Apologista Católicos - Apologista Católicos

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Apologista Católicos -

Apologista Católicos
Nelson Sarmento 26 Abril 2020

Questão disputada sobre o culto aos


santos

Questão disputada sobre o culto aos santos

I. ARGUMENTOS DOS ADVERSÁRIOS:

1) O prof. Paulo Cristiano da Silva em seu artigo “Dulia,


Hiperdulia e Latria” argumenta que a distinção de latria e
dulia é apenas teórica, mas não existe na prática. A
prática de culto dos católicos aos santos e a Deus é
rigorosamente a mesma. E o que importa nessa questão
é a prática quando se trata de adoração.

2) Lucas Banzoli em seu artigo “Não adoram, só


veneram” argumenta que os exemplos de se ajoelhar
perante um homem ou anjo no Antigo Testamento se
referem a cumprimento cultural e não uma forma de
culto.
3) Argumenta-se que São Pedro recusou o culto
manifestado por Cornélio (Atos 10,25) e um anjo recusou
o culto prestado por São João (Apocalipse 19).

4) Argumenta-se que Santo Agostinho ensina que não se


deve prestar culto religioso aos santos e anjos (cf. De
vera religione, cap. 55).

5) Argumenta-se, ainda, que Santo Agostinho diz que a


construção de templos faz parte do culto de latria (cf. De
Civitate Dei, lib. VIII, cap. 27), enquanto que os católicos
constroem altares e templos em homenagem aos santos.
É famosa a Basílica de São Pedro no Vaticano e a Basílica
de Nossa Senhora Aparecida em Aparecida do Norte -
SP.

II. A DOUTRINA CATÓLICA É EXPOSTA

A Igreja ensina que os santos devem ser adorados com


culto de dulia, enquanto Deus e somente Ele deve ser
adorado com culto de latria. Modernamente, os teólogos
e o Magistério preferem utilizar a palavra “adorar”
exclusivamente ao culto de latria, enquanto “venerar” foi
restringido ao culto de dulia. Nessa exposição a palavra
“adorar” será utilizada em sentido lato, como um gênero
que inclui as duas espécies dos referidos cultos, e não
em sentido estrito.

Para o estudo da matéria precisamos, inicialmente, definir


os termos que utilizados, pois muito do desentendimento
católico e protestante se deve a uma variedade de
expressões e usos contraditórios nos sentidos dados por
cada interlocutor, que acaba por minar qualquer diálogo.

Definição de adoração/culto

O que é adorar? Adorar ou culto é uma espécie de honra.

Por sua vez, o que é honra? Segundo o conceito clássico


honra é testemunho manifestado (reconhecimento) pela
excelência de alguém (cf. Aristóteles, Ethica Nicomachea,
1.12; Santo Tomás, Commentarium. Ethica Nicomachea
1.12, lect.18 n. 20, ST II-II.103.1c).

Excelência encerra a ideia de perfeição. Assim, no caso


dos seres humanos, estará, principalmente, ligada à
virtude, isto é, na linguagem aristotélica “hábito de
escolher conforme a reta razão” e “disposição de um ser
perfeito” (cf. ST III, q.85, a.1).

Quando a honra é manifestada perante outrem igual ou


inferior diz-se simplesmente honra. Porém, quando a
honra é manifestada perante um superior se diz culto ou
adoração.

Assim, eis a definição de adoração ou culto: “sinal de


submissão em reconhecimento à superioridade e
excelência de alguém”. “Unanimemente os teólogos, na
trilha de São João Damasceno (Orat. III, De imaginibus,
no. 26, P.G. tomo 94, col. 1346,....), com Franzelin (De
Verbo incarnato, Roma, 1874, th. XLV, p. 456), definem o
culto como um sinal de submissão em reconhecimento à
superioridade e excelência de alguém -- nota
submissionis ad agnitam excellentiam alterius" (A.
Chollet. Dictionnaire de Théologie Catholique, (verbete
Culte en général, Letouzey et Ané, Paris, 1923, tomo III,
col. 2404)

Importantes autores protestantes demonstraram não


possuir óbice em se falar de culto ou adoração em
relação a outras pessoas ou seres. A Bíblia de Genebra
em sua nota a Atos 10,25 diz que “o culto civil é dado aos
Ministros da palavra”. Calvino em “Institutio christianae
religionis (lib I, cap. 12)”, diz: “É verdade que lemos não
raras vezes que criaturas humanas foram adoradas
(adoratos). Mas essa foi, por assim dizer, uma honra
civil”. O calvinista Walerjan Skorobohaty Krasinski em sua
Dissertação “on the Miraculous Images, as Well as Other
Superstitions of the Roman Catholic and Russo-Greek
Churches (1855)” diz: “O culto heroico é inato à natureza
humana e fundamentado em alguns dos sentimentos
mais nobres como a gratidão, o amor e a admiração...”.

Espécies de adoração/culto
Há duas espécies de cultos: o civil e o religioso

O culto civil considera nos homens a excelência natural,


pela qual eles nos são superiores. Subdivide-se em:

- culto individual: "Um ser, com efeito, pode manifestar


sua excelência e superioridade de diversas maneiras e
em diferentes esferas. Ele pode ser superior, eminente,
por seu valor pessoal. É um gênio cuja ciência é imensa,
cujas instituições são maravilhosas, e que abre ao
conhecimento humano horizontes até então
insuspeitados; é um herói, cujo caráter e energia se
impõem à admiração de todos e que pela perspicácia e
poder de sua vontade triunfou de dificuldades inauditas;
ou é mais simplesmente um colosso, cuja constituição
física e cujos músculos de aço, lembram os gigantes
antigos: valor intelectual, valor moral, força física se
impõem aos demais e dão origem a um sentimento de
admiração mesclado de deferência e de respeito, que é
um culto. Estes heróis arrastam facilmente atrás de si aos
demais, e o vínculo que submete aos seus ascendentes
as multidões é um culto (culto individual)" (A. CHOLLET,
loc. cit., col. 2404).

- culto familiar: "Um homem pode ser superior pela


função que ele desempenha na família; é um pai; fundou
um lar, governa-o com a autoridade que lhe advém do
contrato solene feito com sua esposa perante Deus, ou
do fato da procriação de seus filhos. A mulher e os filhos
reconhecem a autoridade dele, respeitam-no, e lhe
testemunham sua submissão ou sua piedade filial. É
ainda um culto (culto familiar)". (A. CHOLLET, loc. cit.,
cols. 2404-2405).

- culto social: "Se um homem tem uma missão social e


ocupa na nação um cargo que o torna chefe de seus
concidadãos, estes reconhecem nele a autoridade e o
prestígio que o cerca, e manifestam publicamente
deferência por sua pessoa: eles praticam desse modo
atos de um culto real (culto social)" (A. CHOLLET, loc.
cit., col. 2405).

A Bíblia apresenta alguns exemplos sobre o culto social:


"Joab, prostrando-se por terra sobre o seu rosto, adorou
e felicitou o rei." (II Reis, 14,22); "Inclinando-se Betsabé
profundamente, adorou o rei." (III Reis, 1,16); "O profeta
Natã... veio perante o rei, inclinando-se o adorou." (III Reis
1, 23)

O culto religioso, por sua vez, "é um reconhecimento da


perfeição divina, da eminente superioridade e excelência
de Deus sobre todas criaturas. Estende-se também ao
reconhecimento das superioridades emanadas de Deus
na sociedade religiosa, seja natural (a sociedade
humana), seja sobrenatural (a Igreja), seja preternatural
(a sociedade angélica)" (A. CHOLLET, loc. cit., col. 2405).
Assim, “conhecer e proclamar a excelência de Deus e
dos ministros que Ele constituiu para nos conduzir a Ele,
testemunhar respeito e submissão às pessoas sagradas
ou às pessoas divinas é praticar o culto religioso". (A.
CHOLLET, loc. cit., col. 2405).

Em outras palavras, o culto religioso é devido para Deus,


em reconhecimento a sua divina e infinita excelência
(latria), e para todo aquele que possui alguma excelência
espiritual ou excelência sobrenatural criada (dulia em
sentido mais estrito).

O culto religioso subdivide-se em: culto de latria e o culto


de dulia. Santo Agostinho foi o primeiro teólogo a delinear
detidamente essa distinção. Entre outras passagens, diz:
“Veneramos, então, aos mártires com o culto do amor e
companhia, que nesta vida os homens santos de Deus
também são tributados, cujo coração percebemos que
está disposto a sofrer o martírio para a verdade do
evangelho... O que é propriamente o culto divino, que os
gregos chamam de latria, e para o qual não existe uma
palavra em latim, tanto na doutrina, quanto na prática,
damos somente a Deus”. (Contra Faustum Manichaeum,
lib XX, cap. 21) E ainda: “Mas que o Espírito Santo não é
uma criatura, é muito simples por aquela passagem
acima de todos os outros, onde somos ordenados para
não servir a criatura, mas ao Criador, não no sentido em
que somos ordenados a “servir” um ao outro pelo amor,
que é douleuein [dúlia] em grego, mas naquele em que
só Deus é servido, que está latreuein [latria] em grego”.
(De Trinitate, lib I, cap. 6).

O protestante Leibniz reconhece o "discrimen infinitum


atque immensum entre a honra que é devida a Deus e a
que é mostrada aos santos, sendo essa chamada pelos
teólogos, segundo o exemplo de Agostinho, latria, e a
outra dulia"; e ele declara ainda que essa distinção "não
deve ser apenas inculcada nas mentes dos ouvintes e
aprendizes, mas também deve ser manifestada, tanto
quanto possível, por sinais externos" (Syst. theol., p.
184).

O culto de latria

Latria quer dizer serviço. Teologicamente, refere-se ao


serviço sagrado dedicado ao divino. Santo Agostinho diz
que a latria é um culto devido a Deus somente, como
verificamos nas duas passagens acima.

Santo Agostinho nota que esse culto pertence à oferta de


sacrifícios (cf. Contra Faustum Manichaeum, lib. XX, cap.
21). Em outra obra, acrescenta outras práticas restritas
ao culto de latria, como construir templos, ordenar
sacerdotes e ritos sagrados. (cf. De Civitate Dei, lib. VIII,
cap. 27). Definamos esses pontos.

Por óbvio, o sacrifício se relaciona, em primeira vista, à


imolação de um animal como oferta a Deus. Na Nova
Aliança, Santo Agostinho explica que a celebração
eucarística é o sacrifício atual oferecido a Deus (cf.
Contra Faustum Manichaeum, lib. XX, 21 e De Civitate
Dei, lib. X, cap. 6). Também explica que sacrifício é nos
consagrarmos inteiramente a Deus (cf. De Civitate Dei,
lib. X, cap. 6). Santo Tomás explica que se consagrar a
Deus é a mente humana se oferecer a si mesma a Ele, “e
se oferece a Ele como a quem é princípio de sua criação,
autor de seus atos e fim de sua bem-aventurança”
(Summa contra Gentiles, lib III, 120). Portanto, chama-se
o primeiro de sacrifício exterior e o segundo de sacrifício
interior.

O templo é a edificação para promover sacrifício (cf. São


Roberto Bellarmino, De Controversiis Christianae Fidei,
lib. III, cap. IV). Santo Agostinho menciona que os cristãos
levantavam altares para Deus (cf. Sermones 318, 228, In
Evangelium Ioannis tractatus centum viginti quatuor,
tractatus 2, etc). Os Padres da Igreja utilizaram
comumente a palavra “templo” para se referir as
edificações cristãs (Eusébio, A vida de Constantino, livro
3, cap. 40 e 43; Santo Ambrósio, De officiis ministrorum,
16; São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, 50,
entre outros). Santo Agostinho relembra, também, que
nós mesmos somos templos do Espírito Santo (cf.
Epistolae 170, 173A).

O sacerdócio é ordenado principalmente para o sacrifício.


Sacerdote em latim é sacerdos, derivado de “sacra dans”,
isto é, aquele que dá as coisas sagradas. Nesse sentido,
lemos em Hebreus 5,1 que “todo sumo sacerdote é
escolhido entre os homens e constituído em favor dos
homens como mediador nas coisas que dizem respeito a
Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados”.
Com efeito, o Pontifical Romano diz que “ao sacerdote
lhe corresponde OFERECER, benzer, presidir, pregar e
batizar”.

Os ritos sagrados (sacra) referem-se, primariamente, aos


ritos que contemplam o serviço eucarístico, como
podemos notar em Eusébio, De laudibus Constantini,
prologum, De vita Constantini, cap. 71, e Tertuliano, De
anima, cap. IX.

Santo Tomás traz definições importantes sobre o


conceito de latria. Diz “a latria, que é a adoração a Deus
como o começo de todas as coisas, é o dever do homem
nesta vida” (cf. Contra Impugnantes, part 1). Explica que
há dois modos de considerar a servidão da latria, isto é,
“consiste em servi-lo em preferência a tudo; a outra
servidão consiste em tender para ele como para o nosso
fim último”. (Super Evangelium Matthaei, cap. 4, lectio 1 -
Mt 4, 10) Diz ainda que latria “consiste principalmente em
sacrifícios e oblação, pelos quais o homem reconhece
que Deus é o autor de todos os bens”. (Super Epistulam
ad Romanos, 1, 20-25) Ademais, diz: “E como Deus é não
somente causa e princípio de nosso ser, mas também
dono absoluto do mesmo, e tudo o que temos lhe
devemos, e por isso é verdadeiramente Senhor nosso,
tudo o que fazemos em sua honra se chama serviço.
Ademais, Deus é senhor não acidentalmente, como um
homem o é de outro, mas por natureza”. (Summa contra
Gentiles, lib III, 119) Ademais, comenta: “o sacrifício
externo é uma representação do sacrifício interior,
segundo o qual a mente humana se oferece a si mesma a
Deus. E se oferece a Ele como a quem é princípio de sua
criação, autor de seus atos e fim de sua bem-
aventurança”. (Summa contra Gentiles, lib III, 120).

Após todos esses elementos apresentados, vamos definir


o culto de latria com São Roberto Bellarmino no seguinte
sentido: “a suprema submissão, e inclinação da vontade
com a apreensão de Deus, como primeiro princípio e fim
último, e, portanto o supremo bem” (De controversiis
Christianae Fidei, tomus 2, cap. XV).

É possível estudar sobre o culto de latria sob a ótica da


virtude, de modo que compreendamos de onde deriva o
culto que devemos a Deus.

A Justiça “consiste em dar a outrem o que lhe é devido,


conforme a igualdade”. (Santo Tomás, ST II-II, 80, 1,
resp.). Anexa à virtude da Justiça há a virtude da religião.

O homem não pode retribuir a Deus, em plano de


igualdade, tudo o que dEle recebeu, como diz o salmista:
Que retribuirei ao Senhor por tudo que ele me
concedeu?" (Salmo 115,3). Por isso, oferece-lhe, em
retribuição, respeito, homenagem e culto, o que pertence
à virtude da religião. É a primeira virtude anexa à justiça
(cf. ST II-II, 80, 1, resp).

Sobre o que é religião, deixemos que o Doutor comum


responda extensamente sobre o tema: “Para entender o
significado da religião, precisamos conhecer a etimologia
da palavra. Santo Agostinho, em seu livro De vera
religione considera que é derivado de re-ligare (para re-
ligar). Uma coisa está ligada a outra, quando está tão
unida a ela, que não pode se separar e se unir a qualquer
outra coisa. A palavra re-ligação, no entanto, implica que
uma coisa, embora unida a outra, começou, em certo
grau, a se desconectar dessa outra. Agora toda criatura
existia, originalmente, mais em Deus do que em si. Pela
criação, no entanto, ela saiu de Deus e, em certa medida,
começou, em sua essência, a ter uma existência
separada dEle. Portanto, toda criatura racional deveria se
reunir a Deus, a quem estava unida antes de existir à
parte dEle, assim como “no lugar de onde vêm os rios,
eles voltam a fluir novamente” (Eclesiast. I.). Portanto,
Santo Agostinho diz (De vera religione): "A religião nos
reúne ao Deus Todo-Poderoso". Encontramos a mesma
ideia expressa no comentário da Glosa, nas palavras "por
Ele e por Ele" (Rom. Xi. 36). O primeiro vínculo pelo qual
o homem se une a Deus é o da fé. Pois “quem vem a
Deus deve crer” (Heb. Xi. 6). Latria, que é a adoração a
Deus como o começo de todas as coisas, é o dever do
homem nesta vida. Portanto, a religião, primariamente e
principalmente, significa latria, que torna a adoração a
Deus pela expressão da verdadeira fé. Santo Agostinho
faz a mesma observação em seu De civitate Dei (livro 10),
onde diz: “Religião significa não adoração de nenhum
tipo, mas adoração a Deus”. Cícero, em sua antiga
retórica, dá quase a mesma definição de religião. Ele diz
que "a religião é aquela que apresenta certas
homenagens e cerimônias a uma natureza superior, que
os homens chamam de natureza divina". Portanto, tudo o
que pertence à verdadeira fé e a homenagem da latria
que devemos a Deus são os primários e principais
elementos da religião. Mas, a religião é afetada, de
maneira secundária, por tudo pelo qual manifestamos
nosso serviço a Deus. Pois, como Santo Agostinho diz
em seu Enchiridion, “Deus é adorado não apenas pela fé,
mas também pela esperança e caridade. Portanto, todos
os ofícios de caridade podem ser chamados de obras
religiosas. Nesse sentido, São Tiago diz (i. 27): “A religião
limpa e imaculada diante de Deus e do Pai é esta: visitar
os órfãos e a viúva em sua tribulação” etc”. (Contra
Impugnantes, part 1).

Assim, em sentido estrito e direto, como virtude especial,


não devemos culto de religião aos santos e outras
pessoas, mas tão somente a Deus. Mas tal definição
difere da outra que foi dada anteriormente, onde se
pretendia antes distinguir o culto religioso do culto civil,
portanto, tenha-se presente que a mesma expressão é
tomada em distintos sentidos aqui e ali. Para mais sobre
o tema, leia a resposta ao argumento 4 dos adversários.

O culto de dulia
Dulia quer dizer escravidão/servidão. Santo Agostinho a
define como “servir um ao outro pelo amor”. (De Trinitate,
lib. I, cap. 6). Também “culto do amor e companhia”
(Contra Faustum Manichaeum, lib. XX, cap. 21).

Santo Tomás ensina com mais clareza: "A dulia pode ser
tomada em duplo sentido. -- Primeiro, em sentido geral,
quando tributa reverência a qualquer pessoa, em razão
de uma certa excelência. E então inclui a piedade filial, o
respeito e qualquer outra virtude, que tenha por fim
prestar reverência a outrem". (ST II-II, 103, 4, resp).

A dulia é uma forma de manifestação da virtude da


observância ou respeito, sendo esta anexa à virtude da
Justiça, que antes definimos. O homem não pode dar à
virtude uma recompensa que lhe seja inteiramente
côngrua. Por isso, como diz Cícero, citado por Santo
Tomás, "os homens eminentes por alguma dignidade são
dignificados por um certo culto e honra". (De invent.
Rhet. l. II, cap. 53) É o que compete à virtude da
observância, ou do respeito. (cf. II-II, 80, 1, resp).

Sobre a tríplice divisão da observância: “Costumam-se


distinguir uma tríplice observância, conforme a tríplice
dignidade pela qual se presta a observância: a)
observância civil, se a dignidade é civil, como nos reis,
mestres, patrões, etc; b) observância religiosa, se a
dignidade é eclesiástica, como no Papa, no Bispo, no
Sacerdote, etc; c) observância sobrenatural, se a
dignidade se baseia na virtude heróica dos santos. Neste
último sentido, a observância costuma chamar-se dulia,
numa acepção estrita. As vezes, porém, toma-se dulia
numa acepção mais lata, para designar a honra prestada
mesmo a homens vivos" (Prummer-Munchp. Manuale
Theologiae Moralis secundum principia S. Thomae
Aquinatis, Herder, Freiburg-Breisgau, 1940, 9a ed, tomo
II, p. 454)

No que se refere aos santos e anjos, a reverência é


tributada em razão da excelência espiritual ou
sobrenatural criada, como antes já havíamos assinalado.

Culto interno e culto externo

"Se das razões objetivas do culto passamos a suas


manifestações subjetivas, vê-lo-emos ainda tomar várias
formas e se diversificar. Distinguiremos, por exemplo, o
culto interno e o culto externo. O primeiro é o que se
passa inteiramente ao fundo da alma. É uma linguagem
na qual, dirigida pela vontade e o coração, a razão
exprime a Deus a submissão, e a veneração da alma.
Mas estes sentimentos íntimos podem se traduzir
externamente por palavras, atos ou sinais sensíveis,
como a genuflexão, a inclinação da cabeça, as mãos
juntas, levantadas ou estendidas (à maneira dos orantes
antigos), os ósculos, as prosternações do corpo. Estes
sinais se tornam então um culto externo, se estão
organizados em um cerimonial completo e sagrado,
fixado pela autoridade religiosa, constituem a liturgia.
Relações estreitas, análogas às relações da alma e do
corpo, vinculam entre si o culto interior e exterior. Este
procede daquele, manifesta-o, é o seu desabrochamento
e complemento. A devoção interior da alma tem uma
tendência espontânea a se manifestar externamente por
sinais religiosos; tem com eles uma relação de causa e
efeito” (A CHOLLET, loc. cit., cols. 2410-2411).

A conveniência dos atos corporais para o culto divino é


explicada por Santo Tomás no seguinte sentido: “Pois
vemos pela experiência que nossa alma se vale de atos
corporais para se excitar ao conhecimento e ao afeto.
Isto manifesta, pois, a conveniência de que nos sirvamos
de certas coisas corporais para elevar nossa mente a
Deus”.

Ademais, explica que o culto interior é principal: “Porque


dizemos que rendemos culto a uma coisa quando
mediante nossas obras pomos nela nosso interesse.
Assim, ao prestar a Deus nosso interesse mediante
nossos atos, não o fazemos em proveito seu, como
quando rendemos culto às outras coisas como com
nossas obras, mas o fazemos em promeito próprio,
acercando-nos por esses atos a Ele. E como pelos atos
interiores tendemos diretamente a Deus, resulta que com
isso propriamente lhe rendemos culto; não obstante, os
atos exteriores também pertencem ao culto divino, posto
que por eles se eleva nossa mente a Deus, segundo
temos dito” (Summa contra Gentiles, lib. III, cap. 119).
Os atos externos, em si mesmos, não comprovam o culto
de latria, eis que todos os atos externos são comuns a
outras espécies de adoração, com exceção do sacrifício,
e tudo aquilo a ele relacionado, isto é, templos, altares,
sacerdócio e ritos sagrados, como vimos em Santo
Agostinho. Assim, o ato externo não é especialmente
próprio e essencial, pois inclusive pode ser manifestado
em zombaria, como os soldados romanos perante Jesus
Cristo (cf. Mateus 27, 29). O que é essencial é o ato da
vontade pelo qual somos inclinados interiormente à
profissão da excelência infinita e divina e nossa sujeição,
seja por um ato externo ou não.

Provas tiradas da Sagrada Escritura do culto religioso


em razão excelência espiritual ou sobrenatural criada

A doutrina católica é comprovada pela adoração de anjos


e homens piedosos na Escritura.

Utilizamos para as citações “A Biblia Sagrada contendo o


Velho e o Novo Testamento traduzida em Portuguez
segundo a Vulgata Latina” do padre Antonio Pereira de
Figueiredo, ano 1867.

a) o culto religioso a anjos

A razão da adoração de anjos não pode ser relacionada


ao culto civil, eis que não se deve à excelência natural,
mas, por evidente, à excelência espiritual.
- "E tendo Abrahão levantando os olhos, appareceram
tres homens que estavam em pé junto a ele. Tanto que
elle os viu, correu da porta da tenda a recebel-os; e
prostrado em terra os adorou" (Gênesis, 18, 2)

- "Sobre a tarde chegaram os dois anjos a Sodoma, e a


tempo que Lot estava assentado as portas da Cidade.
Tanto que elle os viu, levantou-se, e saiu a recebel-os, e
prostrado por terra os adorou" (Gênesis, 19, 1)

- "No mesmo ponto abriu o Senhor os olhos de Balaão, e


elle vi o Anjo parado no caminho com a espada
desembainhada, e prostrado por terra o adorou"
(Números, 22, 31)

- “E estando Josué no campo da Cidade de Jericó,


levantou os olhos, e viu um homem posto em pé diante
d'elle, que tinha uma espada nua e foi ter com elle, e
disse-lhe: Tu és dos nossos, ou dos inimigos? O qual lhe
respondeu: Não: mas sou o Príncipe do exército do
Senhor, agora venho. Josué se lançou com o rosto em
terra. E adorando-o disse: Que diz meu Senhor ao seu
servo?” (Josué, 5, 13-15)
- "Tira, lhe disse elle, o calçado de teus pés: porque o
logar em que estás, é sancto. E Josué fez como se lhe
havia mandado." (Josué, 5, 16)

O lugar foi dito santo em razão da presença do anjo, pois


Josué não estava em local sagrado, mas nas planícies de
Jericó. Josué tirou o calçado em sinal de culto.
b) o culto religioso a homens piedosos

- “E disse-lhe Saul: Como é a sua figura? Respondeu a


mulher: Subiu um homem ancião, e esse coberto com
uma capa. E entendeu Saul que era Samuel, e fez-lhe
uma profunda reverência, e prostrou-se por terra”. (I Reis,
28, 14)

Samuel já era morto nesse episódio, mas o culto civil não


é adequado para almas de mortos, trata-se aqui de outro
exemplo de culto religioso.

- "E quando Abdias estava em caminho, Elias se


encontrou com elle: e Abdias tendo-o conhecido, se
prostrou com o rosto em terra, e disse: És tu, Elias meu
senhor?”. (III Reis, 18, 7)

Tal ato não se poderia considerar como culto civil, pois


no que diz respeito à excelência humana, Abdias era
maior que Elias, pois este último era um homem privado,
enquanto Abdias era um dos príncipes do rei. Portanto,
Abdias adorou Elias como um profeta, e homem de Deus,
em razão de sua excelência espiritual.

- "Vendo pois os filhos dos Prophetas, que estavam em


Jericó defronte, disseram: O espirito de Elias repousou
sobre Eliseu. E vindo sair-lhe ao encontro, se prostraram
por terra a seus pés com profundo respeito" (IV Reis, 2,
15)
Mais um caso em que só pela noção de culto religioso
pode ser definido.

- "Então o Rei Nabucodonoor se prostrou com o rosto


em terra, e adorou a Daniel, e mandou, que lhe fizessem
sacrificios de victimas, e de incenso" (Daniel, 2, 46)
(Originalmente ‫“ מנחה‬mincha”, isto é, “presentes” e não
necessariamente “sacrifícios de victimas”)

Daniel, um prisioneiro, foi adorado por um rei supremo.


Portanto, o rei adorou Daniel através de culto religioso
como um homem cheio de Deus.

Provas tiradas através dos Padres da Igreja do culto


religioso em razão excelência espiritual ou
sobrenatural criada

A doutrina católica é comprovada pelo testemunho dos


Padres da Igreja.

Nesse sentido, o teólogo protestante Herman Bavinck


reconhece: “Desde o início do 2º século, todos esses
elementos penetraram também no culto cristão. Assim
como os monges, no Budismo, e os místicos, no
Islamismo, os mártires da igreja logo se tomaram objeto
de veneração religiosa. Altares, capelas e igrejas foram
construídos nos lugares onde eles morreram ou onde
suas relíquias foram enterradas. Especialmente na data
da morte dos mártires, os crentes se reuniam nesses
lugares para honrá-los com vigílias e o cântico de
salmos, a leitura das atas de martírio, para ouvir sermões
em sua honra e, especialmente, para celebrar a santa
eucaristia”. (Herman Bavinck, Dogmática Reformada,
Espírito Santo, a Igreja e nova criação, volume 4. ano
2012., originalmente 1895, p. 627, grifei)

- Na Epístola do Martyrium Polycarpi, escrita por volta do


ano 250, pode-se ler: “Contudo, o invejoso, o perverso e
o mau, o adversário da geração dos justos, vendo a
grandeza do seu testemunho e de sua vida irrepreensível
desde o início, vendo-o ornado com a coroa da
incorruptibilidade e conquistando uma recompensa
incontestável, procurou impedir-nos de levar o corpo,
embora muitos de nós o desejassem fazer e possuir
sua carne santa. Ele sugeriu a Nicetas, pai de Herodes e
irmão de Alce, que procurasse o magistrado, a fim que
ele não nos entregasse o corpo. Ele disse: "Não aconteça
que eles, abandonando o crucificado, passem a cultuar
esse aí." Dizia essas coisas por sugestão insistente dos
judeus, que nos tinham vigiado quando queríamos retirar
o corpo do fogo. Ignoravam eles que não poderíamos
jamais abandonar Cristo, que sofreu pela salvação de
todos aqueles que são salvos no mundo, como inocente
em favor dos pecadores, nem prestarmos culto a outro.
Nós o adoramos, porque é o Filho de Deus. Quanto aos
mártires, nós os amamos justamente como discípulos
e imitadores do Senhor, por causa da incomparável
devoção que tinham para com o rei e mestre.
Pudéssemos nós também ser seus companheiros e
condiscípulos!... Desse modo, pudemos mais tarde
recolher seus ossos, mais preciosos do que pedras
preciosas e mais valiosos do que o ouro, para colocá-
los em lugar conveniente. Quando possível, é aí que o
Senhor nos permitirá reunir-nos, na alegria e
contentamento, para celebrar o aniversário de seu
martírio, em memória daqueles que combateram antes
de nós, e para exercitar e preparar aqueles que deverão
combater no futuro. (cap. XVII)

- São Justino diz: “A ele e ao Filho, que dele veio e nos


ensinou tudo isso, ao exército dos outros anjos bons,
que o seguem e lhe são semelhantes, e ao Espírito
profético, nós cultuamos e adoramos, honrando-os
com razão e verdade”. (Apologia I, 6)

- Eusébio diz: “Nós praticamos diariamente, pois


honramos os soldados da verdadeira piedade, como
grandes amigos de Deus” (praeparat. Evangel. 13,7).

- São Basílio diz: “A Igreja urge aqueles nesta vida pelo


fato de que ela honra aqueles que foram antes deles”
(Orat. in S. Mamantem) E ainda: “a honra, que mostramos
aos nossos bons servos de si mesmo, oferece o sinal de
boa vontade ao nosso Senhor comum” (Orat. in
quadraginta martyres)
- São Gregório Nazianzeno comentando uma época em
que Juliano, o Apóstata, homenageou certo mártir, que
recusou tal culto, com um sinal maravilhoso, diz: “Ó
milagre inesperado! Ó amor fraternal dos Mártires! Eles
não aceitaram a honra dele que foi daqui em diante para
fazer desonra a tantos mártires!” (Oratio 4) E na mesma
obra diz: “Nos monumentos mais suntuosos aos
mártires, pela emulação em suas ofertas, por todas as
outras marcas pelas quais o temor de Deus é
caracterizado, eles deram a conhecer seu amor à
sabedoria e seu amor a Cristo”. Em sua Oratio aos
Macabeus, diz: “Os Macabeus: o festival hoje é de fato
em sua homenagem... eles merecem reconhecimento
universal por sua inabalável devoção aos caminhos de
seus pais”.

- São Gregório de Nissa em sua oração sobre Teodoro, o


mártir, disse que a honra que é dada aos mártires supera
às honras que se prestam aos reis: “Para qual rei foi
mostrata tal honra? Quem deles, que só parecem se
sobressair dos homens de uma maneira, é celebrado
com tal memorial? Qual imperador foi cantado e
celebrado com tal relato, como este pobre soldado, um
recruta, Tyro, a quem Paulo armou, a quem os anjos
ungiram, a quem Cristo coroou?”.

- Santo Epifânio diz: “Onde Maria é mantida em honra, o


Senhor é adorado”. (Paranarion haeres. 79).

- São João Crisóstomo diz: “Você não venera por um


lado os santos mais antigos, e por outro os mais
recentes, mas todos eles com o mesmo ardor... E os
mártires que veneramos, eles adoram.... É por isso que
os visitamos frequentemente, adoramos seus túmulos”.
(hom. De sanctis Juventino et Maximo).

- São Cirilo de Alexandria diz: “Não dizemos que os


santos mártires se tornaram deuses, mas habitualmente
consideramos eles dignos de toda honra” (In Julianum,
lib 6).

- Teodoreto diz: “Pois nosso Senhor trouxe seus mortos


para o lugar de seus deuses, os quais ele aboliu
totalmente e deu sua honra aos mártires”. Ainda: “Mas
nós, ó homens gregos, não corremos com sacrifícios
nem oferendas de bebidas, ao invés nós honramos eles
como homens santos e amigos de Deus” (ad Graecos,
lib. 8).

- São João Damasceno diz: “É apropriado honrar os


santos como amigos de Cristo, como filhos e herdeiros
de Deus”. (de fide Orthodoxa, 4, 16).

- Santo Ambrósio diz: “Quem quer honrar os mártires


honra a Cristo também, e aquele que despreza os santos,
despreza o Senhor” (Serm. 6)

- São Máximo diz: “Todos os mártires devem ser


devotamente venerados, mas especialmente aqueles
cujas relíquias possuímos”. (serm. de natali sanctorum
Octavii, Aventoris et Solutoris, Martyrum).
- Prudêncio sobre Santo Hipólito diz: “Sempre que eu me
curvava em oração aqui, um homem doente de alma e
corpo, eu ganhava”. (Peristephanon Hymn, 11)

- Paulino sobre a natividade de São Felix diz: “Roma,


possuindo os altares de são Pedro e São Paulo, alegrou-
se em se abrir em honra deste Deus”. (Carmen I). E
ainda: “Em cuja honra Deus se alegra, porque o mártir
tinha desprezo por sua própria honra”. (Carmen VIII)

- São Jerônimo diz: “Honramos os servos para que sua


honra recaia sobre o Senhor” (in epist. ad Riparium). E
sobre a vida de Paula diz: “Adeus, Ó Paula, e ajude o seu
adorador (cultorem) com suas orações”. E no mesmo
livro ele diz que Paula, quando visitou os eremitas,
habitualmente estava prostrada aos pés de cada para
que ela pudesse venerá-los, como se ela venerasse
Cristo em cada um deles.

- Santo Agostinho diz: “A multidão das nações adoram


(adorat) o mais abençoado Pedro, o pescador, de
joelhos”. (serm. 1 de Sanctis Petro et Paulo). E ainda:
“Mostre-me em Roma um templo de Rômulo realizado
em tão grande honra como eu mostro o memorial de
Pedro. Quem é honrado em Pedro, exceto aquele que
morreu por nós?” (Enarrationes Psalmos 44 [45]) E
mais: “Veneramos (colimus), então, aos mártires com o
culto do amor e companhia” (Contra Faustum
Manichaeum, lib. XX, cap. 21) E mais: “Quando Jacó se
apresentou a ele (Esaú), adorou-lhe (adoravit) de longe.
Como, então, o maior servirá ao menor, se está vendo
que o menor adora (adorare) o maior?” (Sermo 5). Ainda:
"Portanto, amados, venerem (veneramini) os mártires,
louve-os, ame-os, proclame-os, honre-os; adore o Deus
dos mártires". (Sermo 273) Ainda: “(...) A glória dos
Macabeus se fez solene para nós, neste dia. Quando
foram lidas suas admiráveis paixões, não só ouvimos,
mas participamos como espectadores delas.
Aconteceram há muito tempo, antes da encarnação e da
paixão de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. (...)
Assim os Macabeus foram mártires de Cristo. Portanto,
não está fora de lógica, nem é inoportuno, pelo
contrário, é muito comovedor, que sejam os cristãos que
celebram solenemente o dia de sua festa. Os judeus
celebram algo parecido? Sabe-se que a basílica dedicada
aos santos Macabeus está em Antioquia (...)” (Sermo
300)

- Papa são Gregório diz que São Pedro apareceu para um


certo Teodoro enquanto este estava pendurando vejas
em uma igreja dedicada ao próprio Pedro, interpretando
Gregório que São Pedro mostrava aprovar a veneração
que lhe era manifestada (cf. Diálog. 3, 24).

III. RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS DOS


ADVERSÁRIOS
1) Não é verdade que a prática de cultos dos católicos a
Deus e aos santos seja a mesma. Primeiramente, é
preciso observar que os católicos não oferecem
sacrifícios, ordenam sacerdotes e constroem templos
aos santos. Portanto, a prática ainda que materialmente é
diversa. Ademais, como explicamos na nossa exposição,
praticamente todos os atos externos, em si mesmos, não
comprovam o culto especial que se deve dedicar a Deus.
Assim, de nada serve demonstrar que quase todos os
atos externos que os católicos prestam a Deus, também
prestam aos santos, pois o culto é distinto, essencial e
naturalmente, pelo ato interno, que é a alma do externo, e
o único que podem praticar os anjos. O culto é, antes de
tudo, uma apreensão intelectual, combinada com a
inclinação da vontade em sujeição. O ato externo é,
portanto, elemento secundário, ordenado para o interno,
para que a inteligência do homem seja provocada aos
atos espirituais.

2) Não é verdade que a prática de se ajoelhar perante


homens e anjos lida na História Sagrada representa
meramente um cumprimento cultural. Como explica o
exegeta protestante Edwin Yamauchi: “A prostração era
um ato comum de auto-humilhação realizado diante de
parentes, estranhos, superiores e especialmente perante
a realeza... Seguindo o protocolo egípcio, os irmãos de
José fizeram reverência diante dele (Gênesis 42: 6;
43}26, 28), cumprindo assim seu sonho (Gênesis 37: 7, 9,
10)”. (Theological Wordbook of the Old Testament, Vol. I,
ed. R. Laird Harris, et al. (Chicago: Moody Press, 1980),
pp. 267-269). O Dictionnaire de Théologie Catholique
também explica: “A adoração, προσκυνήσις, nos povos
orientais, era uma marca de respeito que consistia em se
ajoelhar a dois joelhos e a se prostrar ante a terra diante
uma pessoa que se pretendia venerar. Beijamos os pés
dessa pessoa ou tocamos o chão com a cabeça na frente
dela. A prática de adorar não apenas os deuses, mas os
reis e grandes personagens existia entre os egípcios. F.
Vigouroux, La Bible et les découvertes modernes, 6ª
edit., Paris, 1896, t. II, p. 145-146” (A. Chollet.
Dictionnaire de Théologie Catholique, (verbete
adoration), Letouzey et Ané, Paris, 1923, tomo I)

A famosa Bíblia Protestante King James Version em 1


Crônicas 29,7 utiliza a seguinte tradução: “and
worshipped the Lord, and the king”. A Bíblia protestante
João Ferreira de Almeida traduz Josué 5, 14 do seguinte
modo: “Então, Josué se prostrou sobre o seu rosto na
terra, e o adorou...” (um anjo). São Jerônimo em sua
Vulgata traduz para adorat/adoravit passagens
mencionadas nas provas. Ele estava bem familiarizado
com a cultura dos hebreus. O próprio Calvino chama de
adoração os exemplos bíblicos, como referimos.

3) Em relação a Cornélio, duas respostas são possíveis.


Segundo São Jerônimo (Contra Vigilantium), Cornélio
pensou que alguma divindade residia em Pedro, e
portanto, foi justamente corrigido. Ou, segundo São João
Crisóstomo (Homilia 23 sobre Atos), Cornélio
piedosamente venerou Pedro, mas Pedro recusou esta
honra por modéstia.

Em relação a São João, apresentamos duas respostas,


novamente. Segundo Santo Agostinho (q. 61 de Genesi),
São João poderia ter se confundido crendo que o anjo
era o próprio Cristo, pois o anjo havia dito “Eu sou o
primeiro e o último, e estava morto, e eis que agora eu
vivo”. Assim, São João foi corrigido não por um erro de
adoração, mas por um erro de pessoa. Outra posição é
que o anjo recusou a adoração de São João em
reverência à humanidade de Cristo, pois queria deixar
patente a dignidade a que, pelos méritos de Cristo, o
homem subiu, equiparando–se aos anjos. Neste sentido,
note-se que após a recusa da adoração pelo anjo
(Apocalipse 19), São João novamente o adora
(Apocalipse 22). Estaria São João tão esquecido ou
indócil às palavras do anjo? Assim, parece que ninguém
errou na ocasião.

4) Como foi dito na nossa exposição, “religião” pode ser


entendida em sentido estrito, como virtude especial,
confundindo-se com a latria, e assim está certo Santo
Agostinho quando diz que o culto de religião não se deve
a anjos e santos. Mas a mesma expressão pode ser
tomada em sentido lato, significando qualquer culto
relacionado à excelência espiritual ou sobrenatural
criada, ou ainda mais largo... Explica o próprio Santo
Agostinho: "Segundo o latim vulgar, não apenas entre os
ignorantes como também entre os cultos, se diz que a
religião deve ser manifestada aos parentes e afins e em
qualquer necessidade. Este termo não evita
ambiguidades quando se atribui ao culto de Deus, pois
não se pode com certeza afirmar que o termo religião se
atribua só a este culto (cultu)”. (De Civitate Dei, X) O
próprio Santo Agostinho diz que os cristãos “celebram o
memorial dos mártires com solenidade religiosa (religiosa
solemnitate)” (Contra Faustum Manichaeum XX, cap.
21).

Além disso, o culto prestado aos santos, indiretamente,


está relacionado à virtude da religião, uma vez que a
“devoção que se tem aos santos, vivos ou mortos, não
termina neles, mas chega até Deus, pois os veneramos
como representantes de Deus” (ST II-II, 82, 2 ad 3) A
questão 82 era “Se a devoção é um ato de religião”, onde
Santo Tomás demonstrava que sim.

5) Sobre esse argumento propomos duas soluções.


Primeira: Basílicas são templos dedicados a Deus em
memória e em nome de um santo, como dizemos que o
sacrifício da Missa é oferecido a Deus em ação de graças
pela glória de um santo específico. Segunda: templos e
basílicas não são sinônimos. A edificação se diz templo
se construída em razão do sacrifício a Deus, ou basílica
se erigida para ornar o sepulcro e em atenção à
comodidade dos visitantes das relíquias. Lápide dizemos
altar sob a razão de sacrifício ou túmulo (ou sepulcro)
enquanto cobre os ossos de algum mártir.
Santo Agostinho sobre o tema explica: “E nós nem
construímos templos a nossos mártires como se fossem
deuses, mas memoriais (monumentos) como a homens
mortos, cujo espírito vive com Deus; nem lhe erigimos ali
altares em que sacrifiquemos aos mártires, mas ao único
Deus dos mártires e nosso. E nesse sacrifício se lhes
nomeia segundo a ordem e lugar que lhes corresponde,
como homens de Deus que venceram ao mundo
confessando sua fé”. (De Civitate Dei, XXII, 10). Num
sermão, junto ao sepulcro de Cipriano, Santo Agostinho
diz: “Com efeito, não temos levantado um altar a Cipriano
como a um deus, mas que temos feito de Cipriano um
altar para o verdadeiro Deus”. (Sermone 313A). Sobre o
mártir Santo Estevão: “Nós não temos levantado neste
lugar um altar para Estevão, mas, com as relíquias de
Estevão, um altar a Deus”. (Sermone 318).

Santo Agostinho faz menção expressa das basílicas:


“Testemunhos são disso os santuários dos mártires e as
basílicas dos Apóstolos” (De Civitate Dei, I, 1). E ainda: “o
jovem cristão Cinérgio, fora sepultado na basílica do
bem-aventurado confessor da fé, Félix”. (De cura pro
mortuius, 1)

Por Nelson Sarmento.

Referências:
St. Robert Bellarmine. On the canonization and
veneration of the saints, Mediatrix Press, 2019.
Translated from: De controversiis Christianae Fidei,
tomus 2, 1721, Prague.

Refutação da TFP a uma investida frustra, Volume I, São


Paulo, junho de 1984, por uma Comissão de sócios da
TFP com a colaboração, revisão e posfácio de Antonio
Augusto Borelli Machado.
https://www.pliniocorreadeoliveira.info/Torreao_1_PDF_pe
squisavel.htm#.Xp4jW5l7nIU

Pace, E. (1909). Dulia. In The Catholic Encyclopedia. New


York: Robert Appleton Company. Retrieved April 26, 2020
from New Advent:
http://www.newadvent.org/cathen/05188b.htm

Acessos: 2733

Lucas 23 e a hora da ida do Ladrão aos


céus
Super User
Santos
27 Agosto 2014

INTRODUÇÃO
O presente estudo visa trazer um esclarecimento sobre a
polêmica passagem de Lucas 23, 43, sobre a hora que o
ladrão que morreu ao lado de Jesus na cruz foi aos céus
e a correta pontuação da frase. Muito embora as
melhores traduções do mundo sejam quase que
unânimes em traduzir a passagem da seguinte forma: "E
disse-lhe Jesus: Em verdade te digo, hoje estarás comigo
no Paraíso.", há ainda quem questione esta tradução e
pontuação, sugerindo que ela na realidade não fala que o
ladrão iria para a cruz no mesmo dia em que Jesus falou
estas palavras, como as Testemunhas de Jeová e outros
que acreditam na heresia do sono e da mortalidade da
alma. Baseado nas argumentações apresentadas por
estes, nos propomos a fazer aqui uma completa
refutação ao que eles chamam de "correta tradução".

OBJEÇÃO I

A Tradução do Novo Mundo (TNM) das Testemunhas de


Jeová pontua este versículo da seguinte forma:

“E ele lhe disse: 'Deveras, eu te digo hoje: Estarás comigo


no Paraíso.'” (Lucas 23, 43)

Em defesa da colocação da vírgula depois de “hoje”, a


Torre de Vigia escreve:

“O relato de Lucas mostra que um ladrão, que está sendo


executado ao lado de Jesus Cristo, falou palavras em
defesa de Jesus e pediu que Jesus se lembrasse dele
quando ele entresse em seu reino. A resposta de Jesus
foi: “Em verdade vos digo hoje: Estarás comigo no
Paraíso.” (Lucas 23, 39-43) A pontuação mostrada na
prestação dessas palavras deve, é claro, depender da
compreensão do tradutor do sentido das palavras de
Jesus, uma vez que nenhuma pontuação foi usada no
texto original grego. Pontuação no estilo moderno não se
tornou comum até por volta do século IX d.C.
Considerando que muitas traduções colocam uma vírgula
antes da palavra “hoje” e, assim, dá a impressão de que o
malfeitor entrou no Paraíso naquele mesmo dia, não há
nada no resto das Escrituras para apoiar isso. O próprio
Jesus estava morto e no túmulo até o terceiro dia e
depois foi ressuscitado como “as primícias” da
ressurreição. (Atos 10, 40, 1 Coríntios 15. 20; Col 1, 18)
Ele ascendeu ao céu 40 dias depois. João 20, 17; Atos 1,
1-3, 9.

A prova é, portanto, que o uso da palavra “hoje” por


Jesus não foi para dar tempo que o malfeitor estaria no
Paraíso, mas, sim, chamar a atenção para o tempo em
que a promessa foi feita e enquanto o malfeitor mostrava
uma medida de fé em Jesus. Foi um dia em que Jesus foi
rejeitado e condenado pelos maiores líderes religiosos de
seu próprio povo e depois foi condenado a morrer pela
autoridade romana. Ele tinha se tornado um objeto de
escárnio e ao ridícularização.Assim, o malfeitor ao lado
dele mostrou uma qualidade notável e atitude louvável de
coração em não ir junto com a multidão, mas, sim,
falando em nome de Jesus e expressando a crença em
seu reinado vindouro. Reconhecendo que a ênfase está
colocada corretamente na hora que a promessa foi feita e
não no momento da sua realização, outras traduções,
como aquelas em Inglês feitas por Rotherham e Lamsa,
aquelas em alemão por Reinhardt e W. Michaelis, bem
como no curetoniano sírio do século V d.C, tornou o texto
de uma forma semelhante à leitura de Tradução do Novo
Mundo, aqui citada.” (Insight on the Scriptures. 2
Volumes. Brooklyn, NY: Watchtower Bible and Tract
Society of New York, Inc. "Paradise").

RESPOSTA I

Gostaria em primeiro lugar salientar que a pontuação


deste verso é de pouca importância para os cristãos
ortodoxos. Nossa teologia não é negativamente
impactada se a vírgula ocorre depois de “hoje” em vez
de antes. No entanto o mesmo não acontece com a
teologia da Torre de Vigia. O ensinamento da Torre de
Vigia que o morto cessa de existir, exceto na mente de
Deus e que Jesus estava realmente “morto” no túmulo é
colocado em risco, se Jesus estiver, de fato, prometendo
o ladrão que ele iria estar com o Senhor no paraíso no
mesmo dia. A torre de vigia é obrigada a defender sua
colocação da vírgula para preservar sua teologia; Os
cristãos ortodoxos não têm tal fardo. Se a evidência apoia
fortemente a maioria das traduções contra a TNM, é
razoável concluir que a tradução da Torre de Vigia deve
mais a teologia do que a uma busca rigorosa de precisão
na tradução.

A torre de vigia está correta que a colocação da vírgula


deve depender da compreensão do tradutor do que
Jesus quis dizer. Também está correto quando diz que
“muitas” traduções colocam a vírgula antes hoje[1]. A
questão, então é, por que tantas traduções colocam a
vírgula antes de “hoje”, se este versículo não é
teologicamente significativo para a maioria dos
tradutores. Não se pode dizer que isso é apenas uma
questão de convenção, pois todas as traduções não são
uniformes em pontuar outros versos, mesmo aqueles
mais teologicamente significativos para os cristãos
ortodoxos do que Lucas 23, 43 (por exemplo Romanos 9,
5). Em outras palavras, deve haver boas razões para além
da teologia ou convenção gramatical para dar conta da
quase uniformidade com que estudiosos tratam este
versículo.

“Em verdade vos digo...” as frases de Jesus.

A resposta está nas características da fórmula Jesus usa


em Lucas 23, 43: “Em verdade vos digo...” O Dicionário
de Jesus e dos Evangelhos descreve esta fórmula da
seguinte maneira:
“ʼAmémʼ é usada cem vezes nos Evangelhos... É sempre
a primeira palavra da expressão estereotipada “Em
verdade vos digo” e é sempre e somente falada por
Jesus, aparentemente para enfatizar o significado das
palavras que ele está prestes a falar. Nenhuma outra
pessoa - apóstolo ou profeta - da igreja primitiva sentiu a
liberdade de seguir o seu exemplo, fazendo uso dessa
mesma fórmula” (Dicionário de Jesus, p. 7).

Assim, temos uma fórmula -aparentemente inventada por


Jesus- usada quase 100 vezes nos evangelhos, que
precede uma expressão solene de grande importância. A
fórmula nunca é modificada por um advérbio de tempo;
tudo o que se segue é considerado parte da expressão
que Jesus enfatiza. Entendendo “hoje” como parte da
promessa que Jesus faz ao ladrão se adapta
perfeitamente ao contexto, pois, como John Gill aponta
em seu comentário, citado acima, o ladrão estava
pedindo a Jesus que se lembrasse dele no seu reino
futuro. Mas Jesus disse-lhe: “Em verdade vos digo que,
hoje estarás comigo no paraíso.”.

Parece óbvio que a grande maioria dos tradutores ao


longo dos séculos têm entendido que Jesus está aqui
usando justamente a fórmula “Em verdade te digo...”
como ele faz em cerca de 100 exemplos em outros
lugares nos Evangelhos. É extremamente improvável que
só aqui -onde a colocação da vírgula significa muito para
a Torre de Vigia- Jesus alterou sua fórmula, adicionando
“Hoje”.
A Torre de Vigia afirma que nada nas Escrituras apoia a
ideia de que o ladrão entrou no Paraíso e foi com Jesus
naquele dia. Mas este argumento baseia-se na
interpretação da Torre de Vigia do restante da Escritura,
que em si é no mínimo discutível. Além disso, se Jesus
está realmente usando a fórmula em Lucas 23, 43
exatamente como ele faz em qualquer outro versículo em
que ele a usa, este versículo nega expressamente a
interpretação da Torre de Vigia do resto das Escrituras.
De fato, há evidências substanciais no Novo Testamento
que os crentes são tomados imediatamente após a sua
morte a uma existência consciente com Jesus no Paraíso.
Paulo, por exemplo, escreve:

“Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo

desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é


ainda muito melhor. Mas julgo mais necessário, por
amor de vós, ficar na carne.” (Felipenses 1, 23-24; veja
também II Coríntios 6, 6; 8-9)

A torre de vigia, é claro, tem a sua própria interpretação


idiossincrática desse versículo que se harmoniza com a
sua própria teologia, mas deve-se admitir que a leitura
simples do texto é que Paulo está esperando para ver o
Senhor, quando ele partir e não na futura ressurreição
dos santos. Se somarmos a isso a representação de
santos mortos no céu, no livro de Apocalipse (por
exemplo, Apocalipse 6, 9-10), a parábola de Lázaro e do
rico (Lucas 16, 19-31), e a promessa de Jesus que
aqueles que creem nʼEle “nunca morrerá” (João 11, 25-
26), é claro que as Escrituras contêm um amplo suporte
para a ideia de que o ladrão poderia, de fato, estar com
Jesus naquele mesmo dia.

Se esta evidência não é suficiente, considere uma


passagem apenas alguns capítulos depois no Evangelho
de Lucas:

“E eles, espantados e atemorizados, pensavam que


viam algum espírito. E ele lhes disse: Por que estais
perturbados, e por que sobem tais pensamentos aos
vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés,
que sou eu mesmo; apalpai-me e vede, pois um espírito
não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho.”
(Lucas 24, 37-39)

Se o resto da Escritura não apoia a ideia de que a alma do


ladrão poderia existir fora de seu corpo, então
certamente os discípulos saberia disso e, portanto, não
teria pensado que um Jesus vivo poderia ser um espírito.
Mesmo que os discípulos estivessem confusos quanto a
este ponto, por que Jesus não corrigi-os, em vez de
incentivá-los nessa crença “antibíblico”? De fato, Jesus
confirma a ideia de que ele poderia ter sido um espírito,
mas pelo fato de que ele possuía o seu corpo! Se os
espíritos podem existir fora de seus corpos, é
perfeitamente razoável concluir que o espírito do ladrão
iria estar com Jesus no dia em que morresse, e concluir
que estaremos com Ele, também, se colocarmos a nossa
fé nʼEle, como o ladrão fez.
Outras Traduções

A Defesa final da Torre de Vigia é que um punhado de


outras traduções e a curetoniana síria também coloca
“hoje” com “Em verdade vos digo” e não na expressão
seguinte. Deve ser primeiro salientado que este
argumento de autoridade, não prova que a vírgula é
deslocada na maioria das traduções. A TNM não pode
ser a única em sua pontuação deste versículo, mas esse
fato não estabelece sua correção.

As duas versões em inglês mencionadas pela Torre de


Vigia são Rotherham e Lamsa. A tradução de Rotherham
de Lucas 23, 43 pode muito bem ser influenciada por EW
Bullinger, a quem Rotherham conhecia os pontos de vista
e a respeito[2]. Se as visões de Bullinger foram bem
fundamentadas serão analisadas mais adiante neste
ensaio. Em qualquer caso, a tradução de Rotherham não
foi reconhecida pelos estudiosos da Bíblia de qualquer
persuasão teológica como sendo autoritária. A tradução
de George Lamsa pode ter sido uma vez pontuada como
afirmam, mas todas as edições eu vi colocam a vírgula no
local tradicional. Além disso, se a fonte aramaica da
Lamsa foi a Peshitta (Bruce Metzger manifestou algumas
dúvidas sobre este ponto[3]), as traduções inglesas da
Peshitta por James Murdock e JW Etheridge, também,
colocam a vírgula antes de “Hoje”.

A versão Curetiana Siríaca


Em relação ao curetoniano siríaco, é verdade que ele
coloca “hoje” com “Em verdade vos digo”, mas é
problemático usar este fato em apoio a uma
compreensão correta do texto original grego. Os antigos
evangelhos siríacos são preservados em dois
manuscritos: O Sinaitico e a curetoniano. Ambos contêm
Lucas 23, 43. O Sinaitico provavelmente antecede ao
curetoniano por cerca de 100 anos. Burkitt postula que o
Sinaitico é um texto siríaco mais preciso, enquanto o
curetoniano foi corrigido a partir de um texto grego mais
tardio (uma contendo um número de passagens espúrias
(Burkitt, Crawford, Evangelion Da-Mepharreshe, Vol 2,
Gorgias Press, 2003.))

Lucas 23, 43 no texto do Sinaitico lê-se:

“Jesus disse a ele, Em verdade eu te digo, hoje estarás


comido no Paraíso”[4]

A Peshitta Siríaca concorda com o texto sinaítico, contra


o curetoniano, assim como o siríaco Diatessaron, o
Sahidiccopta, e uma série de manuscritos do latim antigo.
Efrém, comentarista do século IV sobre os Evangelhos
siríacos, cita este verso três vezes, omitindo o “hoje”. No
entanto, diz ele:

“Nosso Senhor encurtou sua liberalidade distante e deu


uma promessa próxima, hoje e não no final.... Assim,
através de um ladrão o paraíso foi aberto.”[5]

O manuscrito curetoniano é, portanto, de nenhum valor


para determinar a pontuação correta de Lucas 23, 43.
Não pode ser demonstrado que a sua leitura foi
considerada como normativa dentro da tradição siríaca
do evangelho. Mais importante ainda é que a sua ligação
a um original grego não pode ser estabelecida. O máximo
que se pode dizer é que um tradutor siríaco ou corretor
tornou o verso de uma forma semelhante à TNM. Não foi
estabelecido que esta tradução é precisa. A evidência
que temos sugere que não foi. Como estudioso siríaco
dos Evangelhos P.J. Williams diz:

“Enquanto o Grego podem ter sido ambíguo, intérpretes


antigos esmagadoramente escolheram a interpretação
oposta à da Torre de Vigia.”[6]

OBJEÇÃO II

O apologista pró testemunha de Jeová, Greg Stafford,


oferece uma série de argumentos em favor da pontuação
da TMN de Lucas 23, 43.

Codex Vaticanus

Sua primeira argumentação é que um grande manuscrito


antigo do Novo Testamento contém um sinal de
pontuação - o equivalente a uma vírgula - depois de
“hoje”, assim como faz a TNM:
“Enquanto a pontuação em manuscritos do NT dos
primeiros séculos d.C não é comum, um dos melhores, se
não o melhor testemunho do texto do NT, o Codex
Vaticanus ou B (Vaticano 1209) do século IV dC, tem uma
marca de pontuação em Lucas 23, 43; a pontuação não é
depois de “digo”, mas depois da grega palavra sêmeron,
‘hojeʼ”. (Stafford, jehovah's Witnesses Defended: An
Answer to Scholars and Critics. 2nd Edition. Huntington
Beach, CA: Elihu Books. pp. 546-547).

Stafford diz que um estudioso da Biblioteca do Vaticano


verificou por carta que a marca em questão não parece
ser por um copista posterior, devido à cor da tinta. Sr.
Stafford conclui que data do século IV e, portanto,
oferece suporte textual para a pontuação da TMN a partir
de um antigo manuscrito grego confiável.

RESPOSTA II

Não é de totalmente claro que o ponto no Codex B é uma


marca intencional de pontuação. Pode ser nada mais do
que um ponto ou uma mancha de tinta acidental.

Se o ponto é, de fato, uma marca de pontuação


intencional, ele quase certamente não foi feito pela mão
original. O escriba original não usou o ponto, pois quando
o manuscrito faz o uso de pontuação (o que ele faz
raramente), ele geralmente adiciona um espaço extra,
que não é o caso aqui:

Espaçamento típico acrescentado depois de uma pontuação


em Codex Vaticanus (entre Lucas 22, 30 e 22, 31)

Além disso, se o escriba tinha a intenção de colocar uma


vírgula após sêmeron, ele provavelmente teria usado o
ponto médio como fez após ‘sarkaʼ em Romanos 9, 5 (e
vários outros lugares) não, o ponto mais baixo, o que era
mais ou menos equivalente ao nosso ponto e virgula.

Por fim, que eu saiba, não houve comentaristas ou


críticos textuais que mencionassem a suposta vírgula no
Vaticanus. Bruce Metzger, em seu Comentário Textual do
Novo Testamento em grego, não diz nada sobre isso,
mesmo que ele abordando o curetoniano Syraic (ver
acima) em relação à pontuação correta de Lucas 23, 43,
e discute o sinal de pontuação do Vaticanus em Romanos
9, 5.

O manuscrito Vaticanus foi originalmente escrito no


século IV em tinta marrom, com um corretor logo depois
de fazendo algumas pequenas mudanças. Em seguida,
um escriba mais tarde, no século X ou XI, traçou sobre as
letras em tinta preta, ignorando aquelas letras ou marcas
que ele pensava estar errado, e fazer algumas
mudançasadicionais. Como se observa, o Sr. Stafford
(citando uma carta de um estudioso da Biblioteca do
Vaticano) diz que o ponto é ‘marrom desbotadoʼ e
conclui que data do século IV e não do copista medieval
mais tardio. Sobre a cor poder indicar uma data de início
para o ponto, isso não é certo. Mesmo que seja, não é
estabelecido que é da mão original ou corretor do século
IV, e o fato de que não foi reforçada pelo corretor mais
tardio, indica que ele considerou esse ponto como não
intencional ou por erro. Dr. Peter M. Head, especialista
em manuscritos do Novo Testamento, escreve:

Eu não acho que é a pontuação. Certamente não na


produção de escriba original: não há nada parecido em
toda a abertura (a pontuação no Vaticanus é quase
inteiramente apenas pelo espaçamento), ele não se
parece com um ponto, mais como uma mancha ou como
você disse, uma mancha; e o espaçamento está todo
errado para ser a pontuação do escriba original. Suponho
que é adicionado mais tarde por alguém querendo
repontuar o texto, mas mesmo assim eu não estou
convencido de que a cor é a mesmo que o outro material
introduzido pelo potenciador / acentuador, então você
tem que atribuí-la a um leitor/ pontuador desconhecido.

Portanto, o máximo que se pode dizer é que, se o ponto é


pontuação intencional, não foi copiado de um exemplar
do escriba original, mas foi introduzido - por uma razão
desconhecida - por mão desconhecida em um momento
incerto. Isto pareceria evidência incerta, de fato, de uma
tradição textual nos manuscritos gregos que datam do
século IV, como o Sr. Stafford propõe.

Mas e se pudesse ser estabelecido que a marca é


intencional e data do século IV (como improvável que
pareça) - então, fornece apoio inicial para a pontuação da
TMN? Sim e não. Seria forneceria provas além do
curetoniano siríaco que alguém há muito tempo, devido à
ambigüidade do grego, entendeu (ou incompreendida) o
verso como a Torre de Vigia faz. Mas não provaria nada
em relação ao que Lucas tinha em mente. Os estudiosos
textuais que pontuam o nosso Novo Testamento grego
não fazem com base na pontuação de manuscritos
antigos:

“A presença de marcas de pontuação em manuscritos


antigos do Novo Testamento é tão esporádica e casual
que não se pode inferir com confiança a construção dada
pelo pontuador a passagem.” (Metzger, p. 460, n. 2.)

Assim, mesmo concedendo ao Sr. Stafford seu


argumento, a presença de um sinal de pontuação (se é
que é) em um manuscrito antigo não nos diz nada sobre
como pontuar corretamente Lucas 23, 43. A pontuação
correta é uma questão de exegese, não de crítica textual.

OBJEÇÃO III
Muito dos que advogam a localização da vírgula depois
de sêmeron, Greg Stafford inclui citando E.W. Bullinger
em suporte da visão que “hoje” em Lucas 23, 43 é um
hebraísmo que expressa definição de ocasião:

"A palavra “verdadeʼ nos aponta para a solenidade da


ocasião, e para a importância do que está prestes a ser
dito. A circunstância solene em que as palavras foram
proferidas marcou a maravilhosa fé do malfeitor
moribundo; e o Senhor se referiu a este ligando a palavra
“hoje” com “eu digo”. "Em verdade, te digo hoje.". Este
dia, quando tudo parece perdido, e não há esperança;
Neste dia, quando, em vez de reinar estou prestes a
morrer. Este dia, eu te digo: “Tu estarás comigo no
paraíso.”

“‘Eu te digo hojeʼ era uma expressão hebraica comum


para enfatizar ocasião de fazer uma declaração solene
(Ver Deuteronômio IV. 26, 39, 40; v. 1; vi. 6; VII.11; VIII. 1;
11, 19; IX. 3; X. 13; XI. 2, 8, 13, 26, 27, 28, 32; XIII. 18; XV.
5; XIX. 9; XXVI. 3, 16, 18; XXVII. 1, 4, 10; XXVIII. 1, 13, 14,
15; XXIX. 12; XXX. 2, 8, 11, 15, 16, 18, 19; XXXII. 46).” (E.
W. Bullinger, How to Enjoy the Bible, 5th ed. (London:
Eyre & Spottiswoode, 1921), p. 48.)

Stafford então conclui:

“Dos 40 exemplos listados por Bullinger pelo menos 33


são paralelos a Lucas 23, 43 em usar um verbo de
discurso ou comando com ‘hojeʼ” (Stafford, p. 550)
RESPOSTA III

Seria, na verdade, uma evidência impressionante em


favor da pontuação TNM se houvesse 33 paralelos do AT
de Lucas 23, 43. Mas eu acredito que Bullinger e aqueles
que o citam estão exagerando. Nem uma só vez em
qualquer um dos textos listados por Bullinger que o
orador começar com as palavras “Em verdade”. Como
mencionado acima, este recurso de expressão de Jesus
é único que usa “Em verdade vos digo...” sem qualquer
outra coisa parecida na linguagem bíblica. Além disso,
em nenhum desses textos do AT o falante usa a palavra
legô. Moisés, por exemplo, usa vários verbos de discurso
em suas frase com “hoje” em Deuteronômio, mas ele não
usa legô sequer uma vez nestes contextos. Assim,
nenhum dos exemplos listados por Bullinger (ou os
outros listados por Stafford) como “paralelos” de Lucas
23, 43 contém as palavras “em verdade” ou “legô”.

Quando nos voltamos para o NT, não parece que essa


“expressão hebraica comum” é comum a todos. Há
apenas um versículo (deixando de lado Lucas 23, 43) que
pode ser um exemplo des expressão idiomática: Atos 20,
26. Aqui, Paulo está usando uma linguagem quase legal,
semelhante à linguagem de aliança de Deuteronômio. É
significativo que aqui, como no Antigo Testamento, o
verbo não é legô. Em vez disso, Paulo usa um verbo que
significa “testemunharʼ: “eu testifico a você neste dia
que...” (marturomai humin en tê sêmeron Hemera Hoti...).
Isto é semelhante a Deuteronômio 8, 19 na LXX: “Eu
testemunho contra você hoje...” (O verbo aqui é
diamarturomai, um cognato próximo de marturomai).

Jesus é citado usando a palavra sêmeron 12 vezes no


evangelho. Em nenhum dessas, ela ocorre como parte de
uma frase introdutória. Jesus, no entanto, faz uma série
de declarações solenes e formais precedidas da
expressão “Eu vos digo...” (alguns com “Em verdade”,
alguns sem). Na verdade, uma pesquisa de Gramcord
revela 144 exemplos do tipo. Assim, temos 144 casos de
Jesus fazendo uma proclamação formal e nenhuma delas
usando a palavra “hoje”, e nenhuma delas reflete a
chamada a “expressão hebraica comum”.

Deixando de lado Lucas 23, 43, há apenas uma ligeira


evidência de que a expressõa idiomática hebraica, como
definido por Bullinger, na verdade ocorre no NT (somente
Atos 20, 26, onde o verbo é “testemunhar”). Não há
evidências de que esta linguagem ocorre com o verbo
legô, e não há evidências de que Jesus usa essa
expressão com qualquer verbo. Se colocarmos essa
evidência contra 74 exemplos de Jesus dizendo: “Em
verdade vos digo...” (e 70 mais de onde Ele simplesmente
diz: “Eu te digo...”), parece claro que Lucas 23, 43 é
paralelo destes exemplos, e não aqueles listados por
Bullinger e Stafford.
OBJEÇÃO IV (O não uso do “hoti”= “que”)

Aqueles que advogam a pontuação TNM também citam


Bullinger em apoio da sua tese de que o não-uso de Hoti
(uma conjunção que muitas vezes significa “que”) indica
que sêmeron vai com “em verdade vos digo” e não o que
se segue:

“A interpretação deste versículo depende inteiramente


da pontuação, a qual repousa inteiramente na autoridade
humana, os manuscritos gregos não tinham a pontuação
de qualquer tipo até o século IX, e então é só um ponto
no meio da linha que separa cada palavra.

O verbo “dizer”, quando seguido de Hoti, introduz o


ipsissima verba do que é dito; e respostas às nossas
aspas. Então, aqui (em Lucas 23, 43), na ausência de
Hoti (= “que”), pode haver uma dúvida quanto às
palavras reais incluídas na cláusula dependente. Mas a
dúvida é resolvida (1) pelo expressão hebraica comum,
“te digo isto hoje” que é constantemente utilizado para
dar ênfase muito solene; bem como (2) pelo uso
observável em outras passagens onde o verbo está
conectado com a palavra sêmeron = hoje.

1. Com hoti:

Marcos 14, 30: “Em verdade te digo, que (Hoti) este dia...
tu me negaras três vezes.”
Lucas 4, 21: “E Ele começou a dizer-lhes que (Hoti) ‘Este
dia esta Escritura se cumpriu em vossos ouvidos. ʼ”.

Lucas 5, 26: “Dizendo (Hoti = que), ‘Temos visto coisas


estranhas hoje.ʼ”

Lucas 19, 9: “Jesus disse-lhe que (Hoti), ‘hoje a salvação


entra nesta casaʼ”

Para outros exemplos do verbo “dizer”, seguido por


“Hoti”, mas não conectado com sêmeron (hoje), ver Mat.
14,26; 16, 18; 21, 3; 26, 34; 27, 4; Marcos 1,40; 6,
14.15.18.35; 9, 26, 14, 25; Lucas 4, 24.41; 15, 27; 17, 10;
19, 7.

2. Sem hoti:

Por outro lado, na ausência de hoti (= que), a relação da


palavra “dia” deve ser determinada pelo contexto.

Lucas 22, 4: “E Ele disse: ‘Digo-te, Pedro, de modo


algum o galo cantarará hoje, antes que tu negues três
vezes que tu conheces-me.ʼ”. Aqui, a palavra “dia” está
ligada com o verbo “cantar”, uma vez que o contexto o
exije. Compare Heb. 4, 7.

É o mesmo em Lucas 23,43: “E Jesus disse-lhe: ‘Em


verdade te digo hoje [ou este dia de hoje, quando,
embora eles estivessem prestes a morrer, este homem
tinha expressado tão grande fé no Reino vindouro do
Messias, e, portanto, a ressurreição do Senhor para ser
seu rei - agora, sob tais circunstâncias solenes] tu
estarás, comigo, no Paraísoʼ”. Porque, quando o Messias
reina, Seu Reino irá converter a terra prometida num
paraíso. Leia Isa. 35, e veja nota em Eclesiastes. 2, 5.”
(The Companion Bible (London: Oxford University Press,
1932), Appendix 173.)

Stafford escreve:

“Se Lucas queria separar “hoje” de “Eu te digo”, depois


de tudo o que Lucas tinha que fazer era colocar semeron
(“hoje”) após Hoti, o que ele faz não uma, nem duas,
nem três vezes, nem quatro vezes, mas cinco vezes!... Na
verdade, Lucas 23, 43 é a única instância desde Lucas
22, 34, onde um verbo de expressão é usado com
semeron e onde Hoti não o separa daquele verbo.”
(Stafford pg. 551-552).

RESPOSTA IV

Deve salientar-se que Bullinger não vai tão longe como


Stafford ou outro apologista testemunha de Jeová ao
afirmar que se Lucas quisesse separar “Eu te digo” de
“hoje”, ele teria usado Hoti. Bullinger simplesmente
demonstra o fato bem conhecido que Hoti muitas vezes é
usado para introduzir o discurso direto nogrego do Novo
Testamento, sendo neste uso mais ou menos equivalente
as nossas aspas. Ele corretamente diz que sem Hoti, o
contexto deve determinar onde a cláusula introdutória
termina e a oração principal começa. Bullinger, claro,
coloca “hoje” com “Eu te digo”, alegando que ele reflete
uma “expressão hebraica comum”. Conforme detalhado
acima, este ponto de vista é quase certamente errado.

O fato de que Lucas poderia ter usado Hoti para separar


“Eu te digo” de “hoje” é verdade, mas não prova nada;
Lucas também poderia ter usado Hoti para incluir “hoje”
com “Eu te digoʼ, colocando-o depois sêmeron. O uso ou
não uso de Hoti parece ser puramente uma escolha
estilística dos autores do NT em uma base de caso-a-
caso. Lucas, por exemplo, usa Hoti em 4 frases com “em
verdade” (4, 24; 12, 37; 18, 28; 21, 32) e omite-o em dois
(18, 17 e 23, 43). Das 74 palavras “Amen” registradas nos
Evangelhos, 34 omite hoti. Não parece haver nenhuma
diferença semântica entre o uso de hoti ou sua omissão
nesses versículos. Este fato é ilustrado por Marcos 9, 41
e 11, 23, que contêm hoti, e as passagens paralelas em
Mateus 10, 42 e 21, 21, que não contém. Curiosamente,
Marcos 14, 25 é vagamente acompanhado por Mateus
26, 29 e Lucas 22, 18. Apesar de muitas variações destas
versos, as frases introdutórias de cada um são bastante
similar.Marcos usa hoti, enquanto Mateus não. Lucas
provavelmente não usa hoti, também. Mas nenhum
estudioso grego argumenta que o significado da frase
introdutória é alterada substancialmente pela presença
ou ausência de hoti.
Significativamente, em nenhum lugar dos 144 exemplos
das frases de Jesus “Eu te digo” ou “Vos digo” hoti é
usado para incluir um advérbio na frase introdutória. É
claro que a expressão regular de Jesus é “eu te digo” ou
“Em verdade vos digo”, e não “Eu te digo hoje”.

Stafford está correto que cinco vezes Lucas coloca hoti


entre um verbo de fala e sêmeron, mas este fato não
provar nada que Lucas teria feito isso em Lucas 23, 43,
com a intenção de separar “hoje” de “eu te digo”. Em
quatro dos cinco exemplos, hoti é utilizado em sua
função regular para marcar o que segue como uma
citação direta (4, 21; 5, 26; 19, 9; 22, 61); nenhuma
destas expressões é paralela a frase de Jesus “Digo-
vos”. No exemplo restante (2,11), as funções hoti é como
uma conjunção causal (“porque”)[7] e por isso não pode
ser justamente comparada com o função que hoti iria
realizar, se Lucas usasse em 23, 43.

Stafford e outros defensores que argumentam que a


ausência de hoti exige que sêmeron modificque o verbo
precedente está lendo demais para as provas que eles
apresentam. A não utilização da hoti não é problema na
pontuação correta de Lucas 23, 43.

OBJEÇÃO V (“HOJE” NA LXX)

Os apologistas das Testemunhas de Jeová afirmam que o


uso de sêmeron na LXX apoia a opinião de que em Lucas
23, 43 a palavra deve se modificar “Eu te digo” em vez
de “Você estará comigo...” Referindo-se a citação de
Bullinger do livro “How to Enjoy the Bible” citada acima,
Greg Stafford escreve:

“Em cada um dos exemplos listados por Bullinger, se elas


envolvem o uso de um verbo de fala ou não, “hoje” é
sempre usado com o verbo que o precede” (Stafford, p.
551).

Sr. Stafford também cita Atos 20, 26 em apoio do seu


ponto de vista.

RESPOSTA V

Quando se considera exemplos LXX, além dos listados


por Bullinger, é claro que sêmeron pode, e muitas vezes,
modificar o verbo seguinte (Levítico 10, 19; Josué 5, 9;
22, 31; I Samuel 10, 19; 11,13; 2 Samuel 14, 22; 15, 20; 16,
3; Salmo 2, 7; 95, 7; Provérbios 7, 4). Mais importante,
quando se considera o uso de Lucas de sêmeron em
Lucas e Atos, das 20 ocorrências, oito modificam o verbo
que se segue (Lucas 4, 21; 13, 33, 19, 5.9, Atos 4, 9; 13,
33; 26, 2; 27, 33). Assim, Lucas a colocação de sêmeron
antes do verbo modifica 40% das vezes. Mais uma vez, a
conclusão do Sr. Stafford parece exagerada.
OBJEÇÃO VI

Apologistas das testemunhas de Jeová e sites têm


frequentemente citado evidências apresentadas em um
tópico na lista de discussão do B-Grego no início de
2000 que sugere que pelo menos alguns cristãos já no
século IV entendiam Lucas 23, 43 como sendo pontuado
como é na TNM. Eles citam o fato de que o moderador da
lista, Carl Conrad, foi convencido a mudar seu ponto de
vista como resultado desta evidência. Uma cópia do post
público de Conrad detalhando por que ele mudou de
ideia pode ser encontrada aqui.

RESPOSTA VI

Parece pela própria admissão de Conrad que ele mudou


de ideia depois de analisar em vários lugares (dois, que
remonta a 1996) ao longo de uma noite. Não parece que
ele teve tempo para investigar as provas apresentadas
para avaliar completamente o mérito. Eu acredito que
essa investigação vai revelar que a evidência mostra um
pouco menos do que parece inicialmente.

Já foram discutidas duas evidências introdutórias à lista


do B-Grego acima (Codex B e o curetoniano siríaco). A
evidência restante é uma série de citações de textos
cristãos, cada um, referido na nota de Lucas 23, 43 do
Novo Testamento Grego de Tischendorf. Deve notar-se
que Tischendorf colocou a vírgula antes sêmeron no seu
texto crítico, e cita um número de fontes de suporte essa
pontuação; aparentemente, em sua opinião, a evidência
postou seletivamente para B-grego não foi significativa
na determinação da pontuação adequada do texto.

Hesiquio de Jerusalém

A primeira citação fornecida à lista B-grego era de


Hesychius de Jerusalém um escritor eclesiástico que
morreu cerca de 434 d.C:

“Tines men houtos anaginoskousin* Amen lego soi


semeron* kai hypostizousin* eita epipherousin, hotiet'
emou ese e to paradeiso”

Tradução:

“Alguns realmente leem assim: ‘Em verdade vos digo


hojeʼ, e colocam uma vírgula, em seguida, eles
acrescentam: ‘Você estará comigo no Paraíso.ʼ”
(Patrologia Graeca, Vol. 93, columns 432, 1433.)

Esta citação é de “Coleção de Dificuldades e Soluções”


(retirado de seu “Harmonia dos Evangelhos”). Os textos
associados Hesíquio na Patrologia Graeca de Migne não
são todos do Hesíquio de Jerusalém século V, e parece
haver alguma dúvida se a coleção é realmente deste e
não algum outro.[8]
Assumindo que a coleção é realmente uma obra de
Hesíquio de Jerusalém, é importante colocar a sua
citação no contexto. A coleção é composta de uma série
de “dificuldades” do texto bíblico, seguido por
“soluções” do autor. Na seção “dificuldade” de Lucas 23,
43, Hesíquio escreve:

“Como o Senhor pode cumprir de imediato sua promessa


ao ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso?” (Sêmeron
met emou esê en to puradeiso), se de fato após a
crucificação, Cristo estava no Hades libertando os
mortos; ao contrário, é apropriado que o ladrão fosse
responsável por sua natureza,” (ou, em uma leitura
variante, que o ladrão foi para Hades) (Migne, PG, 93,
1431, tradução minha).

Hesíquio, então, entendia seus exemplares como


apresentando sêmeron como modificando “você estará
comigo...” e não “Em verdade vos digo...” a questão
aberta de Hesíquio pressupõe que essa compreensão de
“hoje” é a opinião da maioria. Mas como poderia uma
“dificuldade” surgir em primeiro lugar? Hesíquio não está
sozinho entre os pais da igreja pós-Nicéia em
ensinamento que Jesus desceu ao Hades para pregar
aos espíritos em prisão durante os três dias que o seu
corpo jazia no túmulo (1 Pedro 3, 19). Para explicar a
“dificuldade” em Hesíquio, podemos postular uma de
duas possibilidades:

1 - Lucas pretendia com sêmeron modificar “Em verdade


vos digo...” e foi assim entendido pela Igreja primitiva.
Mas por causa da ambigüidade do grego, a maioria dos
cristãos começou a levá-la a modificar “Você vai estar
comigo...”, apesar do fato de que esta pontuação criava
uma dificuldade em relação ao ensino da descida de
Cristo ao Hades.

2 - Lucas pretendeu com sêmeron modificar “Você


estará comigo...” e foi assim entendido pela Igreja
primitiva. Mas por causa da ambiguidade do grego,
alguns cristãos começaram a levá-lo a modificar “Em
verdade vos digo...”, porque essa pontuação removia
uma dificuldade em relação ao ensino da descida de
Cristo ao Hades.

Uma vez que exegetas e comentadores de todas as


épocas procuram resolver as dificuldades ao invés de
criá-las (assim como Hesíquio faz), a opção 2 parece de
longe o mais correta.

Hesíquio responde à “dificuldade” da seguinte forma:

“Alguns, de fato, ensinam: ‘Em verdade te digo hojeʼ - e


uma vírgula - em seguida, acrescentam: “Comigo você
estará no paraíso.” Como se dissesse: ‘Em verdade vos
digo hoje, embora você esteja na cruz, estará comigo no
Paraísoʼ. Mas, se a [difícil] leitura é correta, não há
contradição; uma vez que divindade de nosso Salvador é
ilimitada, Ele não foi apenas no Hades, mas também para
o paraíso com o ladrão, e do Hades, e com o Pai, e no
túmulo, na medida em que Ele enche todas as coisas”.
(Migne, PG, 93, 1432 -1433; tradução minha)

Hesíquio confirma que “alguns” em sua época colocavam


uma vírgula depois de “hoje”. Ele não nos diz quem ou
quantos eram, o que torna difícil avaliar os méritos de seu
ponto de vista, mas ele não explica o que quis dizer com
a sua pontuação preferida: Não era para enfatizar quando
Jesus estava falando, nem a utilização de uma
“expressão hebraico comum” nem para seguir
convenção da LXX, mas para resolver a posição atual do
ladrão na cruz naquele dia, em contraste com o seu
estado futuro e abençoado no Paraíso. Este fato é mais
uma prova de que os vários argumentos gramaticais
discutidos anteriormente eram desconhecidos no início
da igreja, até mesmo por aqueles que defendem colocar
a vírgula depois de “hoje”.

Hesíquio então continua a dizer que, se a leitura em sua


seção de “dificuldade” estiver correta (ou seja, que
“hoje” modifica “Eu estarei com você..”), não é um
problema, porque a divindade de Cristo não se limita a
um único lugar, mas permite que Ele esteja presente de
uma só vez no Hades e no Paraíso, e - de fato - em todos
os lugares ao mesmo tempo.

Assim, Hesíquio fornece apenas evidências marginais


que Lucas destina uma vírgula depois de “hoje”, pelas
seguintes razões:
1- Não é certo que Hesíquio de Jerusalém é o autor da
coleção. Se não, pode datar de muito depois do século V.

2- Não sabemos quem são os “alguns” que ensinaram


que a vírgula deveria ser colocada após sêmeron.

3- Não sabemos quão disseminado o seu ensino era nem


quantos anos ela tinha.

4- Sabemos que a opinião da maioria foi que sêmeron


modificava “Você estará comigo...”.

5- É muito mais provável que a pontuação que resolveu


uma dificuldade doutrinal veio mais tarde.

6- A colocação da vírgula não era devido ao uso LXX ou


uma expressão hebraica.

Teofilato

A próxima citação fornecida à lista B-Grego foi Teofilato


da Bulgária um escritor eclesiástico que morreu por volta
de 1112 d.C:

“Alloi de ekbiazontai to rhema, stizontes eis to Semeron,


hin' e to legomenon toiouton* Amen ego soi semeron*
eita to, met' emou ese en to paradeiso epipherontes.”

Tradução:

“Mas outros pressionam sobre a expressão, colocando


um sinal de pontuação depois de ‘hojeʼ, de modo que
seria dito assim: ‘Em verdade vos digo hojeʼ, e, em
seguida, eles acrescentam a expressão: ‘Você estará
comigo no Paraíso.ʼ” (Teofilato, Patrologia Graeca, Vol.
123, coluna 1104)

Esta citação é da Explicação de Teofilato do Santo


Evangelho segundo Lucas. Ele foi escrito após Teofilato
tornar-se arcebispo de Ochrid, a capital do Reino da
Bulgária, por volta do ano 1090 d.C. Para entender
melhor o que está dizendo Teofilato nesta citação,
considere como Teofilato apresenta os seus comentários
sobre a promessa de Jesus ao ladrão:

“Quando o ex-blasfemador reconheceu por esta voz que


Jesus era realmente um rei, ele repreendeu o outro
ladrão, e disse a Jesus: “Lembra te de mim no teu reino.”
Como o Senhor respondeu? “Hoje tu estarás comigo no
Paraíso” (Semeron met' emou ese en to
paradeiso). Como homem, Ele estava na cruz, mas como
Deus, Ele está em toda parte, tanto na Cruz e no paraíso,
preenchendo todas as coisas, e em nenhum lugar
ausente.” (Stade, Christopher, trans., The Explanation by
Blessed Theophylact of The Holy Gospels, vol 3 (House
Springs, MO: Chrysostom Press), p. 310.)

Assim, como com Hesíquio (acima), mais uma vez


descobrimos que o entendimento contemporâneo
predominante é que “hoje” modifica, “você estará
comigo...” e não “Em Verdade te digo”. Como Hesíquio,
Teofilato aborda várias contradições bíblicas aparentes
se “hoje” for assim entendida; e ele oferece
interpretações que as resolvem. No entanto, é importante
notar que o verso repontuado não é uma solução que ele
considera viável.

Na tradução oferecida pela lista B-Grego, ekbiazontai é


traduzida como “pressionam sobre”, que tem uma
conotação neutra - como se Teofilato está simplesmente
dizendo que “os outros”, pressionam sobre o ponto que
eles estão fazendo, colocando a vírgula depois Sêmeron.
Mas ekbiazontai (uma forma flexionada de ekbiazo) tem
um significado muito mais negativo. Enquanto
“pressionar sobre” é uma glosa oferecida por LSJ, o
sentido não é “pressionar” como na ênfase, mas
“espremer” como na aplicação de pressão, vigor, ou
praticar a violência. A tradução mais exata (o que, a seu
crédito, o listador do B-grego pediu) seria:

“Mas outros têm abusado da palavra, colocando uma


marca depois de ‘hojeʼ para dizer que: ‘Em verdade vos
digo hojeʼ, e depois acrescentam: ‘Você estará comigo
em Paradiseʼ”.[9]

A desaprovação de Teofilato é enfatizada em sua próxima


frase, onde se lê “Outros, que parecem ter atingido a
marca, explicam desta maneira...”.[10] Estes cristãos,
Teofilato nos diz, distinguem o “céu” de “paraíso”, o
último sendo “um lugar de descanso espiritual”. Desta
forma, o ladrão pode realmente estar com Jesus naquele
dia no paraíso, mas não ainda no céu.
Esta citação de Teofilato não nos diz quase nada sobre
aqueles que pontuam Lucas 23, 43 para que “hoje”
modifique “Em verdade vos digo...” A lista B-grego é
correta em concluir que alguns cristãos no final do século
XI compreenderam o versículo de forma semelhante à
Torre de Vigia, mas não sabemos quantos eram, nem
como prevalente foi o seu ensino. Tal evidência tardia
parece marginalmente útil, de qualquer forma, para
determinar o que Lucas inicialmente disse. É evidente,
porém, que como os Hesíquio menciona, a razão que
estes “outros” pontuam o verso como eles fazem, não é
porque seguem uma expressão hebraica, mas porque
eles tentaram resolver uma dificuldade teológica. O fato
de que Teofilato poder falar em termos tão negativos
sobre a pontuação alternativa - mesmo que resolvesse as
aparentes contradições que ele está discutindo - sugere
que ele não tinha conhecimento de quaisquer
argumentos razoáveis em seu apoio.

Scholia

A próxima citação é um resumo de Scholia de três


manuscritos gregos:

“alloi -- to rheton ekbiazontai* legousin gar dein


hypostizontas (254: hypostizantas) anaginoskein* amen
lego soi semeron* eith' houtos epipherein to* met' emou
ese etc.”

Tradução:
“Outros pressionam sobre o que é falado, pois eles dizem
que se deve ler, colocando uma vírgula assim: ‘Em
verdade vos digo hojeʼ, e em seguida, adicionando a
expressão da seguinte forma: ‘Você estará comigʼ', etc.”
(Scholia 237, 239, 254. Texto encontrado em Novum
Testamentum Graece, editio octava critica maior, por C.
Tischendorf, Vol. I, Leipzig, 1869, sobre Lucas 23, 43.

“Scholia” são anotações marginais ou notas de rodapé,


adicionados a um manuscrito por um escriba, revisor
posterior, ou comentarista. Sem uma descrição detalhada
destas três anotações, é impossível determinar se eles
datam da época da criação do manuscrito ou foram
adicionados mais tarde. Em qualquer caso, as três
manuscritos próprios são de muito mais tarde. De acordo
com aparato crítico de Tischendorf, estes são minúsculos
e datam da seguinte forma:

237 – Século X (Moscow syn 42)

239 - Século XI (Moscow syn 47)

254 - Século XI (Dresden reg A.100)

Anotações de rodapé datando de não antes do século X


parecem ser uma evidência fraca, de fato, para tirar
conclusões significativas sobre a intenção original de
Lucas. Eles podem refletir nada mais do que “alguns”
cristãos que tentam resolver a mesma dificuldade notada
por Hesíquio (acima). Independentemente de quem eram
“outros”, o autor do scholia dificilmente aprova a
pontuação variante, pois ele usa a mesma palavra
(ekbiazontai) como Teofilato (acima) para descrever a
“violência” feita ao contexto em que “hoje” é juntado a
“Em verdade te digo...”

Atos de Pilatos (Evangelho de Nicodemos)

A próxima citação é uma citação do apócrifo, Atos de


Pilatos (também conhecido como o Evangelho de
Nicodemos):

“ho de eipen auto* semeron lego soi aletheian hina se


ekho eis ton parad[eison] met' emou.”

Tradução:

“E ele disse-lhe: ‘Hoje eu digo a verdade, que eu o terei


no paraíso comigo.ʼ” (Evangelho de Nicodemos (Atos de
Pilatos) B287, um escrito apócrifo do quarto ou quinto
século d.C Texto encontrado em Novum Testamentum
Graece, editio octava critica Major, por C. Tischendorf,
vol. I, Leipzig, 1869, sob Lucas 23, 43)

O chamado, Atos de Pilatos, juntamente com a descida


ao Inferno (ver abaixo) compreendem o que veio a ser
conhecido como o Evangelho de Nicodemos. As duas
obras, provavelmente, não foram do mesmo autor, e os
manuscritos mais antigos não contêm a descida.
Tischendorf publicou duas “formas” ou recensões dos
Atos em grego (cada com base em diferentes
manuscritos) e uma em latim. As formas gregas são mais
antigas do que a latina, com recensão A data do século V
e recensão B do século VI.[11]

Você notara que a citação de Tischendorf dada pela lista


B-grego lê “b.287”. O “b” indica que esta citação é de
recensão B, que data do século VI. James observa que a
recensão A “deve ser considerada como a forma mais
original dos Atos que temos”; enquanto recensão B “é
um trabalho mais tardio e difuso do mesmo material”.
(James, M.R., The Apocryphal New Testament,
"Introduction" to the Gospel of Nicodemus.)

Significativamente, na mesma seção citada pela lista B-


grego, Tischendorf lista a recensão A como suporte a
pontuação tradicional, colocando hoti antes semeron. A
tradução da recensão A no ANF diz o seguinte:

“E Jesus lhe disse: Amém, amém; Eu te digo: Hoje é tu


estarás comigo no Paraíso.”

Assim, a forma original mais antiga, a maior parte dos


Atos de Pilatos tem “hoje” modificando “Eu estarei
contigo...”. É a recensão mais tardia que muda o texto
para que sêmeron modifique “Em verdade te digo...” o
revisor mais tardio não parece ter se preocupado com a
preservação da precisão da sua fonte; de fato, Cowper
observa que o revisor mais tardio não considerava seu
exemplar como “dando a devida importância a Maria”
(Cowper, pp XCII - XCIII). Se ele não estava acima de
fazer revisões com base em suas inclinações teológicas,
é muito possível que ele tentou remover a “dificuldade”,
observada por Hesíquio (ver acima) ao repontuar sua
citação de Lucas 23, 43.

A Descida ao Inferno (O Evangelho de Nicodemos)

A citação final, dada pela lista B-grego é uma citação do


Apócrifo A Descida ao Inferno (também conhecido como
o Evangelho de Nicodemos):

“kai eutys eipen moi hoti amen amen semeron lego soi,
met' emou ese en to parad[eiso].”

Tradução:

“E imediatamente ele me disse: “Verdadeiramente hoje


eu te digo que tu estarás comigo no Paraíso.” (Descida
ao Hades, é um escrito apócrifo do quarto século d.C. O
texto é encontrado no Novum Testamentum Graece,
editio octava critica Maior, por C. Tischendorf, vol. I,
Leipzig, 869, em Lucas 23, 43.)

Como mencionado acima, a Descida compreende a parte


2 do chamado Evangelho de Nicodemos. Tischendorf
publicou uma forma grega e duas formas em latim. Os
manuscritos mais antigos do Evangelho de Nicodemos
não contêm a descida. A forma grega é “intimamente
ligada com o segundo texto de Nicodemus Parte I, na
verdade as cópias não marcam qualquer divisão”
(Cowper, p XCII.). Cowper data a recensão grega da
descida “um pouco mais tarde” do que a Parte I (p. XCIII).
A pontuação na descida grega, então, certamente está
relacionada com a pontuação na recensão B da Parte I
(Atos de Pilatos). Os mesmos comentários feitos sobre
os Atos (acima) pode ser feito aqui: A pontuação neste
texto representa uma tradição mais recente, que pode
muito bem ter sido motivada por preocupações
teológicas, em vez de fidelidade a uma fonte anterior.

CONCLUSÃO

A Torre de Vigia e seus apologistas têm oferecido várias


linhas de evidência para apoiar a pontuação da TMN de
Lucas 23, 43. Em cada caso, a prova não foi capaz de
resistir ao rigoroso exame. Em suma, a evidência
favorece fortemente a pontuação tradicional. Lucas 23,
43 é um dos 74 exemplos de uma expressão
estereotipada, falada apenas por Jesus nos Evangelhos.
Esta expressão nunca é modificada por um advérbio de
tempo, a menos que Lucas 23, 43 fosse a única exceção.
Além disso, quando todos as frases “eu te digo”, são
tomados em conta, o número de expressões introdutórias
não temporalmente modificadas crescem para 144. Por
outro lado, não há nenhuma evidência de que Jesus
nunca usou uma “expressão hebraica comum” a que se
refere E.W Bullinger e tão frequentemente citada por
defensores da TMN. Quando se deixa de lado justamente
a evidência textual do curetoniano siriaco e Codex
Vaticanus (não só porque a prova é marginal, na melhor
das hipóteses, mas também porque toda a questão da
pontuação correta não é propriamente caso de crítica
textual), não há substancial evidência em favor da
pontuação TMN.

As fontes patrísticas e apócrifas apresentadas na lista de


discussão B-Grego provam que alguns cristãos
ensinavam que Cristo desceu ao Hades após sua
crucificação, e interpretavam Lucas 23, 43 em
conformidade. Mas uma análise indutiva de todas as
evidências sugerem que o entendimento anterior, mais
importante foi que sêmeron modificava “Eu estarei com
você...”, e foi mais tarde que comentaristas ofereceram a
pontuação alternativa como uma maneira de evitar o que
eles viam como um “dificuldade”.

Pode-se admitir que “Em verdade te digo hoje...” é


gramaticalmente possível, mas improvável (se a
probabilidade de 144 para 1 pode ser caracterizado como
meramente “improvável”).

NOTAS

[1] Na verdade, que eu saiba, existem apenas cerca de


uma dúzia de Bíblias em inglês que foram citados pela
Torre de Vigia ou seus apologistas como colocadoras da
vírgula depois de “hoje”. A maioria, se não todas, são
obras de tradutores individuais, e não de comissões.
Enquanto isso não prova que elas são tendenciosas ou
imprecisas, é fácil de haver erros com um único tradutor,
trabalhando sem os cheques-e-contrapesos de um
comitê. Elas são traduções obscuras, raramente (ou
nunca) são citados em trabalhos acadêmicos. O a lista de
aparato de pontuação UBS4 não cita nenhuma destas
para Lucas 23, 43. Em vez disso, as Bíblias citadas
aparecem com mais frequência nos escritos de
apologistas testemunhas de Jeová que encontram apoio
ocasional para um dogma preferido em uma tradução
idiossincrática. Vou abordar especificamente as Bíblias
citada pela Torre de Vigia, mais adiante neste artigo.

[3] George Lamsa, LAMSA, que em 1940 convenceu uma


editora respeitável da Bíblia, na Filadélfia, a Winston
Publishing Company, a emitir sua fraude absoluta, de “ A
Bíblia traduzida do aramaico original”. Absolutamente um
mercenário, e nada mais. Ele disse que “todo o Novo
Testamento foi escrito em aramaico”, e ele traduziu a
partir do aramaico, mas ele nunca mostrou a ninguém os
manuscritos que ele traduziu. Em segundo lugar, por que
Paulo escreveu em aramaico, digamos, para o povo da
Galácia? Eles não sabiam mais o aramaico do que as
pessoas do Rio ou São Paulo sabem aramaico.

[4] Lewis, Agnes Smith, The Four Gospels: Retranslated


from the Sinaitic Palimpsest, with a Translation of the
Whole Text, London: C.J. Clay and Sons, 1896. See also,
Wilson, E. Jan, The Old Syriac Gospels: Studies and
Comparative Translations, Vol. 2, Piscataway, N.J.,
Georgias Press, 2002.

[5] Burkitt, op cit., P. 304 Burkitt também cita Barsalibi


(1171) que admite que em “alguns” lugares, “hoje” vem
com “Em verdade vos digo” mas não aprova essa leitura.

[6] P.J. Williams, PhD, email privado a Robert Hommel, de


06/01/2005.

[7] BDAG, p. 589.(3.a).

[9] Minha própria tradução bastante literal. Stade oferece


uma tradução muito mais suave: “Outros fizeram
violência ao contexto destas palavras, fazendo uma
pausa depois de hoje, para que se possa ler: ‘Em verdade
te digo que hoje, Tu estarás comigo no Paraísoʼ (Ibid.). Na
patrologia Latina de Minge pode ser traduzida da
seguinte forma: ‘Mas outros torcem a expressão (verbum
torquent), colocando uma marca depois de hoje...”.

[11] Cowper, B.H., The Apocryphal Gospels, p. xxvii and


p. xcii

FONTE

For An Answere. Luke 23. Disponível em: <


http://www.forananswer.org/Luke/Luke23_43.htm >.
Acesso em: 01/08/2014.

PARA CITAR

Apologistas Católicos. Lucas 23 e a hora da ida do


Ladrão aos céus. Disponível em:
<http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apolo
getica/santos/720-lucas-23-e-a-hora-da-ida-do-ladrao-
aos-ceus>. Desde: 26/08/2014. Tradução: Rafael
Rodrigues.

Acessos: 20800

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