Felipe Bastos. Intermediação de Seguros
Felipe Bastos. Intermediação de Seguros
Felipe Bastos. Intermediação de Seguros
Temas Atuais de Direitos dos Seguros - Volume I - Ilan Goldberg e Thiago Junqueira
Temas Atuais de Direitos dos Seguros - Volume I - (1.º Edição)
12
Felipe Bastos1
Sumário: 1. Introdução. 2. O mito da independência dos corretores de seguros. 3. Falta de
transparência e o comprometimento da independência de corretores de seguros no mundo. A) O
escândalo das comissões condicionais nos EUA. B) A regulação da transparência na intermediação de
seguros na União Europeia. C) A transparência na intermediação de seguros em Portugal. Do dever de
informar sobre vínculos contratuais com seguradoras ao dever de informar valores de suas
remunerações. D) A regulação da transparência na intermediação de seguros no Brasil. (i) Do
surgimento dos corretores de seguros ao domínio na intermediação. (ii) A oposição dos corretores de
seguros à concorrência na intermediação de seguros. (iii) A desregulamentação da atividade de
corretagem de seguros. (iv) Conflito de interesses e transparência. A resistência dos corretores ao dever
de informar clientes sobre suas remunerações. 4. Conclusões. Referências bibliográficas.
1. Introdução
5
Para mais detalhes sobre o episódio, confira-se o artigo de nossa autoria “A Regulação do Agente de
Seguros no Direito Brasileiro e sua Interrelação com a Atuação do Corretor de Seguros no País e no
Direito Comparado”. In: REIS, Adriana Marchesini dos et al. Sanção direta, regulação, seguro de recall,
arbitragem e sinistro (Em Debate, n. 8). Rio de Janeiro: Funsenseg, 2014. pp. 31 a 212.
6
Carta-circular disponível em: http://www.dfs.ny.gov/insurance/circltr/1998/cl98_22.htm. Acesso em
07 ago. 2020.
ação judicial contra uma corretora de seguros líder no mercado mundial sob a
acusação de atuação fraudulenta e violações às normas de defesa da concorrência nas
atividades de corretagem e contratação de seguros. As práticas denunciadas também
incriminavam diversas das maiores seguradoras. 7
Outros estados prontamente intensificaram ou deram início a investigações
semelhantes8, e Spitzer ingressou com ações similares contra outras empresas, além
de prosseguir com investigações contra diversas companhias seguradoras.
Apesar da enorme agitação causada pelas ações judiciais e investigações, os casos não
tiveram, em geral, vida longa. Isso porque as principais disputas se encerraram por
meio de acordos multimilionários firmados antes que qualquer decisão conclusiva
fosse proferida quanto ao mérito das acusações formuladas contra as corretoras de
seguros.9 10
Legislações foram modificadas após o imbróglio e vêm sendo continuamente
aprimoradas para reforçar a transparência na intermediação de seguros, intensificando
o dever de informação dos corretores para com segurados quanto a arranjos de
pagamento de comissões como aqueles denunciados por Spitzer.11-12
7
Conforme ABRAHAM, Kenneth S. Insurance Law and Regulation. Foundation Press, 2010. pp. 135-136.
8
O Estado de Illinois adotou iniciativa similar contra uma grande corretora.
9
Os acordos firmados pelo Estado de Nova Iorque estão disponíveis no sítio eletrônico do Department
of Financial Services do Estado de Nova Iorque: http://www.dfs.ny.gov/insurance/invstcomp.htm.
10
A enorme controvérsia em torno das comissões condicionais despertou imenso interesse acadêmico e
normativo, tanto nos Estados Unidos quanto em outros quadrantes do globo. Inúmeros estudos são
continuamente dedicados ao tema, muitos dos quais, registre-se, defendem benefícios desse tipo de
estrutura para o mercado de seguros e seus consumidores, persistindo a polêmica em torno do tema
(e.g., CHENG, Jiang; ELYASIANI, Elyas; LIN, Tzu-Ting. Market Reaction to Regulatory Action in the
Insurance Industry: The Case of Contingent Commission. The Journal of Risk and Insurance, v. 77, n. 2,
jun. 2010. p. 347-368; SCHWARCZ, Daniel. Beyond Disclosure: The Case for Banning Contingent
Commissions. Yale Law & Policy Review, v. 25, n. 2, (SPRING 2007). p. 289-336).
11
Consigne-se que há nos Estados Unidos muitos defensores da tese de que corretores não têm um
dever afirmativo de voluntariar a segurados a existência de algum vínculo ou de recebimentos adicionais
de seguradoras com quem operam. Segundo os cultores desse raciocínio, o dever de informação
somente surgiria sempre que (e somente se) assim perquirido pelo segurado. Por todos, consulte-se
RICHMOND, Douglas R. New Appleman on Insurance Law. Library Edition, Cap. 2. Lexis Nexis, 2009.
12
Apenas a título de curiosidade, Eliot Spitzer se elegeu mais tarde Governador do Estado de Nova
Iorque.
13
A Diretiva 2002/92/EC define “Intermediação de Seguros” como “as atividades que consistem em
apresentar, propor ou praticar outro ato preparatório da celebração de um contrato de seguro, ou em
celebrar esses contratos, de apoiar a gestão e execução desses contratos, em especial em caso de
sinistro.”
14
Acrônimo de Insurance Mediation Directive.
comunitário o conceito de “tied insurance intermediary” (intermediário15 de seguros
vinculado16 a uma seguradora) e a regular de modo específico a relação cliente-
intermediário de seguros quando este último possuir laços contratuais de produção
com seguradoras. O Artigo 12º da diretiva impunha expressamente ao intermediário
de seguros nesta situação o dever de prestar tal informação ao seu cliente 17:
Além disso, o mediador de seguros deve indicar ao cliente, no que se refere ao contrato
que é fornecido:
[...]
ii) Se tem a obrigação contratual de exercer a actividade de mediação de seguros
exclusivamente com uma ou mais empresas de seguros. Nesse caso e a pedido do cliente,
deve também informá-lo dos nomes dessas empresas de seguros; ou
iii) Se não tem a obrigação contratual de exercer a actividade de mediação de seguros
exclusivamente com uma ou mais empresas de seguros e se não baseia os seus conselhos
na obrigação de fornecer uma análise imparcial prevista no n.º 2. Nesse caso e a pedido
do cliente, deve também informá-lo dos nomes das empresas de seguros com as quais
trabalha.
Nos casos em que se preveja que determinada informação é dada apenas a pedido do
cliente, este deve ser notificado do direito de pedir essa informação. (grifos nossos)
Como se vê, há cerca de 18 (dezoito) anos vigora na União Europeia norma que
contempla o dever do mediador de seguros, entre os quais o corretor de seguros
revelar ao cliente se possui vínculo contratual com alguma seguradora e, mesmo se
não o tiver, informar com quais seguradoras trabalha no caso concreto.18
A IMD foi substituída pela Diretiva de Distribuição de Seguros (UE) 2016/97, mais
conhecida pela sigla em inglês “IDD” (insurance distribution directive).
Se a sua predecessora já criava deveres de informação a intermediários de seguros, a
nova diretiva, em vigor desde 1º de outubro de 2018, teve o declarado propósito de
ampliar ainda mais a proteção ao consumidor de seguros nesse aspecto.
Diversamente da IMD, as normas previstas na IDD não estão limitadas à mediação de
15
Na versão da diretiva em língua portuguesa a expressão é traduzida como “mediador de seguros
ligado”.
16
A diretiva define o intermediário de seguros vinculado (ou mediador de seguros ligado) como “[...]
qualquer pessoa que exerça uma atividade de mediação de seguros, em nome e por conta de uma
empresa de seguros ou de várias empresas de seguros, caso os produtos não sejam concorrentes, mas
que não receba prêmios nem somas destinadas ao cliente e atue sob a inteira responsabilidade dessas
empresas de seguros, no que se refere aos respectivos produtos. [...] Considera-se igualmente mediador
de seguros ligado, agindo sob a responsabilidade de uma ou várias empresas de seguros, no que se
refere aos respectivos produtos, qualquer pessoa que exerça uma actividade de mediação de seguros,
em complemento da sua actividade profissional principal, sempre que o seguro constitua um
complemento dos bens ou serviços fornecidos no âmbito dessa ocupação principal e que não receba
prémios nem somas destinadas ao cliente; [...]”.
17
O Artigo 13 da diretiva cuidava da forma/dos meios de prestação das informações impostas ao
intermediário de seguros pelo Artigo 12.
18
Para uma análise mais profunda da IMD, cf. o nosso artigo já citado na obra: REIS, Adriana Marchesini
dos et al. Sanção direta, regulação, seguro de recall, arbitragem e sinistro (Em Debate, n. 8). Rio de
Janeiro: Funsenseg, 2014.
seguros. A IDD mudou e ampliou o seu foco, tendo passado a disciplinar, sempre com
o consumidor como epicentro, todas as múltiplas formas de “vendas” (distribuição 19)
de seguros20. Além dos tradicionais mediadores de seguros tratados pela IMD, cujo
conceito foi alargado21, a IDD também fixou regras para a venda direta de seguros pela
seguradora, a venda a título acessório por outros agentes econômicos (locadora de
automóveis, agência de viagens, supermercados etc.) 22, a venda de seguros por meio
de sítios de Internet de pesquisa e comparação de preços (aggregators) etc.
Em suma, a diretiva objetiva assegurar o mesmo nível de proteção ao consumidor de
seguros independentemente do canal de distribuição de seguros utilizado 23.
Os Artigos 17º a 25º da IDD traçam requisitos de informação e regras de conduta da
atividade de distribuição de seguros. Como princípio geral, os distribuidores de seguros
devem atuar “de forma honesta, correta e profissional, em conformidade com os
melhores interesses de seus clientes”, não devendo ser remunerados de um modo que
colida com o seu dever de agir de acordo com os melhores interesses dos seus
clientes.
A diretiva ainda avança no sentido de intervir também no âmbito interno de
organização dos distribuidores de seguros de pessoas jurídicas, recitando que
Incentivo, para fins da IDD, é definido pelo art. 2º, alínea 2, do Regulamento Delegado
(UE) 2017/2359, em uma conotação bastante ampla também:
A IDD dispõe ainda sobre informações mínimas a serem prestadas pelos distribuidores
de seguros conforme preste aconselhamento24 ao cliente (Artigo 20º).25
Segundo a Comissão Europeia26, sob o prisma dos distribuidores de seguros, as regras
da IDD propiciariam um ambiente de competição mais equilibrado e justo. O aumento
na confiança de segurados em seguros decorrente da aplicação da IDD levará a
maiores oportunidades de negócios também.
A IDD estabelece diretrizes27 e princípios gerais mínimos de harmonização. Isso
significa dizer que os Estados-Membros, ao transporem-na ao seu direito interno,
podem ou adotá-los tais quais previstos na IDD ou introduzir disposições ainda mais
rigorosas destinadas a proteger os clientes, desde que as normas em âmbito nacional
24
Aconselhamento é definido como “a formulação de uma recomendação pessoal a um cliente, quer a
seu pedido quer por iniciativa do distribuidor de seguros, em relação a um ou mais contratos de
seguro;” (Artigo 2º, nº 1, item 15).
25
Os requisitos formais das informações que devem ser prestadas compulsoriamente pelo mediador de
seguros a seus clientes são disciplinados pelo Artigo 23º da IDD. Como regra geral, as informações
devem ser prestadas em papel (por escrito), com clareza, exatidão e de uma forma compreensível para
os clientes, a título gratuito e no idioma oficial do respectivo Estado-Membro. As informações poderão
ser prestadas em outro suporte duradouro diferente de papel ou por meio de um sítio da Internet, se
tais meios forem consistentes e apropriados no respectivo contexto da relação comercial entre o
distribuidor de seguros e o cliente, e se assim for consentido pelo cliente.
26
Disponível em: https://ec.europa.eu/newsroom/fisma/item-detail.cfm?
item_id=636925&utm_source=fisma_newsroom&utm_medium=Website&utm_campaign=fisma&utm
_content=Insurance%20distribution%20&lang=en.
27
Diretivas são instrumentos normativos vinculantes em relação à finalidade por ela prescrita, mas deixa
espaço aos Estados-Membros para a escolha da forma e do método de implementação. Conforme
esclarecem CRAIG e DE BÚRCA, “[d]irectives are particularly useful when the aim is to harmonize the
laws within a certain area or to introduce complex legislative change. This is because discretion is left to
Member States as to how the directive is to be implemented.” (CRAIG, Paul; DE BÚRCA, Gráinne. EU
Law – Text, Cases, and Materials. 4 ed. New York: Oxford University Press, 2008. p. 85).
sejam consentâneas com os direitos da União Europeia e com a IDD. 28 A segunda
opção (maior rigidez) foi a adotada, por exemplo, por Portugal, conforme veremos a
seguir.
28
Nesse sentido, confira-se o Considerando (3) da IDD.
29
Categoria em que a pessoa exerce a atividade de mediação de seguros (alínea “a”):
- Em nome e por conta de uma empresa de seguros ou, com autorização desta, de várias empresas de
seguros, desde que os produtos que promova não sejam concorrentes, não recebendo prêmios ou
somas destinados aos tomadores de seguros, segurados ou beneficiários e atuando sob inteira
responsabilidade dessa ou dessas empresas de seguros, no que se refere à mediação dos respectivos
produtos; ou
- Em complemento da sua atividade profissional, sempre que o seguro seja acessório do bem ou serviço
fornecido no âmbito dessa atividade principal, não recebendo prêmios ou somas destinados aos
tomadores de seguros, segurados ou beneficiários e atuando sob inteira responsabilidade de uma ou
várias empresas de seguros, no que se refere à mediação dos respectivos produtos.
30
“Parece que se incluem nesta categoria, todas as pessoas singulares ou colectivas, que comercializam
seguros associados aos seus bens ou produtos. Refira-se, a título de exemplo, empresas de venda de
automóveis que disponibilizam seguros automóvel; empresas que concedem crédito, que disponibilizam
seguros de vida; agências de viagem, que disponibilizam seguros de assistência e acidentes pessoais,
bancos que disponibilizam seguros de vida e de incêndio e outros danos em coisas a mutuários de
crédito à habitação; empresas que vendem bens diversos e disponibilizam seguros com coberturas de
assistência e furto ou roubo. (ALVES, Paula Ribeiro. Intermediação de seguros e seguro de grupo.
Estudos de Direito dos Seguros. Coimbra: Almedina, 2007. p. 95, nota 240).
31
Categoria em que a pessoa exerce a atividade de mediação de seguros em nome e por conta de uma
ou mais empresas de seguros ou de outro mediador de seguros, nos termos do ou dos contratos que
celebre com essas entidades (alínea “b”).
32
Categoria em que a pessoa exerce a atividade de mediação de seguros de forma independente face às
empresas de seguros, baseando a sua atividade em uma análise imparcial de um número suficiente de
contratos de seguro disponíveis no mercado que lhe permita aconselhar o cliente tendo em conta as
suas necessidades específicas (alínea “c”).
No regime da Lei nº 7/2019 há dois gêneros de mediadores: (a) mediadores de
seguros; e (b) mediadores de seguros a título acessório.
Por sua vez, os mediadores de seguros se subdividem em duas espécies: (a.1) agente
de seguros, que é a pessoa (singular ou coletiva) que exerce a atividade de distribuição
de seguros em nome e por conta de uma ou mais empresas de seguros ou de outros
mediadores de seguros, nos termos do contrato ou dos contratos que celebre com
essas entidades; e (a.2) corretor de seguros, que é a pessoa (singular ou coletiva) que
exerce a atividade de distribuição de seguros de forma independente face às empresas
de seguros.
O direito português conserva a tradicional divisão entre agente e corretor de seguros,
e que, no Brasil, somente há poucos anos foi regulamentada. 33
É interessante notar que a independência em relação a seguradoras é o principal sinal
distintivo entre o corretor de seguros e o agente de seguros em Portugal, sendo
essencial para a caracterização jurídica da atividade do corretor 34. Tamanha a
importância da independência do corretor que a lei estatui, como condição para a
inscrição da pessoa singular no registro nessa qualidade perante a Autoridade de
Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), ela “não exercer qualquer profissão
que possa diminuir a independência no exercício da atividade de distribuição e, no
caso de pessoa coletiva, ter como objeto social exclusivo atividades incluídas no setor
financeiro.”35
No caso da pessoa coletiva, a inscrição no registro como corretora de seguros
dependerá do preenchimento de diversas condições, entre elas sua estrutura
societária não constituir risco para a independência e imparcialidade do corretor face
perante aàs seguradoras36.
O art. 30º da Lei da Distribuição de Seguros estabelece deveres gerais do mediador de
seguros para com os clientes. E o seu art. 31º impõe ao mediador de seguros deveres
pré-contratuais especiais de informação ainda mais amplos do que as diretrizes
mínimas previstas na IDD37. Por exemplo, o mediador deve informar o cliente sobre o
33
O assunto será abordado Capítulo D) (ii) infra.
34
Conforme comenta Francisco Rodrigues Rocha, “[a] independência do corretor, de tal modo
importante que chega-se a falar-se de ‘princípio’, é um elemento típico essencial da corretagem.”
(MARTINEZ, Pedro Romano; Matos, Filipe Albuquerque (Org.). Lei da Distribuição de Seguros Anotada.
Coimbra: Almedina, 2019. p. 188).
35
Artigo 18º, nº 1, alínea a).
36
Artigo 18º, nº 5.
37
“Artigo 31º. Deveres de informação em especial. 1 – Com a devida antecedência em relação à
celebração de qualquer contrato de seguro inicial o mediador de seguros deve informar o cliente, pelo
menos: a) Da sua identidade e endereço; b) Do número e da data da inscrição no registo e dos meios
para verificar se foi efetivamente registado; c) De qualquer participação qualificada que detenha numa
determinada empresa de seguros; d) De qualquer participação qualificada no capital do mediador de
seguros detida por uma determinada empresa de seguros ou pela empresa mãe de uma determinada
empresa de seguros; e) Se está ou não autorizado a receber prémios para serem entregues à empresa
de seguros; f) Se a sua intervenção se esgota com a celebração do contrato de seguro ou se a sua
intervenção envolve a prestação de assistência ao longo do período de vigência do contrato de seguro;
g) Da natureza da remuneração recebida em relação ao contrato de seguro; h) Se, em relação ao
contrato de seguro, é remunerado: i) Através de pagamento direto pelo cliente a título de honorários; ii)
Com parte do prémio de seguro a título de comissão; iii) Com base noutro tipo de remuneração,
incluindo qualquer vantagem económica concedida em conexão com o contrato de seguro; iv) Com base
seu direito de “solicitar informação sobre o montante da remuneração que o mediador
de seguros receberá pela prestação do serviço de distribuição e, em conformidade,
fornecer-lhe, a seu pedido, tal informação” (alínea j). Conforme anota a doutrina: “A
alínea j) contém um duplo direito do cliente de ser informado de que pode pedir o valor
da remuneração recebido pelo mediador de seguros e, utilizando essa faculdade,
receber a informação concreta da remuneração.”38
Veja que a informação a ser prestada não é limitada à natureza da remuneração do
mediador de seguros, mas deve incluir ainda os valores específicos decorrentes da
operação de seguros.
Além disso, o mediador de seguro ainda deve indicar ao cliente, inter alia, se atua em
representação do cliente ou em nome e por conta de seguradora; se tem ou não a
obrigação contratual de exercer a atividade de distribuição de seguros exclusivamente
para uma ou mais empresas de seguros, hipótese em que a lei presume em caráter
absoluto que o seu aconselhamento não será baseado em uma análise imparcial e
39
Quando o mediador de seguros informar ao cliente que baseia o seu aconselhamento em uma análise
imparcial e pessoal, é obrigado a prestar esse aconselhamento com base na análise de um número
suficientemente elevado e diversificado, quanto ao distribuidor e ao tipo de contratos de seguro
disponíveis no mercado que lhe permita fazer uma recomendação, de acordo com critérios
profissionais, quanto ao contrato de seguro mais adequado às necessidades do cliente, não se limitando
aos contratos de seguro de um distribuidor com quem o mediador de seguros tenha relações estreitas.
(Artigo 31º, nº 5).
40
SILVA, Rita de Cássia da Costa. Breve histórico da profissão de corretor de seguros no Brasil. Rio de
Janeiro: Funenseg, 2007. p. 17.
41
Idem.
busca desenfreada de novos negócios, ofertassem comissões, cada um de
percentual mais elevado que a outra, passaram a se servir dos
“atravessadores de negócios”, os quais recebiam como pagamento parte
da comissão do agente que solicitava seus serviços.
A nova atividade no mercado segurador, a qual deu origem ao que hoje
chamamos corretor de seguros, não era vista com bons olhos, mas tal
atividade foi sedimentada em decorrência do fato de que os até então
profissionais do mercado – agentes de seguros – necessitavam valer-se
cada vez mais daqueles atravessadores para atingirem metas mais
destacadas no ranking geral.
Em novembro de 2019, foi editada a Medida Provisória nº 905, que, dentre várias
outras questões, desregulamentou a atividade do corretor de seguros.
Nesse particular, a medida teve a finalidade declarada de “flexibilizar a atividade de
intermediação, angariação e promoção dos contratos de seguro”, segundo sua
exposição de motivos. Além dessa finalidade, pronunciamentos posteriores da
Superintendente da SUSEP dão conta de que a Medida Provisória também teve como
objetivo aliviar as atividades de supervisão desempenhada pela SUSEP, cujos escassos
recursos (humanos e financeiros) eram excessivamente ocupados e consumidos por
tarefas não prioritárias na agenda regulatória do órgão ligadas a cadastramentos,
renovações de habilitações, fiscalização da grande massa de corretores de seguros
etc.49
49
Para uma análise mais profunda das mudanças previstas na Medida Provisória em matéria de
corretagem de seguros, confira-se o nosso artigo “A ‘Autorregulação Regulada’ do Corretor de Seguros –
Avanços, Retrocessos e Desalinhamentos Atuais no Modelo Brasileiro”, disponível em nosso blog:
A Medida Provisória gerou verdadeira revolta de muitos inúmeros corretores de
seguros, muitos dos quais temendo que a categoria e a própria atividade caíssem em
profundo desprestígio em decorrência da desregulamentação.
Muito embora o caminho da autorregulação da atividade do corretor fosse algo
desejado por uma grande parcela dos corretores de seguros, a maioria parecia
entender que o Governo Federal teria errado grosseiramente na dose do remédio
administrado por meio da Medida Provisória nº 905/2019. Isso porque, de uma só vez,
ela revogou a Lei 4.594/64, que regulava a profissão do corretor de seguros, assim
como excluiu os “corretores [de seguros] habilitados” do Sistema Nacional de Seguros
Privados.
A própria Exposição de Motivos da Medida Provisória é categórica ao determinar que,
por meio da proposição com força de lei, “desregulamenta-se a atividade, não
cabendo mais ao Conselho Nacional de Seguros Privados disciplinar a corretagem de
seguros e a profissão de corretor e se retirando a obrigatoriedade de prévia habilitação
e registro para se exercer a atividade de corretor.”
A desregulamentação da profissão dos corretores de seguros acendeu um temor –
legítimo, por sinal – de precarização da atividade e da classe dos corretores de seguros,
provocando críticas (em boa parte procedentes) da comunidade securitária. Afinal, até
que a transição de poderes do governo para as entidades autorreguladoras privadas se
operasse, em tese, qualquer pessoa poderia intermediar a comercialização de seguros,
independentemente de treinamento e habilitação técnica específica.
A possibilidade de que terceiros pudessem rivalizar e competir com corretores na
intermediação de seguros gerou uma grande mobilização da categoria.
Uma forte contraofensiva dos corretores de seguros foi articulada no Congresso
Nacional. Não por coincidência, aA Comissão Mista instalada com a missão
constitucional de examinar o texto da Medida Provisória teve como Vice-Presidente o
Deputado Lucas Vergílio, corretor de seguros, Presidente de Sindicato dos Corretores
de Seguros do Estado de Goiás – SINCOR-GO, e filho de Armando Vergílio, Presidente
da FENACOR.
A versão final do parecer elaborado pela Comissão Mista contendo o Projeto de Lei em
Conversão da Medida Provisória (PLV) representou uma grande demonstração de
força política por parte dos corretores de seguros. 50
O PLV repristinou a Lei nº 4.594/64, que regulava a profissão de corretor de seguros,
mas com importantes modificações. A versão proposta pela Comissão Mista previa
uma descrição muito mais abrangente das atribuições dos corretores de seguros. Além
disso, marchando na direção diametralmente oposta à filosofia liberalizante que
inspirou a Medida Provisória nº 905/2019, outros dispositivos aumentavam a proteção
legal aos corretores e suas comissões contra práticas comerciais negociadas com
https://falandodeseguros.org.
50
Para um exame mais detalhado das principais disposições do Projeto de Lei em Conversão da Medida
Provisória 905/2019 (PLV), confira-se o nosso “Corretagem de Seguros. Episódio 2: A Conversão da MP
905/2019 em lei. Do Risco de Precarização para a Proteção Aumentada dos Corretores”, nosso blog:
https://falandodeseguros.org . Disponível em: https://falandodeseguros.org/2020/02/26/corretagem-
de-seguros-episodio-2-a-conversao-da-mp-905-2019-em-lei-do-risco-de-precarizacao-para-a-protecao-
aumentada-aos-corretores/.
seguradoras (v.g., impossibilidade de descontos nas comissões de corretagem,
vedação à alocação aos corretores de custos administrativos de seguradoras com
propostas etc.).
O PLV também fortaleceria muito as entidades autorreguladoras da corretagem de
seguros, as quais são inteiramente dominadas por grupos políticos da classe dos
corretores de seguros, e retirava a capacidade de que a SUSEP fiscalizasse a atuação
dos corretores, os quais não mais estariam sujeitos ao poder normativo e de
supervisão do CNSP.
Em suma, o PLV pretendia reverter a tendência de enfraquecimento dos corretores de
seguros decorrente do texto original da Medida Provisória nº 905/2019 para o seu
fortalecimento em um grau nunca antes existente no País. O PLV conferiria aos
corretores de seguros autonomia em relação ao CNSP e à SUSEP, ao passo que
garantiria maiores proteções estatais aos corretores e às comissões de corretagem nas
relações que manteriam com as seguradoras, afastando-se diametralmente da filosofia
de liberação do mercado de corretagem à competição aberta que inspirou a edição da
Medida Provisória.
O PLV sofreu severos questionamentos por parte do Governo Federal.
Embora tenha avançado no Congresso, o PLV não logrou aprovação a tempo, vindo a
Medida Provisória nº 905/2019 a caducar, perdendo assim sua eficácia 51. Com o
término de sua eficácia, o regime jurídico que passou a vigorar com relação aos
corretores de seguros voltou a ser aquele que precedia a sua edição.
Se os corretores de seguros possuíam fundamentos plausíveis para criticar alguns
aspectos da Medida Provisória nº 905/2019, as mudanças que suas lideranças políticas
introduziram em seu texto, por meio da PLV, careciam de qualquer sentido jurídico ou
econômico. Careciam sobretudo de razoabilidade. O PLV, fruto de forte lobby dos
corretores de seguros, prometia agudizar ainda mais os problemas crônicos de falta de
transparência, atuação em conflitos de interesses, sem independência e
imparcialidade que marcaram boa parte da intermediação de seguros no Brasil,
protegendo feudos estabelecidos, asfixiando a concorrência no setor por outros
atores, em suma, rumando na contramão da tendência normativa verificada em todo o
mundo civilizado.
Com a perda de eficácia da Medida Provisória sem aprovação do PLV, nem foi
sacramentada a desregulamentação da corretagem de seguros, como pretendido pelo
Governo Federal, tampouco os corretores saíram da disputa com os superpoderes que
ambicionavam, e sujeitos a um regime de proteção estatal alargado e sem paralelos no
mundo e na história da indústria dos seguros no Brasil, como quase ocorreu.
51
A perda de eficácia da Medida Provisória nº 905/2019 por encerramento do seu prazo de vigência foi
formalizada por meio do Ato Declaratório CN nº 127, de 28 de setembro de 2020.
Em seu último e muito atual capítulo de combatividade dos corretores de seguros, a
categoria tem como principal alvo a Resolução CNSP nº 382, de 4 de março de 2020
(Resolução CNSP nº 382/2020), que entrou em vigor a partir de 1º de julho do mesmo
ano. A resolução teve clara inspiração na IDD Europeia e procura criar um ambiente
mais transparente para o consumidor de seguros e entre os próprios intermediários de
seguros. Ela dispõe sobre princípios a serem observados nas práticas de conduta
adotadas pelas seguradoras, sociedades de capitalização, entidades abertas de
previdência complementar e intermediários, no que se refere ao relacionamento com
o cliente.
A resolução define intermediário como “o responsável pela angariação, promoção,
intermediação ou distribuição de produtos de seguros, de capitalização e/ou de
previdência complementar aberta, tais como o corretor de seguros, o representante
de seguros, o correspondente de microsseguros, o distribuidor de título de
capitalização, dentre outros executores das atividades enumeradas neste inciso”.
A Resolução CNSP nº 382/2020 determina que entes supervisionados e intermediários
devem conduzir suas atividades e operações “observando princípios de ética,
responsabilidade, transparência, diligência, lealdade, probidade, honestidade, boa-fé
objetiva, livre iniciativa e livre concorrência, promovendo o tratamento adequado do
cliente e o fortalecimento da confiança no sistema de seguros privados.”
O seu artigo 4º incorpora a ideia da IDDI de que intermediários de seguros devam atuar
no melhor interesse do cliente. O caput prevê que a relação entre o intermediário e o
ente supervisionado (no caso deste artigo, a seguradora) não pode prejudicar o
tratamento adequado ao cliente. Deve ficar claro para o cliente qualquer resquício de
conflito de interesses decorrente dessa relação entre o intermediário e a seguradora.
Para que esse objetivo não caia no vazio, a resolução criou para os intermediários
deveres pré-contratuais de informação muito semelhantes aos previstos na IDD 52,
aplicáveis em situações que vão desde eventual participação societária cruzada entre
eles e seguradoras (coligação direta 53 ou indireta) até vínculos contratuais com
seguradoras capazes de comprometer uma atuação do intermediário livre de conflitos
de interesses54.
52
Artigo 19º, alínea “e”.
53
Código Civil, art. 1.099. Diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa
com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem controlá-la.
54
“Art. 4º. A relação entre o ente supervisionado e o intermediário não deve prejudicar o tratamento
adequado do cliente, devendo ficar claro para os clientes qualquer conflito de interesses decorrente
desta relação.
§ 1º. Antes da aquisição de produto de seguro, de capitalização ou de previdência complementar aberta,
o intermediário deve disponibilizar formalmente ao cliente, no mínimo, informações sobre: I – qualquer
participação, direta ou indireta, igual ou superior a 10% nos direitos de voto ou no capital que detenha
em um ente supervisionado; II – qualquer participação, direta ou indireta, igual ou superior a 10% nos
seus direitos de voto ou no seu capital detida por um ente supervisionado ou pelo controlador de um
ente supervisionado; III – a existência de alguma obrigação contratual para atuar como intermediário
de produtos de seguros, de capitalização ou de previdência complementar aberta com exclusividade
para um ou mais entes supervisionados, informando os respectivos nomes ou os nomes dos entes
supervisionados para os quais atua como intermediário, caso não haja contrato de exclusividade; e IV –
o montante de sua remuneração pela intermediação do contrato, acompanhado dos respectivos valores
de prêmio comercial ou contribuição do contrato a ser celebrado. § 2º. As informações de que tratam os
incisos I e II do § 1º deste artigo devem ser disponibilizadas ao cliente por meio dos materiais de
Os deveres pré-contratuais fixados na Resolução CNSP nº 382/2020 são em essência os
mesmos previstos na Lei nº 7/2019 portuguesa55 para o mediador de seguros.
A Resolução CNSP nº 382/2020 dispõe ainda que seguradoras elaborem, implementem
e gerenciem uma política institucional de conduta sintonizada com os princípios
descritos na resolução. Tal política institucional de conduta, ao analisar o perfil do
cliente, deve considerar aspectos relacionados à adequação de produtos de seguros
aos seus objetivos e necessidades; sua compatibilidade à situação financeira do
cliente; e o nível de conhecimento do cliente quanto aos riscos relacionados a cada
produto, inclusive o seu nível de tolerância ao risco e sua capacidade de suportar
perdas (art. 6º, § 4º).
A figura do cliente oculto é introduzida como mecanismo de supervisão e fiscalização,
como forma de atestar a adstrição dos entes supervisionados e intermediários às
“práticas de conduta de intermediários e entes supervisionados à regulação vigente.”
O cliente oculto poderá pesquisar, simular e testar, de forma presencial ou remota, o
processo de contratação, a distribuição, a intermediação, a promoção, a divulgação e a
prestação de informações de produtos, de serviços ou de operações relativos a seguro,
capitalização ou previdência complementar aberta, com vistas a verificar a adequação
das práticas de conduta de intermediários e entes supervisionados à regulação
vigente.
O descumprimento ou a inobservância de norma ou regulação de prática de conduta,
no que se refere ao relacionamento com o cliente, ou à política institucional de
conduta, sujeita o infrator à penalidade de multa de R$ 10 mil a R$ 500 mil.
As lideranças políticas dos corretores de seguros reagiram muito negativamente ao
dever de revelação a clientes das remunerações auferidas em decorrência dos
contratos de seguros firmados para clientes, conforme exigido pela Resolução CNSP nº
382/2020.
A FENACOR e o SINCOR-SP disponibilizaram Nota Técnica para instruir os corretores de
seguros a respeito da Resolução CNSP nº 382/2020. 56 No que diz respeito ao dever de
informar o cliente sobre a remuneração do corretor de seguros, as entidades de classe
afirmam que “a norma não estabelece de que forma essa informação deve ser
disponibilizada ao cliente.” A entidades instruem corretores a que não assinem
“contratos, acordos, termos de anuência e/ou outros instrumentos similares”
solicitados por seguradoras. Segundo a Nota Técnica, deve bastar que corretores de
seguros informem às seguradoras “que estão dando cumprimento às normas que
regem a sua atividade na relação com seus clientes, inclusive o que consta da
Resolução CNSP nº 382/2020, atitude esta que não irá expor quem quer que seja a
qualquer tipo de responsabilidade.”
A Nota Técnica prossegue expressando sua discordância com os novos deveres de
[...] Somos sabedores dos impactos que essa medida causará no mercado de corretagem
de seguros, pois, além de não trazer a transparência desejada, ela tem alto potencial para
atingir micro, pequenos e médios corretores de seguros, além do emprego e da renda, o
que vai de encontro com o desejo do Governo Federal. Porém, enquanto empreendemos
esforços em busca do entendimento, visando à reversão dessa medida, precisamos ser
responsáveis, pragmáticos e práticos.
Esta Federação permanece em posição contrária ao comando contido na norma em linha
com a quase totalidade dos corretores de seguros, não apenas pelo exposto
anteriormente, que devem ser somadas às outras questões fáticas e jurídicas que vêm
sendo declinadas publicamente desde, pelo menos, a consulta pública realizada pela
SUSEP sobre essa matéria. [...]
Por fim, vale salientar tratar-se de uma obrigação desarrazoada que, claramente, pode
gerar diversos conflitos entre corretores de seguros e sociedades seguradoras, sociedades
de capitalização e entidades abertas e de previdência complementar, entre corretores de
seguros e seus clientes e entre os próprios profissionais, situação essa que não é desejada
para a continuidade de desenvolvimento do Setor de Seguros no Brasil.
57
Mandado de Segurança Coletivo nº 5039233-46.2020.4.02.5101/RJ.
obrigações a corretores de seguros “a dar publicidade à remuneração devida pela
contrapartida não relacionada à prestação do seguro per se.” E acrescenta que
“aspectos relativos ao comissionamento não dizem respeito à operação de seguro, ao
menos no que tange ao seu conceito estabelecido na legislação supracitada.
Novamente: trata-se de um acerto privado entre corretor e segurador do qual não
participa o segurado, situando-se, portanto, fora do escopo de regulamentação dos
seguros previstos no ordenamento jurídico.” 58 O impetrante também alega que um
excesso de informação sobre remuneração poderia ser danoso à concorrência e
também aos próprios consumidores.
O juízo da 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro deferiu a liminar pleiteada, malgrado tê-
lo feito por meio de decisão baseada em fundamentação genérica. 59
Em sede de agravo de instrumento, o Desembargador Federal Ricardo Perlingeiro, da
5ª Turma Especializada em Direito Administrativo do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região, deferiu efeito suspensivo postulado pela SUSEP a título de antecipação de
tutela recursal. Praticamente adiantando em sua decisão entendimento quanto ao
mérito recursal, a decisão monocrática foi fundamentada nos seguintes termos:
58
Página 14 da petição inicial.
59
“[...] Em exame sumário, observa-se a plausibilidade das alegações, notadamente quanto à ausência
de competência da Presidência do CNSP, e por corolário, da Superintendência da SUSEP, nos termos do
art. 33 do Decreto-Lei nº 73/66 e dos art. 21, XIX; 22, § 2º; e 29, III, do Decreto 60.459/67, para a criação
de obrigação profissional não prevista em lei stricto sensu para os corretores de seguro.
Com efeito, há relevância na alegação da impetrante no sentido de que ‘a regulamentação do CNSP
sobre os aspectos da profissão de corretor, em atendimento ao art. 32, inciso XII, do Decreto-Lei 73/66 é
meramente incidental, uma vez que a competência do Conselho estaria limitada a disciplinar apenas os
aspectos atinentes à operação de seguro, com a vedação constitucional para a criação, por meio de ato
infralegal, de obrigações diversas daquelas já estabelecidas pela lei stricto sensu, em respeito ao
princípio da estrita legalidade no que tange à regulamentação de atividades e profissões’.
Ademais, em decorrência do cenário jurídico-econômico decorrente da pandemia do COVID-19, mostra-
se carente de razoabilidade o prazo assinalado para o cumprimento, pelo mercado de corretores, das
alterações promovidas pela aludida resolução, haja vista que, nos termos do seu art. 17, ela entra em
vigor na data de hoje, 1º de julho de 2020, o que também comprova a urgência na concessão da
medida.
Por fim, é bom consignar que não se vislumbra prejuízo inverso pela concessão da medida liminar ora
pretendida, ressaltando nesse sentido a via célere do mandado de segurança.
Isto posto, DEFIRO A LIMINAR pleiteada para suspender, até ulterior decisão neste processo, a eficácia
do art. 4º, § 1º, IV e do art. 9º da Resolução CNSP nº 382/2020.”
Quanto à presença de periculum in mora, não há risco punibilidade para os atingidos pela
Resolução CNSP 382/2020. Eis que foi editada a Carta Circular no 1/2020/DIR2/SUSEP em
26 de junho de 2020 pela SUSEP, esclarecendo que, em função da pandemia de COVID-19,
nos primeiros 06 (seis) meses de vigência da Resolução não seria aplicada nenhuma
penalidade em virtude de eventuais violações, sendo o período até 31 de dezembro de
2020 destinado a uma supervisão voltada à orientação e à correção de eventuais
equívocos identificados.
Por outro lado, observa-se que a suspensão da eficácia da norma importa redução do
referido tempo de seis meses concedido às sociedades seguradoras (e os profissionais de
intermediação) para adaptar seus processos e suas políticas internas, seus sistemas
informáticos, adequando-se à obrigação pela transparência. De modo que se observa risco
de dano grave, de difícil ou impossível reparação, em periculum in mora inverso, apto a
ensejar a atribuição do efeito suspensivo ao presente agravo de instrumento.
Destaca-se que a Resolução impugnada foi publicada no dia 10 de março de 2020, com
data prevista para entrada em vigor em 1° de julho de 2020. Houve tempo suficiente para
a Agravada impetrar o mandado de segurança em data anterior ao dia 30 de junho de
2020, o que também afasta a o periculum in mora em favor do recorrido.
Em conclusão, uma vez presentes os requisitos (art. 995 do CPC) necessários para a
suspensão da eficácia da decisão agravada, a qual suspendeu a eficácia do art. 4º, § 1º, IV
e do art. 9º da Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP no 382/2020,
DEFIRO O PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO DE
INSTRUMENTO.
4. Conclusões
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