames (2002, p. 52), para

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[...] Maquiavel, o homem se realiza na terra e, conseqüentemente, os fins que


persegue devem também ser terrenos. Este é o ponto de partida de suas refle-
xões sobre as forças que atuam no homem, as suas reações primigênias, as
tendências de sua vontade e de sua razão. Tudo o que resulta desse jogo entre-
cruzado de tendências (dos indivíduos entre si, dentro de uma comunidade e
das comunidades entre si como organismos) torna-se valioso, porque isso e
não outra coisa constitui a vida humana.

Essa máxima liberta a ação do agente de poder da limitação


imposto pela moral existente até então. O legislador não pode ser visto
como indivíduo, mas como reflexo de determinada vontade coletiva. Não
se pode julgar um homem político de acordo com sua maior ou menor
honestidade, por agir ou não com equidade, mas por cumprir ou não seus
compromissos, o juízo deve ser político e não moral.
Para concluir nossa análise da obra do autor florentino, refletire-
mos sobre quais seriam os fundamentos do governo, independentemente
do modelo de Estado.
Para Maquiavel os alicerces do governo seriam boas leis e boas
armas. Possuir um exército próprio seria de suma importância para a
segurança do Estado, por isso o príncipe deveria dominar a arte da guer-
ra, possuir destreza, pois existindo boas armas, existiriam boas leis. Como
era de sua opinião que a corrupção se alastrava pela Península Itálica, era
de vital importância que o Príncipe se mantivesse firmemente no poder.
Essa situação corrompida e humilhante da Itália exigia instrumentos radi-
cais para curá-la. A insegurança política da Itália justificava sua obstinação
pela estabilidade política, a qual deveria ser conquistada pela astúcia e pela
força. Por isso, em O Príncipe, enaltece a ação dos profetas armados, sendo
“[...] os maiores Moisés, Ciro, Rômulo, Teseu [...]” (MAQUIAVEL, 1979,
p. 54). Estes, segundo o florentino, foram fundadores de reinos dignos de
admiração. Desse modo, Maquiavel concede acentuada relevância ao fim
que a força bruta cumpre na vida política.

E os principais fundamentos dos Estados, sejam eles novos, velhos ou mis-


tos, são boas leis e boas armas. [...] As mercenárias e as auxiliares são inúteis
e perigosas. Se alguém mantiver seu Estado apoiado nessa classe de forças,
nunca haverá de estar seguro; [...] O Estado é espoliado por elas na paz; na
guerra, pelos inimigos [...] (MAQUIAVEL, 1998, p. 85-86).
Em suma, nas tropas mercenárias é perigosa a covardia; nas auxiliares, o méri-
to. [...] Carlos VII, pai do rei Luís XI, que com sua boa fortuna e mérito liber-
tou a França do jugo inglês, apercebeu-se da necessidade de se armar com
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tropas próprias e assim tornou obrigatório, no reino, o serviço militar


(MAQUIAVEL, 1998, p. 92-93).
[...] Um príncipe não deve ter outro objetivo ou pensamento, ou manter qual-
quer outra coisa como prática, a não ser a guerra, seu regulamento e sua dis-
ciplina, pois essa é a única arte que se espera de quem comanda. [...] A causa
que te levará a perder o domínio, em primeiro, é descuidar dessa arte, e só o
poderás conquistá-lo ao professá-la. [...] deve se preocupar sempre com a arte
de guerra, e praticá-la na paz mais ainda do que na guerra, [...] (MAQUIA-
VEL, 1998, p. 95-96).

Para Maquiavel, o amor à pátria, o uso da violência pela sua


causa, constituía-se como elemento necessário à virtús do legítimo cidadão.
Esse estadista conclui declarando a importância de um Príncipe ter uma
milícia constituída por cidadãos, pois, caso contrário, estaria à mercê da
fortuna. Destaca que isso é necessário porque em momentos difíceis não
haverá virtú que mantenha o Estado seguro.
Constatamos, pois, que a relação do pensamento de Maquiavel
com o Absolutismo expressou-se em diversos sentidos. Em sua obra O
Príncipe, ele se pôs no limiar da teoria política moderna, usando o termo
Estado em sentido novo. Ao afastar do Estado os imperativos da moral
corrente, o autor tornou-se o arauto da autonomia da política, afirma
Chevallier (1957). Espelhando-se no modelo de Estado nacional monár-
quico francês, em sua visão, o Estado moderno já se mostrava na própria
linguagem. Para ele, o Príncipe deveria romper todas as concessões peri-
gosas, concentrar-se no poder e exercê-lo com rigor, pois o Estado se
revela como obra do homem. Ele pressentiu que o destino das nações
europeias era de se consolidar como monarquias soberanas que deveriam
se governar com o consenso dos súditos. A monarquia absoluta seria lim-
itadora do poder dos papas, fundadora de grandes Estados territoriais
nacionais, função que não poderia se realizar sem o apoio da burguesia e
de um exército permanente, nacional, centralizado, entre outros. Assim,
do legado de Maquiavel, o que ficou foi um padrão de pensamento que se
tornaria postumamente conhecido como razão de Estado.
Percebemos, enfim, que os escritos de Maquiavel iam ao encon-
tro das questões postas em seu momento, fazendo parte do cabedal das
ideias legitimadoras do poder régio, as quais ganhavam força e aceitação
na sociedade. A obra O Príncipe era privada, destinava-se aos príncipes e,
em especial, ao novo príncipe de Florença, da família Medici. No entan-
to, sem ignorar os valores humanos, inclusive os morais e religiosos que
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norteavam a formação do sujeito, seu manual expressava um modelo de


educação para toda a sociedade. Os homens têm responsabilidade para
com os demais homens e a educação assume função primordial. Desse
modo, todo o ensino e todo o aprendizado pressupõem ações éticas.
Sublinhamos, pois, que o pensamento político de Maquiavel se
construiu conforme sua visão do contexto geral da Europa, sem o qual
seu pensamento seria utópico. Ele superou a experiência italiana com o
exemplo das nascentes nações europeias. Em um período de luta e con-
solidação de um novo poder, exigia-se, segundo ele, a arte de mediar. As
formulações de Maquiavel contribuíram para a formação dos princípios
dos Estados absolutos, pois entendia que somente um governante com
poder absoluto seria capaz de resolver os problemas da época. Segundo
Chevallier (1957), após a primeira impressão do O Príncipe, em 1531, com
autorização do Papa Clemente VI, as edições dessa obra multiplicaram-se,
especialmente a partir de 1550. O Príncipe se tornou o livro de cabeceira
dos soberanos absolutistas.
Com base nas ideias construídas ao longo do texto, podemos
afirmar que a formação do Estado Absolutista permitiu que os homens,
agindo de forma coletiva ou singular, se organizassem e definissem obje-
tivos comuns para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. A his-
tória exemplifica que a cooperação entre os homens, visando a um bem
coletivo, foi responsável pelas realizações humanas e que esse é o papel da
Educação. Ao formar o homem de forma integral (cognitiva, sensível e
eticamente), a educação lhe oferece a possibilidade de compreender, esta-
belecer os limites e definir as ações necessárias para a convivência.
Independentemente do tempo e dos limites espaciais, a educação se faz
presente em qualquer organização social, uma vez que os homens se
influenciam, mutuamente, por meio de suas relações cotidianas, apren-
dem uns com os outros.
Maquiavel começou sua carreira numa posição de poder e pres-
tígio e morreu pobre e em desgraça. Todavia, mediante uma combinação
de gênio e talento como escritor, essa derrota tornou-se o fundamento
para obras de sucesso duradouro. A desgraça, que o afastou de sua posi-
ção de alto funcionário do Estado, levou-o a dedicar tempo e esforço para
escrever suas principais obras, resultante de uma profunda reflexão sobre
a atividade política. Foi, portanto, a desgraça na política que possibilitou
sua grandeza como historiador da política.

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Considerações finais

Observamos que a obra desse florentino exprimiu, pela primei-


ra vez, a noção de Estado como forma de organização da sociedade da
maneira como a concebemos hoje. É notável constatar que as análises de
Maquiavel referentes à política de seu tempo conservam-se atuais.
Percebe-se hoje, nas relações entre os estados e na própria sociedade, a
competição, o jogo de interesses particulares. Nota-se a falta do engaja-
mento das pessoas em projetos coletivos e em causas mais amplas.
A grandeza de sua obra continua a nos atrair, sendo uma inesgo-
tável fonte de sabedoria política importante para o melhor entendimento
das questões que permeiam os debates políticos de nossa época. Ao ler-
mos os clássicos percebemos o quanto eles se conservam atuais. Eles per-
manecem porque tratam questões humanas para além do tempo vivido
por eles. Os autores que se tornaram clássicos tiveram consciência das
questões de sua época, se posicionaram e se esmiuçaram nos problemas
sociais. Maquiavel se envolveu com os problemas do seu tempo e, com
determinação, buscou meio de resolvê-los.
Sublinhamos que aprendemos melhor o contexto da nossa pró-
pria vida quando aprofundamos a vida de homens que pertenceram a
outras sociedades. Assim, a obra de Maquiavel nos serve como modelo
para termos uma vida ativa, nos colocando como agentes partícipes dos
problemas de nossa época, buscando soluções, para que os homens e a
sociedade se desenvolvam, possibilitando o bem viver. É certo que cada
um de nós almeja viver em paz e usufruir as vantagens de um mundo sem
conflitos. Todavia, a simples vontade de extirpar os conflitos não será
suficiente, é necessário, pois, por meio da ação, construir instituições que
acolham, transformam e materializam os desejos diversos dos homens,
que permitam a convivência coletiva. A sociedade deve ser composta de
indivíduos ligados por laços de responsabilidade, de comprometimento,
seja em relação uns com os outros seja em relação à realidade, cuja destru-
ição leve à perda dos indivíduos.
Reconhecer as atuais circunstâncias históricas, mediante uma
análise acurada e realista do mundo, não deve nos entregar à impotência,
à inércia e à passividade, mas deve nos levar a desejá-lo melhor e, acima
de tudo, agir, pois é por meio da ação que os homens realizam suas obras
em comum. Verifica-se, assim, a necessidade da formação de sujeitos

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conscientes, que atuem nas suas respectivas ambiências cotidianas. Esse é,


pois, o legado de Maquiavel. O seu projeto social era, juntamente com
outros do seu tempo, reencontrar o vigor perene que acreditava ter exis-
tido nos primeiros tempos da República e restituir a Florença e à sua Itália
o esplendor de um regime que agonizava.
Concluímos, portanto, que a obra de Maquiavel é importante
para o contexto das análises concernentes à Educação do século XXI,
pois nos permite compreender os fundamentos da formação política da
sociedade moderna e, por conseguinte, compreender a formação do
homem político moderno.
A ética, a moral, as virtudes e o conhecimento são os elementos
essenciais para a formação do governante e este ser humano devia ser
construído por meio da observação e do ensino. Esses princípios perenes,
resistentes às vicissitudes dos tempos, constituem-se como base para fazer
renascer a saúde do tecido social. Entendemos a composição de
Maquiavel como extremamente relevante àquela sociedade, pois a impor-
tância da vida material implicava uma postura educacional que valorizava
o ensino da ética, voltado para uma melhor organização da vida social,
que favorecesse um viver mais solidário e harmonioso entre os homens.
Consideramos, pois, que o conhecimento que os homens cons-
truíram é que tornou possível a convivência entre eles, ou seja, com base
na educação, eles formaram a sociedade em que viviam: suas instituições,
crenças, filosofia, arte e ciência.

Referências

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SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. 1. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.

Notas

1 Segundo Bignotto (2007), com o apoio de Lodovico Sforza (1452-1508), príncipe de


Milão, cidade politicamente rival de Florença, Carlos VIII (1470-1498), rei da França,
invade a Itália, em 1494, dando início a uma série de invasões e guerras e deixando a Itália
vulnerável às disputas de poder de soberanos europeus. Florença, sob a ameaça de saque
e destruição, fez com que Piero (1471-1503), filho de Lourenzo (1449-1492), o
Magnífico, intimidado, cedesse às demandas do invasor, provocando, assim, grande insa-
tisfação do povo florentino, mediante sua covardia. Em meio a essa turbulência, o sobe-
rano é deposto depois de entregar Pisa aos franceses, deixando cair por terra os sessen-
ta anos de domínio dos Medici (1434-1494).
2 Com o intuito de impedir os abusos dos Medici, foi organizado um Grande Conselho,
formado por cidadãos cujos pais ou avós haviam sido elegíveis para cargos públicos.
Esse Conselho indicava cargos destinados a um Conselho dos Oitenta. Dentre os fun-
cionários que ocupavam cargos administrativos, neste segundo Conselho, estavam os
chanceleres e secretários. Na prática, as eleições da república florentina eram dominadas
por famílias ricas e poderosas, que formavam alianças com grupos privilegiados por
meio do apadrinhamento e favores. A eleição de Maquiavel ao cargo influente de

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Segundo Chanceler se deu devido a essas alianças, baseadas na riqueza, família, confra-
rias (MASTERS, 1999).
3 De acordo com Masters (1999), em 11 de março de 1513, após a morte do papa Júlio
II (1445-1513), o cardeal Giovanni de Medici, filho de Florença, torna-se o novo pontí-
fice, assim, em meio ao regozijo dos florentinos, os prisioneiros são anistiados, ficando,
então, livre Maquiavel.
4 Espelhos dos príncipes eram livros de aconselhamento destinados aos príncipes e outros
magistrados para bem governarem. Essas obras enfatizavam as virtudes que deveria pos-
suir um bom governante e indicavam que todas as suas ações deveriam estar em con-
formidade com as quatro virtudes cardeais: a prudência, a magnimidade, a temperança e
a justiça. A temática dessas virtudes tornou-se característica principal dos moralistas
renascentistas. Praticamente não analisam a estrutura administrativa, mas compartilham
da importância da análise das atitudes que os revestidos de poder devem tomar, a fim de
ter sempre o bem comum da cidade. Tendiam a minimizar a relevância do cidadão indi-
vidualmente considerado, centrando sua atenção no personagem bem mais imponente e
influente, o príncipe. Entre muitos outros escritores desse gênero textual, citamos
Francesco Patrizi (1412-94), que endereçou sua obra Do reino e da educação do rei, escrita
na década de 1470, ao papa Sisto; e o mais célebre deles é a obra O Príncipe, de Nicolau
Maquiavel, redigida em 1513, destinada ao príncipe Lourenço de Medici IV, objeto deste
estudo. No final do século XV, os escritos de aconselhamento e elogios ao monarca
alcançaram o apogeu (SKINNER, 1996).
5 Masters (1999) informa-nos que, em uma carta a Lourenço, filho de Piero de Medici,
Maquiavel declarou que estava escrevendo um manual de conselhos para os príncipes,
especialmente para o novo príncipe de Florença, da família Medici, com o intuito de aux-
iliá-lo a manter o poder e o controle no seu Estado.
6 Maquiavel, em 1502-3, acompanhou César Bórgia em uma missão diplomática.

Recebido: 21/10/2010
Aprovado: 18/08/2011

Contato:
Universidade Estadual de Maringá
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes
Departamento de Fundamentos da Educação
Avenida Colombo, 5790
Jardim Universitário
CEP 87020-900
Maringá, PR
Brasil

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