Germana Konrath Dissertação Baixa
Germana Konrath Dissertação Baixa
Germana Konrath Dissertação Baixa
VEZES
FAZER ÀS
VEZES
ALGO POÉTICO
PODE SE TORNAR
FAZER
POLÍTICO
ALGO POLÍTICO
PODE SE TORNAR
POÉTICO
a ocupação
do tempo e do espaço
na poética urbana
de Francis Alÿs
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional
Germana Konrath
Porto Alegre
2017
CIP - Catalogação na Publicação
Konrath, Germana
Às vezes fazer algo poético pode se tornar político
e às vezes fazer algo político pode se tornar poético:
a ocupação do tempo e do espaço na poética urbana de
Francis Alÿs / Germana Konrath. -- 2017.
247 f.
Orientador:
Prof. Dr. Paulo Edison Belo Reyes
Banca examinadora:
Prof. Dr. Edson Luis André de Sousa
Prof. Dr. João Farias Rovati
Prof. Dr. Leandro Marino Vieira Andrade
Prof.ª Dr.ª Rita de Cássia Lucena Velloso
Porto Alegre
2017
Ao Marcelo, todos meus impulsos utópicos.
AGRADECIMENTOS
Aos livros, que portam consigo novos universos;
Ao Paulinho, pelo acolhimento imediato e pela confiança sempre presente;
Ao Edson, ao João e ao Leandro, pelo incentivo e generosidade no processo;
Aos professores da banca, por aceitarem participar desta etapa final;
Ao Marcelo, por tudo que compartilhamos;
À minha mãe, por sua capacidade de me surpreender constantemente;
À minha irmã, meu contraponto complementar;
À Lena, pela amizade que atravessa os anos;
Ao Ricardo, pela presença em todos os momentos;
Aos amigos e à família, pelas trocas.
O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é
aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos
todos os dias, que formamos estando juntos. Existem
duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a
maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte
deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é
arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas:
procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno,
não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.
Italo Calvino
RESUMO
A presente pesquisa trata da atualização de impulsos utópicos através
da trajetória poética do artista belga-mexicano Francis Alÿs e de seu entre-
laçamento com a noção de direito à cidade desenvolvida por Henri Lefebvre.
Mais especificamente, questiona o potencial de reflexão e de transformação
que essa produção artística apresenta em relação à nossa forma de pensar e
de ocupar o espaço público, tanto de um ponto de vista temporal quanto es-
pacial. O estudo tem como objeto empírico ações poéticas de Alÿs realizadas
em grandes cidades ocidentais, majoritariamente latino-americanas, entre
o final do século XX e início do XXI. Tais ações são aqui debatidas frente à
produção teórica de autores cujas publicações datam desse mesmo período:
Gilles Deleuze e Félix Guattari, Jacques Rancière, Michel de Certeau e Néstor
García Canclini. Os conceitos que fundamentam toda a pesquisa, no entanto,
tais como espaço público, direito à cidade e impulso utópico, remontam a dois
pensadores do início do século XX: Henri Lefebvre e Ernst Bloch. O diálogo
entre teoria e prática configura a espinha dorsal desta dissertação, que busca
em obras artísticas a atualização dos conceitos trazidos pelos autores citados
e a reverberação dessas práticas na teoria.
PALAVRAS-CHAVE
KEYWORDS
Fig. 03. Montagem da autora sobre desenho de Francis Alÿs. Fonte: ALŸS,
2010. 34
Fig. 05. Francis Alÿs. Montagem do artista. Fonte: ALŸS, 2010. 46-47
Fig. 06. Francis Alÿs. Montagem do artista. Fonte: ALŸS, 2010. 58-59
Fig. 07. Francis Alÿs. Desenho do artista. Fonte: ALŸS, 2010. 82-83
Fig. 08. Francis Alÿs. Fairy Tales, 1995-98. Documentação fotográfica de uma
ação. Fonte: FERGUSON; FISHER; MEDINA, 2007, p. 27. 85
Fig. 11. Francis Alÿs em colaboração com Felipe Sanabria. El colector, 1990-
92. Documentação fotográfica de uma ação. Fonte: FERGUSON;
FISHER; MEDINA, 2007, p. 72. 97
Fig. 14. Francis Alÿs. Turista, 1994. Documentação fotográfica de uma ação.
Fonte: FERGUSON; FISHER; MEDINA, 2007, p. 11. 109
Fig. 15. Francis Alÿs. Vivienda para todos, 1994. Documentação fotográfica
de uma ação. Fonte: FERGUSON; FISHER; MEDINA, 2007, p. 88. 112
Fig. 17. Francis Alÿs. Doppelgänger, 1999 - presente. Série de slides. Fonte:
FERGUSON; FISHER; MEDINA, 2007, p. 71. 123
Fig. 18. Francis Alÿs. Pacing, 2001. Documentação gráfica de uma ação.
Fonte: FERGUSON; FISHER; MEDINA, 2007, p. 137. 125
Fig. 19. Francis Alÿs. Railings, 2004. Documentação fotográfica de uma
ação. Fonte: <http://myartguides.com/exhibitions/esmalisten/> 126
Fig. 21. Francis Alÿs. Seven Walks, 2004. Foto da exposição: Douglas Atfield.
Fonte: <http://www.artexchange.org.uk/exhibition/francis-alys-
seven-walks> 135
Fig. 22. Francis Alÿs. Seven Walks, 2004. Foto da exposição: Douglas Atfield.
Fonte: <http://www.artexchange.org.uk/exhibition/francis-alys-
seven-walks> 136
Fig. 23. Francis Alÿs. Doppelgänger. Cartão postal com série de slides.
Fonte: <http://www.cabinetmagazine.org/issues/5/alys.php> 143
Fig. 25. Francis Alÿs em colaboração com Rafael Ortega. Zócalo, 1999. Série
fotográfica. Fonte: FERGUSON; FISHER; MEDINA, 2007, p. 100-101.
156
Fig. 29. Francis Alÿs. Desenho do artista. Fonte: ALŸS, 2010. 167
Fig. 37. Francis Alÿs. Don’t cross the bridge before you get to the river,
2008. Documentação fotográfica de uma ação. Fonte: <http://www.
japantimes.co.jp/culture/2013/05/09/arts/replaying-peoples-
actions-with-a-twist/> 190
Fig. 38. Francis Alÿs. Don’t cross the bridge before you get to the river, 2006.
Documentação gráfica de uma ação. Fonte: <http://www.otroangulo.
info/arte/francis-alys-el-renovador-de-percepciones/> 195
Fig. 39. Francis Alÿs. Don’t cross the bridge before you get to the river, 2008.
Documentação gráfica de uma ação. Fonte: <http://museotamayo.
org/artista/francis-alys> 196
Fig. 40. Francis Alÿs. Desenho do artista. Fonte: ALŸS, 2010. 199
Fig. 41. Francis Alÿs. Desenho do artista. Fonte: ALŸS, 2010. 200
Fig. 43. Francis Alÿs. Montagem do artista. Fonte: ALŸS, 2010. 219
Fig. 44. Francis Alÿs. Desenho do artista. Fonte: ALŸS, 2010. 231
Fig. 45. Francis Alÿs. Fairy Tales, 1995. Documentação fotográfica de uma
ação. Fonte: FERGUSON; FISHER; MEDINA, 2007, p. 4. 237
Fig. 46. Francis Alÿs. Desenho do artista. Fonte: ALŸS, 2010. 239
Sumário
2. Fontes 39
4. Reverberações 199
5. Tangências 231
6. REFERÊNCIAS 239
Força motriz
Meu primeiro contato com boa parte dos trabalhos de Alÿs aqui ana-
lisados se deu de forma direta. Assisti a vídeos, vi fotos e desenhos, li esque-
mas e descrições de cada ação poética em exposições que visitei ou de que
participei, como mediadora, produtora ou coordenadora de produção cultural,
acompanhando a concepção e produção de alguns de seus projetos. Por oca-
sião da 8ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul, em 2011, tive a oportunidade
de conhecer Alÿs pessoalmente e conversar a respeito de seu trabalho. Talvez
aquela tenha sido a entrevista inicial, nunca planejada nem registrada, desta
pesquisa. Um disparador não intencional, talvez sequer consciente, que per-
maneceria em latência até ser elaborado como parte do estudo que ganharia
forma alguns anos mais tarde.
1 Françoise Choay, David Harvey, Russel Jacoby, Fredric Jameson, Karl Mannheim, Jose Maria
Montaner, Karl Popper, Adolfo Sanchéz Vásquez, Paul Ricoeur, Jean Baudrillard, Andrea Branzi,
Stuart Kendall, Craig Buckley, Ruth Eaton, Michael Lowy, Simon Sadler, Werner Plum, entre tantos
outros autores discorreram sobre projetos utópicos deste período. No Brasil, Teixeira Coelho o
fez em livro, Claudia Piantá da Costa Cabral em tese e Paulo Kioshi Miyada em dissertação, para
citar apenas alguns.
FORÇA MOTRIZ – dados gerais
No atual contexto histórico, classificado por muitos autores2 como
pós-utópico, marcado pelo capitalismo mundial integrado e por sentenças
como “there is no alternative”3, proferida por Margaret Thatcher, torna-se es-
sencial identificar movimentos e possibilidades de ruptura com o status quo,
respondendo de modo crítico ao sistema dominante que parece repetir in-
cessantemente que não há outro modo de vida possível além daquele que
já está dado. Buscando fazer frente a essa postura, temos vozes como a de
David Harvey, ao pontuar que “não há região no mundo onde não ocorram
manifestações de raiva e descontentamento contra o sistema capitalista.”
(2002, p. 3).
2 Lucia Santaella, Haroldo de Campos, Flávio Carneiro, entre outros autores, usam o termo
pós-utópico em contraposição a pós-moderno ou mesmo a utópico, indicando que vivemos um
período de princípio-realidade e não mais princípio-esperança (referência à obra de Ernst Bloch).
3 “There is no alternative” foi um slogan político usado pela primeira-ministra britânica Margaret
Thatcher, ao afirmar que não havia alternativa (ou nenhuma alternativa melhor) para o progresso
da sociedade para além da abertura de mercados e do capitalismo globalizado.
4 “[...] sociedade dos figurantes, na qual cada um encontraria, em canais de comunicação mais
ou menos truncados, a ilusão de uma democracia interativa.” (BOURRIAUD, 2009, p. 36).
política urbana, pelo menos do ponto de vista da democracia representativa.
Discursos de crise são estrategicamente disseminados em todas as esferas
de nossas vidas, minando não apenas a participação democrática pelo voto,
mas a própria capacidade de acreditar e de imaginar outras formas de vida
possíveis em nossas cidades. Em Espaços de Esperança, Harvey pondera que
“a incapacidade de descobrir um otimismo do intelecto tornou-se hoje um
dos mais sérios obstáculos à política progressista.” (2004, p. 188).
5 Exemplos disso são a coletânea de textos e obras artística reunidas em Utopias (2009), orga-
nizado por Richard Noble, e as duas bienais de maior tradição no mundo (Veneza e São Paulo),
que trouxeram em suas linhas de frente nos últimos anos abordagens artísticas sobre o convívio
urbano. Em sua 27ª edição, a Bienal de Artes Visuais de São Paulo apresentou o tema “Como
viver junto?”, enquanto a 50ª Bienal de Veneza lançou, em 2003, uma Estação Utopia (Utopia
Station) com trabalhos poéticos cujo enfoque maior eram as relações sociais desenvolvidas em
nossas cidades.
torno de um como ou de um conjunto de possíveis, e não de um que específico e
objetivo, verificável. Parte-se da hipótese de que proposições artísticas como
as de Alÿs são capazes de contaminar o contexto em que se inserem. Resta,
porém, analisar de que forma, com que intensidade e com quais possíveis
desdobramentos.
6 “A Escultura social pode ser definida em como nós moldamos e damos forma ao mundo em
que vivemos. É a escultura vista como um processo evolucionário onde todo ser humano é um
artista.” (DURINI, 1997, p. 54). Beuys entendia a escultura de forma ampliada, a partir da percepção
de que estamos constantemente criando formas para nos relacionarmos, visto que todo conteúdo,
toda linguagem, tem sua forma de expressão, e que podemos moldá-la como a uma escultura.
Sua postura crítica frente ao sistema político e socioeconômico é
elaborada através de uma produção poética que se vale de alegorias, mitos
e símbolos que permitem diversas interpretações, jogos e aberturas, dando
à sua produção um caráter permeável e processual. Essas características
estabelecem uma relação direta com as teorias caras a esta pesquisa, que
buscam abrir outras possibilidades de pensamento, ocupando-se daquilo
que ainda não tem forma pronta, que existe apenas como iminência. É uma
atitude contrária à da maior parte dos projetos em arquitetura e urbanismo,
marcados por processos teleológicos que geram resultados previsíveis.
36
Em Ações poéticas e reações teóricas pretendemos avaliar quais são
os possíveis desdobramentos das ações artísticas estudadas que extrapolam
o campo da arte, afetando o urbanismo e o planejamento urbano, revendo a
função do impulso utópico em nosso ambiente urbano e repensando o direi-
to à cidade em seu viés mais subjetivo, menos capturável. Canclini diria, de
forma alinhada a Rancière, que a liberdade do artista é maior do que aquela
permitida a um cientista social e que, assim, a arte consegue dizer, por meio
de “metáforas condensações e incertezas de sentido o que não encontramos
como formular em conceitos e leva a reconsiderar as articulações entre estes
dois modos de abarcar o que nos escapa no presente.” (2012, p. 122). Pois à arte,
entre todos os campos do conhecimento e dos fazeres sociais, foi conferido o
ônus e o privilégio de lidar com as subjetividades. Vale então buscar o que no
conjunto desses trabalhos artísticos pode ecoar e fazer vibrar de outro modo
o solo urbano. A matriz teórica aplicada na análise da produção de Alÿs, visa
extrair valores para a pesquisa e para o urbanismo, no intuito de entender o
que faz da arte um campo ainda aberto ao devir e à iminência e como ela se
relaciona com o espaço público. Buscaremos também identificar possíveis
transgressões na trajetória poética de Alÿs em relação ao sistema das artes,
que tende a cristalizá-la.
37
Tanto neste capítulo quanto em Reverberações, pretendemos apontar
possíveis legados teóricos gerados a partir de práticas artísticas como a de
Alÿs, entendendo de que forma às vezes a prática pode se tornar teoria e a teo-
ria pode se tornar prática. Essa expressão, aliás, é uma paráfrase que fazemos
da original “às vezes fazer algo poético pode se tornar político e às vezes fazer
algo político pode se tornar em poético” que dá nome a um trabalho de Francis
Alÿs, de 2004. O título dessa obra (Green Line - Sometimes doing something poetic
can become political and sometimes doing something political can become poetic)
também é utilizado para dar nome à dissertação, como uma reafirmação do
direito à apropriação de que falava Lefebvre. Vale aqui mencionar que essa
apropriação também pode ser lida como uma tática, uma maneira de corro-
borar com a tese de Certeau (1994), que avalia que cada indivíduo se apropria
da gramática para fazer uso da linguagem de forma particular e específica,
ressignificando aquilo que lhe é apresentado pela norma.
Tangências corresponde ao último capítulo da pesquisa. Esse trecho
estabelece uma retomada da Força Motriz, numa espécie de diálogo entre
introdução e conclusão, entre os dois capítulos que se encontram no terceiro
raio da estrutura da dissertação (baseada na imagem da onda que se propaga
na água). Aqui interessa realizar uma crítica aos autores e às obras escolhidas
(tanto teóricas quanto poéticas) além de uma autocrítica por essa seleção e
pelo desenvolvimento do estudo, avaliando quais eram os objetivos lançados
e quais foram os pontos alcançados pela dissertação.
7 Didi-Huberman alerta para a falta de lugar, mesmo dentro do campo da arte, para o não saber,
para o espanto, o sintoma, o que foge, o ininteligível, o assombro, os quais, segundo ele, caracte-
rizam as imagens da arte, as imagens-obras de arte. Nas palavras do autor: “Os historiadores [...]
nas imagens da arte buscaram signos, símbolos ou a manifestação de números estilísticos, mas
só raramente olharam o sintoma, porque olhar o sintoma seria arriscar os olhos na rasgadura
central das imagens, na sua perturbadora eficácia. Seria aceitar a coerção de um não-saber e,
portanto, abandonar uma posição central e vantajosa, a posição poderosa do sujeito que sabe.”
(2013, p. 211). Para o autor, a imagem não imitaria nem representaria, mas presentificaria o verbo,
atualizando a potência de milagre, objeto de desejo de toda iconografia – encarnação.
ria artística de Alÿs será calcada na análise de diversos materiais e fontes.
Destacam-se: 1. documentação de projetos do artista em fotos e vídeos publi-
cados em seu site oficial, em catálogos de exposições e de bienais; 2. textos
escritos por críticos e demais profissionais relacionados ao campo da arte;
3. entrevistas com o artista disponibilizadas em , revistas, livros e trabalhos
acadêmicos; 4. textos escritos por Alÿs acerca de seus trabalhos; e 5. memórias
a respeito dos trabalhos com os quais tivemos contato.
8 Italo Calvino, ao comentar seu apreço pela obra As Cidades invisíveis, afirma que se o livro
“continua sendo para mim aquele em que penso haver dito mais coisas, será talvez porque tenha
conseguido concentrar em um único símbolo todas as minhas reflexões, experiências e conjec-
turas [...] em que a cidade deixa de ser um conceito geográfico para se tornar símbolo complexo
e inesgotável da existência humana.” (2003, contracapa).
9 Segundo Saskia Sassen “historicamente, no Ocidente, vimos a piazza como um espaço crí-
tico para o uso público. Hoje, por todas essas tendências de desurbanização e o crescimento da
desigualdade, vejo as ruas da cidade como um espaço urbano fundamental para o uso público. O
espaço das ruas, que obviamente inclui praças e qualquer espaço aberto disponível, é mais cru e
menos ritualizado. [...] Com alguns alongamentos conceituais, poderíamos dizer que, politicamen-
te, rua e praça são marcadas de forma diferente do bulevar e da piazza: os primeiros assinalam
ações e os segundos, rituais.” Disponível em: <http://www.au.pini.com.br/ arquitetura-urbanismo/
232/o-que-e-espaco-publico-292045-1.aspx>. Acesso em: 15 abr. 2017.
mesmo tempo em que temos uma tendência à desurbanização das cidades,
ao esvaziamento das funções políticas dos espaços públicos constituídos, a
rua ganha importância e se torna símbolo da participação dos cidadãos, de
forma não coreografada ou controlada pelo sistema. O chamado para “sair
às ruas” é entendido nos dias atuais como um convite à política, onde novas
formas sociais são inventadas ou transformadas, tornando esse espaço o
palco preferencial de celebrações, manifestações, festas, disputas e conflitos
que ocorrem na cidade.
O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já
está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos
estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é
fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte
deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e
exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer
quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir
espaço. (2003, p. 150).
10 Sísifo é um personagem mitológico grego condenado a empurrar uma pedra até o topo
de uma montanha de forma cíclica e contínua. Toda vez que está prestes a atingir o cume, a
rocha rola novamente para o sopé da montanha, num movimento repetido, movido por forças
irresistíveis e invisíveis que tornam o trabalho e o esforço de Sísifo vão. Alÿs evoca a narrativa
grega em obras como Rehearsal e Politics of rehearsal, The last Clown, entre outras, além daquelas
estudadas nesta dissertação.
como prescreveu Lefebvre? E como esses trabalhos, tantas vezes solitários e
efêmeros, podem tecer relações com o direito à cidade? Que possibilidades
eles nos oferecem para mantermos vivo o significado de participação sim-
bólica e política na urbe?
O papel do fracasso está diretamente ligado àquilo que não tem nome
ainda, àquele desejo que não tem forma e que, precisamente por ainda não ter
sido formado ou informado, segue em sua busca pelo mundo, tateando o que
encontra à sua frente, imaginando, criando, tentando encontrar o que nem
50 sequer sabe nomear. Só assim o novo pode realmente ser criado. Pois ele não
faz parte do vocabulário existente, não se limita a experiências já vividas: ele
se projeta rumo ao que ainda está por vir. E se Lefebvre, numa primeira leitura,
parece mais tímido em relação a essa declaração, ao indicar que devemos
“tirar lições do fracasso”, as ações de Alÿs e as proposições de Bloch tomam
essa premissa com mais intensidade, reconhecendo a necessidade de uma
busca infinita por algo que ainda não está lá. É fundamental, porém, enten-
der que ainda não está, pois é nesse ainda que reside a esperança, o impulso
utópico.
11 Ver trecho completo acerca das contribuições marxistas na perspectiva de Bloch em seu
livro O Princípio Esperança, 2005, v. 1, p. 16-21.
conforma com o que está aí, com a escassez, não se submete à insuficiência
da realidade que nos é imposta:
12 Cuja tradução apresentada no livro é “O significado de coisas nunca é estável. Algo pode
querer dizer algo”, mas a tradução que nos parece melhor expressar a ideia seria: “O significado
das coisas nunca é estável. Qualquer coisa pode significar qualquer coisa”.
de hoje e por sua tentativa de manter vivo o impulso utópico como Bloch
o definiu, tendo publicado Espaços de Esperança (originalmente em inglês,
no ano de 2000) como homenagem à obra O Princípio Esperança (lançada em
alemão em 1959).
13 “Can an artistic intervention truly bring about an unforeseen way of thinking, or is it more a matter
of creating a sensation of ‘meaningless’, one that shows the absurdity of the situation?”
tários ou não, estão sendo simplesmente orquestrados ou existe um sentido
emancipatório que permeia e ultrapassa os projetos artísticos realizados?
Finalmente, que manifestações poéticas nos permitem afirmar que Alÿs se
move a partir de impulsos utópicos?
14 Para a arte conceitual, vanguarda surgida na Europa e nos Estados Unidos em meados da
década de 1960, o conceito ou a atitude mental tem prioridade em relação à aparência da obra.
O termo arte conceitual é usado pela primeira vez num texto de Henry Flynt, em 1961, entre as
atividades do grupo Fluxus.
A afirmação de Certeau e seu objeto de estudo, em muito coincidem
com algumas definições acerca da arte conceitual. Cristina Freire, referindo
a esse movimento artístico, afirma que “a preponderância da ideia, a transito-
riedade dos meios e a precariedade dos materiais utilizados, a atitude crítica
frente às instituições, [...] assim como formas alternativas de circulação das
proposições artísticas [...] são algumas de suas características.” (2006, p. 10).
Em Arte Conceitual (2006), Freire defende que o mais importante para esse
movimento artístico são as ideias; a execução da obra fica em segundo pla-
no e tem pouca relevância. A autora discorda da classificação feita por Lucy
Lippard que vincula arte conceitual à desmaterialização da arte, afinal, se-
gundo Freire, grande parte da arte conceitual materializa-se através de fotos,
de vídeos, de postais, do corpo, de documentos, enfim, de materiais, mesmo
que perecíveis e precários. A questão, portanto, não seria a materialidade ou
não, mas a valorização da ideia em detrimento da fetichização da arte como
produtora de objetos com valor mercadológico.
15 Para saber mais a respeito dos movimentos que marcaram o início da arte contemporânea,
ver ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. 2 ed. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2012 ou ainda CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
trajetória de Alÿs, suas motivações e possíveis contribuições para nossa forma
de pensar e de ocupar os espaços públicos. Procuramos então apenas situar
a trajetória do artista a partir de momentos e conceitos-chave do campo da
arte, a fim de evidenciar seu contexto e auxiliar no embasamento da matriz
teórica e da análise subsequente, a partir de autores como Anne Cauquelin e
Michel Archer.
Essa relação direta com a ideia de agenciamento fica ainda mais cla-
ra nas declarações de Cauquelin, quando a autora pondera que, a partir da
arte moderna, entende-se que não apenas o observador faz parte do sistema
observado, mas que sua participação transforma o objeto observado. Nesse
cenário, o artista deixa de ser um autor, individualizado no sistema, e passa a
ser parte de uma rede, de uma cadeia de comunicação autônoma com opera-
ções reguladas a partir de regras inerentes à própria rede e independentes da
vontade do artista. A autora propõe que nessa rede “não há origem nem fim,
16 Para saber mais ver ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. 2 ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006.
17 “Em 1913, Duchamp apresenta os primeiros ready mades, Roda de bicicleta; anos depois em
1917, Fonte, no Salão Independentes de Nova York. Deixa o terreno estético propriamente dito, o
‘feito à mão’ [...] expondo ‘objetos prontos, já existentes e em geral utilizados na vida cotidiana,
como a bicicleta ou o mictório batizado de Fontaine (fonte).” (CAUQUELIN, 2005, p. 93).
é um círculo.” (2005, p. 100). A estrutura hierárquica que antes caracterizava
o domínio das artes se transforma, as premissas se modificam.
19 Os autores Hans Belting e Arthur Danto, por exemplo, defendem o fim da história da arte,
no sentido de não haver mais uma história como entendida na Modernidade, linear, ou mesmo
evolutiva e progressiva da arte.
e os modos de reflexão de suas relações. Rancière nos fala acerca dos atos
estéticos como provocadores e indutores de novas experiências de subjeti-
vidade política, retomando a fusão entre arte e vida proposta por distintos
autores e por artistas como Allan Kaprow e Joseph Beuys20, por exemplo,
cuja contribuição para o que viriam a ser as performances e ações na arte
contemporânea (como as de Alÿs) é notável.
20 Allan Kaprow, norte-americano nascido em 1927, foi o criador do termo e dos primeiros
happenings, no final da década de 1950. O conceito visava abarcar aquela nova forma artística
que aspirava à integração dos binômios “arte-vida” e “público-artista”, questionando o sistema
das artes. Kaprow foi uma grande influência para o famoso grupo Fluxus que viria a seguir.
Joseph Beuys, alemão também nascido na década de 1920, foi igualmente um dos precursores
do happening e integrante do Fluxus e buscou, através de outras formas e visões, uma quebra
no entendimento sobre arte e sua separação com a vida comum. Entendia que a arte deveria
desempenhar um papel ativo na sociedade, tendo criado a ideia de escultura social e proferido
as seguintes frases: “todo homem é um artista” e “somente a arte torna a vida possível.” Segundo
Archer, a “antiarte” destes artistas “visava reconectar a arte com a vida num sentido plenamente
político.” (2012, p. 116).
Rancière e Huberman compartilham assim uma visão a respeito da
incapacidade da História da Arte em abarcar o que, para ambos, é fundamental
em nosso entendimento e julgamento sobre ciência, arte, estética e sobre a
própria epistemologia: o não saber, o não pensamento. Encaram como de-
sastroso o não reconhecimento da ciência nesse sentido, ciência que busca
sempre enquadrar em seus padrões de racionalidade quaisquer manifesta-
ções. Por isso, é essencial entendermos o quanto o regime estético das artes,
ao possibilitar a criação de novas pensabilidades, está indo em direção ao
reconhecimento do que já existe no mundo, não como pensamento, mas como
experiência. E se a experiência é anterior ao pensamento, então a política,
por conseguinte, também deverá ser baseada nessa experiência que, através
da estética, lança formas de se expressar e de articular suas expressões no
mundo. Rancière afirma, acerca das práticas estéticas, que se trata de um
“sistema das formas que a priori determinam o que se vai experimentar.” (2010,
p. 44).
O autor nos indica que seu interesse em objetos artísticos está justa-
mente na capacidade desses objetos gerarem zonas nebulosas, interferindo
diretamente na maneira como pensamos e vivenciamos situações ordinárias,
76 invertendo as organizações existentes e alterando aquilo que se experimenta.
Assim, os artistas aproveitam, por exemplo, o excesso de imagens, o ritmo
frenético da mídia e o jorro de informações contemporâneo para lançarem
mão de uma lógica de reprodução e repetição, de aceleração, justamente para
transformar os modos de temporalidade e espacialidade das imagens. Ou
seja, provocam quebras na linearidade do sistema e de um modus operandi,
convidando-nos a participar dessas novas experiências através de outras
chaves de aproximação e entendimento sobre uma situação.
Visto que a arte como prática está ampliando seus horizontes, cada
vez mais suportes e técnicas participam do vocabulário do fazer artístico.
Alterando-se os processos de produção, com a introdução de possibilidades
digitais de criação e publicação, alteram-se também os processos de recepção.
Pensadores dos estudos visuais e culturais ressaltam que, em um mundo em
que a História da Arte cedeu lugar para a história das imagens, a própria arte
deixa de fazer sentido, que hoje as pessoas “visitam os museus sem acreditar
na arte, de modo semelhante a como visitam igrejas sem confiar nas religi-
ões.” (2012, p. 54). Aqui cabe frisar uma diferença: existem posturas distintas
entre o que o autor considera relevante na produção artística ou na estética
da iminência, como Canclini a chama, de uma produção contemporânea da
arte que poderia ser identificada com um “espetáculo global para turistas.”
(CANCLINI, 2012, p. 54).
Afinal, se o campo da arte possui o mérito de ter se aberto a novas
linguagens e suportes, destacadamente a partir da década de 1960, por outro
lado, tem sido também, cada vez mais, alvo da lógica de mercado. Esse mer-
cado não apenas influencia a produção artística em suas bases, no próprio
fazer dos artistas, mas também busca apreender seus processos e produtos
dentro de seus parâmetros de consumo e, assim, encapsular um espaço po-
tencialmente transgressor, aplicando suas estratégias de controle à arte. A
partir desse entendimento, Canclini aborda o binômio encapsulação/trans-
gressão, que mantém certo diálogo com o estriamento/alisamento de Deleuze
e Guattari e as estratégias/táticas de Certeau.
87
Em seus contos, o autor ainda descreve Zora, “cidade que quem viu
uma vez nunca mais consegue esquecer [...] Essa cidade que não se elimina
da cabeça é como uma armadura ou um retículo em cujos espaços cada um
pode colocar as coisas que deseja recordar.” (2003, p. 19). Finalmente, Calvi-
no apresenta um diálogo entre seus personagens Kublai Khan, o imperador
tártaro e Marco Polo, o explorador veneziano. O próprio dialogo é descrito por
Calvino como uma conversa que poderia tanto ter sido real quanto imaginária,
ficcional ou verdadeira.
90
21 Para saber mais a respeito da situação e da reação política ao terremoto de 1985: MONSIVÁIS,
Carlos. No sin nosotros. Los días del terremoto 1985-2005. Ediciones Era: Cidade do México, 2005. A
sinopse do livro o apresenta da seguinte forma: A partir del terremoto de 1985 se vislumbró un diseño
utópico (en el mejor sentido del término): la incorporación de la mayoría al espacio donde se fraguan
sus destinos. La primera parte de este libro se dedica a la crónica de algunos procesos primordiales
de la sociedad civil en México desde 1985. En la segunda se reproduce la crónica de Carlos Monsiváis
escrita en los días del terremoto, en esos meses de dolor, confianza y energía de la comunidad imaginada.
Já nessa intervenção fica evidente o mote sociopolítico e urbano que
nortearia Francis Alÿs em muitos de seus projetos. Suas proposições iniciais
são fortemente influenciadas pelo sentimento de não pertencimento, pela
figura do estrangeiro, remetendo ao fato de Alÿs ser sempre o “Outro” na me-
trópole latino-americana que escolheu para viver. A esse respeito, o próprio
artista sentencia “os primeiros trabalhos – eu não os chamaria trabalhos
– minhas primeiras imagens ou intervenções foram, em grande parte, uma
reação à Cidade do México em si, meios para me situar nesta entidade urbana
colossal22.” (ALŸS in FERGUSON, 2007, p. 8, tradução nossa). Alÿs parte não
apenas da sua necessidade de identificação, ainda que por contraste, mas
também observa como os demais habitantes da cidade criam “personagens”
para esse fim, buscando se diferenciar e, ao mesmo tempo, situar-se na urbe.
22 Texto original: “The first works – I wouldn’t call them works – my first images or interventions
were very much a reaction to Mexico City itself, a means to situate myself in this colossal urban entity.”
23 Texto original: “Walking, in particular drifting, or strolling, is already – in the speed culture of our
time – a kind of resistance.”
e dialogar com seu entorno. Como diria Certeau (1994, p. 183) “caminhar é ter
falta de lugar.”
Alÿs nos dá pistas para compreender sua trajetória como uma eterna
busca, em um processo sem início nem fim, onde cada ato reforça o anterior,
mesmo que seja em uma frustração ou inconclusão. Não há alvo ou meta real,
a busca é a própria “meta”. O mote do eterno ensaio, de movimentos pendu-
lares ou circulares, sublinha essa força que se move e que incita, empurra e
impulsiona para frente, apesar de tudo. Aí parece residir uma das conexões
mais relevantes entre o legado de Bloch e a produção de Alÿs. 93
A utopia não seria essa imagem projetada no futuro, a qual deve ser
alcançada, mas sim a força ou o impulso que nos move em sua direção, a
fim de sairmos do marasmo e da inércia, mesmo que seja justamente para
tomarmos consciência do momento presente. Uma saída da cegueira para
que possamos avançar, nos deslocar, nos desconectar daquilo que não nos
pertence nem nos representa, de modo a nos reconectar com o presente real,
com aquele instante em que a experiência de viver e a consciência de existir
coincidem.
24 Texto original: “It provided me with a kind of disjunction, a filter between myself and my being.
Maybe what I have been looking for since is the moment of coincidence between the experience of living
and the consciousness of existence.”
volvido ou de Terceiro Mundo. As táticas, os alisamentos, as intervenções
urbanas e informais que ganham as ruas da capital mexicana tornam-se
uma fonte praticamente inesgotável de pesquisa e inspiração para o artista.
O artista declara que “o que a cena de rua me oferece é toda uma gama de
situações e atitudes nas quais estão implicados novos desenvolvimentos25.”
(ALŸS, 1992 apud MEDINA, 2007, p. 64, tradução nossa).
25 Texto original: “What the streets scene offers me is a whole range of situations and attitudes in
which further developments are implied.”
Mesmo com uma produção reconhecida internacionalmente, com
exposições individuais sediadas em instituições como a Tate Modern, em
Londres, e o MoMa, de Nova York, Alÿs parece repetir em sua trajetória a frase
do personagem Bartebly26 “preferiria não”. Preferiria não entrar no sistema
que demanda resultado, preferiria não se adaptar, preferiria se ocupar de
outra coisa. É uma postura ativa, de escolha, mesmo que seja uma escolha
negativa: Alÿs não se conforma e não se resigna, cria espaços de resistência
e de atrito no território e no tempo que ocupa em seus trabalhos. Mais do que
uma resposta negativa ou transgressora em relação ao sistema das artes, o
artista está interessado em processos que desencadeiem outros processos,
cujo conteúdo não seja apreensível nem circunscrito a um relato ou narrativa
conclusiva. Alinha-se, com isso, ao legado de Canclini quando este nos fala
sobre a sociedade sem relato e sobre a estética da iminência.
26 No conto do autor Herman Melville, Bartleby, o escrivão, de 1856, o personagem utiliza a ex-
pressão “preferiria não” (no original inglês “I would prefer not to”) como uma forma de posicionar-se
ativamente (preferir) contra algo (não). É uma escolha pelo não ao invés de uma negação de ação.
Ou seja, a postura do personagem é ativa e não passiva. Ele se coloca, declara sua preferência.
27 Conforme o artista menciona durante sua entrevista à poeta Carla Faesler, traduzida para
o inglês e publicada através da revista eletrônica Bomb magazine. Disponível em: <http://bom-
bmagazine.org/article/5109/francis-alys>. Acesso em 28 abr. 2015.
do mercado e o baixo interesse acadêmico, institucional e público naquela
produção emergente permitiram um alto grau de experimentação aos artistas,
alimentando poéticas relacionadas à crítica social bastante disformes, sem
nenhuma premissa ou pré-requisito como nacionalidade, ideologia, técnica
ou estatuto de arte a ser cumprido.
Francis Alÿs (2007) nos fala ainda de sua forte herança como arqui-
teto que, segundo ele, o teria legado tanto o fenômeno urbano como tema de
96 interesse como também a prática colaborativa de trabalho comum a esse
meio. Mesmo suas intervenções iniciais e seus trabalhos aparentemente mais
solitários contam com colaborações de outros participantes em sua gestação
conceitual e execução. Essa visão de não operar sozinho acompanha o artista,
como ele nos indica, tanto em seus trabalhos como arquiteto e urbanista (que
perduraram aliás, até 1995, em paralelo a suas incipientes práticas artísticas),
quanto em sua trajetória poética atual.
28 Texto original: “I would not start at the beginning or the end. I would need to work from some
middle, because the middle point, the in between, is the space where I function the best.”
desenvolvimento de cada ação depende das colaborações, desdobramentos
e interpretações daqueles que vão sendo incluídos no processo criativo, na
concepção, na execução ou no registro do trabalho.
É fato que em Havana o tempo corre diferente, talvez mais lento, tal-
vez no ritmo humano e não das máquinas, talvez com o delay tecnológico de
um país não invadido pelo frenesi dos automóveis ultramodernos. Talvez
em uma ilha onde não se corra demais para acumular mais do que se pode
gastar ou ter, num lugar onde o sistema não premia nem estimula que todos
trabalhem cada vez mais, talvez, então, nessa nação, caminhar sem finalida-
de ainda seja permitido. Lá, talvez, perambular sem rumo nem destino fosse
uma atividade até comum.
100
Ainda assim, Alÿs parecia desafiar o tempo urgente e a noção de acú-
mulo, de riqueza, do valor das horas e das moedas, quando decidiu fazer uma
ação poética durante a 5a Bienal de Havana. Ali reeditou seu projeto El colector
em nova versão, recontextualizada. Usou ele mesmo objetos imantados: um
par de calçados com uma cinta metálica inferior que atraíam para si objetos
díspares, aleatoriamente. Dois sapatos grandes, como os de um palhaço, fo-
ram se enchendo assim de restos metálicos a cada novo bairro desbravado.
101
Alÿs, que desde sua pós-graduação estuda o banimento de animais das
cidades muradas (entre o fim da Idade Média e o início da Era Moderna), traz
a presença de cachorros em espaços públicos como uma questão recorrente
em seus projetos. No trabalho El colector, o “cão magnético” carregado de des-
cartes metálicos nos remete à falência do governo local em suas tentativas
de higienização e modernização da Cidade do México, onde habitam mais de
três mil cães de rua, segundo dados oficiais, e onde o lixo se acumula pelas
calçadas de forma constante, diária. A figura do vira-lata pode ser lida aqui
como metonímia ou sinédoque, visto que simboliza não apenas a espécie
canina, mas a dos moradores de rua em geral – seres expurgados pelo sis-
tema e, na maior parte das vezes, excluídos do planejamento urbano. Como
aponta Lefebvre, a esses elementos indesejados pelo urbanismo moderno
não é permitida a participação na coisa urbana, a eles é negado o direito à
cidade. Alÿs não faz uma crítica literal a esse respeito, mas sutilmente insere
o personagem do vira-lata em sua ação.
Para além dessa anotação crítica, o artista provoca, com sua narrativa
feita de passos, quilômetros e horas, uma revisão sobre nossa forma de usu-
fruir a cidade e suas ruas. Transforma lixo em escultura, faz de sua vivência
102 na cidade uma obra. Não por gerar algo material, uma obra de arte a ser
valorizada, outrossim pelo entendimento expandido de moldar as relações
que se projetam no espaço público, criando novas possibilidades de leitura e
participação – uma situação escultórica que envolve não apenas seu prota-
gonista, mas todos os olhares curiosos por onde passa.
Alÿs parece agir da mesma forma quando se coloca a passo pelas ruas,
coletando com seu corpo e suas “próteses magnéticas” qualquer coisa que
esteja em seu raio de atração. Bloch escreve: “o menino sai e em toda parte
ajunta algo que lhe foi enviado. Isso pode ser [...] testemunho das coisas que o
menino quer ver e, para poder vê-las, ele vai bem cedo para a cama. Ao olhar
uma pedra colorida, germina muito do que ele desejará para si mais tarde.”
(2005, v. 1, p. 30). Assim Alÿs pode estar simplesmente colecionando aquilo
que, futuramente, se tornará algo, aquilo que pode vir a ser o que desejará para
si e para seu entorno.
104
se inserem nas frestas de uma sociedade “séria” (como ele chama, de forma
irônica, a sociedade burocrática de consumo dirigido). Lefebvre nos fala ainda
sobre a necessidade da arte de manter o aspecto do lúdico, da festa, antes de
ser cristalizada apenas em seu formato cultural e assimilável pela indústria
e pelo comércio.
29 “Navigare necesse; vivere non est necesse” frase latina atribuída a Pompeu, general roma-
no, 106-48 a.C., dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf.
Plutarco, in Vida de Pompeu e utilizada pelo escritor português Fernando Pessoa em seu poema
chamado Navegar é preciso, viver não é preciso.
NÚCLEO 2: HABITAR | Turista + Vivienda
para todos
30 Texto original: “How far can I belong to this place? How much can I judge it? Am I a participant
or just an observer?”
É como se ele tivesse colocado uma peça de xadrez num jogo de da-
mas ou vice-versa. Por um lado, o local era diariamente tomado por turistas
de diversas partes do mundo, que ali faziam suas peregrinações previsíveis,
entre monumentos e edifícios históricos, obedecendo à demanda por dar
seu “visto” na lista de todos os cartões postais da capital mexicana, a antiga
México-Tenochtitlan. Seguindo seu ritmo, suas excursões, bandeirolas e guias
de todas as partes do mundo, cada turista cumpre o ritual de estrangeiro em
visita. De outro lado, ocupando, porém, quase os mesmos espaços públicos,
trabalhadores locais diariamente recorrem àquele gradil, como se fosse uma
vitrine em que produtos ou manequins foram substituídos por pessoas reais.
Ali cada consumidor poderia escolher se levaria um carpinteiro, um pintor
ou um eletricista. Mas, naquele dia, os papéis ficaram confusos. Havia uma
peça que não fazia parte do jogo.
111
31 Para mais informações: CEVALLOS, Diego. MEXICO: El gobernante PRI cumple 69 años con
poco que festejar. IPS Agencia de noticias. Disponível em: <http://www.ipsnoticias.net/1998/03/
mexico-el-gobernante-pri-cumple-69-anos-con-poco-que-festejar/>. Acesso em 15 abr. 2017.
davam início a um processo de gentrificação cada vez mais evidente, princi-
palmente no centro da Cidade do México – ou Centro Histórico, como passou
a ser chamado.
O lugar onde Alÿs realiza ambas ações (Turista e Vivienda para todos) é
o mais conhecido e explorado pelo artista dentre todos os bairros da capital
mexicana. A Plaza de la Constitución, ou el Zócalo, como é popularmente cha-
mada, faz parte de seu cotidiano e de seus registros, sendo o principal ponto
de referência do bairro que adotou para si: o Centro Histórico, onde instalou
seu estúdio e por onde costuma caminhar diariamente. A praça tornou-se
local de observação para o artista, que, buscando se aproximar da cidade,
deparou-se com diversos personagens urbanos que habitavam o local ou
seus arredores, criando suas próprias funções e identidades, conforme Alÿs
nos conta em sua entrevista à Russel Ferguson (ALŸS in FERGUSON, 2007).
114
Percebemos, portanto, as implicações trazidas pelo artista quando
joga com a figura do turista exatamente nesse espaço público e nesse bairro,
ícone cultural da história mexicana, hoje muitas vezes apresentada de forma
superficial, transformado em produto cultural destituído de sua complexa
simbologia. Não apenas a cidade é privada de seus espaços públicos tradicio-
nais e suas funções são paulatinamente destituídas de seu caráter político,
mas, em paralelo, os tradicionais habitantes desses bairros, muitas vezes
populares, são expurgados, lançados à periferia. O processo faz parte da busca
por uma valorização imobiliária que avança de mãos dadas com a exploração
de um tipo de turismo de viés capitalista e do discurso de “revitalização e
embelezamento” dos centros urbanos.
Ainda sob esse aspecto, a credencial de turista portada por Alÿs opõe-
-se a dos trabalhadores ordinários ali presentes. Ironicamente, apesar de
estarem ocupando a praça pública, aos trabalhadores o direito à cidade é cada
vez mais restrito e condicionado. Espaços como o da histórica praça el Zócalo
são, cada vez mais, destinados aos turistas, a quem o sistema concede o direito
de permanência, desde que participem das redes de consumo. Processos de
negação do direito à cidade, iniciados com as cidades pós-industriais e seus
cinturões e subúrbios, são hoje acentuados com as políticas de gentrificação, 115
impelindo massas populacionais à periferia, não apenas no sentido geográfico,
mas também do ponto de vista simbólico, em relação à participação na urbe.
Esse duplo gesto de Alÿs também pode ser lido como mais uma ação
tática que corrobora e reforça a postura de subversão adotada pelos traba-
lhadores informais e pelos moradores de rua. Esses ambulantes seriam os
praticantes ordinários da cidade, que escrevem o texto urbano sem poder
lê-lo, por estarem sempre próximos demais. Justamente o contrário do olhar
distanciado do voyeur ou do planejador urbano, esse ser onipresente e onis-
ciente que vê a cidade com a suposta clareza permitida ao olhar distante.
Como diria Certeau, “escapando às totalizações imaginárias do olhar, existe
uma estranheza do cotidiano que não vem à superfície.” (1994, p. 172). Segundo
o autor, trata-se de uma mobilidade opaca e cega, não passível de leitura, que
cria uma cidade metafórica, sobrepondo-se e infiltrando-se nas entrelinhas do
texto transparente da cidade projetada, na cidade resultante do planejamento
e da regulamentação urbana.
Analisando sob outro ponto de vista, a partir dos aportes teóricos de 119
Bloch, a figura do turista pode surgir como uma crítica feita pelo artista a esse
status de quem apenas observa o mundo, não tomando parte no processo.
Estaríamos, dessa forma, próximos à descrição do filósofo alemão que nos
fala justamente da figura do flâneur. O “flanador” seria aquele sujeito que se
opõe ao impulso utópico defendido por Bloch: a quintessência do pequeno
burguês, carregado de sonhos racionalizados e burocratizados, interessado
apenas em “arrancar algo do mundo, sem contudo transformar o mundo.”
(BLOCH, 2005, v. 1, p. 40).
32 Acerca da definição de flâneur ver BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010.
da cidade. Muitas das provocações promovidas pelo artista vão, inclusive, no
sentido de criticar ou suspender esse modo de ser moderno e seus frutos na
configuração urbana.
Bloch alerta para essa força insidiosa que impregna nossa socieda-
de de falsos sonhos, que substitui sonhos reais por sonhos criados no hall
das mercadorias, na esteira do consumo, privando os indivíduos de sonhos
transformadores. São processos de castração não apenas do direito à cidade,
mas também da própria capacidade utópica, da imaginação e da espera ativa.
Acabamos por nos contentar, como diria Bloch, em invejar o que os demais
possuem ou em nos projetarmos nas viagens oferecidas pelas agências de
turismo. Alÿs busca quebrar esse ciclo vicioso, arranhando o verniz desse
discurso e expondo seu conteúdo ardiloso e maquiavélico.
Naquele ano, após uma década de vida no México, pela primeira vez
após sua partida, Alÿs se depara com a ideia de retorno à Europa – mas um
retorno não ao mesmo. Antes De Smedt, agora Alÿs; antes arquiteto, agora
122 artista; antes europeu, agora latino-americano. Bem sabemos que a vida não
é assim, binária, contudo as mudanças ao longo do caminho de Francis na-
queles dez anos foram significativas o bastante para que o artista ainda não
se sentisse confortável nem seguro em relação a esse confronto com sua terra
natal. Alÿs revela que ir a Copenhague representava esse regresso à Europa,
e que, ao receber o convite, percebeu que não estava pronto para encará-lo,
conforme podemos ler em sua entrevista à Russel Ferguson (2007, p. 32). A
partir dessa constatação, o artista elaborou um modo de estar fisicamente
presente, mas mentalmente ausente. Em mais um trecho de As cidades invi-
síveis, temos a seguinte descrição do personagem Marco Polo:
Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida
ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daque-
le homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se
tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada
em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no
lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real
ou hipotético, ele está excluído; não pode parar, deve prosseguir até
uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que
talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra
pessoa. (2003, p. 29).
125
33 Texto original: “I am usually trying to assimilate cities, and because I never really belong to them,
I try to invent myself a role. I attempt to insert myself as another character to gain some kind of identity
in a new neighbourhood.”
Pacing – Nova York, 2001
Every day
I would go out and walk
pacing the grid of Manhattan
there would be no expectations
or destinations
just the walking
and the counting
North to South and South to West
West to East and East to South
South to North and North to West
West to South and South to East
East to West and West to East.
Francis Alÿs
Vinícius de Moraes
Caminhar como um exercício, não apenas físico, mas matemático,
intelectual, um exercício de abstração. Novamente andar como modus ope-
randi artístico, novamente uma cidade a ser descoberta, percorrida. Contar os
passos, o tempo, medir a cidade, traçar suas geometrias. Em uma ilha feita
de números, de quadras regulares e de direções quase vetoriais, quase neutra
em sua nomenclatura de ruas como Manhattan, só existem linhas retas? A
deriva torna-se um desenho milimetrado, quantificável. É possível enquadrar a
Fig. 18. Francis Alÿs.
deambulação? O registro dos passos parece um jogo de tabuleiro, ou mesmo o Pacing, 2001. Docu-
mentação gráfica de
jogo do “ratinho”34, com sua ideia de dominar quadrados ao circunscrevê-los. A uma ação
ortogonalidade da cidade
é capaz de informar a ca-
minhada? Ou algo escapa
à linearidade do percur-
so? Quais são os desvios
possíveis no enquanto
dos passos? Durante o ca-
minho pelas ruas de Ma-
nhattan, ilha-coração de
Nova York, o que significa
esse contar realizado pelo 127
artista? Tempo, dinheiro?
Qual é o norte da América
do Norte? Quem é o sul?
Qual é o sentido de ir para
oeste quando se está no
centro do Ocidente?
35 A esse respeito, ver: GEHL, Jan. Cidades Para Pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 34.
Respondendo ao convite, Alÿs criou o seguinte enunciado, estampado
em cartões postais criados e distribuídos ao público durante aquela Bienal:
36 Para informações a respeito da IS: PERNIOLA, Mario. Los situacionistas – Historia crítica de
la última vanguardia del siglo XX. Madrid: Ediciones Acuarela, 2008.
dada por esses ao meio urbano como terreno de ação, de produção de novas
formas de intervenção e de luta contra a monotonia, ou ausência de paixão,
da vida cotidiana.” (2003, orelha). Na década de 1950, a Internacional Situacio-
nista (IS) estimulava a deriva (uma forma específica de caminhada, fundada
em certas premissas e metodologias, aleatória e atrelada à psicogeografia da
cidade e de suas ambiências) como parte de um projeto maior: o Urbanismo
Unitário37.
37 A este respeito, ler os textos da própria IS (destacadamente Teoria da Deriva, escrito Guy
Debord), reunidos no livro organizado por Paola Berenstein Jacques, Apologia da Deriva: Escritos
Situacionistas sobre a cidade/Internacional Situacionista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
destacar sua relação com o direito à cidade. Individual ou coletivamente, a
caminhada tornou-se uma forma de manifestação, de resistência, de protesto,
muito frequente em nossos dias. O movimento tático é utilizado como um
recurso contra o que o sistema oferece ou impõe por meio de suas estraté-
gias. Medina discorre sobre o tema ressaltando que, com seus passeios, Alÿs
emprega as pernas “para intervir no imaginário social e simbólico e afirmar
o direito dos cidadãos a um espaço social concebido para os seres humanos,
não para os seus sistemas de máquinas, tráfego e policiamento38.” (2007, p. 74,
tradução nossa). Ainda nas palavras de Medina sobre a prática deambulatória
de Alÿs, podemos ler o que segue:
38 Texto original: “to intervene in the social and symbolic imaginary and to assert the right of the
citizens to a social space devised for human beings, not for their machinery, traffic and policing systems.”
39 Texto original: “If walking has become so central in art and politics, it is due to the way in which
it goes against the grain of the social, physical and psychic development of modern capitalism. While
industrial means of transport threaten to make our limbs and our senses obsolete confining daily life to
an oscillation between jobs, media indulgence and shopping - walking persists in defining human life as
a matter of territorial and political activity.”
ou percursos pré-determinados pela indústria cultural são uma afronta ao
sistema. Alÿs subverte o uso dos sentidos e cria roteiros próprios que fogem
a qualquer cardápio turístico, propondo formas originais de apropriação dos
espaços e das cidades, fora do buffet oferecido pelas agências de viagens.
40 Texto original: “The invention of a language goes together with the invention of a city. Each
of my interventions is another fragment of the story I am inventing, of the city I am mapping.”
enunciados proferidos.” (1994, p. 177). Assim o autor cria paralelos entre as
distintas funções que permeiam o ato de caminhar e aquelas que caracteri-
zam a apropriação da língua pelo locutor no ato da fala – ambos processos de
apropriação da gramática e do vocabulário (tanto linguísticos quanto urbanos),
ambas ações geradoras de espaços de enunciação.
No trabalho Pacing (cuja tradução mais próxima seria andar a passo, 135
em ritmo regular e acelerado, quase como um trote), Alÿs cria traçados que re-
gistram sua ação obedecendo à retícula geométrica, ortogonal de Manhattan.
Apropria-se da matemática que nomeia as ruas da ilha nova-iorquina para
fazer de seus passeios uma soma de passos. Como uma resposta ao processo
relativo à designação das ruas da Big Apple seguindo uma ordem numérica
(First, Second, Third, e assim por diante), Alÿs joga com a ideia de transformar
um ato presente (corporal e circunstancial, localizado no tempo) em conceito,
em abstração. Assim, documenta suas deambulações em um desenho limpo,
feito de traços retos e contagem numérica.
41 A Esopo, escritor da Antiga Grécia, se atribui a invenção do gênero literário das fábulas,
com a disseminação de histórias pela tradição oral e também a presença de animais falantes,
por exemplo. A ele são atribuídas várias fábulas populares. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/
Esopo (consultado em 01-05-2017).
Primeiro uma aproximação, em sua enunciação pedestre, de apropriação da
cidade por meio de sua caminhada, especializando a cidade para, em seguida,
torná-la novamente um mapa, um conceito feito de linhas e números legíveis,
sem profundidade nem entrelinhas. Esse segundo procedimento estabelece
uma forma de dialogar diretamente com a gramática da cidade e pode ser lido
como uma ironia, uma crítica àquele que seria um dos exemplos máximos de
Cidade-conceito, de cidade planejada moderna, como é o caso do bairro de
Manhattan, ícone nova-iorquino.
136 Railings, por exemplo, faz parte de um projeto maior desenvolvido pelo
artista em Londres, durante aproximadamente seis anos, chamado Seven
Walks. Ao longo desse período, Alÿs passou vários meses na capital britâni-
ca, vagando por suas ruas, percorrendo seus espaços públicos, absorvendo
seus hábitos, mapeando suas configurações e desvendando seus rituais. O
resultado dessa pesquisa não cabe nas ações propostas, como Railings, menos
ainda em sua documentação fílmica e fotográfica, tampouco no enunciado
que descreve a ação. Ao apresentar o projeto no National Portrait Gallery e
na Portman Square de Londres, em 2005, Alÿs expõe um apanhado desses
registros, entre anotações, desenhos, fotos, pinturas e projeções. O artista
cria um novo ambiente, cerca sua ação de distintos pontos de vista e parece
estar interessado em compartilhar o máximo possível de informações – si-
multaneamente, pelo excesso e pela saturação, demonstra a impossibilidade
de apreender essa ação por meio dos registros expostos.
Alÿs intervém nas maneiras de fazer e de ser, como também nas for-
mas de dar visibilidades a essas maneiras, através de procedimentos e apre-
sentações em que a partilha do sensível se dá em vários níveis. A inversão
ou priorização de um sentido geralmente subutilizado é uma abertura para
o compartilhamento da experiência com distintos sujeitos e de maneiras
variadas. Ao contar os passos em Manhattan ou descrever o percurso em
palavras e poema, o artista torna acessível e compartilhável o mapa para
além do que é visível: são formas distintas de participar do projeto.
42 A este respeito ler DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem. São Paulo: Editora 34, 2013,
p. 223.
xima do conceito de ritornelo empregado por Deleuze e Guattari. Os autores
defendem que o ritornelo é um agenciamento territorial, um consolidado de
meio e de espaço-tempo, um ritmo tornado expressivo, composto de sucessões
e coexistências. Para eles, esses agenciamentos não são uma propriedade
ou ação individual, como já vimos. Por esse motivo, é importante diferenciar
a ideia de criar uma caminhada singular, uma tática individual, como ob-
servada por Certeau, da visão de Deleuze e Guattari, que entenderiam essas
ações poéticas como um agenciamento coletivo entre corpos (animados ou
inanimados), tornando qualitativo todo o meio em que se inscrevem.
É nesse espaço que Alÿs cria entre os tempos, sugerindo que não só
é possível, mas também inevitável que estejamos sempre ao mesmo tempo
partindo e regressando, que sejamos sempre ao mesmo tempo locais e es-
142 trangeiros, pois é aí que reside a possibilidade de algo novo surgir. Segundo
Canclini, “a arte tenta narrar, traduzir indecisões e enigmas, tornar visível a
tensão entre enraizamentos e viagens.” (2012, p. 126). Nesse processo de ques-
tionamento, faz surgir uma brecha, uma suspensão daquilo que se acreditava
sólido e inabalável. A poética insurge e as iminências artísticas se insinuam,
embaralhando as cartas do jogo estriado e estratégico proposto pelo sistema.
43 Texto original: “The invention of a language goes together with the invention of a city. Each of
my interventions is another fragment of the story I am inventing, of the city I am mapping. In my city
everything is temporary.”
Canclini afirma ainda que a arte traz a real iminência poética quando
propõe “reconfigurar a divisão do sensível sobre a qual se simula o consenso,
reedificar o espaço público dividido, restaurar competências iguais.” (2012,
p. 137). Além das provocações dadas por suas ações, nas quais caminhar é
o ponto de partida para muitas leituras, desacordos e coexistências, Alÿs
elabora maneiras de inserir seus projetos no meio artístico de um modo, no
mínimo, polêmico e dissonante. Imaginemos que não há de ter sido simples
nem unânime a permissão institucional para que o artista realizasse sua
ação Narcoturism. Respondendo ao convite de desenvolver um projeto em
Copenhague por meio de uma proposta de derivas pedestres baseada no uso
de substâncias, em grande parte ilícitas, Alÿs desafia os limites aceitos não
somente pelo meio artístico, mas pela legislação local.
Uma das leituras possíveis para Doppelgänger é que Alÿs chama aten-
ção, nesse trabalho, para a padronização de modelos. A falta de identidade da
urbe e de seus habitantes é um processo sublinhado por Lefebvre quando fala
da crise da cidade. Para o sociólogo, esse processo, iniciado com a expulsão
da classe operária dos centros urbanos, acabou por gerar uma lógica de apli-
cação do modelo habitacional dos subúrbios que ora se criavam, com suas
características funcionais e abstratas. Segundo Lefebvre, esses conjuntos
habitacionais resultavam de uma soma de coações onde a individualidade
tinha um espaço e papel cada vez mais reduzidos.
145
Não somente em Railings mas, a seu modo, em cada uma de suas sin-
gulares deambulações e seus respectivos registros, Alÿs remete às possibili-
146 dades ainda existentes para infiltrarmos dados particulares e expressividade
na urbe. O artista nos coloca em posição de lançar e de responder novas per-
guntas, suspendendo algumas certezas sobre nosso modo de viver a cidade,
de entender suas leis e instituições, mesmo ao executarmos a mais básica
das ações. E se as produções artísticas de Alÿs parecem oferecer uma nova
face a cada um que as confronta, se seus trabalhos se prestam a tantas possí-
veis interpretações, talvez seja justamente por sua capacidade de responder
a perguntas conforme elas vão sendo formuladas, por abrir espaço ao novo.
Talvez seja esse o conteúdo utópico que Alÿs deixa transparecer nesses cinco
trabalhos: o artista se porta como um estrangeiro, pronto a começar do zero
sua exploração pelo inédito. Lembrando que cada retorno é, ao mesmo tem-
po uma partida, Alÿs parece inquieto e curioso, como uma criança, a testar
sentidos e sensações, limites e aproximações, com seu corpo, suas palavras
e com os espaços públicos das cidades por onde passeia.
44 Texto original: “Alÿs’s walking creates a ground-level image of the city, fragmented, subjective and
incomplete. It claims space for the fragile, the ephemeral and the poetic. In a commuter city where pe-
destrianism fights for survival, ‘Seven Walks’ transforms increasingly alienating surroundings into a new
space tailored to human dimensions.”
NÚCLEO 4: EMPURRAR | Paradoja de la
praxis 1
Ao final do dia, extenuado, Alÿs não tinha nada em suas mãos, assim
como o personagem grego Sísifo. Na mitologia, empurrar eternamente o pe- 147
sado bloco morro acima num trabalho sem sentido e sem fim é um castigo ao
qual Sísifo foi condenado após muitos episódios de trapaça e traição. No caso
de Alÿs, a alegoria remete ao “castigo” imposto à população latino-americana
em suas jornadas em busca de realizações que nunca são alcançadas. Como
Sísifo, também Alÿs seguiu seu caminho incessantemente, carregando seu
bloco de água congelada até o completo derretimento. Ao final, nada restou. A
água evaporou-se, o cubo deixou de ser, o trabalho terminou, o tempo passou.
Só ficaram a história e seus registros.
148
Com seu discurso, Truman acentuava ainda mais uma ideologia pre-
sente na América Latina desde a vinda dos portugueses e espanhóis com suas
práticas “civilizatórias e colonizadoras”. Desde então e sempre de novo, os
países do Sul são rotulados como atrasados, periféricos, menos desenvolvidos.
A partir dali, os latino-americanos perseguem ideias de evolução e de moder-
nização, e parecem estar sempre devendo, sempre atrás de seus colonizadores,
líderes e modelos: inicialmente Europa e, posteriormente, também Estados
Unidos. Disfarçado por várias camadas de aparente consenso e reproduzi-
do em políticas e ideologias tecnocráticas, esse pensamento contaminou a
história ocidental e até hoje rege o senso comum sobre progresso de nossa 149
civilização e de suas cidades.
O tempo dos habitantes da cidade hoje está cada vez mais atrelado a
indicadores de produtividade e remete ao jargão de que “tempo é dinheiro”,
sendo parcelado em atividades funcionais, muitas vezes ligadas às necessi-
dades de consumo criadas por um sistema que parece intangível ao cidadão
comum. A eficiência da urbe, expressa pelo pensamento modernista e racio-
nalista, é posta em suspensão, a partir da proposição de Alÿs. O significado
de desperdício ou de falência gera desacordos e, através de sua proposição
no nível do sensível, Alÿs cria contornos que evidenciam esse dissenso.
Alÿs caminha pelas ruas da Cidade do México com seu bloco de gelo
que nada deixa de rastro, fazendo o percurso oposto: gasta sua energia, des-
perdiça seu tempo, mas não produz nada que o sistema possa fazer circular ou
absorver. Através de sua operação tática, o artista inverte a lógica da produção
capitalista e nos faz pensar sobre os efeitos desse discurso e dessa dominação
dos países do norte sobre os países do sul. Alÿs alerta-nos para os espaços
de resistência que criamos e que podemos seguir criando, como uma opção
política. Coaduna assim com o entendimento de Certeau, para quem a popu- 155
lação não deve ser vista como uma massa homogênea de consumidores, mas
sim como uma pluralidade de usuários que, a seu modo, de forma astuciosa
e clandestina, gera pequenas zonas de atrito. Certeau identifica hiatos na
estratégia de consumo, por exemplo, ao fazer uso e criar apropriações daquilo
que o sistema produz de uma forma distinta daquela prevista, gerando ruídos
no que foi programado.
Ainda sob o ponto de vista de Canclini, esse tipo de ação gera iminên-
cias poéticas, aquilo que “faz do estético algo que não termina de se produzir,
não procura se transformar em um ofício codificado nem em mercadoria
rentável.” (2012, p. 31). Alÿs opera nesse espaço, borrando ou suspendendo o
entendimento tradicional sobre escultura pública, objeto, obra e campo da
arte. O próprio artista é quem indica que sua produção está mais preocupada
em meditar sobre o círculo vicioso da demanda, ocupando-se da natureza do
tempo de produção e não do status do produto (ALŸS apud MEDINA, 2007, p.
95). Paradoja de la praxis 1 – A veces el hacer algo no lleva a nada é antes uma
meditação do que uma obra de arte acabada. Canclini disserta que uma boa
pergunta deve evitar, a todo custo, uma resposta. Alÿs, em suas entrevistas,
alinha-se a essa visão, mantendo sempre presente o espírito questionador
de suas obras, que provocam mais do que esclarecem.
45 Acerca desse tema ver: ARCHER, Michel. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2012 (destacadamente p.42-63).
Núcleo 5 – OCUPAR | Zócalo + Cuentos
patrióticos
1. Banda horizontal de madera, azulejos, tela, papel pintado etc., con que se
adorna o protege la parte inferior de una pared, que puede levantar pocos cen-
tímetros o llegar a media altura.
2. Parte inferior de un edificio que sirve para elevar los basamentos o para
nivelar el terreno cuando está inclinado.
8. Rodapié de texto.
158
Fig. 26. Cartão postal
do Zócalo (centro da
Cidade do México)
47 Ocorrido no cair do dia 2 de outubro de 1968, o massacre ficou também conhecido como Noite
de Tlatelolco e teve lugar na Plaza de las Tres Culturas, em Tlatelolco, Cidade do México, dez dias
antes do início dos Jogos Olímpicos sediados naquela mesma capital. O massacre representou a
morte de centenas e o ferimento de outro sem número de estudantes e trabalhadores – as somas
variam conforme a fonte de informação, mas crescem a cada nova pesquisa, afastando-se cada
vez mais dos dados oficiais da época que admitiam algumas dezenas de pessoas feridas ou as-
sassinadas. Tratou-se da repressão policial de uma manifestação precedida por vários meses de
instabilidade política na cidade, eco das manifestações e revoltas estudantis ocorridas em 1968
tanto no México quanto no mundo. Respondendo aos protestos estudantis, em setembro de 68 o
então presidente havia ordenado ao exército nacional que ocupasse o campus da Universidade
Nacional Autónoma do México. Naquela ocasião os estudantes já haviam sido espancados de
forma indiscriminada. O uso da força e a violência da repressão contra os insurgentes chegaram
Três décadas mais tarde, em 1997, um pastor faz alusão a esse epi-
sódio nacional, levando seu rebanho de ovelhas para formarem, uma a uma,
um círculo em volta do mastro da bandeira mexicana. Ao som ritmado do
sino da catedral, o pastor lidera a primeira ovelha, puxada por uma coleira.
A ovelha o segue, girando em torno do pavilhão nacional situado no miolo
do Zócalo. Ao terminar a primeira volta, mais uma ovelha junta-se à dupla. E
assim sucessivamente, a cada nova órbita percorrida e ao soar das badaladas,
até o momento em que as ovelhas são tantas a ponto de fecharem um anel e
já não sabermos mais onde começa nem onde termina. Já não há um líder.
Fig. 27. Francis Alÿs Então o movimento se inverte: a cada volta, agora, uma ovelha abandona o
em colaboração com
Rafael Ortega. Cuentos rebanho. Uma a uma vão saindo de cena. Finalmente, a última delas deixa o
patrióticos, 1997. Stills
de vídeo círculo e é seguida por seu pastor, também conhecido como Francis Alÿs.
160
a seu ápice em outubro, atendendo ao pedido de desmanche do movimento estudantil por parte
do governo mexicano, apoiado por diversas organizações norte-americanas, como CIA e FBI. Este
episódio foi cunhado de Massacre de Tlatelolco. Para saber mais: PONIATOWSKA, Elena. Massacre
in Mexico. Nova York: Viking, 1975.
161
Ambos trabalhos têm como território de ação a praça el Zócalo, símbolo
do espaço público e cívico da nação por excelência. A escolha pela posição
geográfica da praça remonta à Tríplice Aliança do Império Asteca, quando o
território abrigava o centro político e religioso de México-Tenochtitlan, sua
capital. Naquele local os astecas e mexicas construíram o Templo Mayor e
o Palácio do imperador Motecuhzoma Xocoyotzin, após terem subjugado
outros povos locais entre os séculos XIII e XVI. A cidade, fundada em 1325,
possuía aproximadamente 300 mil habitantes em 1519, quando os primeiros
europeus chegaram.
48 Para um estudo mais aprofundado: SANTOS, Eduardo Natalino dos. Deuses do México Indí-
gena: estudo comparativo entre narrativas espanholas e indígenas. São Paulo: Palas Athenas, 2002.
base, fundamento, alicerce, plataforma, slot de conexões, abrigando as mais
variadas agendas e atividades, tanto formais quanto informais.
É nesse contexto que Alÿs desenvolve seus projetos. Ali onde os su-
cessivos governos, planejadores urbanos e arquitetos acabaram desistindo 165
de intervir, com suas construções e objetos, a população cria seus domínios,
funda seus espaços, torna-os habitáveis e identitários. Alÿs aponta para a
beleza dessa dança de corpos anônimos que diariamente marcam a passagem
do tempo, num ritmo próprio, criando sua dinâmica de deslocamentos em
busca de um alento, à sombra da bandeira nacional.
Nos dois trabalhos Alÿs nos revela situações em que deixa de ser o
protagonista, líder ou autor de uma ação para se tornar apenas mais um par-
ticipante. Em Zócalo, o artista se detém no registro fotográfico do movimento
solar e, em Cuentos patrióticos, apesar de inicialmente ser o guia do círculo,
acaba por se torna parte, confundir-se e finalmente passar a seguidor das
166 ovelhas. É uma possível leitura para a expressão de Deleuze e Guattari que
procuram apontar para esses processos de agenciamento onde não existe
um sujeito, outrossim um corpo formado pela soma de muitos. O coletivo
formaria assim uma organização sem hierarquia, um rizoma, onde não exis-
te “a cabeça”. Em linguagem matemática seria n-1 (o conjunto formado pela
coletividade “n” menos o sujeito individual “1”).
49 Texto original: “Others see it as late-flowering surrealism, a nod to Buñuel, a situationist skit,
a satire on nationalism or a philosophical conceit. What is certain is that the film is open to all these
interpretations and more.”
Ainda nas palavras de Medina, com trabalhos como esses, Alÿs resiste
à ideia de desencantamento do espaço urbano ao revelar novas funções e
possibilidades de expressão que nele se desenvolvem. A partir de uma mu-
dança de perspectiva, o artista nos aponta para outras formas de eventos
sociais e políticos, coletivos, porém não programados, outros rituais da pólis
contemporânea e outras formas de materializar desejos, medos e sonhos
compartilhados. Essa inversão ou mudança de olhar seria capaz de nos fazer
ver que, independe da rapidez de sua duração ou da não produção de resul-
tados materiais, tais ações não devem ser descartadas nem consideradas
infrutíferas.
172 O conto de Calvino faz parte de uma ficção, porém, como diria Marco
Polo (personagem de seu livro), cidades feitas apenas de normas, atendidas
sem exceção, seriam “verossímeis demais para serem verdadeiras.” (CALVINO,
2003, p. 67). Temos assim mais um paralelo entre as cidades ficcionais criadas
pelo escritor italiano e aqueles locais e contextos onde Alÿs atua. Um como
outro jogam com os paradoxos para, através de seus símbolos e alegorias,
abrir novas chaves de leitura para as realidades urbanas encontradas e, quiçá,
criar novas realidades.
Ao falar do local que escolheu para realizar sua ação coletiva, Alÿs
frisa a importância de Ventanilla como ícone de uma cidade convulsionada,
de tensão política e socioeconômica, mas também cultural e urbana. Segundo
ele, “Lima foi empurrando essas dunas ao longo de décadas. Este constan-
te alargamento das extremidades da cidade é o resultado de sua conversão
inevitável em uma megalópole.” (ALŸS; MEDINA, 2005, p. 49). Processo que
naturalmente a faria exilar sua paisagem, nas palavras do artista. Assim como
o império do Grande Khan, as metrópoles latino-americanas (e tantas outras),
converteram-se numa sobrecarga para si mesmas: cidades que pesam sobre
os homens e sobre o solo. Como efeito reverso seus processos geram “esbura-
camentos” e esgarçamentos das malhas urbanas, vazios físicos ou subjetivos.
Imagens de leveza e de mobilidade, como a areia do deserto, surgem nesse
cenário. 173
174
A partir dessa percepção Alÿs criou um pequeno roteiro, que consistia
em convidar voluntários locais para deslocarem em 10cm uma duna de areia
em Ventanilla, durante um dia de trabalho, através de um esforço comum.
Além dos estudantes universitários que se engajaram no projeto, houve a
participação ativa de moradores locais que, ou ajudaram com suas pás, ou
simplesmente organizaram o entorno para que ação se desenrolasse em seu
próprio ritmo. Sem que houvesse nenhum desenho além da linha inicial, ne- Fig. 32. Francis Alÿs
nhuma quantidade mensurável ou resultado objetivo, Alÿs conseguiu persu- em colaboração com
Cuauhtémoc Medina e
adir e engajar 500 voluntários, num trabalho que toca muitos temas. Para ele, Rafael Ortega. Cuando
la fe mueve montañas,
“um dos motivos fundamentais do projeto foi abordar o modo como a falta de 2002. Documentação
fotográfica de um
planejamento é, apesar de tudo, a matriz do tecido urbano latino-americano.” evento
50 Para Walter de Maria, o isolamento poderia ser lido como a essência da Land Art, segundo nos
relata Michael Archer (ARCHER, 2012, p. 62). Para saber mais acerca deste movimento artístico,
ler páginas 61 a 110 de seu livro Arte contemporânea – uma história concisa.
Tampouco a ideia de colaboração era relevante e, se quisermos ir um
pouco além, havia nesses trabalhos citados por Alÿs (grandes ícones da Land
Art), um coeficiente de colonialismo, no sentido de dominar um território,
“fosse de quem fosse”. Não se trata aqui de desqualificar ou diminuir as con-
tribuições da Land Art, ao contrário, as décadas de 1960-70 foram marcadas
justamente por essa multiplicidade de movimentos artísticos que, em con-
junto, formaram o que hoje conhecemos como nascimento da arte contem-
porânea (dentro da perspectiva da história da arte). A questão é justamente
identificar a contribuição de Alÿs para levar sempre mais além, distender
as fronteiras de seu campo, perfurá-las e torná-las cada vez mais porosas a
outras disciplinas ou, como recomendaria Rancière, borrá-las por completo.
51 Conforme pesquisa em BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 1983.
fe mueve montañas ou Barrenderos. São linhas que não traçam limites, ao con-
trário, muitas vezes elas justamente borram e subvertem esses limites ou os
deslocam para além. Tantas vezes são linhas de contorno que o artista traça
para tornar visível algo que até então não estava posto, não parecia revelado
ou estava em latência, como uma iminência poética. Conforme a situação,
essas linhas ganham espessura e até mesmo tridimensionalidade.
188
189
Essa cientifização
falsamente neutra acarreta um
afastamento entre a cidade das
representações e aquela das
apropriações. A primeira passa
a ser descrita através preferen-
cialmente de mapas, como um
quadro estático; enquanto a se-
gunda necessariamente envolve
ações, percursos. Na primeira
algo está à direita, ao norte ou a
três quilômetros, na segunda se
dobra à direita, se caminha rumo
ao norte, se percorrem três quilô-
198 metros. Ao inserir a possibilida-
de de pontes que dependem da
existência e do movimento das
pessoas para existir, Alÿs funde
essas duas formas de aproxima-
ção, recria a conexão e retoma, a
partir de um mapa, o teatro que
nele toma parte.
Seria esse o primeiro papel do relato para Certeau: abrir um teatro que
legitimaria as ações efetivas posteriores. Muito similar à defesa de Rancière 199
quanto ao papel da ficção em nossa era estética, gerando efeitos no real. E o
aspecto ficcional da ação que surge a partir de um roteiro, sendo lançada no
imaginário, mas que não se conclui, não se fecha, é reiterado pelas formas de
visibilidade que Alÿs e seus colaboradores proporcionam nesses dois traba-
lhos. Não sabemos se as linhas se tocaram no horizonte, restam a curiosida-
de, os boatos e rumores, o mito, a fábula. No projeto realizado no estreito de
Gibraltar, a questão surge como pergunta no início do filme que promete, mas
não conta o fim. Conforme as crianças avançam, a câmera mergulha, perde-se
na água e o movimento parece repetir-se a cada vez que se aproxima de uma
conclusão. Segundo Alÿs (2010), trata-se de “um presente a ser continuado.”
Reverberações
Ainda sobre a falha, Beckett escreve “ser um(a) artista é falhar como
nenhum(a) outro(a) ousa falhar53.” (BECKETT, 1949 in LE FEUVRE, 2010, p. 6,
tradução nossa). Esse pode ter sido o mote que levou Alÿs a fazer um salto de
escala, saindo de um meio mais “controlado”, para propor, em 2002, a quixo-
tesca e colossal ação Cuando la fe mueve montañas. É o próprio artista quem
declara que o trabalho criado e realizado para a Bienal de Lima se tornou
um divisor de águas em sua carreira. Antes marcada por expressões como
“máxima ação, mínimo resultado” ou “às vezes fazer algo não leva a nada”,
sua trajetória passou a comportar ações cada vez mais coletivas, abertas,
declaradamente políticas e potencialmente transformadoras. Nessa linha
identificamos ações como Barrenderos, Puente, Don’t cross the bridge before
you get to the river e Green Line – Sometimes doing something poetic can become
Alÿs deixa seu universo se contaminar ainda mais pelo impulso utó-
pico após a reverberação de seu projeto em Ventanilla, que produz um es-
garçamento dos limites de sua prática artística. Observação, conhecimento,
reconhecimento, registro; intervenção solitária, com colaboradores e com
voluntários: não é um caminho sem volta, mas denota novos horizontes dos
quais partir e para os quais retornar. O artista segue criando proposições
individuais, mais silenciosas e menos “intervencionistas” até hoje. Simul-
taneamente, podemos identificar já nos primeiros trabalhos essa vontade
de mudança no mundo, essa esperança ativa. O que equivale a dizer que
a iminência poética ocorre justamente nesses espaços entre: entre fazer e 207
desfazer, entre avançar e recuar.
O que vale a pena ser reencenado? O quanto preciso repetir algo para
torná-lo um processo meu, naturalizado, reterritorializado? Na cidade em-
balada por movimento pendulares, por gestos e trajetos que se fazem todos
os dias, quais ações e pensamentos repetidos podem levar a outros lugares,
extrapolar os limites? Não se trata do que fazer, necessariamente, mas de
como fazer. Como diriam Guattari e Deleuze, trata-se do modo de espacia-
lização. Afinal, esse modus operandi poético de Alÿs, seu andar nômade em
que despreza avanços lineares, pode ser visto como um ato de transgressão
208 e de alisamento? Diríamos que sim. Que seu “progresso” circular acaba por
tensionar a própria ideia de limite.
Alÿs opta, desde o começo de sua carreira, por projetos que se tornem
fábulas a serem espalhadas preferencialmente por meio de narrativas orais.
Sabemos que na composição da História como disciplina, os registros orais
ficaram, até o final do século XX, relegados a segundo plano, a estórias. O ar-
tista privilegia o processo em relação ao produto final e, ao escolher por um
meio de circulação de ideias calcado na oralidade, sublinha essa intenção
não patrimonialista de suas ações. Ao escolher uma história alternativa – a
da oralidade – Alÿs opta mais uma vez por uma história feita de carne e não
de esqueletos. Boatos e rumores que passam de boca em boca compõem e
refletem narrativas feitas de duração, de presentes que não museificam nem
cristalizam, mas sim contextualizam e atualizam.
54 Após o lançamento de Six years - The Dematerialization of the Art Object from 1966 to 1972,
de Lucy Lippard, a ideia de arte desmaterializada passou a ser adotada por muitos críticos,
colecionadores, especialistas e artistas. Cristina Freire, como já foi apontado no capítulo Fontes
desta dissertação, entende que não se tratava de uma desmaterialização no sentido literal, visto
que essa arte ainda encontrava suportes como cartões postais, o corpo, a paisagem, para tomar
forma. A questão era deslocar a importância para o processo, para a ideia e retirá-la da forma
final, do objeto artístico como produto acabado.
para chegar a nenhum resultado. É a reflexão sobre esta economia da
vida, especialmente daquela latino-americana, que fazem políticas
suas obras. (ALŸS; MEDINA, 2005, p. 97).
216
55 Texto original: “If you look at the larger cinematographic or literary tradition, mirages have almost
always been called upon in order to introduce scenes of apparition […]. But I tend to see the mechanism of
the mirage as exactly the opposite: while one approaches it, the mirage eternally vanishes on the horizon
line, always deceiving or eluding our progression; inevitably preceding our footsteps. It is a phenomenon
of constant disappearance, a continuous experience of evasion. Without the movement of the viewer
observer, the mirage would be nothing more than an inert stain, merely an optical vibration in the lands-
cape. It is our advance that awakens it, our progression toward it that triggers its life. As it is the struggle
that defines utopia, it is the vanity of our intent that animates the mirage, it is in the obstinacy of our
intent that the mirage comes to life, and that is the space that interests me. If there is disillusionment, it
is because we want to catch it, to touch it. When I refer to that modernity that always seems to be within
our reach but escapes us, I don’t mean to say that modernity is the goal or what we should be pursuing.
What interests me is the intent, the movement toward the mirage. For me, the emphasis is on the act of
pursuing itself, in this escape forward. I see the attempt as the real space of production, like the field of
operations of a real or realistic development.”
Em Raíssa, cidade triste, também corre um fio invisível que, por um
instante, liga um ser vivo ao outro e se desfaz, depois volta a se es-
tender entre pontos em movimento desenhando rapidamente novas
figuras de modo que a cada segundo a cidade infeliz contém uma
cidade feliz que nem mesmo sabe que existe. (CALVINO, 2003, p. 135).
Quando entende que cachorros podem servir como uma analogia aos 219
cidadãos desprezados pelo sistema de ordenamento urbano, Alÿs empresta
sua imagem a alguns trabalhos em que a figura canina “humaniza” uma de-
terminada situação. Quando faz apontamentos críticos de forma indireta,
buscando recursos alegóricos, o artista torna possível uma aproximação inau-
gural a um determinado tema, como Morus fez a seu tempo. O deslocamento
colossal de uma montanha, a criação de uma ponte feita de barcos ou de
crianças na linha do horizonte, um relógio solar feito de pessoas são como
fagulhas que podem acender nossa imaginação, gerar curiosidade e surpresa.
Assim as críticas presentes nos trabalhos de Alÿs e seu modo de encarar a
realidade encontram maior receptividade, evitando censuras tanto oficiais
quanto particulares.
221
56 Texto original: “Whether dealing with labour’s past or art’s present: to break down the great di-
visions science and ideology, high culture and popular culture, representation and the unrepresentable,
the modern and the postmodern, etc. to contrast so-called historical necessity with a topography of
the configuration of possibilities, a perception of the multiple alterations and displacements that make
up forms of political subjectivization and artistic invention. So l reexamined the dividing lines between
the modern and postmodern, demonstrating, for example, that ‘abstract painting’ was invented not as
a manifestation of art’s autonomy but in the context of a way of thinking of art as a fabricator of forms
of life, that the intermingling of high art and popular culture was not a discovery of the 1960s but at the
heart of nineteenth-century Romanticism. Nevertheless, what interests me more than politics or art is the
way the boundaries defining certain practices as artistic or political are drawn and redrawn. This frees
artistic and political creativity from the yoke of the great historical schemata that announce the great
revolutions to come or that mourn the great revolutions past only to impose their prescriptions and their
declarations of powerlessness on the present.”
Entendemos que o legado da arte contemporânea, aqui apresentado
a partir de uma amostragem de trabalhos de Alÿs, auxilia na elaboração e
na compreensão das teorias de Rancière, especialmente no que se refere a
afirmação de que essas experiências estéticas são políticas desde sua base.
Não haveria divisão, por conseguinte, nem existiria um momento em que essa
ação poética se tornaria política. O axioma de Alÿs “às vezes fazer algo poético
pode se tornar político e que às vezes fazer algo político pode se tornar poético”,
em nossa percepção, se mostra mais próximo de às vezes fazer algo poético é
político e às vezes fazer algo político é poético.
57 Frase original em inglês proferida pelo personagem Bartleby ao longo do livro de Herman
Melville, traduzida para o português como “preferiria não”.
Especificamente na trajetória de Alÿs, podemos identificar esse busca
na maneira como o artista se porta como alguém que não se satisfaz nem
se cansa. Cada dia é uma nova jornada, uma nova estreia de possibilidades
impulsionada pelo que a descoberta de uma nova cidade, por exemplo, tem
a lhe oferecer. Suas derivas são tudo menos comodismo e inércia.
Tangências
Ao longo de toda a dissertação, buscamos evidenciar a ambiguidade
e o constante tensionamento de conceitos como utopia, ocupação, alisamen-
to-estriamento, territorialização-desterritorialização, progresso, miragem,
encapsulamento-transgressão. A ambiguidade desses conceitos encontra
eco na delinquência urbana de Alÿs. Acompanhando o artista em seu ca-
minho pelas margens, alguns limites iniciais da pesquisa parecem ter sido
ampliados e arejados, e esse processo pode ser lido como um dos resultados
da dissertação. Nossa capacidade de refletir acerca de mudanças, de entender
possíveis processos de transformação e de imaginar o novo foi expandida,
ganhando novos espaços.
Quando indica que suas ações não mudaram nada, mas que intro-
duziram a possibilidade de mudança, Alÿs nos dá a pista do que pode haver
de significativo em ações artísticas contemporâneas para nossa maneira de
pensar e de praticar a cidade – e para nosso direito a ela. Entendemos que
essa é uma contribuição relevante, que essas sementes precisam encontrar
sua linguagem para vir ao mundo e serem materializadas em nossos gestos,
em nossas maneiras de ser e de estar na urbe, de moldar as situações urbanas
que vivemos, sempre entendidas em seu viés político. A impossibilidade de
234 dissociar ética, estética, poética e política na produção artística analisada
pode ser lida como outro fruto deste estudo.
Ainda sob esse viés crítico vale diferenciar o que aqui entendemos
como transgressor de uma perspectiva ingênua que condena todo e qualquer
vínculo entre a criação artística e sua comercialização. Partindo do pressu-
posto de que todos precisamos de recursos para viver (e mesmo para produzir
arte em todas suas esferas), imagina-se que os frutos da produção de cada
um, inclusive artistas, venham a ser transformados nesses recursos. Como
diria Rancière, arte também é mercado, sem mais delongas ou desvios. Não
se trata porém de interromper por aqui a questão, visto que a importância, a
nosso ver, recai em onde aplicar esses recursos, em como criar outros espaços
e sistemas de troca que não sejam balizados pela monetarização e valorização
mercantil e capitalista pura e simples. Concordamos com Rancière quando o
autor postula que o que importa nessas experiências estéticas é a esperança
de emancipação e a possibilidade de exploração de espaços de jogo nos quais
surjam formas e relações inesperadas (RANCIÈRE, 2007 in NOBLE, 2009, p.
95).
239
REFERÊNCIAS
MEIO IMPRESSO:
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